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Capítulo V

O Processo de Aculturação

Ao considerarmos a adaptação dos africanos a seu ambiente cultural de Novo Mundo, foram
reconhecidos diferenciais no grau de contato entre os detentores de tradições europeias e africanas, ainda
que a maioria dos estudiosos do negro, pelo menos nos Estados Unidos, tenda a limitar suas pesquisas às
fronteiras de seu próprio país. Ainda assim, qualquer atenção que tenham depositado a outras partes do
Novo Mundo deixou claro que os africanismos não sobreviveram de maneira igual por toda a região. Um
exemplo disso pode ser tomado de uma passagem na obra mais recente de Frazier, que, como será
lembrado, rejeita completamente a tese de que qualquer elemento de cultura africana seja encontrado nos
Estados Unidos:

Estudiosos mais atuais . . . têm sido capazes de traçar as fontes africanas de muitas
palavras da língua dos negros nas Índias Ocidentais, no Suriname e no Brasil. Também há
evidências impressionantes do fato de que, nas Índias Ocidentais e em partes da América do
Sul, a cultura Africana ainda sobreviva nas práticas religiosas, ritos funerários, folclore e
danças dos negros transplantados. . . . Até hoje parece que o padrão de vida em família
Africana se perpetua na organização patriarcal familiar dos negros das Índias Ocidentais.1

Citações semelhantes nos escritos de Weatherly, Park e Renter, referidas no primeiro capítulo
dessa obra também devem ser lembradas nesse contexto.2

Um segundo fator que influencia a aculturação, as situações nas quais certos tipos de escravos
tenham maiores oportunidades para contato com seus feitores do que outras, foi mais estudado. Este
enfoque da questão foi mais bem definido nos estudos da escravidão nos Estados Unidos. Quando
analisada, essa perspectiva é vista como embasada num “retrato da plantação” que tomou enorme papel
na modelagem dos conceitos não só da instituição da escravidão, mas também do sul anterior à guerra de
forma geral. Essa diferenciação mais frequentemente toma a forma do contraste entre a intimidade da
relação entre os servos caseiros e seus mestres com o pouco contato e falta de sentimentos pessoais entre
a massa de mão-de-obra rústica e seus donos ou feitores. Ao considerar essa fase do problema estão,
portanto, lidando com um estereótipo causado pela dicotomia frequentemente presumida entre os dois
grupos.

O terceiro ponto a ser considerado diz respeito à forma pela qual os escravos se acomodaram
diferentemente aos vários aspectos da cultura europeia que encontraram. Aqui entramos em novo
território, já que poucos estudos sequer postularam esse enfoque. Ainda assim ele é importante para que a
situação seja adequadamente analisada. Como foi indicado anteriormente, e como mais tarde será
demonstrado em detalhe, um fato importantíssimo da cultura do negro do Novo Mundo é que em nenhum
lugar os africanismos se manifestam no mesmo grau nos diversos setores em que a cultura humana se
divide. Logo se torna evidente que, enquanto quase não haja africanismos nos aspectos materiais de vida,
e que nas organizações políticas estejam tão deturpados que semelhanças só sejam percebidas quando
analisadas de perto, as práticas religiosas africanas e as crenças mágicas são encontradas em alguma
medida por todos os lados como sobreviventes reconhecíveis, e são mais numerosos do que os
africanismos encontráveis em outros reinos da cultura, seja qualquer a região considerada. Com essas três
fases do problema em mente, portanto, nos voltamos a considerações sobre os mecanismos de aculturação
que dotaram a tradição do negro do Novo Mundo das formas que mais tarde manifestaria. Isso pode ser
fito mais adequadamente ao analisarmos a situação inter-racial como ela existia durante o período da
escravidão, deixando para os capítulos sucessivos a documentação dos africanismos encontrados na
cultura do negro hoje.

O que causou as diferenças entre as várias partes do Novo Mundo em termos da retenção dos
costumes africanos? Embora uma resposta só possa ser esboçada, já que a análise histórica dos dados com
relação à vida nas plantações fora da América do Norte continental e do Brasil quase inexiste, ainda assim
fatores efetivos são discerníveis. São quatro os fatores: clima e topografia; a organização e operação das
plantações; a proporção entre negros e brancos; e até que ponto os contatos entre negros e brancos numa
dada região ocorreram num ambiente rural ou urbano.

É bem claro que o ambiente natural influenciou a vida levada pelas várias comunidades de
escravos no Novo Mundo. Os negros levados às regiões tropicais não se depararam com as mesmas
necessidades de reajuste que aqueles levados a climas mais temperados; e aqueles cujo destino era ilhas
menores encontraram novas condições de vida, especialmente caso viessem de tribos do interior do
continente. Ainda assim, fora esses ajustes óbvios e imediatos, o ambiente também influenciou o tipo de
contato que o negro teve com europeus enquanto este levava sua vida como escravo. A própria natureza
dos controles a que os escravos estavam sujeitos dependia em grande parte do tipo de cultivo mais
importante em uma determinada área; e isso, por sua vez, era afetado por fatores como temperatura,
chuvas, condições do solo, e todos os outros aspectos do ambiente natural que determinam o que melhor
cresce numa região, e que nem precisam ser mencionados. Nos Estados Unidos, por exemplo, a vida de
um homem nas plantações de arroz na costa da Carolina ou nos campos de algodão do Alabama e da
Louisiana era bem diferente do que se seu destino o tivesse feito propriedade de um mestre interessado na
produção de aguarrás ou cuja fazenda estivesse na serra.

O ponto se torna ainda mais importante se contrastamos os Estados Unidos como um


todo com as Índias Ocidentais e a América do Sul, onde o regime de escravidão tomou como base
econômica primária a produção de açúcar. Aqui o sistema de plantação atingiu seu desenvolvimento mais
elaborado; nessas usinas de açúcar, onde o número de escravos era relativamente grande, os contatos do
negro estavam limitados aos outros negros muito mais do que em outros lugares. A importância disso será
analisada mais adiante; é necessário mencionar isto aqui, porém, para apontar como, apesar de sua
importância na influência do processo de aculturação, deve em si ser tomado como um reflexo do
ambiente natural, que tornou imperativo esse ou aquele tipo de produção agrícola em larga escala
ocorresse assim ou assado para ser eficiente. Isto deve ser visto em consideração a ordem econômica nas
Índias Ocidentais até hoje. Pois não importa que tipo de medida de eficiência na produção dessas
commodities para o mercado mundial sobreviveu o regime de escravos, o sistema de latifúndios se
perpetuou; onde a produção desses cultivos foi tentada na base da agricultura familiar, o fracasso foi tão
óbvio que os procedimentos arrazoados atuais ditam o encorajamento do cultivo de subsistência como a
única solução para muitos dos problemas sociais e econômicos que afetam as regiões em questão. O
encorajamento causado por estes ambientes de produção em larga escala, onde havia concentração de um
grande número de africanos e de descendentes de africanos em ambientes naturais, tornou possível o
maior uso de sua herança cultural aborígene. E isso, por sua vez, perpetuou essa herança num grau muito
maior do que onde seus números eram menores e grandes ajustes a um ambiente completamente estranho
se mostraram essenciais para que o escravo atingisse nem que fosse a mera sobrevivência pessoal.

A importância do ambiente em ampliar o sucesso das revoltas de escravos, ou em ajudar os


mestres a suprimir tumultos e capturar escravos fugitivos, é por si só dependente desses fatores. Assim,
como exemplo simples, é claro que fugas individuais bem sucedidas eram mais prováveis onde havia
piores obstáculos naturais à perseguição; nos Estados Unidos, os pântanos sempre foram convidativos à
fuga, permitindo aos escravos uma proteção com relação a seus feitores que em campo aberto eles nunca
poderiam ter. Nos trópicos, as selvas densas ajudaram aos rebeldes, tanto pela semelhança entre as
condições de vida que os fugitivos encontraram nessas florestas e o ambiente em que viviam na África
quanto pelas dificuldades que apresentavam a europeus tentados a perseguir os fugitivos mata fechada
adentro.

As áreas montanhosas, e outros esconderijos naturais, nas situações em que os escravos fugitivos
não tinham armas adequadas, ou regiões que eram de importância estratégica quando eles estavam
armados, também não podem ser subestimadas. Em todos os lugares do Novo Mundo onde revoltas de
escravos foram bem sucedidas, os negros tinham a selva ou as montanhas, ou ambas, como um refúgio
em que conseguiram estabelecer e consolidar suas comunidades autônomas. Isso foi verdade na Guiana,
no Haiti, no Brasil e na Jamaica; é impressionante que em ilhas menores, de florestas menos densas, tais
como Barbados, São Vicente e as Ilhas Virgens, ou nos Estados Unidos (com a exceção das Maroons na
Flórida, onde a salvação ocorreu por unirem forças com os Índios, e não apenas por seus próprios
esforços), revoltas sérias foram reprimidas. E já que fugas em massa invariavelmente implicavam a
preservação de uma maior quantidade de africanismos mais puros, particularmente onde revoltas
ocorreram desde o início da história da escravidão, como no Brasil, ou onde, como na Guiana ou no Haiti,
o recrutamento contínuo por ataques às plantações causaram uma renovação constante pela incorporação
de recém-chegados da África nas comunidades dos revoltosos, a importância disso no processo de
aculturação é clara.

A forma na qual as plantações se organizavam e eram operadas foi, em grande parte, semelhante
por todo o Novo Mundo. Isso é compreensível, já que, para começo de conversa, o sistema de escravidão
em toda parte era orientado para a produção para o mercado mundial; isso significava que o trabalho não
treinado tinha que ser direcionado para o cultivo do principal produto em que a plantação de uma
determinada área se especializara. O açúcar nas Índias Ocidentais e na América do Sul e o algodão nos
Estados Unidos foram os mais importantes, mas algumas plantações e algumas regiões se dedicaram a
outros plantios, como o Café, tabaco, arroz e índigo. A rotina de trabalho variava de região para região,
mas em toda parte processos eram simplificados de forma a diminuir o número de operações. Os campos
precisavam ser preparados antes do plantio, seja pela capina ou pelo trabalho na terra já cultivada na
estação anterior. O segundo estágio consistia em semear, adubar e colher, a preparação do produto para o
mercado sendo o passo final. No caso do algodão, esse último passo requeria separar as sementes e fazer
os fardos de algodão; nas plantações de açúcar, era necessário ferver e resfriar o xarope e refinar os
cristais. Alguns escravos precisavam ser treinados para essas tarefas especiais, mas por todo lado
supervisão constante e cuidadosa assegurava que todos os aspectos do trabalho seguissem em frente, os
capatazes brancos eram ajudados por escravos encarregados de supervisionar o trabalho de grupos
menores, que escapavam ao controle efetivo do superintendente branco.

Havia razões históricas e econômicas para o sistema de plantações ser tão semelhante em toda
parte. Os contatos entre as várias partes do Novo Mundo eram contínuos, e a maneira pela qual o trabalho
era feito em uma região influenciava o modo de operações em outra. Assim, foi assinalado:

Plantadores que chegaram à Carolina do Sul vindo de Barbados, Jamaica, Antígua


e São Kitts trouxeram com eles as ideias do regime de plantação com a escravidão como
base do sistema de trabalho.3

Da mesma forma, os colonialistas franceses fugindo das revoltas de escravos do Haiti trouxeram
suas formas de trabalhar com os escravos, e os próprios escravos, para a Louisiana, e, na direção oposta,
os alinhados com Tory para quem a revolução americana era desagradável, seguiram para as Bahamas e
para outros locais nas Índias Ocidentais britânicas. Mas estes foram apenas alguns dos movimentos
unificadores. Os judeus, expulsos do Brasil no século XVII, foram para a Guiana Holandesa e Curaçao
com seus escravos, organizando novas fazendas nessas colônias holandesas; o assentamento de
plantadores em Trinidade das colônias francesas, inglesas e espanholas vizinhas fixou firmemente a
economia das plantações naquela ilha. Em consequência disso uma unidade subjacente, resultado de
forças históricas e econômicas, se desenvolveu no Novo Mundo como pano de fundo para a aculturação
do negro a padrões europeus.

A frequência com que os negros eram treinados como especialistas nas plantações variava muito
nas várias partes do Novo Mundo, mas podemos presumir que onde quer que vastas quantidades de
escravos fossem empregados, certos indivíduos fossem designados para o que pode ser chamado de
“demanda de serviço”. Carpinteiros, ferreiros, e outros capazes de reparar implementos quebrados eram
essenciais; a alguns era necessário confiar o cuidado das crianças, quando mães com crianças jovens eram
postas para trabalhar nos campos; e especialistas eram necessários para lidar com o aparato utilizado na
preparação do produto da plantação para o mercado, particularmente nas usinas de açúcar. Servos
pessoais e da casa também precisam ser incluídos, embora quantos eles fossem, suas tarefas, e a forma
pela qual eram selecionados variassem muito.

Não se segue, porém, que o treinamento daqueles que operavam e reparavam os moinhos de
açúcar, ou agiam como servos na casa, ou que de outra forma seguiam uma rotina diferente daquela do
grande corpo de mão de obra do campo era suficiente para fazê-los abandonar seus modos africanos de
pensamento ou comportamento. Embora um maior contato pessoal com seus mestres fosse rota direta
para que assumissem mais modos de comportamento europeus, a forma de vida levada pelos brancos, nas
Índias Ocidentais em especial, não era do tipo que provocaria amor ou respeito da parte daqueles que a
viam mais de perto. Além disso, em todas as regiões escravistas os escravos mais próximos dos mestres
eram os mais expostos a seus caprichos; e a situação do escravo na casa, mesmo que não envolvesse um
trabalho físico tão contínuo ou duro como aquele exigido do trabalho comum no campo, tinha
complicações sérias pela exposição constante às punições severas que vinham até mesmo de uma
eventual conduta inadvertida que desagradasse de alguma forma os sempre presentes mestres.

Já foi assinalado como nos Estados Unidos muitos dos escravos ajudados pela ferrovia
subterrânea tiveram as maiores oportunidades de aprender a forma de vida do homem branco; e no caso
destes, a aculturação aos padrões europeus foi profunda. Mas nas Índias Ocidentais e na América do Sul,
houve muitas instâncias em que exatamente aqueles que vivenciaram um contato mais próximo com os
brancos prontamente se recusaram a continuar nessa forma de vida quando a liberdade pôde ser obtida
através de alforria, compra da própria liberdade ou fuga. Com base em estudos feitos nos Estados Unidos,
geralmente se afirma que hábitos europeus eram mais comuns entre os negros livres. Ainda que isso possa
ser verdade dos Estados Unidos – e pesquisa adicional realizada por estudiosos com entendimento
adequado das culturas negras no oeste africano e nas Índias Ocidentais precisa vir antes de qualquer
palavra final a respeito disso seja dada – no resto do Novo Mundo isso de forma alguma isso é assim.
Assim, no Brasil foi e exatamente entre aqueles negros que, seja porque foram libertados por seus donos
ou porque compraram a própria liberdade, seguiram vocações especializadas, que o fluxo da tradição
africana se manteve em fluxo livre de uma forma relativamente não diluída até o dia atual.4 No Haiti,
novamente, foram aqueles que tiveram uma oportunidade considerável de se familiarizar com os métodos
europeus da vida cotidiana – e da luta – que foram os líderes mais proeminentes das mais bem sucedidas
revoltas de escravos.

A proporção entre negros e brancos precisa ser tida em mente quando tentamos examinar os
mecanismos de adaptação. A aculturação, é preciso lembrar, ocorre como resultado do contato, e é a
natureza contínua do contato e as oportunidades para exposição a novos modos de vida que determinam o
tipo e a intensidade dos sincretismos que constituem as padronizações futuras das orientações culturais
resultantes. É preciso levar em conta que as proporções raciais variavam muito nas diversas partes do
Novo Mundo; mesmo nos Estados Unidos as diferenças no número de negros e brancos de uma porção do
cinturão da escravatura para outra variavam tanto que isso atraia a atenção dos observadores daquele
tempo da mesma forma que atrai a atenção dos estudiosos atuais.

Bassett, por exemplo, coloca isso nos seguintes termos:

Os plantadores, isto é, os donos de grandes fazendas, eram uma pequena parte dos
brancos do velho Sul. A grande massa era feita de pequenos fazendeiros, donos de grupos
pequenos de escravos, ou sem escravos, homens que tinham terra e viviam
independentemente, sem descanso, educação, e nada mais do que confortos simples. ... Foi
dessa classe de pequenos fazendeiros que veio o feitor. Ele frequentemente era um homem
cujo pai tinha alguns escravos, ou era um jovem fazendeiro ambicioso que tinha em vista se
tornar um senhor e começara a “gerenciar”, como se dizia, como um passo na direção de se
tornar proprietário.5

A análise de Gaines da literatura Americana que lida com o Sul, e como ela reflete e distorce as
realidades sociais do período da escravidão, leva-o a seguinte conclusão:

Uma das principais visões equivocadas ocorre com relação ao tamanho das
fazendas. Quase sem exceção os romancistas assumem um vasto reino cercado apenas por
“limites de horizonte azul.” Havia, é bem verdade, algumas propriedades enormes . . . mas
fazendas colossais eram a exceção, e não a regra. Em certas regiões, por exemplo a maior
parte da Carolina do Norte e Georgia, havia poucas propriedades grandes. Page corretamente
afirma que a fazenda média sulista era pequena, que poucos sulistas possuíam negros, e que
a maioria dos que os possuíam, os tinham em pequeno número.6

As estatísticas de negros e brancos em Maryland refletem oportunidades para contato, e as


consequentes possibilidades da tomada dos modos de vida europeus pelos negros:

O governador de Maryland escreveu, em 1708, que o negócio estava em alta e que


naquele momento era um “bom” negócio; que cerca de seiscentos ou setecentos negros
haviam sido importados nos dez meses anteriores. Dois anos antes, era dito que aumentava o
número de negros. O Escritório de Registros Públicos em Londres tinha uma lista de
homens, mulheres e crianças “cristãos” e também dos escravos negros em Maryland em
1712. Os brancos somavam cerca de trinta e oito mil, os negros eram oito mil. Em três dos
condados sulistas, havia muito mais negros do que brancos. Nos anos subsequentes,
aumentaram os números de ambas as raças. Em 1750, os brancos talvez fossem cerca de cem
mil, e os negros cerca de quarenta mil. Em 1790, havia mais de duzentos e oitenta mil
brancos, e quase a metade disso de escravos; os mais ou menos oito mil negros livres
tornavam a proporção de brancos para negros menor do que dois para um.7

As Carolinas foram sujeitas da mesma forma a um estudo cuidadoso desse ponto de vista, e são
especialmente pertinentes a nossa investigação devido a variação de um distrito ao outro na proporção
entre mestres e escravos. O fato de que uma das mais extensas retenções de africanismos em todos os
Estados Unidos seja encontrada nas Sea Islands pode ser reunida com as seguintes afirmações, e apontam
uma conclusão no que diz respeito a causa. Em primeiro lugar, somos informados de que:

Na ilha de Santa Helena, onde havia cerca de dois mil escravos para apenas cerca
de duzentos brancos, os negros aprenderam muito vagarosamente os modos dos brancos. Seu
domínio do inglês era bem menos avançado do que o dos escravos de Piedmont. Eles
falavam um inglês ruim, com palavras e expressões imperfeitas que eles e seus pais e avôs
haviam aprendido com os poucos brancos com quem eles tiveram contato. 8

A afirmação de um dono de escravos da região esclarece ainda mais o processo em questão:

Um plantador disse a seu convidado inglês, Captain Basil Hall, em 1827, que ele
não fazia tentativa alguma de regular os hábitos e morais de seu povo, exceto em questões de
polícia, “Não nos importamos com o que fazem quando suas tarefas estão terminadas – os
perdemos de vista até o dia seguinte” disse ele.9

Uma ideia dessas diferenças regionais para a Carolina do Norte em geral foi também expressa
em termos como os seguintes:

O Carolina Cultivator (Agricultor da Carolina) dividiu em 1855 os fazendeiros da


Carolina do Norte em “duas classes bem conhecidas”. Uma classe possuía escravos que
eram “esfarrapados, sujos e ladrões”; a outra, escravos que eram bem vestidos, bem
alimentados e bem alojados, e que eram alegres, trabalhadores e satisfeitos.10

Estatisticamente, isto é representado pelo número de escravos em fazendas grandes e pequenas:

Enquanto o número médio de escravos por família escravista na Carolina do Norte


possa parecer alto, deve ser lembrado que a mais da metade, 67 por cento, destas famílias
tinham menos do que dez escravos. Os grandes escravistas, aqueles poucos que tinham de 50
a 200 escravos, coloriam a figura da Norte Carolina pré-guerra, mas os pequenos escravistas
na verdade moldaram o caráter da escravidão no estado, porque eles eram a maioria.
Igualmente importantes . . . eram as famílias, 72 por cento do total delas em 1860, que não
tinham escravos.11

A discussão mais extensa da posse de escravos é a de Phillips. Em 1671 a população da Virginia,


ele nos diz, era estimada em 40.000, incluindo aí 6.000 criados brancos e 2.000 escravos negros. 12 Estas
proporções mudaram rapidamente, como mostrado por um censo feito em “certos condados de Virginia”
durante 1782-1783 que enumerava o número de escravos nas regiões de Tidewater e baixa Piedmont:

Para cada um de seus cidadãos, quinze ao todo, que tinham mais de cem
escravos, havia aproximadamente três que tinham de 50 a 99; sete com de 30 a 49; treze
de 20 a 29; quarenta de 10 a 19; quarenta com de 5 a 9; setenta com de 1 a 4; e sessenta
que não tinham nenhum.13 Ao final do período de escravidão, o “maior dos plantadores
de tabaco” tinha, era descrito como tendo, em 1854 uma população de escravos de cerca
de 1600 indivíduos em suas “muitas plantações que iam do alto Piedmont até ambos os
lados da fronteira entre a Virginia e a Carolina do Norte."14

Em Maryland,

... as proporções entre os escravistas das diversas escalas, de acordo com o


censo de 1790, eram quase idênticos aos recém expostos a respeito dos condados da
Virgina. ... em todos estes condados da Virginia e Maryland a média de escravos por
escravista era entre 8.5 e 13 escravos. Em outros distritos dos dois estados, onde o
sistema de plantação não era tão dominante, a média era claro menor, e não escravistas
eram mais abundantes.15

Na Carolina do Sul a concentração de escravos era um pouco maior, como se pode esperar,
embora não tão grande como se pensa normalmente:

Nas quarto paróquias da Carolina do Sul, St. Andrew, Colleton de St. John, St.
Paul e St. Stephen os pesquisadores do censo de 1790 encontraram 393 escravistas com
uma media de 33.7 escravos cada, quando comparado com um total de 28 famílias não
escravistas. Nestas paróquias e em outras mais, no total fazendo a porção rural da area
conhecida politicamente como Distrito de Charleston, havia entre os 1643 chefes de
família 1318 escravistas a quem pertenciam 42.949 escravos. . . . No total haviam 79
conjuntos de cem escravos ou mais, 156 entre cinquenta e noventa e nove, 318 entre
vinte e quarenta e nove, 251 entre dez e dezenove, 206 entre cinco e nove, 209 entre de
dois a quatro, 96 com um único escravo cada, e 3 cujos números entrados na coluna dos
escravos estavam ilegíveis.16

O comentário de Sir Charles Lyell feito na época, embora ao estilo do período, é pertinente:
Quando conversando com diferentes plantadores aqui sobre as capacidades e
progresso future da população negra, os vejo concordar muito frequentemente que nessa
parte da Georgia parecem estar em grande minoria. Na ilha de St. Simon, é conhecido que os
negros das fazendas menores são mais civilizados do que os das grandes propriedades,
porque eles se associam com uma maior proporção de brancos. No Condado de Glynn, onde
agora reside, havia não menos de 4.000 negros para 700 brancos; já na Georgia há apenas
281,000 escravos numa população de 691,000, ou mais brancos do que gente de cor. Ao
longo da parte alta do país há preponderância de anglo-saxões, e pouca reflexão sera
necessária ao leitor sobre o quanto da educação de uma raça que começa num estágio tão
baixo de desenvolvimento intelectual, social, moral e spiritual como o negro africano,
precisa depender não no aprendizado de ler e escrever, mas da quantidade de interação social
familiar que eles consigam com indivíduos de uma raça superior. Na medida em que eles
permanecem reunidos como manadas de muitos indivíduos, e raramente entram em contato
com brancos, a não ser o dono e o feitor, pouco eles podem ganhar através da faculdade
imitativa, e não conseguem nem mesmo grandes progressos no domínio da língua inglesa. . .
.17

Para o Alabama, a situação foi resumida como se segue:

Os condados do algodão foram os principais condados escravistas e, portanto, os


condados da plantação. São Dallas, Marengo, Greene, Sumter Lowndes, Macon e
Montgomery. Sessões do estado, mais pobres bem como menos adaptadas ao cultivo do
algodão, tinham uma média de 1.4 escravos para cada residência. O Condado de Madison na
parte norte do estado, na verdade tinha dois famílias para cada escravo. O número médio de
escravos por plantação no estado era 4.5. Porém, nos condados do algodão as plantações
grandes determinaram os padrões mais comuns. Em 1805 havia 790 donos de entre 30 e 70
escravos; 550 donos de 70 a 100 escravos; 312 com de 100 a 200 escravos; 24 com de 200 a
300 e 10 com de 300 a 500. Assim cerca de 150.000 escravos estavam em plantações onde
50 ou mais escravos, ainda que apenas um terço da população branca estivesse interessada
na escravidão.18

Phillips, embora não diretamente preocupado com os mecanismos de aculturação, nos deixou um
resumo útil do assunto no que diz respeito aos Estados Unidos em geral:

É lamentável que dados descritivos das plantações e fazendas pequenas sejam tão
escassos. Os documentos que existem apontam inequivocamente para a informalidade do
controle e a intimidade entre trabalhadores brancos e negros nessas unidades. Isso é muito
importante em sua implicação para o relacionamento entre as raças, pois de acordo com o
censo de 1860, por exemplo, um quarto de todos os escravos dos Estados Unidos eram
mantidos em grupos de menos de dez escravos cada, e quase outro quarto em grupos de dez
a vinte escravos. Isso significa que cerca de metade dos escravos tinham uma facilitação
diferenciada na obtenção da herança social de seus mestres . . . o próprio fato de que os
negros eram escravos os ligavam ainda mais proximamente, como um todo, aos brancos do
que qualquer esquema de trabalho assalariado o faria.19

O contato entre os negros e brancos nos Estados Unidos continental comparado o que ocorreu
nas Índias Ocidentais e na América do Sul explica bem a maior incidência de africanismos no Caribe.
Nos primeiros dias, o número de escravos em proporção a seus mestres era muito pequeno, e embora com
o tempo milhares ou dezenas de milhares de escravos tenham sido trazidos para satisfazer as demandas
das plantações do sul, ainda assim os negros viviam em constante associação com os brancos num grão
não encontrado em nenhum lugar no Novo Mundo. Que as Sea Islands da costa da Carolina e da Georgia
ofereçam a mais marcante retenção de africanismos a ser encontrada nos Estados Unidos deve ser
considerado como mero reflexo do isolamento desses negros quando comparados com os do continente.
Certamente a oportunidade do escravo que era a única posse humana de seu master de levar a
tradição Africana era menor, não importa o quão convencido este negro pudesse estar de que isso era algo
desejável. Mesmo onde os escravos numa fazenda contavam dez ou quinze era difícil conseguir uma
continuidade do comportamento aborígene. A não ser que este grupo estivesse no meio de uma area
densamente povoada, o que possibilitaria contato constante com outros escravos, seria quase impossível
para eles viver de acordo com os ditames de uma tradição baseada em grandes números de grupos de
relacionamento proximamente costurados e organizados em estruturas políticas e econômicas complexas.
Como poderiam os especialistas em tecnologia, em magia, em manipulação dos poderes sobrenaturais
fazerem seus trabalhos em grupos tão pequenos, existindo, como esses tinham que existir, sob o
escrutínio próximo e supervisão constante dos escravistas?

As coisas eram bem diferentes nas ilhas do Caribe e na América do Sul. Ali os numerous raciais
eram muito mais desproporcionais; fazendas onde uma única família comandava dúzias, ou centenas, de
escravos eram comuns e o “branco pobre” era encontrado tão raramente que recebia apenas tratamento
superficial até mesmo em tratamentos históricos muito meticulosos como os dos estudiosos francesces
preocupados com condições sociais, status econômico e os desenvolvimentos políticos do Haiti pré-
revolucionário. O homem branco com poucos escravos era também raramente encontrado. A exigência da
conformidade com o sistema de plantação era muito mais estrito do que nos Estados Unidos, onde certo
grau de autossuficiência econômica era buscada, não importa a que ponto uma única colheita rentosa
fosse o objetivo principal. O próprio território era dado a exploração do continente era quase literalmente
sem limites, e a migração constant de plantadores e de seus escravos para o oeste causou o crescimento de
centros de população e o desenvolvimento de meios de comunicação que fizeram o tipo de isolamento
vivenciado pelos plantadores nas Índias Ocidentais e na América do Sul uma raridade. Uma passagem tal
como a seguinte, tomada da carta de um plantador Haitiano, descreve uma situação bem diversa da
experiência do escravista sulista:

Tende piedade de uma existência que precisa com muita luta ser ganha num mundo
tão distante do de nosso povo. Aqui somos cinco brancos, meu pai, minha mãe, meus dois
irmãos e eu, cercados por mais de duzentos escravos, o número de negros domésticos por si
só chegando a quase trinta. De manhã à noite, para onde quer que nos voltemos, seus rostos
encontram nossos olhos. Não interessa o quão cedo acordemos, estão ao lado de nossa cama,
e o costume que se fez aqui de não se dar o menor movimento sem a ajuda de um servo
negro faz com que não só vivamos em sua sociedade a maior parte do dia, mas também que
acabem envolvidos nos mais desimportantes eventos de nossas vidas cotidianas. Se vamos
da casa para as oficinas, ainda estamos sujeitos a essa estranha proximidade. Acrescente a
isso o fato de que nossas conversas quase inteiramente tratam da saúde de nossos escravos,
de suas necessidades que precisam ser atendidas, da disposição que a eles devemos dar em
nossa terra, e suas tentativas de revolta, e você entenderá que nossa vida inteira está tão
proximamente identificada com a desses desafortunados que, no final, não é diferente da
deles. E a despeito de qualquer prazer que possamos obter do absoluto domínio que nos é
dado a exercitar sobre eles, que lamentos nos assolam diariamente pela nossa incapacidade
de nos comunicarmos com outros que não esses desafortunados, tão diferentes de nós com
relação a pontos de vista, costumes e educação.20

Os donos de plantações nas ilhas do Caribe e na América do Norte diferiam em atitude, afiliação
primária e adaptação. Onde o ambiente era tão estranho aos europeus como os trópicos, o pensamento
frequentemente se voltava à terra natal; nos Estados Unidos, a vida de um plantador, que se considerava
permanentemente assentado em sua plantação, tomava rotinas mais normais. A influência de uma
orientação deste tipo nos negros, em termos de possibilitar oportunidades para aculturação é evidente. O
contato mais próximo com os brancos nos Estados Unidos causou uma maior familiaridade com os
costumes brancos e facilitou sua incorporação no comportamento negro; nada se contrastaria mais com
isso do que a situação que afetou os escravos nas fazendas que os afastavam de seus mestres muito mais
do que no continente norte americano. Consequentemente, podemos separar os Estados Unidos do resto
do Novo Mundo como a região onde mais houve distanciamento dos modos de vida africanos, e onde os
africanismos que porventura tenham persistido foram mantidos de forma mais generalizada, quase nunca
diretamente relacionável a uma tribo específica ou área definida.

A questão da residência urbana ou rural dos escravos está proximamente ligada ao ponto recém
tratado. A informação é muito menos disponível sobre isto do que os dados que dizem respeito as
percentagens de negros e brancos; ainda assim a situação pode ser resumida de forma grosseira, já que
encorajava ou obstaculizava a intensidade e a velocidade da aculturação, e assim contribuía para as
diferenças no comportamento do negro tanto dentro quanto entre as várias regiões.

Os centros urbanos dos Estados Unidos eram mais numerosos e tinham um tamanho maior do
que em qualquer outro lugar do Novo Mundo. Apenas o Brasil se aproxima aos Estados Unidos no que
diz respeito a isso. Na area escravista do norte da América do Sul, encontramos Paramaribo na Guiana
Holandesa e Georgetown na Guiana Inglesa, ambas cidades pequenas se comparadas com as cidades nas
extremidades do cinturão de escravidão do Novo Mundo. As cidades costeiras da Venezuela tinham
populações negras consideráveis; com relação ao resto das repúblicas latino-americanas nossa informação
é tão escassa que nada pode ser dito. Nas ilhas do Caribe, existiam centros que eram no máximo
assentamentos onde plantadores tinham estabelecimentos para passer o tempo quando não estavam em
suas residências nas fazendas, ou quando os negócios os levavam aos portos. Port-of-Spain, em Trinidad,
foi durante o período todo da escravidão uma cidade pequena, localizada numa ilha onde, para todos os
efeitos, a escravidão tinha um lugar secundário na vida econômica. Bridgetown nos Barbados era um
pouco maior, mas sempre havia sido um centro administrativo e de envio de cargas. As ilhas dos
arquipélagos de Windward e Leeward, elas próprias muito pequenas, não podiam dar suporte a
assentamentos de qualquer tamanho; assim até mesmo para cidades pequenas no Caribe precisamos falar
de Cuba, Jamaica, Haiti e talvez o Porto Rico e a Martinica.

Essa lista pequena deve ser contrastada com os centros de tamanho considerável nos Estados
Unidos, em que muitos dos quais os negros tinham várias oportunidades de contato com os brancos. No
norte estavam Boston, Nova York e a Philadelphia, todas com populações negras de bom tamanho desde
os primeiros dias do negócio escravagista. Além desses centros ao norte, havia muitas outras cidades
menores, tais como Albany, Jersey City e Fall River, cuja população negra no somatório era grande o
suficiente para fazer delas uma influência verdadeira na entrada dos costumes do branco na comunidade
negra como um todo. Limítrofe entre os estados escravagistas e livres estavam Washington, Baltimore e
mais ao oeste, Cincinnati e Louisville, cujos grandes grupos de negros estavam em contato constante com
os numerous muito maiores de brancos em meio a que viviam, e não tinham motivação nem oportunidade
de viver em termos de um padrão peculiar, como fizeram os negros das comunidades Brasileiras e das
Índias Ocidentais. Finalmente, há muitos centros no proprio sul onde os negros e brancos tiveram
associação próxima. Richmond, Charleston e Atlanta, ao leste, e New Orleans, ao oeste, são apenas os
exemplos principais de cidades menores comparáveis a estas que existiam em vários lugares do Sul.

A vida em todas estas comunidades diferia marcantemente daquela nos centros fora dos Estados
Unidos. Os chefes de família destas cidades estavam permanentemente estabelecidos; suas moradias,
portanto, não eram apenas residências a serem ocupadas apenas durante certas partes do ano, ou meros
locais de estadia para quando os negócios traziam um plantador para a cidade. A dono de plantação
sulista vivia em sua fazenda, e seus contatos com a cidade, exceto para visitas a amigos, eram breves e
infrequentes. A transferência de escravos do campo para a cidade e de volta para o campo com as viagens
do mestre, comuns nas ilhas, eram muito mais raras no continente, se é que ocorriam; o que significa que
nos Estados Unidos o negro da cidade era um residente permanente, algo que por sua vez causou ali uma
diferenciação mais aguda entre ele e o escravo rural do que em outras partes. No norte, é claro, onde não
havia plantações, o escravagismo era praticado somente em pequena escala. Isso por si só afetou a
aculturação do negro no norte, pois seja na cidade ou no campo, o número relativamente pequeno de
escravos, ou de homens libertos depois que a escravidão se tornou ilegal no norte, tornou inevitável que
os negros por todo lado vivenciassem muito mais exposição aos padrões de comportamento europeus do
que em outras partes do Novo Mundo.

É importante, porém, ao considerar como o urbanismo afetou os processos aculturativos,


abstermo-nos de fazer quaisquer presunções a priori. Nas cidades os negros tinham uma vida própria, e
apenas porque suas oportunidades de contato com os brancos eram maiores do que nas plantações
isoladas, isso não necessariamente quer dizer que eles seguiram os comportamentos colocados diante
deles. O que é mais provável é que, no que diz respeito à retenção de africanismos ou a adoção de
costumes europeus, um deles ou ambos foram acelerados. A crença popular diz quase como um axioma
que para encontrar costumes aborígenes em suas formas puras precisamos ir aos distritos mais remotos; e
embora isso possa ser verdade até certo ponto, não é uma generalização aceitável de forma alguma. Os
negros Bush das florestas da Guiana manifestam a cultura africana na forma mais pura que pode ser
encontrada fora da África, ainda que em centros como a Bahia – especialmente nos bairros negros nas
zonas limítrofes da cidade – ou em Paramaribo ou Port-of-Spain também encontremos retenções de um
surpreendente grau de pureza. Puckett colocou o assunto de forma semelhante no que diz respeito aos
Estados Unidos:

Mesmo hoje quase três quartos dos negros no sul vivem num ambiente rural, e
nesse isolamento relativo as superstições de tipo mais primitivo geralmente se preservam
mais facilmente do que num ambiente onde o contato externo é maior. Que isso nem sempre
seja verdade é mostrado pela aparente maior prevalência de superstição no negro da cidade
de Nova Orleans enquanto comparado com muitos de seus companheiros rurais – um fato
que provavelmente se dá devido as tradições vodu daquela cidade e a troca mais frequentes
de ideias desse tipo por uma multidão de pessoas, todas se apegando às mesmas velhas
crenças.21
Certamente a anonimidade da vida na cidade frequentemente possibilita que costumes ilícitos
sejam levados a cabo quando de forma discreta, ou a ampliar as possibilidades de atividades banidas sob
uma forma disfarçada. Mesmo quando este não é o caso, um fator econômico importante, quase
completamente negligenciado, poderia entrar em jogo. No que diz respeito aos africanismos
sobreviventes mais dramáticos, tais como danças de possessão e outras manifestações de crença religiosa
e mágica, é essencial que suficiente prosperidade financeira esteja disponível para permitir um sustento
adequado aos especialistas que dirigem esses ritos e controlam os poderes sobrenaturais. Isto está
marcantemente exemplificado na situação em Trinidad, onde os ritos da seita Yorubá Xangô só são
encontradas nas regiões externas da capital e do porto principal, Port-of-Spain. No interior o culto está
quase completamente ausente. O povo ali vivendo é vago sobre seus rituais ou crenças, porque nestes
distritos mais ao interior não há suficientes pessoas ou riqueza suficiente para sustentar as cerimônias
elaboradas. Análogo é o caso das igrejas “gritadas” nos Estados Unidos, onde formas de possessão de
espírito representam as mais diretas heranças encontradas nesse país. Embora as atividades da igreja
sejam numerosas no sul, se queremos ouvir a pregação “mais quente” e presenciar as maiores expressões
de histeria, precisamos ir a centros negros grandes como Nova York, Chicago ou Detroit. Há demanda
por bons pregadores, e de acordo com o padrão econômico de nossa cultura, eles seguem para os lugares
onde seus serviços pode ser mais adequadamente compensados. No sul, de forma geral, exceto nas
comunidades negras mais povoadas, as congregações não conseguem atingir os mesmos montantes
oferecidos pelas ricas igrejas do norte.

Assim é injustificável presumir que o mero contato, tal como o causado pela vida em cidade,
causou a supressão dos africanismos. Que sua retenção em sua forma pura seja desencorajado é sem
dúvida verdade; ainda assim isso não significa que os padrões do branco sejam tomados sem sérias
revisões. Pelo contrário, isso implica que as culturas urbanas e rurais do negro tomam tons diferentes; que
o impacto dos costumes europeus sobre os valores tradicionais e modos de comportamento aborígenes
africanos foi direcionado ao longo de cursos divergentes. E assim é que, enquanto os africanismos sejam
encontrados tanto em cidades e no campo por todo o Novo Mundo, eles sejam diversos em termos da
intensidade e das formas específicas que tomam.

A diferença nas oportunidades que fez com que os vários tipos de escravos familiarizassem-se
com o comportamento de seus mestres e modelassem sua própria conduta em termos destas convenções é
o segundo ponto a ser considerado na análise do processo de aculturação. Como foi afirmado, a presunção
de que diferenças importantes existissem entre a forma de vida e o tratamento do servo da casa e do
campo é amplamente mantida. Uma das razões frequentemente adiantadas para isto é uma diferença
presumida de cor entre os dois grupos. É portanto necessário de saída começar com uma reserve contra
injetar quaisquer explicações biológicas na análise de uma situação que pode ser adequadamente descrita
num nível cultural e histórico.
Que diferenças de cor tomem um papel de certa importância dentro da comunidade negra é bem
conhecido, e foi demonstrado como importante na seleção de casais, onde segue-se um padrão bem
definido onde as mulheres de pele mais clara tendem a casar com homens de pele mais escura.22 Podem
ser oferecidas duas explicações possíveis para isso, e ambas salientam a dificuldade que surge quando as
diferenças presumidas entre servos da casa e do campo são associadas ou relacionadas com o fato
biológico da cor. Uma explicação, essencialmente psicológica, coloca seu argumento na tendência de
qualquer minoria desprivilegiada de posicionar seus objetivos de acordo com alguma característica
marcante da população dominante em meio a qual vive; no caso dos negros, uma ausência de
pigmentação mais forte.23 A outra explicação diz respeito apenas às experiências históricas do negro
desde sua chegada na América do Norte. Ela mantém que o negro de cor mais clara, hoje economica e
socialmente mais bem posicionado do que seu irmão mais escuro, é descendente do mestre branco; que
ele é descendente do miscigenado, que, em sua capacidade como servo da casa ou assistente pessoal, fez
o contato mais próximo com os brancos, e assim atingiu uma aculturação mais pronta e efetiva aos
padrões do grupo majoritário.24

Não pareceria razoável manter que ambas as explicações sejam pertinentes, enquanto
reconhecendo que nenhuma delas podem completamente descrever os fatos como eles são conhecidos.
Devemos nos guardar, em todos os casos, de que a partir de qualquer explicação para tais diferenças de
cor como as que marcam os presentes agrupamentos socioeconômicos, ou os dos do passado, sejam
traçadas explicações em termos de uma capacidade inata diferente, resultante de diferentes graus de
miscigenação racial. Para ser mais específico, no caso em mãos o prestígio que a cor mais clara representa
para os negros não pode ser interpretada como indicando um reconhecimento por eles da superioridade da
presença de “sangue branco”.

Com esse cuidado em mente podemos nos voltar a questão dos diferenciais nas oportunidades de
aquisição da cultura dos brancos com relação aos vários tipos de escravos. A necessidade de análise se
torna evidente quando reexaminamos a literatura a partir do ponto de vista agora aceito, já que as
distinções traçadas entre o modo de vida do servo da casa e do campo não são tão evidentes nos relatos de
época que a ênfase que os escritores de hoje dão a elas nos levam a crer. As notas de Phillips com relação
ao processo aculturativo durante os primeiros momentos da escravidão são pertinentes:

... por duas gerações os negros eram poucos, eles eram empregados juntamente
com os servos brancos, e em muitos casos eram membros da casa de seus mestres. Eles
tinham de longe a melhor oportunidade que já foi dada a sua raça na América para aprender
os modos do homem branco e ajustar as correntes de sua prisão nos lugares mais agradáveis
possíveis.

Sua importação, até aquele momento, ocorria numa escala experimental, e mesmo seu status
legal durante as primeiras décadas era indefinido.25

De acordo com seu resumo, a diferenciação entre escravos não era muito maior depois desse
período inicial:
As finalidades e políticas dos mestres eram bastante uniformes, e em consequência
disso os negros, embora muito variados, se padronizaram no tipo predominante na plantação.
Os traços que prevaleceram foram um anseio por reunião, música e festejo, um apreço pela
expressão seja da pessoa, da vestimenta, do vocabulário ou da emoção, uma sensualidade
não grosseira, uma receptividade a qualquer religião cujos exercícios sejam exultantes, uma
propensão à superstição, uma aceitação cortês da subordinação, avidez por elogios,
prontidão por lealdade do tipo feudal, e por último, mas não menos importante, uma
repugnância humana saudável pelo trabalho em exagero.26

Lyell não encontrou nenhuma grande diferença entre a forma de vida dos escravos empregada
nas variadas tarefas das plantações maiores:

Os trabalhadores da parte externa têm casas separadas para eles; mesmo os servos
domésticos, exceto alguns que são babás das crianças brancas, vivem fora da casa grande –
um arranjo que nem sempre é conveniente para os mestres, já que ninguém responde ao sino
depois de certa hora.27

Mrs. Smedes, cujo livro é quase uma caricature da escravidão bucólica “padrão”, conta uma
história que indica que os servos da casa nem sempre reconhecem as oportunidades dessa posição
supostamente favorecida:

Pode não ser descabido exemplificar como uma das servas de Burleigh fazia sua
vontade acontecer por cima dos chefes na família branca. Depois da senhora falecer, Alcey
resolveu que não iria mais cozinhar, e deu um jeito de ser trocada para o trabalho de no
campo. Ela sistematicamente desobedecia ordens e roubava ou destruía a maior parte das
provisos a ela confiadas na cozinha. Nada foi foeito, então ela decidiu mostrar de forma mais
clara que estava cansada da cozinha. Ao invés de buscar uma galinha para a janta do
galinheiro, como sempre, ela desenterrou de algum lugar uma galinha velha cozida deixada
de lado há seis semanas e a serviu como fricassé! Naquele dia recebíamos convidados. Isso
teria feito a maioria dos servos se comportar, mas não Alcey. Ela conseguiu o que queria, foi
mandada para o campo no dia seguinte. . .28

E nem aos descendentes mulatos dos mestres era concedido o tratamento especial que lhes
destinava como membros da casa:

Se poderia imaginar que os filhos oriundos de tais conexões se dariam melhor, nas
mãos de seus mestres, que os outros escravos. A regra na verdade é o oposto; e um pouco de
reflexão satisfará o leitor de que é assim. Um homem que escraviza o próprio sangue não
pode ser tido por confiável em sua magnanimidade. Os homens não amam a aqueles que
lembram deles ou de seus pecados – a não ser que tenham uma mente de arrependimento – e
a face mulata da criança é uma acusação permanente contra ele que é o mestre e pai da
criança. E o que é talvez pior, uma criança assim é uma ofensa constante à esposa. Ela odeia
a mera presença dessa criança, e quando uma feitora odeia, ela não carece de meios para dar
a esse ódio um efeito marcante. . . . Os mestres muitas vezes são compelidos a vender essa
classe de seus escravos, em respeito aos sentimentos de suas esposas brancas; ... é
frequentemente um ato de humanidade com a criança escrava ser retirada das mãos de seus
tormentadores implacáveis.29

Um resumo atual da situação na Carolina do Sul indica como a concepção comum das distinções
entre as duas classes de escravos tende a não reconhecer o modo pelo qual uma tarefa assinalada a um
escravo, exceto nos estabelecimentos maiores, estava sempre sujeita a mudar de mãos:

Em cada plantação onde houvesse mais de vinte escravos pelo menos um era
separado como um servo da casa. Os muito jovens e os velhos geralmente estavam ligados à
casa, enquanto que os para quem mais e diversas tarefas pudessem ser dadas eram melhor
empregados no campo. Por exemplo, os servos da casa da plantação Weehaw de Henry C.
Middleton próxima a Georgetown, Carolina do Sul, eram “um cozinheiro que não está
plenamente capacitado, uma garota de doze anos e um menino de quatorze”. Um velho era
“rapaz do estábulo” e conductor de charrete para a família e uma velha jardineira. Stephen
A. Norfleet de Woodbourne no Condado de Bertie frequentemente colocava seus servos de
casa em outros trabalhos durante a temporada mais ocupada; e quando sua esposa ficou
doente em 1858, ele empregou uma governanta branca. Em algumas famílias, porém, o
séquito da casa era grande: um cozinheiro e seu assistente, um mordomo de uniforme, uma
camareira da casa, uma camareira pessoal, um “rapaz” para servir o mestre, uma babá se
houvesse crianças, um charreteiro, um jardineiro e um rapaz de estábulo.30

Outra razão pela qual a diferença de oportunidades para a aculturação entre servos da casa e do
campo não era tão grande quanto se supõe é encontrada nos relatos da vida de crianças negras durante
seus períodos mais tenros e formativos. O quão parecidos eram os condicionamentos iniciais de todas as
crianças escravas pode ser inferido desse comentário de um observador da época:

É costume universal nas plantações do sul que enquanto os escravos, homens e


mulheres, estão fora trabalhando, as crianças devem ser todas reunidas em um lugar, sob os
cuidados de uma ou duas mulheres mais velhas. Já vi sessenta ou setenta ou até mais
reunidas, e suas guardiãs uma dupla de velhas bruxas negras, que com um feixe de varas
mantinham a ordem desses pobres cordeirinhos negros, que com uma expressão de medo e
horror inquestionáveis se encolhiam em grupos todas as vezes que as bruxas ameaçadoras
vinham batendo suas varas. Em plantações menores, onde o número de crianças é menor, e
as guardiãs mais bondosas, a cena, é claro, não é tão repulsiva; ainda assim sempre me
lembra um bando de porcos ou ovelhas, a que se alimenta apenas para abater.31

Pode-se, é claro, objetar que descrições desse tipo dizem respeito exatamente aos filhos dos
escravos trabalhadores do campo, enquanto que os descendentes dos servos da casa seriam cuidados de
forma diferente, a eles sendo permitido brincar na casa grande e dessa forma tendo sua infância embebida
das formas de vida do mestre. À luz das variações no lidar com escravos que existiram em toda a área de
escravidão nos Estado Unidos, isso sem dúvida foi verdade em muitos casos; ainda assim as passagens
citadas anteriormente parecem indicar que tal diferenciação estava longe de ser universal.

O número de fazendas que permitiriam o apoio a um séquito de servos de casa era relativamente
pequeno, o que torna provável, como Johnson indica, que na maioria daquelas plantações onde os negros
eram empregados no trabalho de casa, aqueles jovens ou velhos demais para trabalhar no campo, ou
incapacitados por algum outro motivo, eram colocados nessa tarefa. Sendo esse o caso, não seria surpresa
que a seguinte descrição do serviço de mesa na Jamaica não esteja mais próximo em muitos casos à
realidade Norte Americana que os mordomos bem vestidos e faxineiras e cozinheiros de turbante da
lendária “casa grande”:

... é muito comum ver meninos e meninas negros, de doze ou treze anos de idade,
quase homens ou mulheres, sem nada mais do que uma camisa ou faixa grande, servindo
uma mesa; tão poucas são as decências da vida observadas entre eles.32

Certamente nas fazendas menores não havia tanta diferença no que concerne quaisquer
condicionamentos a normas brancas os jovens escravos possam ter vivenciado através da associação
próxima com seus mestres, ou, o que é mais relevante, com os filhos do mestre. Lyell nos dá alguma
indicação da natureza recíproca desse relacionamento, que, é preciso que se diga, constitui um element na
situação de aculturação total e que recebeu bem menos atenção do que merece:
Em uma família, descobria que havia seis crianças brancas e seis negras, com mais
ou menos as mesmas idades, e as negras haviam sido ensinadas a ler por seus companheiros,
o dono deixando passar esse procedimento ilegal, e parecendo pensar que tal aquisição
aumentaria o valor dos seus escravos, e não o contrário. Infelizmente os brancos, por sua
vez, muitas vezes aprenderam com os negros a falar inglês errado, e depois, mesmo que
dispendam muito tempo para desaprender as frases não gramaticais, mesmo pessoas bem-
educadas mantém algumas delas por toda a vida.33

Outro exemplo, onde esse mesmo escritor observou a proximidade do contato entre os jovens das
duas raças, pode ser dado:

Passávamos por algumas cabanas ao lado da via quando um grupo de crianças saiu
correndo, metade brancas e metade negras, gritando a plenos pulmões, e fazendo o carreteiro
temer que os cavalos se assustassem. Não só elas eram como as crianças de todas as partes
do mundo, que amam o barulho e fazer traquinagem, mas evidentemente todas estavam se
associando em termos de igualdade, e ainda não haviam descoberto que pertenciam a
diferentes castas na sociedade.34

Também algumas vezes é ignorado que nos primeiros dias da escravidão, e em algumas partes
do sul até relativamente bem mais tarde, o trabalho do campo tinha oportunidade de aprender os modos
dos brancos com quem se associavam em seus trabalhos. Para aqueles cuja concepção de “cultura” não é
a definição científica que compreende todos os aspectos do comportamento, mas que usam o termo num
sentido valorativo para significar o comportamento aprovado por aqueles de uma origem mais “gentil”,
talvez sentissem que esse tipo de associação não era de pouca vantagem para o escravo, ao expô-lo ao
“melhor” do comportamento europeu. A seguinte passagem, que se refere aos primeiros dias da
escravidão, implica que a influência europeia estava presente quando os padrões iniciais do
comportamento do negro neste país foram dispostos:

Lado a lado no campo, o servo branco e o escravo se engajavam em plantar, carpir,


cortar tabaco, ou sentavam lado a lado no celeiro manipulando a folha em seu curso de
preparação para o Mercado, ou batiam seus machados nas mesmas árvores, limpando as
florestas para ampliar o terreno. Os mesmos feriados eram concedidos a ambos, e sem
dúvida, o mesmo privilégio de cultivar pequenos trechos de terra para seu benefício
próprio.35

Um exemplo pode ser dado sobre como, também mais tarde, contatos nesse nível, embora mais
restritos, ocorriam mais frequentemente do que geralmente se reconhece:

Ontem visitei uma mina de carvão; a maioria dos mineradores é escrava . . . mas
um bom número de mão de obra branca também é empregada, e eles ocupam todos os postos
de responsabilidade. . . . Os trabalhadores brancos são principalmente ingleses ou galeses.
Um deles, com quem conversei, me disse que estava ali há muitos anos … não estava
contente e não pretendia permanecer. Ao pressioná-lo sobre a razão de seu
descontentamento, depois de certa hesitação ele disse que preferia viver onde poderia ser
mais livre; um homem aqui precisava ser muito “discreto”. . . . Não muito tempo depois
disso, um inglês veio à mina e foi colocado no trabalho juntamente com um grupo de negros.
Numa manhã, depois de cerca de uma semana, vinte ou trinta homens chamaram por ele e
lhe disseram que ele tinha quinze minutos para sumir, e que se eles o vissem de novo por ali,
eles o “fariam ver o inferno” . . . “Mas o que ele havia feito?” “Bem, creio que eles
pensavam que ele estava muito liberal com os crioulos; não estava acostumado com eles,
entende, senhor, e falava com eles de forma livre, e pensaram que ele os faria se acharem os
tais.”36
Em outra passagem, Olmsted novamente indica a proximidade do contato entre o negro e o
branco nos níveis mais humildes da sociedade branca:

O tipo mais comum de habitações dos brancos são ou feitas de toras ou de tábuas
meio soltas, com uma chaminé de tijolos por fora, de um lado; tudo sobre eles é relaxado e
imundo. Porcos, cachorros de caça e crianças negras e brancas muitas vezes estão muito
misturados, no chão próximo das portas. Fico pasmo com a cohabitação de negros e brancos
– mulheres negras carregando bebês negros e brancos juntos em seus braços; crianças negras
e brancas brincando juntas (e não indo a escolar juntas); faces brancas e negras
constantemente fixadas na janela para ver o trem passar.37

Nos excertos anteriores, as situações nos Estados Unidos onde o contato entre brancos e negros
ocorreu foram indicadas, especialmente com relação ao modo com o qual as diferenças de oportunidade
para lidar com os costumes europeus causaram as diferenças na rapidez da aculturação e na absorção
desses novos hábitos no comportamento usual. Também temos estado ocupados de descobrir até que
ponto as oportunidades de aprender comportamento branco foram diferentes para as diversas categorias
de escravos, ou onde se espalhavam de forma uniforme por toda a população negra. Isto nos deixa um
terceiro ponto a considerar – os mecanismos que, no caso de negros muito expostos ao contato com o
branco, os permitiram reter africanismos.

Como com os outros pontos levantados, os dados são escassos e fragmentados, e será necessária
pesquisa intense antes de que uma questão desse tipo possa ser respondida em qualquer medida adequada.
Ainda assim, há pistas na literatura que amplamente justificam o questionamento aqui feito.
Costumeiramente se presume que durante o processo de adaptação inicial, onde os africanos recém
chegados aprendiam a forma de vida das plantações, o desprezo dos professores pelos modos selvagens
impossibilitava qualquer troca que poderia ter reforçado os africanismos presentes no comportamento
daqueles em cargo dos recém chegados. Ainda assim o relacionamento entre os africanos e seus
professores, exceto no que diz respeito a rotina da plantação, nunca foi sistematicamente estudado. Uma
citação como a seguinte indica o tratamento normalmente aceito:

Os plantadores aprenderam cedo no uso do trabalho escravo que era necessário dar
a certos negros confiáveis autoridade limitada sobre os outros de forma que com uma
mudança de feitores a rotina da plantação fosse perturbada o mínimo possível. Nas
plantações grandes os negros que haviam aprendido os rudimentos treinavam os novos e
eram responsáveis por seu comportamento. Nos primeiros dias do regime da plantação,
quando um grupo de africanos novos era comprador, eles eram designados em grupos a
certos escravos confiáveis que os iniciavam nos modos da plantação. Esses pilotos, como
eram chamados, tinham o direito de conceder ou não rações aos novos recrutas, e de infligir
punições menores. Eles ensinavam os novos escravos a falar o inglês errado que eles
conheciam e a fazer o trabalho da plantação que exigia menos habilidade. . . . Ao fim de um
ano, o mestre ou feitor pela primeira vez direcionava o trabalho do novo negro, que agora
havia sido “domado”, designando a ele uma tarefa especial do trabalho na plantação,
juntamente com outras mãos de veteranos que há muito já haviam aprendido a obedecer as
ordens, para acordar quando a concha soprava num “dia sem nuvens”, para segurar um
arado, para ficar parado quando um homem branco falava.38

Que formulas mágicas podem ter sido transmitidas por esses africanos recém chegados a um
ouvido receptivo? Que discussões de visão do mundo não teriam tomado lugar nas longas horas em que
professor e aluno estavam juntos, invertendo seus papéis quando assuntos só fracamente percebidos pelo
escravo nascido na América eram explicados em termos das convenções africanas que ele nunca havia
analisado? Certamente durante boa parte do período da escravidão os mestres não se importaram com as
necessidades que seus escravos pudessem ter sobre a natureza do mundo e as forças que atuam nele; as
numerosas reclamações que a falta de ensinamentos religiosos adequados para os escravos inspiraram no
período inicial da escravidão, e a forma solta com a qual a religião foi lhes ensinada mais tarde, dão
ampla justificação para nos perguntarmos se as crenças africanas e os métodos africanos de lidar com as
forças sobrenaturais não houveram de ser ensinadas e assim perpetuadas nesse nível mais humilde. E o
mesmo método de transmitir e reforçar costumes aborígenes pode bem estar unido a isso com relação a
outros elementos da cultura africana, tais como a dança e o canto, e os relatos de histórias populares,
enquanto padrões africanos vistos em termos de “moralidade”, “etiqueta” e “discrição” podem também
ter sido discutido o suficiente para agir como um freio perante uma adoção completa demais ou rápida
demais dos valores brancos.

Isso significaria, então, que não só as mãos no campo, mas todos os escravos estavam expostos a
forças que possibilitavam a retenção de africanismos. Servos da casa tinham contato com africanos recém
chegados quando tais pessoas eram empregados nas cozinhas da casa grande, ou, como num exemplo
contado nas Sea Islands, quando essas pessoas, numa emergência, eram colocadas para cozinhar. Que
presumir um processo de influência mútua entre os negros nascidos neste país e aqueles recém chegados
da África, em todos os aspectos de crença e comportamento, não é razoável, é indicado também por uma
citação como essa:

O povo “swonga” eram os pilotos que tomavam suas ordens diretamente do feitor,
os servos da casa que estavam proximamente associados com a família do mestre e do feitor,
os mecânicos a quem eram permitidos por seus mestres que trabalhassem por conta própria
em Beaufort ou Charleston. A este grupo também pertenciam aqueles entre eles que, devido
a sua posição superior ou inteligência, agiam como seus líderes oficiais ou por eles
designados. Os líderes religiosos e os vigias da plantação geralmente eram negros “swonga”,
bem como os feiticeiros e aqueles de grande capacidade física.39

Outras ocasiões em que os negros em contato próximo com os brancos poderiam reabsorver
africanismos era quando escravos ficavam sem supervisão direta, como quando trabalhavam por si
próprios para suplementar o que lhes era dado pelos donos, ou quando eles eram liberados para a
celebração de feriados. Sob a primeira categoria estavam aquelas numerosas instâncias em que era
permitido aos escravos que levassem produção, ou galinhas e ovos ao mercado; ou quando a eles era
permitido ir para os pântanos ou matas fechadas para pegar madeira ou colocar armadilhas de caça. Na
segunda categoria caiam festividades tais como o Natal, um feriado cuja celebração em algumas
plantações e algumas regiões se estendia até o ano novo. Estas ocasiões eram marcadas por música e
danças, jogos e contos, muitos dos quais, sendo africanos em seu caráter, foram assim passados de uma
geração para a próxima. Essas reuniões também permitiam oportunidade incomuns para que outros
elementos culturais africanos, tais como visão de mundo e práticas mágicas, fossem aprendidos e assim
seguissem existindo.

Um aspect da experiência negra nos Estados Unidos que é importante na situação de aculturação
como um todo diz respeito aos resultados do contato entre negros e índios. Que na maior parte do Novo
Mundo, bem como nos Estados Unidos, este contato tenha sido contínuo desde os primeiros dias da
escravidão do negro não foi tão bem reconhecido quanto deveria. Estudiosos do índio Americano
especularam sobre a quantidade de influência negra a ser discernida nos costumes tribais atuais de certos
grupos de índios que ou possuíam escravos que depois absorveram, ou ofereceram abrigo a negros
fugidos, dando a eles lugar como membros da tribo. Mas a possibilidade da influência indígena no
comportamento do negro, seja direta ou de segunda mão pela tomada de costumes índios já aceitos pelos
brancos, não figurou em termos das possibilidades que foram visualizadas na análise das forças que
afetaram o negro em seu novo habitat.40

É evidente no mero levantar dessas questões que a necessidade do reexame do problema é


indicada, especialmente em vista do caráter essencialmente simplista assim revelado pela maioria das
afirmações que dizem respeito à natureza, velocidade e intensidade do processo de aculturação pelo que
os negros passaram nos Estados Unidos. Como foi mostrado, nas Índias Ocidentais os mecanismos são
mais claramente vistos porque a situação era tal que os africanismos puderam ser retidos em quantidade
suficiente para permitir ao estudioso mais certamente averiguar os meios pelos quais esse fim foi
alcançado. Nos Estados Unidos, onde o processo de aculturação foi muito mais profundo do que nas ilhas,
o provincialismo intelectual que deteve estudiosos da escravidão e do negro em preocupações com
problemas apenas do continente os fez desenvolver hipóteses que refletem sua falta de familiaridade com
os dados comparativos que permitem que o problema seja colocado em termos mais realistas.

Duas ou três instâncias podem ser oferecidas dentro da rica documentação disponível, para
ilustrar novamente a natureza do enfoque usual. A seguinte afirmação de resumo é típica:

Como indivíduos os mulatos sempre tiveram oportunidades um tanto maiores do


que aquelas vivenciadas pelos indivíduos e grupos negros escuros. Nos dias da escravidão,
eles mais frequentemente eram os servos treinados e tinham as vantagens do contato diário
com homens e mulheres cultivados. Muitos deles eram livres e assim podiam aproveitar
quaisquer vantagens eles tinham a partir de seu status superior. Eles eram considerados pelos
brancos como sendo superiores em inteligência aos negros escuros, e vieram a se orgulhar do
fato de terem sangue branco. Desenvolveram uma tradição de superioridade. Essa ideia era
aceita pelos negros escuros e assim os mulatos vivenciavam prestígio perante os negros.
Onde possível, eles formaram uma espécie de casta de sangue misto e se mantinham isolados
dos negros escuros e dos escravos de baixo status.41

Ou, mais uma vez, esta passagem, oferecida como pano de fundo para uma consideração sobre a
família do negro como ela é constituída atualmente, afirma o ponto familiar das oportunidades especiais
do servo da casa em contraposição à mão de obra do campo, nesse caso para adquirir a religião do mestre:

Embora os servos da casa, devido a sua posição favorável em relação a classe dos
mestres tenham sido admitidos primeiro nas igrejas, foi somente com a chegada dos
metodistas e batistas que as massas de escravos “fundaram uma forma de cristianismo que
podiam chamar de sua.”42

Este mesmo autor é mais enfático quando discute os diferenciais com relação à aculturação no
que diz respeito à família:
O exame de documentos impressos, bem como daqueles coletados de ex-escravos
nos dá evidência de uma vasta gama de diferenças no status da família do negro sob a
instituição da escravidão. Estas diferenças estão ligadas ao caráter da escravidão como ela se
desenvolveu como um sistema industrial e social. Onde a escravidão assumiu um caráter
patriarcal a posição favorável dos escravos da casa, muitos dos quais eram mulatos, facilitou
o processo pelo qual os costumes da família dos brancos foram assumidos. Assim a
associação próxima entre a classe dos mestres e dos escravos geralmente implicava instrução
moral e instrução e a supervisão do comportamento das crianças escravas que fazia com que
logo obtivessem padrões altos de conduta que lhes pareciam naturais. As relações sexuais
entre os mestres brancos e as mulheres escravas não significava simplesmente uma
desmoralização dos costumes sexuais africanos, mas tendia a produzi uma classe de mulatos,
que adquiriram uma concepção de si próprios que os elevou acima da mão de obra negra no
campo. Em muitos casos estes mulatos, seja pela emancipação, ou pela compra de sua
própria liberdade, se tornaram parte da classe livre onde a forma institucional da família do
negro primeiro criou raiz.43

À luz dos dados citados nas páginas anteriores, porém, é evidente que “a posição favorável de
escravo da casa” é tomada como garantida num grau que não é justificado pelos fatos. Mas além disso, a
presunção de que não havia “instrução moral” nas habitações dos escravos chegará ao leitor crítico como
uma presunção altamente questionável. Garantindo a falta de contato da mão de obra do campo com os
mestres, deve-se inferir que os negros não tivessem nenhum tipo de valores a transmitir a suas crianças?
Além disso não seria uma avaliação realista da moral dos mestres, com quem os servos mulatos da casa
são tidos como tendo estado em contato tão próximo, também desejável no exame da natureza das
convenções que seus detentores pessoais absorveram? É também um tanto difícil seguir a afirmação de
que as relações sexuais das mulheres escravas com seus mestres não desmoralizava os costumes sexuais
africanos, mas “tendia a produzir uma classe de mulatos.” Isso significa que os costumes sexuais
africanos eram tão soltos que relações sexuais casuais não tinham importância, quando comparadas com o
fato de que havia descendentes dessa cópula?

Crítica nessas linhas indica a forma com a qual a aderência a visão estereotipada, de que os
diferenciais na aculturação na base das oportunidades diversas para contato são essencialmente
explicados em termos de designação para casa e campo, tendem a entorpecer as percepções com relação
as possíveis variações na situação histórica, e a induzir contradições e irrelevâncias nas análises
subsequentes dos dados. Devido a isso, bem como devido às dúvidas trazidas pela consulta a registros
contemporâneos e uma reavaliação dos pontos, geralmente feita de passagem pelos historiadores da
escravidão, se torna evidente que o problema todo precisa ser reexaminado, se quisermos entender
adequadamente como os negros assumiram o comportamento de seus mestres.

Foi afirmado que os africanismos se manifestaram por todo o Novo Mundo em diferentes graus
no que diz respeitos aos diversos aspectos da cultura do negro. Na discussão dessa fase do processo de
aculturação, vamos aqui nos ocupar com a forma pela qual esses vários diferenciais se estabeleceram,
deixando para os capítulos subsequentes a tarefa de exemplificar os africanismos sobreviventes
encontrados em cada um desses aspectos. Para isso precisamos novamente recapitular brevemente a
matriz sociológica e econômica da vida na plantação, já que ela não só era o fator dominante na
experiência da maioria dos negros durante todo o período da escravidão, mas também tomou parte
importante na vida de uma grande quantidade de negros em todo o Novo Mundo desde aquele tempo.

Ao resumir essa forma de focar o problema, não devemos fazer o erro de considerar os negros
como elementos apenas passivos na situação. O estudo na África e no Novo Mundo mostrou com grande
clareza que, como em todas as sociedades, certos aspectos da cultura são mais importantes do que outros
para uma determinada cultura, isto é, que em cada cultura os interesses tendem a se centrar mais em
certas atividades do que em outras. Estas motivações conscientes, direcionadas a certos segmentos do
corpo da tradição, determinam a área da cultura em que uma maior elaboração das tradições básicas será
encontrada num dado período da história de um povo; e, sob a aculturação, estes interesses vêm a ser
aqueles mantidos com a maior tenacidade possível.

Se, então, a situação de aculturação for analisada em termos das diversas oportunidades para a
retenção de africanismos nos vários aspectos da cultura, é evidente que as formas africanas de tecnologia,
vida econômica e organização política tinham, relativamente, pouca chance de sobrevivência. Utensílios,
vestimentas e comida eram entregues aos escravos por seus mestres, e é natural que essas coisas fossem
escolhidas entre as mais convenientes de se obter, mais baratas de se conseguir, e, tudo mais sendo igual,
mais provavelmente semelhantes às que o dono de escravos estava acostumado. Assim as roupas
africanas feitas de camadas dobradas de tecido foram substituídas por roupas costuradas, ainda que
esfarrapadas; o arado curto de lâmina larga foi abandonado pelo arado longo europeu, de lâmina mais
fina; e técnicas tais como tecelagem, trabalhos com o ferro e escultura em madeira se perderam quase
totalmente. Exceto no que diz respeito a um muito pequeno escambo que os escravos podiam fazer entre
si, ou na medida em que lhes era permitido vender nos mercados, os vestígios das complexidades
econômicas da África não sobreviveram à plantação. Instituições tão disseminadas como a penhora não
tiveram a oportunidade de funcionar no Novo Mundo, e nada além dos dispositivos econômicos mais
rudimentares podia ser executado fora dos ditames ubíquos do mestre.

A extinção das instituições políticas africanas também se deu pela situação dos escravos.
Somente no que há de mais informal, ou de formas secretas, o talento legal africano poderia encontrar
expressão, ou o gênio político africano poderia se expressar. Estas tradições, é verdade, persistiram
durante os primeiros períodos da escravidão, mesmo sendo suprimidas, o que se mostra pela rápida
organização de grupos ao estilo africano onde quer que uma revolta de negros ocorresse numa escala
grande o suficiente a ponto de permitir alguma estabilidade na estrutura social. Mas estes casos eram
excepcionais, e com a continuação do status escravo através das gerações, as tradições aborígenes, no que
diz respeito a estes aspectos da cultura, tenderam a se diluir cada vez mais, e até os dias de hoje, como
será examinado, onde apenas raramente eles existem numa forma africana direta.

Na religião e na magia, por outro lado, e no que diz respeito a certos aspectos imateriais da vida
estética, há mais razão, em termos tanto do interesse aborígene sob a escravidão quanto das exigências
dos mestres, para retenções terem ocorrido. Pois, como foi colocado:
. . . Os africanos foram trazidos para serem explorados em escala industrial, e o
mestre branco foi cuidadoso para que a prática de fazenda americana fosse seguida pelos
escravos. Ele pouco se importava com as diversões e a religião do negro, desde que estas não
afetassem sua capacidade de trabalho.44

Os escravos foram alvo de conversão de protestantes e católicos – se é que o batismo


compulsório de negros nos países católicos de Hispaniola, Cuba, Brasil, e em vários outros lugares pode
ser descrito com esse termo – mas qualquer que tenha sido a atenção dada a “instrução religiosa” dos
escravos nas várias áreas em nos vários períodos da escravidão, a liberdade dos escravos de conduzir seus
próprios serviços sem supervisão foi sempre maior do que sua liberdade de trabalhar ou se organizar
politicamente ao estilo africano. A magia quase por sua própria natureza se adaptou a “ir para baixo do
pano” e era um tema natural da revolta, como a seguinte passagem mostra:

Gullah Jack (um dos líderes da insurreição de Denmark Vesey na Carolina do Sul
em 1822) era considerado um feiticeiro. . . . Ele não só se considerava invulnerável, mas que
era capaz de deixar os outros invulneráveis com seus amuletos (que consistiam em
basicamente colocar uma garra de caranguejo na boca); também se acreditava que ele era
capaz de fornecer armas a todos os seus seguidores.45

Mantendo suas manipulações em segredo, ele veio a ser temido quase tão amplamente entre os
escravos quanto pelos mestres.

As atitudes dos mestres com relação a música e dança e contos iam, no Novo Mundo, da
hostilidade e suspeita até a indiferença e até mesmo encorajamento. Uma questão trivial como até que
ponto as formas recreativas interfeririam com a conveniência pessoal do mestre era importante;
características aparentemente irrelevantes como quanto barulho se fazia durante as danças ou durante os
cantos tendiam a influenciar essas atitudes. O pouco barulho com que historias podiam ser contadas, além
de seu apelo aos brancos como entretenimento para as crianças, fizeram a retenção esse elemento da
cultura africana no Novo Mundo ser tão prevalente como é. Tipos africanos de dança e canto eram
permitidos quando não interferiam com o trabalho ou eram realizados nos feriados; esses momentos, de
acordo com inúmeros registros, agradavam tanto os mestres quanto os dançarinos e cantores escravos. O
acompanhamento rítmico para as músicas que, como já vimos, é fundamental na expressão musical
africana, foi reforçado por várias circunstâncias. Descontentes donos de escravos descobriram que os
tambores que batiam nas danças podiam também chamar à revolta, e foi assim que em muitas partes do
Novo Mundo certos tipos de tambores de tronco oco foram suprimidos, sendo suplantados por outros
dispositivos de percussão menos suscetíveis de carregar mensagens, e que ficaram restritos a batida de
ritmos de dança.

O desaparecimento de outra forma de expressão estética Africana importante, a escultura em


madeira, deve ser atribuído a várias causas, a principal delas econômica. Os escravos eram trazidos para
trabalhar, e o tempo livre necessário para a produção de artes plásticas lhes era totalmente negado. Além
disso, havia pouca demanda para o que poderia ser esculpido, uma vez que os padrões de apreciação de
arte europeus naquele tempo dificilmente encorajariam a produção de formas de arte demasiado exóticas.
O motivo porque um determinado estilo de escultura africana sobreviveu numa parte específica do Novo
Mundo, e lá apenas, não sabemos, mas as circunstâncias especiais pelas quais a escultura Yorubá
sobreviveu no Brasil, caso algum dia sejam descobertas, esclarecerão porque os africanismos
sobreviventes semelhantes não são encontrados em outros locais.

Instituições no campo da organização social são intermediárias entre a tecnologia e a religião no


que diz respeito à sua retenção em face à escravidão. Não é preciso dizer que o sistema de plantação
tornou a sobrevivência dos tipos africanos de família impossíveis, bem como as regras morais e
sobrenaturais, exceto em formas diluídas. Apenas quando os negros escaparam logo no início de sua
escravização, e retiveram sua liberdade por um período suficientemente longo, as instruções de âmbito
mais amplo como a família de muitos membros ou clã podiam persistir; e mesmo nessas situações o mero
escasso número de pessoas envolvidas tornava improvável que alguma manifestação de influência
europeia não fosse sentida. O clã persistiu apenas na Guiana Holandesa; que forma as estruturas sociais
das comunidades negras atuais no Brasil tem nos é desconhecida, mas no Haiti e na Jamaica grupos
maiores não vão muito além de uma família extensa soltamente conectada. Ainda assim, por outro lado, a
escravidão de modo algum suprimiu completamente aproximações grosseiras de certas formas de vida
africana. Mesmo nos Estados Unidos, onde os africanismos persistiram com grande dificuldade,
organizações de família tais como as que existiram durante os tempos da escravidão, em termos do
relacionamento entre pais e filhos e entre pai e mãe, não estava livre de elementos africanos.

Embora a escravidão tenha trazido certa instabilidade aos laços matrimoniais, por todo o Novo
Mundo as muitas pessoas que levavam suas vidas na mesma plantação eram capazes de estabelecer e
manter famílias; mesmo nos Estados Unidos não era incomum que casais de outra forma imperturbados
tenham se perdido de vista com as separações, as vezes dramáticas, que de fato ocorriam bastante. Como
será indicado no próximo capítulo, certas obrigações aos pais e mães em operação na África, bem como
no cenário europeu, foram transplantadas com todas as motivações de seus conteúdos emocionais
intactos. Um tipo especial de relacionamento característico da família do negro em certas partes do Novo
Mundo apresenta um problema cuja solução histórica de forma alguma pode ser atingida
satisfatoriamente sem referência a padrões de vida na África anterior a escravidão. A sensação vívida do
poder dos mortos e o sentido correlato de que os ancestrais estão sempre por perto, e podem ser invocados
por seus descendentes vivos, dá certa característica aos laços familiares entre os negros, e que pode ser
traçado em progressivos menores graus de intensidade enquanto se vai da África Ocidental para as áreas
do Novo Mundo em que o contato com padrões europeus era mais próximo. Naturalmente, todos estes
elementos de atitude, crença e ponto de vista que dizem respeito aos laços de familiaridade eram passados
aos filhos quando ensinados pelos pais; e que fossem inculcados, além disso, sem interferência indevida
do mestre, pelo menos quando não levassem a nenhuma ação que dificultasse o funcionamento tranquilo
das fazendas.

As tradições subjacentes nos grupos de vários tipos não aparentados também sobreviveram ao
regime escravo. O grau variou em função de cada organização, aproximando-se do impossível no caso
daquelas sociedades secretas tão disseminadas em certas partes da África de que os escravos foram
trazidos. Nessa última instância, esse tipo de organização só podia se esconder ou desaparecer. Mas para
outros tipos de associação ações drásticas desse tipo não era necessária. O espírito por trás dos vários
tipos de sociedades cooperativas da África tendeu a sobreviver através da própria forma de trabalho em
grupo empregado nas plantações. A ânsia por ajuda mútua inerente a essa tradição contribuiu diretamente
para o ajuste do africano a sua nova situação, já que sem alguma forma de ajudarem uns aos outros eles
dificilmente poderiam ter suportado a opressão que sofreram. E a força com que essa característica
persistiu é indicada pelo fato de que, durante a emancipação, as organizações cooperativas surgiram
imediatamente nas Sea Islands, e por que nas Índias Ocidentais organizações de seguridade, do tipo
comum na África, em dado momento apareceram. O grande número de associações negras nos Estados
Unidos, ainda que externamente seguindo padrões convencionais brancos, não são de forma alguma
semelhantes a suas contrapartes brancas. Um fator de preservação de elementos africanos nas instituições
desse tipo tem sido o sentimento da importância da liderança que caracteriza todos os tipos de instituições
sociais africanas. O princípio da ordem e regularidade, induzida pela disciplina exercida através de
liderança responsável, permeia a vida africana, e isto, reforçado pela própria submissão a autoridade
exigida do escravo, de muitas formas floresceu sob a liberdade.

Ao buscar compreender os mecanismos que causam os diversos graus dos elementos africanos
encontrados hoje em diversos aspectos da cultura do negro do Novo Mundo, as forças que levaram esse
povo na direção da aceitação da cultura europeia também precisam ser avaliadas. Isto é, precisamos
considerar aquelas medidas positivas que tornaram possível a aceitação da forma de vida do mestre bem
como as forças negativas que, sem direção consciente, operaram para desencorajar a retenção de padrões
aborígenes. As diferenças entre estas duas motivações pode ser exemplificada. Como foi afirmado, o
sistema econômico no Novo Mundo tendia por si só a inibir a cultura material africana e suas tecnologias.
O trabalho com ferro, a escultura na madeira, a feitura de cestos, e outras coisas assim simplesmente não
tinham lugar no novo cenário, portanto tais técnicas quase morreram em todos os locais. Por outro lado, a
conversão dos missionários cristãos das várias denominações constituiu uma força positiva. No reino da
crença, não havia razão lógica para a visão de mundo africana não sobreviver, da mesma forma que os
hábitos motores da dança africana foram retidos. As mudanças sem dúvida surgiriam por si só, como
ocorreram com a dança, já que alguma medida de inovação resulta inevitavelmente do estímulo do
contato. Ainda assim, no caso da visão de mundo africana, os esforços direcionados para realizar uma
mudança fizeram com que um prêmio fosse colocado pelos brancos na aceitação explícita das crenças e
práticas religiosas cristãs, e isso assim acelerou o desaparecimento das formas africanas.

Um fator adicional na indução da aculturação foi uma identificação inconsciente dos negros de
uma vida melhor com os costumes daqueles que possuíam o poder de conseguir para si as boas coisas da
existência. Com o passar das gerações, os valores de prestígio entre os escravos, certamente nos Estados
Unidos, vieram a cada vez mais serem embasados em valores brancos. Onde o contato era menos
imediato e mais constante, como no caso do Caribe, a identificação desses valores com as tradições dos
mestres não era tão forte, assim nessa área havia aqueles que podiam funcionar efetivamente em termos
das formas africanas de vida e conseguiam reter o prestígio em termos dessas capacidades de uma forma
que não era possível no continente. O operador da magia, a velha mulher sábia, o homem cuja
personalidade o fazia líder no esforço cooperativo ou na revolta bem sucedida retiveram a atenção do
povo sobre si de uma forma impossível onde o impacto dos costumes europeus era tal que inibia os
indivíduos de empregarem métodos africanos para lidar com seus problemas.

Isso nos leva a um ponto final na consideração das forças que causaram os diferenciais nos
africanismos existentes hoje nos vários aspectos da cultura do negro do Novo Mundo em qualquer dada
região – o efeito daquela resistência para com a experiência nova que em si mesmo é uma tradição
profundamente assentada na África. Já foi indicado como, na África Ocidental, era comum tanto para os
conquistadores quanto para os conquistados que assumissem os deuses uns dos outros e como, no curso
da vida cotidiana de um homem, era considerado mais vantajoso ceder a um ponto de vista que ele não
poderia vencer do que uma atitude persistente em suas ideias, por mais firme que fosse sua opinião. Essa
tradição está por trás da polidez da fala mansa pela qual o negro é famoso, e que, na forma de um código
muito mais elaborado na África e entre os negros do Novo Mundo do que na vida europeia ou no
comportamento dos brancos no hemisfério ocidental, caracteriza os relacionamentos entre os negros, bem
como o comportamento dos negros em relação aos brancos. Essa tradição também dá validade histórica à
circunspecção que tão frequentemente foi interpretada pelos estudiosos do negro nos Estados Unidos
como mero reflexo da acomodação à escravidão, e que persistiu devido às desvantagens sociais e
econômicas do negro desde a emancipação. Ainda assim, reconhecemos quão profundamente enraizada
essa circunspecção está na própria África, e como ela é encontrada entre os negros em todas as partes do
Novo Mundo. Embora sem dúvida tenha sido reforçada pelas exigências da escravidão, ela deve ainda
assim ser considerada sobrevivente de um padrão mais antigo, e não apenas algo que deu meios para a
acomodação às dificuldades da vida quando a liberdade de decisão pessoal não foi permitida.

Certas instâncias marcantes que documentam essa tradição de flexibilidade podem ser traçadas
na vida religiosa dos negros naquelas partes do Novo Mundo onde, o catolicismo sendo a religião oficial,
inúmeros negros, permanecendo membros da igreja, ao mesmo tempo continuam seus modos de culto
africanos. O que parecem ser uma grande contradição é reconciliado sem aparente dificuldade, pois o
espírito pagão que se acredita controlar uma dada manifestação do universo acaba apenas identificado
com determinado santo, e a não ser que a pressão missionária vete o espírito africano e lhe tire o prestígio
de entidade funcional que normalmente tem, não há desmoralização alguma. O destino dos tambores de
percussão africanos oferece outro exemplo desse processo de acomodação, num nível menos dramático.
Os tambores africanos desapareceram completamente nos Estados Unidos, e ainda assim ninguém que
seja familiar com a música africana em suas formas originais pode ouvir os ritmos de piano do “boogie-
woogie” sem ver não há muita diferença entre os dois, exceto no que diz respeito ao meio de expressão. A
Guiana Holandesa dá outra pista sobre como tais adaptações ocorreram. É proibido usar tambores de tipos
africanos na cidade de Paramaribo, exceto em certas ocasiões. Ainda assim certos ritmos precisam ser
batidos quando um vidente determina que uma doença é causada por um espírito, já que o batucar dos
ritmos daquele espírito é essencial para a obtenção da cura. A adaptação ao banimento legal é simples,
basta empregar objetos de feitio europeu, que se nunca imaginou pudessem ter esse uso. Enche-se um
balde de metal com água, e outro balde menor é colocado de cabeça para baixo no centro; os ritmos
batidos na base desse balde menor dão um som semelhante ao de um tambor de tronco vazio, sem o
mesmo volume. O rito de cura assim pode ocorrer de forma relativamente silenciosa, e as práticas
medicinais africanas continuam em meio à legislação problemática.

1
The Negro Family in the United States, pp. 5 ff.
2
See pp. 11-12.
3
Guion G. Johnson, A Social History of the Sea Islands, with Special Reference to St. Helena Island, South Carolina,
Chapel Hill, 1930, p. 31.
4
Ramos, The Negro in Brazil, pp. 17 ff.
5
The Plantation Overseer, as Revealed in his Letters, p. 3.
6
The Southern Plantation, A Study in the Development and the Accuracy of a Tradition, New York, 1925, p. 148.
7
Bracket!, The Negro in Maryland . . . , pp. 38 f.
8
Johnson, A Social History of the Sea Islands, p. 127.
9
Ibid., p. 131.
10
Johnson, Ante-Bellum North Carolina, p. 526.
11
Ibid., p. 469.
12
American Negro Slavery, p. 75.
13
Ibid., pp. 83 f.
14
Ibid., pp. 232 f.
15
Ibid., p. 84.
16
Ibid., pp. 95 f.
17
A Second Visit to the United States of North America, New York, 1849, Vol. I, pp. 268 f.
18
C. S. Johnson, Shadow of the Plantation, p. 8.
19
"Plantations with Slave Labor and Free," American Historical Review, 30: 743 f., 1924-1925.
20
Herskovits, Life in a Haitian Valley, pp. 39 f.; translated from Pierre de Vassiere, Saint-Domingue (1629-1789), la
societe et la vie Creole sous I'ancien regime, Paris, 1909, pp. 280 f.
21
Folk Beliefs of the Southern Negro, pp. 10 f.
22
M. J. Herskovits, The American Negro, A Study in Racial Crossing, New York, 1928, and "Social Selection and
the Formation of Human Types," Human Biology, 11250-262, 1929.
23
Herskovits, op. cit. ; see also Dollard, Caste and Class in a Southern Town, p. 70.
24
Olmsted's commentary is germane here: "In the French, Dutch, Danish, German, Spanish, and Portuguese colonies,
the white fathers of colored children have always been accustomed to educate and emancipate them and endow them
with property. In Virginia, and the English colonies generally, the white fathers of mulatto children have always been
accustomed to use them in a way that most completely destroys the oft complacently-asserted claim, that the Anglo-
Saxon race is possessed of deeper natural affection than the more demonstrative sort of mankind." A Journey in the
Seaboard Slave States, New York, 1856, p. 232. For data indicating the relative numbers of mulattoes among the free
Negroes of pre-Civil War times see E. F. Frazier, The Free Negro Family, a Study of Family Origins before the Civil
War, Nashville, 1932, pp. 12 f., and "Traditions and Patterns of Negro Family Life in the United States," in: E. B.
Reuter, Race and Culture Contacts, New York, 1934, pp. 204 ff.
25
American Negro Slavery, p. 75.
26
Ibid., p. 291.
27
A Second Visit to the United States of North America, Vol. I, p. 263.
28
Memorials of a Southern Planter, Baltimore, 1887, p. 192.
29
Frederick Douglass, My Bondage and My Freedom, New York and Auburn, 1855, P- 59-
30
Johnson, Ante-Belliim North Carolina, p. 83.
31
Bremcr, The Homes of the Neiv World, Vol. II, p. 449.
32
R. Bickell, The West Indies as They Are; or a Real Picture of Slavery . . . in the Island of Jamaica, London, 1825,
pp. 54 f.
33
Op. cit. t Vol. II, p. 20.
34
Ibid., pp. 24 f.
35
Bruce, Economic History of Virginia in the Seventeenth Century, Vol. II, pp. 105 f.
36
Olmsted, A Journey in the Seaboard Slave States, pp. 47 f.
37
Ibid., p. 17-
38
Johnson, A Social History of the Sea Islands . . . , pp. 771.
39
Johnson, A Social History of the Sea Islands .... p. 130.
40
Cf. F. G. Speck, "The Negroes and the Creek Nation," Southern Workman, 37:106-110, 1908, and K. W. Porter,
"Relations between Negroes and Indians within the Present Limits of the United States," Journal of Negro History, ij:
287-367, 1932
41
Reuter, The Mulatto in the United States, Boston, 1918, pp. 378 f.
42
E. F. Frazier, "The Negro Slave Family," Journal of Negro History, 15:215, 1930. The quotation is from R. E. Park,
"The Conflict and Fusion of Cultures . . ." loc. cit., p. 119.
43
Frazier, op. cit , p. 258.
44
Puckett, Polk Beliefs of the Southern Negro, p. 10.
45
Ibid., p. 284; see also the explanation given by this author on p. 167 for the retention of beliefs in magic, or on p.
31 for folk tales.

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