Você está na página 1de 4

Lucas Mariano de Paula – RA: 22002185 – Turma C

HC 82.424 – Resumo do voto do relator Ministro Maurício Corrêa

O caso Ellwanger foi um caso controverso, que teve um longo período de duração nos
tribunais. Primeiramente, o paciente, Siegfried Ellwanger Castan, havia sido condenado pelo
crime de racismo pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, e posteriormente, pelo
Superior Tribunal de Justiça, que confirmou a condenação do último. Como última apelação,
o paciente impetrou com o pedido de habeas corpus ao Supremo Tribunal Federal, onde o
processo foi distribuído à relatoria do ministro Moreira Alves. Após o voto do ministro
relator, concedendo o habeas corpus, o ministro Maurício Corrêa pediu vista do processo e
apresentou seu voto de vista.

O ministro Maurício Corrêa busca, na introdução de seu voto, apresentar o paciente,


Siegfried Ellwanger, além do motivo da condenação do mesmo. Tal condenação que, se
baseia no crime tipificado no artigo 20 da Lei 7716/89, com a redação dada pela Lei 8081/90,
pelo motivo de distribuição e edição de obras consideradas de conteúdo anti-semita e
discriminatório. Em seguida, destaca a falta de verossimilhança das obras com a realidade,
visto a negação de fatos históricos como a perseguição dos judeus, além de incentivar a
discriminação racial, justificando assim a inferiorização e segregação desse grupo em
questão.

Do mesmo jeito que o relator, o voto segue em entender o alcance e o significado da


palavra “racismo” para continuação do julgamento. Com isso, é apresentado um programa de
genética chamado Programa Genoma Humano (PHG), que buscou banir de vez o conceito de
raças. O Programa concluiu que não existe base genética para aquilo que as pessoas
descrevem como raça, sendo poucas as diferenças de uma pessoa para outra. O professor
Sérgio Danilo Pena, da Universidade Federal de Minas Gerais, alega que os estudos
realizados pelo PHG destruíram qualquer noção de raças existente, e que do ponto de vista
genético, as raças não existem. O professor ainda acrescenta que “as diferenças genômicas
entre ele e o entrevistador, Marcelo Leite, são tão grandes quanto as diferenças genéticas
entre o Sérgio Pena e alguém na África agora”. E com isso, conclui-se que a divisão em raças
dos seres humanos provém de um processo político-social originado pela intolerância dos
homens, resultando assim no preconceito racial. Acaba por não existir uma comprovação
científica para a divisão do homem em raças, sendo todos que habitam o planeta, pertencentes
da mesma espécie ou raça, a humana.

Diversas foram as guerras na história que visavam o poder e território, outras ainda
visavam a supremacia de um povo sobre outro, sob a perspectiva de que esses últimos
constituiriam uma raça inferior. Nesse contexto, pode-se se destacar os horrores ocorridos na
Alemanha nazista durante a Segunda Guerra Mundial, que no caso, ocasionou no extermínio
de milhões de judeus nos campos de concentração de Auschwitz, de Dachau, entre outros.
Adolf Hitler, no capítulo “Povo e Raça” de seu livro “Minha Luta” escreve que “a grandeza e
superioridade da raça ariana/alemã existe em função da oposição à inferioridade da raça não-
ariana, a semita/judaica” e que “para preservar a raça ariana, seria preciso eliminar a anti-
raça”.O professor de Semiótica e Linguística da USP, Izidoro Blikstein, conclui com isso,
que o antissemitismo é uma forma de racismo, pelo fato de contrapor duas raças, uma
superior em relação a outra. E dessa forma, o ministro Maurício Corrêa comenta que mesmo
que fosse “normal” dividir a raça humana segundo os traços físicos, não teria relevância saber
se o povo judeu é ou não, visto que o racismo configuraria do ato de discriminação contra os
mesmos, devido a convicção que os arianos são a raça perfeita e eles a anti-raça.

A antropologia atual, bem como a sociologia moderna definem significados um pouco


semelhantes para o conceito de raças. A professora de antropologia, Sonia Bloomfield
Ramagem, define que as raças sociais são caracterizadas por termos tanto físicos quanto
culturais, no entanto, a sociologia moderna as definem como sendo tendências culturais
caracterizadas por termos ideológicos. Ambas áreas concordam que por terem uma tendência
político social, a divisão das raças acaba por hierarquizar uma parcela da sociedade sobre
outra. Por esse motivo, não se pode negar que o anti-semitismo dogmatizado pelos nazistas
constitui uma forma de racismo, visto a tendência a hierarquizar valores de certos grupos
humanos, enquanto inferioriza de outros grupos, no caso os judeus.

Após essas citações, o ministro Maurício Corrêa, retorna as obras publicadas e


editadas pelo paciente, relata que o mesmo procurava negar a existência do holocausto, além
de instigar a discriminação racial contra o povo judeu. Com isso, o ministro comenta
passagens de algumas das obras, para que não deixem dúvidas a respeito das acusações,
como: “Na Inglaterra, dizem que o judeu é o verdadeiro amo do mundo, que a raça judaica é
uma supranacionalidade, que vive no meio e acima dos povos” (p.11), do Livro “Judeu
Internacional”, de Henry Ford; e “o judaísmo mundial precisava de vítimas a fim de estar em
condições de fazer chantagem com o mundo com essa história de que houve seis milhões de
mártires judeus...” (p.112), do Livro “Conquistadores do mundo - os verdadeiros criminosos
de guerra”, de Louis Marschalko. Feitas essas considerações, chegou à conclusão de que as
condutas atribuídas ao paciente são práticas do racismo, seja porque o conceito de raça não se
resume a semelhanças físicas, ou pela defesa e incentivo da segregação e classificação dos
judeus como raça, pela visão da doutrina nazista.

Quando tratado internacionalmente, a visão contemporânea dos direitos humanos e de


tratamento igualitário sobressaía sobre a visão racista de então. Na Declaração Universal dos
Direitos Humanos de 1948, está disposto e assegurado a liberdade e igualdade entre os
homens, além de reprimir qualquer forma de discriminação. O então Chanceler Horácio
Lafer, ao discursar na Assembleia Geral da ONU em 1960, discorre que o Brasil, sendo
contra quaisquer políticas de segregação, sejam elas, “baseadas em distinção de raça, cor ou
religião”, condena a perseguição racial. Na Convenção Internacional sobre a Eliminação de
todas as formas de Discriminação Racial de 1965, o seu artigo 1º classifica a discriminação
racial como qualquer distinção, exclusão, restrição ou preferência baseadas em raça, cor,
descendência ou origem nacional ou étnica; e no artigo 4º condena as práticas
discriminatórias baseadas na superioridade de um grupo ou raça em relação a outro.

Ainda na resolução 623 da Assembleia da ONU de 1998, os países são incentivados a


combater todas as formas contemporâneas de racismo, como a xenofobia, negrofobia, anti-
semitismo e outras formas de intolerância racial, classificando assim o próprio anti-semitismo
como sinônimo da exteriorização do racismo no Direito Internacional Público. Visto isso,
compara-se que o problema da segregação racial é enfrentado atribuindo-se ao termo raça
uma conotação mais complexa. O professor Celso Lafer, afirma que a correta interpretação
do inciso XLII do artigo 5º da Constituição, não está na definição de “raça - pois só existe
uma raça humana – mas nas práticas discriminatórias do racismo que são histórico-político-
culturais”.

Visto isso, ao analisar o caso Ellwanger com base na Constituição Federal, conclui-se
que o paciente cometeu sim o ato de racismo, sendo o crime praticado imprescritível. A
Constituição rejeita a definição isolada e tradicional de raça sendo distinta pela cor da pele,
tendo em vista o inciso IV do artigo 3º, que trata cor e raça como conceitos diferentes. Por
isso, a referência a raça deve ter conteúdo mais amplo, sob pena de inaceitável inocuidade no
que tange a cor.
O ministro Maurício Corrêa cita a visão de Cretella Júnior que, ao tratar do inciso VIII
do artigo 4º da Constituição, caracteriza o racismo como “ideologia que defende a
superioridade de um grupo étnico sobre outro (arianos e não arianos)”. Ainda reforça a ideia,
José Afonso da Silva, que apresenta que o texto constitucional “proíbe o preconceito de
origem, cor e raça e condena discriminações com base nesses fatores, consubstancia-se, antes
de tudo, um repúdio à barbárie do tipo nazista que vitimara milhares de pessoas, e consagra a
condenação do apartheid”.

A cidadania e a dignidade da pessoa humana são dois dogmas fundamentais inerentes


que que garantem que todos os seres humanos tenham o “direito de ter direitos”. No entanto,
o paciente, ao citar teorias anti-semitas relacionadas ao nazismo em suas obras, elimina a
possibilidade de os judeus possuírem direitos inerentes à cidadania, e por consequência a de
dignidade da pessoa humana. E a exclusão desses direitos contrariam as bases do Estado
Brasileiro.

Depois disso, o ministro Maurício Corrêa parte da ideia uma interpretação teleológica
e sistêmica, a fim de conciliar as condições históricas, políticas e sociológicas, para
compreender o sentido da lei para aplicá-la. Os sentidos das palavras raça e racismo não se
tornam suficientes, para se determinar o alcance da norma. Além disso, afirma que limitar o
racismo apenas a simples discriminação de raças, implica na negação do princípio da
igualdade, ou seja, condicionar a discriminação como crime imprescritível apenas aos negros
e não aos judeus é aceitar como desiguais aqueles que na essência são iguais perante tal
garantia.

Conclui o ministro Maurício Corrêa com base nesses fatos que a subdivisão racial da
espécie humana não encontra qualquer tipo de sustentação, tendo sua origem em teorias
racistas que hoje são condenadas pela legislação criminal. E com isso, o preceito do inciso
XLII do artigo 5º da Constituição aplica-se ao paciente configurando crime de racismo. Ante
essas circunstâncias, o mesmo vota pelo indeferimento do habeas corpus.

Você também pode gostar