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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

FACULDADE DE FILOSOFIA, CIÊNCIA E LETRAS DE RIBEIRÃO PRETO

DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA

PSICOLOGIA SOCIAL I

Influência Social e Análise Discursiva:

Um ensaio psicossocial de “Circle”

Docentes: Prof. Dr. José Francisco M. H. Bairrão

Discentes: Lívia Rocha Carniel (11793872)

Tayná Sofia de Souza (11346278)

Ribeirão Preto
2021
Introdução

A obra cinematográfica escolhida para o presente ensaio foi o longa-metragem Circle,

dirigido por Aaron Hann e Mario Miscione e estreado em 2015. O filme mostra, em um corte

transversal, a experiência ocorrida com cinquenta pessoas que, em geral, se desconheciam

entre si. Logo de início vê-se o cenário: um grande círculo composto por essas pessoas, sendo

que cada uma delas se encontrava de pé dentro de uma pequena circunferência vermelha no

chão; ao centro, encontra-se algo como uma fonte de energia, que liberava raios, e ao redor

dela havia setas que, quando iluminadas, direcionavam para os participantes.

Nos primeiros minutos do longa, os indivíduos aos poucos iam despertando

atordoados e sem saber quem eram aquelas pessoas e onde estavam de fato. Alguns

integrantes arriscavam tentar fugir, mas eram atingidos por um raio que aniquilava-os

instantaneamente. Inesperadamente, a fonte do centro começou a disparar mais desses raios

em alguns dos integrantes do grupo, também eliminando-os. Começaram, então, a aparecer

algumas teorias de como aquele “experimento” funcionava. Rapidamente entende-se que os

raios atingiam as pessoas escolhidas pela maioria do grupo, através da rotação das mãos para

a esquerda ou para a direita. Fechar os punhos, por sua vez, seria a confirmação da escolha. A

cada dois minutos um participante do grupo era eliminado, situação que fez com que os

outros integrantes fossem estabelecendo táticas para continuarem sobrevivendo àquilo. Essas

eram, porquanto, decisões tomadas coletivamente que deveriam ajudar tanto no entendimento

lógico do jogo quanto na permanência de pessoas que eram colocadas sob determinados

julgamentos.

A partir disso, observa-se no filme o desenrolar de inúmeras discussões e

desentendimentos entre as pessoas, os quais via de regra aconteciam devido às diferenças de


crenças, ideologias e valores morais. Destarte, entram em cena pautas sociais como o racismo

e a homofobia, bem como discursos ainda muito difundidos contemporaneamente nas

sociedades ocidentais, os quais tendem a valorizar padrões de bem e mal consolidados. Com

isso, pouco a pouco o grupo ficava menor e os participantes deduzem que apenas um pode

sobreviver, pois era possível votar em outros membros, mas não em si mesmo. Então, parte

do grupo se divide na busca por garantir que a participante grávida ou a criança seja uma das

últimas sobreviventes, em contraposição aos outros que buscavam eliminar o outro grupo.

Esse cenário se agrava até o fim da trama, quando Eric, um personagem que se

apresentava como adepto ao grupo de defesa da grávida e da criança, engana as duas últimas

participantes que restaram e as eliminam. Ao término do jogo, Eric retorna ao solo e vê que

tudo aquilo tinha se decorrido no interior de grandes naves extraterrestres. Ele então se

depara com um grupo de pessoas, também a olharem as naves, o que deixa subentendido que

essas também passaram pela experiência.

O filme escolhido retrata importantes aspectos das relações sociais, sendo possível

analisar diversos discursos, que são reproduzidos e tem sua origem na própria sociedade na

qual pertencem todos os personagens. Dessa forma, as interações que nele ocorrem nos

permite, através de apenas um grupo da sociedade, observar vários de seus valores e suas

relações de poder. Além disso, o fenômeno da influência social se manifesta muito

claramente em diversos diálogos e comportamentos do grupo no decorrer das cenas, que se

passam nesse cenário único. Paralelamente, como são disputados interesses durante todo o

filme, cada personagem, ao reproduzir discursos, emitir opiniões e executar ações a favor ou

contra as outras pessoas, influencia intencionalmente ou não o coletivo na defesa de seu

interesse.
Dessa forma, o filme trabalha um complexo emaranhado de discursos que podem

contribuir para compreensão das dinâmicas da sociedade. Por meio deste breve ensaio,

objetiva-se a reflexão sobre alguns aspectos do filme, a partir de alguns conceitos

concernentes à Psicologia Social, especificamente as teorias de análise discursiva e influência

social. De igual modo, pretende-se discutir a influência do indivíduo, no que tange suas

crenças e moralidade, na manutenção da teia social em que ele está inserido, ampliando esse

panorama para além da distopia das obras ficcionais.

Discussão

A priori, é notório que a maior riqueza do filme “Circle” está relacionada à forma

como ele retrata diferentes discursos reproduzidos na sociedade e exprime, na essência de

suas relações intergrupais, como estas são relações de disputa de poder. Nesse caso, a forma

de poder mais concreta da situação envolve escolher quem é o indivíduo que merece viver

entre um grupo tão grande de pessoas que irão morrer. Os sujeitos do experimento estão em

uma situação extrema, em que precisam escolher periodicamente um dentre eles para ser

sacrificado. É a partir disso que cada um expressa suas opiniões, discutem valores e se

comportam tentando atingir um determinado fim, eliminando aqueles que julgam que

merecem morrer primeiro.

A relevância das relações grupais que se desenrolam no espaço do filme para o estudo

da sociedade é muito bem resumido em uma fala de um dos personagens, próximo do fim da

obra. Quando os últimos três sobreviventes se questionam, não pela primeira vez, sobre o

motivo daquela situação, um rapaz diz que os supostos alienígenas devem querer descobrir

mais sobre os seres humanos nesse experimento social. Então uma mulher questiona como

fariam isso forçando-os a matar uns aos outros e o rapaz coloca então que “quando matamos
alguém estamos julgando e dizendo que há algo de errado com essa pessoa”. É esta a essência

das relações do filme e dos aspectos estudados em cima dele, pois se confrontam os discursos

que delimitam o que é considerado certo ou errado.

Dessa forma, como os sacrifícios são determinados pelo voto da maioria, as pessoas

começam a discutir coletivamente quem são aqueles que deveriam morrer primeiro e quem

são aqueles que poderiam ter a chance de viver. Em outra cena, um personagem ainda coloca

durante uma discussão “só estamos tentando decidir quem merece viver”, expressando bem

como os diálogos e discussões no grupo sempre estão buscando de alguma forma realizar

essas escolhas que não são aleatórias, mas sim estão permeadas de valores, discursos e

interesses daqueles que as realizam.

Além disso, um ponto importante é que ao exigir-se escolhas de votos para eliminação

de cada sujeito, cada um busca defender seus interesses, que normalmente envolvem

sobreviver, ou ainda, garantir a sobrevivência de uma pessoa em específico. É a partir dessa

disputa pelo poder de tomar decisões que diferentes discursos surgem para influenciar os

outros nessas decisões. Cada discurso busca validar-se e garantir o sucesso de um interesse

além de desvalidar o outro discurso da disputa. Tal como aponta Pedro de Oliveira Filho

(2013), essa perspectiva teórica enfatiza os conflitos na sociedade, e são exatamente esses

conflitos sociais que serão explicitados para reflexão neste ensaio através do apontamento dos

interesses concorrentes e sua relação com o contexto social. Esse raciocínio ocorre em

consonância com a ideia de Análise do Discurso (AD), que parte do pressuposto de que a

língua não pode ser estudada desvinculadamente de suas condições de produção, uma vez que

os processos que a constituem são histórico-sociais.

A partir disso, como colocam os autores supracitados, citando Billing (1987), o

contexto da retórica, presente nas construções discursivas, não se restringe às relações entre o
orador e a audiência, mas inclui as opiniões que o orador está buscando legitimar para seu

público, além das opiniões contrárias que estão sendo combatidas, de maneira implícita ou

explícita. Isso significa que, nesse caso, cada construção discursiva que ocorre dentro de

“Circle” seria construída, não só por aquele que a profere, mas pelo público a quem ele fala e

o contexto ao qual ele está inserido socialmente.

Com base nisso, são selecionados os discursos que se reproduzem no filme para serem

analisados. Para isso, como o autor supracitado ressalta, é importante para uma análise

discursiva desvendar as funções dos discursos, as estratégias de dominação neles envolvidas

e os interesses de cada grupo sendo por eles defendidos. Além disso, certas falas utilizadas na

função conativa da linguagem funcionavam como uma espécie de propaganda ideológica, que

no filme foram ora aceitas ora rejeitadas e influenciaram os outros. Esta comunicação

persuasiva dissemina-se entre os participantes, cada qual com a sua técnica para convencer os

demais da validade de suas ideias. Desse modo a retórica e outras estratégias discursivas

compõem o arsenal de disputa neste espaço (Aronson, Wilson & Akert, 2015). Ademais,

outros conceitos serão utilizados para contemplar uma análise psicossocial de “Circle”.

Além do conceito de discurso, um dos aspectos mais interessantes para a análise do

filme, como já introduzido, é o conceito de influência social. Raimundo Gouveia define o

fenômeno a partir da noção de que “em sociedade, dependemos uns dos outros para a

compreensão, o sentimento e a expansão do sentido da realidade” (Gouveia, 2013). Além

disso, ao defini-la o autor também cita Asch (1952/1977, p. 379) que a define como “a

influência de condições sociais na formação e modificação de juízos e opiniões”. Com isso,

fica explícito como o conceito de influência social é muito importante para essa análise do

filme, pois é exatamente afetado por esse fenômeno que o grupo de participantes de Circle

formam suas opiniões e também modificam as opiniões dos outros, alterando não só os juízos
como as decisões de cada um, sendo que é exatamente o voto de cada membro que decide

quem morre a cada rodada.

A partir disso, tendo como base que, segundo Gouveia, a influência social ocorre

quando as ações de uma pessoa resultam na ação de outra(s), podemos citar vários momentos

do filme em que o fenômeno pode ser observado. O filme todo, aliás, trata dos efeitos desse

fenômeno, quando cada membro precisa se expressar coletivamente buscando influenciar o

grupo para que não votem nele ou, diversas vezes, intencionalmente influenciá-los a votar em

uma pessoa específica para morrer, conforme a estratégia que cada participante adota para ter

seu interesse atendido.

Um exemplo a ser citado nesse momento é o de quando um homem e uma mulher que

se encontram lado a lado combinam de fingir serem casados, influenciando os outros a não

votarem neles, pois como trazem no filme ninguém gostaria de matar o amado do outro. Isso

é de fato bem sucedido até que descobrem que eles não são casados de verdade, o que leva a

revolta do grupo e a eliminação de um deles no primeiro momento, antes de outras disputas

interferirem. A tentativa de influência do suposto casal exemplifica bem como alguns

personagens buscaram influenciar a perspectiva do grupo sobre eles com base no que eles

acreditam que a sociedade valoriza. Nesse caso, eles apostaram que o amor conjugal seria um

fator que valorizaria suas vidas no juízo grupal e lhes pouparia por mais tempo,

exemplificando como eles buscaram utilizar dessa influência.

Pode-se citar também que, ao longo do filme, os personagens colocam rótulos nos

outros também de acordo com o julgamento que eles acreditam que a sociedade faria disso,

buscando influenciar os outros a realizar a eliminação de determinadas pessoas

atribuindo-lhes características que consideram negativas socialmente. Um exemplo dessa

tentativa de influenciar os outros parte de um homem que, percebendo-se como alvo por sua

última discussão, acusa um mulher de ser uma atriz pornô, insistindo na acusação mesmo
diante da negação dela, interrogando-a e constrangendo-a diante do grupo, perguntando se

seus seios eram naturais, quem pegava por eles, se ela era amante do chefe e outras ameaças

para desqualificá-la diante da coletividade e influenciar os outros votar nela. Apesar de mal

sucedida, sua tentativa exemplifica bem esse tipo de comportamento que ocorre outras vezes

no filme e buscava utilizar o fenômeno da influência social a favor desse indivíduo que a

realiza.

Destaca-se ainda, que mesmo nessas tentativas de influência a partir da rotulação dos

outros, muito é revelado sobre o indivíduo que profere a taxação e a sociedade da qual ele

reproduziu esse discurso. Isso porque, quando o homem acusa a mulher de atriz pornô, ele o

faz ciente de que esta é uma característica que poderia gerar grande julgamento dos outros,

revelando não só os preconceitos do homem, mas os preconceitos que ele identifica na

própria sociedade. Assim, essa dinâmica que se reproduz em outras cenas, reproduz vários

discursos que carregam explícita ou implicitamente preconceitos da sociedade, tal como

contra a população LGBTQIA+, negros e imigrantes que aparecem em outras cenas.

Outro aspecto relevante para essa análise ainda é observar como a influência social

afeta os discursos que são construídos e reproduzidos no grupo, analisando conjuntamente

como se expressam e que interesses estão implícitos nesses discursos. As ações e falas dos

participantes expressam seus diferentes interesses e a partir disso, nos permite analisar quais

são aqueles que prevalecem nessa atípica e extrema situação social.

Primeiramente, no início do filme, quando os personagens buscam desvendar a lógica

do mecanismo de sacrifícios periódicos, os interesses defendidos são bem plurais e caóticos,

já que os personagens então confusos e desesperados com a situação. Dessa forma, são

expressados alguns valores e interesses de cada um para propor o que fazer na situação e

evitar mortes aleatórias. Uma das primeiras sugestões é a de um jovem que propõe que o

grupo comece votando nos mais velhos para morrer, argumentando que estes já estariam mais
perto da morte de modo que seria mais justo que estes fossem os primeiros sacrificados.

Apesar de contestações de alguns, essa manifestação influencia os outros a votarem nos mais

velhos e, de fato, uma sequência de idosos é eliminada nesse processo. Essa decisão grupal

está envolta a um discurso de valorização da juventude em detrimento da população idosa,

que não só no experimento, mas na sociedade ocidental em geral, muitas vezes é

negligenciada e vista como sem valor. Dessa forma, o discurso manifestado dentro do

experimento possivelmente reproduz um discurso que já existe na sociedade pois, muitas

vezes, nós não criamos totalmente o que falamos, mas reproduzidos os discursos da

sociedade a qual pertencemos (Oliveira, 2013). A partir disso, podemos analisar como esse

discurso reproduzido se manifesta na sociedade e que interesse ele defende como uma

proposta de uma análise discursiva, mesmo que nem sempre o conteúdo explícito da

comunicação traduza a real ideia que ele transmite e o real interesse que ele defende.

Posto isso, ao analisar esse discurso na sociedade a partir de suas várias

manifestações, é possível apontar, por exemplo, como uma de suas raízes é o próprio modelo

de produção capitalista em que os idosos são desvalorizados por sua baixa produtividade. O

que é relevante para esta análise é que esse discurso é reproduzido pelo jovem e de forma

bem sucedida, pois a ideia envolvida em sua sugestão já é fundamentada na mentalidade da

sociedade a qual essas pessoas pertencem (Oliveira, M., Fernandes, M., & Carvalho, R.,

2011). Com isso, o jovem, na tentativa de ganhar tempo sacrificando idosos em vez de correr

o risco de ser aleatoriamente sacrificado, convence os outros membros do grupo que os mais

velhos fossem eliminados.

Por outro lado, quando a idade possível para ser votado é reduzida o grupo passa a

manifestar forte contestação a continuidade do modelo e inclusive sacrificam o jovem que a

propôs, já que apesar de seguir a mesma lógica, ela começa a ameaçar a vida de boa parte do

grupo que percebe que hora ou outra mesmo pessoas mais jovens seriam os próximos de
idade mais avançada. O que cabe ressaltar é que a lógica dessa dinâmica não foi alterada, os

mais velhos seriam votados pois estão mais perto da morte, no entanto ela é quebrada, pois

esse argumento não era o verdadeiro ponto por trás desse discurso, pois caso contrário ele

ainda poderia ser considerado justo pela maioria. Assim, esse é apenas um exemplo de uma

possível análise de um dos vários discursos que são reproduzidos ao longo do filme e

manifestados de forma a influenciarem os membros a adotarem determinadas ações.

Em um segundo momento, o grupo decide que poderiam entender mais sobre o

porquê estavam ali se cada um falasse um pouco sobre si. A primeira a falar é uma mulher

chamada Beth, que conta um pouco sobre ela e em determinado momento diz ser solteira e

não ter filhos. Quando o alarme toca, indicando que o próximo a morrer deve ser votado é

Beth a escolhida e sacrificada. Os outros argumentam que pelo menos ela não tinha filhos e

por isso a escolheram para morrer. Este é outro discurso que pode ser analisado e aparece

mais de uma vez, quando os participantes em outro momento começam a questionar o

número de filhos de cada um como requisito para votação. Esse é outro exemplo, de

discursos construídos e reproduzidos dentro do filme para atribuir que certas vidas merecem

ser preservadas com o sacrifício de outras. Nesse caso, não ter filhos é colocado como um

motivo para morrer, mas vários outros discursos surgem posteriormente com objetivos

semelhantes e interesses diversos e profundos.

Outro exemplo de como os discursos e as relações de poder estão envolvidos nas

relações do filme acontece também quando um homem ataca uma mulher lesbica, alegando

que sua sexualidade é um pecado e podia ser esse tipo de problema que o experimento

buscasse julgar e eliminar. Ele ainda apela para a filha dela, dizendo que seria melhor para a

criança que sua mãe morresse para ter a chance de não crescer nessa família que ele julga

anormal. O homem ao proferir esse discurso de ataque espera que os outros concordem com

suas ideias homofóbicas e a eliminem, mas seu ataque desmascarado não é tolerado pela
maioria e é ele o eliminado. Os discursos em disputa nesse caso envolvem um ataque às

relações que fogem ao padrão heteronormativo e um discurso de defesa e busca por liberdade

para ter relações que fogem a esse padrão. Embora esses discursos disputem espaço dentro do

filme do grupo, tendo o da defesa da lésbica vencido, esses discursos não são meras criações

da situação, mas reproduções dos discursos já em conflito na sociedade, como podemos

analisar a partir das colocações de Oliveira Filho (2013) sobre os discursos permitem uma

análise dos conflitos da sociedade que neles se reproduzem. Além disso, também estão

envolvidas então às disputas de poder por meio desses discursos e o fenômeno da influência

social, já que cada lado busca expressar suas ideias para influenciar a sociedade e garantir

seus interesses, assim como o autor supracitado coloca sobre como os discursos carregam as

ideias opostas, buscando as deslegitimar para legitimar seus próprios interesses, sempre nesse

jogo pela legitimação do que profere.

Antes de prosseguir com a análise de forma mais cronológica do filme, é possível

apontar outro aspecto geral das relações que se desenrolam na primeira parte do filme. Nesse

primeiro momento, em que ainda há muitos personagens vivos, as mortes são mais

“seletivas”, pois eles ainda não aceitam e entendem bem a ideia de que apenas um irá

sobreviver. Com isso, eles começam a fazer perguntas uns pros outro sobre quem são,

conforme o movimento iniciado com a fala de Beth, a fim de encontrar alguma falha que os

manche socialmente e os selecione. Nesse caso, justificados por diversos discursos, diferentes

aspectos levam à eliminação da pessoa. Isso é sintetizado em uma cena em que um dos

personagens expressa uma opinião e é repreendido por isso. Então uma mulher o defende “ele

só está sendo honesto” e outro homem então retruca que lá ser honesto os faz morrer. Ela

então coloca “aqui, tudo faz você morrer”, transmitindo com clareza a ideia desta etapa do

filme em que, de fato, tudo aquilo que nessa disputa discursiva é em algum momento

considerado inválido leva à eliminação do personagem.


Além disso, esse objetivo, de eliminar abertamente outros membros com base em

delicadas seleções daquilo que se valoriza e daquilo que se desvaloriza, passa a ser cada vez

mais explícito a partir de uma cena em que um homem é eliminado por ser um agressor. Nela,

um policial reconhece outro homem alegando que ele havia espancado a namorada e, diante

da discussão entre eles, o homem acaba por confirmar que o havia feito e é então votado e

eliminado. Com isso, percebe-se dois pontos nessa cena. O primeiro é que o policial através

de suas ações influenciou os outros a votarem no homem, outro exemplo de como o

comportamento de cada membro influencia a decisão dos demais. Outro ponto é o do

discurso subjacente à eliminação do agressor da namorada, que envolveu um discurso de que

alguns de fato merecem a morte devido a seu caráter ruim. A partir disso, os participantes

começam a discutir sobre como poderiam descobrir “quem era bom e quem era mau”,

buscando realizar um julgamento moral dos que mereciam morrer. Então um dos membros

aponta que isso já era exatamente o que estava acontecendo, o que de fato é verdade, pois os

indivíduos votados já eram escolhidos conforme o julgamento moral que os participantes

consciente ou inconscientemente faziam de cada pessoa. No entanto, a partir dessa cena, os

personagens passam a fazer isso com mais clareza sobre suas intenções de julgamento.

Cabe ressaltar, no entanto, que bom ou mau são classificações abstratas que só

existem no âmbito da sociedade que os constrói coletivamente. Dessa forma, tais conceitos

são construídos socialmente em consonância com a mentalidade e as relações de poder de

nossa sociedade, se manifestando em discursos que são reproduzidos para classificar e

justificar a dinâmica da sociedade e os interesses nela dominantes. Prova disso é que quando

perguntam então qual seria o critério para definir quem são os bons e os maus, um homem

responde que tudo deve ser levado em conta, exemplificando que deveriam considerar os

valores, princípios e o que a pessoa tem ou não feito na vida.


Um exemplo dessas atribuições de bem ou mal, que são expressadas mais tarde por

esse mesmo homem, envolve uma forte noção de meritocracia. Dessa forma, ele começa a

questionar a profissão das pessoas alegando que isso é importante para decidir quem merece

viver pois “algumas pessoas contribuem mais para a sociedade”. Quando a pergunta se volta

para ele, ele argumenta que deveria ser poupado por ser um banqueiro que trabalha muito,

sendo portanto, um membro contribuinte da sociedade. Fica explícita assim, a reprodução de

um discurso meritocrático hegemônico na sociedade ocidental capitalista que defende o

interesse de que aqueles de nível socioeconômico mais elevado merecem mais viver.

Destaca-se ainda que este é um aspecto muito importante na compreensão das

relações de poder na sociedade capitalista, caricaturalmente representado nessa cena. Em

consonância com isso, Wilson Moreira (2016) disserta sobre o impacto da meritocracia nas

decisões socialmente críticas, que seriam aquelas que causam consequências sérias para os

outros, tais como distribuição desigual de recursos materiais ou simbólicos, sofrimento ou

morte de outras pessoas. Dessa forma, usando dilemas morais como exemplo deste tipo de

decisões, sua dissertação analisou o impacto da meritocracia nessas decisões diante de

membros de grupos de baixo estatuto, tais como moradores de rua e dependentes químicos.

Dessa forma, em alguns casos percebeu-se que o fato das pessoas pertencerem a esse baixo

estatuto realmente interferia nos resultados, que foram discutidos à luz das dinâmicas

intergrupais e a sua articulação com as reações emocionais provocadas pelas diferentes

vítimas envolvidas no dilema moral. Assim, esses experimentos mostraram-se muito

relevantes para a discussão e reflexão sobre o valor da vida de cada pessoa, o que se relaciona

fortemente com o filme tanto pela obra representar uma situação extrema, que traz a tona as

decisões críticas, como por envolver esses juízos de valor do estatuto de cada indivíduo,

permitindo-nos avaliar o impacto da meritocracia nessas decisões, tal como se evidenciou na

cena descrita.
Além disso, nessa cena, o banqueiro questiona a grávida sobre sua condição

empregatícia e a de seu marido alegando que o mundo já possui muitas mães solteiras na

assistência social, de modo que, caso a mulher fosse pobre, conforme sua lógica ela deveria

ser eliminada. O discurso por trás dessa ideia é a de que seria mais justo que alguém com boa

condição financeira sobrevivesse, pois as classes sociais mais baixas seriam um custo maior

para a sociedade, nesse caso da fala do banqueiro, mães solteiras desempregadas seriam um

custo maior por necessitarem de seguro social. No entanto, o interesse por trás desse discurso

é o interesse da classe dominante que busca atacar as camadas mais pobres em favor da

manutenção de sua dominação. Nesse caso, o discurso busca mascarar as desigualdades e

contradições do sistema que mantém seu poder ao atacar aqueles que sofrem com ela, que são

as camadas mais pobres. Com isso, quando o banqueiro pergunta sobre a profissão da grávida

buscando um argumento para eliminá-la, ele reproduz esse discurso que desqualifica os mais

pobres, nesse caso, considerando-os um gasto para o Estado. Mais uma vez, os discursos da

sociedade se manifestam dentro de Circle.

Outra situação que remete a outras relações de poder, ocorre quando um homem

negro começa a questionar a quantidade desprorcional de negros e brancos vivos, defendendo

que, por serem uma minoria historicamente explorada, os negros não deverim ser votados.

Dois homens brancos discutem mais intensamente com ele como não consideram o racismo

relevante nessa discussão, alegando não se importarem com isso. Pode-se notar que o negro

buscou influenciar os outros a eliminar pessoas brancas, mas ocorre uma disputa de poder

entre os dois interesses polêmicos que poderia se encaixar em várias discussões de nossa

sociedade que contrapõem direitos de brancos e negros, ideias de igualdade ou desigualdades

racial. Independente da discussão ser justa ou injusta naquela situação em específico, os

discursos de cada lado são importados da sociedade de modo que o que cabe destacar é que

um dos discursos defende que levar em conta o racismo como medida para tomar decisões a
favor da população negra é uma forma de vitimização. Esse por sua vez, é também é um

discurso reproduzido de nossa sociedade, cujos interesses mais implícitos estão ligados ao

processo de escravidão que produziu mazelas tanto concretas quanto na mentalidade social de

desvalorização do negro. Por um lado, um discurso defende que os efeitos sociohistóricos da

escravidão exigem medidas de reparação e equidade enquanto o outro defende um discurso

de interesse branco que nega essa desigualdade e vantagens da população branca.

Pode-se ainda exemplificar esse conflito de discursos dentro do grupo do filme em

duas frases que recentemente ficaram famosas. Uma delas surge a partir de um contexto de

conflitos raciais recentes, protestando que “vidas negras importam" defendendo uma atenção

a essa população que é constantemente atacada. A outra surge em contraposição a essa

afirmando que “todas as vidas importam” a fim de questionar a importância de se tratar e

pensar de forma especial o povo negro. Mais uma vez as disputas de poder e os discursos são

reproduzidos nesse experimento social através das interações grupais para decidir o valor de

cada vida ali. Não ficaria de fora desse experimento social do filme, que discute quais vidas

valem mais, as discussões sobre o diferente valor que a sociedade dá para as vidas negras e as

vidas brancas.

Por fim, no meio dessa discussão outro homem branco se manifesta mais

explicitamente sobre opinião de que os negros se vitimizam, expressando-se de forma

desmascaradamente racista, o que leva ao seu sacrificio. Podemos analisar, portanto, que

nesse momento o grupo não sacrifica nem o homem negro nem os outros dois brancos, pois

mesmo que com interesses distintos é o terceito homem branco que ao ser abertamente racista

é eliminado visto que mesmo com ideias semelhantes essas ideias mascaradas em outras falas

e colocações acabam sendo menos notadas.

Um outro preconceito a ser brevemente abordado é também o que ocorre contra o

imigrante mexicano, partindo de um homem na busca de eliminá-lo. Primeiramente eles


apontam que ele deveria ser eliminado pois não poderia contribuir para a discussão, mas o

argumento não é aceito. Posteriormente então o homem faz com que uma mulher que fala a

língua dele pergunte se ele estava nos Estados Unidos ilegalmente, o que ele confirma.

Apesar disso, ele conta que possui três filhas, retirando suas fotos do chapéu, o que causa

certa simpatia dos outros, já que ter filhos ainda era um fator muito influente nesse ponto do

filme. Além disso, ainda há os que defendem que todos são iguais e que não seria justo

matá-lo, enquanto outros reproduzem discursos xenofóbicos de que ele estava “roubando

empregos dos americanos”. A situação é interrompida por outra discussão que conquista a

atenção da maioria, mas mesmo assim, em outro momento do filme, o imigrante é de fato

votado sem justificativas, exemplo de uma manifestação de xenofobia.

Desse modo, pode-se realizar uma pequena reflexão sobre os preconceitos

expressados de forma geral no filme. Conforme aborda Pedro de Oliveira Filho (2013), o

racismo, o sexismo, o preconceito de classe e outros processos psicossociais encontram-se na

sociedade em discursos que estão envoltos em nossas relações e também internalizados por

nós, tendo esses consequências e armadilhas muitas vezes implícitas e difíceis de controlar.

Assim, seriam incontáveis os preconceitos internalizados nas relações de Circle, já que

qualquer forma de mensurar o valor de cada vida sobrepassa esses discursos preconceituosos.

Ainda, quando algum deles, já mais invalidados na sociedade são expressados

desmascaradamente, são rejeitados e quando carregam preconceitos de formas mais

implícitas são aceitos. Exemplificando, quando o policial abertamente é preconceitoso com o

negro, outro homem com a lésbica e outro com o imigrante, são reeprendidos e nos dois

primeiros casos eliminados pela expressão preconceituosa. Assim, as relações de poder atual,

nesse caso, tenderiam a desvalorizar manifestações explícitas de preconceito e aceitar as

manifestações implícitas, já que como aponta o autor supracitado, estas são menos

reconhecíveis e suas consequências mais difíceis de detectar e controlar.


Aproximando-se mais do fim da sequência de sacrifícios, pois o número de

sobreviventes vai se tornando cada vez menor, aqueles que têm o interesse máximo em ser o

único a sobreviver começam a se manifestar mais abertamente, de modo que distinguem-se

dois pólos opostos de interesses, formando dois subgrupos. Com isso, duas ideias principais

disputam o poder e hegemonia no grupo, expressadas em dois lados: um interessado em fazer

com que a grávida ou a criança seja a sobrevivente do experimento e outro interessado em

eliminá-las para que qualquer outra pessoa de alguma forma tente sobreviver. Dessa forma, o

primeiro reproduz discursos que valorizam a vida da criança e da grávida acima das outras,

enquanto o segundo reproduz discursos que alegam que cada vida tem o mesmo valor,

portanto, todos deveriam ter chance de tentar sobreviver. Embora esses sejam os argumentos

explícitos em cada um, como já apontado, nem sempre são essas as raízes do discurso além

de que nessa situação não necessariamente a lógica prevalece, apesar de supostamente

fundamentar a ação conforme cada um dos argumentos. Aliás a incoerência lógica da

sequência de ações de cada um, mostrou como o que importa para a guiar suas ações não

necessariamente é lógica, pois apesar de os participantes concordarem com algumas linhas de

raciocínio propostas, quando essa mesma linha ameaçava seus interesses ela era

imediatamente refutada, a exemplo da proposta inicial de sacrificar com base na idade.

Com isso, uma forma de pensar essa polarização do grupo pode ir além da lógica que

cada discurso defende explicitamente, adentrando ao interesse final de cada uma. No caso do

grupo que deseja sacrificar a grávida e a criança, o interesse final de cada um que a defende

não necessariamente é que cada vida tem igual valor, mas que, independente disso, eles

querem desesperadamente viver. Aqueles que o defendem afirmam que “ninguém é especial”,

“eu não sou má pessoa por querer sobreviver” e “todos são iguais aqui”. Prevalece, no caso,

não um desejo por igualdade, um dos argumentos, mas o interesse de sobreviver mesmo que
precise matar qualquer um ali, incluindo a criança. O discurso deles expressa que a prioridade

do indivíduo é garantir o seu próprio bem-estar e farão o que for preciso para isso.

Por outro lado, o grupo que quer que a grávida sobreviva possui um interesse altruísta,

pois o bem que buscam se volta para outra pessoa, de modo que eles estão dispostos a abrir

mão da própria sobrevivência para que alguém que eles consideram que deve ser defendido

viva. É interessante notar que diante de uma situação tão extrema os indivíduos foram

capazes de engajar-se em um comportamento pró-social ao colocarem-se de maneira

empática no lugar do outro. Dessa forma, a hipótese da Empatia-Altruísmo é evidenciada, já

que segundo ela ao estabelecer uma relação de empatia para com alguém, as pessoas tentam

ajudá-las estas por altruísmo, sem levar em conta ganhos ou perdas (Aronson, Wilson &

Akert, 2015).

Com isso, um fator a se considerar é de que forma a grávida e a criança geram mais

empatia nas pessoas e que discurso social está envolvido nessa valorização de suas vidas. O

discurso de que a vida da grávida ou da criança vale mais é defendido logicamente por

questão de quantidades, pois no caso da grávida por carregar outra vida ela contaria como

duas, valendo mais que outra vida e no caso da criança por ter uma idade menor ao ser morta

ela estaria perdendo mais tempo de vida que as outras pessoas. No entanto, como já foi

destacado, não é a lógica que rege implicitamente os interesses dos discursos, mas sim os

valores e relações de poder construídas na sociedade. Se nos pautamos em uma análise

novamente a partir das relações de poder e dominância que surgem conforme os interesses do

modelo capitalista predominante na sociedade, podemos pensar como a criança é valorizada

por ser uma futura mão-de-obra produtiva na sociedade e a grávida por pelo mesmo motivo

pois ela carrega uma futura vida trabalhadora. Essa possível análise, que pode também ter

bases mais profundas e antigas, se pauta nesse caso na própria origem da palavra

proletariado, que vem de “prole” exatamente porque são os filhos o que a classe trabalhadora
tem de interessante para o sistema dominante, já que estes são a mão de obra que move o

sistema. Com isso, essa breve análise busca pensar um dos motivos relacionados à construção

social da valorização da criança e da grávida, além de envolver outros aspectos tais como a

ideia de família e outros valores muitas vezes herdados culturalmente das religiões, o que

exigiria mais estudos complexos limitados no caso desse ensaio. O que se destaca é que isso

não significa que os personagens conscientemente pensaram “uma criança vale mais pois

sócio e culturalmente ela é valorizada, já que possui tal papel”, mas sim, esses valores e

relações são intrínsecos a mentalidade daqueles que pertencem a determinada cultura e

podem ser reproduzidos nos discursos dessa sociedade mesmo sem a intenção clara do

indivíduo.

A partir disso, voltando novamente ao fenômeno da influência social, este mostra-se

muito relevante para análise, pois o final do filme envolve a influência de cada subgrupo no

grupo, na busca por influenciar os indivíduos a aderirem seu lado para conquistar a maioria

de votos e eliminar os membros do outro grupo para garantir de seu interesse. É observável

ainda que o discurso que preza pela eliminação da grávida e da criança utiliza vários

mecanismos de apelo para sua adesão, buscando lembrar a pessoa envolvida sobre sua família

e seu desejo de sobreviver. No entanto, esse forte apelo à sobrevivência mascara a grande

lacuna desse grupo, que apesar de alegar dar a chance para que cada um sobreviva, não pode

concretizar essa ação, pois no fim só um pode sobreviver. Um dos mais influentes do grupo

ainda afirma “se ficar do nosso lado prometo que ficará viva”, o que convence a mulher a

quem ele fala, mesmo que posteriormente ele proponha eliminá-la como troca de alvos entre

os grupos. Assim, esse discurso que se fortalece com interesse de cada um sobreviver, no fim,

não pode garantir que isso aconteça e se vencesse, levaria a uma disputa interna de qualquer

jeito, o que não impediu que ele usasse essas formas de persuasão para conseguir adeptos.
Um último ponto de análise possível a ser apontado é destacar não só como as

disputas discursivas influenciam os personagens do filme, mas também como influenciam os

telespectadores da obra e a sua própria construção. A partir disso, é bem comum que, em

filmes, as pessoas torçam para que este alcance um determinado fim, que normalmente

envolve o sucesso dos personagens que ela se identificou, muitas vezes influenciada pela

perspectiva de protagonista desse personagem e do objetivo dos produtores do filme. Partindo

disso, embora não haja um protagonista, é muito possível que a maioria dos que o assistem

torça para o lado que busca a sobrevivência da grávida e da criança e inclusive se frustre com

final em que um homem engana a todos e estrategicamente sobrevive. Assim, como assistir o

filme nos aproxima da situação como se esta fosse real devido a verossimilhança, a reflexão

possível referente a esse aspecto é pensar como o filme influencia nossas percepções,

julgamentos, valores e comportamentos, levando-nos a preferir um dos lados.

Dessa forma, ao longo da obra, alguns personagens são construídos para despertar

antipatia, pois são exageradamente estereotipados, marcados por serem descaradamente

racistas, homofóbicos ou xenofóbicos, além de também serem “egoístas”, por terem como

prioridade máxima sua própria sobrevivência. Outros ainda, não expressam marcadamente

algum preconceito, são egoístas pois apenas tem como prioridade sobreviver, o que também

acaba por despertar grande antipatia dos que assistem o filme. Dessa forma, o egoísmo é uma

característica que adquire caráter pejorativo, seja pela forma como os estereótipos

personagens de preconceituosos são associados normalmente ao lado egoísta, seja pela

própria forma que o filme organiza as cenas para despertar nossa empatia com os

personagens altruístas, influenciando nossa percepção nessa disputa. Além disso, é possível

apontar que o lado egoísta, ao qual o filme busca tecer críticas, de fato possui em determinada

medida um caráter pejorativo em nossa sociedade, de modo que os discursos dela influenciam

a produção do próprio filme. Essa reflexão demonstra que mesmo em sua produção, o próprio
filme já realiza julgamentos do valor de cada personagem nos levando a defender um lado.

Válido ou não para a crítica do filme, o que se destaca nesse ensaio não é a defesa de um lado

ou de outro, mas a reflexão de como os discursos influenciam o juízo de valor que ocorre na

construção do filme, pelos personagens do filme e pelos telespectadores.

Em síntese, o que vale destacar dessa reflexão final proposta é que a análise

psicossocial do filme Circle pode incluir também uma análise social das reações e impressões

dos telespectadores do filme, já que o fenômeno da influência social pode se manifestar por

meio de personagens representados cinematograficamente e os discursos que eles reproduzem

são discursos que de fato fazem parte das disputas de poder de nossa sociedade, mesmo que

nosso contato com essa reprodução seja por meio de uma obra cinematográfica. Dessa forma,

os discursos que se confrontam no filme, influenciando outros personagens, também nos

envolve como telespectadores e a própria produção do filme, influenciando-nos no

julgamento do valor da vida de cada personagem e modificando nossas opiniões, juízos,

valores e comportamentos.

Considerações Finais

Em suma, a partir dos mecanismos de ação dentro da sociedade, a expressão de

discursos se tornam uma forma de influência social que transforma ideias em normas,

valores, comportamentos e opiniões. Esses discursos estão envolvidos nas relações de poder,

cuja dinâmica implica em disputas pela hegemonia de determinados interesses.

No filme, essa disputa pode ser distinguida nos dois momentos discutidos: um

primeiro, quando o grupo ainda possui uma quantidade maior de sobreviventes e busca

descobrir e julgar individualmente os participantes para eliminá-los com base em diferentes

discursos que valorizam ou desvalorizam cada um; E um segundo momento ocorre quando

restam menos sobreviventes e estes se dividem em dois grupos e os discursos se polarizam


em dois. Torna-se mais clara a ideia de que apenas um pode sobreviver e os grupos buscam

eliminar os membros do oposto para garantir seus interesses distintos.

Ambos os momentos oferecem relações grupais muito ricas em discursos em conflito,

sendo possível analisar diversos elementos envolvidos nesses discursos como seu interesse

implícito, sua implicação dentro do grupo e da sociedade, além de como cada um influencia

os participantes de determinada maneira nas decisões sobre quem merece morrer e quem

merece viver.
Referências

Aronson, E., Wilson, T. & Akert, R. (2015). Psicologia Social. 8ª ed. Rio de Janeiro: LTC.

Camino, L., Torres, A. R. R., Lima, M. E. O., & Pereira, M. E. (2013). Psicologia Social:

temas e teorias. Brasília: Technopolitik.

Hann, A. & Miscione, M. (Diretores), Nardelli, M., Stiefel, B., Nardelli, T., Bursch, J. &

Einbinder, S. (Produtores). (2015). Circle [Filme].

Moreira, W. R. M. (2016). O impacto da meritocracia nas decisões socialmente

críticas (Doctoral dissertation).

Oliveira, M., Fernandes, M., & Carvalho, R. (2011). O papel do idoso na sociedade

capitalista contemporânea: uma tentativa de análise. V Jornada Internacional de

Políticas Públicas. Anais.

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