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Princípios de uma política conservadora

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 27 de junho de 2011

Estes princípios não são regras a ser seguidas na política prática. São um conjunto de
critérios de reconhecimento para você distinguir, quando ouve um político, se está
diante de um conservador, de um revolucionário ou de um “liberal”, no sentido
brasileiro do termo hoje em dia (que é uma indecisa mistura dos dois anteriores).

1. Ninguém é dono do futuro. “O futuro pertence a nós” é um verso do hino da


Juventude Hitlerista. É a essência da mentalidade revolucionária. Um conservador fala
em nome da experiência passada acumulada no presente. O revolucionário fala em
nome de um futuro hipotético cuja autoridade de tribunal de última instância ele
acredita representar no presente, mesmo quando nada sabe desse futuro e não consegue
descrevê-lo senão por meio de louvores genéricos a algo que ele não tem a menor idéia
do que seja. Quando o ex-presidente Lula dizia “Não sabemos qual tipo de socialismo
queremos”, ele presumia saber (1) que o socialismo é o futuro brilhante e inevitável da
História, quando a experiência nos mostra que é na verdade um passado sangrento com
um legado de mais de cem milhões de mortos; (2) que ele e seus cúmplices têm o direito
de nos conduzir a uma repetição dessa experiência, sem outra garantia de que ela será
menos mortífera do que a anterior exceto a promessa verbal saída da boca de alguém
que, ao mesmo tempo, confessa não saber para onde nos leva. A mentalidade
revolucionária é uma mistura de presunção psicótica e irresponsabilidade criminosa.

2. Cada geração tem o direito de escolher o que lhe convém. Isto implica que nenhuma
geração tem o direito de comprometer as subseqüentes em escolhas drásticas cujos
efeitos quase certamente maléficos não poderão ser revertidos jamais ou só poderão sê-
lo mediante o sacrifício de muitas gerações. O povo tem, por definição, o direito de
experimentar e de aprender com a experiência, mas, por isso mesmo, não tem o direito
de usar seus filhos e netos como cobaias de experiências temerárias.
3. Nenhum governo tem o direito de fazer algo que o governo seguinte não possa
desfazer. É um corolário incontornável do princípio anterior. As eleições periódicas não
fariam o menor sentido se cada governo eleito não tivesse o direito e a possibilidade de
corrigir os erros dos governos anteriores. A democracia é, portanto, essencialmente
hostil a qualquer projeto de mudança profunda e irreversível da ordem social, por pior
que esta seja em determinado momento. Nenhuma ordem social gerada pelo decurso
dos séculos é tão ruim quanto uma nova ordem imposta por uma elite iluminada que se
crê, sem razão, detentora do único futuro desejável. No curso dos três últimos séculos
não houve um só experimento revolucionário que não resultasse em destruição,
morticínio, guerras e miséria generalizada. Não se vê como os experimentos futuros
possam ser diferentes.

4. Nenhuma proposta revolucionária é digna de ser debatida como alternativa


respeitável num quadro político democrático. A revogabilidade das medidas de governo
é um princípio incontornável da democracia, e toda proposta revolucionária, por
definição, nega esse princípio pela base. É impossível colocar em prática qualquer
proposta revolucionária sem a concentração do poder e sem a exclusão, ostensiva ou
camuflada, de toda proposta alternativa. Não se pode discutir alternativas com base na
proibição de alternativas.

5. A democracia é o oposto da política revolucionária. A democracia é o governo das


tentativas experimentais, sempre revogáveis e de curto prazo. A proposta revolucionária
é necessariamente irreversível e de longo prazo. A rigor, toda proposta revolucionária
visa a transformar, não somente uma sociedade em particular, mas a Terra inteira e a
própria natureza humana. É impossível discutir democraticamente com alguém que não
respeita sequer a natureza do interlocutor, vendo nela somente a matéria provisória da
humanidade futura. É estúpido acreditar que comunistas, socialistas, fascistas,
eurasianos e tutti quanti possam integrar-se pacificamente na convivência democrática
com facções políticas infinitamente menos ambiciosas. Será sempre a convivência
democrática do lobo com o cordeiro.
6. A total erradicação da mentalidade revolucionária é a condição essencial para a
sobrevivência da liberdade no mundo. A mentalidade revolucionária não é um traço
permanente da natureza humana. Teve uma origem histórica – por volta do século
XVIII – e terá quase certamente um fim. O período do seu apogeu, o século XX, foi o
mais violento, o mais homicida de toda a História humana, superando, em número de
vítimas inocentes, todas as guerras, epidemias, terremotos e catástrofes naturais de toda
ordem observadas desde o início dos tempos. Não há exagero nenhum em dizer que a
mentalidade revolucionária é o maior flagelo que já se abateu sobre a humanidade. É
uma questão de números e não de opinião. Recusar-se a enxergar isso é ser um monstro
de insensibilidade. Toda política que não se volte à completa erradicação da
mentalidade revolucionária, da maneira mais candente e explícita possível, é uma
desconversa criminosa e inaceitável, por mais que adorne sua omissão com belos
pretextos democráticos, libertários, religiosos, moralísticos, igualitários, etc.

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