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ECO, Umberto. Quase a mesma coisa. Tradução de Eliana Aguiar. Rio de Janeiro: Record, 2007.

1st
“Suponhamos que num romance inglês um personagem diga IT’S RAINING CATS AND DOGS. Tolo
seria o tradutor que, pensando dizer a mesma coisa, traduzisse literalmente ESTÃO CHOVENDO
CÃES E GATOS. A tradução seria ESTÁ CHOVENDO A CÂNTAROS ou CHOVE COMO O DIABO
GOSTA ”
2nd
“Mas e se fosse um romance de ficção científica escrito por um adepto das ciências do insólito, [...]
e dissesse realmente que CHOVEM CÃES E GATOS? A tradução seria literal, de acordo”
3rd
“Mas e se o personagem fosse procurar o Dr. Freud para contar que sofre de uma curiosa
obsessão por cães e gatos, sentindo-se ameaçado por eles até mesmo quando chove?
A tradução ainda seria literal, mas assim se perderia o detalhe de que aquele Homem dos Gatos é
obcecado também por expressões idiomáticas.”
4th
“E se, num romance italiano, quem afirmasse que CHOVEM CÃES E GATOS fosse um estudante da
Berlitz que não consegue evitar a tentação de enfeitar seu discurso com anglicismos penosos?
Traduzindo-se literalmente, o ignaro leitor italiano não entenderia que ele está usando um
anglicismo.”
5th
“E se esse romance italiano tivesse que ser traduzido em seguida para o inglês, como dar conta
dessa mania anglicizante?
Seria necessário mudar a nacionalidade do personagem e fazê-lo virar um inglês com manias
italianizantes ou um operário londrino que ostenta sem sucesso um sotaque oxfordiano? [...]”
6th
“E se IT’S RAINING CATS AND DOGS fosse dito, em inglês, por um personagem de um romance
francês? Como traduzir em inglês? Pode-se perceber como é difícil dizer qual é a coisa que um
texto quer transmitir, e como transmiti-la.”

(ECO, 2007: 9-10, grifos meus)


O objetivo do livro, segundo Eco é “tentar compreender como, mesmo sabendo que nunca
se diz a mesma coisa, se pode dizer quase a mesma coisa. [...] o problema já não é tanto a idéia de
mesma coisa, nem a da própria coisa, mas a idéia desse quase. Quanto deve ser elástico esse
quase? [...] estabelecer a flexibilidade, a extensão do quase depende de alguns critérios que são
negociados preliminarmente. Dizer quase a mesma coisa é um procedimento que se coloca, como
veremos, sob o signo da NEGOCIAÇÃO (pp.10-11).

(Vide pp. 13-17)

Para eco, [...] traduzir quer dizer entender o sistema interno de uma língua, a estrutura de
um texto dado nessa língua e construir um duplo do sistema textual que, submetido a uma certa
discrição, possa produzir efeitos análogos no leitor, tanto no plano semântico e sintático, quanto
no plano estilístico, métrico, fono-simbólico, e quanto aos efeitos passionais para os quais tendia o
texto fonte. ‘Submetido a uma certa discrição’ significa que toda tradução apresenta margens de
infidelidade em relação a um núcleo de suposta fidelidade, mas que a decisão acerca da posição
do núcleo e a amplitude das margens depende dos objetivos que o tradutor se coloca.” (pp. 17-18)
Nas palavras de Eco, [...] “Quero apenas repetir que muitos conceitos circulantes em
tradutologia (equivalência, aderência ao escopo 1, fidelidade ou iniciativa do tradutor) colocam-se
para mim sob o signo da negociação. (p.18)
[...]Daí a idéia de que a tradução se apóia em alguns processos de negociação, sendo a
negociação, justamente, um processo com base no qual se renuncia a alguma coisa para obter
outra – e no fim as partes em jogo deveriam experimentar uma sensação de razoável e recíproca
satisfação à luz do áureo princípio de que não se pode ter tudo”.(p.19)

(vide pp. 19-20).

Finalmente, para Eco é preciso uma deontologia profissional para que a tradução
propriamente dita seja diferenciada da adaptação.

(vide p. 23 e p. 25)

1
Skopostheorie, ou teoria do escopo (finalidade/objetivo), é uma abordagem funcionalista e pragmática da
tradução. Foi inicialmente proposta em 1984 por Katharina Reiss e Hans Vermeer, que também usam os
termos translação ou ação translativa)

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