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ALUNA: Erineia Rangel Farias MATRÍCULA: 6-1511035

Período: 8/9º Disciplina: Psicologia Jurídica


Professor: Aline Cadurini Pezzin

INTERVENÇÃO NO PROCESSO DE ADOÇÃO

A adoção é um ato relatado na história da humanidade a milhares de anos, e


se apresenta como catalizador de quebras de paradigmas e preconceitos,
mostrando o melhor e o pior da paternidade. De acordo com Carvalho (2010) a
adoção pode ser entendida sobre a perspectiva jurídica da seguinte forma:

[...] um ato jurídico solene e bilateral que gera laços de paternidade e


filiação entre pessoas naturalmente estranhas uma às outras,
estabelece um vinculo fictício de filiação, trazendo para a sua família,
na condição de filho, pessoa que geralmente lhe é estranha. É uma
ficção legal que possibilita que se constitua entre adotante e o
adotado um laço de parentesco de 1º grau na linha direta,
estendendo-se para toda a família do adotante. E um ato complexo
que depende de intervenção judicial, de caráter irrevogável e
personalíssimo. (CARVALHO, 2010, p. 1).

Porém, mais que simplesmente um ato jurídico da vida civil, com sua faceta
burocrática, a adoção é um processo que envolve emoções e comportamento
humano, se estendendo também a área da Psicologia que descreve esse ato
brilhantemente através de Oliveira, Souto e Silva Junior (2017) que afirmam
que a adoção “é uma possibilidade de o sujeito reconstruir novos laços afetivos
e de ter lugar marcado em sua história familiar”, ou nas palavras de Levinson
(2006) é o "estabelecimento de relações parentais entre pessoas que não
estão ligadas por vínculos biológicos diretos ", ou seja, um ato que vai além do
processo jurídico, pois revela a essência do vínculo humano.

Nesses casos a figura do psicólogo é extremamente relevante para facilitar a


adoção garantindo que ocorra de forma ideal, no intuito de amenizar o estresse
inerente ao processo, essa intervenção do profissional psicólogo ocorre de
forma a dar suporte aos envolvidos. No caso da criança/adolescente a ser
adotado a intervenção busca possibilitar uma boa adaptação à nova família
assim como o entendimento sobre o novo vínculo quando possível, enquanto
que para o pretendente a intervenção ajudar adotantes e familiares a
transpassar os desafios da adoção, principalmente nos casos de casais
homoafetivos, dessa forma ajudando a construir o vínculo da paternidade.

No Brasil o direito de adoção é determinado pela Lei n. 12.010, de 3 de agosto


de 2009, a chamada Lei da adoção, que determina vários requisitos a serem
cumpridos pelo adotante, assim como um processo de habilitação pelos quais
os pretendentes tem que passar, que se inicia com uma despretensiosa visita
dos adotantes para a criança, costumeiramente supervisionada por um
assistente social, esse primeiro contato serve para verificar se há empatia entre
futuro adotante e a criança, e se estende a visitas mais longas, passeios, e fins
de semana na casa do adotante, que caso verifique a possibilidade de vínculo
afetivo e resolvidos questões judiciais iniciais, passarão por um período de
teste, cada comarca determina um período de tempo para que as partes se
adéquem ao novo padrão de convivência, esse tempo é chamado de período
de adaptação ou período probatório de convivência.

A partir do período de adaptação que pode durar até dois (2) anos podem
ocorrer dificuldades de convivência e aceitação da dinâmica familiar, e esse é
um período de muita vulnerabilidade para criança e com uma carga emocional
pesada para os adotantes, e por isso uma oportunidade para recorrer ajuda
externa profissional com a intervenção do psicólogo familiarizado com as
facetas do processo adotivo brasileiro.

A intervenção quanto à criança resumidamente busca verificar três aspectos


básicos de adaptação, que são a qualidade do vínculo afetivo que está sendo
criado, analisar se a influência do novo lar adotivo desenvolverá as suas
potencialidades ou acarretará em distúrbios psíquicos futuros, assim como se
as necessidades do adotado estão sendo supridas, um dos principais objetivos
para adoção, como bem destaca Levinson (2004) que afirma:
[...] a relação da criança com seu ambiente, especialmente com seus
pais, tem um papel preponderante na possibilidade de desenvolver
suas potencialidades e nos distúrbios psíquicos que podem vir a
apresentar quando adulta. (LEVINSON, 2004, p. 11)

Para verificar se a adaptação da criança tem sido bem sucedida, uma opção
viável nesse tipo de intervenção é usar técnicas de psicoterapia infantil,
percebendo a linguagem corporal, a representação da realidade através do
lúdico, e usando recursos que estimulem a criança à comunicação.

O primeiro passo é receber a criança em um ambiente amigável, confortável


para ela, colorido e com brinquedos, nessa abordagem a sessão deverá
ocorrer sem a presença dos pais que poderiam influenciar suas respostas,
como justifica Reghelin (2008) ao parafrasear Freud em 1908 “[...] A análise
conduzida por um pai não tem valor, visto que a criança é sugestionável e ao
Pai ela deve obediência e gratidão”, dessa forma retirar a influência externa na
seção seria a opção que desdobraria no melhor resultado da intervenção.

A abordagem quanto à criança ainda se beneficiaria das técnicas defendidas


por Ferro (1995) com o uso de recursos como: desenho, jogos, e diálogos em
forma de histórias envolvendo personagens como técnicas de psicoterapia
infantil, uma vez que dependendo da idade da criança, ela pode não possuir
vocabulário suficiente para expressar determinados sentimentos. Em
complemento a técnica de Ferro, uma vez que a criança estiver confortável e a
vontade no ambiente, é necessária atenção do psicólogo as falas e
brincadeiras da criança, pois a mesma tende a representar o mundo que
conhece através da forma como se diverte/brinca, e isso pode revelar sinais de
como tem sido a convivência no novo lar.

Observadas as reações da criança, é de vital importância separar as


dificuldades oriundas do processo de adoção e adaptação a nova família, das
dificuldades relacionadas a dinâmica da família que aconteceriam mesmo que
o adotado fosse filho(a) biológico do adotante, para então determinar um plano
de ação para tratar a situação problema caso exista.
Já a intervenção quanto ao adotante, seja ele hétero ou homossexual baseiam-
se na leitura da legitimidade da motivação por trás da adoção, na observação
do ambiente a que a criança ficará exposta, e na capacidade de suprir as
necessidades do adotado.

A abordagem do psicólogo com o pretendente visa primeiramente compreender


a motivação para a adoção, e determinar se ela é legítima, pois embora o
desejo de ser pai ou mãe seja de fato um desejo legítimo que justifica a
adoção, essa motivação pode ser uma camuflagem para mascarar a frustração
da esterilidade, ou uma forma de amenizar a dor do luto da descoberta da
infertilidade ou mesmo da perda de filhos biológicos, pode ainda ser uma
tentativa desesperada de unir o casal ou fugir da pressão social de gerar,
nesses casos técnicas de terapia cognitivo-comportamental como
questionamento socrático, ou mesmo a livre associação, podem contribuir para
revelar as raízes por trás da idéia da adoção.

Quando a motivação por trás da adoção se revela ilegítima, sendo


compreendida como uma forma de fuga, ou substituição, dessa forma não se
alinhando com um desejo real de cuidar, e promover bem estar, saúde
psicológica, e social para o adotado, é papel do psicólogo proteger a criança
desse relacionamento disfuncional, e orientar os pretendentes a buscar ajuda
para resolver os conflitos emocionais que originaram a falsa intenção de
adoção.

Observadas motivações legítimas para a adoção o psicólogo deve analisar o


ambiente familiar a qual a criança estará exposta, garantindo um ambiente de
estabilidade emocional para o adotado, descobrir se o casal está em crise, ou
no caso de um único adotante, se o seu comportamento deprecia o sexo
oposto, ou se casais homoafetivos estão dispostos a vencer preconceitos
sociais que acompanham a adoção, são pontos iniciais a serem averiguados
quanto ao ambiente.

A analise do ambiente é importante, pois o adotado em muitos casos já carrega


uma desilusão quanto aos pais, uma fratura na confiança relacionada a quem
teve a função de cuidar, por tanto é mais vulnerável a exposição de um
ambiente disfuncional, que afetará seu desenvolvimento emocional, essa
relação entre desenvolvimento emocional e o ambiente é destacada em
Winnicott (2005), onde afirma:

É o ambiente circundante que torna possível o crescimento de cada


criança; sem uma confiabilidade ambiental mínima, o crescimento
pessoal da criança não pode se desenrolar, ou desenrola-se com
distorções. (Winnicott, 1965/2005, p. 29)

Essa confiabilidade ambiental deve se estender além do período de adaptação,


como por exemplo, na postura quanto ao momento de contar que a criança é
adotada, nesses casos escolher a idade certa para revelar a origem da criança,
explicando sua filiação com a linguagem adequada a sua idade, é escolha dos
pais, porém muitos pais tem medo de explicar a diferença entre “filho do
coração” e “filho da barriga” e por isso escolhem protelar por tempo
indeterminado a conversa, segundo Morelli (2015) não há padrão para a
revelação:
[...] não é preciso esperar um momento ou idade certa, posto que a
revelação deve ser um processo inserido no cotidiano da família. As
crianças precisam receber o apoio de um terceiro e ouvir sobre a
adoção de forma natural. Para tanto, os pais devem ser receptivos a
questionamentos (Lipp, Mello, & Ribeiro, 2011; Maux & Dutra, 2010;
Pinto & Picon, 2009), lembrando-se sempre que a história de cada
pessoa é construída continuamente. (MORELLI, 2015, p. 176)

Independente da postura dos adotantes sobre o momento certo para contar é


importante estar preparado para essa conversa seja ela precoce ou tardia,
proposital ou não, dessa forma o psicólogo pode ajudar os pais a se
prepararem psicologicamente para este tipo de situação, ou mesmo apresentar
ferramentas que facilitem a revelação, em ambos os casos tanto para a família
como para o psicólogo a intenção sempre é fortalecer os vínculos familiares e
dar ao adotado acesso a sua própria historia.

A adoção longe de ser uma pratica exclusiva de casais héterossexuais, é muito


utilizada para casais homoafetivos, porém nesses casos a adoção pode ser
ainda mais desafiadora devido ao preconceito social ou familiar, justificando um
acompanhamento mais próximo do profissional psicólogo, essa realidade
segundo Levy (2013) é seu maior desafio nesse processo:
[...] para casais homoafetivos o maior desafio ainda é a aceitação
social da orientação sexual que pode se somar ao preconceito
relacionado à adoção que ainda pode existir. (LEVY, 2013, p.141 –
157)

Nesse sentido a intervenção do psicólogo para casais homoafetivos, deve


evidenciar o direito adquirido, assim como o contexto histórico da exaustiva
guerra para alcançar liberdade de expressão, e igualdade marcada pela quebra
da ditadura da religião e a conquista de uma visão de mundo baseada em
racionalidade, que acompanhada da revolução científica de Galileu da reforma
protestante, seguida das revoluções políticas americanas e francesas, são
mais do que suficientes em conjunto com a constituição da república de 1988
em seu artigo 5º para garantir um tratamento igualitário para adotantes
homoafetivos, não permitindo que o ato de adotar seja prejudicado pelo
preconceito social.

Além do estímulo contra o preconceito, é papel do psicólogo contribuir para o


exercício de uma dinâmica familiar harmoniosa em casais do mesmo sexo,
ajudando os adotantes a assumir suas funções como pais baseados em suas
especificidades e não em gênero.

O acompanhamento psicológico no processo de adoção evidencia o caráter


multifacetário do processo, que embora tenha um caráter burocrático e
judiciário, também envolve emoções, e a saúde psicológica de toda uma
família, abrilhantando a figura do psicólogo jurídico como agente de promoção
da saúde mental em meio a um processo tão delicado como é a adoção sob
quaisquer circunstâncias.

Entende-se portanto que a colaboração da psicologia nesse processo jurídica


com a intervenção do psicólogo jurídico visa constituir um sistema integrado
capaz de oferecer para os envolvidos ferramentas de compreensão e
adaptação da esfera sociológica, psicológica e jurídica simultaneamente,
zelando tanto para o exercício do pleno direito de adotar dos pais, quanto do
bem-estar infantil, reafirmado nas palavras de Gonçalves e Brandão (2004),
como essencial:

A participação do psicólogo no processo de decisão jurídica está


marcada pelo seu caráter multidisciplinar, e é uma prática cada vez
mais reconhecida. Os critérios para adoção não tem sido constantes
através dos anos, pois recebem influência de variáveis legais,
psicológicas, sociais, jurídicas e etc. Que contribuem para a
construção de sua imagem e seu valor atual. (Gonçalves e Brandão
2004, p. 121)

Dessa forma podemos concluir que a intervenção do psicólogo quanto à


revelação da adoção para o adotado, não incorpora uma decisão baseada nas
opções de contar ou não contar, uma vez que é direito garantido a pessoa
humana conhecer sua própria história, mas em fornecer ferramentas
psicológicas para facilitar o momento da revelação, garantindo um preparo
emocional adequado aos pais, e ferramentas de expressão pelas quais o
adotado, seja criança ou adolescente, possa compreender e assimilar da
melhor maneira possível essa nova informação. Enquanto que seu papel no
auxílio aos pretendentes a adoção homossexuais, além dos cuidados básicos
referentes à legitimidade da intenção, e a manutenção do vinculo paternal a ser
criado, papel que exerce independente da orientação sexual dos pretendentes,
consiste em derrubar as barreiras do preconceito familiar, reafirmando o direito
adquirido para esses casais, não só os empoderando de seu próprio direito e
lugar no mundo, mas também ajudando a estabelecer uma dinâmica familiar
que quebra os moldes da sociedade machista, onde "homens são isso, e
mulheres são aquilo" para ajudar a estabelecer papéis pela especificidades
individuais dos pais e não por gênero.

Essas responsabilidades na atuação em meio ao processo de adoção revelam


que o psicólogo jurídico atua como uma ferramenta do sistema para
humanização dos processos judiciários, lidando com os encargos emocionais e
psicológicos carregados em atos jurídicos, e por tanto sendo indispensável
tanto no sistema quanto na criação do elo amoroso entre os novos pais e seu
filho.
REFERÊNCIA

CARVALHO, D. M. Adoção e guarda. Belo Horizonte: Del Rey, 2010.

FERRO, Antônio. A técnica na psicanalise infantil a criança e o analista da


relação ao campo emocional, Rio de Janeiro, Imago, 1995.

LEVY, Lidia. O casal homoafetivo e a parentalidade. Casal e familia:


transmissão, conflito e violência. CARNEIRO, Féres T. Org. São Paulo:
Casa do Psicólogo, 2013, p. 141-157.

MORELLI, Ana Bárbara, et al. O “lugar” do filho adotivo na dinâmica


parental: revisão integrativa de literaturai, Psic. Clin., Rio de Janeiro, vol. 27,
n.1, p. 175 – 194, 2015.

OLIVEIRA, P. A. B. A de., Souto, J. B., & Silva Júnior, E. G. (2017). Adoção e


Psicanálise: a Escuta do Desejo de Filiação. Psicologia: Ciência e
Profissão, 37(4), 909-922.

REGHELIN, Michele Melo. O uso da caixa de brinquedos na clínica


psicanalítica de crianças. Contemporânea - psicanalise e
transdisciplinaridade. Porto Alegre, n 5, p. 167 - 179, 2008. Disponível em:
<www.contemporâneo.org.br/contemporânea.pdp> Acesso em 20 de Maio de
2021.

WEBER, Lídia Natália Dobriansky e Kosskbudeki, Lucia Helena Milazzo. Filhos


da solidão: institucionalização, abandono e adoção, Curitiba: Governo do
Estado do Paraná, 1996.

WINNICOTT, D. W. A família e o desenvolvimento individual, 2005, São


Paulo, SP: Martins Fontes. (Original publicado em 1965).

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