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Expectativa
Maria, v.37,
de vida
n.4,ep.1021-1026,
causas de morte
jul-ago,
em cães
2007na área metropolitana de São Paulo (Brasil). 1021
ISSN 0103-8478
Recebido para publicação 08.05.06 Aprovado em 29.11.06 Ciência Rural, v.37, n.4, jul-ago, 2007.
1022 Bentubo et al.
assim, a viabilidade desse ser, aumentando a sua uma sobrevida maior dos cães de pequeno porte em
vulnerabilidade a doenças e levando-o, finalmente, à relação aos gigantes (DEEB & WOLF, 1994).
morte (FRIES & CRAPO, 1981; GOLDSTON & O conhecimento das causas mais comuns
HOSKINS, 1999). de doenças e óbitos em cães pode auxiliar no
Qualquer organismo, desde a concepção até estabelecimento e na adoção de medidas preventivas
a morte passa pelas fases de desenvolvimento, prioritárias e na educação dos proprietários. Atenção e
puberdade, chegando então à maturidade, também dedicação por parte de proprietários e médicos
chamada de fase de estabilização, e, por fim, alcançando veterinários são necessárias para que se possa elevar
a fase de envelhecimento ou declínio (PAPALÉO o tempo de sobrevivência dos cães. Para as populações
NETTO, 2002). O tempo médio de sobrevivência de caninas nas quais as medidas preventivas de controle
uma população é um reflexo de seus potenciais dos fatores que interferem com o envelhecimento são
genômico e fenotípico de adaptação, além de outros adequadas, há um aumento na sobrevida média das
fatores que também interferem em graus variáveis com mesmas (FRIES & CRAPO, 1981; GOLDSTON &
o processo de envelhecimento e morte (PAPALÉO HOSKINS, 1999).
NETTO, 2002; WALFORD, 1985). Acredita-se que, na cidade de São Paulo,
O século passado foi marcado, na medicina existam cerca de 1.490.412 cães e que a média de animais
humana, pela explosão de medidas preventivas visando por residência seja de 1,53 (PARANHOS, 2002).
a prolongar a vida. Em populações nas quais tais Entretanto, não existem trabalhos sobre a expectativa
medidas inexistem ou são precárias, seus indivíduos de vida da população canina ou sobre as causas de
estão mais expostos aos riscos ambientais, e a morte desses animais neste município. Neste contexto,
possibilidade de morte estará sempre presente em o objetivo deste trabalho foi o de determinar a idade de
qualquer período da vida. Nas populações mais morte de cães na região de São Paulo, assim como
protegidas, que habitam áreas nas quais o meio identificar suas principais causas.
ambiente se acha sob controle, a morte pode ser adiada
até o limite biológico da existência, quando a MATERIAL E MÉTODOS
longevidade esperada é alcançada (PAPALÉO NETTO,
2002). Tais medidas somente podem ser aplicadas Com a finalidade de compor uma amostra
quando os índices de mortalidade e morbidade são que contemplasse diferentes estratos populacionais,
conhecidos e os fatores de risco bem estabelecidos. foram coletados dados procedentes dos seguintes
Infelizmente, estimativas de longevidade em cães foram grupos: cães atendidos por um Hospital Veterinário
descritas em poucos países, tais como nos Estados Universitário (n = 500), os atendidos em 11 clínicas
Unidos, com idade média de sobrevivência de 9,9 anos veterinárias particulares de São Paulo e região (n =
(BRONSON, 1982); na Suécia, com 10 anos (BONNETT 900), aqueles criados em canis particulares e de pessoas,
et al., 1997); no Japão, com 8,3 anos (HAYASHIDANI selecionadas aleatoriamente, que concordaram em
et al., 1998); na Inglaterra, com 11 anos (MICHELL, participar da pesquisa (n = 611). Nenhuma restrição foi
1999) e na Dinamarca, com 10 anos de idade feita quanto à idade na data do óbito do animal, sendo
(PROSCHOWSKY et al., 2003). Tal fato se explica pela compreendidas todas as faixas etárias. Foram incluídas
grande dificuldade de obtenção de dados populacionais informações sobre cães que morreram entre 1995 e 2005.
em geral, devido à variedade de raças e de condições Para todos os animais, foram pesquisados
ambientais (BONNETT et al., 1997). dados sobre raça, idade na data de ocorrência do óbito
Estudos de longevidade e de avaliação dos (registrada em meses), sexo, se o animal era ou não
motivos que levam à eutanásia têm sido realizados, castrado, causa da morte e ocorrência de morte natural
mediante utilização de dados obtidos em questionários ou por eutanásia.
(MICHELL, 1999), serviços de necropsia (BRONSON, No caso dos animais registrados no Hospital
1982), companhias de seguros (BONNETT et al., 1997) Veterinário ou dos atendidos em clínicas veterinárias
e cemitérios de animais (HAYASHIDANI et al., 1998). particulares, os dados foram obtidos pela pesquisa de
Um estudo realizado pela American Veterinary Medical seus prontuários e compilados em tabelas. Nestes
Association, nos Estados Unidos, revelou que 41,7% casos, foi considerada a causa de morte documentada
da população canina tinha seis anos ou mais e que nos prontuários pelo médico veterinário responsável
13,9% possuía 11 anos ou mais (GOLDSTON & e, quando possível, a mesma foi confirmada pelo estudo
HOSKINS, 1999). Observou-se a longevidade e a anatomopatológico. Para os demais cães, um
morbidade canina num período de dez anos em sete questionário foi respondido pelo próprio proprietário,
raças gigantes e em sete raças pequenas, evidenciando que recebeu instruções quanto ao seu preenchimento.
Tabela 1 - Descrição e comparação da idade de óbito em cães do município de São Paulo e relação a gênero ou castração.
IQR:intervalo interquartil.
*
Indica diferença estatisticamente significante, P = 0,0055; em relação ao gênero masculino.
†
Indica diferença estatisticamente significante, P = 0,0001; em relação aos cães não-castrados.
diferenças entre os gêneros. Esses resultados devem reativação de genes normalmente inativados
ser interpretados com cuidado, já que o número de (MICHELL, 1999). Muitas destas teorias devem ser
animais castrados no presente estudo foi muito avaliadas para as diferentes raças, uma vez que a análise
pequeno, em relação a outros levantamentos, revelando dos animais somente pelo seu porte físico tem se
que a castração ainda é um procedimento pouco mostrado insuficiente e ineficaz (HAYFLICK, 1985;
utilizado e que a longevidade deste grupo deve ser GOLDSTON & HOSKINS, 1999; WALFORD, 1985).
melhor analisada em futuros trabalhos. A principal causa de morte canina relatada
O mito de que animais sem raça definida em diferentes estudos é o câncer (BRONSON, 1982;
(SRD) vivem mais que os de raça pura já foi derrubado MICHELL, 1999; PROSCHOWSKY et al., 2003). Nesta
por BRONSON (1982) e MICHELL (1999) e, mais uma pesquisa, as neoplasias constituíram uma importante
vez, de acordo com os resultados obtidos na presente causa de óbito (Tabela 3), porém ficou em segundo
investigação, observou-se que não houve diferença lugar. Sabe-se que os tumores são mais prevalecentes
significativa na longevidade entre os mesmos (Tabela 1). em animais bem idosos e, como a taxa de sobrevivência
Existe uma teoria de envelhecimento que dos cães foi inferior às observadas por outros autores,
relaciona a sobrevivência dos animais ao seu número essa pode ser a justificativa de sua colocação em
de batimentos cardíacos (GOLDSTON & HOSKINS, 1999). segundo lugar.
Segundo a mesma, as espécies com alta freqüência As doenças infecciosas destacaram-se
cardíaca apresentam menor sobrevivência. Neste como principal causa de morte (Tabela 3), tratando-se
sentido, alguns autores têm procurado avaliar a de um fator de risco bem caracterizado, que reduz a
influência do tamanho dos cães de diferentes raças na expectativa de vida dos cães no Brasil. A idade mediana
expectativa de vida. Os resultados da presente de vida foi de 12 meses para cães que morreram por
investigação reforçam esta teoria, já que animais de agentes infecciosos (em especial, pelos vírus da
pequeno porte (Tabela 2) sobreviveram menos que os cinomose, da parvovirose, da coronavirose). Muitas
animais de porte médio, grande e gigantes. Entretanto, destas doenças podem ser controladas por programas
discorda dos dados observados por outros autores simples de imunoprofilaxia, que deveriam ser iniciados
(ANDERSEN & ROSENBLATT, 1965; DEEB & WOLF, nas primeiras semanas de vida. Entretanto, em
1994), que relataram maior sobrevivência em cães de decorrência da falta de conhecimento, das dificuldades
pequeno porte. econômicas da população e da negligência dos
A base biológica do envelhecimento está proprietários, tais enfermidades acabam ainda por se
fundamentada em fatores genéticos, principalmente constituir num fator determinante de mortalidade. Outro
naqueles que afetam o reparo somático, a capacidade achado importante é que as doenças infecciosas
de resposta ao estresse, a resposta imune e a constituíram a principal causa de morte,
suscetibilidade às doenças, a supressão de tumores, o independentemente da raça, mostrando que programas
estresse oxidativo, a falha no reparo do DNA e a de prevenção não são realizados a contento.
Tabela 2 - Descrição e comparação da idade de óbito em cães do município de São Paulo em função do porte.
Ainda com relação às causas de morte, Na tabela 3 está descrita a idade mediana de
notou-se que os traumatismos foram a terceira causa óbito em função da sua causa. Pode-se verificar que os
mais importante de morte dos animais, bem próximo cães que morreram por senilidade (causas naturais)
das neoplasias (Tabela 3). Mortes por traumatismos apresentaram tempo mediano de vida (144 meses)
também foram identificadas em outros trabalhos significativamente superior a todas as outras causa de
(ANDERSEN & ROSENBLATT, 1965; BONNETT, óbito. Os cães que morreram devido a neoplasias
1997; HAYASHIDANI et al., 1998), porém com taxas de apresentaram tempo mediano de vida (84 meses)
prevalência menores que as observadas neste significativamente maior que os cães que morreram
levantamento. Neste sentido, parece prudente que os devido a doenças congênito-hereditárias, causas
médicos veterinários orientem os proprietários de indeterminadas, doenças infecciosas e por intoxicação.
animais quanto à adoção de medidas de segurança que Os cães acometidos por problemas cardiocirculatórios
minimizem tais riscos, como o uso de guias e coleiras apresentaram tempo mediano de vida (73 meses)
durante os passeios com a devida assistência de uma significativamente superior ao dos cães que faleceram
pessoa responsável. devido a doenças congênito-hereditárias, infecciosas
Tabela 3 - Descrição e comparação da idade de óbito em cães do município de São Paulo em função da causa de óbito e de sua freqüência.
e parasitárias. As mortes por causas naturais, BRONSON, R.T. Variation in age at death of dogs of different
problemas metabólicos e circulatórios ocorreram em sexes and breeds. American Journal of Veterinary
Research, v.43, n.1, p.2057-2059, 1982.
animais com idade mediana mais avançada, assim como
foi observado por outros autores (BONNETT, 1997; DEEB, B.J.; WOLF, N.S. Studying longevity and morbidity in
HAYASHIDANI et al., 1998). giant and small breeds of dogs. Veterinary Medicine, v.89,
No Brasil, há uma carência muito grande de (suppl.7), p.702-713, 1994.
informações quanto à longevidade dos animais de FRIES, J.F. ; CRAPO, L.M. Vitality and aging implications.
estimação, portanto, os resultados obtidos na presente San Francisco: W.H. Freeman, 1981. 366p.
investigação são de grande importância, uma vez que
descrevem a situação atual da população canina e HAYASHIDANI, H. et al. Epidemiological studies on the
expectation of life for dogs computed from animal cemetery
podem contribuir para futuras comparações. Esses records. Japanese Journal of Veterinary Science, v.50,
achados também podem orientar na adoção de medidas n.5, p.1003-1008, 1998.
para prevenir o surgimento de doenças ou que
promovam a saúde da população canina em geral. HAYFLICK, L. The cell biology of aging. Clinics in Geriatric
Medicine v.1, n.1, p.15, 1985.
BONNETT, B.N. et al. Mortality in insured Swedish dogs: rates WONG, S.K. et al. Healthy pets, healthy people. Journal of
and causes of death in various breeds. Veterinary Record, the American Veterinary Medical Association, v.215, n.6,
v.141, n.12, p.40-44, 1997. p.335-338, 1999.