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O livro “A independência do solo que habitamos: poder, autonomia e cultura política na

construção do império brasileiro, Sergipe (1750-1831)1” com a história que antecede e


sucede o 8 de julho

Larissa Barreto Santos 2

A emancipação política de Sergipe é comemorada ainda no tempo presente, por


isso o dia 8 de julho é feriado em todo o território sergipano e neste ano de 2020
contam-se 200 anos de separação da Bahia. O processo de independência local
aconteceu em um momento conturbado da história brasileira e tanto acompanhou como
sofreu interferência dos maiores acontecimentos de impacto nacional como a chegada
da corte, a Revolução do Porto e o processo de Independência do Brasil principalmente.

Ao promover os esclarecimentos acerca da conturbada trajetória da emancipação


de Sergipe a publicação da professora Edna Maria Matos 3 é o referencial mais recente e
completo que intitulado “A independência do solo que habitamos: poder, autonomia e
cultura política na construção do império brasileiro, Sergipe (1750-1831)” aborda desde
as medidas coloniais do período pombalino até o desenrolar das disputas de poder entre
as elites sergipanas após a Independência do Brasil.

O livro foi publicado em 2012 pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de


Mesquita Filho” (UNESP) com seu conteúdo dividido entre agradecimento, sumário,
introdução, cincos capítulos, considerações finais e as referências bibliográficas. Para o
seu desenvolvimento a autora adotou a perspectiva da História Política Renovada e
fontes documentais variadas com destaque para cartas, ofícios e representações trocadas
entre Sergipe, Rio de Janeiro e Bahia, por isso seus locais de busca foram as instituições
públicas que salvaguardam documentos históricos nesses estados e como importante
adicional também contou com memórias deixadas por indivíduos da época.

O desenvolvimento do conteúdo é separado por capítulos, mas nesta resenha


será apresentado apenas um panorama geral do escrito com o intuito de ser informativo

1
ANTÔNIO, Edna Maria Matos. A independência do solo que habitamos: poder, autonomia e
cultura política na construção do império brasileiro, Sergipe (1750-1831). São Paulo: Cultura
Acadêmica, 2012.
2
Estudante de graduação em História na Universidade Federal de Sergipe.
3
Professora adjunto na Universidade Federal de Sergipe.
acerca da história sergipana e brasileira através do recorte da autora que abrange os
fatos ocorridos entre os anos de 1750 a 1831.

O ponto de partida do livro é a segunda metade do século XVIII quando, graças


ao projeto de desenvolvimento pombalino, a capitania de Sergipe Del Rey vivia o
desenvolvimento de sua agricultura, sobretudo de algodão, tabaco e arroz, e da
mercantilização dos seus produtos como as outras capitanias do Norte 4. Vigorava na
colônia o processo de organização que resultou na transferência da sede administrativa,
deixando em 1773 de ser na Bahia para se firmar no Rio de Janeiro, a partir desse
momento é notável como as movimentações no cenário baiano interferiam em Sergipe.

Após a transferência emergiu o descontentamento das lideranças baianas pela


perda de status que recaiu sobre seu território, por isso, na intenção de agraciar a
capitania e não deixar espaço para movimentos oposicionistas o território sergipano foi
anexado à Bahia pela coroa e a capitania de Sergipe Del Rey foi rebaixada ao status de
comarca. Essa mudança concedeu à administração em Salvador direitos de ordem
política e econômica sobre as produções nas lavouras sergipanas, principalmente no
cenário de impostos que rendeu muitos lucros, cenário que só iria mudar com a chegada
da coroa ao Brasil.

Dessa forma, é em 1808 que chega D. João VI e seguem-se novos planos de


organização administrativa do território que foi elevado a reino. A política joanina
centralizou ainda mais o poder no Rio de Janeiro, nada favorável às capitanias do Norte
que nove anos depois serão palco para a Revolução Pernambucana, também entendida
como um levante militar regionalista, de caráter republicano e separatista acontecido em
1817.

O movimento revolucionário foi fruto da insatisfação dos colonos diante da


política joanina e resistiu por 72 dias, curto período em que foi alvo de grande
repressão, discordâncias internas e falha na conquista de aliados. O fim do conflito
rendeu estratégias de fortalecimento da monarquia, para a manutenção de seus aliados
D. João concedeu a emancipação política a locais como Sergipe, que se manteve fiel à
causa do rei e foi elevada a capitania em 8 de julho de 1820.

Os ânimos poderiam ter sido acalmados, mas não foi o que aconteceu já que se
seguiam as demonstrações de poder centralizador por parte do rei afetando diretamente
4
Região que compreendia, com alguma semelhança, as áreas que hoje se intitulam Norte e Nordeste.
a autonomia na Bahia e de outras grandes capitanias como a do Pará. Eis que eclode em
Portugal a Revolução do Porto, também conhecida como Vintismo ainda em 1820, que
encontra maiores aliados exatamente na região Norte, onde as lideranças enxergaram a
oportunidade de reduzir o poder central emanado do Rio de Janeiro.

Em Sergipe, recém independente, é esperado o governador nomeado, Carlos


César Burlamaqui que chegou à capitania em 1821 recebido por cartas que indicavam a
tentativa de interferência vindas da Bahia para que o próprio não tomasse posse e para
que a região se juntasse a causa do constitucionalismo formando uma junta. Fiel ao rei,
Burlamaqui recusa as ordens e afirma só atuar conforme o rei orientasse, além disso
proíbe que seja discutido por Sergipe qualquer assunto relativo à Constituição ou ao
liberalismo. Seu governo dura penas 28 dias.

O governador é capturado em março de 1821 quando as tropas chegam em São


Cristóvão, a essa altura D. João e o príncipe já haviam jurado à Constituição e cedido às
tropas portuguesas, em seguida o poder é tomado pela força militar da Bahia e Sergipe é
novamente anexada para que seja subordinada. Para o governo é nomeado Pedro Vieira
de Melo, aliado da Bahia, aquele que promoveu a difusão do pensamento liberal desde o
ambiente político ao religioso.

D. João volta então para Portugal atendendo às exigências do movimento


vintista deixando D. Pedro I para governar o Brasil, o que não foi aceito pela nova
ordem constitucional. No cenário nacional, agora com exigências vindas dos líderes
lusitanos a conjuntura não era favorável nem para o Norte que continuava sob domínio
rigoroso das articulações portuguesas nem para o Sudeste que teve seu desenvolvimento
limitado com a redução de poder no Rio de Janeiro.

Consequentemente acirram-se as disputas entre as lideranças que apoiam a


intervenção lusitana e as que pretendem se livrar do governo abusivo, enquanto D.
Pedro encontra aliados principalmente no Sul para o seu projeto de Independência e
permanência em território brasileiro. Logo que consegue entrar em acordo com a
maioria das comarcas, o futuro imperador dá início ao processo de independência e
aciona apoio bélico para controlar os conflitos nortistas, para isso é enviado o general
francês Pedro Labatut.
A caminho da Bahia, Labatut modifica o cenário sergipano com o Exército
Pacificador5 deixando todo o território em conformidade com as ordens de D. Pedro, sua
atuação foi violenta e desmedida. Nesse cenário Vieira de Melo perdera espaço no
poder, no seu lugar foi formada uma junta que logo encaminhou correspondência ao
príncipe para que fosse reconhecida a independência de Sergipe, formada por lideranças
locais, a junta sergipana foi desfeita por Labatut, mas após recebida a resposta de D.
Pedro com o reconhecimento da emancipação de Sergipe foi refeita.

A caminho de se tornar uma província atuante no cenário imperial e após


acalmados os conflitos na Bahia, a junta sergipana iniciou o processo de organização
administrativa. As articulações não foram simples e livres de conflitos tanto no que se
refere às relações locais quanto na relação entre Sergipe e as ordens de D. Pedro, com
sua liberdade resguardada o governo sergipano seguiu independente fazendo parte de
todos os conflitos que contornaram o primeiro reinado.

Diante de um resumo amplo da obra pode-se afirmar a intenção da autora em


demonstrar como os desdobramentos políticos em Sergipe, durante os séculos XVIII e
XIX, estiveram diretamente ligados a sua relação de poder com a Bahia que foi
protagonista em episódios que exigiram interferência do poder central. Dessa forma, os
conturbados anos 20 do século XIX ambientaram as rápidas mudanças no governo do
Brasil que refletiram: a) na emancipação política de Sergipe por ordens de D. João VI
em 1820; b) na perda de sua independência após a revolução constitucionalista e
intervenção da Bahia; c) no reconhecimento de sua emancipação por D. Pedro I após a
Independência do Brasil.

O livro é repleto de detalhes acerca de todo esse período político em Sergipe e


apesar de ser voltado para a comunidade acadêmica pode, e deve, ser aproveitado como
parte da renovação da produção historiográfica sergipana, bem como do ensino da
história do estado que permanece em segundo plano na maioria das instituições de
ensino. Já é sabido a importância das datas para a valorização da sergipanidade e aliado
a isso novas publicações têm sido feitas a caminho de consolidar cada vez mais a
história do povo sergipano.

5
Tropas que combateram as forças portuguesas estacionadas em Salvador.

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