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Curso de Ciências Econômicas

Site: www.economia.lasalle.tche.br
NUPES - Núcleo de Pesquisa Econômicas e Sociais
Boletin de Análise da Conjuntura Sócio-Econômica
Publicação Trimestral - ano1 - nº1 - 2001

Política Monetária

Prof. Carlos Hérman Rodas Céspedes

O fato mais destacado durante o primeiro trimestre de 2001 foi a determinação da


Autoridade Monetária do país em reverter a tendência decrescente da taxa de juros.
Sabe-se, desde a mudança do regime cambial em bandas para o regime cambial
flutuante, que o objetivo principal da política monetária é atingir a meta da inflação fixada
neste ano em 4%. Para isso o Banco Central - Bacen - tem privilegiado o uso da taxa de
juros Selic (taxa básica) como seu principal instrumento de ação. Neste trimestre, a taxa
Selic, que vinha desde dezembro de 1997 (quando atingiu a marca de 42,04% a.a.)
mostrando uma tendência declinante, mudou de compor-tamento. Nas reuniões do Comitê
de Política Monetária – Copom - de março e abril últimos, o Banco Central decidiu aumentar
a respectiva taxa de 15,25 % para 15,75% e de 15,75 % para 16,25 %, respectivamente.
Quais os motivos para essa alteração?
Os argumentos contidos no informe oficial da 57a reunião do Copom de março
último responsabilizaram pela alta nos juros o cenário incerto caracterizado pela volatilidade
do preço do petróleo, as dificuldades da economia Argentina, a desa-celeração da
economia estaduni-dense e a estagnação da economia japonesa. Todos esses fatores
teriam, no entender do Bacen, as condições de afetar negativamente a taxa de câmbio,
isto é, de provocar a desvalorização do real e conseqüentemente elevar a taxa de inflação.
Sintomaticamente, no dia trinta de março, as taxas de juros DI no mercado futuro
apontavam para 16,96%, 17,97% e 18,85% correspondentes aos meses de abril, maio e
junho.
Na 58a reunião do Copom de abril último, quando foi estabelecida a nova marca
para a taxa de juros Selic em 16,25%, justificou-se tal medida como sendo decorrente da
pressão que sobre a taxa de câmbio provocava o aquecimento da demanda interna
demonstrado pelos números negativos (embora em recuperação) da balança comercial.
Num ambiente de incerteza provocado novamente pelos acontecimentos relacionados
com a crise Argentina (assunção do ministro Domingo Cavallo e a sua declaração de
atrelar o peso à uma cesta de moedas formada pelo dólar e pelo euro aliada ao
pronunciamento do ex-presidente Carlos Menem, conclamando o povo argentino a
substituir o peso pelo dólar) e pela diminuição no ritmo do ingresso de capitais do exterior
do Bacen, visando a defender o regime da meta da inflação. O informe supracitado também
ponderou a antecipação de prováveis eventos futuros que surgiriam com o reajuste nas
tarifas públicas (transporte e energia elétrica) superior ao previsto e em função do aumento
da massa salarial provocado pela queda da taxa do desemprego no trimestre e pela
elevação do salário mínimo a partir de maio.
Importante é salientar que os dois informes supracitados dão conta de que o ritmo
de expansão da demanda (embora os dados recentes da atividade varejista tenham
diminuído) era atendido pela oferta interna sem causar pressões sobre os preços. A
queda da taxa de juros (até a 57a reunião do Copom), a expansão do crédito e o aumento
da massa salarial foram os responsáveis pelos aumentos do consumo e do investimento
no trimestre. Atribui-se aos fatores sazonais as taxas inflacionárias registradas no período.
O panorama é completado pelos confortáveis resultados nas contas primárias do setor
público e pela estabilidade do nível de utilização da capacidade instalada, atingindo em
fevereiro a marca de 80,2%, o mesmo registro de um ano atrás.
Então, se a pressão da absorção sobre a oferta interna não provocava elevações
nos preços internos, a demanda voltada para o exterior preocupava as autoridades
monetárias devido ao saldo deficitário registrado na balança comercial e à sua implicação
sobre a taxa de câmbio.
Embora a taxa de câmbio tenha sofrido a pressão (dimensão não mensurada) do
impulso da demanda, ela tem refletido principalmente fatores alheios à economia doméstica
(intensidade igualmente desconhecida). Assim, pode explicar-se a partir destas relações
que a elevação da taxa de juros foi provocada, fundamen-talmente, pelas expectativas
dos agentes em relação ao repasse dos aumentos da taxa de câmbio sobre os preços.
As expectativas, por sua vez, tornaram-se instáveis em função da incerteza provocada
pelo quadro recessivo da economia americana, a estagnação da economia japonesa, a
maior aversão ao risco por parte dos investidores internacionais, a desconfiança externa
em relação às possi-bilidades da economia argentina recuperar seus fundamentos e
pelo desequilíbrio em conta corrente da balança de pagamentos da economia brasileira.
Se se considera o efeito que sobre as expectativas dos agentes provoca o quadro
de incerteza acima descrito, então pode afirmar-se que houve consistência em elevar-se
a taxa de juros. Parece que esse é o preço que deve ser pago para consolidar a
credibilidade sob o regime de metas inflacionárias. Não obstante, era necessário o aumento
da taxa de juros?
Deve lembrar-se que embora a credibilidade implique coerência entre a promessa
e a ação, esta não pode ser identificada como obediência a regras pré-estabelecidas
(Canuto, O. Valor Econômico, 24-04-2001). A credibilidade depende do uso discricionário
coerente dos instrumentos de política monetária quando são freqüentes as alterações no
cenário macroeco-nômico. Se a elevação da taxa de juros é coerente frente à deterioração
das expectativas, isso não implica, ex-ante nem ex-post, que a vulnerabilidade da economia
brasileira seja pequena, pelo contrário “...com o peso da Selic sobre a dívida pública,
caso a coerência não seja estendida ao lado fiscal, com acomodação dos efeitos das
promessas monetárias, ficará difícil acreditar no cumprimento dessas” (idem). Assim,
com a finalidade de evitar o custo que representa a elevação dos juros, restaria à autoridade
monetária retomar a tendência decrescente da taxa de juros (o que neste momento parece
difícil) ou aguardar pela reforma tributaria (o que parece difícil a curto prazo).
Cabe espaço ainda para questionar o que parece ter sido uma atitude cautelosa
para quem de longe tenta analisar e entender a opção realizada pelo Bacen. Vejamos:
sabe-se que o aumento da taxa do câmbio responde a desequilíbrios nas contas externas
e também ao efeito das expectativas; lemos declarações recentes do presidente do
Banco Central afirmando que a pressão do câmbio é transitória e que haveria espaço
para uma revalorização do real; ouvimos das autoridades econômicas posições confiantes
a respeito da evolução da economia brasileira baseadas nos sólidos fundamentos
macroeconômicos que ela apresenta.
Se, além disso, como mostram os informes do Copom, a oferta interna está
respondendo bem à expansão da demanda; se o próprio presidente do Bacen declara
que o ingresso previsto de capitais externos, em torno de US$ 23 bilhões, é suficiente
para fechar o balanço de pagamentos; se as expectativas da safra agrícola prenunciam
quedas nos preços dos produtos agrícolas capazes de compensar possíveis aumentos
de tarifas públicas; se a economia opera com a capacidade produtiva média de 80%; se
a taxa de juros americana está mostrando tendência declinante e declarações do
Presidente dos Estados Unidos dão conta de que a Argentina pode receber ajuda do
Tesouro americano; e, como tem ocorrido nos últimos dias de abril, a Argentina está
conseguindo renegociar sua dívida externa, então uma atitude mais ousada poderia cobrar-
se da Autoridade Monetária de tal modo a sustentar a queda da taxa de juros ou mantê-
la onde estava antes da 57a reunião do Copom. Ao final, o aumento em um ponto percentual
não adiantaria se a crise externa fosse maior; e, caso a crise fosse menor (em tempo de
duração e intensidade) que o esperado, sua elevação iria frear o processo de crescimento
da economia e aumentar o custo da dívida pública.
Finalmente, parece difícil provar que a elevação da taxa de juros ocorrida no último
mês foi determinante para a reversão das expectativas como hoje parecem mostrar os
números da taxa de câmbio e da taxa de juros no mercado futuro. Se tal prova existisse,
poderíamos seguir o raciocínio de Antonio Delfim Neto para entender o custo adicional
que representa a opção pela elevação dos juros. Suponha que a meta da inflação seja o
resultado de pressões previstas pelo lado da oferta e da demanda e que as ponderações
respectivas sobre aquela sejam equivalentes. O clima de incerteza provocado pelo cenário
externo (deficit em conta corrente, queda da entrada de capital e elevação da taxa de
câmbio no curto prazo por motivos reais ou psicológicos) representaria um aumento da
ponderação da oferta na meta. Neste caso, a coerência, a reputação e a responsabilidade
obrigariam o Banco Central a reduzir a ponderação da demanda através de um aumento
da taxa de juros. Os números recentes do consumo e do investimento parecem representar
bem o efeito da política monetária executada. Enfim, este parece ser o custo que a
sociedade paga em função da meta da inflação e da credibilidade da Autoridade Monetária.

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