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MODERNIDADE E PÓS-MODERNIDADE

Nildo Viana
nildoviana@terra.com.br

O mundo moderno é palco de a forma de salário, que é o preço da força


um confronto de ideologias, opções de trabalho pago pelo capitalista. Como o
políticas e concepções que são derivadas trabalhador produziu mais do que
das lutas de classes. Tal confronto se recebeu e o capitalista ficou com este
encontra também no que se refere ao mais-valor acrescido à mercadoria e não
significado dos conceitos e palavras. A recebido pelo trabalhador, aí reside a
palavra modernidade não escapa a esta exploração capitalista. Tal exploração é
condição e se presta a muitos equívocos e proporcionada pela dominação que a
definições. O presente texto tem como classe capitalista exerce sobre a classe
objetivo, partindo da concepção marxista, operária no processo de produção.
analisar os significados dos termos Há, na relação entre
modernidade e pós-modernidade. capitalistas e trabalhadores, uma
Ao moderno se contrapõe o incessante produção de mais-valor. Este
arcaico, o tradicional, o atrasado. Na mais-valor se realiza no mercado através
verdade, em termos marxistas, todas as do consumo das mercadorias pela
concepções do que é arcaico remete este população. Este é o fundamento da
às sociedades pré-capitalistas ou não- modernidade. É deste fundamento que
capitalistas, identificando, portanto, deriva todas as outras características da
modernidade e capitalismo. A concepção modernidade. Basta observar que o
marxista de modernidade também aponta processo de produção capitalista exige a
para esta conclusão, sem, contudo, grande indústria que é instalada na
contrapor tal termo a outros (arcaico, cidade, o desenvolvimento tecnológico
tradicional, atrasado) na busca ideológica (devido à competição dos capitais
de provar a “superioridade” do modo de individuais, a necessidade de ampliação
produção capitalista em relação aos constante do mercado consumidor e a
demais modos de produção, tal como o tendência à queda da taxa de lucro
faz as ideologias burguesas. médio), a necessidade de controlar e
O que caracteriza a administrar minuciosamente o processo
modernidade? Podemos dizer que é a de trabalho. Aqui se revelam várias
mercadoria, tal como é produzida em características secundárias da
nossa sociedade. A produção capitalista modernidade e que podem ser expressas
de mercadorias revela uma relação de por termos bastante utilizados pelas
exploração e dominação de uma classe ciências humanas: industrialização,
social por outra. O processo capitalista de urbanização, desenvolvimento
produção de mercadorias é um processo tecnológico acelerado, racionalização,
de produção de mais-valor, tal como burocratização.
Marx o demonstrou (Marx, 1988). O Mas a modernidade possui
capitalista compra a força de trabalho e a outras características, que também são
utiliza no processo de produção. A força derivadas das relações de produção
de trabalho acrescenta valor às capitalistas. A dominação e exploração
mercadorias e apenas uma parte desse da classe trabalhadora provocam a
valor acrescido retorna as suas mãos, sob resistência desta e a luta de classes. A
classe capitalista busca manter sua Enfim, a modernidade pode ser
dominação através da repressão, da compreendida como o período histórico
ideologia, do imaginário, da criação de marcado pelo predomínio do modo de
instituições que buscam integrar o produção capitalista e a modernização
proletariado na sociedade burguesa. A como o processo de desenvolvimento da
partir disto observamos novas modernidade.
características da modernidade: Neste sentido, o processo de
ideologização, institucionalização, modernização significaria tão-somente a
estatização, violência, luta de classes implantação do modo de produção
entre burguesia e proletariado em todas capitalista e das demais relações sociais
as esferas da vida social. Novamente se que lhe acompanham e seu
vê aí outras raízes do fenômeno da desenvolvimento, o que significa o
burocratização que se expande para a aprofundamento, intensificação, de
sociedade civil. elementos já presentes na essência do
A mercadoria é vendida no capitalismo. A modernização é este
mercado, onde se realiza o mais-valor e processo de aprofundamento e
isto cria a necessidade do consumo e a intensificação da modernidade, com suas
transformação de tudo em mercadoria. contradições e crises.
Torna-se necessário, devido à tendência O que significa falar de
da queda da taxa de lucro médio e a modernidade nos dias atuais? Significa
competição entre empresas capitalistas, a observar a atual configuração do
incessante reprodução ampliada do capitalismo mundial e suas contradições.
mercado consumidor. Isto faz com que A modernidade atual é a atual fase de
do meio-ambiente seja extraído cada vez desenvolvimento do capitalismo, ou seja,
mais matéria-prima, criando uma a contemporaneidade. O
devastação ambiental sem limites. Estes desenvolvimento capitalista é marcado
fatos nos apresentam mais algumas por lutas de classes que geram formas
características da modernidade: determinadas em cada uma de suas fases,
mercantilização, consumismo, modas o que repercute em todas as instâncias
sucessivas, destruição ambiental em sociais. Porém, há um elemento
escala nunca vista antes na história da fundamental no processo de
humanidade. desenvolvimento capitalista, que é a luta
Muitas outras características em torno do mais-valor e a acumulação
da modernidade, tal como o capitalista. A luta em torno do mais-valor
cientificismo, a especialização, etc., que é cotidiana, constante, e se dá no espaço
são derivadas das relações de produção concreto das relações de produção, da
capitalistas poderiam ser acrescentadas, unidade de produção, na fábrica, na
mas nos limitaremos a estas. Além disso, construção civil, ou seja, em todos os
e como elemento fundamental da lugares onde ocorre extração de mais-
modernidade, está a luta de classes, que é valor. Ela acaba se solidificando em
o seu fundamento – a produção de mais- determinada correlação de forças,
valor é expressão da luta de classes e instaurando determinadas formas de
gera a luta de classes na produção, que se extração de mais-valor, concretizadas em
dá em torno do mais-valor – e se formas de organização do trabalho, tal
generaliza e espalha por toda a sociedade, como se vê no taylorismo, fordismo,
envolvendo as classes fundamentais toyotismo. Além da produção de mais-
(burguesia e proletariado) e demais valor é necessário sua realização, sua
classes (burocracia, intelectualidade, repartição, etc., o que produz a
campesinato, etc.) e frações de classes. necessidade de controle e regularização e,
desta forma, determinada correlação de existir sem revolucionar constantemente
forças no processo de produção, aliada os meios de produção e, por conseguinte,
com determinada correlação de forças em as relações de produção e, com elas,
geral na sociedade civil, temos uma todas as relações sociais. (...). A
formação estatal e relações internacionais revolução contínua da produção, o abalo
estabelecidas, que constituem um constante de todas as condições sociais, a
determinado regime de acumulação eterna agitação e incerteza distinguem a
(Viana, 2009; Viana, 2003). A história da época burguesa de todas precedentes.
modernidade, ou seja, do capitalismo, é a Suprimem-se todas as relações fixas,
história da sucessão de regimes de cristalizadas, com seu cortejo de
acumulação, ou seja, formas preconceitos e idéias antiquadas e
consolidadas e relativamente veneradas; antes mesmo de se consolidar.
estabilizadas das lutas de classes. Tudo o que era sólido se evapora no ar,
Até aqui nos limitamos a tudo que era sagrado é profanado, e por
discutir o conceito de modernidade. fim o homem é obrigado a encarar com
Nosso objetivo, no entanto, é discutir o serenidade suas verdadeiras condições de
outro termo, o de pós-modernidade. vida e suas relações com a espécie”
Cabe, então, esclarecer o significado da (Marx e Engels, 1978, p. 96-97).
expressão “pós-modernidade” e o que A idéia de tempo e de
este fenômeno representa. A partir do mudança se une com a idéia de
reconhecimento da identidade entre velocidade. O desenvolvimento histórico
capitalismo e modernidade e da sob o capitalismo é tão veloz que dá a
constatação óbvia de que o capitalismo impressão de que as sociedades pré-
ainda não foi superado, observamos que capitalistas são estáticas, “sem história”,
as sociedades contemporâneas não são tal como na ilusão da maioria dos
“pós-modernas” e sim modernas. Não é antropólogos sobre as sociedades
difícil reconhecer que a produção de indígenas. Nesse torvelinho se vê, ao
mais-valor continua, bem como a mesmo tempo, continuidade e
sociedade continua comandada pela descontinuidade, mudanças e
produção industrial, continua urbana, permanências.
mercantil, burocrática, racionalizada, O que significa isto? Significa
consumista, etc. que as mudanças que ocorrem no
Mas resta explicar, então, o capitalismo são mudanças em sua forma
que significa a ideologia pós-moderna. e expressam os seus períodos de
Existe um rompimento real entre a desenvolvimento histórico. O seu
ideologia moderna (burguesa) e a conteúdo, ao contrário, permanece o
ideologia pós-moderna? Para responder a mesmo. Qual é este conteúdo? A
esta questão teríamos que tratar de outros produção de mais-valor pelo proletariado
aspectos da modernidade e após isto e sua apropriação pela burguesia, ou seja,
voltar ao nebuloso mundo das ideologias. a luta entre estas duas classes sociais. As
Algumas características da mudanças que ocorrem no mundo
modernidade, tais como o moderno são mudanças no interior do
desenvolvimento tecnológico acelerado, modo de produção capitalista e apontam,
a constante criação e recriação do devido suas contradições, para uma
mercado consumidor, entre outras, transformação radical de seu próprio
deixam entrever uma das mais conteúdo, isto é, para a abolição do
importantes facetas deste período capitalismo.
histórico e que pode ser resumida da Tal tendência histórica brota
seguinte forma: “a burguesia não pode de suas próprias contradições, ou seja, da
luta da classe capitalista e da classe aumento de extração de mais-valor
trabalhadora e de todos os conflitos absoluto. A partir desse momento, a
sociais derivados desta luta. Disto tudo se classe capitalista forjou a “organização
conclui que as mudanças no capitalismo científica do trabalho” (taylorismo), com
representam períodos históricos deste, o o objetivo de aumentar a produção no
que significa uma manifestação interior de um mesmo período de tempo
simultânea da continuidade (do modo de (a jornada de trabalho estabelecida), ou
produção capitalista) e da seja, de aumentar a produtividade, o que
descontinuidade (no modo de produção é equivalente ao aumento de extração de
capitalista), que se manifesta nos regimes mais-valor relativo. Isto significou a
de acumulação 1. Além disso, percebe-se, passagem do regime de acumulação
conseqüentemente, que as principais extensivo para o regime de acumulação
mudanças ocorrem nas relações de intensivo.
produção e distribuição e daí se espalham Um conjunto de processos
para as demais esferas da vida social. organizativos foi criado para realizar tal
O que vem ocorrendo no que façanha. A gerência científica significa a
diz respeito ao modo de produção criação de uma camada de especialistas
capitalista? Nos meios acadêmicos, (os gerentes) voltados para o controle, a
políticos e até mesmo nos meios vigilância e a organização do processo de
oligopolistas de comunicação, usam-se trabalho buscando evitar desperdício de
termos como “globalização”, tempo, maior rendimento, etc. Cria-se,
“reestruturação produtiva”, assim, uma racionalização do processo de
“terceirização”, “neoliberalismo”, “fim trabalho. Em síntese, o taylorismo, tal
do socialismo”, “fim do estado-nação”, como o concebemos, se caracteriza por
“sociedade pós-industrial”, “pós- ser um processo de controle da força de
modernidade”, “pós-fordismo”, etc. trabalho através da racionalização e dos
Comecemos pela chamada gerentes especializados em planejar
“reestruturação produtiva”. O termo “re- minuciosamente a execução das tarefas e
estruturação” é um tanto quanto aplicar tal racionalização (que se
exagerado, pois a estrutura produtiva não caracteriza por medir, calcular,
foi alterada em sua estrutura. No que se normatizar, o processo de trabalho)
refere às relações de trabalho, existe uma objetivando o aumento de produtividade.
tendência em se falar de “crise do As formas de organização do
fordismo” e em “pós-taylorismo” e “pós- trabalho posteriores são apenas
fordismo” e assim postular uma mudança aplicações do taylorismo às novas
radical no processo de trabalho. Tal tese necessidades do modo de produção
se sustenta numa análise superficial das capitalista, ou seja, não existe nenhum
formas de organização do trabalho. “pós-taylorismo”. O fordismo, por
O taylorismo se caracteriza exemplo, é apenas uma adaptação do
por ser a forma de organização do taylorismo à produção em massa, o que
trabalho criada pela burguesia a partir de provoca algumas alterações formais, mas
um estágio superior de seu não muda a essência do taylorismo. Ele é
desenvolvimento capitalista. Que estágio instaurado em outro contexto histórico,
é este? É o estágio onde a luta operária marcado por nova correlação de forças
impôs a estabilização da jornada de entre as classes sociais, ou seja, em um
trabalho e desta forma impediu o novo regime de acumulação, o intensivo-
extensivo, e que é acompanhado por uma
1
Sobre a periodização do capitalismo e os nova organização estatal, o estado
sucessivos regimes de acumulação, cf. Viana, integracionista e novas relações
2009.
internacionais, o imperialismo podemos dizer que após este período de
oligopolista transnacional. consolidação mundial do capitalismo
O toyotismo, por sua vez, surge um processo de irradiação das
realiza uma adaptação do taylorismo à transformações do capital e de suas
nova situação histórica. Que situação é formas de regularização para o resto do
essa? Trata-se de uma situação onde a mundo, o que significa que o capitalismo
luta de classes ganha contornos novos, muda de forma inicialmente nos países
onde há uma ofensiva da classe superdesenvolvidos e depois “exporta”
capitalista provocada pela queda da taxa estas mudanças para os países
de lucro médio e pela competição subordinados. Isto gera uma maior
oligopolista internacional. O Japão pós- uniformização do capitalismo mundial.
segunda guerra mundial precisou fazer Há muitas décadas o modo de
um esforço gigantesco, caracterizado pela produção capitalista se tornou o modo de
superexploração da força de trabalho, produção dominante em todos os países
para reerguer a produção nacional. Foi do mundo e daí se observa que o que se
desta forma que o Japão se tornou uma chama hoje de “globalização” não passa
“superpotência” no interior da de uma continuidade da expansão do
competição internacional. O “modelo capitalismo dos seus centros mais
japonês” implementado a partir do pós- desenvolvidos para as regiões menos
guerra passa a ser aplicado nos demais desenvolvidas. Entretanto, ao contrário
países devido à situação atual marcada do que pretendem os ideólogos da
pela taxa declinante de lucro e pela burguesia, trata-se de uma expansão
competição oligopolista internacional, marcada pelo signo da subordinação e
onde o Japão assume uma posição exploração, tal como sempre foi. Neste
privilegiada e graças ao seu êxito começa sentido, a afirmação de Marx segundo a
a ser copiado por diversos outros países. qual o país mais avançado mostra o
A tendência à queda da taxa caminho que será seguido pelos países
de lucro médio provoca, juntamente com mais atrasados é perfeitamente correta
outros fatores, uma corrida pelo (Marx e Engels, 1978). O que podemos
desenvolvimento tecnológico, um observar é que o termo “globalização”
aumento da taxa de exploração do ofusca o caráter capitalista da atual
trabalhador, uma busca incessante de expansão mundial e, conseqüentemente,
reprodução ampliada do mercado as suas contradições e conseqüências
consumidor, uma ofensiva da classe (Viana, 2009). Tal expansão expressa
capitalista em várias frentes ao mesmo uma nova fase da luta de classes,
tempo. Tais características surgem, marcada pela ofensiva capitalista e pela
inicialmente, nos países capitalistas ameaça proletária de radicalização, ou
superdesenvolvidos (EUA, Japão, Europa seja, caracterizada por uma situação de
Ocidental) e se espalha pelo resto do pré-crise 2. Trata-se de um deslocamento
mundo, atingindo, assim, os países 2
Pré-crise significa uma situação onde a luta de
capitalistas subordinados. classes ainda não assumiu a radicalidade
Este fenômeno de difusão suficiente para marcar o surgimento de um
mundial ocorre a partir da ascensão do novo período revolucionário, mas que apresenta
modo de produção capitalista, onde o como tendência mais forte uma radicalização
“centro” impõe as relações de produção neste sentido. Nestes momentos históricos, a
burguesia e suas expressões ideológicas e
capitalistas e seus derivados e, uma vez políticas avançam e se organizam (basta vermos
isto estando concretizado, irradia para o os exemplos da ascensão do neo-fascismo, neo-
resto do mundo também as suas nazismo, etc., que representam a extrema-
alterações formais. Desta forma, direita, juntamente com suas correntes mais
“moderadas”, embora contendo certas
de determinados aspectos da luta de parcialmente. A política neoliberal é
classes que até então eram específicas do expressão do predomínio dos interesses
capitalismo superdesenvolvido para o do capital oligopolista (transnacional e
capitalismo subordinado e vice-versa, já nacional) no estado capitalista e mantém
que há um aumento da exploração, o que uma unidade com outras estratégias
não ocorre sem contradições, tendo em ofensivas do capital, tal como o
vista o significado disto para os últimos3. toyotismo, e facilita a sua ação
O neoliberalismo e a destruidora. O fim do estado-nação, por
ideologia do fim do estado-nação são sua vez, não passa de uma ficção. O
expressões ideológicas de uma realidade capital precisa do estado-nação, por
pouco compreendida. O neoliberalismo é diversos motivos, entre os quais a sua
uma ideologia que faz parte da ofensiva necessidade de repressão dos
do capital e que não se concretiza movimentos de contestação, de produção
totalmente na realidade, mas apenas de ideologia, de assegurar os interesses
do capital nacional, entre outros (Viana,
semelhanças, tal como o neoliberalismo) antes 2003). O que ocorre é, na verdade, um
que a classe operária e suas expressões se peso maior nas decisões a nível nacional
organizem (podemos já vislumbrar um e mundial por parte do capital
crescimento das forças de extrema-esquerda, transnacional de acordo com a lógica
representada hoje pelo anarquismo complementar da necessidade de
revolucionário, pelo marxismo autogestionário,
etc., e também um processo político interior à aumento geral da exploração (aumento de
classe operária que aponta para a sua extração de mais-valor, absoluto e
autonomização e, por conseguinte, sua ruptura relativo), inclusive a nível internacional,
com as instituições burguesas e burocráticas). no qual os países de origem do capital
Claro que aqui se trata de uma pré-crise do transnacional buscam aumentar a
capital, e não de outras formas de crise, que é
um conceito universal (sobre isso veja: Viana, exploração interna e externa, gerando o
2007). Obviamente que uma crise do atual neo-imperialismo hegemonizado pelos
regime de acumulação pode se tornar uma crise Estados Unidos. Assim, a modernidade
do capitalismo, desde que as lutas sociais atual, a contemporaneidade, é marcada
assumam a radicalidade de questionar as pela instauração de um novo regime de
relações de produção capitalistas.
3
Aqui ocorre, por exemplo, uma visão aparente
acumulação, que marca uma renovação
do fenômeno do “fim da classe operária” ou sua do processo de valorização com a busca
“integração”, ou seja, ideologias européias e de aumento da extração de mais-valor
norte-americanas que são exportadas para o absoluto e relativo, pela nova forma
capitalismo subordinado e, nestes, novos estatal que é o estado neoliberal e por
agentes sociais de mudança, ilusoriamente,
substituem o proletariado e daí se pode
novas relações internacionais,
perceber a razão da nova influência em certos caracterizada pelo neo-imperialismo
setores de militância política da Escola de (Viana, 2009).
Frankfurt, Antonio Negri, Foucault, etc. Porém, Inúmeras outras ideologias
devido ao fato destas ideologias terem sido políticas se espalham pelo mundo e como
produzidas em países imperialistas, com
relativa estabilidade política, com maior
não é possível, neste espaço, tratar de
integração da classe operária e outros grupos todas, nos limitaremos a tratar de apenas
oprimidos, etc., acabam ganhando maior mais uma, que é a tese do fim do
radicalidade no capitalismo subordinado, pois socialismo. A derrocada dos países do
os altos índices de pobreza, etc., além da Leste Europeu e da URSS fornece o
própria característica geral do novo regime de
fundamento para a tese do fim do
acumulação que busca aumentar o processo de
exploração, não permite uma mera reprodução socialismo. Em primeiro lugar,
de ideologias em contradição com a realidade, dificilmente se poderia sustentar, da
além das lutas ideológicas e culturais que as perspectiva do proletariado, que estes
atingem.
países eram socialistas. Podemos dizer assim garantir sua reprodução ampliada.
que, tal como muitos críticos da Entre estas necessidades fabricadas se
sociedade soviética vêem colocando encontra a obsolescência planejada das
desde a década de 1920, o regime mercadorias (lâmpadas, eletrodomésticos,
existente na Rússia (e, posteriormente, etc., que têm o seu tempo de vida útil
Leste Europeu, China, Cuba, etc.) é, na diminuído), os produtos descartáveis, os
verdade, capitalista. Portanto, se algo produtos tecnológicos de consumo tanto
chegou ao fim não foi o socialismo e sim pessoal quanto industrial, que são em
o capitalismo de estado. pouco tempo superados por outros mais
Em segundo lugar, as razões sofisticados (computadores, programas
da crise do capitalismo estatal se de computadores, aparelhagem eletrônica
encontram na sua incapacidade de em geral) e as modas sucessivas (roupas,
acompanhar o desenvolvimento músicas, etc.). O que diferencia o regime
tecnológico acelerado dos países de acumulação anterior – intensivo-
capitalistas superdesenvolvidos e sua extensivo – para o atual – integral – é que
impossibilidade de conseguir incentivar isto é intensificado, ampliado. A cultura
os trabalhadores a aumentarem o seu mercantil se torna ainda mais
rendimento no processo de trabalho e isto mercantilizada, a sucessão das modas
tudo provoca uma impossibilidade de culturais se torna mais veloz, criando um
aumentar a produtividade (extração de mundo de cultura descartável, cada vez
mais-valor relativo) no mesmo ritmo que mais superficial, consumível, etc. E isto
os países capitalistas superdesenvolvidos. não apenas no que os elitistas chamam de
Daí a crise do capitalismo estatal e deste “cultura de massas”, mas em todas as
modelo burocrático e ditatorial de esferas culturais, incluindo aí a cultura
pseudo-socialismo. acadêmica, científica, filosófica. As
Estas são algumas das modas acadêmicas, mesmo sendo apenas
principais características da modernidade submodas, já que o pensamento
em sua atual fase. Outros aspectos, tais científico, filosófico, etc., não possui um
como a revolução tecnológica, a repertório e nem os ideólogos e
expansão do processo de mercantilização reprodutores de ideologias possuem
e burocratização das relações sociais, o criatividade o suficiente para realizar
consumismo, as modas sucessivas, mudanças mais drásticas, mas apenas
complementam este quadro. O aumento remendos, mudanças formais (a mais
gigantesco da produção de bens de comum é mudar as palavras e manter
consumo e a expansão de empresas e quase que intacto o conteúdo), misturas
instituições que mercantilizam serviços ecléticas, etc.
sociais são possibilitados tanto pela Isto é a modernidade nos dias
revolução tecnológica quanto pela de hoje. Como se pode notar,
necessidade do capitalismo de desviar os continuamos submetidos ao reino da
investimentos aplicados em meios de mercadoria. A modernidade é marcada
produção para meios de consumo, como por um período difícil e isto provoca a
forma de evitar um crescimento da ofensiva do capital que, por sua vez,
composição orgânica do capital e de tende a radicalizar as lutas de classes.
conseguir manter a reprodução ampliada Assim, caminhamos para uma crise da
do capital através da reprodução modernidade, ou seja, para uma crise do
ampliada do mercado consumidor. modo de produção capitalista. Isto abre
A produção de necessidades amplas perspectivas para a revolução e a
fabricadas é uma estratégia do capital instauração da autogestão social.
para ampliar o mercado consumidor e
Podemos, agora, retornar à ascensão das lutas sociais e das
questão da pós-modernidade. As concepções revolucionárias que se
sociedades atuais são modernas e não opuseram ao conservadorismo,
pós-modernas. A própria ideologia pós- reformismo e crítica resignada existente.
moderna é um produto da produção Assim, a crítica do cotidiano de Debord,
mercantil. Ela faz parte das ondas Lefebvre e outros se transformou em
sucessivas de consumo cultural apologia ou descrição dele; a sua inserção
produzidas pelo capitalismo, ou seja, é no interior da sociedade capitalista e seu
mais uma moda cultural que sustenta o papel político é ocultado e esquecido,
mercado editorial e artístico e, desta produzindo seu isolamento e
forma, enriquece ainda mais certas despolitização (Viana, 2009). A crítica da
frações da classe capitalista, do que razão instrumental realizada pela Escola
qualquer outra coisa. Desta forma se vê o de Frankfurt se transforma no
quão moderno são os nossos “pós- irracionalismo e abandono da razão em
modernos”! geral; a contestação estudantil e operária
A razão de ser desta de partidos, sindicatos, estruturas
ideologia, que na verdade somente em burocráticas se transforma em recusa da
sua auto-imagem ilusória poderia ser organização em geral; o questionamento
chamada “pós-moderna” (Viana, 2009) – das vanguardas e da representação se
pois é moderna e uma conceituação mais transforma em individualismo
adequada seria, na esfera artística, pós- desmobilizador, em isolamento das lutas
vanguardismo, e, na esfera científica, e da auto-representação de grupos
“pós-estruturalismo” – não é apenas isolados.
mercantil. Os meios oligopolistas de Mas, no final das contas, onde
comunicação incentivam e reproduzem a ideologia pós-estruturalista rompe com
estas ideologias e seus subprodutos, mas a ideologia moderna? Podemos dizer que
além de cultura descartável e mercantil, é no descaramento e cinismo aberto dos
as ideologias pós-estruturalistas e a arte pós-estruturalistas em relação ao recato
“pós-vanguardista” também possuem um da maioria dos modernos. Mas isto é
caráter político. Em muitos casos ela é apenas uma questão superficial e que não
abertamente uma apologia da sociedade retrata mais que aspectos formais,
capitalista 4, da qual os pós-estruturalistas embora revele por detrás de si uma
retiram o seu sustento e o seu conforto ofensiva ideológica da burguesia e não
em troca de migalhas. Troca-se seja comum a todos os pós-
ideologias e seus subprodutos por estruturalistas, que podem ser divididos
dinheiro. Individualismo, hedonismo, em tendências diferentes (Viana, 2009).
consumismo, são algumas palavras que O rompimento com a
caem como uma luva no pós-moderno. modernidade por parte dos ideólogos
Porém, além de ser uma expressão da pós-estruturalistas consiste em criar um
cultura mercantil, as ideologias pós- modernismo que seria homogêneo e um
estruturalistas são produtos das lutas de substituto também homogêneo, no qual o
classes mais diretamente, consistindo primeiro seria a “idade das trevas” e o
numa contra-revolução cultural segundo uma “idade das luzes”, mas sem
preventiva (Viana, 2009). “iluminismo”. Alguns ideólogos
O pós-estruturalismo retoma, sustentam que a grande ruptura com a
isolando e despolitizando, os temas das modernidade ocorre na epistemologia. Aí
lutas operárias e estudantis do final da surge a oposição entre holismo e
década de 60, quando houve uma individualismo metodológico,
racionalismo e irracionalismo,
4
Veja, por exemplo: Baudrillard (1986).
iluminismo e romantismo. Isto, freudismo e do existencialismo 5 é a chave
entretanto, não se sustenta diante de uma para se compreender o processo da
análise histórica, pois basta conhecer a ideologia pós-estruturalista que parte
obra de vários autores “modernos”, tal para uma concepção que recusa as
como Max Weber, Georg Simmel, F. concepções fundadas na totalidade ou no
Nietzsche, Wilfredo Pareto, entre outros, racionalismo.
para se observar que a “metodologia pós- O ecletismo assume papel
estruturalista” já existe há alguns séculos importante e tudo passa a ser válido, tal
e é tão moderna quanto o positivismo como na luta intercapitalista e nos
naturalista clássico, com sua busca de ringues de luta livre: vale tudo. Em uma
neutralidade axiológica, que sob nova de suas tendências, o ecletismo se torna o
forma reaparece no pós-estruturalismo: o elemento principal. Assim, o que unifica
relativismo (Viana, 2000). todas as diversas tendências pós-
Na verdade, o pós- estruturalistas é sua negação do
modernismo significa apenas uma outra “modernismo”, ou seja, do marxismo
ideologia moderna, isto é, burguesa. Ela (fundamentalmente), do freudismo, do
resgata posições modernas, embora estruturalismo e do existencialismo, ou
marginais, antigas, e inventa novas seja, das concepções que tinham força no
ideologias. O pós-estruturalismo possui regime de acumulação anterior, e todas as
uma diversidade de ideologias no seu outras. Esta negação, no entanto, é
interior, tal como os supermercados relativa, pois qualquer um pode recuperar
possuem suas prateleiras cheias do qualquer coisa destas concepções, o que
mesmo produto, mas com marcas não se pode é aceitá-las na totalidade. E
diferentes. A marca é o diferencial que embora existam os que fazem isto, eles
ocorre na competição no mercado não são pós-estruturalistas e nem são
capitalista de ideologias. Uma grande bem vistos por estes.
diversidade de teses e linguagens, para Logo, modernidade e pós-
diversos nichos de consumidores. modernidade são construtos da ideologia
Existem os pós-estruturalistas críticos pós-estruturalista ou de outras ideologias
(Foucault, Deleuze, Guatari); os ecléticos e por isso não são vistas como o que
(Antonio Negri, Lazzaratto) e os realmente são: expressões da sociedade
conservadores (Rorty, Baudrillard, burguesa. Na perspectiva marxista, a
Maffesolli). modernidade é o capitalismo e a pós-
O que há de comum em todos modernidade não existe. O modernismo,
eles é o seu discurso (falso) de superação em ciências humanas, é algo inexistente,
das idéias modernas (que, como já e o pós-modernismo também. Restam
dissemos, se torna um todo homogêneo, ideologias que surgem na modernidade
o que serve para incluir o marxismo, seu atual, ou “modernidade recente” (Young,
principal alvo no final das contas) e, em 2002), que se autonomeiam como
alguns casos, da sociedade moderna. A querem e iludem os desavisados. Estas
idéia de sociedade pós-industrial, pós- ideologias, entre elas o pós-
moderna, de modo de produção pós- estruturalismo (pois não se pode esquecer
fordista (o que não quer dizer nada, pois que apesar do discurso pós-estruturalista,
resta saber o que veio depois do o marxismo, o positivismo naturalista,
fordismo...) – identificado com pós- 5
Estas concepções são “superadas”
capitalismo, tal como no caso de Negri parcialmente, pois o pós-estruturalismo
(Viana, 2009). A superação do recupera aspectos das tendências anteriores,
estruturalismo, do marxismo, do embora o marxismo e o freudismo só sejam
recuperados (e deformados) pelas tendências
críticas ou ecléticas do pós-estruturalismo.
entre outras concepções que eles rotulam cada vez maior 6 e isto expressa a
de “modernas” continuam a existir e possibilidade de revolução através da
renovar). ação revolucionária do proletariado em
E o marxismo? Ora, não é conjunto com as demais forças
difícil perceber que o marxismo é uma revolucionárias existentes no interior
crítica da sociedade burguesa e, por desta sociedade no sentido de instaurar a
conseguinte, da modernidade. Ele é uma autogestão social.
crítica do capitalismo e de suas
ideologias, sejam elas iluministas,
românticas, racionalistas, irracionalistas,
individualistas, holistas, etc.
Disto se conclui que, se existe
hoje uma concepção pós-moderna, esta
só pode ser o marxismo. Neste sentido, o
marxismo é uma crítica da modernidade
e por isso ele pode reconhecer suas
contradições e apontar para um mundo
realmente pós-moderno, que é a
sociedade autogerida.
A real oposição não se
encontra entre modernidade e pós-
modernidade (no sentido corrente destes
termos) e sim entre classe capitalista e
classe operária, que no plano das idéias
se manifesta como oposição entre
ideologias burguesas (modernas e “pós-
modernas”) e o marxismo, entre diversas
outras formas de manifestação da cultura
burguesa e da cultura proletária.
A teoria marxista pode reconhecer a
tendência histórica da superação do
capitalismo e observar a aproximação de
uma crise da modernidade. A
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modernidade, ou seja, a sociedade A reprodução do capitalismo enquanto modo de
burguesa, encontra-se num período de produção tende a ficar cada vez mais difícil
com o seu desenvolvimento histórico, pois a
pré-crise, o que significa que há uma cada regime de acumulação suas estratégias de
forte tendência ao desencadeamento de adaptação vão se esgotando. Podemos dizer que
uma nova grande crise do capital, e o regime de acumulação integral é o último
alguns sintomas começam a se suspiro do capitalismo e que, uma vez entrando
manifestar. em crise, somente uma derrota do proletariado
através da retomada do fascismo e da guerra
Usar o termo “crise do capital” hoje poderá impedir a transformação social, ou então
seria banalizar o conceito e lhe retirar o a implantação de um capitalismo estatal
significado. Preferimos caracterizar o mundial, hipótese remota – principalmente
atual período de pré-crise da depois da crise do capitalismo estatal e do
modernidade (capitalismo), o que enfraquecimento das ideologias e forças
políticas que são sua expressão – ou de um
significa que se caminha para uma crise modo de produção burocrático, o que
e esta se caracteriza não só pelas significaria, neste último caso, a derrota do
dificuldades de reprodução do capital proletariado e sua abolição, instituindo uma
mas, principalmente, que ela se tornará nova forma de exploração e novas classes
exploradoras e exploradas.
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Referências

BAUDRILLARD, Jean. América. Rio de Janeiro, Rocco, 1986.

MARX, K. O Capital. 3a edição, Vol. 1, São Paulo, Nova Cultural, 1988.

MARX, Karl e ENGELS, F. Manifesto do Partido Comunista. In: LASKI, H. J. O Manifesto Comunista de
Marx e Engels. 2a edição, Rio de Janeiro, Zahar, 1978

VIANA, Nildo. Estado, Democracia e Cidadania: A Dinâmica da Política Institucional no Capitalismo.


Rio de Janeiro, Achiamé, 2003.

VIANA, Nildo. O Capitalismo na Era da Acumulação Integral. São Paulo, Idéias e Letras, 2009.

VIANA, Nildo. O Fim do Marxismo e outros ensaios. São Paulo, Giz, 2007.

YOUNG, Jock. A Sociedade Excludente: Exclusão Social, Criminalidade e Diferença na Modernidade


Recente. Rio de Janeiro, Revan, 2002.

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