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2 Literatura
SUMÁRIO DO VOLUME
LITERATURA
1. Modernismo em Portugal 5
1.1 A geração de Orpheu 5
1.2 Fernando Pessoa e heterônimos 6
1.3 Outros autores representativos 16
1.4 A geração Presença 18
2. Produção literária contemporânea portuguesa 21
Literatura 3
SUMÁRIO GERAL
VOLUME 1
1. Modernismo em Portugal
2. Produção literária contemporânea portuguesa
VOLUME 2
3. Modernismo no Brasil
VOLUME 3
1. MODERNISMO EM PORTUGAL
1.1 A geração de Orpheu
No segundo e último número de Orpheu, é publicado, pela primeira vez, um poema escrito
por um dos heterônimos de Fernando Pessoa, a Ode marítima, de Álvaro de Campos.
6 Literatura
Modernismo em Portugal
Em 1927, com o surgimento de outra revista, a Presença, ocorreu o segundo momento do Modernismo
português.
Comparando as duas fases, é possível notar que o presencismo foi uma etapa da literatura mais
psicológica e de temas mais subjetivos. Essa postura não destoou do orphismo, apenas acentuou uma
tendência já predominante entre os poetas da geração de Orpheu.
O s principais nomes da Geração Orpheu são Fernando Pessoa, Mário de Sá Carneiro, Luís de Montalvor,
o pintor e escritor José de Almada Negreiros e o brasileiro Ronald de Carvalho.
A revista teve apenas dois números. Os textos, nela publicados, revelam os primeiros passos de uma
estética da diversidade, do questionamento dos valores estabelecidos ética e literariamente, da euforia face
às invenções da técnica, da libertação da escrita literária de todas as convenções e de todas as regras.
A poesia mais revolucionária de Orpheu é sensacionista — uma forma especificamente portuguesa de
vanguarda.
No texto a seguir, Fernando Pessoa define a nova corrente estética:
“(...)
O Sensacionismo difere de todas as atitudes literárias em ser aberto, e não restrito. Ao
passo que todas as escolas literárias partem de um certo número de princípios, assentam sobre
determinadas bases, o Sensacionismo não assenta sobre base nenhuma. Qualquer escola literária ou artística
acha que a arte deve ser determinada coisa; o sensacionismo acha que a arte não deve ser determinada
coisa.
(...)
O Sensacionismo é assim porque, para o Sensacionista, cada ideia, cada sensação a exprimir tem de ser
expressa de uma maneira diferente daquela que exprime outra.
(...)
Dissemos que um dos princípios sobre que assentava o Sensacionismo — mau grado, é claro, ele não
assentar em princípio nenhum — é o da expressão ser condicionada pela emoção a exprimir. Dissemos que
cada ideia, pela sua virtualidade íntima, pela sua simplicidade ou índole complexa, impõe que se exprima
de modo simples ou complexo. Esta tese — que é a verdadeira tese artística — abrange e admite todas as
espécies de expressões, desde a mais simples quadra popular, que só podia ser expressa nessa linguagem e
seria mal expressa se fosse expressa em linguagem mais complexa, até ao mais avançado desarticulamento
de linguagem lógica que se encontra nas páginas de Orpheu. Acontece que a geração a que pertencemos —
mercê de razões civilizacionais que seria tão ocioso, como prolixo, estar a expor — traz consigo uma riqueza
de sensação, uma complexidade de emoção, uma tenuidade e intercruzamento de vibração intelectual,
que nenhuma outra geração nasceu possuindo. Veja-se. Sobre uma vida social agitada, diretamente como
intelectualmente, pelas complexas consequências da irrupção para a prática das ideias da Revolução
Francesa, veio cair todo o complexo e confuso estado social resultante da proliferação sempre crescente
das indústrias, do enxamear cada vez mais intenso das atividades comerciais modernas. O aumento das
facilidades de transporte, o exagero das possibilidades do conforto e da vantagem, o acréscimo vertiginoso
dos meios de diversão e de passatempo — todas essas circunstâncias, combinadas, entrepenetradas,
agindo quotidianamente, criaram, definiram um tipo de civilização em que a emoção, a inteligência, a vontade
participam da rapidez, da instabilidade e da violência das manifestações propriamente, diariamente típicas
do estádio civilizacional. Em cada homem moderno há um neurastênico que tem que trabalhar. A tensão
nervosa tornou-se um estado normal na maioria dos incluídos na marcha das coisas públicas e sociais. A
hiperexcitação passou a ser regra.
O aumento das comunicações internacionalizou facilmente isto tudo, com o auxílio que trouxe o aumento
da cultura e da capacidade de cultura, que é outra coisa, e mais importante para o caso. De modo que esse
estado de espírito, que, de per si, parece que devia caracterizar apenas os países no auge da vida industrial e
comercial, foi parar a outros, mais apagados e quietos, e de um lado da Europa ao outro uma rede de nervos
define o estado das almas nesta Hora de fogo e de treva.
(...)
Literatura 7
Modernismo em Portugal
Assim, cada um de nós nasceu doente de toda esta complexidade. Em cada alma giram os volantes de
todas as fábricas do mundo, em cada alma passam todos os comboios do globo, todas as grandes avenidas
de todas as grandes cidades acabam em cada uma das nossas almas. Todas as questões sociais, todas as
perturbações políticas, por pouco que com elas nos preocupemos, entram no nosso organismo psíquico,
no ar que respiramos psiquicamente, passam para o nosso sangue espiritual, passam a ser, inquietamente,
nossas como qualquer coisa que seja nossa.”
PESSOA, Fernando. Obras em prosa. Rio de Janeiro, Nova Aguilar, 1985
Fernando Pessoa nasceu em Lisboa, viveu parte de sua vida na África do Sul, tendo feito seus estudos
em inglês, língua na qual publicou vários de seus poemas. Retornou a Portugal em 1905.
Pessoa nunca teve, em vida, o reconhecimento que merecia. Viveu modestamente, em relativa
obscuridade; teve apenas dois livros publicados: Alguns Poemas e Mensagem.
Autodefinindo-se como histeroneurastênico, apaixonado por ocultismo, filosofia, por estudos de
psiquiatria e psicanálise, autodidata de grande erudição, Pessoa é um caso único de desdobramento de si
mesmo em outras pessoas poéticas.
Complexo, introspectivo, tímido, a face mais original desse poeta são os heterônimos. Criados como
personagens autônomos, com vida própria, resultam da fragmentação, como já dito, da personalidade
do poeta em várias outras. Cada um dos heterônimos é uma personalidade definida, com retrato físico,
biografia e estilo próprios.
“Criei em mim várias personalidades. Crio personalidades constantemente. Cada sonho meu é
imediatamente, logo ao aparecer sonhado, encarnado numa outra pessoa, que passa a sonhá-lo, e eu não.
Para criar, destruí-me; tanto me exteriorizei dentro de mim, que dentro de mim não existo senão
exteriormente. Sou a cena viva onde passam atores representando várias peças.”
Livro do desassossego
8 Literatura
Modernismo em Portugal
Alberto Caeiro, Ricardo Reis e Álvaro de Mas isso (tristes de nós que trazemos a alma vestida!),
Campos são considerados heterônimos perfeitos. Isso exige um estudo profundo,
Uma aprendizagem de desaprender
É necessário e imprescindível a distinção E uma sequestração na liberdade daquele convento
entre pseudônimo e heterônimo: o pseudônimo De que os poetas dizem que as estrelas são as
é um nome falso, sob o qual alguém se oculta por [freiras eternas
uma circunstância qualquer; o heterônimo é o
nome imaginário que um criador identifica como A produção poética de Caeiro foi escrita em
linguagem simples e é formada por três conjuntos
o autor de obras suas e que designa alguém com
de poemas: Guardador de rebanhos, O pastor
qualidade e tendências marcadamente diferentes
amoroso e Poemas inconjuntos. Suas poesias são
das desse criador.
desprovidas de métrica e de rima.
Alberto Caeiro XIV
Alberto Caeiro em desenho de Almada Negreiros.
Eu não tenho filosofia; tenho sentidos... mostram uma sintaxe com grandes inversões,
Se falo de natureza não é porque saiba o que ela é, usando regências desusadas e vocabulário raro.
Mas porque amo, e amo-a por isso
Porque quem ama nunca sabe o que ama Veja:
Nem sabe por que ama, nem o que é amar... As rosas amo dos jardins de Adônis,
Essas volucres amo, Lídia, rosas,
Amar é a eterna inocência, Que em o dia em que nascem,
E a única inocência não pensar... Em esse dia morrem.
Fernando Pessoa. O guardador de rebanhos e outros poemas
A luz para elas é eterna, porque
Nascem nascido já o sol, e acabam
Pasmo: espanto, surpresa.
Antes que Apolo deixe
O seu curso visível.
Esse poema expressa a intenção de ser e estar no Assim façamos nossa vida um dia,
mundo, uma filosofia de vida. No primeiro verso o Inscientes, Lídia, voluntariamente
olhar é comparado a um girassol. O olhar é nítido. Que há noite antes e após
O pouco que duramos.
Esse adjetivo indica aquilo em que há clareza, PESSOA, Fernando. Odes de Ricardo Reis. In: Obra poética.
transparência, que é inteligível, compreensível; Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1983. p. 193
Cheios de eternidade
E desprezo por nós,
“Ricardo Reis nasceu no Trazendo o dia e a noite
Porto. Educado em colégio
E as colheitas douradas
de jesuítas, é médico e vive
Sem ser para nos dar
no Brasil desde 1919, pois
O dia e a noite e o trigo
expatriou-se espontaneamente
Mas por outro e divino
por ser monárquico. É latinista
Propósito casual.
por educação alheia, e um semi-
Helenista por educação própria.”
A Natureza se manifesta por meio dos deuses
Os poemas de Ricardo Reis clássicos: Pã (divindade protetora dos pastores e
possuem influência de poetas rebanhos que personifica também a fecundidade
clássicos gregos e latinos. Seus da terra) mostra os campos germinados (“Os peitos
textos apresentam uma visão nus de Ceres” — deusa da colheita) “aos sorrisos
pagã inspirada por Alberto de Apolo” (deus da luz, condutor do carro celeste
Caeiro, mas sem a simplicidade que transporta o Sol para o alto, guardando-o à
deste, pois normalmente noite).
10 Literatura
Modernismo em Portugal
Por meio dessa interpretação pagã da realidade, Reis faz sua crítica à doutrina cristã, que concebe
apenas um deus. Na última estrofe, os dois últimos versos mostram que os elementos mencionados não
são oferecidos ao ser humano.
Veja, agora, estes versos.
Não a ti, Cristo, odeio ou te não quero. Deus triste, preciso talvez porque nenhum havia
Em ti como nos outros creio deuses mais velhos. Como tu, um a mais no Panteão e no culto,
Só te tenho por não mais nem menos Nada mais, nem mais alto nem mais puro
Do que eles, mas mais novo apenas. Porque para tudo havia deuses, menos tu.
Odeio-os sim, e a esses com calma aborreço, Cura tu, idólatra exclusivo de Cristo, que a vida
Que te querem acima dos outros teus iguais deuses. É múltipla e todos os dias são diferentes dos outros,
Quero-te onde tu ‘stás, nem mais alto E só sendo múltiplos como eles
Nem mais baixo que eles, tu apenas. ‘Staremos com a verdade e sós.
Ricardo Reis mostra que seu ódio não é voltado a Cristo, mas sim aos cristãos que julgam ser superior
a divindade cristã. Para Reis, também, os cristãos não percebem que a vida é múltipla.
O carpe diem clássico é expresso pela necessidade de aproveitar o momento presente pela incerteza do
futuro. Isso, associado à postura estoica que defende o comedimento na busca dos prazeres, é característica
do poema de Reis. Veja.
[...]
O mundo é para quem nasce para o conquistar
E não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda que tenha razão.
Tenho sonhado mais que o que Napoleão fez.
Tenho apertado ao peito hipotético mais humanidades do que Cristo,
Tenho feito filosofias em segredo que nenhum Kant escreveu.
Mas sou, e talvez serei sempre, o da mansarda,
Mansarda: sótão, último andar
Ainda que não more nela;
de uma casa, cujas janelas dão
Serei sempre o que não nasceu para isso;
acesso ao telhado, água-furtada.
Serei sempre só o que tinha qualidades;
[...]
PESSOA, Fernando. Poesias de Álvaro de Campos. In: Obra poética. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1983. p. 296-297. (Fragmento)
Exercícios de sala
b) Por que as aventuras marítimas, nesse período, eram empreendimentos tão arriscados?
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Literatura 13
Modernismo em Portugal
4 (ENEM)
Hagar Dik Browne
A tira Hagar e o poema de Alberto Caeiro (um dos heterônimos de Fernando Pessoa) expressam, com
linguagens diferentes, uma mesma ideia: a de que a compreensão que temos do mundo é condicionada,
essencialmente,
a) pelo alcance de cada cultura. d) pela idade do observador.
b) pela capacidade visual do observador. e) pela altura do ponto de observação.
c) pelo senso de humor de cada um.
a) Identifique, no poema, a modalidade religiosa que o poeta rejeita e aquela com que tem maior
afinidade. Explique sucintamente.
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Modernismo em Portugal
b) Relacione a referência a “deuses” (plural), braços e carícias, / Mas que mais vale estarmos
no poema, com o seguinte verso, extraído de sentados ao pé um do outro / Ouvindo correr o
outro poema de Alberto Caeiro: “A natureza é rio e vendo-o.
partes sem um todo”. c) Não matou outros deuses / O triste deus
_____________________________________ cristão. / Cristo é um deus a mais, / Talvez um
que faltava.
_____________________________________ d) Dizem que finjo ou minto. / Tudo que
_____________________________________ escrevo. Não. / Eu simplesmente sinto / Com a
imaginação. / Não uso o coração.
_____________________________________ e) Já disse: sou lúcido. / Nada de estética com
coração: sou lúcido. / Merda! Sou lúcido...
6 (PUC-SP)
“O que nós vemos das coisas são as coisas. 8 (UNICAMP-SP)
Por que veríamos nós uma coisa se houvesse “Cruz na porta da tabacaria!
[outra? Quem morreu? O próprio Alves? Dou
Por que é que ver e ouvir seria iludirmo-nos Ao diabo o bem-‘star que trazia.
Se ver e ouvir são ver e ouvir? Desde ontem a cidade mudou.
O essencial é saber ver,
Saber ver sem estar a pensar, Quem era? Ora, era quem eu via.
Saber ver quando se vê Todos os dias o via. Estou
E nem pensar quando se vê, Agora sem essa monotonia.
Nem ver quando se pensa. Desde ontem a cidade mudou.
Mas isso (tristes de nós que trazemos a alma
[vestida!), Ele era o dono da tabacaria.
Isso exige um estudo profundo, Um ponto de referência de quem sou.
Uma aprendizagem de desaprender Eu passava ali de noite e de dia.
E uma sequestração na liberdade daquele Desde ontem a cidade mudou.
[convento
De que os poetas dizem que as estrelas são as Meu coração tem pouca alegria,
[freiras eternas E isto diz que é morte aquilo onde estou.
E as flores as penitentes convictas de um só dia, Horror fechado da tabacaria!
Mas onde afinal as estrelas não são senão estrelas Desde ontem a cidade mudou.
Nem as flores senão flores,
Sendo por isso que lhes chamamos estrelas e Mas ao menos a ele alguém o via,
[flores.” Ele era fixo, eu, o que vou,
Se morrer, não falto, e ninguém diria:
O poema anterior, de Alberto Caeiro, propõe: Desde ontem a cidade mudou.”
a) desvalorizar o ver e o ouvir. CAMPOS, Álvaro de. Poesias
b) minimizar o valor do ver e do ouvir.
c) conciliar o pensar e o ver. a) Identifique duas marcas formais que, no poema
d) abolir o pensar para apenas ver e ouvir. anterior, contribuem para criar ideia de monotonia.
e) fugir da linguagem real/denotativa dos poetas.
_____________________________________
7 (UNIFESP-SP) Considere as seguintes _____________________________________
informações sobre o heterônimo Alberto
_____________________________________
Caeiro, do poeta Fernando Pessoa, extraídas
de Literatura Portuguesa — da Idade Média a
b) Do ponto de vista do “eu lírico”, que fato
Fernando Pessoa, de José De Nicola.
quebra essa monotonia?
“Para [ele], as coisas são como são. (...) _____________________________________
Por isso mesmo, seu mundo é o mundo do real-
sensível (ou real-objetivo), é tudo aquilo que _____________________________________
existe e que percebemos através dos sentidos.
(...) ele ‘pensa’ com os sentidos.” c) Qual a consequência, para o “eu lírico”, da
quebra dessa monotonia? Justifique sua resposta.
Os versos que ilustram o heterônimo _____________________________________
apresentado são:
a) Sou um guardador de rebanhos. / O _____________________________________
rebanho é os meus pensamentos / E os meus _____________________________________
pensamentos são todos sensações. / Penso
com os olhos e com os ouvidos / E com as ____________________________________
mãos e os pés / E com o nariz e a boca. _____________________________________
b) Amemo-nos tranquilamente, pensando que _____________________________________
podíamos, / Se quiséssemos, trocar beijos e
Literatura 15
Modernismo em Portugal
O heterônimo em questão é:
12 (UNICAMP-SP) Leia com atenção os a) Alberto Caeiro. d) Álvares de Campos.
fragmentos de poemas transcritos a seguir. b) Ricardo Reis. e) Antônio Mora.
c) Bernardo Soares.
Fragmento 1
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