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n. 21 2o semestre 2006
Política Editorial
A Revista Gragoatá tem como objetivo a divulgação nacional e internacional
de ensaios inéditos, de traduções de ensaios e resenhas de obras que representem
contribuições relevantes tanto para reflexão teórica mais ampla quanto para a
análise de questões, procedimentos e métodos específicos nas áreas de Língua e
Literatura.
ISSN 1413-9073
É proibida a reprodução total ou parcial desta obra sem autorização expressa da Editora.
Projeto gráfico: Estilo & Design Editoração Eletrônica Ltda. ME
Capa: Rogério Martins
Revisão: Mariangela Rios de Oliveira e Jussara Abraçado
Normalização: Caroline Brito de Oliveira
Editoração: José Luiz Stalleiken Martins
Supervisão Gráfica Káthia M. P. Macedo
Coordenação editorial: Ricardo Borges
Periodicidade: Semestral
Tiragem: 500 exemplares
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação
G737 Gragoatá. Publicação do Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade
Federal Fluminense.— n. 1 (jul./dez. 1996) - . — Niterói : EdUFF, 1996 – v.17 : il. ;
26 cm.
Semestral
ISSN 1413-9073.
1. Literatura. 2. Lingüística.I. Universidade Federal Fluminense. Programa de
Pós-Graduação em Letras.
CDD 800
Sumário
Apresentação .................................................................................... 5
ARTIGOS
Resumo
Este trabalho consiste em uma análise da ordena-
ção que caracteriza os advérbios qualitativos em
-mente, em cartas escritas no Brasil nos séculos
XVIII e XIX. O objetivo é demonstrar o gradual
desaparecimento, que se dá do século XVIII para
o século XIX, da tendência que esses advérbios
possuem de se colocar antes do verbo, já detectada
em fases anteriores da evolução do português.
Palavras-chave: advérbio, ordenação, gramati-
calização, mudança lingüística.
6
a) Advérbio + Verbo (AV)
Dispon ível em:
<http://estacaodaluz. (5) ... porem nossa consciencia tranquilla nos affiança de
org.br >. | não termos offendido o melindre, e nosso correspondente |
7
X é qualquer elemento parataxe > hipotaxe > subordinação
lingüístico que ocorra -dependente +dependente +dependente
entre o advérbio e o ver-
bo, como um elemento -encaixada -encaixada +encaixada
de natureza argumental
ou outro advérbio.
8
As hipotáticas incluem Isso significa que as cláusulas subordinadas são mais gra-
as tradicionalmente cha
madas subordinadas maticalizadas do que as hipotáticas, por apresentarem níveis
adverbiais e adjetivas
explicativas.
maiores de dependência e encaixamento. Do mesmo modo,
Conclusão
Foram muito poucos os dados encontrados nos corpora ana-
lisados, em função do fato de que, de um modo geral, advérbios
qualitativos são, de fato, pouco usados no discurso escrito – as-
sim como no falado. Isso, obviamente, impede que se chegue a
conclusões mais definitivas acerca das tendências de ordenação
dos qualitativos em -mente nos textos observados. Entretanto, é
possível vislumbrar, entre esses poucos dados, algumas regu-
laridades interessantes, sobretudo quando essas regularidades
são localizadas dentro de um processo de mudança mais geral,
observado em outras pesquisas referentes à ordenação de qua-
litativos, feitas com base em outros corpora e em outros estágios
da evolução do português.
Como foi dito anteriormente, embora este trabalho focalize
os séculos XVIII e XIX, busca-se aqui observar um processo de
mudança mais amplo, que compreende o período de tempo en-
tre o latim e o português atual. Durante esse período de tempo,
ocorreu uma trajetória de mudança gradual, através da qual
os advérbios qualitativos passam progressivamente da posição
pré-verbal para a pós-verbal. Tudo indica que essa mudança se
inicia nas cláusulas menos gramaticalizadas e vai passando,
em seguida, para as mais gramaticalizadas, que são mais con-
servadoras, por apresentarem graus maiores de cristalização
e, conseqüentemente, graus maiores de pressuposicionalidade
(GIVÓN, 1979).
Os poucos dados coletados nos textos dos XVIII e XIX,
que estão no meio desse processo, ratificaram essa hipótese.
Nos dois séculos observados foi encontrada, por exemplo, uma
quantidade maior de ocorrências pré-verbais do que é comum
nos português atual, em que a pós-posição é praticamente cate-
górica. Além disso, nota-se que o século XVIII apresentou mais
essas ocorrências do que o XIX, o que aponta para essa mudança
gradual.
Outro resultado interessante pode ser visto no fato de que
as ocorrências de qualitativos em -mente em posição pré-verbal
tenderão a aparecer em cláusulas com graus maiores de grama-
ticalização em ambos os séculos analisados. Isso era esperado
com base na proposta de Givón (1979), segundo a qual essas
cláusulas são mais conservadoras em termos de ordenação, o
que significa que elas tendem a preservar a antiga colocação
pré-verbal latina.
Cabe ressaltar também o aumento percentual do século
XVIII para o XIX das ocorrências pré-verbais em cláusulas gra-
maticalizadas. Isso evidencia a mudança desses advérbios para
as posições pós-verbais, já que a anteposição fica praticamente
restrita, no século XIX, às cláusulas com alto grau de gramati-
calização, mais conservadoras em termos de ordenação.
Abstract
This paper consists of an analysis of the word or-
der change that characterizes the uses of manner
adverbs formed with the suffix -mente in letters
written in Brazil in the 18th century and in the
19th century. The analysis aims to show, within
this period of time, the gradual disappearance of
the tendency of these adverbs of occurring in pre-
verbal positions, which had already been detected
in the early historical evolution of Portuguese.
Keywords: adverb, word order, grammaticali-
zation, linguistic change.
Referências
Resumo
análise da estrutura argumental de construções
deverbais com o sufixo -dor, com o objetivo de
depreender em que medida o caso ‘Agente’ nelas
se manifesta, considerando a interação entre as
propriedades morfossintáticas, semânticas e prag-
máticas dessas formações derivadas. Assume-se
como pressuposto que há um paralelismo entre a
categorização conceptual e a categorização lingüís
tica. A análise se baseia na utilização concreta da
língua pelo falante.
Palavras-chave: construções deverbais; estrutu-
ra argumental; agentividade.
1. Introdução
Este trabalho, inserido no domínio da lingüística funcional
norte-americana, segue a linha de investigação que vem sendo
desenvolvida por Givón, Hopper, Thompson, Bybee, Goldberg,
Du Bois, entre outros. Apresenta resultados preliminares de uma
pesquisa, cujo objetivo é examinar os processos de interação
entre propriedades morfossintáticas, semânticas e pragmáticas,
visando ao estabelecimento de traços gerais de interpretação
caracterizadores da estrutura argumental de construções dever-
bais com o sufixo –dor. Examinando a relação entre o sufixo e a
estrutura temática das bases com as quais ele ocorre, focaliza, em
particular, as seguintes questões: (1) em que medida a estrutura
argumental da construção deverbal corresponde à estrutura
argumental da base? e (2) como o caso Agente se manifesta nas
construções derivadas em -dor? A principal fonte de pesquisa
empírica é o Corpus Discurso & Gramática: a língua falada escrita
na cidade do Natal (FURTADO DA CUNHA, 1998), constituído
de textos falados e escritos de tipos diversos: narrativa expe-
riencial, narrativa recontada, descrição de local, relato de proce-
dimento e relato de opinião. Dados adicionais foram coletados
da Revista VEJA - anos 2004-2006. A análise se processa à luz
do conceito de Estrutura Argumental (DU BOIS, 2003) e das
noções de Transitividade (HOPPER; THOMPSON, 1980) e de
categorização prototípica, tal como proposta por Taylor (1995).
Nesse modelo, as análises lingüísticas se baseiam na utilização
concreta da língua pelo falante e assume-se como pressuposto
que há um paralelismo entre a categorização conceptual e a
categorização lingüística.
para esse autor, o SN, no que diz respeito “a sua natureza for-
mal, compartilha características dos sintagmas verbais e pode
ser concebido também, em certo sentido, como uma estrutura
similar à oração”. Do ponto de vista semântico, diz ela, o SN é
“uma entidade paradoxal porque, tomada em seu conjunto [...],
é um argumento, porém internamente, deve distinguir-se entre
elementos receptores e atribuidores de papel temático”.
Essas observações vêm reforçar a idéia comum à teoria da
Gramática de Construção segundo a qual não há divisão estrita
entre o léxico e a sintaxe (GOLDBERG, 1995). Construções lexi-
cais e construções sintáticas diferem em complexidade interna
e na especificidade da forma fonológica, mas ambas constituem
essencialmente o mesmo tipo de estrutura de dado declarativa-
mente representada: ambas são pares de forma e significado. A
esse propósito, Croft; Cruse (2004, p. 254) afirmam que, assim
como a sintaxe, a morfologia representa unidades gramaticais
complexas, no caso, compostas de morfemas. De um ponto de
vista estrutural, a única diferença entre morfologia e sintaxe é
que os morfemas são limitados no interior da palavra, enquan-
to as palavras são morfologicamente livres no interior de um
sintagma ou oração. Os autores argumentam que muitas são as
palavras a que se podem chamar de ‘palavras idiomaticamente
combinadas’, em que o significado de um morfema é específico
para a raiz com a qual ele se combina (ou uma subclasse de raí-
zes). Por exemplo, em inglês, o sufixo derivacional –er refere-se
ao agente do evento denotado pela raiz do verbo, quando esta
pertence a uma classe que inclui write, run (escrever, correr) e
assim por diante, mas se refere a um instrumento, se a raiz do
verbo é clip (cortar, tosquiar), staple (grampear) e semelhantes,
ou a um paciente se a raiz do verbo é fry (fritar), broil (assar). A
observação parece ser igualmente válida para as construções
deverbais com o sufixo –dor, em português. Ou seja, o significado
do sufixo -dor depende da raiz verbal com a qual ele se combina
(ou da subclasse de raízes), mas, seguindo a proposta da teoria da
gramática de construção, as propriedades semânticas de ambas
as partes interagem para produzir o significado construcional,
de tal forma que o significado da construção é dado unicamente
pelo todo.
Tudo que essas observações sugerem é que, realmente, a
morfologia é muito parecida com a sintaxe e que uma represen-
tação construcional é motivada para a morfologia também.
Alguns nomes de ação-processo, tais como repressão, cassa-
ção, por exemplo, de fato, remetem a um evento que facilmente
prevê uma configuração envolvendo um argumento subjetivo
(A1) e um argumento objetivo (A2), este último, em muitos casos,
afetado pela ação-processo. Sob essa ótica, no exemplo (2) abaixo,
o nome cassação (em destaque) é um predicado de dois lugares,
cuja estrutura argumental comporta um argumento objetivo
Niterói, n. 21, p. 27-42, 2. sem. 2006 31
Gragoatá Nubiacira Fernandes de Oliveira
(6) ... eu me sinto um buscador ... um cara que quer é:: que quer ser
útil em alguma coisa ... (Corpus D&G, p. 86)
Em (6), novamente diante do deverbal, a expressão do
argumento objeto é inibida ou restringida. O derivado busca-
dor supostamente se enquadra no tipo de categoria com valor
3. O complexo Agentivo
De acordo com Basílio (2004, p. 44), a formação dos cha-
mados nomes de agente tem como produto palavras que desig-
nam um ser pela prática ou exercício de uma ação ou atividade,
especificada pelo verbo envolvido na derivação. O processo de
formação também se estende à nomeação de objetos instrumen-
tais, cuja função principal é definida pelo significado da base
verbal. Como construções de estrutura argumental, tais formas
implicam na interpretação de uma ação-processo ou de uma
causatividade, direta ou indireta, ou seja, atribuem agentividade
a seu argumento externo, seja de modo literal - se tal argumento
se refere a agentes propriamente ditos (cobrador) - ou por extensão
metafórica a partir do protótipo, se ele denota outros tipos de
causadores, como instrumentos (cortador), mecanismos abstratos
(redutor), substâncias ativas (fixador), etc. Ainda, segundo Basílio,
o modo preferido pelos falantes do português para exprimir
morfologicamente agentividade seria o acréscimo do sufixo –dor
a raízes de verbos de ação e/ou de ação-processo. Portanto, os
derivados em –dor, traduzíveis informalmente como ‘aquele que
V’ (sendo V uma forma verbal), são os principais membros da
classe dos Agentivos no português.
Constatada a existência de Agentivos com o sufixo –dor,
passou-se a investigar o significado de toda e qualquer forma
deverbal em –dor, a fim de observar que tipos de conteúdo se-
mântico poderiam nelas estar presentes, para além do agentivo.
Ou seja, interessa saber se esse conteúdo é exclusivo, dominante,
ou convivente com outros.
Segundo Lyons (1977), é difícil precisar a noção de agenti-
vidade. Mas o agente prototípico (que serve como paradigma) se
refere a uma entidade animada x, que usa intencional e respon-
savelmente sua própria força ou energia para desencadear um
evento; e o exemplo típico de evento em que a agentividade está
mais obviamente envolvida é aquele que resulta numa mudança
na condição física ou locação de y, característica dos verbos de
ação-processo. O ponto de vista de Lyons é o de que cada um dos
4. Conclusões preliminares
Os derivados deverbais em –dor se inserem, de modo geral,
na categoria dos nomes agentivos, considerados como formações
morfológicas que designam um ser pela prática ou exercício de uma
ação ou atividade, especificada pelo verbo. (BASÍLIO, 2004).
O estudo que se empreendeu aqui buscou investigar em
que medida o caso ‘Agente’ (definido não a partir de um traço
discreto, mas de feixes de traços semânticos) se manifesta nas
referidas formações derivadas, tendo constatado a relevância
dos traços do complexo Agentividade na caracterização do pa-
pel semântico dessas construções. Utilizando-se os traços desse
complexo, propôs-se uma escala provisória para avaliar o grau
de agentividade exibido pelos derivados deverbais em –dor. No
desenvolvimento da pesquisa, serão aplicados outros traços do
parâmetro Transitividade de Hopper; Thompson (1980).
Em etapa posterior, pretende-se também testar hipóteses
relacionadas à ambivalência morfossintática dos derivados,
investigando sob que condições sintático-semântico-discursi-
vas tais construções podem ser usadas indistintamente como
substantivos ou adjetivos.
Além dessa questão, considerações bastante gerais foram
feitas sobre o comportamento dos deverbais em –dor quanto à
realização de sua estrutura argumental. Os dados parecem indi-
Abstract
Analysis of the argumental structure of N-dor
derivative formation with the aim of investiga-
ting how the features of ‘Agent’ are expressed
in this forms. The work takes into account the
interaction between morphosyntactic, semantic
and pragmatic properties and presupposes a
parallelism between a conceptual and linguistic
categorization. The analysis is supported by lan-
guage actual use.
Keywords: deverbal formations; argument struc-
ture; agentivity.
Referências
Resumo
Como resultado de seus processos de grama-
ticalização, os conectores e, aí e então possuem
funções sobrepostas no português brasilei-
ro. À luz do suporte teórico da lingüística
funcional, este artigo focaliza os padrões
de correlação entre e, aí e então e três dessas
funções: seqüenciação textual, seqüenciação
temporal e introdução de efeito. Os dados são
oriundos das seguintes fontes: (i) As vinhas
da ira, romance escrito por John Steinbeck
em 1939, cuja tradução brasileira, datada de
1940, apresenta marcas do dialeto usado nos
anos trinta pelas classes populares do esta-
do do Rio Grande do Sul; (ii) 48 entrevistas
provenientes do Banco de Dados VARSUL,
que foram coletadas ao longo da última dé-
cada do século XX. Os resultados, obtidos
através de análise quantitativa, revelam que
e, aí e então intercalam-se na codificação da
seqüenciação textual, da seqüenciação tem-
poral e da introdução de efeito na primeira e
na segunda metade do século XX. Contudo,
há evidências de mudanças nos padrões de
correlação função-forma: na década de trinta,
aí e então são muito menos utilizados para
codificar algumas das funções em tela do que
na década de noventa.
Palavras-chave: correlações função-forma;
conectores; gramaticalização
1. Introdução
A língua se faz...: é um fazer-se num quadro de permanência e
continuidade... Mas o fato de se manter parcialmente idêntica
a si mesma e o fato de incorporar novas tradições é, precisa-
mente, o que assegura a sua funcionalidade como língua e
o seu caráter de objeto histórico. Um objeto histórico só o é,
se é, ao mesmo tempo, permanência e sucessão. (COSERIU,
1979, p. 236)
Observem-se as seguintes ocorrências:
(1) Aí a minha mãe: “Ah! pois é, mas eu tenho que dar baixa nessa
carteira.” Aí o cara falou: “É, mas a senhora não quer nada?” E
1
O código que segue o a minha mãe disse: “Quer nada o quê?” “É porque nós somos
trecho da entrevista a obrigados a vender um ônibus desses pra pagar ele, porque a-
identifica. Por exemplo, a carteira dele não está dando baixa, ninguém deu baixa, né?”
(MC/FLP09J) = infor-
mante MC, natural de (MC/FLP09J)1
Florianópolis (FLP), en-
trevista número 09. Nos
casos em que há uma (2) Mas ele insistiu e disse: “Olha, tem uma equipe de São Paulo,
letra após o número da lá, do Professor Odair Pedroso, se for necessário nós podemos
entrevista, podemos ter
ou J = informante de 15 lhe mandar pra São Paulo fazer um curso.” Então eu disse: “Se
a 21 anos, ou C = infor- é assim, se desejam assim, eu posso tentar, se não decepcionar.”
mante de 09 a 12 anos. Então eu fiquei, realmente três meses em treinamento com a
2
Há outros conectores
que se correlacionam a
equipe do Professor Odair Pedroso num- no Hospital Celso
uma ou mais das três Ramos. (AC/FLP21)
funções sob enfoque,
mas que foram exclu-
ídos deste estudo por (3) Aí no que ele chegou ali, ele me convidou pra mim ouvir música
serem pouco recorrentes com ele. Aí eu disse: “Ah, não, eu não vou, porque amanhã é
nas amostras de dados
consideradas e por não outro dia, e eu, outro dia, tenho que enfrentar todo mundo: pai,
aparecem na codificação mãe, tio, todo mundo, né?” Aí ele disse: “Não, mas, amanhã
de todas essas funções.
Por exemplo, portanto
eu fico contigo.” Eu disse: “Ah, não.” Aí eu não sabia se eu
não indica seqüenciação acreditava nele, se eu ria, se eu chorava, se eu não- Eu não sabia
temporal e depois não in- a minha reação, não tem? (SE/FLP20)
dica introdução de efeito
(cf. TAVARES, 2003a). Já
daí sinaliza as três fun- Extraídos de narrativas orais em trechos de introdução de
ções, porém, conquanto seqüências de discurso direto, com o verbo de elocução dizer no
seja bastante recorrente
em algumas comunida- pretérito perfeito do indicativo, os dados acima ilustram o fato de
des de fala, não o é em
outras (TAVARES, 2006).
que os conectores e, aí e então desempenham papéis similares no
E, aí e então expressam plano da articulação entre partes do discurso. Nesse âmbito, são
ainda outras funções
vinculadas à articulação
freqüentemente utilizados, no português brasileiro contemporâ-
de partes do discurso, neo, para a codificação de três funções semântico-pragmáticas
como a adversão, que
não foi incluída neste em especial: seqüenciação textual, assinalando a ordem discursiva
estudo porque, diferen- pela qual informações são apresentadas e desenvolvidas no
temente do que ocorre
com as funções aqui texto; seqüenciação temporal, interligando eventos que se sucedem
consideradas, existem
outros conectores de
temporalmente; introdução de efeito, exibindo relações de conseqü-
grande recorrência cor- ência ou conclusão.2 Há registros de ocorrência, em uma única
relacionados à ela, como
mas, só que e agora. Uma fonte de dados (cf. seção 3), de e, aí e então na expressão dessas
análise de correlações funções já na primeira metade do século XX, o que motivou a
função-forma engloban-
do todos os conectores realização deste estudo.
adversativos do portu-
guês brasileiro contem-
Ao comparar dados da primeira e da segunda metade do
porâneo ainda está por século XX, pretendo analisar a distribuição de e, aí e então nas
ser levada a cabo.
(5) Um moleque dos bons. Já faz uma semana que não vem em casa.
[...] Eu era pior. Era muito pior, um demônio, que nem tu; – disse
radiante. – Então, tinha um culto campestre em Sallisaw quando
eu tinha a idade do Al, um pouco mais do que ele. Ele é um
menino ainda, não entende de nada, mas eu era um pouco mais
velho. Tinha umas quinhentas pessoas nesse culto e uma porção
de crianças. (As vinhas da ira, p. 85)
(6) Ela tinha de cento e sete a cento e quatorze, a tia Pequena. Ela
tinha acabado de morrer. Aí ela morreu no sábado, às nove
horas, e a mãe morreu às cinco horas de- cinco e vinte da manhã
de domingo. Logo depois. (RO/FLP03)
(14) Porque uma vez ele- ele soltou as galinhas, foi tudo pra debaixo
de um porão, aí foi o ovo tudo pro pau. (AZ/FLP04)
5. Correlações função-forma
As tabelas 1 e 2 apresentam, em forma de freqüências e
percentuais, as correlações entre e, aí e então e as funções de
seqüenciação textual, seqüenciação temporal e introdução de
efeito na primeira e na segunda metade do século XX:
E AÍ ENTÃO
FUNÇÕES Ap./Tot. % Ap./Tot. % Ap./Tot. %
Seqüenciação textual 302/315 96 02/315 01 11/315 03
Seqüenciação temporal 223/268 83 24/268 09 21/268 08
Introdução de efeito 72/151 48 12/151 08 67/151 44
TOTAL 597/734 82 38/734 05 99/734 13
Resumo
Neste trabalho, analiso aspectos relativos à
gramaticalização de conjunções coordenativas.
Assumindo que fatores de ordem cognitiva e
pragmática interagem para a criação de novos
itens gramaticais, e adotando uma concepção de
coordenação fundamentada em critérios semân-
tico-funcionais, reconstruo o percurso histórico-
evolutivo da conjunção conclusiva logo, a partir
de fontes históricas do português.
Palavras-chave: gramaticalização; conjunção;
coordenação; lingüística histórica.
Apresentação
Este trabalho trata de um fato lingüístico - já conhecido e
anunciado pelos historiadores do português - que é a relação
genética existente entre os usos adverbial e conjuncional de
logo: o primeiro está na base da constituição do segundo. Bueno
(1968), por exemplo, argumenta que a conjunção conclusiva logo
é o mesmo advérbio temporal, mas “com nova função gramati-
cal”. Contudo, resta explicar ainda como se deu o processo de
transição entre essas categorias, o que pretendo fazer ao longo
desta exposição, por meio da consolidação de dois objetivos
mais específicos. Considerando tal processo como um fenômeno
legítimo de Gramaticalização, meus propósitos são: (i) explicitar
a relação que existe entre o sentido da conjunção logo e o sentido
do advérbio logo, relação esta que estaria na origem da derivação
histórica; e, (ii) explicitar o contexto lingüístico que teria favo-
recido a alteração na fronteira dos constituintes e a posterior
reinterpretação do advérbio como conjunção.
1. Gramaticalização de conjunções
Entende-se por “gramaticalização” um processo especial de
mudança lingüística, principalmente diacrônico e gradual, em
que itens lexicais plenos passam a funcionar como expressões
gramaticais específicas, em razão de um conjunto de alterações
nos vários componentes da linguagem, sobretudo no sintático e
no semântico. Trata-se, em outras palavras, de uma evidência de
que as gramáticas das línguas são constantemente remodeladas,
via processos de mudança que reutilizam material da própria
língua.
Dos muitos fenômenos de gramaticalização, a formação de
conjunções tem se mostrado um domínio extremamente fértil,
visto que, na história das línguas, essa classe de palavras sempre
esteve sujeita à renovação (MEILLET, 1912). Particularmente, no
campo das conjunções de coordenação, os estudiosos concordam
que a fonte diacrônica é, até certo ponto, transparente. Paul (1886)
já afirmava que as conjunções (“palavras de ligação”, em sua
terminologia) derivam historicamente de advérbios conjuncio-
nais ou de alguns usos de pronomes conjuncionais, itens que já
serviam para ligar orações antes mesmo de se transformarem
em conjunções propriamente ditas. Said Ali (1964, p. 220) tam-
bém destaca o papel de advérbios e pronomes na formação de
conjunções:
Obscura é a origem de algumas conjunções latinas; porém a
julgar por aquelas cujo histórico se conhece, a linguagem não
teria creado vocábulos especiais para constituir a nova catego-
ria. Serviram a este fim advérbios que, de modestos determi-
nantes de um conceito único, se usaram como determinantes
de toda uma sentença; e serviram também pronomes do tipo
(08) Quando Galaaz êsto ouviu, filhou logo sas armas e guisou-se o
mais toste que pôde (13DSG, p.145) [Quando Galaaz ouviu isto,
tomou logo ( = que ouviu isto) suas armas...]
Nos dados relativos a esse período da língua, não encontrei
exemplos do uso conjuncional de logo. Só no material referente ao
século XVII é que verifiquei as primeiras ocorrências. O exemplo
(09) traz uma delas:
(09) Para hum homem se ver a si mesmo, são necessarias tres cousas:
olhos, espelho, & luz. Se tem espelho, & he cego; não se póde ver
por falta de olhos: se tem espelho, & olhos, & he de noyte; não se
póde ver por falta de luz. Logo ha mister luz, ha mister espelho,
& ha mister olhos. (17SS, p.18)
Em (09), há uma estrutura do tipo “C1. Logo C2”, em que
os segmentos C1 e C2 são gramaticalmente independentes, se-
parados por uma pausa representada por ponto. Cada segmento
é constituído por orações estruturadas em tema e comentário.
Essa relação tema/comentário se sustenta também entre C1 e
C2, estruturando-os, uma vez que o segundo deve ser interpre-
tado à luz do primeiro. Ou seja, C2 acrescenta um pensamento,
uma avaliação conclusiva acerca de C1, evidenciando assim a
relação de sentido, que é condição para a coordenação. Veja o
esquema:
C1 C2
Para hum homem se ver a si logo ha mister luz, ha mister espelho,
mesmo, são necessarias tres & ha mister olhos
cousas: olhos, espelho, & luz.
Se tem espelho, & he cego; não
se póde ver por falta de olhos:
se tem espelho, & olhos, & he
de noyte; não se póde ver por
falta de luz
TEMA COMENTÁRIO
CONCLUSÃO
A relação coesiva entre os segmentos C1 e C2 é garantida
por logo ou, mais particularmente, pela foricidade de logo que,
Resumo
Este artigo investiga a emergência da locução
conjuntiva por causa (de) que no português do
Brasil, baseando-se em um corpus constituído
por dados coletados em 64 horas de entrevistas
com falantes cariocas (Amostra 80). Inicialmente
coteja as orações complexas formadas pela vincu-
lação de uma oração efeito a uma oração de causa
introduzida por porque, conectivo prototípico
de causa, às orações que apresentam o SPrep por
causa de com relação às seguintes variáveis: po-
sição, transitividade e tempo do predicado verbal,
tipo de informação introduzida pelo segmento de
causa. A seguir, considera as orações encabeça-
das por por causa (de) que mostrando que elas
compartilham as propriedades exibidas tanto pelas
orações prototípicas de causa quanto pelos SPrep
por causa de: tendem a introduzir informação
nova, a apresentar verbos de estado no presente do
indicativo e a ocorrer pospostas. A diferença entre
elas e as orações prototípicas concerne ao fato de
que as orações com por causa de que são empre-
gadas apenas no nível representacional enquanto
que aquelas iniciadas por porque podem, também,
estabelecer relações em dois outros níveis, o das
relações epistêmicas e dos atos de fala.
Palavras-chave: gramaticalização, conectores,
relação causal
(5) Ele gosta mais até de ficar lá no fundo porque não... parece
assim
mais aconchegante, né? por causa que dá assim prá os quarto
e não
tem vizinho , num tem nada. (Amostra Censo, Mag.48)
Esses usos de por causa (de) que no discurso oral, uma lo-
cução conjuntiva que está emergindo no português brasileiro,
(cf PAIVA, 2001), constituem o objeto de reflexão deste artigo.
Discutimos os empregos dessa locução conjuntiva , buscando
identificar as equivalências e diferenças que apresenta em relação
à conjunção prototípica porque e ao sintagma preposicional por
causa de no discurso oral. Através de uma análise comparativa de
algumas propriedades sintáticas e semântico-discursivas dessas
três construções causais, procuramos depreender o cruzamento
de propriedades que resulta em enunciados como os exempli-
ficados em (4), (5). Além disso, destacamos as restrições ao uso
Segmento causal
+ posposição
+ informação nova
segmento efeito
predicado no presente do indicativo
predicador é verbo de estado
(16) O apelido dela é até Cláudia Magrinha, por causa que ela é
assim Magrinha. (Amostra Censo, Eri.59)
No que concerne à disposição sintagmática, verifica-se a
mesma flexibilidade referida previamente. No entanto, embora
os segmentos que expressam causa possam tanto se antepor ou
pospor à oração efeito, a posposição é a posição mais usual.
Também no que diz respeito às propriedades discusivo-
informacionais dos segmentos causais, depreende-se acentuado
paralelismo entre as construções com porque, por causa de e por
causa (de) que: todos eles constituem pontos de introdução de
informação nova. Considerando-se, no entanto, o status infor-
macional do segmento efeito, observa-se que as construções com
por causa de que se aproximam daquelas com o Sprep por causa
de. Instaura-se mais freqüentemente uma relação entre dois seg-
mentos com informação nova, diferentemente da configuração
observada nos enunciados causais com porque.
Do que foi visto até aqui, é possível esquematizar da seguinte
forma o paralelismo entre as construções causais com porque, com
por causa (de) que e com o Sprep por causa de.
Abstract
In this article we analyze the emergence of the
lexical conjunction por causa (de) que (by cause
of that) in spoken Brazilian Portuguese, focusing
tokens collected from 64 hours of tape-recorded
interviews with speakers born in Rio de Janeiro
in the early eighties. First we compare clauses
headed by porque (because) and clauses which
present the PP por causa de (by cause of) and
show that both segments are similar with regard
to four variables: position, transitivity and tense
of the verbal predicate and informational status.
Then we consider the clauses headed by por causa
de que (by cause of that) and show that they share
the same properties with the clauses headed by
porque: they tend to introduce new information,
exhibit state verbs in the present tense and follow
the main clause. The difference between them con-
cerns the fact that the latter combines clauses only
at the representational level whereas the former
combines clauses not only at this level but at the
epistemic and speech act levels as well.
Keywords: grammaticalisation, conjunctions,
causal relations
Referências
Resumo
Estudos recentes têm abordado a gramaticalização
do verbo ir/movimento em verbo auxiliar. O pre-
sente artigo mostra que no português brasileiro
este auxiliar não ocorre somente na expressão do
futuro, mas em variação com o futuro do preté-
rito, e que o uso da perífrase verbal com ir vem
se mostrando crescente. Até a primeira metade
do século XX, este auxiliar concorria com outro,
haver de, neste contexto de variação. O artigo
apresenta também matizes semânticos diversos de
cada um dos referidos auxiliares, o que demonstra
os diferentes níveis semânticos da mesma forma
lingüística em processo de gramaticalização. Os
dados da análise foram obtidos através de um es-
tudo de mudança em tempo real de longa duração
(amostra de peças teatrais).
Palavras-chave: mudança lingüística; gramati-
calização; verbos auxiliares.
1- Introdução
Sabe-se que a origem das flexões de futuro do presente e
do pretérito em português está na gramaticalização do verbo
“haver” (cf. CÂMARA, 1979, p. 130):
amare + habeo > amar + aio > amarei
amare + habebam > amar + abeam > amar + ea > amaria
Também se sabe que tem havido variação no uso dessas
formas sintéticas, ou seja, na expressão do futuro cronológico não
existe somente a forma flexionada (-rei, -rá, -remos etc.), tampouco
ocorrem somente as formas em -ria na expressão do futuro do
pretérito (ou do irrealis).
Ao traçar o percurso das formas que variam com o futuro
do pretérito na linha do tempo, Costa (2003) demonstra como o
ciclo de mudanças recupera formas que já haviam feito parte do
sistema no passado, como é o caso do auxiliar haver (amaria x havia
de amar). Mais recentemente, o futuro do pretérito concorre com
outra forma perifrástica cujo verbo auxiliar é o ir (ia amar).
A substituição do futuro flexionado pela forma perifrástica
tem sido também constatada no futuro simples [amarei x vou
amar], em relação ao português brasileiro, conforme atestam
os trabalhos de Gryner (1997 e 2003), Santos (2000) e Malvar
(2003). Esta última pesquisadora, à semelhança de Costa (2003),
constata através de uma investigação diacrônica a presença do
auxiliar haver (hei de + infinitivo, há de + infinitivo etc.) e, o uso
– mais recente – da perífrase com ir (vou + infinitivo).
O presente artigo se concentrará em um aspecto discutido
em Costa (2003), a saber, o fato de os auxiliares ir e haver nem
sempre concorrerem com as demais variantes, ou seja, de existi-
rem certos contextos especializados para uma ou outra forma. O
objetivo deste artigo é, portanto, apresentar diversos valores de
havia de e ia e relacioná-los ao fenômeno de gramaticalização.
Para tanto, será apresentada, na próxima seção, uma sín-
tese dos resultados da pesquisa diacrônica de Costa (2003). Nas
demais seções, trataremos do processo de gramaticalização de
verbos auxiliares e da co-existência de camadas de significação
da mesma forma no decorrer do processo.
2 - Formas que alternam com o
futuro do pretérito: variação e mudança
Em trabalho que comparou a fala (entrevistas sociolin-
güísticas) e a escrita informal (cartas pessoais), numa análise
sincrônica, Costa (1997) investigou as formas que alternam com o
1
A amostra de fala é futuro do pretérito no português informal no Rio de Janeiro.1
constituída por entre-
vistas sociolingüísticas A pesquisa constatou que há alternância entre formas
do projeto PEUL / UFRJ
e a de escrita por cartas
simples e em perífrase, a saber:
pessoais coletadas por • Futuro do pretérito simples (FP): amaria
Paredes Silva (1988 e
1989).
70
60
50 FP
40 IMP
IA+V
30
IRIA+V
20 HAVIA DE+V
10
0
1701- 1801- 1851- 1901- 1921- 1941- 1961- 1981-
1750 1850 1900 1920 1940 1960 1980 2000
Ia tomar o pan.
(MATTOS E SILVA, 1993, p. 67 – exemplo do português arcaico,
extraído de Diálogos de São Gregório, séc. XIV)
A partir dessas considerações, buscamos uma sistemati-
zação das ocorrências excluídas de perífrases com havia de e ia,
visando a uma definição dos traços sintáticos e/ou semânticos
característicos de cada grupo de itens excluídos. Como disse-
mos, os itens excluídos são não-intercambiáveis em relação às
outras variantes analisadas (sobretudo em relação ao Imp), pois
apresentam um sentido especificamente modal (ou, no caso de
ia, de iminência).
A – Iminência/intenção em futuro do passado (estruturas
encaixadas)
Orações encaixadas que apresentam uma expressão crono-
lógica de futuro em segmentos narrativos são um contexto em
que dificilmente a forma de Imp é uma candidata a alternante.
Isto se tornará claro na apreciação dos exemplos a seguir, que
serão divididos em dois grupos:
A-1 – Orações encaixadas em discurso indireto/ estrutura
com verbo dicendi, de cognição e outros (ver, saber,
etc.):
(02) Mas ela me disse que ia ter [o filho]! A gente aqui feito boba. (No
coração do Brasil, de Miguel Fallabela, 1992)
(*tinha)
A-2 – Orações adjetivas:
A iminência, nestes casos, também acontece em relação a
um tempo passado, o tempo da narrativa, embora a estrutura
encaixada não seja a de oração objetiva, como é o caso do grupo
anterior.
(03) Era o que eu ia fazer. Mas o patrão pôs-se aqui. (As doutoras, de
Fraca Júnior, 1887)
(*fazia)
B – Iminência em orações independentes
Note-se que tanto os exemplos do item anterior quanto os
deste transmitem a noção de iminência. A diferença é que, no
grupo de exemplos deste item B, as orações em que Ia+V figura
não são encaixadas. Além disso, neste grupo, a iminência pode
se relacionar a um futuro do tempo passado ou do presente
(momento da enunciação), como veremos no exemplo (04), a
seguir.
Muitas vezes a não-realização do evento iminente é apre-
sentada por uma oração adversativa imediatamente posterior,
como é o caso do exemplo (03) do item anterior. No exemplo (04),
em que a ação iminente também não se realiza, pode-se dizer
que há um “mas” implícito no contexto seguinte.
(07) E tu acha que Marlyn Monroe ia ter problema igual ao teu? (No
Coração do Brasil, de Miguel Fallabela, 1992)
(08) Então eu ia dizer uma coisa dessas? (Último carro, de João das
Neves, 1967)
Referências
Resumo
Este estudo objetiva analisar a transitividade
do verbo fazer em dados de textos reais (orais e
escritos), bem como comparar, em relação à tran-
sitividade, o desencontro existente entre o conceito
puramente teórico, trabalhado pela Gramática
Tradicional, e aquele que reflete um ato discursi-
vo/comunicativo do falante. Com base no quadro
teórico da lingüística funcional contemporânea,
entendemos transitividade como um complexo de
traços sintático-semânticos que, prototipicamente,
apresenta um sujeito/agente e um objeto/pacien-
te, a partir da manifestação discursiva do verbo
na cláusula. Utilizamos as categorias analíticas
transitividade e prototipicalidade, além da apli-
cação dos processos de metonímia e de metáfora.
Os dados analisados foram retirados do Corpus
Discurso & Gramática, composto de textos produ-
zidos por alunos do último ano do ensino superior,
distribuídos nos seguintes tipos: narrativa de
experiência pessoal, narrativa recontada e relato
de procedimento. Após este estudo, vimos que
há possibilidades diversificadas de se analisar a
transitividade a partir da manifestação discursiva
do verbo. As cláusulas com fazer apresentaram
variação sintático-semântico-pragmática, levan-
do-nos a concluir que transitividade é muito mais
uma questão de gradação do que de regras prontas
ou fórmulas fixas.
Palavras-chave: transitividade, verbo fazer,
prototípico, manifestações discursivas.
1 Introdução
Na visão da gramática tradicional, o estudo da língua é
independente do estudo da situação comunicativa, pois não se
leva em consideração o contexto discursivo, ou seja, as condições
de uso das formas lingüísticas. Essas observações podem ser
verificadas, por exemplo, quando se vão procurar informações
sobre transitividade verbal.
Para essa gramática, o verbo constitui o elemento principal
do predicado verbal, podendo ser classificado em intransitivo,
quando não precisa de complemento para integrar o seu sentido,
como em (1):
(1) ... e eu fiquei tão ... é a ... ficou tão cheio de escoriações nas pernas
principalmente ... que eu pensava que num ia andar mais ... num
tinha quebrado nada ...mas tinha medo de andar ... aí fiquei
quase esse tempo todinho que passei no hospital numa cadeira
de roda ... (D&G, p. 23)
E transitivo, quando necessita de complemento que integre
sua predicação, como em
(2) ... o professor quando chegou viu que tinha sido eu que tinha
feito o serviço ... aí ele disse que tinha sido ele fazendo uma
experiência ... eu não tinha dinheiro pra pagar aquele material
todo do laboratório ...aí ficou todo mundo ... “quem foi ...
quem não ... quem não foi” ... e terminou ficando o professor
com a culpa ... e depois toda a turma ... o colégio inteiro ... fez
uma coleta ... todo mundo colaborou pra repor o material do
laboratório... (D&G, p. 50)
Verifica-se, então, que a gramática tradicional faz referência
à transitividade verbal em termos de um complemento de que
o verbo precisa para integrar o seu sentido. A classificação do
verbo em transitivo ou intransitivo é, portanto, dicotômica, tendo
como critério único a presença versus a ausência de um sintagma
nominal (SN) que complete o significado do processo verbal.
Esta pesquisa teve como objetivo geral realizar um estudo
da transitividade sob o enfoque da abordagem funcionalista
norte-americana. Como objetivos específicos, propusemo-nos:
a) Analisar a transitividade do verbo fazer, em dados de
textos reais (oral e escrito), extraídos do Corpus Discurso &
Gramática –1 a língua falada e escrita na cidade do Natal
1
Na parte destinada (FURTADO DA CUNHA, 1998);
à análise de dados, ci-
tamos D&G para nos b) Comparar, com relação à transitividade, o desencontro
referir à fonte de onde
retiramos os exemplos.
existente entre o conceito puramente teórico, trabalhado
2
Os resultados aqui pela Gramática Tradicional, e aquele que reflete um ato
apresentados foram re- discursivo/comunicativo do falante.
tirados da nossa disser-
tação de mestrado, de- Especificamente, interessou-nos analisar as manifestações
fendida em 29/10/2002,
na Universidade Federal
discursivas do verbo fazer,2 em uma escala de transitividade,
do Rio Grande do Nor- tendo como ponto de partida seu significado prototípico. Es-
te – UFRN.
I: Natal é aqui ó ... Natal ... Rio Grande do Norte aqui ... (D&G,
p. 128)
I: sim ... aí ele com eles ... parece que o doutor Carrilho
no outro dia ... no mesmo dia ele conseguiu falar com o
gerente principal e:: teve um negócio desagradável como ...
puxar arma ... um negócio assim sabe? (D&G, p. 110-113)
Temos, aqui, uma cláusula que, sintaticamente, afasta-se
do caso transitivo prototípico. Por meio da morfologia verbal (3ª
pessoa do plural), identifica-se o sujeito/agente anafórico (“Jorge
e doutor Carrilho”). Quanto ao objeto, embora ele não seja lexi-
calmente explicitado, pode ser recuperado na mesma cláusula,
em que aparece topicalizado (“a compra do material”).
Percebemos então que, do ponto de vista semântico, a
cláusula é transitiva, na medida em que a ação se transfere do
agente para o paciente, do mesmo modo que em uma cláusula
com OD expresso. O objeto, assim recuperado, é produto da ação
do agente. Note-se que a combinação “fazer a compra” equivale
a “comprar”, ou seja, o OD de fazer é uma nominalização. Nesse
sentido, a cláusula se enquadra no tipo que denominamos fazer
+ OD (lexicalização).
(9) I: eu vou...lhe ensinar a fazer uma pizza...((riso))
[...]
E: tem é ... diferença?
I: é tem ... a com a ... com a água ele tem a tendência a ... a
endurecer mais rápido né ... ((barulho de carro)) a se perder
mais rápido né? fica logo dura a massa aí ... num ... num presta
não ... mas se for pra ser consumido logo no mesmo dia num
tem problema não ... é até melhor fazer com a água porque ...
gasta menos né?... (D&G, p. 39-40)
Sintaticamente, (9) se afasta do caso prototípico, pois o
sujeito e o objeto não se encontram codificados na cláusula,
apesar de serem recuperados do contexto. Essa recuperação
torna-se possível na fala do próprio informante que diz ao seu
interlocutor que “vai lhe ensinar a fazer uma pizza”.
Considerando a recuperação do OD anafórico, ao analisar
as cláusulas em (8) e (9) pelo complexo de transitividade, o Qua-
dro 2 nos fornece o seguinte resultado:
Abstract
The following study aims to analyze the transitivi-
ty of the verb fazer in certain real texts (oral and
written), as well as compare the gap that exists
between the purely theoretical concept, as subs-
cribed to by traditional grammar, and the concept
which reflects a discursive/communicative act of
the speaker. Based on the theoretical framework
of contemporary functional linguistics, we un-
derstand transitivity as a group of syntactical-
semantic traits which prototypically present a
subject/agent and an object/patient, taking into
consideration the discursive manifestation of the
verb in the clause. We use analytical categories
transitivit, and prototypicality, in addition to
the application of the processes of metonymy and
metaphor. The data analyzed were taken from
Corpus Discurso & Gramática – the spoken and
written language in the city of Natal (FURTADO
DA CUNHA, 1998), composed of texts produced
by high school students of the following type:
first person narrative, third person narrative and
telling of a process. As a result of this study, we
see that there are diverse possibilities of analyzing
transitivity taking into consideration the discur-
sive manifestation of the verb. Clauses with fazer
present syntactical-semantic-pragmatic variation
which brings us to the conclusion that transitivity
is much more a question of degree than steadfast
rules or rigid formulas.
Keyword: transitivity, verb fazer, prototypica-
lity, discursive manifestation.
Referências
Resumo
Este artigo focaliza a relação gramatical objeto
direto, com o fim de analisar as diferentes ma-
nifestações discursivas desse elemento. A partir
da análise, é proposto um tratamento gradiente
dessa relação gramatical, através de uma escala
que ordena os objetos diretos de acordo com o seu
grau de prototipicidade. A pesquisa segue uma
perspectiva funcionalista do estudo da língua,
discutindo aspectos sintáticos, semânticos e prag-
máticos do objeto direto e tomando as propriedades
sintáticas como derivadas de propriedades semân-
ticas e sintáticas do verbo a que o objeto direto está
relacionado. Os dados empíricos correspondem
a oito narrativas conversacionais extraídas do
Corpus Discurso & Gramática: a língua falada e
escrita na cidade de Natal.
Palavras-chave: estrutura argumental, objeto
direto, tratamento escalar.
1. Introdução
Este artigo focaliza a relação gramatical objeto direto, com
o fim de analisar as diferentes manifestações discursivas do ele-
mento que tradicionalmente se classifica como objeto direto.1 A
partir dessa análise, pretende-se propor um tratamento gradien-
te dessa relação gramatical, sugerindo uma escala que ordena
os objetos diretos de acordo com o seu grau de prototipicidade.
Essa organização hierárquica se correlaciona a processos de
natureza cognitiva e de natureza pragmático-comunicativa que
regulam as tendências de manifestação discursiva da estrutura
argumental dos predicados.
Fundamentada em pressupostos teóricos funcionalistas
e cognitivistas, assumo que há um paralelismo entre a cate-
gorização conceptual e a categorização lingüística, ou seja,
conhecimento do mundo e conhecimento lingüístico não são
separados (FURTADO DA CUNHA et al., 2003; TAYLOR, 1998;
TOMASELLO, 1998).
Nesse quadro, as análises lingüísticas se baseiam no uso
concreto da língua pelos falantes, admitindo que a gramática
se molda a partir do uso lingüístico que se dá em situações co-
municativas. A gramática é, pois, o resultado da cristalização
ou regularização de estratégias discursivas recorrentes, que
decorrem de pressões cognitivas e, sobretudo, de pressões de
uso. As regularidades observadas no uso interativo da língua
são explicadas com base nas condições discursivas em que se
verifica esse uso.
De acordo com a proposta funcionalista, portanto, os pa-
drões gramaticais estão estritamente relacionados à estrutura do
discurso e podem, em muitos casos, ser explicados em termos
dessa estrutura. Nesse sentido, a investigação do modo como as
orações se organizam e se manifestam no discurso interativo
tem de levar em conta fatos probabilísticos, como a freqüência
de ocorrência de um dado padrão, em substituição à concepção
de que aos verbos, ou predicados, correspondem a estruturas
1
Esse artigo faz parte
de uma pesquisa, em argumentais ou valência fixas, que estabelecem, a priori, o nú-
desenvolvimento, sobre
as manifestações dis-
mero de participantes que um dado predicado evoca. Compar-
cursivas da estrutura tilho, portanto, a idéia, corrente na lingüística contemporânea,
argumental (estágio de
pós-doutorado, apoia-
de que os verbos são listados no léxico com molduras (frames)
do pelo CNPq – pro- que especificam quais argumentos são obrigatórios e quais são
cesso 200756/2003-6,
na University of Cali- opcionais. Os falantes dominam essa informação à medida que
fornia, Santa Barbara). adquirem sua língua materna.
Concentra-se na sintaxe
do objeto direto, o que A perspectiva de análise que adoto situa esta pesquisa no
significa que os papéis
semânticos que ele pode
domínio de interface entre sintaxe, semântica e pragmática, de
desempenhar não serão acordo com a postura teórico-metodológica corrente no quadro
examinados aqui. Adi-
anta-se, contudo, que o da Lingüística Funcional norte-americana (cf. FURTADO DA
objeto é uma categoria CUNHA; COSTA, 2001). Logo, as propriedades sintáticas do
semanticamente hete
rogênea.
dependência que se dá
entre um termo regente “Transitividade” (do latim transitivus = que vai além, que
e um termo regido. A
regência é um fenôme- se transmite), em seu sentido original, denota a transferência de
no formal que apenas uma atividade de um agente para um paciente. Para a Gramá-
informa se o verbo pede
um objeto (direto ou tica Tradicional, a transitividade é uma propriedade do verbo,
indireto). Esse concei-
to não será examinado
e não da oração: são transitivos aqueles verbos cujo processo
aqui. se transmite a outros elementos, que lhes completam o sentido.
4
Termo emprestado da Por oposição, nos verbos intransitivos “a ação não vai além do
química e introduzido
por Tesnière (1959), in- verbo” (CUNHA; CINTRA, 1985, p. 132). Ou seja, a classificação
dicando o número de
a rg u mentos que u m
de um verbo como transitivo ou intransitivo se apóia na presen-
verbo subcategoriza. ça/ausência de um Sintagma Nominal objeto (critério sintático)
Niterói, n. 21, p. 115-131, 2. sem. 2006 117
Maria Angélica Furtado da Cunha
(4) ele pediu um prato … que ela foi enfiar o garfo e o negócio voou
… que num era para comer com garfo (Corpus D&G, p. 242).
(5) e ela tinha um ... um caso né ... com um homem ... que ele ... é
... trabalhava ... mexia assim com drogas ... não é ... com tráfico
... um ladrão assim ... né ... pra conseguir o que ele queria ... ele
matava ... né ... (Corpus D&G, p. 276)
9
Encontra-se em prepa-
ração um trabalho que (6) no dia seguinte … ele apareceu lá no hotel … querendo seduzir
aborda especificamente sabe? a … a moça … mas ela não aceitou sabe? (Corpus D&G, p.
as manifestações discur-
sivas dos objetos diretos 243).
não-expressos. Neste
artigo, os dois tipos de Em (3) e (4), o objeto direto dos verbos queimar e comer é
objeto zero foram agru-
pados no quadro 1.
dado no contexto imediatamente precedente: o almanaque e o
(10) dizendo que ela tinha aceitado [sair com ele] ... (Corpus D&G,
p. 234).
Abstract:
This paper addresses the grammatical relation
direct object, with the aim of analyzing the vary-
ing discourse manifestations of this element. As
a result of this analysis, it is proposed a gradient
treatment of objecthood, by means of a scale which
ranks the direct object according to its degree of
prototipicality. The research follows a functional
perspective on language study, discussing syntac-
tic, semantic and pragmatic aspects of the direct
object, and considering the syntactic properties as
derived from semantic and pragmatic properties
of the verb the direct object is related to. The data
for this study come from eight conversational
narratives, collected from Corpus Discurso &
Gramática: a língua falada e escrita na cidade
do Natal.
Keywords: argument structure, direct object,
scalar treatment.
Referências
Resumo
Este trabalho apresenta uma abordagem funcio-
nalista das estruturas de “ilhas”, assim nomeadas
por Ross (1967) dentro de uma visão gerativista.
Pretende-se mostrar que as restrições estabelecidas
por tais ilhas quanto à ocorrência de constituintes
em determinados lugares da estrutura se devem ao
fato de elas constituírem, funcionalmente, “uni-
dades de informação” e, por isso, não permitindo
a extração ou movimento de nenhum constituinte
para fora de seus limites.
Palavras-chave: restrições de ilhas, unidade de
informação, funcionalismo.
(23) a. João entrou na festa, ao passo que Jair foi fazer o quê?
b. *O que João entrou na festa, ao passo que Jair foi fazer?
(28) quando você tem algum problema de vista você recorre a quem?
(DID,Inq.251, p.64, l.211-2)
(29) quando você não come em casa onde você costuma comer e o
que você costuma comer? (DID, Inq. 235, p.124, l. 170-1)
Abstract
This paper introduces a functionalist approach
to structures of the “island constraints” type,
thus named by Ross (1967) within a generative
perspective. We will show that the restrictions
those islands impose on the occurrence of cons-
tituents in certain structural positions is due to
their functional status of “idea units”, therefore
not allowing extraction or movement of any of the
constituents across their boundaries.
Keywords: island contraints; idea units, func-
tionalism
Referências
Resumo
Recorrendo a dois tipos de construção com predi-
cados matrizes (parecer e achar/crer), diferentes
no estatuto argumental da completiva (sujeito
e complemento, respectivamente) e semelhantes
na codificação das atitudes subjetivas do falante
(evidencial/modal epistêmico), mostro a tendên-
cia de essas construções se gramaticalizarem e se
dessentencializarem, desvinculando-se de suas
orações encaixadas e se recategorizando como
satélites atitudinais. Essa alteração sintática afeta
a construção complexa, que, de biclausal, passa a
monoclausal.
Palavras-chave: oração matriz; gramaticalização;
dessentencialização; parentéticos.
Introdução
Alguns trabalhos já descreveram usos de construções pa-
rentéticas no português brasileiro (PB), entre as quais se incluem
os chamados parênteses modais (JUBRAN, 2002a,b), sem tratá-las,
entretanto, como resultantes de um processo de mudança que
ocorre nos domínios de uma construção complexa, envolvendo
o encaixamento de uma oração completiva em uma matriz,
orientação que pretendo explicitar neste artigo.
No âmbito da lingüística funcional, proposição semelhante
a que aqui pretendo desenvolver já foi sugerida para a caracteri-
zação dos chamados parentéticos epistêmicos (THOMPSON; MU-
LAC, 1991; TRAUGOTT, 2000), com pouca, ou quase nenhuma,
atenção dispensada aos aspectos diacrônicos da mudança deste
tipo de construção.
Recorrendo a dois tipos de predicados matrizes – de um
lado parecer e de outro, achar e crer –, diferentes quanto à estru-
tura argumental (monovalente e bivalente, respectivamente) e
ao estatuto sintático da oração encaixada (posição de sujeito e
posição de complemento, respectivamente), mas semelhantes
quanto aos valores semânticos e pragmáticos (evidencial/modal
epistêmico), em Gonçalves (2003), sob uma perspectiva pan-
crônica, investiguei o uso desses predicados, sob a premissa
de que a alta freqüência de uma palavra/construção leva a sua
gramaticalização. Comprovei, assim, a tendência de predicados
1
Nos termos da gramá-
tica funcional, satélites, de atitude proposicional se gramaticalizarem como satélites
em geral, são meios lexi-
cais opcionais de susten-
atitudinais,1 parentéticos epistêmicos nos termos de Thompson &
tar informação adicional Mulac (1991). De predicado organizador de uma estrutura de
a um dado estado-de-
coisas; são opcionais predicação, passam a se comportar como constituinte não-ar-
porque, se om it idos, gumental. Como se pode notar, foquei, nesse trabalho, mais a
não afetam a boa-for-
mação do enunciado em gramaticalização dos predicados do que das construções em si
que ocorrem; sustentam
informação adicional
que eles integram, tomando por base a concepção mais clássica
porque a informação de gramaticalização, aquela centrada na alteração categorial de
principal está contida
na estrutura do enun- itens, que, na mudança, tornam-se gramaticais ou, se já gramati-
ciado à qual o satélite é cal, tem sua gramaticalidade ampliada (HOPPER; TRAUGOTT,
adicionado. Satélites de
atitude (orientado para 1993). Exemplificam essa trajetória as ocorrências do português
o conteúdo proposicio-
nal, para o evento ou
histórico, dadas em (1) a (3) abaixo, para as quais propus um cline
para um participante) geral de desenvolvimento categorial, que segue em (4).2
especificam a atitude do
falante em relação a um (1) Valores sintático-semânticos de parecer
conteúdo proposicional
ou a apenas parte dele a. v. pleno (apresentativo)
(DIK et al.,1990). ... aque-vos um demo vem, que lhe pareceu (=apareceu) em semelhança de
2
No parêntese que segue um homem (13, DG, p.50)
cada ocorrência, encon- b. v. suporte de predicação (apreciação)
tram-se a indicação do
período de uso da forma E quanto mais lia, tanto ele me parecia melhor. (15,CP, p.215)
e os dados da obra de refe- c. v. encaixador de proposição (epistêmico de probabilidade/evidencial)
rência de onde as ocorrên-
cias foram extraídas (cf. Ora parece que meu filho serviu maau senhor. (13,DG,p.57)
TARALLO, 1991). Outras d. Satélite atitudinal adverbial (epistêmico/evidencial)
ocorrências do português
moderno foram extraídas ...vindo tão embebidos de suas danças, tendo parece alguma notícia do que
de Gonçalves (2003). se passava. (16,CJ, p.440)
on grammaticalization
seems to agree that it e a completiva, objetivo que pede uma concepção mais ampla
is not enough to define
grammaticalization as de gramaticalização, como, por exemplo, a oferecida por Bybee
the process by which a (2003, p. 602), que transcrevo abaixo: 3
lexical item becomes a
grammatical morpheme, Na literatura recente sobre gramaticalização parece consenso
but rather it is important
to say that this process que não é suficiente definir gramaticalização como o processo
occurs in the context of pelo qual um item lexical torna-se morfema gramatical, mas,
a particular construc- ao contrário, é importante dizer que esse processo ocorre em
tion […]. In fact, it may
be more accurate to say contexto de uma construção particular [...]. De fato, parece
that a construction with mais adequado dizer que é a construção com seus itens lexicais
particular lexical items particulares que se torna gramaticalizada do que dizer que é
in it becomes grammati-
cized, instead of saying o item lexical que se gramaticaliza. (grifos nossos)
that a lexical item be-
comes grammaticized. Sob essa concepção mais recente de gramaticalização,
(tradução minha).
4
Empresto esse termo
busco, neste, artigo, verificar, desta vez, quais parâmetros pro-
de Decat (2001). piciam o “desgarramento”4 da oração matriz e a sua atuação
Niterói, n. 21, p. 147-166, 2. sem. 2006 149
Sebastião Carlos Leite Gonçalves
físicos)
Construção com v.
suporte de predicação 0 0 9 16 13 46 15 18 117
(apreciação)
Construção com v. modal
0 0 3 1 6 3 3 0 16
(ME/EV)
Construção como satélite
0 0 0 2 2 3 0 3 10
atitudinal (ME/EV)
TOTAL (tokens) 6 4 34 62 43 86 37 44 316
Construção com v. pleno
27 26 23 42 40 83 20 9 270
(encontrar)
Construção com v.
encaixador de proposição 4 0 3 4 2 1 0 0 14
(percepção/EV)
Construção com v.
ACHAR
encaixador de predicação 1 0 3 3 3 7 9 23 49
(types)
(apreciação)
Auxiliar perifrástico
0 1 0 0 0 0 0 0 1
(decidir, resolver)
Construção encaixadora
0 0 0 0 0 2 1 16 19
de proposição (ME)
Construção como satélite
0 0 0 0 0 0 0 1 1
atitudinal (ME)
TOTAL(tokens) 32 27 29 49 45 93 30 49 354
Construção com v. pleno
1 5 0 0 0 0 3 0 9
(crer em alguém)
Construção com v. pleno
encaixador de proposição 3 7 0 0 0 0 5 0 15
(types)
CRER
(crer em algo)
Construção encaixadora
0 0 3 10 2 11 18 16 60
de proposição (ME)
Construção como satélite
0 0 0 2 0 1 5 4 12
atitudinal (ME)
TOTAL (tokens) 4 12 3 12 2 12 31 20 96
Considerações finais
Numa reinterpretação de dados sobre a gramaticalização
de dois tipos de construções com predicados de atitude propo-
sicional de natureza sintática diferente (GONÇALVES, 2003),
reafirmando suas trajetórias de mudança, mostrei nesse artigo
uma análise que considera conjuntamente tanto propriedades
da construção matriz quanto da construção encaixada. Procurei,
neste passo, oferecer evidências para as causas/motivações que
levam à mudança das construções matrizes no seu funciona-
mento como satélite atitudinal da oração independente em que
passa a atuar.
A existência de uma integração fraca entre os dois tipos
oração matriz e suas respectivas orações encaixadas é comprova-
da por recurso aos seguintes parâmetros: (i) referência temporal
independente; (ii) restrição do escopo de negação ao conteúdo
da oração encaixada; (iii) restrições de tempo, modo, pessoa e
número da oração matriz; (iii) perda de complementizador; e,
(iv) perda de propriedades de seleção de constituintes (redução
valencial). Confirmando esses critérios, recorri a dois parâmetros
que aferem a integração de orações: (i) a dessentencialização da
oração encaixada; e (ii) a gramaticalização do predicado matriz,
tendo constatado que os critérios propostos para a análise da
redução da oração encaixada aplicam-se com mais consistência
à gramaticalização da oração matriz formada pelos predicados
atitudinais. Essa constatação me conduziu à conclusão de que,
mesmo nesse caso, os critérios que se aplicam à oração encaixada
são válidos também para a oração matriz, uma vez que tanto um
conjunto de critério quanto o outro levam ao mesmo resultado:
a redução de oração. Sob tal interpretação, advogo ainda que, ao
mesmo tempo em que as construções com predicados atitudinais
se recategorizam como satélites atitudinais (gramaticalização,
portanto), elas também se dessentencializam, incorporando-se
Niterói, n. 21, p. 147-166, 2. sem. 2006 163
Sebastião Carlos Leite Gonçalves
Referências
Resumo
A caracterização tipológica da passiva envolve,
segundo Givón, (1981), três domínios funcionais:
atribuição de um tópico, impessoalização e detran-
sitivização. O principal interesse deste trabalho é
fornecer uma caracterização escalar e não discreta
para as diferentes construções de voz disponíveis
na gramática do português com base nesses três
domínios funcionais.
Palavras-chave: voz passiva, voz impessoal, voz
média, topicidade.
0. Introdução
A noção de que a gramática tradicional tem boas intuições
sobre os fatos lingüísticos, mas pouca precisão descritiva foi um
dos motivos que acionou o interesse pela construção de uma
gramática de referência do português, já em 1988, quando um
grande grupo de lingüistas de diferentes universidades brasilei-
ras reuniu-se em torno de um projeto comum de âmbito nacio-
nal, o ‘Projeto de Gramática do Português Falado’. Esse projeto
constitui a principal conseqüência de um anseio inaugurado no
Brasil, principalmente na década de 80, pela revisão do conceito
tradicional de gramática, traduzido em obras como Cunha e
Cintra (1985), Perini (1995), Bechara (1999) e, em Portugal, com
Mira Mateus e outros (1983); seus reflexos mais recentes se fazem
sentir nos trabalhos de Neves (2000) e Vilela & Koch (2001).
Um dos objetivos de uma gramática de referência não é
o de fornecer tão somente uma descrição do uso efetivo, mas
um conjunto de proposições que sirva de orientação sobre os
recursos disponíveis ao falante comum, num tipo de atividade
mais próxima da elaboração normativa, nunca da prescritiva:
“A distinção entre o ponto de vista prescritivo e o ponto de vista
normativo se estabelece, essencialmente, sobre uma definição
de norma, fundamentada nas freqüências observáveis dos fatos
funcionais” (FRANÇOIS, 1979, p. 93)
Assim, o percurso que medeia a descrição dos dados e a
construção de uma gramática com base em ‘freqüências obser-
váveis’ tem como origem uma reflexão sobre a “autoridade dos
fatos”, própria de uma descrição científica, e como alvo uma refle-
xão sobre o “fato de autoridade” (FRANÇOIS, 1979, p. 93), própria
de uma gramática. Na construção de uma gramática normativa
desse tipo as perguntas que se impõem são, em primeiro lugar,
como a descrição e a explicação teoricamente fundamentada que
se faz no âmbito acadêmico pode transformar-se num discurso
sobre as regras efetivamente em uso? E, em segundo lugar, em
que grau aspectos relevantes da descrição do fenômeno abordado
está próximo ou distante do modo tradicional de descrição das
gramáticas puramente prescritivas em uso no ensino escolar?
Responder a essas questões, mesmo de forma indireta, é
uma das preocupações que norteiam este trabalho, que procura
refletir sobre a relação entre o trabalho descritivo e o normativo,
com base no enfoque de um fenômeno lingüístico particular, o
domínio funcional da voz, já suficientemente submetido ao es-
crutínio da pesquisa lingüística (MOINO, 1989; CUNHA, 1994;
CAMACHO, 2002).
De um ponto de vista tipológico, as construções de voz
exercem uma diversidade de valores semântico-oracionais e
pragmático-discursivos, codificados na sintaxe por diferentes
tipos de configurações estruturais. É justamente em função dessa
Abstract
According to Givón (1981), the typological cha-
racterization of passive involves three functional
domains: clausal topic assignment, impersonali-
zation and de-transitivization. This paper´s main
objective is to provide a scalar, non-discrete cha-
racterization to the different voice constructions
available in Portuguese grammar on the basis of
those three functional domains.
Keywords: passive voice, impersonal voice, mi-
ddle voice, topicality.
Referências
Resumo:
Este texto tem por objetivo examinar e quantificar
o grau de transitividade (THOMPSON & HO-
PPER, 2001) de enunciados ressoantes, isto é:
enunciados proferidos por interlocutores diferentes
em que se estabelece uma relação de mapeamento
tanto estrutural quanto lexical. A análise é nor-
teada por princípios da abordagem funcionalista,
em seu modelo norte-americano.
Palavras-chave: ressonância; transitividade;
subjetividade.
1 – A noção de ressonância
Neste ensaio, dou prosseguimento ao estudo das resso-
nâncias na conversação espontânea em português, iniciado em
Saraiva (2005). Para desenvolvimento dessa análise, convém
esclarecer que Du Bois (2001) propõe um novo modelo no trata-
mento da língua em uso, denominado por ele Sintaxe Dialógica.
Considerando tal abordagem como um ramo da Sintaxe Conven-
cional e não como um modelo alternativo, o lingüista enfatiza
o papel dos enunciados em que se instaura a ressonância como
o reflexo mais transparente do envolvimento estabelecido entre
os interlocutores no calor da interação dialógica. Nos momentos
de envolvimento intenso, os falantes constróem seus enunciados
reutilizando recursos, como por exemplo os léxico-estruturais,
que acabaram de ser usados por seus parceiros de diálogo. Nas
palavras de Du Bois, estabelece-se uma relação de mapeamento
entre o enunciado do primeiro falante, que funciona como ma-
1
Os dados deste traba- triz, e o do segundo, que o explora para efeitos de ressonância.
lho foram extraídos de
conversações espontâ-
Dessa forma, a ressonância é uma propriedade de enunciados
neas que fazem parte produzidos por falantes diferentes em situação de interação
do banco de dados do
GREF – Grupo de Estu- dialógica. É um fenômeno pelo qual um falante explora padrões
dos Funcionalistas da utilizados por seu interlocutor, para reutilizá-los em sua fala,
Linguagem (CNPq), por
mim coordenado. As fazendo emergir “afinidades” em diversas dimensões da forma
normas de transcrição
seguiram as sugestões
e do significado. Tais “afinidades” são, portanto, ativadas em
do Projeto NURC/SP contexto, no uso real da língua.
(CASTILHO; PRETTI,
1986, p. 9-10). Os inter-
A título de exemplificação, considerem-se os dados grifados
locutores são falantes a seguir: 1
do português do Brasil,
de nível universitário
completo, que apresen-
(1) (L1 e L2 conversam sobre roupa)
tam alto grau de inti- L1 – mas será que combina?
midade.
Nos exemplos, cada li- eu acho que não né?
nha corresponde a uma L2 – ah não... nada a ver...
unidade entonacional
(UE). A divisão em UEs L1 - nada a ver...
das conversações anali-
sadas foi efetuada por
Beatriz da Matta. Agra- (2) (L1 e L2 estão vendo fotos)
deço a Andressa Jorge
Sarsur a colaboração L1 – qual que ocê quer ver primeiro...
no levantamento dos (...)2
dados.
2
Nos exemplos, ado- vão vê das paisagens...
tou-se a convenção de L2 – nó que lin::do né?
usar para trechos que
foram retirados por não L1 – nossa ficou lin::do...
serem relevantes para a
ilustração. L2 – nossa essas andorinhas aí tão maravilhosas...
3
Para uma análise de-
t al hada das f u nções Em (1) e (2), observa-se que as recorrências destacadas evi-
discursivas das resso- denciam uma concordância entre os pontos-de-vista dos locuto-
nâncias, consulte-se a
dissertação de Beatriz res. Porém as ressonâncias se prestam a inúmeras outras funções
da Matta, por mim orien
tada: Ressonâncias léxico-
discursivas (discordância, retificação, ironia, humor, estabeleci-
estruturais na conversação mento de contato etc.), como se pode verificar a seguir:3
espontânea em português
(FALE/UFMG, 2005).
Referências
Resumo
O presente trabalho tem por objetivo focalizar,
especificamente, os processos de intensificação
no que se refere aos seus aspectos semântico-cog-
nitivos. Para isso busca os subsídios teóricos da
semântica cognitiva, segundo a qual a linguagem
codifica os esquemas cognitivos estruturados a
partir de nossa experiência com a realidade. Essa
codificação reflete combinações metafóricas exis-
tentes entre domínios de natureza mais “concreta”,
adquiridos do modo como conceitualizamos nossa
relação com o mundo, e outros de natureza mais
abstrata. Nessa perspectiva, admite-se que o recur-
so à intensificação, em boa medida, constitui uma
construção metafórica, operada pelo estabeleci-
mento de relações analógicas com noções oriundas
de determinados conceitos de base mais “concreta”,
como quantidade, tamanho/dimensão, localização
(horizontal ou vertical), peso/força etc.
Palavras-chave: intensificação; semântica cog-
nitiva; metáfora.
Introdução
A intensificação, ao lado da transitividade, da predicação,
da negação e de outros, figura entre os universais semântico-
lingüísticos (LEHMANN, 1991; MARTIN, 2003; KEMMER, 2003).
Não há dúvida de que se trata de uma das estratégias discursi-
vas mais utilizadas nos processos de interação verbal, dos mais
simples e descontraídos, como é o caso de uma conversa íntima,
àqueles mais ritualizados e formais, como o discurso acadêmico,
por exemplo.
No entanto, embora reconheça o caráter funcional – i.e.
discursivo-pragmático – da intensificação (e estou considerando
esse aspecto em meu trabalho de doutoramento), pretendo, aqui,
focalizá-la exclusivamente no que se refere aos aspectos semân-
tico-cognitivos, advogando seu caráter metafórico, cujas bases
se assentam nas experiências físico-sensoriais, psicoafetivas e
socioculturais humanas, em que colaboram processos de natu-
reza cognitiva. Utilizo como referencial teórico os postulados da
semântica cognitiva, conforme defendidos por pesquisadores
como Lakoff e Johnson (1999, 2002), Tomasello (2003), Croft e
Cruse (2004), entre outros.
O material de análise é extraído do Corpus Discurso &
Gramática (FURTADO DA CUNHA, 1998) – doravante, Corpus
D&G, constituído de textos orais e escritos produzidos por alunos
dos níveis fundamental e médio e por universitários. Recorro,
ainda, a textos avulsos colhidos em situações reais de comunicação,
principalmente jornais e revistas, entre outros.
Breves considerações teóricas
Lakoff e Johnson (1999, 2002) postulam que o pensamento
tem base corporal. Isso porque é mediante o corpo que o indi-
víduo se relaciona consigo mesmo, com o mundo físico e com o
ambiente sociocultural ao seu redor. E é, portanto, através dessa
interação que constrói os conceitos, os quais, por sua vez, são
traduzíveis via linguagem. Logo, não há como negar a relação
intrínseca existente entre experiência, pensamento e linguagem
(cf. MARMARIDOU, 2000).
Para esses pesquisadores, o grande equívoco da tradição
filosófica ocidental tem sido a crença de que a razão é inde-
pendente do corpo, e que é essa autonomia que nos caracteriza
como seres humanos, distintos das outras formas de vida. Ao
contrário, o nosso sistema conceptual emerge de nosso contato
corporal com o mundo que nos cerca. Esses conceitos nos per-
mitem caracterizar mentalmente as categorias e raciocinar sobre
elas. Tais categorias são parte de nossa experiência, isto é, são
parte daquilo em que nossos corpos e cérebros estão engajados
em nossa relação com o ambiente biofísico e sociocultural.
(04) “O que? Adoro ele [Thiago Lacerda], que ele é lindo demais, que é GA-
TÉ-SI-MO!”.
(06) adjetivo: bonito < lindo, pobre < miserável, bravo < furioso, frio <
gelado;
(07) verbo: pedir < implorar; falar < tagarelar, gastar < esbanjar, abrir <
escancarar;
(13) “A gente anda, anda, anda. Mas não vende nada.” (Isto É,
21/01/1998).
(19) “Se tanto falaram nos sósias, por que não ir atrás deles? A captura
de um sósia do ex-ditador [Saddam Hussein], de perfil igualmente
rechonchudo, o bigodão espesso e o jeito absurdamente bonachão, para
alguém com as mãos tão manchadas de sangue,...” (ibidem);
3
Vale notar que -inho,
por sua relação com
pequenez, em geral apa- (20) “Uma noite, by Olimpo, das mais agradáveis... Que saudade! Adroaldo
rece como intensivo as- Carneiro foi – queridíssimo, Aladim! E Tony Glamour, metiiiido,
sociado a palavras cuja todo pé-de-alface!... Betíssima Almeida, linda! Linda! Linda! E Rita
noção indica direção Macedo – que astral, que charme!... Henrique Fonseca e Terezérrima,...”
para menos (como em
pequenininho, cedinho) E muito, muito mais.” (SABOYA, C. de. Diário de Natal, 09/10/2004,
ou valor negativo; no p. 3).
caso de -ão, a idéia in-
tensiva combina-se com
lexemas que denotam Observe-se que, em (18), o primeiro mais – reforçado por
direção para mais ou ainda – revela intensificação, enquanto o segundo denota inequi-
valor positivo (como em
grandão, bonitão etc.). vocamente quantidade, incluindo aí, também, menos. No frag-
4
Nesse caso, a relação mento (19), no início, tanto carrega um sentido mais quantitativo;
não é apenas quanto ao
maior taman ho, mas já na segunda vez (tão) encerra uma idéia intensiva. Do mesmo
também por ser mais modo, o primeiro -ão (em bigodão) expressa a noção de tamanho;
velho e dar a noção de
poder. Como exemplo, no segundo emprego (em bonachão), denota claramente intensi-
tem-se: “A banda [Mo-
tim] leva uma senhora
dade. No trecho (20), o primeiro mais é intensivo; o segundo dá
vantagem em relação aos a idéia de mais informação/novidade sobre os acontecimentos
g rupos mais jovens”
(Jornal Hoje. TV Globo, da noite anterior. Nas demais formas, vemos o alongamento si-
06/07/2004). lábico em metiiiido; os acréscimos morfológicos em queridíssimo,
Niterói, n. 21, p. 201-218, 2. sem. 2006 209
José Romerito Silva
3 - em japonês:
(37) ippai = muito(s), bastante(s), demais
• ippai daigakusé ga = muitos alunos universitários (noção quantitativa);
• ippai muzukashii = muito difícil (exprime intensidade) – (exemplos
coletados de um falante nativo).
4 - em húngaro:
(38) nagy = grande, muito, demais:
• nagy ház = casa grande (noção de tamanho/grandeza);
• nagyon yó = muito bom (idéia intensiva).
(46) ‘( עלal) = sobre, acima, por cima de, além, mais, extremamente:
• ... do meio dos dois querubins que estão sobre a arca do testemunho,
falarei contigo... – Ex. 25:22 (exprime localização vertical);
• “Pois tu, Senhor, és o Altíssimo sobre toda a terra; tu és sobremodo
elevado acima de todos os deuses.” – Sal. 97:9 (noções de superioridade
e de intensidade).
5
Os exemplos nos ca-
sos (47) a (52), p. 20-
22, são todos traduções
minhas.
Conclusão
Essas poucas amostras ajudam-nos a perceber a motivação
cognitiva que embasa a formação de intensidade. Tais configura-
ções lingüísticas vêm confirmar a idéia de que a intensificação,
do mesmo modo que muitas outras noções, é expressa em termos
metafóricos, cujo fundamento se encontra nas relações analógi-
cas operadas cognitivamente entre domínios da nossa relação
corporal (e, portanto, concreta) com o mundo físico-social em
que estamos inseridos e outros de natureza mais abstrata. Nesse
sentido, podemos facilmente recuperar as associações semân-
tico-metafóricas estabelecidas entre as formas intensificadoras
expostas e as respectivas noções de peso/força, tamanho/di-
mensão, quantidade, espaço, impacto visual, sensações/estados
psicoafetivos de base experiencial mais concreta.
O mais interessante nisso é que, mesmo considerando-se
o fato de que as metáforas não estão estocadas a priori na mente
dos falantes, sendo, portanto, construídas nos ambientes socio-
culturais específicos da cada comunidade de fala, a codificação
intensiva parece evidenciar, translingüisticamente, uma espécie
de padrão cognitivo mais ou menos comum, apontando, rela-
tivamente, para as mesmas noções básicas das quais deriva.
Quer dizer, para exprimir intensidade, os locutores lançam mão
dos mesmos recursos metafóricos em maior ou menor grau de
semelhança, ou seja, apóiam-se quase nas mesmas analogias
experienciais fundantes. Isso pode sinalizar que, muito prova-
velmente, existam esquemas metafóricos mais relacionados com
nossa própria maneira de ser e de estar no mundo, independente
das especificidades culturais e lingüísticas.
Abstract
The present paper aims to focuse the semantic
and cognitive aspects of the intensity processes.
Thus takes the theoretic accounts of Cognitive
Semantics, to which language encodes the cogni-
tive schemas structured from our experience with
reality. Linguistic symbols reflect the metaphorical
combinations between more “concrete” domains,
acquired from the way how we conceptualize
our relation with the world, and those of more
abstract nature. From this point of view, we
claim that intensifiers are mostly metaphorical
constructions based on analogical relations with
some more “concrete” concepts such as quantity,
size/dimension, localization (horizontal or verti-
cal), weight/strength and so on.
Keywords: intensity – cognitive semantics
– metaphor.
Referências
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Parábola, 2003. (Na Ponta da Língua, 6).
Resumo
Estudo dos processos não-concatenativos do portu-
guês brasileiro, com base na morfologia prosódica
(McCARTHY, 1981, 1986). Descrição do formato
morfo-prosódico da reduplicação, do truncamento,
da hipocorização e do blend lexical.
Palavras-chave: morfologia não-concatenativa;
interface fonologia-morfologia; morfologia pro-
sódica.
Introdução
O objetivo deste texto é mostrar que o português, apesar de
ser uma língua de morfologia predominantemente aglutinativa,
também faz uso de processos não-concatenativos (McCARTHY,
1981) para ampliar seu vocabulário ou para expressar carga emo-
cional variada. Proponho que essas operações morfofonológicas
sejam distribuídas em três grupos: (a) processos de afixação
não-linear (reduplicação), (b) de encurtamento (truncamento e
hipocorização) e (c) de fusão (mesclagem lexical e siglagem).
Não descritos de forma sistemática em nossa língua e in-
terpretados como irregulares pela maior parte dos estudiosos
que lhes dedicaram alguma atenção (ROCHA, 1998; FREITAS,
1998; LAROCA, 1994; SANDMANN, 1990; BASÍLIO, 1987), os
chamados processos marginais de formação de palavras encon-
tram guarita em abordagens não-lineares, como a morfologia
prosódica (McCARTHY, 1986; McCARTHY; PRINCE, 1990), e
podem ser considerados circunscritivos (LACY, 1999): inteira-
mente desprovidos de conteúdo subjacente, têm materialização
segmental resultante da delimitação de um domínio sobre a(s)
base(s) e tamanho determinado por restrições sobre a forma
prosódica.
Na história da morfologia, processos não-concatenati-
vos – os “mal-comportados da formação de palavras” por não
se ajustarem bem ao modelo Item-e-Arranjo (JENSEN, 1991)
– foram diretamente responsáveis pelo esvaziamento da noção
de morfema, que de “coisa” também passou a ser interpretado
como “regra”. A razão desse mal-comportamento, mostra Spen-
cer (1991, p. 133), repousa no fato de tais operações não constitu-
írem morfologia pura, mas morfologia que requer acesso a informações
prosódicas, resultando da integração de primitivos morfológicos
(radical, afixo) com primitivos prosódicos (mora, pé).
Com o advento das fonologias não-lineares, operações não
processadas pela adjunção sintagmática de morfemas foram
progressivamente ganhando destaque, passando de morfologia-
fundo à morfologia-figura. Desde McCarthy (1981) – abordagem
pioneira sobre a infixação em árabe a partir do padrão CCC de
raízes –, vem crescendo o interesse por processos não-concate-
nativos: diversas análises sobre reduplicação, infixação e ablaut
proporcionaram o rápido desenvolvimento da morfologia pro-
sódica (McCARTHY, 1986) e, nos dias de hoje, operações desse
tipo são de interesse central na chamada “teoria da correspon-
dência” (McCARTHY; PRINCE, 1995), uma extensão da “teoria
da otimalidade” aplicada à morfologia (BENUA, 1995).
Pesquisas sobre fenômenos não-aglutinativos são vitais
para a consolidação da teoria da correspondência, cuja relevân-
cia vem sendo questionada nos últimos anos (HALE; KISSOCK;
REISS, 2000 ; WALTHER, 2001). Está sendo posta em xeque a
1.1 Reduplicação
Em Couto (1999), encontra-se uma coleção de processos
de reduplicação utilizados no português do Brasil. Dessa lista,
duas operações são particularmente produtivas: (i) a cópia da
sílaba tônica de prenomes para formar hipocorísticos (primeira
coluna de 01) e (ii) a reprodução de todos os elementos de um
verbo para formar um substantivo, na grande maioria das vezes
lexicalizado (segunda coluna).
(1) Fátima > Fafá Puxa-puxa ‘doce’
Angélica > Gegé Bate-bate ‘carrinho de autopista’
Carlos > Cacá Pega-pega ‘brincadeira infantil’
Barnabé > Bebé Lambe-lambe ‘máquina fotográfica’
André > Dedé Pula-pula ‘brinquedo de parque
de diversão’
1.2 Hipocorização
De acordo com Gonçalves (2001, p. 1), hipocorização é o
processo pelo qual nomes próprios são abreviados afetivamen-
te, resultando numa forma diminuta que mantém identidade com o
prenome ou com o sobrenome original. Hipocorísticos devem ser
interpretados, pois, como apelidos. Se, por um lado, hipocorís-
ticos são apelidos, por outro apelidos não são, necessariamente,
hipocorísticos. Em outras palavras, a seta que relaciona esses dois
conceitos não é bidirecional, uma vez que apelido, na qualidade
de hiperônimo, é, nas palavras de Monteiro (1987, p.187), termo
geral de que os hipocorísticos constituem espécie.
Para haver hipocorização, é necessário que o termo afetivo
apresente relação de correspondência com o prenome (GON-
ÇALVES, 2001), isto é, deve haver fidelidade suficiente para
que o antropônimo seja rastreado. Dessa maneira, ‘Chico’ é
hipocorístico de ‘Francisco’, mas não ‘Quino’, analisado apenas
como apelido.
Em Gonçalves (2001), apresenta-se uma lista de sistemas
de hipocorização encontrados no português do Brasil. O mode-
lo default, exemplificado em (03), preserva o acento lexical das
palavras-matrizes, escaneando, da direita para a esquerda, um
troqueu moraico. Se a sílaba final apresentar coda, o pé será mo-
nossilábico (coluna 1). Caso contrário, o troqueu será constituído
de duas sílabas leves (coluna 2).
(03) Raquel > Quel Felipe > Lipe
Irineu > Neu Marilena > Lena
Miguel > Guel Leopoldo > Poldo
Marimar > Mar Augusto > Guto
Marissol > Sol Fernando > Nando
2
Redução vocabula r Com função de atitude subjetiva (BASÍLIO, 1987), a hipoco-
(ALVES, 1990), abre-
viação (SANDMANN, rização não leva à formação de uma nova palavra, não apresen-
199 0), Braqu i s s em i a
(MONTEIRO, 1987) e
tando, portanto, função lexical. Por seu caráter essencialmente
retroformação (SÂN- afetivo, esse processo se assemelha à linguagem infantil, fazendo
DALO, 2001) são va-
riações terminológicas emergir formas não-marcadas (McCARTHY; PRINCE, 1994).
usadas para descrever
esse processo de forma-
ção de palavras que, ao 1.3 Truncamento
contrário da prefixação
e da sufixação, consiste Formações truncadas (04) sinalizam o impacto pragmático
na diminuição do cor-
po fônico da palavra
do falante em relação ao enunciado, ao referente ou ao interlocu-
derivante. tor. Dessa maneira, o truncamento2 pode ser concebido como re-
curso morfológico de natureza expressiva, estando relacionado,
1.5 Siglagem
Siglagem, redução sintagmática (LAROCA, 1994), acro-
nímia (MONTEIRO, 1987) e abreviação (SANDMANN, 1990)
são termos que fazem referência a um processo que consiste
na combinação das iniciais de um nome composto ou de uma
expressão. Os dados de (06) evidenciam que o segmento inicial
pode ser um som ou uma sílaba.
(1) CUT (Central Única dos Trabalhadores)
BANERJ (Banco do Estado do Rio de Janeiro)
EMBRATEL (Empresa Brasileira de telecomunicações)
PT (Partido dos Trabalhados)
CDF (Cabeça de Ferro)
nossilábicas (‘cai-cai’)
e trissilábicas (‘agarra- cante, de modo que não há qualquer discrepância – nem mesmo
agarra’ e ‘esconde-es-
conde’) fogem à gene- de traços – entre esses elementos. Como se vê, a reduplicação de
ralização e constituem
problema marginal nes-
formas verbais realmente pode ser definida como um tipo de
sa análise. De qualquer afixação, tanto do ponto de vista morfossintático (por envolver
forma, levando em conta
os resultados de Araújo
mudança de classe e por veicular o conteúdo ‘iteratividade’),
(2000, p. 09), 90% dos quanto do ponto de vista da posição em relação à base.
casos de reduplicação
em verbos incidem em De acordo com McCarthy; Prince (1995), reduplicantes
bases dissilábicas. tendem a apresentar estruturas fonologicamente não-marcadas,
Em outras palavras,
levando-se em conta o leque de possibilidades fonotáticas da
4
reduplicantes tendem a
manifestar apenas um língua.4 Com base nos dados de (08), podemos afirmar que a
sub-conjunto de opções
fonotáticas permitidas reduplicação bane sílabas finais travadas, em favor de abertas,
pela língua. A expressão e incide basicamente em pés binários com cabeça à esquerda.
“emergência do não-
marcado” (McCARTHY; Estruturas ‘CV.CV – as que emergem na formação de substan-
PRINCE, 1994) explicita
a idéia de que línguas
tivos deverbais reduplicativos – são indiscutivelmente ótimas
desenvolvem estruturas em português: nenhuma outra forma da língua pode ser menos
não-marcadas nos con-
textos em que a influên- marcada que um dissílabo paroxítono constituído de sílabas
cia da fidelidade não é abertas.
tão imperativa.
8
A grande maioria dos Nos blends, a combinação de palavras promove ruptura
sufixos do português na ordem linear estrita por meio de um ovelapping, que leva a
apresenta o mesmo for-
mato da circunscrição uma correspondência de um-para-muitos entre forma de base
negativa: um dissílabo
iniciado por vogal que,
e forma cruzada. Como resultado, uma das bases é realizada
com o onset da base, for- simultaneamente com uma parte da outra. Veja-se (21) abaixo:
mará a penúltima sílaba
da palavra derivada.
(21)
(1) os dois primeiros grupos têm como input uma única base,
a partir da qual opera a circunscrição prosódica; os do
terceiro, ao contrário, requerem pelo menos duas bases;
(2) as operações dos grupos (a) e (b) podem ser consideradas
derivacionais, ao passo que os do grupo (c) devem ser
interpretadas como casos de composição;
(3) os processos do grupo (a) levam o material rastreado a
se adjungir à forma de base, o que não acontece com os
demais;
(4) os mecanismos do grupo (b) não formam palavras novas,
haja vista que o item derivado – que pode ser considerado
sinônimo do derivante – é marcado pela função expres-
siva (BASÍLIO, 1987);
(5) os do grupo (c) apresentam função lexical, uma vez que
o produto é geralmente uma nova palavra na língua.
No decorrer do texto, procurei refutar a tese de que esses
“processos marginais de formação de palavras” são idiossincrá-
ticos (ALVES, 1990; MONTEIRO, 1987). A regularidade de tais
operações provém da integração de primitivos morfológicos
com primitivos prosódicos e, por isso, uma abordagem mais
compreensiva de tais fenômenos requer enfoque a partir da
interface morfologia-fonologia. Os procedimentos analíticos da
morfologia prosódica – moldes e circunscrições – possibilitam
descrever processos não-concatenativos de modo bastante na-
tural, explicitando que eles não constituem, de fato, “morfologia
pura”, mas “morfologia fonológica”, nas palavras de McCarthy
(1986).
Abstract
Approaches of Brazilian Portuguese non-conca-
tenative morphological process within the fra-
mework of prododic morphology (McCARTHY,
1981, 1986). Description of morphological and
prosodic patterns of reduplication, truncation,
lexical blend, inter alia.
Keywords: non-concatenatie morphology;
phonology morphology interface; prosodic mor-
phology.
Referências
Resumo
O presente estudo propõe-se classificar e analisar
os diferentes usos do verbo ficar, sob o ponto de
vista semântico, à luz de um enquadramento fun-
cional. A descrição efectuada nesta investigação
respeita à variante brasileira do português.
Palavras-chave: usos, funcionalismo, ficar, pre-
dicação, semântica.
(03) Não deu para chegar mais cedo, portanto vamos eliminar uma parte da
reunião.
+ condição física
: DS2 ⇒ Sprep
+ intervalo de tempo
: (x1 ) ⇒ SN
___ Φ
A – II Posicionais:
manter-se
Básico DS (+ modo) F4
relativamente à
Básico acção repetitiva DS (+ ação) F5
manter condição
Locativo x 2 (+ lugar) F6
anterior
B–I Processuais:
ganhar aparência
Básico DS (+ apreciação) F7
de
Básico alcançar um valor DS (+ numeral) F8
Básico classificar-se DS (+ item ordenado) F9
DS (+ origem () +
Básico restar F10
fim)
DS2
Básico resultar em DS (+ condição física) F11
(+causa () tempo)
DS2
Experiencial passar a sentir-se DS (+ sentimento) F12
(+causa () tempo)
B – II Accionais:
Possessivo reter x2 F13
Experiencial responsabilizar-se x2 F14
-p T p (Mudança)
P T p (Não-Mudança)
-p T -p (Não-Mudança)
P T -p (Mudança)
(15) Se não souber o que dizer, fique em silêncio. (DS2 = enquanto não souber
o que dizer)
(16) Sta. Teresa ficou sem água o dia inteiro. (DS2 = durante o dia inteiro)
(17) Fiquei sem meu ajudante por 3 meses. (DS2 = por 3 meses)
(20) Tenho 18 anos e fiquei indignada ao ler o depoimento da mulher que fez 3
abortos. (DS2 + tempo)
+ condição física
: DS2 ⇒ Sprep
+ intervalo de tempo
: (x1 ) ⇒ SN
___ Φ
(23) Ele ficou de cama durante 2 dias mas depois foi trabalhar ainda que não
estivesse completamente curado.
(25) Os seus objetos de prata podem ficar reluzentes por cinco anos depois de
polidos. A prata recebe uma camada de verniz plástico incolor.
(26’) João disse a ela, sem levantar os olhos, que saísse, imediatamente.
(30) Resistindo à tentação de ficar com todas, decidi ficar sempre com a que
traz, além das tabelas e dos mapas, as fases da lua.(F13)
(32) Sta. Teresa ficou sem água por uma falha da CEDAE. (F11)
• adjectivos comuns
• adjectivos deverbais
• formas V+do
• locuções prepositivas
Deixando de lado, por agora, as locuções prepositivas, res-
ta-nos um grupo de formas classificadas indistintamente como
adjectivos. Dentro deste grupo encontram-se as formas [V+do],
que poderiam representar um problema de classificação quando
consideradas na análise dos constituintes das predicações de
ficar. Isto dá-se, em primeiro lugar, por uma certa dificuldade,
à primeira vista, de se determinar se, em presença das formas
[V+do], o predicador ficar não pode ser classificado como verbo
auxiliar. Isto é, há necessidade de se eliminar a possibilidade de
tratar-se de um predicador em que ocorre passivização, pois,
como determina Peres, só verbos plenos podem ser predicadores
de um estado-de-coisas.
Tendo em conta Mateus e outros (1989), que consideram
uma parte das ocorrências de ficar como variante aspectual de
estar, e considerando que, enquanto variante aspectual de estar,
ficar não ocorre como verbo pleno, as ocorrências com ficar +
[V+do] não poderiam, portanto, ser analisadas, no âmbito deste
estudo. Tornou-se, deste modo, relevante mostrar que as formas
[V+do] encontradas entre os constituintes das predicações ana-
lisadas não têm função verbal, ou seja, não participam de uma
transformação resultante do procedimento de passivização de
uma forma verbal transitiva directa. Para este fim, submetemos
essas ocorrências à aplicação das 10 propriedades relacionadas
por Pimenta-Bueno (1986) para a distinção das circunstâncias
textuais e dos ambientes sintácticos em que se realiza uma ou
outra função das formas [V+do], ou seja, se em função adjectival
ou se em função verbal.
A fim de enquadrar a nossa análise com dados justificáveis
pelas hipóteses estabelecidas por Pimenta-Bueno, analisamos
cada uma das ocorrências [V+do] encontradas entre os exem-
plos listados. Tomemos o predicador Φ ⇒ Ficar + DS1, onde DS1
terá como representação, no componente formal, elementos que
ocorrem, indistintamente, como:
• Adjectivos comuns (sozinho, impaciente, etc);
• Adjectivos deverbais ( parado, transitável, etc);
• Formas [V+do] originadas de verbos transitivos directos
que obedeçam à tipologia das propriedades levantadas
por Pimenta-Bueno.
Antes de expor os resultados da análise das formas [V+do]
contidas no corpus deste estudo, consideramos relevante fazer
referência à classificação estabelecida por Pimenta-Bueno, que
estabelece uma minuciosa descrição das formas [V+do]. Para a
autora, as formas [V+do] dividem-se em dois grupos: (a) vocá-
bulos cuja base não é um verbo transitivo directo e que são os
Niterói, n. 21, p. 243-267, 2. sem. 2006 261
Ida Rebelo e Paulo Osório
(36) O gato ficou com tanto medo que subiu literalmente as paredes. (F12)
Abstract
The study presented here aims at classifying and
analysing the different uses of the verb ficar from
a semantic point of view, following a functionalist
approach. This description concerns the Brazilian
variety of the Portuguese language.
Keywords: uses, functionalism, ficar, predication,
semantics.
Referências
Resumo
Este trabalho apresenta um estudo sobre a variação
no uso do modo subjuntivo nas orações relativas
e completivas no falar de quatro comunidades
rurais afro-brasileiras do interior do Estado da
Bahia. Com o suporte teórico-metodológico da
sociolingüística variacionista e o recurso ao pacote
de programas VARBRUL para o processamento
quantitativo dos dados lingüísticos, analisou-se o
encaixamento desse processo variável na estrutura
lingüística e social das comunidades de fala estu-
dadas. Do ponto de vista lingüístico, as formas do
modo subjuntivo ocorrem com maior freqüência
em duas situações: (i) uma de base morfológica,
em que o uso das formas de subjuntivo se dá tanto
com verbos quanto com o tempo em que a oposi-
ção subjuntivo versus indicativo é mais saliente;
(ii) outra de base semântica, em que o contexto
de irrealidade tende a favorecer o uso do modo
subjuntivo.
Palavras-chave: sociolingüística; língua portu-
guesa - subjuntivo; comunidades afro-brasilei-
ras - Bahia.
Introdução
Neste trabalho, aplicamos a teoria da variação lingüística
laboviana, além de nos pautar também na teoria da transmissão
lingüística irregular (TLI), como forma de explicar a variação
no uso dos modos verbais entre falantes de comunidades ru-
rais afro-brasileiras isoladas, situadas no interior do estado da
Bahia. Com efeito, em linhas gerais, consideramos a hipótese
de que a variação no uso do subjuntivo nessas comunidades
seja resultado do processo de transmissão lingüística irregu-
lar, desencadeado pelo massivo contato do português com as
línguas africanas, ocorrido nos períodos colonial e imperial.
Acreditamos que nessas comunidades, diferentemente do que se
observa em pesquisas no português urbano, o subjuntivo vem
gradativamente ganhando ambiente antes ocupado apenas pelo
indicativo, visto que os antepassados desses falantes devem ter
adquirido através do processo de TLI as formas do indicativo,
pois este modo, por se referir a eventos reais, tende a ser mais
usado na comunicação, podendo ser definido como o modo
morfologicamente não marcado. Atualmente, o subjuntivo vem
sendo adquirido por estes falantes em decorrência da difusão
dos meios de comunicação e de toda a infra-estrutura propiciada
pela urbanização de nosso país.
1 O fenômeno estudado: o modo subjuntivo
A tradição gramatical apresenta um sistema de modo
verbal, cujo emprego se baseia ora em critérios semânticos, ora
em critérios sintáticos e formais. De fato, se nos pautarmos na
gramática tradicional, observaremos uma miscelânea de regras
que norteiam o emprego dos modos verbais, especificamente
do subjuntivo.
Esse conjunto de fatores arrolados pela tradição gramatical
portuguesa atesta a variação no emprego dos modos verbais,
uma vez que apresenta, por exemplo, a anteposição ou pospo-
sição do advérbio talvez ao verbo como regra de emprego de
subjuntivo ou de indicativo, respectivamente, como se o advérbio
por si só marcasse a atitude que deveria ser categoricamente
expressa pelo verbo, como em:
(i) Talvez eu compre uma camisa;
exemplo “...e se ela vem na nova, ...a gente espera qu’ela vem na-
quele mesmo... naquela mesma base, né, é por isso qu’a gente tá
visano, né?” (Cinz., 06).
1b. Tá bonito... cemitéro era como daí pra lá, pro dentro des-
ses eucalipe. Ieu...Ieu fui lá quando tava pequeno ‘inda. Até...
pode sê que eu vô quand’eu tivé...quand’eu morrê, [às vez] vô
contente, porque a tera de nós verdadêra é esse lá (Hel., 13).
1c....e se ela vem na nova, ...a gente espera qu’ela vem naquele
mesmo...né? (Cinz., 06).
O contexto de irrealidade pode ser considerado um fator fa-
vorável ao uso desse modo verbal. Assim, a forma de subjuntivo
nas comunidades de fala analisadas é também condicionada por
um parâmetro semântico. Observamos que as formas de sub-
juntivo, nos contextos marcados pelo traço de irrealidade, vem
ganhando ambiente junto ao modo indicativo. Observe que os
valores hipotético e (in)desejado apresentam uma percentagem
(27%) abaixo da média geral (29%) de uso do subjuntivo e que
o fator irreal apresenta apenas 35% de uso do subjuntivo, per-
centagem reduzida quando comparado com o uso desse modo
verbal no português urbano.
Considerações finais
Para compreendermos o português do Brasil, é necessá-
rio conhecer a história tanto do português urbano, quanto do
português rural, observando a origem e a constituição dessas
realidades lingüísticas. Temos os negros e seus descendentes
como um dos agentes na difusão do PPB, em partes do terri-
tório brasileiro. Os negros adquiriram o português de forma
irregular, sem auxílio de meios normatizadores, produzindo
uma variedade da língua portuguesa marcada pela redução na
morfologia flexional do verbo. Em decorrência da urbanização
e da difusão dos meios de comunicação, as comunidades rurais,
especificamente as afro-brasileiras, passaram por um proceso de
mudança em direção à aquisição das formas de subjuntivo.
Diante do exposto, identificamos, em nossa análise varia-
cionista dos padrões de comportamento lingüístico das comu-
nidades afro-brasileiras do interior do Estado da Bahia, que a
aquisição do subjuntivo por falantes de comunidades constitu-
ídas por afro-descendentes desencadeia-se, do ponto de vista
lingüístico, a partir de dois fatores: (i) um de base morfológica,
em que a forma mais saliente, em termos morfofonológicos (tan-
to os verbos quanto os tempos), favorece a implementação das
formas do subjuntivo; (ii) outro fator semântico: as formas do
subjuntivo começam a ser empregadas nas referências a eventos
claramente irreais. Na verdade, partindo da idéia de que, na
oposição entre indicativo e subjuntivo, este estaria associado ao
traço semântico irrealis e aquele ao traço realis, acreditamos que o
princípio da transparência semântica pode explicar o incremento
das formas do subjuntivo, a partir do momento em que o falante
percebe uma oposição entre um modo relacionado com o realis e
outro associado ao irrealis, passando a dispor de diferentes meios
expressivos para efetivar a comunicação. Sendo assim, nas co-
munidades afro-brasileiras analisadas, a aquisição do subjuntivo
tem, a priori, base tanto morfológica quanto semântica.
Abstract
This works presents a study of the variation of
the usage of subjunctive mood in relative and
completive clauses on the speaking of four black
rural Brazilian communities at the countryside of
Bahia. Based on the theoretical and methodological
framework of the Sociolinguistics of varieties and
by means of VARBRUL software-set for the quan-
titative processing of the linguistic data, this work
analyzed the adequacy of that variable process in
the social and linguistic structure of the speaking
communities. From the linguistic point-of-view,
the subjunctive-mood forms occur more widely in
two situations: (1) one of a morphological compo-
nent, in which subjunctive forms are compatible
with both verbs and with time when subjunctive
X indicative opposition is more prominent; (2)
the other of semantic component, in which the
context of unreality tends towards a wider usage
of subjunctive mood.
Keywords: sociolinguistics, Portuguese langua-
ge – subjunctive mood; black Brazilian commu-
nities – Bahia.
Referências
Resumo
Baseado na teoria dos espaços mentais, o principal
objetivo deste artigo é verificar o papel que a mes-
clagem conceptual desempenha na construção do
significado do angulador do português um tipo
de. Analisando sentenças contendo esse angula-
dor, é possível concluir que o significado de um
tipo de depende da mesclagem conceptual que ele
incita: um mapeamento entre um espaço ‘input’
(entidade) e um outro espaço ‘input’ (categoria /
membro mais prototípico de uma categoria), um
espaço genérico, uma projeção parcial para o espaço
mescla (a entidade, a categoria / membro mais pro-
totípico de uma categoria e algumas propriedades
partilhadas) e uma estrutura emergente (categoria
flexível / hiperonímia).
Palavras-chave: angulador um tipo de; mescla-
gem conceptual; construção do significado.
1. Introdução
Tomando por base a teoria dos espaços mentais, este artigo
pretende verificar o papel que a mesclagem conceptual desem-
penha na construção do significado do angulador do português
um tipo de, em sentenças como “A baleia é um tipo de peixe” e “O
órgão é um tipo de piano”.
A teoria dos espaços mentais fornece um modelo para
investigar a interação entre conexões cognitivas e a linguagem.
Segundo Fauconnier & Sweetser (1996, p. 8), as conexões cogni-
tivas desempenham um papel central na semântica e, de modo
mais geral, na organização do pensamento.
No modelo de espaços mentais, a construção do significado
e o valor das formas lingüísticas dependem de três operações
básicas (FAUCONNIER; TURNER, 2002, p. 6):
(1) Identidade: reconhecer semelhanças e diferenças, isto é, estabelecer iden
tidade e oposição.
4. Análise de exemplos
Tendo em vista que o conceito de mesclagem conceptual
constitui instrumental teórico recente e apurado para explicar a
construção do significado, e que o objetivo deste artigo é verificar
o papel que a mesclagem conceptual desempenha na constru-
ção do significado do angulador um tipo de, o primeiro exemplo
analisado será a clássica sentença A baleia é um tipo de peixe.
Para construir o significado dessa sentença, é realizada a
mesclagem de dois espaços mentais input: no primeiro, há a en-
tidade ‘baleia’ com suas propriedades específicas e, no segundo,
a categoria ‘peixe’ com suas propriedades definitórias. O espaço
genérico define o mapeamento entre os espaços input, conectando
as propriedades da baleia e as propriedades dos peixes (ou da
categoria ‘peixe’). A projeção para o espaço mescla é seletiva: a
entidade ‘baleia’, a categoria ‘peixe’ e algumas de suas proprie-
dades, as quais são partilhadas pela baleia (vertebrado, habitat
aquático, locomoção por nadadeiras e forma hidrodinâmica), são
projetadas para a mescla. A mescla tem estrutura emergente pró-
pria, permitindo que a ‘baleia’ seja incluída na categoria ‘peixe’,
na medida em que a categoria tem suas fronteiras flexibilizadas,
focando apenas propriedades periféricas. (cf. Fig. 3)
A baleia e os peixes são análogos em alguns aspectos e
desanálogos em outros. Na mescla, as Analogias entre a entidade
‘baleia’ e a categoria ‘peixe’ são comprimidas em Similaridade
(conecta elementos com propriedades partilhadas). A Similari-
dade é comprimida em Categoria, pois uma categoria é definida
por propriedades comuns e partilhadas entre seus membros.
A categoria criada na mescla é uma flexibilização da categoria
existente no espaço input 2. A mescla se mantém solidamente
conectada aos espaços input, de modo que as Desanalogias entre
a entidade ‘baleia’ e a categoria ‘peixe’ ainda estão presentes na
sentença A baleia é um tipo de peixe. Essa sentença difere de A ba-
leia é um peixe, que é simplesmente falsa. Até mesmo uma pessoa
ciente de que a baleia é um mamífero cetáceo pode produzir a
sentença A baleia é um tipo de peixe, pois o angulador um tipo de
suspende as condições de verdade do enunciado. Isso constitui
apenas uma forma de definir, de modo simples e inexato, uma
entidade (‘baleia’) em termos de uma categoria conhecida (‘pei-
xe’), tendo em vista suas propriedades conhecidas pelo senso
comum. Entretanto, uma pessoa que desconhece a que classe a
baleia pertence pode afirmar que A baleia é um peixe, da mesma
maneira que pode afirmar que A baleia é um tipo de peixe, A sardi-
nha é um tipo de peixe, A corvina é um tipo de peixe, etc. Nesse caso,
um tipo de não é angulador e seu significado corresponde a uma
forma de exemplificar a categoria (tipo equivale a exemplo).
Abstract
Based on Mental Space Theory, the main purpose
of this article is to verify the role that conceptual
blending plays in meaning construction of Por-
tuguese hedge um tipo de. Analysing sentences
containing that hedge, we conclude that the
meaning of um tipo de depends on conceptual
blending that it prompts: a cross-space mapping
between an input space (entity) and another input
space (category / prototype of a category), a generic
space, a partial projection to the blend (the entity,
the category / prototype of a category and some
shared properties) and an emergent structure
(flexible category / hyperonymy).
Keywords: hedge um tipo de; conceptual blen-
ding; meaning construction.
Referências
Resumo
Esse artigo apresenta os resultados de três pesqui-
sas focalizando a aquisição da variação estruturada
de padrões fonológicos por crianças na comuni-
dade de fala do Rio de Janeiro, tendo os Modelos
Baseados no Uso como referencial teórico. Nessa
abordagem, assume-se que a variação sociolingü-
ística é representacional, não uma regra, conforme
a tradição dos estudos sociolingüísticos, e é parte
do conhecimento lingüístico do falante, que deve
ser adquirido. Distribuições de freqüências das
variantes observadas na produção das crianças por
faixa etária podem ser vistas como reflexos da ma-
neira como as variantes estão sendo armazenadas
e adquiridas. Gradualidade e efeitos de freqüência
permeiam o processo aquisitivo.
Palavras-chave: variação, aquisição, freqüência
1. Introdução
Esse artigo discute resultados sobre a aquisição de estru-
turas variáveis do português brasileiro por crianças da comu-
nidade de fala do Rio de Janeiro, tendo como base pressupostos
teóricos dos Modelos baseados no Uso e da Lingüística Probabi-
lística. Os resultados observados apontam para a gradualidade
da aquisição dessas estruturas e a importância do papel do input,
no que diz respeito à distribuição das ocorrências das variantes
envolvidas, para explicar as diferenças de desenvolvimento
aquisitivo observadas.
Os estudos sobre a aquisição da variação estruturada são
mais recentes (ROBERTS, 2002) e a variação passou a ter um
novo status dentro dos modelos multirepresentacionais (PIER-
REHUMBERT, 2001; BYBEE, 2001). Com os resultados aqui apre-
sentados, pretendemos demonstrar a contribuição dos estudos
sobre aquisição de estruturas variáveis para a compreensão da
aquisição lingüística.
2. Fundamentos conceptuais dos Modelos
Multirepresentacionais
Modelos baseados no Uso, Modelos emergentistas e Lin-
güística Probabilística são rotulagens que definem teorias lin-
güísticas que compartilham diversos pressupostos teóricos, mas
com focos diferentes. Os diversos modelos compartilham o fato
de que o conhecimento lingüístico do falante não é invariante,
conforme já havia sido postulado por Weinreich, Labov e Herzog
(1968). Os falantes não abstraem uma gramática invariante, e a
variação de qualquer tipo, tanto as identificadas com a concep-
ção laboviana como as de outra natureza, estão representadas
na gramática abstraída pelos falantes.
Os modelos pretendem equacionar a relação entre gramá-
tica e uso, estabelecendo uma relação diversa da encontrada no
formalismo gerativista, definindo a gramática como a organiza-
ção cognitiva da experiência de uma pessoa com a linguagem,
e as facetas dessa experiência, como, por exemplo, a freqüência
de uso de certas construções ou ocorrências específicas de cer-
tas construções, têm impacto nas representações, na aquisição,
mudança e processamento (BYBEE, 2005). A proposta é que
capacidades cognitivas gerais do cérebro humano, que permi-
tem a categorização por identidade, similaridade e diferença,
trabalham nos eventos lingüísticos de que a pessoa participa,
categorizando e registrando na memória essas experiências. O
resultado é uma representação cognitiva denominada gramática.
A gramática, embora abstrata, uma vez que todas as categorias
cognitivas são, está fortemente ligada à experiência que o falante
tem com a língua.
Abstract
This paper presents the results of three researches
focusing on the acquisition of structured variation
of phonological and morphological patterns by
children in the speech community of Rio de Janeiro
taking the theoretical assumptions of the Usage-
based Models. In this approach, sociolinguistic
variation is assumed to be representational, not
a process or a rule as stated in the main tradition
of sociolinguistic studies, and it is also part of the
speaker’s knowledge, which must be acquired.
Frequency distributions of variants observed in
children production across age levels can be seen
as reflexes of the way the variants are being stored
and acquired. Gradualness and effects of frequency
encompass acquisition process.
Keywords: variation, acquisition, frequency
Referências
Resumo
Este artigo trata da noção de cadeia referencial na
progressão textual e discute a questão dos usos
referenciais e atributivos no processo de constru-
ção do objeto-de-discurso. A partir do enfoque
da teoria da referenciação de base sociocognitiva
interativa, demonstramos que o estabelecimento de
cadeias referenciais constitui um dos mecanismos
mais eficazes de que a língua dispõe para produzir
efeitos de sentido.
Palavras-chave: processos referenciais; cadeia
referencial; uso referencial; uso atributivo.
*
O presente artigo con-
tou com a colaboração
do bolsista de IC/CNPq
Ronaldo Eduardo Ferri-
to Mendes, do Curso de
Graduação em Letras
da UFF, como auxiliar
de pesquisa.
Introdução
Neste artigo, focalizamos processos de constituição e de
funcionamento das cadeias referenciais (CRs) no processamento
textual e discutimos o problema da distinção entre os empregos
referencial e atributivo com base em textos de gêneros diversifi-
cados. Inicialmente, contextualizamos as tendências em pesquisa
sobre referência. A seguir, apresentamos as noções de progres-
são referencial e de cadeia referencial, assim como um quadro
resumitivo das relações anafóricas que norteiam as análises das
CRs. Por fim, apontamos questões relativas à adequabilidade do
enfoque metateórico aqui adotado, pautado na teoria da referen-
ciação de base sociocognitiva interativa.
O estudo da referência textual tem sido alvo de inúmeras
pesquisas e, conseqüentemente, de reformulações teóricas. É
truísmo afirmá-lo como um tema em que se debruçam estudio-
sos de diferentes domínios do conhecimento, como a filosofia, a
lógica, a semântica, a lingüística, a pragmática, a psicolingüística,
a sociolingüística, a semiótica, a cognição, a análise do discurso
e as ciências sociais.
Entretanto, os pesquisadores e os teóricos que se ocupam
desses estudos se dividem basicamente em duas tendências pre-
dominantes quanto ao tratamento e à concepção da referência:
uma, a mais tradicional, concebida segundo uma perspectiva
lógico-semântica e outra, pautada em uma perspectiva sociocog
nitiva interacionista, surgida mais recentemente.
Por longo tempo, a concepção dominante foi aquela dos
estudos lógico-semânticos, para os quais a linguagem é uma
representação extensional (dêitica, apontadora) da realidade ob-
jetiva e circundante, e a referência, uma forma de representação
do mundo. Nessa vertente, o processo de constituição de elos
referenciais se reduz, então, a uma operação ou mecanismo de
atamento de uma forma nominal ou pronominal ao seu referente
no âmbito da sentença, e o referente é tratado como uma entidade
apriorística e estável, um objeto do mundo extralingüístico:
Neste caso, tanto a linguagem como o mundo estão previa-
mente discretizados e podem ser correlacionados por proces-
sos referenciais de correspondência. A referência seria uma
contraparte extramente de um conceito ou uma expressão
lingüística. As significações teriam uma referência no mundo
objetivo. Os referentes, nesta teoria, são objetos do mundo e a
atividade de referi-los é um processo de designação extensio-
nal. (MARCUSCHI, 2000, p. 11)
Tal noção de referência ainda conta com muitos adeptos.
Todavia, cada vez mais, aumenta o número de seguidores que,
ao conceberem a linguagem como uma atividade interativa e so-
ciocognitiva, passam a ver a referência como um contrato discur-
sivamente produzido, em que os referentes são imanentemente
de Bombeiros em Paris > {6} meu dossiê > {8} ∅ abandonei >
{8} ∅ querendo > {8} ∅ acabei > {6}como criado de quarto na
Inglaterra > {8} ∅ encontrando-me > {6} desempregado > {8}
∅ tendo > {8} ∅ apresentei-me > {8} ∅ me esquecer > {4} deste
nome de Passepartout.
Este excerto presta-se para discutir o problema do emprego
referencial e atributivo na constituição da CR, tendo em vista o
processo de construção da referência e de seu sentido, ou seja,
a construção do objeto-de-discurso.
Na progressão referencial, as formas híbridas, referencia-
doras e atributivas (cf. KOCH; ELIAS, 2006, p. 138) veiculam
informações novas que contribuem para desenhar o perfil da
personagem (o novo criado), com base na memória discursiva
sociocognitiva, através de uma construção dialógica em que
participam diferentes vozes, agentes do percurso temático
(narrador, Phileas Fogg, James Foster e o novo criado). Assim, cada
participante da trama narrativa vai aduzindo novas informações
que são compartilhadas pelo leitor ao tempo em que constroem
interativamente o objeto-de -discurso (Jean Passepartout). Ressal-
te-se que a alternância de locutores incorpora a referenciação
dêitica, a partir do momento em que o próprio Jean Passepartout
toma o turno e faz uma apresentação de si mesmo, a modo de
um dossiê (fui cantor ambulante, etc...), com o emprego da dêixis
(referenciação dêitica em 1ª p.), codificada por anáfora zero,
estratégia {8}: ∅ livrar, ∅ creio ser, ∅ ser, ∅ exerci, ∅ fui, ∅ andei,
∅ dancei, ∅ me tornei, ∅ fui, ∅ abandonei, ∅ querendo, ∅ acabei, ∅
encontrando-me, ∅ tendo ouvido dizer, ∅ apresentei-me, ∅ viver, ∅
me esquecer.
Em {6} seu sucessor que devia se apresentar entre onze horas
e onze e meia (realizada por expressão referencial formada por
determinante + nome + oração relativa), temos a primeira men-
ção do referente ativado por predicação atributiva de função
catafórica, com remissão a referente antecedente sem retomada.
Além da função atributiva, o sintagma nominal ‘seu sucessor’
remete, por catáfora, a ‘o novo criado’. Em {3} o novo criado, te-
mos a identificação do referente, por associação, com remissão
e retomada implícita do antecedente (seu sucessor) e aporte de
nova informação. Já em {3} um rapaz de cerca de trinta anos, temos
uma retomada implícita ao modo de introdução de novo refe-
rente (expressão nominal indefinida) com função predicativa
que carreia informação nova a referente já introduzido. Em {2}
O senhor, temos retomada explícita do antecedente por prono-
me de tratamento com continuidade referencial. Em {3} francês,
John temos remissão e retomada implícita de antecedente por
associação com busca de identificação por dêixis social (origem
e nome próprio) através de uma pergunta feita por Phileas Fogg.
Em {1} Jean e Jean Passepartout, um apelido que permaneceu, temos
retomadas explícitas de antecedente (John), no primeiro caso, por
Niterói, n. 21, p. 319-337, 2. sem. 2006 329
Cláudia Roncarati, Sílvia Regina Neves da Silva
Abstract
In this paper, we deal with the concept of referential
chain in the textual progression, and we discuss the
problem of the referential and attributive usages
in the process of the construction of the discour-
se-object. Based on a theory of referentiation of
social-cognitive interaction basis, we show that
the constitution of the referential chain is one of
the most efficient mechanisms of the language to
produce effects of meaning.
Keywords: referential processes; referential chain;
referential usage; atributive usage.
Referências
Résumé
La question identitaire est une question complexe.
D’une part parce qu’elle résulte d’un croisement de
regards: celui du sujet communiquant qui cherche à
la construire et à l’imposer à son partenaire, le sujet
interprétant, lequel ne peut s’empêcher, à son tour,
d’attribuer une identité à celui-ci en fonction de ses
propres a priori. D’autre part parce qu’on a beau vouloir
éviter le piège de l’essentialisation, tout sujet a le désir
de se voir (ou de voir l’autre) constitué en une identité
unique, c’est-à-dire une essence.
Mots clefs: identité, sujets du discours, acte de
communication
A - Mais je n’ai pas dit que j’allais lui parler, j’ai seulement dit
que je le connaissais.
B - Non, mais je n’ai pas dit non plus que tu allais lui parler,
j’ai seulement dit qu’il fallait être prudent.
Ici, il s’agissait entre autres, pour B, de montrer qu’elle (il
s’agit d’une femme) connaissait mieux FP que A, qu’elle était plus
sage ou lucide que A, prenant une position haute par rapport
à A de «conseilleur». Si l’on sait en plus que, dans ce groupe, B
est la supérieure hiérarchique de A, on comprend que sa visée
était de rappeler à A, et au groupe, quel était son statut. L’identité
construite par les actes de langage sert ici à réactiver l’identité
sociale.
3° exemple:
La situation politique
S’agissant du sujet politique, la question serait: “Je suis là
pour défendre quelles idées, et pour comment faire adhérer à
ces idées”. En effet, le sujet politique se trouve dans une position
double: d’une part, il doit être le porteur et le garant de valeurs
fondatrices d’une certaine «idéalité sociale», d’autre part, il doit
faire adhérer le plus grand nombre de citoyens à ces valeurs.
L’homme politique est donc pris entre «le politique» siège d’une
pensée sur le comment vivre en société, et «la politique» qui
concerne la gestion du pouvoir.
On comprend du même coup que le résultat de cette combi-
naison produise un «Je-nous», une identité du singulier-collectif.
L’homme politique, dans sa singularité parle pour tous en tant
qu’il est porteur de valeurs transcendantales: il est la voix de tous
à travers sa voix (“Ensembles, nous bâtirons une société meilleu-
re”). Mais en même temps, il s’adresse à ces «tous» comme s’il
n’était que le porte-parole de la voix d’un tiers énonciateur d’une
idéalité sociale. Dès lors, il établit un «pacte d’alliance» entre ces
trois types de voix (la voix du Tiers, la voix du Je, la voix du Tu-
tous) qui finissent par se fondre dans un corps social abstrait,
souvent exprimé par un «on» qui joue le rôle de guide (“On ne
peut accepter que soient bafoués les droits légitimes de l’indi-
vidu”) ou par un «nous» (“Si nous voulons pouvoir défendre
nos intérêts et sauvegarder notre indépendance…”).
L’identité sociale de l’instance politique se définit à travers
un principe de légitimité qui lui-même se fonde en souveraineté.
Cela dit, la légitimité par souveraineté institutionnelle n’est pas
une. Elle varie en fonction de la «position» et des «rôles» que les
acteurs sont amenés à tenir selon les situations d’échange social
dans lesquelles ils sont engagés, ce qui fait varier les discours
qu’ils sont amenés à tenir. On peut considérer qu’il existe deux
situations bien distinctes: celle de candidature au suffrage des élec-
teurs et celle de gouvernance. La première place le sujet politique
dans une position d’avoir à défendre et promouvoir un projet
de société idéal qui doit s’inscrire dans le droit-fil de certaines
valeurs, d’avoir à proposer un programme de réalisation de ce
projet, et de devoir s’engager sans faille pour la réalisation de
ce projet. La seconde place le sujet politique dans une position
d’avoir à décider (prendre des mesures concrètes, édicter des
décrets, faire appliquer les lois, engager des actions de défense,
d’hostilité, de répression) et d’avoir à justifier le bien fondé de ces
décisions. Ce qui fait que les types de discours qui s’attachent
à cette position sont pour une part performatifs, puisque dans la
décision “dire c’est faire”, et pour une autre part de justification
puisqu’il faut produire des explications soit par anticipation
(prévoir des objections), soit a posteriori (répondre à des critiques
et autres réactions de protestation).
Resumo
A questão da identidade é complexa porque resulta
de um entrecruzamento de olhares: o do sujeito
comunicante que busca construí-la e impô-la a
seu parceiro, o sujeito interpretante; este, por seu
turno, não pode deixar de atribuir uma identidade
ao comunicante em função de seus olhares, a priori.
Em contrapartida, todo sujeito deseja ver a si mes-
mo (e ao outro) constituído com uma identidade
única, ou seja, uma essência.
Palavras- chaves: identidade, sujeitos do discur-
so, ato de comunicação.
Referências
Resumo
Com base em declarações concedidas pelo presiden-
te dos Estados Unidos da América, G. W. Bush,
em entrevista realizada em 16 de setembro de 2001,
precisamente cinco dias após o ataque terrorista
ao World Trade Center, este artigo discute o duplo
papel da linguagem – linguagem-representação e
linguagem-intervenção – nas relações estabeleci-
das entre sujeito e mundo. Nosso interesse pela
análise do referido texto se justifica pelo fato de
Bush fazer referência a uma “cruzada” contra
o inimigo, expressão inadequada que suscitou
uma vigorosa reação da comunidade islâmica. O
conceito de cenografia proposto por Maingueneau
mostra-se produtivo para pensar a dimensão de
intervenção da linguagem.
Palavras-chave: representação, subjetividade,
alteridade, cenografia, terrorismo.
whitehouse.gov/news/
release> reafirmadas a respeito do caráter necessariamente coletivo (isto
(iii) No one could have conceivably imagined suicide bombers burrowing into
our society and then emerging all in the same day to fly their aircraft - fly
U.S. aircraft into buildings ...
(iii) We’ve been warned there are evil people in this world.
people have declared war on America
(iv) ... they would fly airplanes into buildings full of innocent people.
paradoxal”, uma vez que “a fala supõe uma certa situação de enun-
ciação que, na realidade, vai sendo validada progressivamente
por intermédio da própria enunciação” (MAINGUENEAU,
2004a, p. 87). A reflexão do autor nos reenvia, desse modo, aos
estreitos laços que se verificam entre cenografia e uma certa pers-
pectiva das práticas linguageiras segundo a qual os enunciados
não “contam” o real, mas, antes, o “produzem”.9 Isso porque “a
cenografia não é [...] um cenário, como se o discurso apareces-
se inesperadamente no interior de um espaço já construído e
independente dele” (MAINGUENEAU, 2004a, p. 87), mas, ao
contrário, institui progressivamente a cena a partir da qual será
legítimo enunciar.
Além da produção de um tempo-espaço e de um certo
perfil de atores protagonizando o evento do qual se fala, assis-
te-se ainda ao acionamento de outros dispositivos cenográficos
no texto-entrevista. Citaremos apenas dois desses dispositivos
que se revelam absolutamente complementares: a escolha de um
dado campo lexical dos discursos religiosos e uma certa confi-
guração sintática (também em sintonia com o plano religioso,
conforme veremos) em que a repetição parece desempenhar um
papel de relevo.
O primeiro dos dispositivos indicados – campo lexical
que privilegia o religioso – pode ser facilmente evidenciado em
alguns fragmentos:
(i) Today, millions of Americans mourned and prayed, ...
(iii) If the American people had seen what I had seen in New York City, you’d
have great faith, too. You’d have faith in the hard work of the rescuers;
9
Poderíamos ainda dizer
que os enunciados não
“contam” senão aqui- (iv) And on this day of - on the Lord’s Day,10 I say to my fellow Americans,
lo que afeta o sujeito, thank you for your prayers, thank you for your compassion, ...
aquilo que se torna um
objeto de investimento
desse sujeito. O que não
Como se percebe, é bastante recorrente a escolha de termos
significa, a meu ver, que que remetem à produção de uma atmosfera de fé e de devoção,
a cenografia seja uma
questão de “opção”, de a qual é absolutamente compatível com os dispositivos ceno-
“decisão” tomada pelo gráficos anteriormente apresentados: pessoas de bem lutando
sujeito: o investimento
em uma dada cenografia contra as adversidades de um tempo de provações, sem perder
(e não em outra) é sem-
pre regido por coerções
a fé no que de mais precioso possuem, a saber, o sentimento de
tão importantes quanto compaixão, de solidariedade, de confiança.
as que definem um gê-
nero de discurso, por Contudo, esse dispositivo cenográfico, que passamos a
exemplo. denominar “testemunho de fé”, se constrói ainda por meio de
A entrevista em ques-
um investimento em uma dada configuração sintática do texto: a
10
(iii) I’ve got great faith in the American people. If the American people had
seen what I had seen in New York City, you’d have great faith, too. You’d
have faith in the hard work of the rescuers; you’d have great faith because
of the desire for people to do what’s right for America; you’d have great
faith because of the compassion and love that our fellow Americans are
showing each other in times of need. [...]
I also have faith in our military. [...]
On this day of faith, I’ve never had more faith in America than I have
right now. [...] ... I have great faith in the resiliency of the economy.
(iv) And we have got a job to do - just like the farmers and ranchers and
business owners and factory workers have a job to do. My administration
has a job to do, and we’re going to do it.
(v) I say to my fellow Americans, thank you for your prayers, thank you for
your compassion, thank you for your love for one another.
(vi) But we’ve been warned. We’ve been warned there are evil people in
this world. We’ve been warned so vividly - and we’ll be alert. Your
government is alert. The governors and mayors are alert that evil folks
still lurk out there.
(viii) We will continue to work with Pakistan and India. We will work with
Russia. We will work with the nations that one would have thought a
couple of years ago would have been impossible to work with ...
(ix) They [Pakistan, India, Saudi Arabia] know what my intentions are.
They know my intentions are to find those who did this, find those who
encouraged them, find them who house them, find those who comfort
them, and bring them to justice.
Conclusões
A partir de uma perspectiva discursiva para o tratamento
das práticas linguageiras, o objetivo deste artigo era aprofun-
dar, por intermédio de uma concepção de sujeito e mundo vistos
11
Em seu ensaio sobre os como posições relativas ocupadas por um dentro e um fora em
sermões do padre Antônio
Vieira, Haddad explicita
permanente movimento de reconfiguração, o debate acerca de
que a repetição vem atu- uma dupla função da linguagem – representação e intervenção
alizar uma das marcas
do autor: a tendência à – face à produção de subjetividade e à articulação entre o su-
circularidade do estilo, jeito e o mundo: investigação que remete a uma concepção não
expressão da mais absoluta
u n id ade ( H A DDA D, essencialista do real segundo a qual sujeito e mundo resultam de
1968, p. 12). dobras12 que se refazem continuamente. O que concluir, então,
12
Segundo Silva (2004),
“modo singular de flexão a respeito de tal modo de pensar a produção de subjetividade a
ou curvatura de um deter- partir das análises realizadas?
minado estado de relação
de forças que se atualiza Diríamos que, no texto-entrevista analisado, assistimos a
nos processos de subje-
tivação’ ”.
uma dobra do religioso,13 a qual é responsável pela formação de
13
Vimos que a produção um dentro (promotor de uma subjetividade que acima de tudo
dessa dobra do religioso se caracteriza pela fé na atitude do povo americano, no poder
era possibilitada por in-
termédio das escolhas de recuperação da economia do país, nos direitos civis e nos
lexicais e da repetição
de estruturas sintáti-
valores de justiça e liberdade) e de um fora (o infiel, o que não
cas, procedimento que tem remorsos, o que não pode suportar a idéia de liberdade, o
mimetizava os sermões
religiosos. bárbaro).
14
É assim que entende- Tal modo de articulação entre sujeito e mundo (vistos como
mos a afirmação de que
terrorismo e globalização
elementos relacionais) como o que ora se propõe parece contri-
camin ham pari passu: buir significativamente para problematizar identidade e alteridade:
“O terrorismo atual não
descende de uma história com efeito, inexistiria uma diferença fundamental entre o mesmo
tradicional da anarquia, e o outro,14 uma vez que a forma de alteridade que ora se discute
do niilismo e do fanatis-
mo. É contemporâneo da é a da alteridade que habita o mesmo:
globalização ...” (BAU-
DRILLARD, 2003, p. 51). Não existe outro senão na medida em que ele constitui o
Acrescento que, nesse ensejo de um eu tornar-se outro. Se estou triste e alguém me
mesmo modo de con-
ceber identidade e alteri- sorri, o que posso desejar, nesse instante, senão um mundo
dade, particularmente possível de alegria? Da mesma forma, é exatamente o mundo
feliz é a “descoberta” de alegria que faz passar o mundo de tristeza. [...] Fique claro
da expressão “outr’em-
mim” por Naffah Neto então que alteridade não é propriamente aquilo que constitui
(1998).
Abstract
Based on a corpus composed of an interview with
G. W. Bush, president of the U.S.A., which took
place on the 16th September 2001, precisely five
days after the terrorist attack to the World Trade
Center, this paper discusses the double role of
language, representing and intervening, in its
mediation between subject and world. The main
reason to explain the interest of the analysis of this
interview is the fact that Bush speaks of a “cru-
sade” against the enemy, inadequate expression
which brought about a vigorous reaction from
islamitic community. The concept of scenography
conceived by Maingueneau shows itself productive
in putting forward the intervening dimension of
language.
Keywords: representation, subjectivity, alterity,
scenography, terrorism.
Referências
Resumo
Muitos projetos editoriais têm investido na com-
preensão da autoria, de seu processo de consti-
tuição: no tratamento editorial de textos, dá-se,
na matéria textual que irá a público, uma espécie
de debate sobre as idéias e seu arranjo, uma in-
terlocução que se registra no corpo do original,
propondo correções, mudanças, questões diver-
sas. Entendido no âmbito da discursividade, esse
trabalho editorial se faz em manobras lingüísticas
reveladoras do quanto, nessa altura, o texto está
em construção. Embora se tenha estruturado como
versão final, ao passar por essa leitura/co-enun-
ciação, ele se move – às vezes em novas direções,
às vezes tornando contundentes certos traços, ou
abrindo mão de outros. Com base nisso, considero
a noção de ethos para a qual “o texto não é para ser
contemplado, ele é uma enunciação voltada para
um co-enunciador que é necessário mobilizar para
fazê-lo aderir ‘fisicamente’ a um certo universo de
sentido” (Maingueneau, 2005a) e analiso excertos
de tratamento editorial de uma versão dos Doze
Trabalhos de Hércules, nos quais alterações sutis
da cenografia discursiva necessariamente alteram
o ethos que dela participa, matizando o mito.
Palavras-chave: autoria, edição de textos, dis-
cursividade, ethos
Com toda sua força terrível, Hércules Com toda sua força temível,1 Hércules
forçou a cabeça do touro para baixo até empurrou a cabeça do touro para bai-
suas narinas rasparem o chão. O ani- xo até suas narinas rasparem o chão.
mal lutava furiosamente, mas em vão: O animal lutava raivoso, 2 mas em vão.
por mais que tentasse, não conseguia Por mais que tentasse, não conseguia
levantar a cabeça de novo. Seus cascos levantar a cabeça de novo. Seus cascos
traseiros arranhavam desesperadamen traseiros arranhavam desesperadamen
te a terra tentando encontrar um ponto te a terra, tentando encontrar um pon-
de apoio, mas nada podia desalojar o to de apoio, mas nada podia desalojar
filho de Zeus ou fazê-lo perder o equilí- o filho de Zeus ou fazê-lo perder o
brio. Uma espuma borbulhava na boca equilíbrio. Uma espuma borbulhava
do touro em sua raiva impotente, mas na boca do touro, cheio de raiva im-
não havia nada que ele pudesse fazer. potente, 3 mas não havia nada que ele
Em pouco tempo suas últimas forças pudesse fazer. Em pouco tempo suas
esgotaram-se e ele se entregou a seu últimas forças esgotaram-se, e ele se
oponente sem resistir mais. entregou extenuado4 a seu oponente.
1) Elipses coesivas:
i. nos parágrafos anteriores, falou-se em “cavalos de
Diomedes” algumas vezes; aqui, o termo estábulo, pela
afinidade semântica sustentada por uma memória discur-
siva, logo remete aos cavalos de Diomedes, imprimindo
agilidade à cena, evitando repetições desgastantes.
ii. o longo termo rapidamente tira agilidade da ação em-
preendida e é desnecessário como informação, posto
que outros elementos da cena satisfazem a idéia de que
os animais foram desacorrentados no justo tempo que
havia: enquanto os outros desabavam..., ele desacorrentou...
2) A substituição de caíam por desabavam mantém a idéia do
assalto, mas, por seus traços semânticos de precisão, o
verbo desabar registra ao mesmo tempo a grande surpresa
do ato e sua proficiência.
3) Explorou-se a expansão lexical sugerida no excerto ori-
ginal: os famigerados cavalos de Diomedes, sob o poder
de Hércules, são simples animais, depois, rendidos, são
retomados por um sucinto pronome no plural – seguran-
do-os –, para se tornarem, enfim, um tropel, no singular.
É interessante notar que freqüentemente o termo tropel,
quando utilizado na composição de uma cena com gente,
assume a acepção de balbúrdia, mas utilizado para refe-
rir cavalos, assume a acepção de muitos e barulhentos,
Referências
DÉCIO ROCHA
Doutor em Lingüística pela PUC-SP. Professor da UERJ. Publicou, entre
outros títulos, Une approche discursive de la classe de langue étrangère en
tant que lieu de travail, na D.E.L.T.A., vol. 19, fasc. 1, 2003; Enlaçamentos nos
discursos da mídia sobre videojogos, em The ESPecialist, vol. 24, Número
especial, LAEL, PUC-SP, 2003; co-autor de Análise de Conteúdo e Análise
do Discurso: o lingüístico e seu entorno, na D.E.L.T.A., , vol. 22, no. 1, 2006, e
AC e AD: aproximações e afastamentos na (re)construção de uma trajetória.
ALEA, UFRJ, vol. 7, no. 2, 2005.
IDA REBELO
Doutora em Linguística pela PUC-Rio. É professora na mesma instituição.
Tem apresentado trabalhos em inúmeros congressos (no Brasil e no exterior)
e tem feito conferências em diversas universidades, nomeadamente em
Portugal. Publica, regularmente, em revistas da especialidade e é membro
de projetos internacionais.
PAULO OSÓRIO
Doutor em Linguística Portuguesa, com pós-doutoramento na PUC-Rio na
área de Letras – Estudos da Linguagem. É professor na Universidade da
Beira Interior (Covilhã, Portugal) e investigador, em Linguística Comparada,
no Centro de Linguística da Universidade Nova de Lisboa. É autor de livros
e artigos (em Portugal e no estrangeiro) em revistas da especialidade. Tem
proferido conferências em universidades portuguesas e estrangeiras (no-
meadamente PUC-Rio; UFF; UFRJ; USP; Heidelberg; Bonn; Caracas, entre
outras). Apresenta, regularmente, comunicações em congressos nacionais
e internacionais
PATRICK CHARAUDEAU
Professor de Ciências da Linguagem na Universidade Paris Nord (Paris XIII)
e diretor do CAD (Centre Dánalyse du Discours). Desenvolve pesquisas em
Análise do discurso sob a perspectiva comunicacional e seu objeto de estudo
são os discursos midáticos. Autor de uma gramática francesa : Grammaire du
sens, publicada pela Hachette Paris, 1992; tem publicado inúmeros artigos e
livros sobre o discurso. Recentemente publicou um Dicionário de Análise
do Discurso com Dominique Mainguenaeau, traduzido e publicado pela
Editora Contexto em 2004.
VÍVIAN MEIRA
Mestre em Lingüística Histórica pela UFPB. Professora assistente de Língua
Latina e Diversidade Lingüística do Brasil da Universidade do Estado da
Bahia - UNEB, campus XX. Publicou A variação no uso do modo subjuntivo: Um
estudo sociolingüístico do português rural da comunidade de Morrinhos – BA no IV
Congresso Internacional da Associação Brasileira de Lingüística - ABRALIN,
2005, Brasília, e Encontros e desencontros na realização da vibrante em coda silábica
no Encontro Internacional de Fonética e Fonologia, Associação Brasileira de
Fonética e Fonologia, 2004, São Luis, Maranhão.
Revista Gragoatá
1 A Revista Gragoatá, do Programa de Pós-graduação em Letras da
Av. Visconde do Rio UFF, aceita originais sob forma de artigos inéditos e resenhas de
Branco s/nº
Campus do Gragoatá - interesse para estudos de língua e literatura.
Bloco C - Sala 501 2 Os textos serão submetidos a parecer da Comissão Editorial, que
24220-200 - Niterói - RJ
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Telefone: 21-2629-2608 3 Os textos não deverão exceder 25 páginas, no caso dos artigos, e 8
páginas, no caso de resenhas. Devem ser apresentados em duas
cópias impressas sem identificação do autor, bem como em disquete,
com indicação do autor, no programa Word for Windows 7.0, em
fonte Times New Roman (corpo 12, espaço duplo), sem qualquer
tipo de formatação, a não ser:
3.1 Indicação de caracteres (negrito e itálico).
3.2 Margens de 3 cm.
3.3 Recuo de 1 cm no início do parágrafo.
3.4 Recuo de 2 cm nas citações.
3.5 Uso de sublinhas ou aspas duplas (não usar CAIXA ALTA).
3.6 Uso de itálicos para termos estrangeiros e títulos de livros e perí-
odicos.
4 As citações bibliográficas serão indicadas no corpo do texto, entre
parênteses, com as seguintes informações: sobrenome do autor em
caixa alta; vírgula; data da publicação; abreviatura de página (p.) e
o número desta. (Ex.: SILVA, 1992, p. 3-23).
5 As notas explicativas, restritas ao mínimo indispensável, deverão
ser apresentadas no final do texto.
6 As referências bibliográficas deverão ser apresentadas no final do
texto, obedecendo às normas da ABNT(NBR-6023).
Próximos números
Número 22
Tema: Relações latino-americanas: língua e literatura
Organizadores: Eurídice Figueiredo e Lívia Reis
Prazo para entrega dos originais: 30 de janeiro de 2007
Ementa: A interlocução entre Brasil e América Hispânica: história, principais embates, pers-
pectivas. Exploração dos conceitos de América Latina e de região. O grande Caribe.
Textualidades indígenas. Diglossia, monolingüismo: políticas lingüísticas. As
línguas ocidentais e suas variações na América. O ensino de língua estrangeira.
Número 23
Tema: Releituras da tradição
Organizadores: Silvio Renato Jorge e Solange Coelho Vereza
Prazo para entrega dos originais: 30 de junho de 2007
Ementa: Conceitos de tradição. Paradigmas da pesquisa em lingüística e literatura re-
visitados. Contribuições da tradição para a análise interpretativa e a leitura do
contemporâneo. Redimensionamento de pressupostos teóricos e metodológicos da
investigação atual na área de Letras e Lingüística. Teóricos e pensadores – legados
para o novo milênio.
Número 24
Tema: Brasil e África: trajetórias, rostos e destino
Organizadores: Laura Padilha e Lucia Helena
Prazo para entrega dos originais: 15 de janeiro de 2008
Ementa: Literatura, política e ideologia no cenário do neoliberalismo. Nação e narração na
estrutura pós-colonial contemporânea do Brasil e da África. O Brasil e a África
em suas literaturas e linguagens: paradoxos, identidades, dilemas e problemas.
O discurso e a construção da subjetividade e das formas estéticas. Literatura e
outras artes. As perspectivas da crítica e a questão da teoria no Brasil e na África.
Línguas em contato e política lingüística. Reflexão, história, antropologia e filosofia
na cultura brasileira e africana contemporânea. Literatura, crise e utopias.
Book: author’s surname and first name, title of book (italics), place of
publication, publisher and date (eg.: ELLIS, Rod. Understanding se-
cond language acquisition. Oxford : Oxford University Press, 1994).
Article: author’s surname and first name, title of article, name of journal
(italics), volume,number and date (eg.: HINKEL, Eli. Native and
nonnative speakers’ pragmatic interpretations of English texts.
TESOL Quarterly, v. 28, no. 2, p. 353-376, 1994).