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Scholem Aleichem:
uma vanguarda pedagógica
Vinte e cinco anos depois de encerrar suas atividades, o pioneiro Ginásio
Israelita Brasileiro Scholem Aleichem mantém-se como referência para
centenas de ex-alunos e profissionais da educação. Por Lilian Starobinas
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Universalismo X Sionismo
A glorificação do ídiche e a notável
ausência da língua hebraica ajudam a
entender, por outro lado, o que levou à
fundação de mais uma escola judaica na
cidade de São Paulo. Recém criado o
Estado de Israel, era intenso o debate
sobre a adesão às posições sionistas, e o
Scholem diferenciava-se pelo questiona-
mento desse modelo. Há registros de cele-
bração do 29 de Novembro, dia em que se No alto, cena de rua no Bom Retiro, em frente ao prédio do Instituto Cultural Israelita
votou na onu a criação do Estado, e o hino Brasileiro: aplicação à realidade brasileira da tradição judaica de justiça social foi um dos
de Israel era cantado em várias progra- pilares ideológicos do Scholem. Acima, Jacob Frydman em apresentação artística, tendo ao
mações. No entanto, outros conteúdos asso- fundo um retrato do escritor Scholem Aleichem, entre as bandeiras de Israel e do Brasil
ciados à educação sionista, como conheci-
mento da geografia e valores patrióticos, de vida. O ideal do novo homem judeu, comunidade judaica de São Paulo foi se
história do sionismo e literatura hebraica, ligado ao trabalho no campo, ao vigor aproximando cada vez mais da orientação
não tinham lugar numa escola que tinha físico, à capacidade de autodefesa, habi- sionista”, afirma Max Altman, presidente
por ideal formar judeus universalistas. tante da terra de seus ancestrais bíblicos e da escola entre 1968 e 1980. “A Casa do
O posicionamento da Casa do Povo em falante da língua hebraica, estava distante Povo, com suas posições críticas, tornou-se
relação a Israel oscilou em diversos dos valores e da auto-imagem que os cria- uma voz isolada na política comunitária. O
momentos, ao sabor do contexto político dores da escola tinham de si. Por outro Scholem não obtinha nenhum apoio
internacional. Em nenhum momento lado, a Guerra Fria contribuía para inten- material por parte das demais instituições.”
aproximou-se de aprovar a alternativa de sificar as cisões entre os judeus progres-
um “Lar Nacional Judaico” como único sistas e a comunidade, dadas a forte Vanguarda pedagógica
caminho para a vida judaica. As críticas às influência soviética neste grupo e a apro- Em meio a esses e outros conflitos, o
posturas sionistas reagiam, em parte, à ximação cada vez mais intensa entre os Scholem destacava-se como espaço de
negação do judeu da Diáspora e seu modo Estados Unidos e o Estado de Israel. “A experimentação educacional, inovando
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também povoava a rotina das crianças: Um lugar para a utopia O alto custo do projeto, detalhista na
se o tema era “animais”, traziam-se Todo esse clima de trabalho coletivo e o variedade de profissionais que incluía,
fotos, traziam-se bichos, verificavam-se diálogo permanente com a produção demandava um aporte financeiro que a
hábitos e características das diferentes cultural reforçavam o contraponto ao escola nunca logrou. Uma política de
espécies, visitava-se o zoológico. Um baú nacionalismo incondicional propagado concessão de bolsas bastante generosa,
de fantasias que circulava entre as pela ditadura militar a partir 1964. por outro lado, dificultava ainda mais o
classes e os muitos pneus espalhados pelo Educar praticando internamente a liber- balanceamento dessa equação.
pátio compunham este cenário, onde dade de expressão e estimulando o pensa- O êxodo do Bom Retiro levou muitas
brincar era a ocupação principal dos mento crítico confirmava a coerência da famílias a transferirem seus filhos para
pequenos alunos. escola com suas raízes progressistas, e escolas em suas novas vizinhanças. Um
pavimentava a formação desses jovens certo esvaziamento ideológico das
A educação pelas linguagens artísticas para uma participação consciente na vida gerações de filhos de imigrantes também
A agitação cultural da Casa do Povo política do país. reduziu a procura por aquela proposta tão
chegava até o Scholem, fosse pelas intensas definida politicamente.
atividades do grêmio, fosse por convites A qualidade educacional do Scholem
dos profissionais da escola. Novos Baianos, se manteve até o final. Foi um apagar de
Belchior, Renato Teixeira foram alguns dos
A cultura ídiche estava luzes doloroso e traumático para os envol-
que se apresentaram na escola. “O Caetano presente nas casas e nas vidos. Após os 25 anos que nos separam
Veloso também veio conversar com os daquela data, o Scholem se mantém vivo
alunos do pré e foi lá em cima no 3º andar
ruas do Bom Retiro. nas pessoas que de alguma forma partici-
cantar com as crianças”, conta dona Ilina Gerações de imigrantes param dessa experiência: professores,
Ortega, professora de música. Ensinando alunos, diretores, pais. O legado de uma
música ídiche e folclore brasileiro, inves-
mantinham o idioma na vanguarda pedagógica não se perdeu. Os
tindo na iniciação musical e na concen- educação de seus filhos, caminhos abertos por tantos idealistas e
tração das bandinhas e dos corais, dona entusiastas ligados à Casa do Povo inspi-
Ilina é uma unanimidade entre seus
na comunicação com raram novas sendas, em busca de uma
alunos, alguns dos quais se destacaram parentes no exterior educação de qualidade no Brasil. Voltar os
mais tarde como músicos. olhos para estas histórias, recuperando a
O teatro era outro dos grandes trunfos, herança afetiva e desvelando a compe-
na esteira da tradição dos grupos profis- “Muitos pais e membros da mantenedora tência educacional, com iniciativas como
sionais e amadores em língua ídiche. A da escola eram militantes dos movimentos a que desenvolve agora o Grupo Memória
encenação dos contos de Scholem de esquerda e foram perseguidos pela dita- Scholem, é uma forma de compreender
Aleichem e outros autores era uma estra- dura”, afirma Max Altman. “Muitos filhos de melhor o diferencial desta escola que
tégia eficaz para popularizar esses textos militantes, não judeus, tiveram acolhida tantas raízes deixou
entre os alunos. “Ética, cultura e humor são no Scholem, permitindo que recebessem
os principais legados da escola”, opina uma educação de alta qualidade e condi- A experiência pedagógica e cultural do Scholem será
Tatiana Belinky, que colaborou nas apre- zente com os valores políticos de suas tema do seminário Vanguarda Pedagógica: o legado
sentações dos primeiros tempos como famílias.” Esta convivência entre judeus e do Ginásio Israelita Brasileiro Scholem Aleichem, no
autora ou diretora. Obras de autores como não-judeus, brancos e negros e também próximo dia 21 de outubro, das 9h às 18h, no Centro da
Brecht, Shakespeare, João Cabral de Melo índios contribuía para um cotidiano Cultura Judaica, uma realização do Grupo Memória
Neto e Ariano Suassuna foram montadas escolar que incorporava as diferenças Scholem. A programação, voltada para profissionais da
pelas turmas, além de composições lite- dentro da sala de aula com naturalidade. área de educação, pesquisadores e estudantes, ex-alunos,
rárias das próprias crianças. A força do Mas a fama de “escola dos vermelhos” docentes e voluntários, e público em geral, abordará os
teatro aliava o trabalho de profissionais não fazia jus a todas as famílias que matricu- seguintes temas:
como Naum Alves de Souza, Isa Kopelman, lavam as crianças no Scholem. “Tinha meus Scholem Aleichem: uma escola progressista
Mira Haar, Raimundo Matos e Eduardo quatro filhos aqui e não era comunista”, Fundamentos de uma vanguarda pedagógica
Amos, entre outros, com a visão de que contou Tânia Furman, em depoimento de Linguagens e educação: o papel das artes
havia muito a aprender no ato de repre- 1999. “Escolhi uma excelente escola.” Mosaico das memórias: histórias marcantes
sentar. “Tive uma formação maravilhosa A entrada é franca.
no Scholem”, conta a atriz Débora Olivieri, Sobrevive a memória Inscrições pelo telefone 3227 4015, das 14h às 17h.
“era tudo muito abrangente, muito intenso, São muitas as conjecturas sobre os
com experiências que não ficavam só nos motivos que levaram ao fechamento do Lilian Starobinas é mestre em História
livros. Aprendi tudo de uma maneira Scholem em 1981, apesar dessa memória Social e doutoranda em Educação na Univer-
muito aberta, com muita troca. As aulas festejada e de tantos feitos concretos. A sidade de São Paulo. Colaboraram Cássio
de português, a feira de ciências, no fundo, aliança de vários fatores levou à inviabili- Schubsky, Gisele Kolber K. Hamadani e
tudo era uma forma de representação.” dade da manutenção da escola. Daisy Perelmutter
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