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QUANDO SURGIU O PRECONCEITO

CONTRA O NEGRO¹

George Breitman

Até mesmo em círculos conservadores do movimento trabalhista se reconhece atualmente


que o preconceito de raça beneficia os interesses da classe capitalista e prejudica os
interesses da classe trabalhadora. O que não é tão conhecido – revelando-se como surpresa
para muitos marxistas – e deveria ser mais bem conhecido é o fato do preconceito de raça ser
um fenômeno singularmente capitalista, que não existia ou não possuía influência perceptível
em sociedades pré-capitalistas (isto é, antes do século XVI).
Centenas de estudiosos modernos rastrearam o preconceito contra o negro (para nos
referirmos ao mais importante e prevalecente tipo de preconceito de raça nos Estados Unidos)
ao comércio de escravos africanos e à escravidão que foi introduzida nas Américas. Aqueles
que lucraram com a escravização de negros – os comerciantes de escravos e mercadores
capitalistas, primeiramente da Europa e em seguida dos Estados Unidos, e os senhores de
escravos – exigiram uma racionalização e justificativa moral para uma instituição social arcaica
que obviamente desrespeitava os princípios relativamente ilustrados defendidos pela
sociedade capitalista em sua luta contra o feudalismo. Racionalizações sempre surgem quando
interesses econômicos poderosos as necessitam (é assim que a maioria dos políticos e padres,
editores e professores ganham suas vidas) e neste caso a teoria segundo a qual os negros são
“inferiores” surgiu logo após a descoberta de que a escravidão era excepcionalmente lucrativa.
Esta teoria foi abraçada entusiasticamente, envolta em uma roupagem pseudocientífica e
citações bíblicas, e seguiu sua marcha adiante como uma verdade tão auto-evidente que
somente loucos ou subversivos poderiam duvidar ou negá-la. Sua influência nas mentes dos
homens foi grande em todos os níveis da sociedade, e sem dúvida ajudou os donos de
escravos no adiamento da abolição da escravidão. Mas, com o crescimento das forças
produtivas, interesses econômicos hostis aos dos donos de escravos trouxeram à tona novas
teorias e ideias, e desafiaram a supremacia dos donos de escravos por todos os lados,
inclusive ideologicamente. A luta de classes subsequente – entre capitalistas, escravos,
trabalhadores e fazendeiros de um lado, e senhores de escravos de outro – resultou na
destruição da escravidão. Mas, se os preconceitos e ideias contra os negros surgiram a partir
da necessidade de justificar e manter a escravidão, porque não definharam depois desta ser
abolida? Em primeiro lugar, ideias, embora devam refletir amplos interesses materiais antes de
alcançar grande circulação, podem adquirir vida própria uma vez que são postas em
movimento, e podem sobreviver depois do desaparecimento das condições que as produziram.
(É ilustrativo observar, por exemplo, que Lincoln² não se livrou completamente do preconceito
racial e continuou a acreditar na “inferioridade” do negro até mesmo quando estava engajado
na continuação da guerra civil³ que aboliu a escravidão – um forte exemplo tanto da tendência
de ideias se arrastarem atrás de eventos, quanto da primazia de interesses materiais sobre
ideologia). Isto, entretanto, é uma generalização, e não provê a explicação fundamental para a
sobrevivência do preconceito contra os negros depois da guerra civil. Pois o aspecto revelador
do período de Reconstrução4 que se seguiu à abolição foi à rapidez com a qual ideias e
costumes antigos começaram a mudar e romper-se. No curso de alguns poucos anos, milhões
de brancos começaram a se livrar dos venenos racistas aos quais foram submetidos desde seu
nascimento, a considerar negros seus iguais e a trabalhar juntos amigável e conjuntamente sob
a proteção do governo federal na solução de problemas em comum. A obliteração do
preconceito contra os negros começou na revolução social que nós conhecemos pelo nome de
Reconstrução, e teria sido completa se a esta tivesse sido permitido desenvolver-se. Mas a
Reconstrução foi bloqueada e estrangulada pelos capitalistas, atuando agora em aliança com
os antigos senhores de escravos. Nenhuma classe exploradora descarta em vão armas que
podem ajudá-la a manter seu domínio, e o racismo já havia demonstrado sua potência como
força para dividir, perturbar e desorientar classes oprimidas em uma sociedade exploradora.
Após certa vacilação e luta interna que perdurou durante quase toda a Reconstrução, a classe
capitalista decidiu que poderia usar o racismo para seus próprios interesses. Os capitalistas o
adotaram, cuidaram, alimentaram, deram nova roupagem e infundiram-no com um vigor e uma
influência que nunca antes havia possuído. O racismo hoje opera de uma forma diferente de
um século atrás, mas foi mantido depois da abolição exatamente pela mesma razão que foi
introduzido sob o sistema escravista que se desenvolveu do século XVI em diante – por sua
utilidade como um instrumento de exploração; e por essa mesma razão não será abandonado
pela classe dominante de qualquer sociedade exploradora deste país.
Mas por que falamos em surgimento do racismo no sistema escravista, cuja expansão
coincidiu com o nascimento do capitalismo? Não havia escravidão séculos antes do
capitalismo? Não havia preconceito racial em sociedades escravistas anteriores? Por que
designar o racismo como um fenômeno unicamente capitalista? Um breve exame da
escravidão nos períodos capitalista e pré-capitalista pode nos levar à resposta.
O capitalismo, sistema social que seguiu e substituiu o feudalismo, deve sua ascensão ao
domínio mundial em parte ao ressurgimento ou expansão de formas de exploração
originalmente desenvolvidas em sociedades pré-feudais, e à sua adaptação e integração
dessas formas a moldes de relações produtivas capitalistas. Como o “principal momentum da
acumulação primitiva” através da qual os primeiros capitalistas aglutinaram conjuntamente o
capital necessário para estabelecer e espalhar o novo sistema, Marx listou “a descoberta de
terras auríferas e argentíferas na América, o extermínio, a escravização e o soterramento da
população nativa nas minas, o começo da conquista e saqueio das Índias Orientais, a
transformação da África numa reserva de peles-negras (...)5. O comércio de escravos e a
escravidão produziram fortunas que assentaram as bases para a mais importante das
primeiras indústrias do capitalismo, que por sua vez serviu para revolucionar a economia de
todo o mundo.
Observamos, assim, lado a lado, em uma clara articulação das leis do desenvolvimento
desigual e combinado, formas arcaicas pré-feudais e as mais avançadas relações sociais então
possíveis no mundo pós-feudal. Aquelas estavam naturalmente a serviço destas, pelo menos
durante os primeiros momentos de sua coexistência. Isto não era somente a mera repetição da
escravidão antiga: uma diferença econômica básica era que o sistema escravista das Américas
produzia mercadorias para o mercado capitalista mundial, e foi, portanto, subordinado a este
mercado e dele se tornou dependente. Houve outras diferenças, mas aqui nos restringimos à
mais relevante para o tema deste artigo – relações raciais nas primeiras sociedades
escravistas. Para a informação a seguir nos encontramos em dívida com os escritos de uma
antropóloga e um sociólogo: Ina Corrine Brown, Socio-Economic Approach to Educational
Problems, 1942, capítulo 2 (esta publicação governamental, primeiro volume no National
Survey of the Higher Education of Negroes, patrocinado pela Secretaria de Educação dos
Estados Unidos, está no momento esgotado, mas o mesmo conteúdo é tratado em seu livro,
Race Relations in a Democracy, 1949, capítulo 4); e Oliver C. Cox, Caste, Class and Race,
1948, capítulo 166. A abordagem do Dr. Cox é mais abrangente; ele também foi mais
influenciado por Marx. Isto é o que escrevem sobre os egípcios:

Tantas pessoas pressupõem que a antipatia racial é uma reação natural ou instintiva que é
importante enfatizar o fato do preconceito racial como nós o conhecemos não existir antes da idade
moderna. Mais precisamente, havia antipatia a grupos que, aqueles que leem história
anacronicamente tomam por preconceito, mas, na realidade, esta antipatia pouco ou nada tem a
ver com cor ou outras diferenças físicas pelas quais as raças se distinguem. Por exemplo, os
antigos egípcios desdenhavam os negros que viviam ao sul. Eles escravizaram esses negros e se
referiam pejorativamente a eles. Muitos escritores, vendo nessa situação uma semelhança com
atitudes raciais posteriores, atribuíram este escárnio ao preconceito de cor. Mas os egípcios
desdenhavam também os asiáticos que vivam em terras arrasadas, ou trogloditas, como Heródoto
os chamou, e seus vizinhos, que tinham pele tão clara quanto os egípcios, ou até mais clara. Os
artistas egípcios caricaturavam os cativos obtidos em guerras, mas enfatizavam os narizes
encurvados dos hititas, o vestuário de lã dos hebreus, e as vestimentas peculiares dos libaneses
tanto quanto a cor ou os lábios grossos dos negros. O fato dos egípcios se misturarem livremente
com seus vizinhos ao sul, seja na escravidão ou não, se evidencia pelo fato de que alguns dos
faraós tinham certamente traços negros e que eventualmente o Egito tenha sido governado por
uma dinastia etíope. (Brown, 1942)7.

Não parece haver base para inferir antagonismo racial nos egípcios, babilônios ou persas.
(Cox)
Sobre os gregos:

Frequentemente encontra-se menção a respeito da maneira desdenhosa com a qual os escravos


negros eram referidos na Grécia ou em Roma, mas o fato é que observações igualmente
desdenhosas foram feitas a respeito dos escravos brancos do norte e do leste. Não parece haver
qualquer evidência que antipatia de cor fizesse parte dessas observações, e do conjunto da
população escravista os negros constituíam somente uma fração menor. (Brown, 1942)
A população escrava era enorme, mas o escravo e senhor na Grécia eram geralmente da mesma
raça e não havia oportunidade para associar qualquer tipo físico com a escravidão. Um oponente
da democracia ateniense reclamou que era impossível distinguir escravos e estrangeiros de
cidadãos em Atenas porque todas as classes se vestiam da mesma maneira e viviam do mesmo
modo. (Brown, 1949)

...nós não encontramos preconceito racial até mesmo no grande império helenístico, que se
estendeu, mais do que qualquer outro império europeu até o final do século XV, a territórios de
povos de raças diferentes.
Os gregos do período helenístico possuíam um sentimento de pertencimento cultural, não racial, e
portanto, sua divisão básica dos povos do mundo se constituía entre gregos bárbaros – os
bárbaros tendo sido todos aqueles que não possuíam a cultura grega, especialmente sua língua...
as pessoas das cidades-estados gregas, que fundaram colônias entre os bárbaros nos litorais do
Mar Negro e do Mediterrâneo, receberam-nos na medida em que eram capazes de participar da
cultura grega, e frequentemente casavam-se livremente entre si. Os gregos sabiam que possuíam
uma cultura superior à dos bárbaros, mas incluíam europeus, africanos, e asiáticos no conceito de
Hellas, na medida em que esses povos adquiriram conhecimento prático da cultura grega.

A experiência do império helenístico de Alexandre tendeu a ser diretamente contrária ao


antagonismo racial moderno. O patriotismo estreito das cidades-estados foi substituído por um
novo cosmopolitismo. Todo esforço era feito para assimilar os bárbaros à cultura grega, e nesse
processo formou-se uma nova cultura greco-oriental, assim como uma classe dominante greco-
oriental. O próprio Alexandre tomou uma princesa persa como sua esposa e encorajou seus
homens a se casarem com as populações nativas. Em seu império havia uma diferença de
propriedade, não de raça, entre os dominantes e os nativos. (Cox)

Sobre os romanos:

Em Roma, assim como na Grécia, os escravos não diferiam de homens livres em relação à
aparência. R.H. Barrow, em seu estudo sobre os escravos romanos, afirma que “nem cor, nem
vestimenta revelavam sua condição”. Escravos de diferentes nacionalidades casavam-se entre si.
Não havia barreira de cor. Uma mulher poderia ser desprezada como esposa porque vinha de um
grupo desprezado ou porque praticava rituais bárbaros, mas não porque sua pele era mais escura.
Além do mais, como W.W. Buckland pontua, “qualquer cidadão poderia tornar-se escravo; quase
qualquer escravo poderia tornar-se um cidadão.” (Brown, 1949)

Nesta civilização tampouco encontramos antagonismo racial, pois a norma de superioridade em


Roma fundava-se sobre atributos culturais e de classe. A distinção básica era a cidadania romana,
e gradualmente isto se estendeu para todas as pessoas livres nascidas nos municípios do império.
Escravos vieram de todas as províncias, e não havia distinção racial entre eles. (Cox)

Não há necessidade de prosseguir com citações. O mesmo panorama geral é verdadeiro


para todas as sociedades, escravistas e não-escravistas, do império romano até a descoberta
da América – nas invasões bárbaras na Europa que levaram à escravização de brancos, no
reino dos muçulmanos, na era do domínio político da Igreja Católica. Havia divisões,
discriminações e antagonismos em termos de classe, cultura, política e religião, mas nenhuma
em relação a cor, pelo menos nenhuma que tenha deixado algum registro considerável nos
materiais históricos disponíveis atualmente. No fim do século XV, quando o comércio na África
ocidental se iniciou, a racionalização para a escravização dos negros não se referia ao fato de
serem negros, mas a não serem cristãos. Aqueles que se tornaram cristãos eram libertos,
casavam-se com portugueses e eram aceitos como iguais em Portugal. Em seguida,
naturalmente, quando o tráfico de escravos começou a ser um grande negócio, a disposição de
um escravo a se converter ao cristianismo não era mais suficiente para conquistar sua
emancipação.
Por que o preconceito racial se desenvolveu na era capitalista e não sub-sistemas
escravistas anteriores? Sem pretender termos tratado qualquer aspecto do tema de forma
exaustiva, fazemos a seguinte observação: em períodos anteriores os escravos eram
geralmente da mesma cor que seus senhores; tanto brancos quanto negros eram senhores e
escravos; nos países europeus os negros formavam uma minoria da população escrava. As
horríveis conotações da escravidão se plasmaram em todos os escravos, brancos e negros. Se
nestas condições a noção de uma “inferioridade” do negro ocorresse a alguém teria parecido
ridículo frente a esta realidade; de qualquer maneira, jamais teria recebido qualquer aceitação
social.
Mas a escravidão nas Américas se confinou exclusivamente aos negros8. O negro era
diferenciado pela sua cor, e as horríveis conotações da escravidão podem ser facilmente
transferidas a ela; era inevitável que a teoria da “inferioridade” do negro e do preconceito contra
o negro tivesse sido criada, que tivesse se expandido a outros povos não-brancos que ofe-
recessem a possibilidade de exploração, e que se espalhasse pelo mundo.
Assim, portanto, o preconceito contra o negro nasceu somente depois do capitalismo. Há
diferenças de opiniões a respeito da data de nascimento. M.F. Ashley Montagu [em Man´s
Most Dangerous Myth: The Fallacy of Race] ,ao discutir o “conceito moderno de ‘raça’”, afirma:

Nem no mundo antigo, nem tampouco no mundo que se estende até a parte final do século XVIII
havia qualquer noção correspondente [a racismo]... Um estudo de culturas e literaturas da
humanidade, tanto antigas quanto recentes, nos mostra que a noção de raças natural ou
biologicamente diferentes umas das outras, tanto mental quanto fisicamente, é uma ideia que não
surgiu até o final do século XVIII”, ou por volta da Revolução Francesa.

Cox afirma que, se tivesse que definir um ano que marcasse o surgimento de tais relações
raciais, escolheria 1493-1494 – quando o Papa garantiu aos Estados católicos da Espanha e
de Portugal jurisdição e o direito de explorar todos os povos hereges (predominantemente não-
brancos) e seus recursos. Ele enxerga “preconceito de raça nascente” com o início do co-
mércio de escravos: “Embora este modo peculiar de exploração estivesse ainda em sua
infância, já havia alcançado suas características fundamentais”. Entretanto, acredita que “o
antagonismo racial alcançou completa maturidade” somente na segunda metade do século
XIX.
Seja qual for o século escolhido, a questão é esta: o preconceito racial contra o negro surgiu
para justificar e preservar o sistema de trabalho escravista que operava de acordo com os
interesses do capitalismo em estágios pré-industriais, e manteve-se ligeiramente modificado
pelo capitalismo industrial após a escravidão tornar-se um obstáculo para o desenvolvimento
posterior do capitalismo e ser abolida. Poucas coisas no mundo estão mais marcadas com as
características do capitalismo.
As implicações deste fato são tão claras que não é surpresa receber tão pouca atenção nas
escolas e na imprensa de um país dominado por capitalistas e seus apologistas. O preconceito
contra o negro surgiu a partir das necessidades do capitalismo, é um produto do capitalismo,
pertence ao capitalismo e somente morrerá quando o capitalismo morrer.
Nós, os que vamos participar da substituição do capitalismo pelo socialismo, e que temos
boas razões para sermos curiosos a respeito dos primeiros passos do socialismo – porque
vamos viver nele – não precisamos temer a possibilidade de qualquer arrasto em relação ao
preconceito racial. Ao contrário do sistema capitalista que dominou este país depois da guerra
civil, a sociedade socialista será livre de qualquer característica exploradora; não haverá uso
concebível para o preconceito de raça, e irá conscientemente tratar de erradicá-lo junto com
outros adereços do antigo sistema. É por isso que o preconceito racial irá definhar com a morte
do capitalismo assim como a folha definha quando a árvore morre, e não muito tempo depois.
1 Publicado em Fourth International, Vol. 15 n 2, 1954, pp. 42-45. Disponível em ht-
tps://www.marxists.org/history/etol/newspape/fi/vol15/no02/v15n02-w127-Spring-1954-fourth-
int.pdf

2 Abraham Lincoln foi o 16º presidente dos Estados Unidos (março 1861 – abril 1865).
Advogado e membro do partido Republicano estiveram à frente da União durante a guerra civil
norte-americana. Em 1º de janeiro de 1863 assinou a Proclamação de Emancipação, medida
executiva que aboliu a escravidão em todo o território ocupado dos Estados Unidos, inclusive
nos estados Confederados. Com o da guerra civil, a escravidão foi abolida pela 13ª Emenda
Constitucional dos Estados Unidos, sujeita a ratificação pelos estados. Lincoln foi assassinado
em 15 de abril de 1865, poucos dias após a rendição do exército Confederado.

3 Refere-se à Guerra Civil norte-americana (1861-1865). A princípio sete estados da região sul
(número que chegaria a onze) declaram sua secessão dos Estados Unidos da América e
formaram os Estados Confederados da América. Os estados que permaneceram fiéis ao
governo ficaram conhecidos como União. Embora seja resultado da confluência de diversos
fatores em um país que assistia a um desenvolvimento estrondoso das forças produtivas –
alicerce fundamental para sua futura consolidação como país imperialista no capitalismo – a
raiz da divergência estava na defesa do uso de mão de obra escrava pelos estados
Confederados, que também tratavam de usá-la na expansão territorial em direção ao oeste.

4 Trata-se do período de intenso reordenamento político, social e econômico dos Estados


Unidos durante e depois da Guerra Civil norte-americana. Inicia-se em 1863 com a
Proclamação de Emancipação e o Compromise of 1877 ( Acordo de 1877) marca seu fim.
Durante esse período, os negros conquistaram sua liberdade e foram decisivos para a vitória
militar dos exércitos da União. Livres das amarras da escravidão, lutaram por acesso à terra e
representação política. Os exércitos da União permaneceram nos ex-estados confederados até
que votassem nova Constituição e jurassem fidelidade aos Estados Unidos. Embora a relação
entre luta por terra, melhorias na qualidade de vida (como a impressionante organização de
escolas por negros libertos), apoio das tropas nortistas, organização política da população
negra e as políticas específicas das elites estaduais (que continuavam sendo brancas)
variassem entre si, assim como as mudanças no próprio Congresso Nacional (como nos anos
de maior influência dos Republicanos radicais) e a relação do governo federal com distintos
estados, o período de Reconstrução foi um momento de extraordinária mudança social,
essencialmente porque os protagonistas foram os negros. O acordo de 1877 retirou as tropas
dos ex-estados confederados e consolidou a permanência das elites brancas e donas das
terras no Executivo, Legislativo e Judiciário estaduais. O fim do período de Reconstrução abriu
caminho para a formulação das leis estaduais de segregação racial.

5 Refere-se a trecho de Karl Marx, O Capital, Livro I, capítulo 26. São Paulo: Boitempo
Editorial, 2013 p. 821. 15

6 Nenhum deles alegaria ter sido o primeiro a descobrir essa informação histórica, e pode
muito bem ter acontecido que outros estudiosos desconhecidos por nós os tenham precedido
em escrever sobre esse tema em anos recentes; tudo o que sabemos é que chamou a nossa
atenção primeiramente a partir de seus livros. Material histórico frequentemente é
negligenciado por longos períodos até que necessidades políticas e sociais atuais despertem
novamente o interesse por ele. Esses escritores sem dúvida foram estimulados a um interesse
novo e mais útil nesse assunto nos últimos 15 a 20 anos a partir do crescimento da militância
negra americana e as lutas coloniais por independência. (Nota de Breitman).

7 O autor especifica os capítulos dos livros utilizados no corpo do texto. A tradução de todos os
trechos é nossa.

8 Escravidão não se restringiu aos negros no começo. Antes do escravo negro nas plantations,
existiu o índio escravo e o servo branco. Mas o trabalho escravo negro provou-se mais barato e
mais proveitoso, e eventualmente aqueles foram abandonados. O estudo mais satisfatório
sobre esta questão está no excelente livro de Eric Williams, Capitalismo e Escravidão, 1944.
Segundo Williams: “Eis aí, portanto, a origem da escravidão negra. A razão foi econômica, não
racial; não teve nada a ver com a cor da pele do trabalhador, e sim com o baixo custo da mão
de obra. Comparada ao trabalho indígena e branco, a escravidão negra era muito superior. (...)
Suas feições, o cabelo, a cor e a dentição, suas características ‘sub-humanas’ tão amplamente
invocadas, não passaram de racionalização posterior para justificar um fato econômico
simples: as colônias precisavam de mão de obra e recorreram ao trabalho negro porque era o
melhor e mais barato. Não era uma teoria; era uma conclusão prática extraída da experiência
pessoal do fazendeiro. Ele iria até a Lua, se precisasse, para conseguir mão de obra. A África
ficava mais perto do que a Lua, mais perto também do que as terras mais populosas da Índia e
da China. Mas estas também teriam sua vez.” Eric Williams, Capitalismo e Escravidão.
Companhia das Letras, 2012, p.50,51.(Nota de Breitman)

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