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Que linguagens são essas?

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Monica Fantin, UFSC

Resumo
Com o foco de reflexão a proposta de formação Educadores e Linguagens: no encontro o
desafio de sentir, sonhar e fazer e a oficina “Linguagens como eixo da organização
pedagógica nos contextos da educação infantil”, ministrada a alguns grupos de educadores
da Educação Infantil da Rede Pública Municipal de Blumenau no ano de 2004, o presente
artigo faz uma síntese do que foi trabalhado na referida oficina – priorizando as linguagens
da brincadeira, das artes e das narrativas - levantando algumas questões que foram
abordadas a fim de discutir e pensar possibilidades de intervenção na prática pedagógica.

Palavras-chave
Linguagens – Brincadeira- Arte- Narrativa- Criança – Cultura

Pra começo de conversa


Afinal de contas, o que entendemos por “linguagens” e como elas estão presentes na
nossa prática pedagógica? A linguagem pode ser entendida a partir de diversos olhares:
como forma de expressão do sujeito e da cultura, como meio de comunicação, como forma
de interação e desenvolvimento humano e também com objeto sócio-cultural de
conhecimento. São através das diferentes linguagens que a criança utiliza - verbais e não
verbais - que ela se expressa e expressa a riqueza de seu imaginário e de sua cultura. Nessa
perspectiva, a fala, a narrativa, o choro, o gesto, o olhar, o silêncio, o jogo, a brincadeira, as
artes cênicas (teatro e dança), as artes musicais (canto e música) e as artes visuais (desenho,
pintura, escultura, fotografia, cinema) são uma espécie de signos que fazem parte desses
sistemas simbólicos que são as diversas linguagens.
Priorizando algumas linguagens das crianças para entender melhor seus códigos,
escolhemos a brincadeira, as artes cênicas, plásticas e musicais e a narrativa para discutir
um pouco mais sua presença na organização do trabalho pedagógico.

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Artigo publicado pela Secretaria Municipal de Educação de Blumenau, 2004.
Vamos brincar de ...
Quem não lembra com saudade das divertidas brincadeiras dos tempos de criança?
Alegrias, conflitos, tramas, personagens e cenários de um tempo que teima em permanecer
nos nossos corpos e mentes. Afinal, a criança que fomos não nos abandona e trazer tais
recordações para os dias de hoje, é a possibilidade de entendermos o brincar e suas
transformações na sociedade contemporânea. Perceber o brincar em seu caráter de
universalidade e sua singularidade e em sua conservação e mudança, para saber que, além
do prazer em si, o brincar pode ser entendido como pensamento, linguagem, construção de
conhecimento e elemento da cultura. E que por ser uma necessidade vital para a criança, o
brincar se constituiu em um direito inalienável para a construção de uma infância feliz e
saudável.
Conhecer sobre o brincar, saber os conceitos fundamentais de jogo, brinquedo,
brincadeira e cultura lúdica e discutir seus significados é fundamental para entender a
importância da brincadeira no desenvolvimento infantil a na história.
Pensar sobre como a brincadeira está contemplada nos planejamentos, na
organização do tempo e do espaço da educação infantil é necessariamente discutir sobre as
mediações e o papel do educador nesse contexto. Desafio de assumir papéis de observador
das crianças e de seu grupo, de organizar o espaço e os materiais onde a brincadeira
acontece, de propor brincadeiras, de ensinar outras possibilidades de brincar e também de
brincar junto.
E aí surge uma questão controvertida: se o brincar é uma atividade social
“espontânea” da criança, a brincadeira deve ser livre ou dirigida? E como quem trabalha
com educação trabalha com intencionalidade, a organização do planejamento deve
assegurar que as possibilidades de brincadeiras livres e dirigidas estejam contempladas para
enriquecer o brincar.
Afinal, se consideramos que a brincadeira é uma linguagem que a criança utiliza,
precisamos potencializá-la para conhecer a riqueza de seu universo e assegurar formas de
expressão dessa cultura lúdica que a criança constrói quando brinca.
Conhecer, apreciar e fazer arte
A arte faz parte de nossa vida? Onde a arte está presente no nosso cotidiano? Isso é
arte?
Discutir sobre essas questões da estética do cotidiano é um bom começo para entrar
nos campos conceituais da arte: criação, produção e fazer artístico; apreciação, percepção e
análise estética; e conhecimento, reflexão e contextualização histórico-cultural da produção
artístico-estético da humanidade na história da arte.
Fazer um breve passeio no tempo da história das artes visuais para apreciar algumas
obras mais significativas de conhecidos artistas e seus movimentos artísticos é fundamental
para identificar elementos dessa linguagem visual: a forma, a cor, a luz, a relação figura-
fundo, o ritmo, o movimento, a densidade, o ponto, o traço, a linha e tantos outros códigos
se quisermos entender “as artes de nossas crianças”.
E para entender os fazeres artísticos da criança, seus movimentos e seus percursos, é
necessário conhecer um pouco dessa trajetória e da evolutiva espiral do grafismo infantil:
exploração, ação e pesquisa + intenção e símbolo +organização e regra +poética pessoal.
Entender os movimentos da expressividade como aproximações e idas e vindas, pensar
materiais apropriados, tempo e espaço adequados para tal, inventar e propor novas relações,
sensibilizar para ampliar as referências, com rodas de conversa sobre as produções e
observação direta para enriquecer e ressignificar tais fazeres artísticos é fundamental para
desenvolver e enriquecer as linguagens visuais e isso exige uma prática educativa
intencional.
Para ampliar as possibilidades de pesquisa dessa linguagem não basta só o
conhecimento teórico nem só da história da arte, mas é fundamental que o educador
experimente para aprender a observar e desenvolver a sensibilidade do seu olhar. E isso é
tão importante quanto propiciar variações de propostas, materiais, técnicas e suportes;
organizar intervenções gráficas para ampliar o repertório e desconstruir estereótipos;
cuidar com as interpretações; buscar qualidade nas imagens trabalhadas; utilizar
reproduções para informar, encantar e provocar com as releituras; buscar uma estética dos
trabalhos e seus acabamentos que revele o percurso feito pela criança e pelo grupo em tal
produção e alimentar esse percurso com apreciações de obras de arte, visitas à galerias,
museus, exposições, etc. além de educar o olhar para a estética do cotidiano.
Momento de experimentação, a reação esperada e a surpresa: de expressões como
“eu não sei desenhar”, “desenhe do seu jeito” para “olha só como ficou”, “eu nunca tinha
desenhado com carvão”, “até que ficou legal”, “este auto-retrato está parecido comigo
mesmo”, “agora sei como as crianças se sentem”. Enfim, uma prática que revelou muitos
saberes. Entre tantos, que do caminho da resistência inicial a uma reflexão sobre os fazeres
e as produções infantis e nossas intervenções, precisamos pensar no que permitimos e
propiciamos e o que impedimos e cerceamos que as crianças façam nessa arte. É uma longa
e necessária discussão...

Quem canta seus males espanta


A música e a dança sempre fizeram parte da vida dos homens em sociedade como
expressão humana. Além disso, a música, o canto e a dança mexem com nossa
sensibilidade e a paisagem sonora nos envolve com seus sons, ritmos, ruídos, cantos,
gestos, danças de ontem e de hoje.
Conhecer para ampliar o repertório musical de crianças e professores e diversificar
sua fontes é fundamental para propiciar um rico ambiente sonoro. Músicas de outras
famílias, comunidades e culturas; diferentes gêneros e estilos musicais para além do que as
grandes mídias oferecem; músicas de diferentes qualidades: tradição cultural e folclore,
erudita e popular; músicas de diferentes épocas: renascentista, clássica e contemporânea;
diferentes formas musicais: sinfonia, orquestra, samba-enredo, hino, rock, jazz, blues, rap,
funk, sertaneja, etc.; música de diferentes compositores populares e eruditos. E por que não
a nossa música?
Tocar e brincar com instrumentos musicais, ainda que seja da “bandinha”, para
cantar, tocar e dançar uma “Ciranda de Pernambuco”, pode ter sido a senha para
desmistificar a construção do gosto musical. Se não existe música inadequada ou
inacessível quando se respeita as condições de aprendizagens de crianças e professores, em
se tratando de um processo educativo de formação desses sujeitos, gosto se discute sim,
pois entendemos que nesse espaço se discute possibilidades pedagógicas e culturais e nessa
perspectiva, ampliar tais possibilidades é o que se pretende quando se trabalha com as
linguagens da arte.
Narrativas e a arte de ouvir e contar histórias
Era uma vez... O que será que acontece com a criança quando ouve uma história?
Quem não se lembra das histórias que ouvia quando criança? Escutar histórias é o início de
uma aprendizagem para ser leitor e ser leitor significa ter um caminho de descobertas e de
compreensão do mundo absolutamente infinito.
A narrativa tem uma importância fundamental na formação de crianças, pelos
significados das histórias em si e pela potencial formação de leitores, escritores e
narradores. Significados tão plurais desta forma de linguagem onde a oralidade, através da
sonoridade das palavras, seus ritmos e suas pausas estão impregnados de sentidos vão
construindo imaginários, descobertas, emoções e conhecimentos.
Contar e ouvir histórias é a possibilidade de imaginar a partir da palavra, palavra
que cria imaginação, que é a matéria prima das brincadeiras e dos contos. Contos que
revelam partilha e trocas simbólicas através de seus repertórios e gêneros que se
diversificam em contos de fadas, contos maravilhosos, contos de humor, terror, fábulas,
mitos, lendas e histórias de vida.
Narrações de histórias que além de seus conteúdos desafiam pelos jeitos de contar.
E aqui uma inquietação que surge: quais as diferenças de ler e contar histórias para
crianças? Desafio de perceber que são dimensões diferentes de um trabalho tão necessário
com as histórias e enfatizar uma prática não significa prescindir da outra. É uma questão
bastante complexa que precisa ser discutida. Importante entender que vivemos num mundo
visual cada vez mais repleto de estímulo de imagens e estamos perdendo a capacidade de
imaginar a partir da palavra. Neste sentido, a prática de contar e ouvir histórias recupera um
pouco de tal capacidade mediada pela experiência da tradição oral e seus conteúdos
simbólicos e imaginários recorrentes, enquanto que as “histórias da literatura escrita”
implicam um trabalho mais sofisticado com a forma e para garantir que o estilo de cada
escritor seja respeitado é necessário que a história seja lida. Portanto, é fundamental
assegurar que histórias contadas e lidas estejam presentes no cotidiano infantil.
Se “quem conta um conto aumenta um ponto”, não existe um jeito único de contar e
é necessário discutir os diferentes jeitos de cada contador e isso implica pensar nos recursos
do narrador: sua intenção, seus objetivos, seu grupo, seu preparo e sua pesquisa. Gostar de
história é um bom começo, ter uma bela história para contar é conseqüência: fazer um
mergulho na história e ter as imagens mentais das cenas, personagens, detalhes e
expressões; contar com pausa e dar o tempo para as crianças imaginarem; criar uma
sintonia entre olho, gesto, mão, voz e respiração que pode estar em sintonia com a
preparação do ambiente onde acontece a história para experimentar a arte de ouvir e contar
histórias.

O fim do começo
E assim, a história dessas oficinas vai chegando ao fim. Esse foi o enredo contado
nos diferentes grupos de formação. Cada um com suas histórias, seus cenários,
personagens, significados, e suas inquietações e problematizações. Enfim, cada um
compartilhando suas experiências, leituras, linguagens e interpretações na esperança de
contribuir com construção de histórias de uma infância mais feliz e saudável.

Referencias Bibliográficas utilizadas na oficina


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BENJAMIN, W. Reflexões: a criança, o brinquedo e a educação. S. P., Summus, 1984.
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CANTON, K. Arte conta histórias. (coleção) São Paulo, Difusão Cultural do Livro,1996.
CALVINO, I. Seis propostas para o próximo milênio. S. P., Companhia das Letras,1990.
CAVALCANTI, Z. A arte na sala de aula. Porto Alegre, Artes Médicas, 1995.
DERDYK, E. Formas de pensar o desenho. São Paulo, Scipione, 1989.
EDWARDS, C. (org.). As cem linguagens da criança. Porto Alegre, Artes Médicas,1999.
FANTIN, M. No mundo da brincadeira - jogo, brinquedo e cultura na educação infantil.
Florianópolis, Cidade Futura, 2000.
FREIRE, M. Avaliação e Planejamento: a prática educativa em questão. SP, Publicações
do Espaço Pedagógico,1997.
GARDNER, H. As artes e o desenvolvimento humano. Porto Alegre: Artes Médicas,1997.
MARTINS, M. C. (org) Didática do ensino de arte: a língua do mundo: poetizar, fruir e
conhecer arte. SP, FTD,1998.
PIAGET, J. A formação do símbolo na criança. 3. ed. Rio de Janeiro, Zahar Editores,1978.
PRIETO, H. Quer ouvir uma história? São Paulo, editora Angra,1999.
MIRÓ, J. A cor dos meus sonhos: entrevistas com Georges Raillard. 2.ed. São Paulo,
Edição Liberdade, 1990.
VYGOTSKY, L. S. Imaginación y el arte en la infancia. Hispanicas,1987.

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