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LEO AVERSA
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CULTURALEO AVERSA

A invasão dos playboys ciclistas


Assim como um estivador observando uma aula de crossfit, imagino o espanto que sua
passagem deve causar nos entregadores do bairro
05/10/2021 - 04:30

Ciclistas Foto: Daniel Marenco


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O primeiro choque é estético: para que tantas cores? Fico imaginando se quem
inventou esse figurino teve um um AVC na hora de escolher os tons. Parecem araras
desenhadas pelo Romero Britto para um anúncio da Suvinil. O segundo choque é
físico mesmo, já que eles raramente se importam com sinais fechados.

Dizem que esse colorido todo é para chamar a atenção dos motoristas. Alguém deve
explicar aos praticantes que não é que o chofer do ônibus, por exemplo, não os veja:
é que ele simplesmente não se importa. Aqui é Rio de Janeiro. Sua única
preocupação é se o atropelamento amassou a lataria ou se vai perder algum ponto
na carteira pelo acidente. Esclarecido isso, vamos enfim ao tema desta coluna.

O ciclista gourmet, o playboy de duas rodas.

Não se trata de um solitário: anda em grupo, junto aos tiozões fitness, aqueles que
trocaram as bermudas cargo bege pelas de lycra preta — como faz para desver isso?
— e as louras wellness, aquelas moças magras de cabelo louro e liso que de tão
semelhantes entre si parecem clones.

O que quer essa gente?

Sua meta é transformar um veículo simples e básico num item exclusivo e


diferenciado. O ciclista playboy não conhece limite para a ostentação. Aproveita
qualquer atividade para tentar deslumbrar as louras wellness e tirar onda com os
tiozões fitness. Então tome meias que custam três dígitos, capacete de quatro e
bicicleta de cinco. É o que considera indispensável para seu treino.

Aí é que entra o meu ranço.

Se o objetivo é fazer gastar energia, não seria mais adequado uma Caloi Barra Forte
ou uma Monark Barra Circular? Dessas de ferro, que pesam uma tonelada, em que
você gasta mil calorias só para regular o banco. A bicicleta de cinco dígitos é leve
como uma pluma e exige muito menos empenho para pedalar, mas a pessoa não
entrou nessa exatamente pelo esforço? Sou um ser raso e de pouca fé, então
bicicletas que não exigem esforço para pedalar é algo que não entendo, igual a
pessoas que pegam o carro para ir à academia fazer esteira.

Uma característica marcante do playboy é a falta de autocrítica, afinal trata-se de


uma pessoa que acha que ser chamado de playboy é elogio. Em nenhum momento
vai considerar estranho estar vestido como um carro alegórico ou ter gastado uma
fortuna pornográfica numa simples bicicleta. Assim como um estivador observando
uma aula de crossfit, imagino o espanto que sua passagem deve causar nos
entregadores do bairro. O playboy sempre causa, mas não pelos motivos que
imagina.

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Chego ao último ponto, se o leitor teve a paciência de me acompanhar até aqui: a


cara que o ciclista gourmet faz ao pedalar sua bicicleta premium. Repare quando ele
passar na sua rua: uma expressão fechada, tensa, como se estivesse pilotando uma
nave espacial. Ele está passeando — desculpem, treinando — numa manhã de sol no
Rio e fica com cara de quem tá atravessando uma nuvem de poeira em Ribeirão
Preto. Se é tão tenso como sua cara mostra e se o objetivo é fazer o máximo de
esforço, não é melhor ganhar um trocado com isso? Podia aproveitar para fazer uma
entrega de iFood ou levar documentos para a firma. Quem sabe um carreto para a
loja de ferragens?

Isso sim ia impressionar as louras wellness e matar de inveja os tiozões fitness.

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