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Supremo Tribunal Federal

Ementa e Acórdão

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20/12/2019 PLENÁRIO

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 2.421 SÃO PAULO

RELATOR : MIN. GILMAR MENDES


REQTE.(S) : GOVERNADOR DO ESTADO DE SÃO PAULO
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DE SÃO PAULO
INTDO.(A/S) : ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE SÃO
PAULO
PROC.(A/S)(ES) : ALEXANDRE ISSA KIMURA
PROC.(A/S)(ES) : DIANA COELHO BARBOSA

Ação Direta de Inconstitucionalidade. 2. Lei nº 10.544/2000, do


Estado de São Paulo. 3. Direito Financeiro. Transferências
Constitucionais. Critérios de repasse de impostos estaduais aos
municípios. 4. Inexistência de vício de iniciativa legislativa. Matéria de
direito financeiro não incluída na iniciativa reservada ao chefe do Poder
Executivo. Rol exaustivo de hipóteses de limitação da iniciativa legislativa
parlamentar. 5. Campo restrito para a legislação estadual dispor sobre os
critérios de distribuição de impostos estaduais. Art. 158, inciso II, da
Constituição Federal. 6. Interpretação conforme à Constituição no tocante
a ¼ da quota parte do ICMS destinada aos municípios. Inviabilidade. 7.
Exclusão por completo de município da repartição do produto da
arrecadação de ICMS. Impossibilidade. 8. Lei que define o cálculo dos
repasses de forma progressiva, sem definir prazos, e delega ao Poder
Executivo a regulamentação da Lei. Violação à autonomia financeira dos
municípios. 9. Transferências constitucionais devem ser pautadas por
critérios objetivos, de caráter vinculado, que assegurem a regularidade e
previsibilidade dos repasses. 10. Ação direta julgada procedente para
declarar a inconstitucionalidade da lei impugnada.
AC ÓRDÃ O
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do
Supremo Tribunal Federal, em Sessão Plenária, sob a presidência do
Senhor Ministro Dias Toffoli, na conformidade da ata de julgamento e das
notas taquigráficas, por unanimidade de votos, conhecer da ação direta e
julgar procedente o pedido formulado para declarar a

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ADI 2421 / SP

inconstitucionalidade da Lei Estadual nº 10.544, de 27 de abril de 2000 ,


nos termos do voto do Relator.
Brasília, Sessão Virtual de 13 a 19 de dezembro de 2019.
Ministro GILMAR MENDES
Relator
Documento assinado digitalmente

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20/12/2019 PLENÁRIO

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 2.421 SÃO PAULO

RELATOR : MIN. GILMAR MENDES


REQTE.(S) : GOVERNADOR DO ESTADO DE SÃO PAULO
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DE SÃO PAULO
INTDO.(A/S) : ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE SÃO
PAULO
PROC.(A/S)(ES) : ALEXANDRE ISSA KIMURA
PROC.(A/S)(ES) : DIANA COELHO BARBOSA

RELATÓRIO

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES (RELATOR): Trata-se


de ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo Governador do
Estado de São Paulo, que impugna a Lei Estadual 10.544, de 27 de abril de
2000, por violação ao art. 158, incisos III e IV, e parágrafo único, da
Constituição Federal, bem como às normas relacionadas ao princípio da
separação de poderes e à reserva de iniciativa do Chefe do Executivo para
os projetos de lei de matéria orçamentária (art. 165, incisos I a III, do texto
constitucional).
Na peça inicial (fls. 2/11), o Governador argumenta que vetou
integralmente o Projeto de Lei 45/1998, de iniciativa parlamentar,
versando sobre critérios para repasse dos impostos do Estado para os
Municípios enquadrados nas disposições contidas nas Leis 898/1975 e
1.172/1976, ou seja, aqueles que possuem áreas submetidas a proteção
especial. Nada obstante, o veto foi derrubado e foi promulgada a Lei
10.544, de 27 de abril de 2000.
Alega, em síntese, que o legislador estadual não tem qualquer poder
normativo autônomo em relação à partilha de impostos prevista nos
incisos III e IV do art. 158 da Constituição, uma vez que ela própria já
determinou os critérios de partilha: os licenciamentos de veículos
ocorridos no território do município, no caso do IPVA, e o valor
adicionado nas operações ocorridas no território, no caso do ICMS.
Aduz, ainda, que a finalidade declarada do legislador foi dar

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cumprimento ao art. 200 da Constituição do Estado de São Paulo, que


prevê mecanismos de compensação financeira para municípios que
sofrerem por força de instituição de espaços territoriais especialmente
protegidos pelo Estado.
Afirma, ainda, violação à reserva de iniciativa do Chefe do Poder
Executivo para os projetos de lei sobre matérias previstas no art. 165,
incisos I a III, da Constituição.
Por fim, pleiteia a suspensão imediata e integral do texto impugnado
e, após a oitiva da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo
(ALESP) e da Advocacia-Geral da União (AGU), a declaração da
inconstitucionalidade integral da lei impugnada.
O relator à época, Min. Sydney Sanches, solicitou informações à
Assembleia Legislativa, as quais foram prestadas às fls. 41/50.
Em síntese, a ALESP sustenta a ausência dos requisitos para a
concessão da medida cautelar.
No tocante ao fumus boni iuris, aponta que a lei impugnada vai ao
encontro do art. 158, parágrafo único, da Constituição, ao conferir maior
participação da quota-parte do ICMS aos municípios abrangidos pelas
restrições ambientais. Assevera, ainda, que a lei não tem natureza
orçamentária, pois não se enquadra em nenhum dos dispositivos do art.
165, incisos I a III, do texto constitucional.
No tocante ao periculum in mora, a ALESP sustenta que não há
iminente lesão à ordem pública, uma vez que a demanda foi ajuizada
quase um ano após a edição da lei atacada.
O então relator adotou o rito do art. 12 da Lei 9.868/1999 e abriu
vistas à AGU e à Procuradoria-Geral da República para se manifestarem
(fl. 54).
A AGU se manifesta no sentido da improcedência da ação e da
constitucionalidade da lei desde que aplicada a interpretação conforme à
Constituição apenas para estabelecer os critérios de repasse previstos no
art. 158, parágrafo único, inciso II, do texto constitucional (fls. 56/63).
A PGR opina pela procedência parcial da ação para declarar a
inconstitucionalidade parcial sem redução de texto do art. 1º da lei,

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conferindo interpretação conforme à Constituição nos limites do art. 158,


paragrafo único, II (fls. 68/76).
Assumiu a relatoria do feito o Ministro Cezar Peluso, o qual solicitou
informações à autoridade requerida quanto ao mérito nos termos do art.
12 da Lei 9.868/1999 (fl. 78).
A ALESP prestou as informações acerca do mérito, pugnando pela
improcedência da ação (fls. 86 e 98).
Assumi a relatoria do presente feito, nos termos do art. 38 do RISTF
(fl. 99).
É o relatório.

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VOTO

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES (RELATOR): Trata-se


de ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo Governador do
Estado de São Paulo, que impugna a Lei Estadual 10.544, de 27 de abril de
2000. Transcrevo a seguir a referida lei:

“Artigo 1º - Os Municípios enquadrados nas disposições


contidas nas Leis nºs 898, de 1975 e 1.172, de 1976, terão o
repasse dos impostos estaduais a que fazem jus calculado
proporcionalmente às áreas de restrição ambiental de cada um
deles.
Artigo 2º - O cálculo do repasse referido no artigo anterior
será procedido de forma progressiva, levando-se em conta as
restrições ao uso do solo, para fins industriais e habitacionais de
cada Município.
Artigo 3º - O Poder Executivo regulamentará a presente
lei.
Artigo 4º - Esta lei entra em vigor na data de sua
publicação”.

Sustenta-se a inconstitucionalidade da lei por violação ao art. 158,


incisos III e IV, e parágrafo único, da Constituição Federal, bem como às
normas relacionadas ao princípio da separação de poderes e à reserva de
iniciativa do Chefe do Executivo para os projetos de lei de matéria
orçamentária (art. 165, incisos I a III, do texto constitucional).

Pressupostos processuais

Consoante dispõe o art. 103, inciso V, da Constituição Federal (com


redação dada pela EC 45/2004), o Governador do Estado de São Paulo é

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parte legítima para propor ação direta de inconstitucionalidade.


Esta Corte entende que cabe ao próprio Governador firmar a petição
inicial, isoladamente, ou juntamente com o Procurador-Geral do Estado,
ou outro advogado. Com efeito, o direito de propositura é atribuído ao
Governador do Estado e não à unidade federada, sendo consideradas
ineptas as ações diretas propostas com base no art. 103, V, da
Constituição, firmadas exclusivamente pelo Procurador-Geral do Estado.
Nesse sentido, destaco os seguintes precedentes: ADI-AgR 2.130, Rel.
Min. Celso de Mello, Tribunal Pleno, DJ 14.12.2001; e ADI 1.814, rel. Min.
Maurício Corrêa, DJ 12.12.2001.
No caso, tal requisito foi atendido. A petição inicial foi assinada pelo
Governador Mário Covas, que faleceu em seguida à propositura da ação
(fl. 11). O Governador Geraldo Alckmin, que o sucedeu, ratificou os atos
praticados pelo seu antecessor, requerendo o prosseguimento do feito (fl.
30).
Ademais, verifico também a regularidade dos demais requisitos de
admissibilidade desta ação direta: o autor indicou os dispositivos sobre os
quais versa a ação (Lei Estadual 10.544/2000) e os fundamentos jurídicos
do pedido e apresentou cópia da norma impugnada.
Posto isso, conheço da presente ação e passo a examinar o mérito.

Inexistência de vício de iniciativa legislativa

O autor sustenta que a lei impugnada padece de


inconstitucionalidade formal por vício de iniciativa legislativa. Alega que
a lei versa sobre matéria orçamentária, cuja iniciativa cabe privativamente
ao Chefe do Poder Executivo, nos termos do art. 165, incisos I a III, do
texto constitucional.
Essa alegação não merece prosperar.
De fato, a Lei 10.544/2000 não tem natureza orçamentária, ou seja,
não dispõe sobre matéria atinente à lei orçamentária anual (LOA), às
diretrizes orçamentárias (LDO) ou ao plano plurianual (PPA).
Com efeito, o ato impugnado não estima a receita e fixa a despesa

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para um exercício financeiro (art. 165, III, CF/88), não orienta a elaboração
da lei orçamentária (art. 165, II, c/c §2º, CF/88), ou estabelece de forma
regionalizada as diretrizes, objetivos e metas da administração pública
federal para as despesas de capital e para os programas de duração
continuada (art. 165, I, c/c §1º, da CF/1988).
O que a lei faz é dispor sobre transferências intergovernamentais, ou
seja, sobre critérios de repasse de impostos de competência estatual aos
municípios.
Cuida-se de matéria de direito financeiro, mas não orçamentário.
Afinal, toda matéria atinente aos orçamentos públicos, às diretrizes
orçamentárias ou ao plano plurianual também é matéria financeira, mas a
recíproca não é verdadeira.
Assim, aqui não se aplica a iniciativa reservada do art. 165 do texto
constitucional. Também não se aplica a regra do art. 61, §1º, da
Constituição, pois tais repasses financeiros não se enquadram em
nenhuma hipótese do rol constante desse dispositivo constitucional.
Por outro lado, é elementar em hermenêutica que a exceção à regra
não deve ser interpretada extensivamente, sob pena de desvirtuar a
própria regra.
Sendo exceção à regra da iniciativa comum (art. 61, caput), a
iniciativa reservada não comporta interpretação ampliativa, conforme já
assentado pela Corte no seguinte precedente da relatoria do eminente
Ministro Celso de Mello:

“ADI - LEI Nº 7.999/85, DO ESTADO DO RIO GRANDE


DO SUL, COM A REDAÇÃO QUE LHE DEU A LEI Nº 9.535/92
- BENEFÍCIO TRIBUTÁRIO - MATÉRIA DE INICIATIVA
COMUM OU CONCORRENTE - REPERCUSSÃO NO
ORÇAMENTO ESTADUAL - ALEGADA USURPAÇÃO DA
CLÁUSULA DE INICIATIVA RESERVADA AO CHEFE DO
PODER EXECUTIVO - AUSÊNCIA DE PLAUSIBILIDADE
JURÍDICA - MEDIDA CAUTELAR INDEFERIDA. - A
Constituição de 1988 admite a iniciativa parlamentar na
instauração do processo legislativo em tema de direito

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tributário. - A iniciativa reservada, por constituir matéria de


direito estrito, não se presume e nem comporta interpretação
ampliativa, na medida em que - por implicar limitação ao
poder de instauração do processo legislativo - deve
necessariamente derivar de norma constitucional explícita e
inequívoca. - O ato de legislar sobre direito tributário, ainda
que para conceder benefícios jurídicos de ordem fiscal, não se
equipara - especialmente para os fins de instauração do
respectivo processo legislativo - ao ato de legislar sobre o
orçamento do Estado”. (ADI 724 MC, rel. Min. Celso de Mello,
Tribunal Pleno, DJ 27.4.2001). (grifo nosso)

Por outro lado, as hipóteses de limitação da iniciativa parlamentar


compõem um rol exaustivo (numerus clausus), conforme revelam os
seguintes precedentes:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE.


ARTIGOS 1º, 2º E 3º DA LEI N. 50, DE 25 DE MAIO DE 2.004,
DO ESTADO DO AMAZONAS. TESTE DE MATERNIDADE E
PATERNIDADE. REALIZAÇÃO GRATUITA. EFETIVAÇÃO
DO DIREITO À ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA. LEI DE
INICIATIVA PARLAMENTAR QUE CRIA DESPESA PARA O
ESTADO-MEMBRO. ALEGAÇÃO DE
INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL NÃO ACOLHIDA.
CONCESSÃO DEFINITIVA DO BENEFÍCIO DA ASSISTÊNCIA
JUDICÁRIA GRATUITA. QUESTÃO DE ÍNDOLE
PROCESSUAL. INCONSTITUCIONALIDADE DO INCISO I
DO ARTIGO 2º. SUCUMBÊNCIA NA AÇÃO
INVESTIGATÓRIA. PERDA DO BENEFÍCIO DA
ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA.
INCONSTITUCIONALIDADE DO INCISO III DO ARTIGO 2º.
FIXAÇÃO DE PRAZO PARA CUMPRIMENTO DA DECISÃO
JUDICIAL QUE DETERMINAR O RESSARCIMENTO DAS
DESPESAS REALIZADAS PELO ESTADO-MEMBRO.
INCONSTITUCIONALIDADE DO INCISO IV DO ARTIGO 2º.
AFRONTA AO DISPOSTO NO ARTIGO 61, § 1º, INCISO II,

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ALÍNEA "E", E NO ARTIGO 5º, INCISO LXXIV, DA


CONSTITUIÇÃO DO BRASIL . 1. Ao contrário do afirmado
pelo requerente, a lei atacada não cria ou estrutura qualquer
órgão da Administração Pública local. Não procede a alegação
de que qualquer projeto de lei que crie despesa só poderá ser
proposto pelo Chefe do Executivo. As hipóteses de limitação
da iniciativa parlamentar estão previstas, em numerus
clausus, no artigo 61 da Constituição do Brasil --- matérias
relativas ao funcionamento da Administração Pública,
notadamente no que se refere a servidores e órgãos do Poder
Executivo. Precedentes. (…)”. (ADI 3.394, rel. Min. Eros Grau,
Plenário, DJe 15.8.2008) (grifo nosso)

Posto isso, a reserva de iniciativa legislativa deve derivar explícita e


inequivocamente do texto constitucional, o que não é o caso da matéria
objeto da lei impugnada.

Inconstitucionalidade em face do art. 158 da Constituição

A técnica de repartição do produto da arrecadação de receitas


tributárias constitui um dos mecanismos para assegurar a autonomia
financeira dos entes federados numa federação.
De fato, uma condição necessária da autonomia é a disponibilidade,
pelos entes federados, dos recursos necessários para fazer face às
competências que lhes foram atribuídas. Tais recursos compreendem,
além da arrecadação própria, aqueles oriundos das transferências
intergovernamentais, objeto de regulação pela lei impugnada.
Acerca das transferências intergovernamentais, ensina o professor
José Maurício Conti:

“Neste caso, a autonomia financeira de uma unidade da


federação é assegurada não pela atribuição de fontes próprias
de arrecadação, como no sistema anteriormente mencionado,
mas sim pela garantia de distribuição de parte do produto
arrecadado por uma determinada unidade para outra unidade.

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Em um sistema de discriminação rígida, a Constituição já


estabelece previamente estas regras e os mecanismos que
asseguram sua fiel execução, como ocorre na Constituição
brasileira vigente”. (Federalismo Fiscal e Fundos de
Participação. São Paulo: Ed. Juarez de Oliveira, 2001, p. 37)

Ainda segundo o ilustre professor, a participação na arrecadação


tributária pode ser feita de forma direta ou indireta.
A participação direta existe

“quando se estabelece que parte do tributo arrecadado por


uma unidade federativa pertence a outra unidade. Assim,
determinada unidade que tem competência para instituir um
tributo, ao fazê-lo, deverá destinar parte do valor arrecadado a
outra unidade”. (op. cit., p. 38).

É o caso, por exemplo, da participação dos municípios na


arrecadação do Imposto Territorial Rural (ITR).
A participação indireta ou participação em fundos ocorre

“quando parcelas de um ou mais tributos são destinadas à


formação de fundos, e posteriormente os recursos que
compõem os fundos são distribuídos aos beneficiários, segundo
critérios previamente definidos”. (op. cit., p. 38)

É o caso dos Fundos de Participação dos Estados e Distrito Federal


(FPE) e do Fundo de Participação dos Municípios (FPM).
Pois bem. A Constituição Federal dedica uma Seção à Repartição das
Receitas Tributárias (Seção VI do Capítulo I do Título VI), disciplinando a
matéria nos artigos 157 a 162 do texto constitucional.
Nos referidos dispositivos, são definidos os tributos a serem
partilhados, a forma dessa participação (direta ou por fundos), os
percentuais da arrecadação de cada tributo a serem partilhados e, por
fim, os critérios de repartição.
No tocante aos impostos estaduais, a Constituição estabeleceu duas

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formas de participação direta dos municípios no produto da arrecadação


estadual.
Com efeito, determinou o repasse aos municípios de 50% do produto
da arrecadação do imposto do Estado sobre a propriedade de veículos
automotores (IPVA) e de 25% do produto da arrecadação do ICMS, nos
termos do art. 158, incisos III e IV, do texto constitucional.
Ademais, estabeleceu que o IPVA seria partilhado com os
municípios em função dos veículos licenciados em seus territórios (art.
158, III, CF/88).
Por sua vez, a Constituição também determinou que a quota-parte
do ICMS fosse partilhada com base nos seguintes critérios:
a) três quartos (3/4), no mínimo, do valor a ser partilhado na
proporção do valor adicionado nas operações relativas à circulação de
mercadorias e nas prestações de serviços, realizadas em seus territórios
(art. 158, parágrafo único, I, CF/88) e
b) até um quarto, de acordo com o que dispuser lei estadual ou, no
caso dos Territórios, lei federal (art. 158, parágrafo único, II, CF/88).
Transcrevo, a propósito, o excerto do texto constitucional:

“Art. 158. Pertencem aos Municípios:


(...)
III - cinquenta por cento do produto da arrecadação do
imposto do Estado sobre a propriedade de veículos
automotores licenciados em seus territórios;
IV - vinte e cinco por cento do produto da arrecadação do
imposto do Estado sobre operações relativas à circulação de
mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte
interestadual e intermunicipal e de comunicação.
Parágrafo único. As parcelas de receita pertencentes aos
Municípios, mencionadas no inciso IV, serão creditadas
conforme os seguintes critérios:
I - três quartos, no mínimo, na proporção do valor
adicionado nas operações relativas à circulação de mercadorias
e nas prestações de serviços, realizadas em seus territórios;
II - até um quarto, de acordo com o que dispuser lei

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estadual ou, no caso dos Territórios, lei federal”.

Observa-se, assim, uma extensa disciplina desses repasses no texto


constitucional, cabendo à lei complementar suplementar a regulação
constitucional, por exemplo, definindo “o valor adicionado para fins do
disposto no art. 158, parágrafo único, I” (art. 161, I, CF/88), ou dispondo
“sobre o acompanhamento, pelos beneficiários, do cálculo das quotas e da
liberação das participações previstas nos arts. 157, 158 e 159” (art. 161, III,
CF/88).
Assim, foi editada a Lei Complementar 63/1990, dispondo sobre o

“sobre critérios e prazos de crédito das parcelas do


produto da arrecadação de impostos de competência dos
Estados e de transferências por estes recebidos, pertencentes
aos Municípios, e dá outras providências”.

Nesse contexto, resta um campo limitado para a legislação estadual,


qual seja, dispor sobre os critérios para distribuição de um quarto da
quota-parte do ICMS dos municípios, nos termos do art. 158, parágrafo
único, II, do texto constitucional.
E o que fez a Lei Estadual 10.544, de 27 de abril de 2000?
Dispôs sobre critérios de repasse de todos os impostos estaduais
partilhados com os municípios, conforme releva o art. 1º do diploma
inquinado. Ou seja, tanto do IPVA, quanto do ICMS. E, quanto a este
último, não se limitou à parcela a que se refere o art. 158, parágrafo único,
II, da Constituição.
E esse critério de repasse, que busca beneficiar municípios que
possuem áreas submetidas à proteção especial, nos termos das Leis
Estaduais 898/1975 e 1.172/1976, é diverso daqueles definidos no texto
constitucional, quais sejam, os veículos licenciados no território do
município, no caso do IPVA, e o valor adicionado no município, no caso
de três terços da quota-parte do ICMS.
Portanto, a Lei Estadual 10.544/2000 padece de flagrante
inconstitucionalidade material, por violar o disposto no art. 158, incisos

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ADI 2421 / SP

III e IV, e parágrafo único, incisos I e II, da Constituição.


É verdade que esta Corte já reconheceu a possibilidade de que
Constituição Estadual disponha sobre critério de repasse do ICMS aos
municípios. Definiu-se que quatro quintos da quota-parte seriam
partilhados com base no valor adicionado e que um quinto seria
partilhado conforme disponha lei estadual.
Trata-se da ADI 95/RO, da relatoria do Ministro Ilmar Galvão, cuja
ementa a seguir transcrevo:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE.


ESTADO DE RONDONIA. INCS. A E B DO § 3º DO ART. 127
DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL. ALEGADA INVASAO DE
COMPETÊNCIA DO LEGISLADOR COMPLEMENTAR
FEDERAL. PREVISTA NO ART. 161 DA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL. Os dispositivos impugnados, ao fixarem em
quatro quintos e um quinto, respectivamente, os percentuais
relativos ao critério de creditamento, aos Municípios, das
parcelas que lhes cabem no produto do ICMS, na forma
prevista no art. 158, inc. IV e paragrafo único, incs. I e II, da
Constituição Federal, ateve-se aos limites estabelecidos nos
mencionados dispositivos, não incidindo na alegada
inconstitucionalidade. Nenhuma censura, por igual, merece o
primeiro texto impugnado, ao estabelecer, de pronto, em
cumprimento ao disposto no art. 160 da CF, o momento de
entrega da parcela alusiva aos quatro quintos, matéria que,
contrariamente ao sustentado na inicial, não foi reservada a lei
complementar pelo art. 161, I, da mesma Carta. Improcedência
da ação”. (ADI 95, rel. Min. Ilmar Galvão, Tribunal Pleno, DJ
7.12.1995)

Ocorre que, naquele caso, a Constituição do Estado de Rondônia não


contrariou os parâmetros estabelecidos na Constituição Federal, que
prevê que, no mínimo, três quartos da quota-parte do ICMS deverão ser
partilhados com base no critério do valor adicionado, deixando no
máximo um quarto para ser partilhado segundo os critérios de legislação

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estadual. Afinal, quatro quintos (0,80) é uma fração superior a três


quartos (0,75).
A Lei 10.544/2000, do Estado de São Paulo, entretanto, estabelece
critério absolutamente diverso do que dispõe a Constituição Federal, para
a partilha dos impostos estaduais em geral, ou seja, tanto para a partilha
do IPVA, quanto para a partilha de três-quartos da quota-parte do ICMS.
Sobre tais parcelas partilhadas, evidente a inconstitucionalidade
material da Lei impugnada.
Observe-se que a Assembleia Legislativa, nas suas informações
finais, apresentou um único fundamento para sustentar a
constitucionalidade material da Lei 10.544/2000 (fl. 94) :

“Assim sendo, ao contrário do que afirma o Requerente, a


lei guerreada vai ao encontro do que dispõe o art. 158,
parágrafo único, inciso II, da Carta Federal, ao conferir maior
participação, na quota-parte do ICMS, aos Municípios
abrangidos pelas restrições ambientais de que tratam as Leis n°
898/75 e 1.172/76”.

Dessa forma, o próprio órgão prolator do ato normativo acabou por


reconhecer, tácita e implicitamente, a inconstitucionalidade dos critérios
de repasse das referidas parcelas (IPVA e três quartos da quota-parte do
ICMS), ao afirmar que a lei encontra respaldo no art. 158, parágrafo
único, II, da Constituição.

Da interpretação conforme à Constituição. Inviabilidade.

Resta, por fim, indagar se é possível adotar a técnica da


interpretação conforme à Constituição, na linha do que foi proposto pela
Advocacia-Geral da União e da Procuradoria-Geral da República,
aplicando-se o disposto na Lei Estadual 10.544/2000 tão somente para a
partilha da parcela de um quarto da quota-parte do ICMS.
Com esse propósito, destaco alguns pontos da lei inquinada.
Em primeiro lugar, a lei define quais municípios enquadrados nas

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disposições contidas na Lei 898, de 1975, e Lei 1.172, de 1976, terão o


repasse dos impostos estaduais a que fazem jus, calculado
proporcionalmente às áreas de restrição ambiental de cada um deles.
A lei não informa, por outro lado, como seriam calculados o repasse
de impostos para os municípios não abrangidos por essas restrições.
Se aplicado o critério da área de restrição ambiental para todos os
municípios, haverá entes que não terão direito a parcela alguma na
distribuição da parcela de um quarto da quota-parte do ICMS, o que já foi
considerado inconstitucional por esta Suprema Corte.
Nesse sentido, confira-se o RE 401.953-1/RJ, da relatoria do Ministro
Joaquim Barbosa, de cuja ementa transcrevo o seguinte excerto:

“FINANCEIRO. IMPOSTO SOBRE CIRCULAÇÃO DE


MERCADORIAS - ICMS. PARTILHA E REPASSE DO
PRODUTO ARRECADADO. ART. 158, IV, PAR. ÚN., II, DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988. LEGISLAÇÃO
ESTADUAL. EXCLUSÃO COMPLETA DE MUNICÍPIO.
INCONSTUTICIONALIDADE. 1. Com base no disposto no art.
3º, III, da Constituição, lei estadual disciplinadora do plano de
alocação do produto gerado com a arrecadação do ICMS, nos
termos do art. 157, IV, par. ún., II, da Constituição, pode tomar
dados pertinentes à situação social e econômica regional como
critério de cálculo. 2. Contudo, não pode a legislação estadual,
sob o pretexto de resolver as desigualdades sociais e regionais,
alijar por completo um Município da participação em tais
recursos. Não obstante a existência, no próprio texto legal, de
critérios objetivos para o cálculo da cota para repasse do
produto arrecadado com a cobrança do imposto, a Lei
2.664/1996 atribui ao Município do Rio de Janeiro valores nulos.
3. São inconstitucionais as disposições que excluem por
completo e abruptamente o Município do Rio de Janeiro da
partilha do produto arrecadado com o ICMS, constantes nos
Anexos I e III da Lei do Estado do Rio de Janeiro 2.664/1996,
por violação do art. 158, IV, par. ún., I e II, ponderados em
relação ao art. 3º, todos da Constituição. (...)”. (RE 401.953, rel.

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Min. Joaquim Barbosa, Tribunal Pleno, DJe 21.9.2007) (grifo


nosso)

Naquela assentada, o Ministro relator assim se pronunciou no voto


condutor:

“Como se observou, a destinação de três quartos de vinte


e cinco por cento do produto arrecadado com o ICMS aos
municípios (mecanismo do art. 158, par. ún, I) não afasta a
destinação da cota de um quarto de vinte e cinco por cento, que
continua sendo para partilha de todos os municípios
relacionados ao estado-membro arrecadador. A circunstância
de um determinado município, em razão do quadro fático ao
qual está submetido, ter maior participação no rateio calculado
com base no valor agregado (inciso I) não anula, por si, o direito
constitucional à participação calculada com base nos critérios
estabelecidos pela legislação estadual (inciso II).
Ainda que ínfima, em razão dos eventuais elementos de
cálculo extraídos da política de desenvolvimento social e
econômico da região, a pretensão à percepção dos recursos
pertinentes ao quinhão no quarto da quarta parte da
arrecadação do ICMS encontra fundamento de validade no art.
158, IV, parágrafo único, e II, da Constituição.
Uma vez que a legislação ordinária elegeu critérios
objetivos para mensuração do rateio do produto arrecadado,
viola a Constituição norma que, ignorando tais critérios,
simplesmente exclui um ente federado da respectiva partilha”.
(grifo no original)

Nessa linha, lei estadual que pretenda disciplinar o art. 158,


parágrafo único, II, do texto constitucional, deve abranger todos os
municípios do Estado, não somente alguns, não sendo admitida a
exclusão, de qualquer ente, do repasse, ainda que perceba um maior
quinhão na partilha com base no valor adicionado (art. 158, parágrafo
único, I, CF/88).

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Em segundo lugar, a lei define que o cálculo será feito de forma


progressiva (art. 2°), sem definir prazos, e delega ao Poder Executivo a
regulamentação da lei (art. 3º).
Tais providências, a meu ver, são incompatíveis com a autonomia
financeira dos municípios, que impõe que as transferências
constitucionais sejam pautadas por critérios objetivos, de caráter
vinculado, que assegurem a regularidade e a previsibilidade dos
repasses.
A propósito, Anwar Shah, estudioso do Banco Mundial e autor de
diversas obras sobre Federalismo Fiscal, considera a previsibilidade
como uma das principais guidelines no desenho das transferências
intergovernamentais num estado Federado:

“Predictability. The grant mechanism should ensure


predictability of subnational governments’ shares by publishing
five-year projections of funding availability. The grant formula
should specify ceilings and floors for yearly fluctuations. Any
major changes in the formula should be accompanied by hold
harmless or grandfathering provisions“. (Introduction:
Principles of Fiscal Federalism. Disponível em
www.forumfed.org)

Em razão disso, não se admite, também, que a matéria seja objeto de


regulamentação do Poder Executivo, mormente na ausência de
parâmetros legais objetivos, conforme evidenciado pelo art. 2º da lei (“O
cálculo do repasse referido no artigo anterior será procedido de forma
progressiva ...”).
De fato, o que está em jogo é o direito subjetivo dos municípios ao
repasse, nos termos do art. 158, IV, da Constituição Federal.
A propósito, esse direito subjetivo foi reconhecido no RE 572.762, da
relatoria do Ministro Ricardo Lewandowski, julgado na sistemática da
repercussão geral (tema 42), que versava sobre a possibilidade de
subordinar o repasse da quota de ICMS à condição prevista em programa
de benefício estadual. Transcrevo a ementa a seguir:

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“CONSTITUCIONAL. ICMS. REPARTIÇÃO DE RENDAS


TRIBUTÁRIAS. PRODEC. PROGRAMA DE INCENTIVO
FISCAL DE SANTA CATARINA. RETENÇÃO, PELO ESTADO,
DE PARTE DA PARCELA PERTENCENTE AOS MUNICÍPIOS.
INCONSTITUCIONALIDADE. RE DESPROVIDO.
I - A parcela do imposto estadual sobre operações relativas
à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de
transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, a
que se refere o art. 158, IV, da Carta Magna pertence de pleno
direito aos Municípios.
II - O repasse da quota constitucionalmente devida aos
Municípios não pode sujeitar-se à condição prevista em
programa de benefício fiscal de âmbito estadual.
III - Limitação que configura indevida interferência do
Estado no sistema constitucional de repartição de receitas
tributárias.
IV - Recurso extraordinário desprovido”. (RE 572.762, rel.
Min. Ricardo Lewandowski, Tribunal Pleno, DJe 5.9.2008) (grifo
nosso)

Por elucidativo, transcrevo um excerto do voto condutor:

“Cumpre lembrar que esta Corte já se defrontou com


questão semelhante, na ADI-MC 2.405/RS, Rel. Min. Carlos
Ayres Britto, oportunidade em que se suspendeu cautelarmente
a eficácia de dispositivo legal (§ 3º do art. 114, introduzido na
Lei estadual 6.537/73 pela Lei 11.475/2000), que autorizava o
repasse, a menor, de parcela do Imposto sobre Propriedade de
Veículos Automotores – IPVA devida aos Municípios gaúchos.
Reconheceu-se, na ocasião, que as comunas têm o direito
subjetivo de exigir a parte que lhes cabe na arrecadação daquele
tributo, devendo tal raciocínio estender-se, pelas mesmas razões
jurídicas, à parcela do ICMS a que têm direito, por força de
expressa disposição constitucional.
(...)

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Isso é exatamente o que se ocorre com a parcela do


imposto a que se refere o art. 158, inciso IV, da Lei Maior, a qual
não constitui receita do Estado, mas, sim, dos Municípios, ao
quais pertencem de pleno direito.
O citado mestre, em passagem de outra obra, melhor
esclarece essa afirmação aparentemente paradoxal, visto tratar-
se de imposto estadual, ao assentar que
‘(...) no federalismo cooperativo, entes estatais podem ser
beneficiários de rendas, relativas a tributos de alheia
competência. Pode haver mesmo hipótese de à pessoa
competente não pertencer o produto da arrecadação de tributo
próprio.’
É o caso da parcela do ICMS mencionada no art. 158, IV,
da Carta Magna, que, embora arrecadada pelo Estado, integra
de jure o patrimônio do Município, não podendo o ente maior
dela dispor a seu talante, sob pena de grave ofensa ao pacto
federativo, de resto, sanável, mediante o emprego da ultima
ratio do sistema, qual seja, o instituto da intervenção federal,
prevista, para tais hipóteses, no art. 34, V, b, da Carta Magna”.

Na mesma linha, o eminente decano, Ministro Celso de Mello,


pronunciou-se naquela assentada:

“Acompanho, integralmente, o douto voto proferido pelo


eminente Ministro RICARDO LEWANDOWSKI, pois inexiste
qualquer dúvida a propósito do fato de que a parcela (25%)
concernente ao ICMS, a que se refere o art. 158, inciso IV, da
Constituição Federal, pertence, por direito próprio, aos
Municípios.
Isso significa que essa parcela de receita, pertencente, de
pleno direito, aos Municípios, deverá ser-lhes creditada sem
qualquer outra restrição que não aquelas a que alude o próprio
texto constitucional.
É que essa quota-parte, ainda que arrecadada pelo
Estado-membro, no exercício de sua competência impositiva,
compõe, por expressa destinação constitucional, o patrimônio

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dos Municípios, a quem assiste o direito público subjetivo de


exigir, mesmo judicialmente, a parcela que lhes cabe na
arrecadação do ICMS, observados, unicamente, os critérios
estabelecidos no art. 158, parágrafo único, incisos I e II, da
Constituição Federal”. (grifos no original)

No tocante às transferências constitucionais, obrigatórias, não há


espaço para a atuação discricionária do ente repassador. Caso contrário,
poderia, por exemplo, beneficiar municípios alinhados com o Governo do
Estado em detrimento de outros, violando o equilíbrio federativo.
Isso vale tanto para os repasses dos Estados para os Municípios
quanto para os repasses da União para os demais entes subnacionais.
Não foi à toa que a Constituição Federal atribuiu ao Tribunal de
Contas da União – órgão imparcial – a função de calcular as quotas do
Fundo de Participação dos Estados e dos Municípios (art. 161, parágrafo
único, CF/1988). Ademais, esse cálculo deve ser feito com base nos
critérios de rateio previstos em Lei Complementar Federal (art. 161, II,
CF/1988).
As normas constitucional que tratam do direito financeiro buscam,
com isso, justamente preservar o princípio federativo, assegurando aos
entes subnacionais os recursos necessários a fazer face às suas
competências e a previsibilidade e a estabilidade nos repasses.
Nesse contexto, é inconstitucional lei estadual que não estabeleça
critérios objetivos de repasses aos municípios, bem como remeta ao Poder
Executivo a competência para regulamentação dos repasses.
Isso posto, não cabe adotar a técnica da interpretação conforme à
Constituição para restringir a Lei Estadual 10.544/2000 tão somente para a
partilha da parcela de um quarto da quota-parte do ICMS (art. 158,
parágrafo único, II, CF/88).

Dispositivo

Ante o exposto, conheço da presente ação direta de


inconstitucionalidade e julgo procedente o pedido para declarar a

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inconstitucionalidade da Lei Estadual 10.544, de 27 de abril de 2000, por


violação ao disposto no artigo 158, incisos III e IV, do texto constitucional.
É como voto.

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Extrato de Ata - 20/12/2019

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PLENÁRIO
EXTRATO DE ATA

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 2.421


PROCED. : SÃO PAULO
RELATOR : MIN. GILMAR MENDES
REQTE.(S) : GOVERNADOR DO ESTADO DE SÃO PAULO
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DE SÃO PAULO
INTDO.(A/S) : ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE SÃO PAULO
PROC.(A/S)(ES) : ALEXANDRE ISSA KIMURA (0123101/SP)
PROC.(A/S)(ES) : DIANA COELHO BARBOSA (126835B/SP)

Decisão: O Tribunal, por unanimidade, conheceu da ação direta


e julgou procedente o pedido formulado para declarar a
inconstitucionalidade da Lei Estadual nº 10.544, de 27 de abril de
2000, nos termos do voto do Relator. Plenário, Sessão Virtual de
13.12.2019 a 19.12.2019.

Composição: Ministros Dias Toffoli (Presidente), Celso de


Mello, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski, Cármen
Lúcia, Luiz Fux, Rosa Weber, Roberto Barroso, Edson Fachin e
Alexandre de Moraes.

Carmen Lilian Oliveira de Souza


Assessora-Chefe do Plenário

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