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Diretor geral: Wilon Mazalla Jr.

Coordenação editorial: Marídia R. Lima


Coordenação de revisão e copydesk: Catarina C. Costa
Revisão de textos: Paola Maria Felipe dos Anjos
Arquivo ePub: Ta ane de Lima
Capa: Patrícia Lagoeiro

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Formação docente, arte e tecnologias :
contribuições do campo sócio-histórico /
organizadora Maria Cris na da Rosa Fonseca da
Silva. -- Campinas : Alínea, 2017.
Bibliografia
1. Artes - Estudo e ensino 2. Arte e tecnologia
3. Artes visuais 4. Educação - Finalidade e obje vos
5. Professores - Formação profissionais 6. Sala de
aula 7. Tecnologias digitais I. Silva, Maria Cris na
da Rosa Fonseca da.
17-05985 CDD-370.1

Índices para catálogo sistemá co:


1. Docentes : Formação : Educação 370.71
2. Professores de arte : Educação 370.71

ISBN 978-85-7516-793-9

Todos os direitos reservados ao

Grupo Átomo e Alínea


Rua Tiradentes, 1053 - Guanabara - Campinas-SP
CEP 13023-191 - PABX: (19) 3232.9340 e 3232.0047

www.atomoealinea.com.br
SUMÁRIO

Apresentação

PARTE I - ALGUNS FUNDAMENTOS

Capítulo 1. Fundamentos Sócio-históricos para a Compreensão da


Formação em Artes: impactos das tecnologias digitais
Maria Cris na da Rosa Fonseca da Silva
Introdução
Pensamento crí co ante o uso das tecnologias
Barreiras de acesso às tecnologias para a formação
Formação esté ca dos sujeitos: abordagens sócio-históricas
As licenciaturas: desafios para contrapor-se ao mau gosto
Considerações finais

Capítulo 2. Arqueologia do Futuro: a tríade educação, arte e tecnologia por


Fredric Jameson
Giovana Bianca Darolt Hillesheim
Introdução
A estreita relação entre educação e indústria cultural
Proximidades entre arte e cultura de massa
Pós-modernismo, modernismo tardio e tecnologia
Capitalismo cultural, arte e mercado
Considerações finais

Capítulo 3. Teoria Esté ca: contribuições baseadas em Theodor Adorno


Mari Ines Piekas
Apontamentos sobre a Teoria Esté ca
Os conceitos de belo e de feio pela ó ca de Adorno
Adorno e a formação de professores de arte

Capítulo 4. Apontamentos Filosóficos Acerca da Formação Docente em


Arte: análise crí ca de um problema
Giovana Bianca Darolt Hillesheim
Introdução
A imprescindibilidade de uma abordagem teórico-prá ca na formação
de professores
A necessidade de mais pesquisas atentas à especificidade da formação
de professores de Arte
Os efeitos nocivos decorrentes da falta de clareza filosófica que permeia
a formação dos professores no Brasil
O enfrentamento da indefinição do papel da arte na escola
Considerações finais

Capítulo 5. Educação Esté ca: a visão de Karl Marx e reflexões para a


formação docente em artes visuais
Angela Maria de Andrade Palhano
Introdução
Um esboço do pensamento esté co de Karl Marx
A educação esté ca
A educação esté ca e a formação de professores em artes visuais
Considerações finais

PARTE II – FORMAÇÃO DOCENTE

Capítulo 6. Formação de Professores: um recorte sobre o advento das


tecnologias e a construção do sen do esté co
Stéfani Rafaela Pintos da Rocha
Introdução
Formação de professores e as TIC na prá ca pedagógica
Construção do sen do esté co
Considerações finais

Capítulo 7. Reflexões Sobre Formação Docente, Arte e Tecnologia:


preâmbulo para uma proposta pedagógica baseada nas artes visuais
Fábio Wosniak
Por onde começar a pensar a formação docente?
Contemporaneidade, educação e tecnologia: uma relação possível?
Educação, arte e uma aproximação com a tecnologia: o primeiro
mapeamento
Considerações finais

Capítulo 8. Arte e Tecnologia na Formação de Professores


Milka Lorena Plaza Carvajal
Introdução
O ensino de artes visuais na formação de professores de artes
Uma perspec va diferenciada da visão que se tem das artes
As artes, popularização ou eli zação
A formação de professores de ensino de artes
O uso das tecnologias digitais
Considerações

Capítulo 9. Tecnologias Contemporâneas: considerações sobre sua


interferência na formação e atuação do professor de artes visuais
Valéria Metroski de Alvarenga
Introdução
Formação docente e arte
Cursos na modalidade EAD e recomendações sobre as TICs
Interferência das TICs no papel do professor
O que os professores de arte pensam sobre as TICs
Considerações finais

Capítulo 10. Apontamentos Sobre Polí cas Educacionais e Formação de


Professores
Yáskara Beiler Dalla Rosa
Introdução
Educação e polí ca
Considerações finais

Capítulo 11. A contradição dos Interesses da Ação e da Criação no Ensino


de Arte: um olhar sobre a condição da educação básica
Jaymini Pravinchandra Shah
Introdução
A contradição do trabalho
A contradição da produção humana
O trabalho como negação para a educação
A dialé ca da cultura com o contraditório
Considerações finais

Capítulo 12. Arte, Tecnologia e Formação de Professores: apontamentos na


área da educação especial
Liane Carvalho Oleques
Inclusão, formação docente e tecnologias
Arte e suas aproximações com a educação especial
Considerações finais

Sobre os Autores
APRESENTAÇÃO

Pensar a formação de professores de artes visuais no século XXI requer


pensar nas possibilidades que as tecnologias da informação e da
comunicação oferecem para esse campo de atuação. Longe de serem uma
escolha, as TIC impõem-se no trabalho docente, muito menos porque
gostamos e muito mais porque essa é a linguagem dos nossos alunos e
porque as polí cas públicas têm apontado para esse caminho.
No entanto, é preciso um posicionamento crí co ao uso das
tecnologias em sala de aula, para não cairmos na ilusão de que basta um
aporte virtual ou digital para que estejamos de fato inserindo novas
tecnologias em nossas aulas. Os desafios colocados na atualidade em
relação à formação docente suscitam discussões que vão desde
problemá cas que implicam a baixa remuneração dos docentes até a
estrutura organizacional das escolas públicas.
Dessa perspec va, o livro Formação Docente, Arte e Tecnologias:
contribuições do campo sócio-histórico aborda diversas questões que
envolvem o uso das tecnologias na formação docente em Artes Visuais,
com base em uma visão sócio-histórica, destacando elementos crí cos por
trás das polí cas públicas voltadas à formação de professores. Seus autores
estão inseridos no Programa de Pós-graduação em Artes Visuais (PPGAV)
da UDESC, e as discussões aqui apresentadas surgiram na disciplina de
“Arte, tecnologias e formação de professores”, ministrada pela professora
Dra. Maria Cris na da Rosa Fonseca da Silva, coordenadora do Grupo de
Pesquisa Educação Arte e Inclusão.
Como membro desse grupo de pesquisa, tenho acompanhado a um
bom tempo a produção de conhecimento sobre a formação de professores
de artes compar lhado por seus pesquisadores. Este livro reflete o
amadurecimento dessas discussões lideradas pela professora Maria
Cris na na graduação e na pós-graduação em Artes Visuais da UDESC. É
possível perceber nos 12 trabalhos aqui apresentados a ar culação bem
fundamentada entre a formação docente em artes, o uso de novas
tecnologias, a questão da inclusão e entrelaçamento desses temas com as
polí cas públicas vigentes.
O livro divide-se em duas partes. Na primeira parte, apresentam-se
contribuições de pensadores acerca das artes, de seu ensino e de suas
relações com as tecnologias. Na segunda, são abordados aspectos
referentes à formação docente em Artes Visuais e suas relações com as
tecnologias, com as polí cas públicas e com a inclusão.
No capítulo 1, a professora Maria Cris na da Rosa Fonseca situa as
pesquisas no contexto dos estudos sobre a formação docente em Artes
Visuais, os quais têm se preocupado com o impacto das tecnologias nessa
área de atuação, fundamentando-se em uma visão de mundo em que as
decisões tomadas pelas polí cas públicas nada têm de neutras, e são
situadas histórica e socialmente. Nesse contexto, uma das questões que se
coloca é se a formação docente em Artes Visuais está formando
professores capazes de fazer uma leitura crí ca das condições sociais que
envolvem o uso das tecnologias na atualidade.
Os capítulos 2 e 3, escritos por Mari Ines Piekas e Giovana Bianca
Darolt Hillesheim apresentam, respec vamente, as contribuições de
Adorno, Jameson e Viera Pinto relacionando-os com o ensino de artes e a
formação de professores, bem como com questões envolvendo as
tecnologias. O conteúdo apresentado nesses capítulos elucidam conceitos-
chave, tais como cultura de massa, indústria cultural, cultura midiá ca,
Esté ca, par lha do sensível, tecnologia e cibercultura, dentre outros, para
uma discussão mais aprofundada sobre as relações entre educação,
cultura, tecnologias e sociedade.
O capítulo 4, de Giovana Bianca Darolt Hillesheim, conduz uma reflexão
sobre o papel da filosofia na formação de professores de artes, os quais se
querem crí cos em suas posturas profissionais. Para tanto, a autora coloca
em debate conceitos fundamentais tais como o que é problema, o que é
crí ca e o que se entende por formação para a cidadania, bem como, o
papel da arte nos espaços escolares. O capítulo 5, de Angela Maria de
Andrade Palhano, fecha a primeira parte do livro, tratando da formação
esté ca em uma perspec va materialista-histórica na formação do
professor de arte.
A segunda parte do livro, sob o tulo Formação Docente, é composta
por sete capítulos. Stéfani Rafaela Pintos da Rocha, no capítulo 6, discute a
inserção das novas tecnologias no ensino de artes, relacionando teóricos
da área aos resultados ob dos em entrevistas com professores da rede.
Fábio Wosniak, no capítulo 7, apresenta sua experiência com proposta
didá ca em artes visuais e, baseado nisso, reflete sobre o uso das
tecnologias no ensino de arte.
A abordagem de Milka Lorena Plaza Carvajal para o tema do uso das
tecnologias na formação de professores de artes, no capítulo 8, é de
caráter teórico: parte do ensino de artes nas escolas e da eli zação das
artes até chegar às questões referentes à inserção das tecnologias em sala
de aula.
O capítulo 9, da professora Valéria Metroski de Alvarenga, e o capítulo
10, da professora Yáskara Beiler Dalla Rosa, problema zam a formação
docente em artes visuais tendo em vista as polí cas públicas e as novas
tecnologias. Alvarenga aborda a formação inicial docente por meio das
tecnologias e aponta, por meio de entrevistas, as mudanças no fazer
pedagógico em artes visuais geradas pelas TIC, incluindo nisso a formação
inicial a distância. Rosa apresenta um apanhado geral dos textos discu dos
na disciplina que originou este livro, e ques ona a formação de professores
de artes nos contextos presencial e a distância, tendo em vista o uso das
tecnologias.
Jaymini Pravinchandra Shah, no capítulo 11, aponta, com base na
perspec va marxista, as contradições que permeiam as relações de
educação e trabalho, levando em consideração o ensino de artes e as
diretrizes nacionais para a educação básica. Liane Carvalho Oleques, no
capítulo 12, enfoca a educação especial e os usos das tecnologias na
formação de professores de artes, fechando, assim as temá cas abordadas
no livro.
As discussões aqui apresentadas suscitam uma crí ca à racionalidade
capitalista, a qual não é uma racionalidade plena, mas, sim, o uso
instrumental da razão para manter os privilégios das classes hegemônicas e
perpetuar o status quo. Desse modo, as inovações tecnológicas podem
surgir como meio de mascarar e de incrementar a alienação em vez de
serem u lizadas como formas de libertação do ser humano. No caso da
formação de professores de artes, todos os debates propostos convergem
para o mesmo ponto, de que a formação desse profissional deve
proporcionar-lhe um posicionamento crí co em relação à inserção das
tecnologias no fazer pedagógico, sem deixar de ter um olhar criterioso para
as entrelinhas das polí cas públicas, uma vez que estas podem conter
muito mais que uma simples indicação para o uso das tecnologias em sala
de aula, levando-nos a aceitar ideologias convenientes à manutenção das
estruturas sociais vigentes.
Este livro, portanto, dá con nuidade às discussões sobre formação de
professores de artes, polí cas públicas, tecnologias e inclusão que vêm se
estabelecendo no Grupo de Pesquisa Educação, Arte e Inclusão, o que o
torna leitura importante para aqueles que se interessam pelo tema.

Profa. Dra. Fabíola Sucupira Ferreira Sell


PARTE I
ALGUNS FUNDAMENTOS
CAPÍTULO 1
FUNDAMENTOS SÓCIO-HISTÓRICOS PARA A
COMPREENSÃO DA FORMAÇÃO EM ARTES:
IMPACTOS DAS TECNOLOGIAS DIGITAIS
Maria Cris na da Rosa Fonseca da Silva

Introdução
Os estudos inves ga vos, promovidos pela equipe de pesquisa da
Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) ligada ao projeto
Observatório da Formação de Professores de Artes Visuais, têm tomado a
formação de professores de Artes Visuais como objeto de análise em suas
várias dimensões, como: a) a da formação crí ca e inclusiva no sen do
emancipatório; b) a do modelo de distribuição de tecnologias para os
diferentes sujeitos que compõem a escola e c) a dos desafios da práxis
docente em Artes Visuais diante de um projeto neoliberal. Essas
problemá cas estão aqui situadas no campo da Arte, de seu papel social, das
relações polí cas, culturais e econômicas que a envolvem com base em uma
visão de mundo e de sujeito ancorada no pensamento marxista e de outros
teóricos que buscaram u lizar o método histórico-dialé co dando seguimento
à análise das problemá cas sociais e seus desdobramentos para encontrar
maneiras contra-hegemônicas de atuar no campo da educação, mais
precisamente no do ensino das Artes Visuais, da perspec va da formação de
professores como intelectuais transformadores (Gramsci, 1989).
Considerando a base epistemológica explicitada, propõe-se a reflexão
acerca das tecnologias na formação de professores de Artes Visuais e suas
relações com a cultura e as artes, considerando-se os conceitos de
globalização (Ianni, 1999), mundialização da cultura (Or z, 1994), trabalho
(Marx, 2011) e polí cas públicas para formação de professores (Barreto, 2009,
2012). Igualmente, o tema das tecnologias está situado levando-se em conta
as reflexões de Barreto (2012) e, no campo da Arte, de Eagleton (1993, 2005)
e Vazquez (1978).
Assim, tendo como ponto de par da esta introdução, apresentam-se, no
primeiro tópico, as relações estabelecidas entre o chamado pós-modernismo,
ou capitalismo tardio para Jameson (1997), que se valeu das contribuições de
Mandel (1985) [1], e a ampliação do uso das tecnologias com a popularização
de artefatos, como computadores domés cos e pessoais, telefones e tablets.
Ressaltam-se como aspectos históricos: 1) o surgimento do conceito de
cultura como categoria em destaque em relação à economia (Or z, 2004) e 2)
as problema zações advindas da transformação desta em mercadoria por
força da indústria cultural.
Ao longo do primeiro tópico, problema zam-se pontos rela vos ao
modelo de acesso às tecnologias de comunicação e informação (TIC) na
escola. Destaca-se que esse acesso não é ob do por todos da mesma forma e
que a qualidade das condições tecnológicas tem influenciado de maneira
decisiva o modo de acesso das classes populares aos equipamentos e às
informações disponíveis na web.
No segundo tópico, apresenta-se o pensamento crí co ante o uso das
tecnologias e da perspec va sócio-histórica de formação. Abordam-se a
seleção de conteúdos e a formação cien fica, ou ampliação de repertório do
professor de Artes Visuais, destacando-se as contribuições para uma melhor
compreensão dos modelos e das polí cas de formação vigentes no país.
O tema da formação esté ca, da u lização das tecnologias como
linguagem para a veiculação de objetos ar s cos e dos novos enfrentamentos
diante dos paradigmas atuais para a formação de professores de Artes Visuais
são abordados no terceiro tópico.

Pensamento crí co ante o uso das tecnologias


Como foi enunciado, analisa-se a inserção das tecnologias tendo-se como
ponto de par da as mudanças culturais apontadas por Or z (2004) [2]. Ao
falar da sociedade global e de seus efeitos sobre a vida humana e a cultura, o
autor destaca as transformações que a sociedade capitalista tem produzido
nas relações sociais.
A perspec va de mudança do Estado-nação para o Estado globalizado é
acelerada à medida que o sistema de administração, antes realizado pelo
Estado-nação dentro do território nacional – em que os governos nham
papéis fortes – passa a dar lugar a outras formas de organização criando
blocos econômicos de atuação conjunta. Para exemplificá-las, vejam-se o G8
[3] e o Mercosul [4], dentre outros modos de dominação pelos quais um
Estado, ao invés de proteger o que é social, desenvolve ações de flexibilização
das relações de trabalho produzindo fenômenos como a reconversão docente
[5] na reflexão sobre temas que são caros ao marxismo, como as ideologias, o
trabalho e a história.
Com o fortalecimento das ideologias liberais, o Estado enfraquece, diminui
suas polí cas sociais e fortalece a organização dos conglomerados
econômicos. Um exemplo desse movimento é a inserção de grupos
empresariais na definição de polí cas educacionais.
Ianni (1999) destaca a Organização das Nações Unidas (ONU) como uma
ins tuição com poucos poderes, que atua quando há um consenso das nações
dominantes e que expressa a lógica desse grupo como se fosse a lógica da
maioria. Mazzeu (2011) também reitera essa análise rela va às ins tuições
que produzem estudos e diagnós cos com pretensa isenção, mas que não
fazem mais que criar um clima favorável para reformas de interesse capitalista
fundamentadas em estudos encomendados.
A nova aldeia global, embora prometa união, aprofunda o fosso da
desigualdade social e beneficia uma parcela mundial da população enquanto a
outra vivencia condições de extrema pobreza. A processo de globalização
ganhou força com a necessidade de se ampliar o espaço comercial capitalista.
A ideia é flexibilizar as fronteiras do Estado Nação, alargando os espaços de
comércio e os processos de industrialização.
Ianni (1999) anunciou, nos anos finais da década de 1990, o que se está
vivenciando ainda hoje e como o aparato tecnológico, embora produto
humano com potencial emancipador, seria (e vem sendo) u lizado como via
de aumentar a exploração. "Os movimentos do capital, tecnologia, força de
trabalho, know-how empresarial etc., em escala mundial, transformam as
sociedades nacionais em dependências da sociedade global" (p. 43). Para
legi mar essa polí ca, nos encontros para discu r e propor decisões globais,
que são, ainda, impingidas aos demais países, principalmente aos que estão
em desvantagem financeira, são redigidos acordos, convenções e declarações
que, sob o pretexto de gerar desenvolvimento, naturalizam prá cas
excludentes. Os Estados dependentes e enfraquecidos ganham a tarefa de
implementar essas mudanças por meio de polí cas públicas e das legislações
criadas para esse fim.
No do campo da cultura, acrescentam-se as problema zações destacadas
por Or z (1994), as quais evidenciam as relações desse âmbito com a
economia, que, no entanto, não são deterministas. Na visão do autor,
"as preocupações devem ser redobradas quando nos deparamos com o
universo cultural. Sua interação com a dimensão econômica é evidente,
e não poderia em absoluto ser negada, no entanto as relações que se
estabelecem estão longe de se acomodar a qualquer po de
'determinação em úl ma instância'" (p. 23).

Considera o autor que, em relação às origens históricas, há uma


diferenciação no sen do da construção do capitalismo e do surgimento do
conceito de cultura. Embora não seja de interesse, nesta discussão, constatar
se há ou não um profundo entrelaçamento entre cultura e economia, importa
ressaltar que a análise da cultura, ou das teorias da cultura, é estratégica para
a compreensão da inserção das tecnologias no co diano atual. Interessa,
portanto, problema zar a tecnologia como relação social.
Eagleton (2005), analisando as mudanças ocorridas entre as décadas de 60
e 70 e o cenário pós-modernista dos anos 80 e 90, já no século XX, evidenciou
a crise do capitalismo nacional, isto é o do Estado-nação, já abordado
inicialmente neste tópico. O autor aponta as dificuldades de sobrevivência
desses mercados nacionais e a necessidade de uma nova organização, como
está ocorrendo com os parques produ vos, que saem dos países ricos para os
países chamados de ‘terceiro mundo’, os lugares de baixo salário. Tal ordem
pressiona o movimento sindical e força os trabalhadores a nela se encaixarem.
Ele acrescenta ainda:

"O inves mento deixou a indústria manufatureira e passou para os


setores de serviços, finanças e comunicações. À proporção que os
grandes negócios se tornavam culturais, cada vez mais baseados em
imagem, embalagem e apresentação, a indústria da cultura tornou-se
um grande negócio" (p. 69).

As tecnologias também fazem parte desses grandes negócios, por isso a


necessidade de situá-las nesse cenário mais global da polí ca, para chegar
também ao ensino de Artes nas escolas por meio do debate acerca do modelo
de formação de professores de Artes Visuais distribuído nas licenciaturas.
Para iniciar a reflexão acerca das tecnologias, é necessário que se
considere que os processos de informa zação têm marcado, de forma
determinante, o comportamento das pessoas neste início de século. Como
aponta Reis (2007), há mudanças nos processos de organização do trabalho e
nos diferentes sistemas de organização das cidades e de suas ins tuições,
como se pode notar nos bancos, no transporte, na saúde e, inclusive, na
educação. Fundamentada em Marx, a autora destaca um aspecto central para
o entendimento do papel social da inserção das tecnologias na atualidade que
influencia as relações de trabalho, qual seja, a transformação do processo de
manufatura em o processo de industrialização. De um lado, no processo da
manufatura artesanal, tem-se a força de trabalho como propulsora da
produção e, portanto, a necessidade sica de quan dade de pessoas para o
aumento do lucro; de outro, na sociedade capitalista moderna, os
equipamentos e seu instrumental tornam-se revolucionários para impulsionar
a produção. Assim, essa reorganização do campo de trabalho no processo de
globalização permite o envolvimento de menos trabalhadores e mais
equipamentos, prá cas que são validadas como caminho para o aumento da
produção na lógica do capitalismo.
Todos os dias, o pensamento comum debruça-se sobre o conforto que
muitos artefatos tecnológicos proporcionam, como o uso do celular e sua
possibilidade de comunicação rápida. Pode-se marcar um encontro ou enviar
um pedido de socorro numa velocidade de comunicação, outrora impensável.
Por outro lado, essa mesma facilidade proporciona alguns empecilhos, como,
por exemplo, a constante exploração do tempo livre quando não há limites de
horário de trabalho. O trabalhador, no capitalismo tardio, tem seu tempo livre
confiscado e não remunerado com a expropriação da mais valia, como fora
abordado por Marx (2011) e, na atualidade, problema zado por Harvey
(2013).
Ressalta-se que as tecnologias roubam o tempo do lazer, da família e
es mulam, nos trabalhadores, uma cultura de disponibilidade para o trabalho,
muitas vezes em decorrência da flexibilização das relações profissionais e da
diminuição dos direitos trabalhistas. Percebe-se, assim, o quão contraditório é
o uso das tecnologias na contemporaneidade, pois, ao mesmo tempo em que
proporcionam uma vida mais cômoda e saudável, desde a luz elétrica até as
descobertas inovadoras no campo da saúde, também aumentam a
possibilidade de exploração do trabalhador, o que compromete o conforto e
bem-estar deste. No caso dos professores, destaca-se o crescimento das
funções desenvolvidas em razão dos aparatos tecnológicos que, pela
facilidade de comunicação, se tornam meios de impingir novas tarefas não
remuneradas fora do espaço da escola.
Nesse processo, observam-se as mudanças crescentes destacadas por
Jameson (1997):

"[...] na cultura pós-moderna, a própria 'cultura' se tornou um produto,


o mercado tornou-se seu próprio subs tuto, um produto exatamente
igual a qualquer um dos itens que o cons tuem: o modernismo era,
ainda que minimamente e de forma tendencial, uma crí ca à
mercadoria e um esforço de forçá-la a se autotranscender" (p. 14).

A tecnologia ocupa, nesse processo de mercan lização cultural, um papel


central, pois valida o novo modelo aparentando contemporaneidade. Nesse
sen do, o autor ressalta a arquitetura como o grande campo das produções
esté cas.
Em Santa Catarina, por exemplo, a rede estadual implementou os diários
de classe on-line, prá ca que já é vivenciada há alguns anos na Universidade
do Estado de Santa Catarina (UDESC). No entanto, nas escolas básicas, os
diários só estão disponíveis para preenchimento extraclasse, os professores
cumprem longas jornadas em sala de aula e a internet disponibilizada é de
baixa qualidade, o que gera mais trabalho não remunerado. Ainda, a carga
horária para 40 horas pressupõe, no mínimo, 32 aulas em sala de aula,
sobrando para o professor um pequeno percentual de tempo remunerado
para estudo, preparação e avaliação, bem como para preenchimento do
referido diário de classe. Isso demonstra como as tecnologias, aliadas à falta
de infraestrutura, embora com a promessa de contribuir para o processo
educacional, em muitos setores, incrementam a exploração dos
trabalhadores.
Quando o recurso do vídeo chegou à escola, muitos educadores
acreditavam que esse po de tecnologia os subs tuiria, outros tantos,
maravilhados com as novas possibilidades, endeusavam os aparatos
enfa zando seu caráter transformador. A chegada dos computadores na
escola foi, também, um momento de ques onamento sobre as tecnologias, no
sen do de que o seu emprego poderia trazer dificuldades no modo de
aprender e ensinar. Embora, hoje, esses artefatos estejam mais assimilados na
escola e as tecnologias sejam vistas como apoio no processo pedagógico, há
dois fenômenos que complicam seu uso qualificado. O primeiro diz respeito
aos diferentes níveis de aprendizagem rela vos aos computadores. Fato é que
grande parte dos estudantes que tem acesso a eles apresenta uma melhor
interação com os equipamentos que os professores. São, por isso, exigidas do
professor alterações nas abordagens didá cas, assim como é preciso suporte
das gestões educacionais para o desenvolvimento de processos de formação
de longa duração com suporte de tempo e recursos adequados.
O segundo aspecto diz respeito às condições estruturais de acesso à
informá ca na escola. Observa-se que os equipamentos, a qualidade da
internet e a estrutura sico-organiza va das escolas públicas deixam a desejar,
pois apresentam condições precárias se comparadas ao potencial de
qualidade dos mesmos recursos des nados aos estudantes pertencentes aos
extratos mais favorecidos. Essas diferenças poderão influenciar diretamente o
processo de domínio pedagógico das tecnologias, e criar barreiras para as
camadas populares terem contato com os conhecimentos locais e universais
historicamente produzidos.
Pode-se afirmar que diferentes correntes teóricas têm abordado as
tecnologias como um tema central atualmente porque elas conferem
mudanças na maneira de viver das sociedades atuais. Desde a produção do
fogo, da roda, até a era moderna, com a descoberta da luz elétrica, do rádio,
da televisão, dos computadores e, nas úl mas décadas, a chegada da internet,
da nanotecnologia, dentre outros, o homem vem modificando o seu modo de
estar no mundo. No caso da tecnologia, o vínculo que ela tem com o trabalho,
no contexto cultural, transforma as relações existentes e produz novas
necessidades, acrescidas do fe chismo tecnológico.
Iden ficam-se diferentes posturas de análise desse tema, como as
apontadas por Lévy (2000, 2003) e Castells (1999). Optou-se, neste texto, por
abordar as interações entre tecnologias e educação com base nas
contribuições de Barreto (2009, 2012), par lhando o referencial sócio-
histórico dessa autora.
Ao se delinearem os elementos que interatuam na formação docente, de
uma perspec va crí ca, destacam-se os aspectos que subsidiam uma
formação intelectual. O primeiro deles diz respeito ao fato de que as
tecnologias, uma vez que são instrumentos cujas formas de u lização estão
inseridas na cultura, são mediadas pelas ideologias e pela disputa hegemônica
existente na sociedade e, portanto, na escola. O segundo, concerne à questão
de que a necessidade de imersão tecnológica se cons tui, no co diano, como
meio de manutenção do consumo, logo, a indústria cultural es mula o uso
co diano e alienado do instrumento tecnológico, com a finalidade de gerar
novas necessidades e educar o gosto para a compra de produtos e não para a
humanização. Como terceiro aspecto, destaca-se que a produção cole va de
ações contra-hegemônicas fortalece a visão do professor como um intelectual
orgânico, no sen do cole vo e inserido na transformação da sociedade.
Finalmente, e não menos importante, as tecnologias são criações da
humanidade e, portanto, devem ser apropriadas cri camente pela escola
como estratégia contra-hegemônica de distribuição dos saberes produzidos
pela humanidade, não como item a ser adquirido, mas como parte importante
em um processo de humanização.

Barreiras de acesso às tecnologias para a formação


As atuais polí cas públicas trazem como mote a inserção das tecnologias
como inovação, tanto na educação e na arte, quanto na formação de
professores. Barreto (2012) observa que os documentos legisla vos produzem
profundas mudanças no processo de trabalho docente e nas condições de
produção da formação. A autora vale-se da análise crí ca do discurso (ACD) de
uma perspec va histórica e crí ca com a intenção de diferenciar-se de outras
abordagens que separam o conteúdo da forma. Para a autora, essas
abordagens são "desprovidas de exterior" (p. 986). Trata-se de um ponto de
vista que toma corpo na materialidade, nos fatos existenciais e em que o
discurso é pensado como modo de atuação dialé ca, posto como
materialização da ideologia. Fundamentada no conceito de hegemonia de
Gramsci (1991) para analisar os movimentos de resistência, afirma:

"A busca é pela compreensão dos mecanismos cons tu vos da luta


pela legi midade dos diferentes sen dos, já que, em meio aos sen dos
historicamente possíveis, um tende a ser mais ‘lido’ que os outros: é
formado e legi mado, enquanto os demais podem nem ser cogitados.
Em outras palavras, na perspec va histórico-discursiva, a ideologia
corresponde à hegemonia do sen do" (p. 986).

Nesta abordagem, Barreto analisa a centralidade das tecnologias da


informação e da comunicação (TIC) em seus processos de recontextualização e
aponta a mudança que ocorre quando a educação é movida pela lógica do
negócio, em que a polí ca pública se torna porta de entrada para produtos
internacionais.
Como já foi comentado em Fonseca da Silva e Schilichita (2015) acerca dos
resultados do projeto “Laptop na Escola”, os produtos comprados pelos
governos, de modo geral, os que vão para a escola, são de baixa qualidade e
não há apoio aos docentes em forma de, por exemplo, melhores condições de
trabalho e formação adequada que possibilitem o uso das tecnologias como
processos reflexivos de aprendizagem. Nesse caso, o trabalho docente é
subsumido no raciocínio que rege o negócio, na engrenagem dos grandes
conglomerados econômicos.
Segundo Harvey (2013), quando o capitalismo começa a alterar a lógica do
trabalho em função do aumento da produção e do consumo é que ocorre "a
real submissão do trabalho ao capital" (p. 168). Corrobora esta ideia a
especialização do trabalho, neste caso, o trabalho docente. As mudanças
implantadas para o aumento da produção permitem uma simplificação do
trabalho, o que possibilita, além de uma subs tuição mais fácil, uma
hierarquia frequente. Em uma analogia entre a introdução dos maquinários
nas fábricas no século XVIII e XIX e a entrada das tecnologias nas escolas hoje,
iden fica-se o fato de que, em ambas as situações, as novas ferramentas
colaboram no processo de expropriação dos trabalhadores. A falta de uma
formação intelectual aprofundada contribui para a permanência da escola
pública desqualificada, que é instrumento necessário para o aumento da
exploração.
O discurso sobre o uso das tecnologias na escola passa a reverberar o
modus operandi das fábricas. Harvey (2013) destaca:

"Embora isso envolva um inves mento a vo por parte dos capitalistas,


a vantagem é que a máquina pode ser usada para aumentar a
produ vidade sica do trabalho ao mesmo tempo que permite que os
capitalistas controlem a intensidade e o ritmo do processo de trabalho
mediante a regulação da velocidade da máquina. O trabalhador torna-
se então um mero 'apêndice' – um escravo – da máquina. A separação
do trabalho mental do trabalho manual, a destruição das habilidades
do trabalho ar s co e do trabalho artesanal e a sua subs tuição por
meras habilidades atendidas por máquinas, o emprego de mulheres e
crianças – tudo isso foi consequência" (p. 169).

A desqualificação docente do professor pela perda da formação intelectual


é es mulada ainda pela ideologia do aprender a aprender, em que o foco não
está na formação intelectual do professor, mas na metodologia de como
repassar, quando a prá ca imediata se transforma na única fonte de
conhecimento. Dessa perspec va, os conhecimentos sócio-históricos são
minimizados na formação em detrimento dos processos do fazer prá co e do
estudo da própria prá ca, como descrito por Duarte (2000) e o uso das
tecnologias na escola passa a reverberar o modus operandi das fábricas.
Para fundamentar a análise das reformas educacionais e sua
transfiguração baseada na lógica mercadológica, Barreto (2012) fundamenta-
se em Fairclough (2010), que destaca a recontextualização como "um
fenômeno complexo, envolvendo, para além de uma simples colonização, um
processo de apropriação cujas caracterís cas e resultados dependem de
circunstâncias concretas de diversos contextos" (p. 989). Essas mudanças
produzidas pelos processos de recontextualização propiciam transformações
ideológicas que buscam naturalizar-se no ideário pedagógico. Para Harvey
(2013), imbuído da teoria de Marx, "As contradições entre as forças
produ vas, as relações sociais e as concepções mentais do mundo tornam-se a
fonte central de tensão. A luta eterna para superar as contradições torna-se a
força motriz da história" (p. 163). Desse modo, o fenômeno da
recontextualização ganha, nos discursos propagados por governantes,
gestores, mídias, professores e alunos, formas concretas de implementação
das polí cas públicas voltadas ao mercado.
Barreto (2012) destaca a polarização entre dois discursos acerca das
tecnologias: um que descentraliza o conceito de trabalho e atribui às
tecnologias um papel revolucionário, que alimentam a disseminação da ideia
de sociedade global da informação. Nesse modelo, o papel do professor é
facilitar a formação de alunos autônomos, isto é, que ‘aprendem sozinhos’. O
fiel da balança passa a ser quem detém os conhecimentos e quem não os
detém, e a prerroga va de tal saber priva za ainda mais o acesso à formação.
Nisso também reside o reforço do processo de recontextualização das TICs,

"na perspec va de que, quanto maior a presença da tecnologia, menor


a necessidade do trabalho humano, bem como maior a subordinação
real do trabalho ao capital e aos que se valem das tecnologias para
ampliar as formas de controle do trabalho e dos seus produtos" (p.
990).
A essa linha de pensamento, a autora ar cula o pensamento de Felinto
(2005), o qual observa o caráter imaginário de que se reveste o uso das
tecnologias, e gera concepção mágica que apresenta a tecnologia na
sociedade como um fenômeno messiânico capaz de resolver os problemas
sociais, ou mesmo a ideia de que uma tecnologia mais atual seja,
necessariamente, uma tecnologia mais avançada. Leo e (2014) aponta que,
hoje em dia, ninguém mais fala das tecnologias que estão incorporadas no
processo ar s co de outros tempos. Segundo a autora,

"Quase mais ninguém observa que a pintura, por exemplo, é resultado


de tecnologia e que carrega esta tecnologia imbuída na nta e na
super cie onde se deposita, além dos procedimentos inerentes à sua
prá ca. Por isso, tendemos a vê-la com menor apelo tecnológico. A
indústria de ntas, resinas e pigmentos é altamente especializada e
desenvolve seus produtos com as tecnologias mais avançadas. Um
tubo de nta adquirido é pura tecnologia, inclusive comprome da com
efeitos na natureza, pois toda a tecnologia exerce seus efeitos no
sistema onde está inserida" (p. 50).

Essa validação das tecnologias mais atuais como redentoras dos problemas
educacionais, de alguma forma, retorna às correntes pedagógicas tecnicistas
com nova roupagem e, além de criar muito rapidamente um arsenal de lixo
tecnológico, igualmente, impossibilita o melhor manuseio das tecnologias, a
análise mais aprofundada das possibilidades de uso didá co reflexivo do
próprio material e de espaço para o processo criador do professor.
Retomando as contribuições de Barreto (2012), existe um segundo
discurso, que se opõe ao primeiro, o qual converge para a centralidade do
trabalho e caracteriza as tecnologias como uma produção humana, carregada
de ideologia, que necessita da mediação também humana para cons tuir-se
numa ferramenta de transformação.
As TIC, segundo a autora, "são vistas como produção que não podem ser
pensadas fora das relações sociais que as engendram" (p. 989). Portanto,
nesse segundo discurso, não é possível perder a totalidade da formação
docente. Essa é a dimensão que se quer abordar e, na condição de
observatório [6], reuniram-se estudos sobre as condições da formação
docente na busca pela compreensão das contradições que impedem o
entendimento da totalidade dos processos educa vos de uma perspec va
emancipatória. Igualmente, a proposta é encontrar, por meio de processos
contra-hegemônicos, formas de desconstruir as concepções de aligeiramento
e simplificação da instrução docente, assim como de combater o
esvaziamento de recursos de formação intelectual e a precarização da
a vidade docente.

Formação esté ca dos sujeitos: abordagens sócio-históricas


Considerando-se o cenário exposto nos tópicos anteriores, em que se
ressaltam, o uso das tecnologias como estratégia de ampliação do consumo e
também a recontextualização das tecnologias como fenômeno de mudança
cultural que afeta as polí cas públicas, problema zam-se, nesta seção, a
formação específica no campo das artes visuais e seus desdobramentos para o
ensino de Artes na escola. Inves gam-se as promessas de que as TICS
proporcionariam ampliação das informações e das oportunidades de consumo
concre zadas, ora via Estado, ora via consumidor direto, em uma concepção
de educação e de arte como negócio, como mercadoria da indústria cultural.
Cabe, ainda, perguntar: como as artes visuais, aliadas às tecnologias, têm
construído a crí ca da formação do gosto homogeneizado por produtos
midiá cos? De outro lado, cabe refle r sobre a complexidade do emprego das
tecnologias na sala de aula da perspec va de um projeto emancipador.
Tanto no campo da arte, quanto no campo da educação, as tecnologias
novas e an gas, na medida em que potencializam a democra zação do acesso
aos saberes, educacionais e ar s cos, conquistam maior êxito se u lizadas e
apropriadas a fim de se tornarem, na condição de produção humano, produto
social ressignificado. Nesse caso, não importa se a tecnologia é nova ou an ga,
importa se potencializa relações esté cas mediadas pelo professor.
Como já foi problema zado por Fonseca da Silva (2015), o uso das
tecnologias na escola, de acordo com dados de entrevistas com professores de
artes, denota três aspectos: o primeiro, e já fartamente explicitado, diz
respeito à falta de condições de trabalho, às fragilidades salariais e ao
aumento das a vidades docentes, termo conhecido como reconversão. O
segundo refere-se à baixa qualidade da tecnologia disponível na escola e o
terceiro é rela vo à necessidade de maior formação polí ca para a
compreensão das contradições presentes entre a produção ar s ca
disponível, gerada ao longo da história da humanidade, e as condições de
produção do gosto na sociedade capitalista pela disseminação dos produtos
da indústria cultural.
Como desdobramento desse cenário de alienação, temos que o professor
acaba por desconhecer o papel da arte como elemento central, tanto no
projeto capitalista, quanto no projeto contra-hegemônico, que busca superar a
lógica do mercado, caracterizando a necessidade da arte como um projeto
emancipador.
Ressalte-se que, desde a criação da Educação Ar s ca pela Lei nº 5.692,
de 11 de agosto de 1971 (Brasil, 1971), o projeto educacional por ela
engendrado já era atrelado às polí cas públicas dominantes, e, ainda hoje,
traz o fazer como objeto central, dispensando o processo esté co-reflexivo
como elemento de práxis. Desse ponto de vista, constrói-se uma falsa
polêmica entre teoria e prá ca. Para fortalecer as ideias liberais e
conservadoras que marcaram a educação brasileira a par r das primeiras
décadas do século XX, tem-se a formação aligeirada do professor de Arte,
elemento estratégico para a desqualificação do ensino dessa disciplina
presente no modelo das licenciaturas curtas. [7]
Nos dias atuais, con nua-se a conviver com tais linhas de pensamento,
recolocadas em outras frentes voltadas a problemá cas que não têm
colaborado para colocar em jogo um projeto alterna vo ao projeto
educacional neoliberal. Ante esse contexto, é preciso inquirir como seria a
concepção de arte que o projeto contra-hegemônico defende.
É nos pensamentos de Vazquez (1978) e Peixoto (2003, 2006) que se
buscarão pistas para elucidar a questão das possibilidades de enfrentamento
da prá ca pedagógica alienante. Vazquez (1978) problema za as relações
entre arte e sociedade intencionando estudar seus pontos de conflito de
modo que uma não esteja completamente de costas para a outra. Trata-se
portanto, de uma abordagem em que há uma relação dialé ca entre as duas.
Por outro lado, o autor destaca a rela va autonomia da arte que, de um lado,
não é sociológica e, de outro, se mantém conectada à realidade, não como
cópia dela, mas como uma intricada relação dialé ca entre forma e conteúdo.
Para Peixoto (2006),

"Assim, a criação-fruição de um objeto ar s co permite aos indivíduos


mergulharem com a integralidade de suas capacidades humanas –
sensibilidade, intelecto e emoção – na vida da humanidade que os
antecedeu e que os envolve. Por essa concepção, a Arte cons tui uma
fonte de humanização" (p. 3292).

Para a autora, esse processo de humanização, que relaciona forma e


conteúdo e se expressa em objetos ar s cos ao longo da história da
humanidade, coloca-se como uma possibilidade de avanço em relação a uma
produção alienada da arte que enfa za os aspectos da produção, fruição [8] e
circulação. Cabe ressaltar que a contemporaneidade de cada momento
histórico se concre za na medida em que se emociona com objetos que
sobreviveram até os dias atuais. Mesmo que se tenha em mente a formação
das coleções de modo ideológico, pois toda a arte é ideológica, ela também é
produto humano, é trabalho humano e, portanto, necessita ser socializada.
A chamada arte ins tucionalizada é um bem da humanidade e o direito de
acesso a ela também o é, embora as camadas dominantes tenham acesso
prioritário a essas produções enquanto as camadas populares têm acesso
limitado aos produtos da indústria cultural.
Vazquez (1978) oferece um conjunto de pontos de reflexão que, de modo
geral, dis ngue essa perspec va sócio-histórica que se fundamenta na teoria
marxista. O primeiro destaque seria rela vo à ‘arte como esfera essencial do
homem’, o qual aponta para uma caracterís ca de ser criador com uma
potência ilimitada e que se renova na sua relação com o mundo. Um segundo
ponto, nas palavras do autor, diz respeito à

"essência criadora que não opera de um modo absoluto. Conjuga-se,


como vimos, com o condicionante histórico-social da criação ar s ca,
num jogo dialé co cuja justa compreensão permi r-nos-á eludir dois
extremos perniciosos: o sociologismo, por um lado, que ignora o
caráter específico e rela vamente autônomo da arte; e, por outro, o
este cismo, que faz dela uma a vidade absolutamente incondicionada
e autônoma" (p. 115).

Nesse aspecto da essência criadora, que não é uma essência em si, mas é
fruto das relações sociais, o autor remete à necessária ampliação dos
repertórios vivenciados pelos ar stas, pois nada que habite a consciência já
não está enunciado na existência humana.
Um terceiro aspecto evidenciado por Vazquez (1978) remonta à ideia da
aspiração à arte como ciência, não no modo pelo qual se cons tuem as
ciências naturais nem como algo fechado e prescri vo. Muito pelo contrário,
na lógica da dialé ca, compreender a arte como ciência obje va e não
obje vista requer pensá-la como um processo criador humano, real e possível,
assim como cons tuir seu caráter cien fico por meio de seus fundamentos
filosóficos com base no materialismo histórico e dialé co.
Finalizando os pontos elencados, um quarto aspecto diz respeito à crí ca
ao norma vismo na arte. Segundo o autor,

"O norma vismo é a expressão de um subje vismo que termina por


congelar ou fixar o desenvolvimento do real, da própria vida. [...] A
esté ca marxista busca conceitualizar o que é, não assinalar o que
deve ser. Não traça normas ou regras de criação. É incompa vel, por
isso, com todo norma vismo" (p. 117).

Ainda, ele destaca que o processo criador é uma necessidade do ar sta,


portanto, não pode ser uma obrigação exterior a ele. Há, por isso, uma
contumaz crí ca à ideologia do mercado e suas perspec vas de uniformizar,
cercear, limitar e assolar o processo criador, que se materializam também na
sala de aula, na imputação de um modelo de fruição da arte e da formatação
do gosto das camadas populares.
Kurle (2013) problema za as contribuições de Adorno e Horkheimer
(1985) quanto ao entendimento do papel da indústria cultural na formatação
do gosto popular. Para desenvolver essa análise, o autor remonta ao processo
de expansão capitalista e das tecnologias, quando o rádio, o cinema e a
televisão ampliaram as possibilidades de circulação de produções sonoras e
imagé cas. A propaganda criada pela necessidade de divulgação dos produtos
com o obje vo de aumento do consumo consolida-se também como
necessidade das sociedades modernas.
As manifestações ar s cas também dialogam com esse novo momento,
inclusive ampliando suas possibilidades de a ngir novos públicos e seu
potencial social. Nesse processo, Kurle (2013) evidencia a repe ção co diana
da arte em diferentes formatos e aponta que o próprio mercado vai, aos
poucos, se u lizando de processos ar s cos para aumentar a capacidade
mercadológica. Evidencia o autor que "elementos ar s cos são imbuídos em
propagandas como maneira de distrair e como meio técnico de obter o
resultado psicológico desejado" (p. 111). Outra estratégia para substan var a
indústria cultural é disponibilizar um conjunto de produções no campo das
artes, popularizando-as e credenciando o mercado como produtor de arte.
Nas palavras do autor, "com interesse na distração e entorpecimento das
massas, a arte se populariza como entretenimento, perdendo todo seu sen do
de realização da autonomia, de manifestação da livre imaginação, de
compreensão crí ca do mundo" (p. 111).
A questão que está colocada é a de que, na indústria cultural, o que se
valoriza não é o valor de uso ou a necessidade, mas o valor de troca, o quanto
é possível lucrar com tal produção. Desse modo, o fe chismo colocado sobre o
objeto interpretado como arte constrói um sen do psicológico que a indústria
cultural tem a pretensão de transformar em comportamento esté co, a fim de
influenciar a recepção daquilo que se quer vender. Em outras palavras,
segundo o autor, é uma apropriação da capacidade lúdica da arte a serviço da
produção mercadológica. "O prazer gerado pelo objeto ar s co, banalmente
imiscuído na propaganda, se confunde com o desejo pelo objeto. Enquanto a
música de fundo mantém o prazer, o anúncio oferece o produto" (Kurle, 2013,
p. 115).
Não é à toa que o projeto neoliberal de educação propagandeia, de forma
tão enfá ca, o discurso do fazer e do prazer no ato de aprender, na mesma
medida em que sucateia as condições de trabalho, salários e formação do
professor.
Diante dos argumentos apresentados, ques ona-se: como os cursos de
licenciatura podem preparar o estudante de Artes Visuais para atuar como
professor de uma perspec va sócio-histórica?
Na atualidade, convive-se com tendências do ensino de Artes Visuais que
defendem o ensino da cultura visual porque seus produtos estão próximos das
camadas populares. Apontam, assim, o imenso espectro de produtos
imagé cos evidenciados no co diano. Embora a cultura visual venha se
desdobrando fundamentada em estudos culturais, não há um único
movimento, há diferentes perspec vas de abordagem.

"A primeira, que no meu entendimento é a mais 'restri va', enfa za o


visual e trata de norma zar e prescrever seus objetos de estudo como
sendo a arte, o design, as expressões faciais, a moda, a tatuagem e um
longo etc. A outra vertente toma a cultura como traço definidor do
estudo e, portanto, se refere a valores e iden dades construídos e
comunicados pela cultura via mediação visual, como também à
natureza conflituosa desse visual devido aos seus mecanismos de
inclusão e exclusão de processos iden tários" (Sardelich, 2006, p. 461).

No entanto, embora essa abordagem se travista de contemporânea, ela


poderá, ao abordar unicamente imagens da cultura visual, não democra zar o
acesso aos conhecimentos sistema zados. Os estudantes das camadas
populares não necessitam vir à escola para acessar esses conteúdos, a própria
televisão transforma a informação em gosto, produzindo um determinado
desejo que se coaduna com as necessidades de consumo do mundo midiá co,
como abordado foi anteriormente por Kurle (2013). Reiterar essas produções
na escola parece pouco eficaz para um ensino-aprendizagem crí co, pois os
objetos da arte podem inserir debates reflexivos e, ainda, descor nar
diferentes contextos, distribuindo um conhecimento que fica fechado em
espaços especializados. Pode-se dizer que, se o conhecimento da arte
universal, ins tucionalizada e organizada pelas elites historicamente, fosse
dispensável, os intelectuais da arte abririam mão desses saberes em sua
formação em detrimento da cultura visual. No entanto, não é o que ocorre.
Todos bebem dessas fontes, alguns de forma crí ca, mas só para as classes
populares é que há o desejo da supressão desses conteúdos na escola.
Ao mesmo tempo, a própria arte empresta ao processo educacional uma
fonte inesgotável de debate. Apresentam-se aqui três exemplos disso.
Primeiro, a obra dos irmãos Chapman, que produz uma crí ca à indústria
cultural por meio de uma linguagem grotesca, misturando humor, ironia e
sagacidade, como se observa na Figura 1. U lizando a contradição, os ar stas
ques onam o produto produzido por uma mul nacional, que relaciona
alimento, brinquedos e infância, es mulando o consumo de alimentos de
qualidade ques onável. No trabalho in tulado O inferno de Ronald McDonald,
Jake e Dino, os ar stas, ques onam o modelo capitalista de consumo e, para
externar essa posição, misturam personagens do McDonald, como Ronald e
sua turma, com Hitler e seus soldados nazistas.

Figura 1. “Inferno de Ronald McDonald”.


Fonte: Pires (2014).

Uma imagem como esta na sala de aula abre um conjunto de questões


para debate, desde aspectos históricos, polí cos e sobre o papel da mídia,
como também acerca das instalações, objetos ar s cos tridimensionais e
questões do co diano, como o consumismo e a alimentação infan l.
Uma segunda imagem para reflexão diz respeito à produção de Bansky,
que propôs diversas peças, incluindo um grafite baseado no famoso Naufrágio
do Medusa, de 1819, pintura de Theodore Gericault. Nessa obra, o ar sta
representou refugiados acenando para um iate de luxo, adicionando à obra de
Gericault um elemento de contemporaneidade.

Figura 2. Banksy – “Não estamos todos no mesmo barco”.


Fonte: Silva (2015).

Nesta produção, o ar sta representou, por meio de uma técnica


contemporânea – o grafite, elementos da história da arte. A citação à pintura
de Gericault destaca, além do repertório do ar sta, que domina esse
conhecimento sobre uma produção do século XIX, uma manifestação de seu
tempo com uma proposta de arte urbana e acessível a qualquer público.
Tomando como base essa imagem, o professor de Artes Visuais pode, além de
atravessar o tempo problema zando aspectos do episódio retratado na obra
original, refle r sobre o papel social da arte urbana além de seus processos de
fatura. O trabalho remete a um conhecimento do passado com uma leitura
contemporânea. No naufrágio da fragata de Medusa, no ciado pela primeira
vez em 1816, dos 147 passageiros da jangada improvisada, somente dez
sobreviveram. Um verdadeiro massacre polí co que se iniciou com uma
expedição custeada pela realeza para tomar a colônia do Senegal. A
embarcação real par u com quatrocentas pessoas e, após o naufrágio, uma
parte dos sobreviventes, que não coube nos barcos salva-vidas, foi obrigada a
subir em uma jangada feita com os mastros e cordas do navio. Nessa proeza,
os oficiais armados foram a rando os corpos ao mar. Ao final, quando foram
resgatados, o evento custou a demissão de um ministro e de duzentos oficiais
da marinha pelo abandono das 147 pessoas à própria sorte no mar (Marie;
Hagen, 2003).
Não é nova a reflexão acerca dos estereó pos disponíveis na mídia cujos
modelos mais divulgados são os machistas, as feministas e os modelos de
beleza oferecidos para consumo. Até os estereó pos de ecologia, diversidade,
de exploração pelo trabalho e de uso das tecnologias são constantemente
veiculados na mídia. Enfim, a televisão assume as polêmicas sociais a fim de
ampliar a aquisição de mercadorias. Exemplo disso foi a propaganda do dia
dos namorados exibida pelo O Bo cário ao apresentar modelos diferenciados
de casais. Ao cons tuir-se como polêmica pela diversidade que apresentava,
abocanhou toda a fa a do mercado que cri cou a ação de movimentos de
grupos religiosos.

Figura 3. Propaganda O Bo cário “Dia dos namorados”.


Fonte: G1 (2015).

Neste caso, ao trabalhar as produções da indústria cultural na sala de aula,


além da perda de qualidade esté ca, de possibilidade de ampliação do
repertório, o professor poderá reforçar a visão consumista que vê na
propaganda alguma capacidade de consumo, além da transformação das
técnicas midiá cas em mercadorias, inclusive es mulando a criação de novos
fe ches.
Por úl mo, analisando a pintura de William Hogarth, in tulada Eleições e
datada, provavelmente, entre os anos de 1754 e 1755, percebe-se a
atualidade do tema. A imagem representa as disputas na corte inglesa,
governada pelo Rei Jorge II, que teve seus poderes diminuídos e, por sua vez,
a eleição da câmara dos comuns ganhou grande importância com a
transferência dos poderes do rei para os comuns. Nesse processo, a pintura
representa todos os ilícitos para a conquista dos votos, entre eles o suborno, a
in midação e a fraude.

Figura 4. Willian Hogarth – Eleições (1754/55).


Fonte: Wikimedia.

Cada uma dessas três imagens aponta para conhecimentos de arte


específicos, de diferentes processos de fatura do objeto ar s co e, ignorando-
se uma hierarquia de tempo, percebe-se que elas têm uma possibilidade de
reflexão no campo da arte, principalmente neste caso, no trabalho dos
professores de Artes Visuais e, por consequência, na distribuição dos
conhecimentos dessa área.

As licenciaturas: desafios para contrapor-se ao mau gosto


Certamente as TIC’s têm descor nado um amplo repertório de imagens
para a sala de aula, muitas delas são advindas da Indústria cultural, outras
abrem um espectro de acesso a imagens de objetos ar s cos produzidos pela
humanidade. Essa ampliação de oferta de imagens impõe um esforço de
análise e atuação do professor de arte ainda maior, como foi demonstrado nos
exemplos anteriores.
Observa-se, com base em relatos de trabalhos veiculados principalmente
nos anais da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plás cas (Anpap)
e nos Anais do Congresso da Federação de Arte-educadores do Brasil (FAEB),
que os cursos de licenciatura em Artes Visuais, têm, a pretexto de par r da
realidade dos estudantes, flexibilizado os conteúdos de arte nas licenciaturas.
Ampliam-se prá cas que disponibilizam um arsenal de produtos da indústria
cultural na sala de aula, de maneira geral desconsiderando os saberes
históricos construídos pela humanidade. Essa ruptura é jus ficada com o
argumento de que os conhecimentos históricos são carregados de ideologias e
que, portanto, seu ensino amplia as desigualdades. Assim, as imagens da
cultura visual sobrecarregam-se em detrimento dos conhecimentos clássicos.
Defendemos que, ao contrário, a ignorância, a falta de acesso e o
desconhecimento da produção cultural é que de fato ampliam as
desigualdades. A pedagogia histórico-crí ca propõe que os conteúdos sejam
deba dos ressaltando-se as contradições postas, revelando as contradições e
diminuindo a alienação do processo de produção, distribuição e consumo da
arte.
Desde 1992, esta autora dedica-se à tarefa de formar professores no curso
de licenciatura em Artes Visuais e, nesse percurso, tem acompanhado a morte
dos conteúdos de arte na escola, conforme cri cou Duarte (2016). Essas
transformações repercutem nas licenciaturas e também são fomentadas pelas
polí cas públicas. Ao perpassar as mudanças curriculares ocorridas desde a
criação do curso de licenciatura da UDESC, Rosa (2005) colocou-se diante das
transformações no ensino de Artes ocorridas ao longo de duas décadas, as
quais expressam, como documento histórico, as jus fica vas criadas para
propor as alterações curriculares, e acompanhou cada uma das propostas
analisadas entre os anos de 1973 até 2003. O estudo da autora teve como
base a pedagogia histórico-crí ca, que pretendeu diferenciar-se de outras
correntes, como aponta Araújo (2013) ao afirmar que "A pedagogia histórico-
crí ca veio a cons tuir-se de um conjunto de reflexões que a caracterizam
diferenciadamente em relação às orientações tradicional, escolanovista,
libertadora e tecnicista" (p. 22).
Analisando as possibilidades de uma proposta crí ca, vinculada à
transformação social e concebida para a realidade brasileira, a esses
pressupostos alinharam-se uma visão sócio-histórica do Ensino de Artes.
Nessa abordagem, as tecnologias são vistas como produto humano, ao mesmo
tempo em que carregam as contradições presentes na sua produção,
distribuição e veiculação, tanto na escola quanto na formação docente.
Em tal cenário de análise da crí ca da formação do gosto homogeneizado,
a formação de professores é locus privilegiado de propagação de concepções
veiculadas pelos produtos do mercado de arte, da indústria cultural e, por
sequência, as tecnologias atuam na proliferação desse pensamento
mercadológico. Defendemos a hipótese de que a tarefa de ressignificar os
princípios da pedagogia histórico-crí ca para o ensino de arte, com foco
especial na formação de professores, é uma possibilidade de luta contra-
hegemônica e revitalização da arte como fator de humanização.

Considerações finais
O obje vo do presente ar go foi problema zar os impactos das
tecnologias digitais na formação de professores de Artes Visuais, tema
amplamente abordado na disciplina “Arte, Tecnologias e Formação de
Professores”. Para tanto, buscaram-se, nos fundamentos sócio-históricos,
elementos para a compreensão do papel atribuído pela sociedade capitalista
para as TIC. Certamente, um ar go não comporta com profundidade o
intrincado e complexo cenário que se vivencia hoje, assim, buscou-se um
recorte para problema zar diferentes aspectos organizando um determinado
caminho, sob uma perspec va crí ca apoiada numa visão de ser humano,
numa visão de mundo e num determinado modelo de escola: uma escola que
tenha como papel a produção e circulação dos conhecimentos historicamente
sistema zados para as camadas populares.
Como apontou Saviani (2007), poder valer-se dos conhecimentos
dominados pela classe dominante é condição de libertação. Não há como
mudar a correlação de forças na sociedade desconsiderando-se a história da
humanidade. É necessário compreender esse complexo cenário da vida
humana e as contradições postas nele.
Os estudos do observatório têm contribuído para a análise das
licenciaturas que formam professores de Artes Visuais buscando sistema zar o
modelo de formação à luz das polí cas obrigatórias que evidenciam o Estado
como o ordenador de mudanças, o que tem sido feito aos poucos – uma
mudança de cada vez para não chamar demasiada atenção ou sofrer
resistência por parte dos movimentos organizados.
As polí cas públicas que têm orientado a ampliação do trabalho do
professor contribuem para o aumento da exploração ao mesmo tempo em
que, por conta delas, constroem-se discursos sobre inovação. Diversos
programas governamentais introduzem, nas escolas, aparatos tecnológicos
com a promessa de revolucionar o ensino sem as condições obje vas para que
as mudanças aconteçam e geram, assim, uma culpabilização do professor e
não do Estado pelo insucesso da sua polí ca.
Concomitantemente, os estudos do referido observatório buscam olhar
para a arte como produto do trabalho humano e, com essa visão, analisar as
suas contradições; valorizar os processos reflexivos e evidenciar a formação
intelectual na área de artes como um valor maior. Dessa perspec va, percebe-
se que as abordagens que dão importância à pesquisa sobre a própria prá ca
em detrimento da formação filosófica dominam as correntes pedagógicas que
formam professores de Artes Visuais. Essas abordagens validam o princípio
liberal de que o professor, sozinho, pode produzir a diferença na escola, o que
cria uma expecta va e uma descrença na atuação cole va.
Embora os processos de encontro entre as artes e tecnologias tenham
conquistado vigor, também os ar stas apontam processos e escritos de
resistência que denunciam a lógica desumana do mercado de arte. As
tecnologias, como produto humano que são, precisam ter seu acesso
qualificado na arte e na escola amalgamadas numa teoria crí co-reflexiva e
cons tuir um lócus de mudança reflexiva e de atuação polí ca.
Outros desafios postos no cenário de formação, vinculados à reconversão
docente e aos usos alienados das tecnologias em sala de aula, colocam em
cena constantes contradições a serem inves gadas. O principal deles, talvez,
seja preparar um educador que, em um desenrolar con nuo de estudos
reflexivos, amplie sua leitura de mundo, pergunte-se constantemente sobre o
papel da arte na sociedade atual e busque novas relações que aumentem a
compreensão de mundo também de seus alunos.
Uma escola emancipatória permi rá ações reflexivas sobre o mundo e
sobre o próprio ato educa vo como processo que abarque a percepção social
e que cons tua espaços de resistência.
Notas

[1] Considerou o conceito de capitalismo tardio defendido por Mandel no livro


O Capitalismo tardio.
[2] Embora o autor se inscreva no campo dos estudos culturais, como
apontado em Or z (2004), ressalta-se sua permanência na reflexão sobre
temas que são caros ao marxismo, como as ideologias, o trabalho e a história.
[3] Grupo internacional formado em 1975 pelos sete países mais
desenvolvidos e industrializados do mundo (EUA, Japão, Alemanha, Reino
Unido, França, Itália, Canadá), com a par cipação adicional da Rússia, que foi
excluída em 2014, em razão da crise com a Ucrânia.

[4] Argen na, Brasil, Paraguai, Uruguai (desde 26 de março de 1991) e


Venezuela (desde 12 de agosto de 2012) são os Estados Partes do Mercosul. A
Bolívia está em processo de adesão desde 7 de dezembro de 2012. O Chile
(desde 1996), o Peru (desde 2003), a Colômbia e o Equador (desde 2004),
Guiana e Suriname (ambos desde 2013) são Estados Associados.
[5] Segundo Evangelista e Triches (2014), ao analisar as estratégias do poder
dominante, “quer[-se] produzir alterações substan vas na mentalidade da
população [...] [e] o professor deve ser reconver do, posto que é considerado
elo importante entre os interesses dominantes e a população. Reconvertê-lo
significa reformar os projetos de formação docente e as agências de formação.
Em síntese, se pretende a ngir as forças intelectuais e polí cas determinantes
da “alma do professor” e da formação do professor no Brasil – e do pedagogo
– instando-o a uma reconversão de seus ‘espaços’, ‘funções’ e ‘mente’” (p. 6).

[6] Observatório da Formação de Professores no âmbito do Ensino de Arte:


estudos comparados entre Brasil e Argen na (OFPEA/BRARG).
[7] Sobre as mudanças previstas nas licenciaturas em artes visuais, ver Rosa
(2005).
[8] Fruição no sen do do consumo, não no sen do da compra, mas da
apreciação.

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CAPÍTULO 2
ARQUEOLOGIA DO FUTURO:
A TRÍADE EDUCAÇÃO, ARTE E TECNOLOGIA POR
FREDRIC JAMESON
Giovana Bianca Darolt Hillesheim

Introdução
Percorrer a caminhada do crí co literário e teórico marxista Fredric
Jameson pode se revelar um percurso que, embora se caracterize pela
firmeza de posicionamentos, nos permite perceber revisões, retomadas e
refinamentos conceituais. Nascido em 1934 em Cleveland, EUA e professor
de literatura da Duke University (Carolina do Norte), dedica-se ao estudo
do moderno, do pós-moderno, do cinema e da literatura, sempre
refle ndo sobre o lugar da cultura na crí ca ao capitalismo. Jameson é
enfá co ao defender que o marxismo não deve ser encarado somente
como um método dentre outros para se chegar ao conhecimento, mas
como crí ca global ao capitalismo. Em passagem pelo Brasil para um
debate promovido pelo jornal Folha de São Paulo e pela editora Á ca em
1996, declarou:

"O marxismo, daqui em diante, deverá ter um caráter mais cultural,


referindo-se fundamentalmente àquele fenômeno que até aqui foi
conhecido como reificação da mercadoria e consumismo. [...] O fato
de que a cultura se tornou em larga escala um negócio tem como
consequência que muito daquilo que costumava ser considerado
especificamente econômico e comercial se tornou também
cultural."

Em seus estudos acerca da crí ca cultural, Jameson dá ênfase à análise


da cultura midiá ca. Para compreender seu posicionamento, é necessário
antever que não é possível compreender detalhadamente os processos
culturais sem considerar o papel da história. A história a qual Jameson se
refere nega a existência de substâncias essenciais eternas, acontextuais e
imutáveis. Desse modo, da perspec va marxista adotada pelo autor, a
história tem seu aspecto epistêmico – que se recusa a admi r a
possibilidade de aceder a um conhecimento estável resultado de conceitos
pretensamente constantes – e seu aspecto ontológico – que afirma a
existência de uma realidade externa e a possibilidade de desmis ficar as
manifestações de consciência alienada.
Fredric Jameson é herdeiro da escola de Frankfurt [1], sua obra
testemunha um esforço de atualização constante do potencial da Teoria
Crí ca, desenvolvendo novas categorias de análise, tais como o
‘mapeamento cogni vo’, sem perder de vista o obje vo de denunciar as
contradições que o capitalismo produz. Segundo Fernandes (2007), é no
campo da educação que Jameson estaria muito próximo da atualização do
pensamento produzido pela escola de Frankfurt. O Ins tuto de Pesquisa
Social em questão trabalhava com uma equipe mul disciplinar de filósofos
e cien stas sociais de base marxista num esforço comum de não separar a
teoria e a prá ca da história.
A teoria auxilia-nos a mapear os obstáculos, ao passo que a prá ca
busca a superação deles, de forma que ambas, teoria e prá ca, estão,
inevitavelmente, indissociáveis. Contrariamente à Teoria Crí ca, porém, a
proposta de Jameson não pressupõe uma crí ca sistemá ca à
racionalidade, mas propõe estudar as relações entre as mudanças
ocorridas nos modos de produção capitalista diante das transformações
nas manifestações culturais contemporâneas.

A estreita relação entre educação e indústria cultural


Um dos conceitos fundamentais desenvolvido pela Escola de Frankfurt
para a crí ca da sociedade é o conceito de ‘indústria cultural’. Segundo
Fernandes (2007), a expressão foi u lizada pela primeira vez em 1947 e
engloba os diversos produtos culturais voltados prioritariamente ao
consumo mercadológico, que formam um sistema de manipulação do
estado de consciência dos consumidores, o objeto nesse processo, pois
servem de instrumento para a adaptação daqueles produtos ao consumo
massivo. Para Jameson (1997) "a indústria cultural não é uma teoria da
cultura, mas a teoria de uma indústria, de um ramo dos inter-relacionados
monopólios do capitalismo tardio que fazem dinheiro a par r do que se
costumava chamar de cultura" (p. 189).
Dessa ó ca, a Indústria cultural legi ma por meio da mídia a
despoli zação, ao difundir a impressão de uma sociedade democrá ca. De
acordo com Jameson, a Indústria cultural resolve os conflitos apenas na
aparência. Na esteira desse pensamento, podemos considerar que a mídia
assume para si a capacidade de resolver conflitos no âmbito da educação,
assumindo-se como crí ca de outro espaço público: a escola. A mídia
acaba funcionando como uma espécie de ‘amortecedor’ das revoltas
sociais na medida em que, ao apresentar disfunções sociais, não as
contextualiza, não apresenta suas reais causas nem oferece soluções para
o enfrentamento dos problemas.
A mídia mascara a realidade e difunde suas interpretações como se
estas fossem a própria realidade. Exemplo patente desse processo pôde
ser percebido pelos brasileiros em 2013 diante das manifestações contra o
aumento da tarifa do transporte público. A mídia foi rápida em usar
palavras como ‘baderneiros’, ‘vândalos’, ‘desocupados’. Alguns dias depois,
diante da crescente abrangência dos fatos e da hos lização de grande
parte da população nas redes sociais demonstrando-se insa sfeita em
relação à cobertura da imprensa, o discurso televisivo passou a enfa zar a
presença de um grupo pequeno de baderneiros que estragava um legí mo
movimento cidadão. Encurralada, a imprensa assumiu o papel de ví ma:

"[...] a abordagem das TVs não poderia ser mais favorável. Os


manifestantes eram tratados, assim, como uma assembleia de
sábios. Mas não adianta: quando se rompem os vínculos da
democracia representa va, toda representação – e, por
consequência – representa vidade passam a ser inúteis, encaradas
como coisa de reacionários" (Azevedo, 2013).

A falta de vínculo com o passado, por conseguinte, com a própria


noção de tempo, é uma das contradições desta época em que a indústria
cultural procura constantemente reprimir os impulsos históricos e
minimizar as possibilidades de autonomia do sujeito. A autonomia, para
Jameson, é exatamente a possibilidade de o sujeito relacionar-se com a
História além das evidências imediatas, desfazendo-se de ilusões
ideológicas por meio do exercício con nuo de uma crí ca atenta e
detalhada.

"Autonomia, portanto, para o autor, é uma conquista do sujeito a


par r de uma a tude que requer, num primeiro momento, esforço e
trabalho mental para desfazer armadilhas da cultura, num segundo
momento, conhecer a totalidade social e as caracterís cas da
globalização e do pós-modernismo e, finalmente, requer o
engajamento cidadão nesta mesma perspec va de transformar a
cultura – o que cons tui uma etapa posterior a conhecer seus
segredos e 'marcas'" (Fernandes, 2007, p. 75).

Ao vincular o obje vo da educação à autonomia do sujeito, Jameson


par lha do conceito de emancipação de Adorno. A emancipação
pressupõe uma educação voltada para a atenção às contradições e para a
resistência. Muitas vezes, os processos culturais midiá cos que influenciam
a educação se dão pela dimensão esté ca presente na cultura de massa.
Jameson entende a cultura de massa como descon nua e diferenciada,
algo que se molda de acordo com o público, procurando ajustar os
produtos para grupos específicos, no lugar de impor os mesmos produtos
para todos. No que concerne a esse aspecto, ele enxerga uma sofis cação
da cultura de massa contemporânea que, consequentemente, enlaça a alta
cultura e cultura de massa:

"Assim, se não existe mais uma alta cultura para se opor, acho que
alguém poderia dizer que não existe mais, portanto, uma 'cultura
de massa'. De qualquer maneira, penso que o velho dever da
cultura de massa – transformar os cidadãos em consumidores – é
ainda predominante; ainda que haja itens culturais de massa
diferenciados, o mesmo processo está presente, o despertar do
desejo de consumir e produzir vidas dedicadas ao consumo, o
quanto isso for possível" (Rezende, 1996).
Para Jameson, a cultura de massa atual envolve uma produção
sofis cada em uma atmosfera saturada de ideias, mensagens e lembranças
de an gos trabalhos e textos. Mas, ele alerta, a padronização con nua
presente, embora, às vezes, de forma subliminar. Pensar as implicações da
cultura de massa no século XXI requer admi r uma nova cultura, pica
dessa fase do capitalismo.

Proximidades entre arte e cultura de massa


Comecemos, tal qual propõe Jameson, repensando nossa definição de
cultura de massa. Se a entendermos como o conjunto de produtos
comerciais voltados para a arte popular do passado, devemos lembrar que
esse conceito de ‘popular’ não existe mais, exceto sob condições
específicas de marginalização; assim, a produção contemporânea ou
industrial não tem nada a ver com formas an gas de arte popular. Se a
ênfase em nossa busca por um conceito recair sobre a situação social e
esté ca (uma forma específica para um público específico) teremos a
ingênua ideia de que, para o modernismo, a forma de mercadoria sinaliza
para a vocação de não ser uma mercadoria, uma linguagem incapaz de
oferecer sa sfação mercan l, resistente à instrumentalização. Dessa
perspec va, o modernismo seria simplesmente algo rea vo, o resultado da
crise cultural, mais que uma solução por si só. Jameson (2006) propõe
examinar a relação entre a cultura de massa e o modernismo por
intermédio do embricamento de ambos, facilmente observável na arte
contemporânea. Assim, a sobrevivência da cultura de massa deveria ser
entendida como a reapropriação e o deslocamento histórico de an gas
estruturas a serviço da repe ção (séries de TV em episódios ou escritores
que repetem uma mesma fórmula editorial; trata-se de uma repe ção
genérica). Na cultura de massa, a reiteração valoriza o objeto original, de
tal modo que o estudioso da cultura de massa não tem objeto primário de
estudo: os filmes versam sobre ar stas famosos ou são baseados em
grandes obras da literatura, os brincos trazem a reprodução da Mona Lisa e
as camisetas fazem o mesmo com Frida Khalo.
Jameson já alertava em 1979 que a cultura de massa e o modernismo
nham o mesmo conteúdo, embora processado de formas diversas. Os
dois man nham relação de repressão com as angús as e preocupações
sociais, esperanças e an nomias ideológicas. A diferença é que o
modernismo tendia a produzir estruturas compensatórias de vários pos e
a cultura de massa recalcava-os por meio da projeção de uma ilusão ó ca
de harmonia social.
Pra camente vinte anos mais tarde, em 1998, Jameson publica A
virada cultural: reflexões sobre o pós-moderno, publicado no Brasil pela
Civilização Brasileira somente em 2006. Nesse livro, Jameson demonstra
um ‘refinamento’ das ideias esboçadas nas décadas anteriores ao afirmar,
no sexto capítulo, que a pós-modernidade não pode ser vista como um
novo modo de produção, mas, sim, como uma mutação dialé ca de um
sistema capitalista já muito em vigor (lucro, mercadoria, trabalho
assalariado).
Para Jameson (2006), o pós-moderno traz o retorno de uma série de
coisas mais an gas, cujo fim pensávamos já ter visto: ressurreição da
filosofia e, inclusive, da é ca. Assim, Nietzsche, Marx, Freud e outros são
‘revisados’ e usados na produção de material ú l para o aparelhamento
ideológico do capitalismo tardio. Contudo, pondera Jameson, este é o
momento de se observar um desenvolvimento intelectual peculiar, a
proliferação de obras sobre a própria modernidade. O pós-modernismo
traz para a arte (Jameson parte da análise da literatura) o conceito de
pas che, que se refere às obras literária ou ar s cas que imitam es los de
outros escritores e ar stas e se caracterizam como verdadeiras imitações
sem referências claras ao original, o qual é, muitas vezes, subs tuído por
um objeto tecnológico, fato que possibilita um bombardeio diário de
milhares de imagens. Desta feita, é possível perceber a volta de an gos
textos veiculados pelo seu pas che mais elementar.

"A imagem é a mercadoria de hoje e é por isso que se tornou vão


esperar dela uma negação da lógica da produção de mercadorias, é
por isso, enfim, que toda a beleza hoje é pros tuída e o apelo a ela
pelo pseudoeste cismo contemporâneo é uma manobra ideológica
e não um recurso cria vo" (p. 216).
O arrebatamento desencadeado pelas imagens em série seduz e
transforma a tecnologia em forte aliada na expansão do capitalismo.

Pós-modernismo, modernismo tardio e tecnologia


Por volta de 1984, Jameson adota a expressão ‘capitalismo tardio’,
consolidada por Ernest Mandel (1982) para se referir ao capitalismo
posterior a 1945, estágio que inclui a chamada “era de ouro do
capitalismo” (de 1945 ao início da década de 1970). Grada vamente,
porém, se rende à denominação pós-modernismo por perceber a
consolidação histórica do termo. Para o autor, o pós-modernismo pode ser
uma tenta va de destronar o alto modernismo, a erosão entre alta-cultura
e cultura popular e o fim da filosofia pura. Ainda assim, ele indaga: será
que precisamos do conceito de pós-modernismo e seus muitos paradoxos?
O primeiro paradoxo pós-modernista, segundo Jameson (2005), é a
contradição entre a tenta va de unificar um campo e a de propor as
iden dades ocultas que o atravessam, além da lógica dos próprios
impulsos desse campo – a da diferença ou da diferenciação. Assim, o pós-
modernismo envolve um sistema que produz dessemelhanças; ou seja, a
diferenciação seria um novo po de iden dade.
As caracterizações espaciais e temporais são o segundo paradoxo pós-
moderno. O tempo tornou-se, de algum modo, o espaço. Os espaços de
uma cidade normal convivem com acúmulos de lixo, vazios do deserto,
vácuos estéreis, apropriações de uma paisagem no intuito de nivelá-la,
reorganizá-la em uma planilha de parcelas exatamente iguais para expô-las
ao mercado em termos de valores idên cos que chegam à pura
especulação. O capitalismo devassa áreas urbanas e rurais. Conforme se
ex nguem as populações campesinas, desaparece também a cultura
tradicional. A globalização capitalista precisou de uma reorganização na
agricultura e, por intermédio da Revolução Verde (inovação tecnológica,
química e biológica), transformou camponeses em trabalhadores agrícolas.
A cidade não é mais a promessa da liberdade, pois a área rural consome os
mesmos bens de consumo da an ga metrópole. Curiosamente, a
an nomia fundamental da descrição pós-moderna é o fato de que a an ga
oposição binária tempo-espaço, assim como sujeito-objeto, não é mais
uma oposição.
As novas configurações que se entrelaçam não se mostram com a
esperada ni dez de outrora, a ngem todos os campos e são acentuadas
pelas constantes inovações tecnológicas:

"A ideia que temos que manter em mente é a de que a produção


tecnológica e industrial está emergindo agora como produção
cultural. Produzir um carro, um disco ou um vídeo tornou-se
igualmente complicado, e todos demandam a par cipação de
muitas pessoas. O que a cultura tem que aprender a fazer é
descrever essa situação, usando a própria produção tecnológica e
industrial. Tornar-se consciente, didá ca e pedagogicamente e nos
ensinar alguma coisa ú l a respeito dessas novas coisas e desses
novos métodos. A tecnologia não é neutra; assim como os grandes
avanços de nosso tempo, ela pode ser adaptada para uma
produção genuinamente popular e culturalmente enriquecedora em
um po diferente de sociedade. Os poucos 'ar stas' de nosso tempo
que ainda acreditam que a mudança é possível necessitam inventar
novas formas para causar um curto-circuito na comercialização
cultural que falamos aqui. E também explorar a natureza e a
estrutura da sociedade que vivemos hoje" (Jameson, 1995).

A despeito da tecnologia ou com seu auxílio, o pós-modernismo vem se


apresentando, segundo Jameson, como a volta e o restabelecimento de
todo po de velharias: o retorno da filosofia tradicional arrasta an gas
ideias de cidadania, sociedade civil e representação parlamentar, e virtude
cívica; a an ga economia polí ca disfarça-se de reinvenção do mercado e
ressurge a esté ca de mo vação burguesa levantando a questão da beleza:
"[...] por um lado, a banalização do puramente decora vo e o desfrutável;
e, por outro, o idealismo sen mental das várias ideologias da jus ficação
esté ca" (Jameson, 2005, p. 11).
Nesse cenário, a priva zação acelerada das universidades contribui
com a retórica da descentralização, do aleatório, do rizomá co, do
heterogêneo e do múl plo. Desta feita, o pós-modernismo afirma seu
repúdio ao passado, à História. Os an gos filósofos são reinventados e
reescritos no idioma contemporâneo, como fez Deleuze com Nietzche e
Kant, ainda que de forma brilhante, segundo Jameson. Pouco a pouco, o
pós-modernismo cai numa armadilha: briga com o apego exacerbado do
modernismo à novidade, mas apega-se ao ‘diferente’. O novo fe che da
Diferença confunde-se com o an go fe che do Novo, alerta Jameson
(2005).
A tecnologia acaba tendo um importante papel dentro da cultura
contemporânea. No mundo globalizado em que vivemos, as diferenças
culturais operam como indícios da heterogeneidade que precisa ser
minimizada para que o capitalismo con nue a se expandir. As tecnologias
usadas a serviço do mercado disseminam com alucinante rapidez imagens
que propagam es los de vida padronizados. Segundo Perry Anderson
(2005), um dos maiores estudiosos de Jameson, o modernismo estaria
atrelado às imagens de máquinas, ao passo que o pós-modernismo estaria
vinculado às máquinas de imagens, de modo que estas se tornaram a
mercadoria mais valorizada no momento.

Capitalismo cultural, arte e mercado


Jameson interroga a produção cultural contemporânea em busca de
indícios da aceleração constante do sistema capitalista. Sua posição é a de
que o capitalismo embota a capacidade crí ca do ser humano e
desencadeia a sensação constante de inevitabilidade, que resulta em uma
falsa consciência. Reside nisso a contribuição teórica do autor:
comprometer-se com polí cas de ruptura do modelo da inevitabilidade.
Esta parece ser uma estratégia per nente neste momento em que a
cultura é a principal força motriz da máquina capitalista.
De tal perspec va, é de extrema importância que não se perca de vista
a nuance histórica, uma vez que somente por meio do suporte histórico
será possível compreender a origem do presente e localizar aspectos que o
diferenciam do passado. Muito se tem falado sobre a crise na arte. Para
Jameson, uma análise histórica mostrará que o foco da crise não é a arte,
mas a teoria da arte. A compreensão do funcionamento da vida social
perpassa pela exploração do potencial cogni vo de sua produção
simbólica. A ideia de crise está in mamente ligada à ideia de finitude,
defendida por Fukuyama.
A esse respeito, a conclusão de Jameson acerca do fim da história,
proclamado por Fukuyama, é salutar: "é mais fácil denunciar as narra vas
históricas, que passar sem elas" (Jameson, 2005). A própria rejeição às
narra vas é uma nova narra va que tenta, a todo custo, nos convencer do
triunfo ocidental cuja peça central, para Jameson, é a recusa à dis nção
entre esquerda e direita, sugerindo ao mundo que o Ocidente possui algo
que ninguém mais tem, mas que deveria desejar. Existem, de fato, muitas
razões para que isso aconteça, as quais se localizam no novo mercado
global, o “mercado global das ideias” (Jameson, 2006).
No capitalismo cultural, a arte surge como resultado de
relacionamentos e de redes que associam matéria, espaço e ambiente por
meio de novos objetos ar s cos, tais como os happenings e as instalações.
Para que tais objetos a njam o status de arte e tenham lugar no mercado,
é necessário que as pessoas entendam como arte o que estão vendo. Tal
a tude, da perspec va dos teóricos modernistas, é prova da rendição da
arte a serviço da economia. Os pós-modernos acreditam que essa inversão
não acontece, pois postulam que a dimensão funcional dos objetos perde
importância diante da dimensão esté ca (Greffe, 2013).
Exemplo bastante eloquente de um objeto comum que se torna objeto
esté co pode ser percebido na atuação do grupo dinamarquês Superflex,
que, em 2004, inventou a cerveja FreeBeer. De criação cole va, é baseada
na cerveja tradicional acrescida de guaraná para o aumento de energia
natural. A publicação da receita da bebida permite que qualquer pessoa
possa fabricá-la, ganhando dinheiro sem remunerar os criadores do
projeto. A única exigência é a publicação da receita nas mesmas condições,
caso esta sofra alguma modificação ou aprimoramento.
Misturando arte, a vismo polí co e objetos co dianos, os autores do
projeto (estudantes dinamarqueses da Universidade de Copenhague) já
par ciparam de muitas grandes bienais internacionais de arte. A
perspec va de ganho econômico não decorre da comercialização do objeto
em si, mas da ideia que subjaz no produto. Em outras palavras, conforme
apregoa Jameson, estamos diante da valorização do “mercado global das
ideias”. Vigora nisso mais uma das grandes contradições do capitalismo,
pois a discussão sociológica proposta pelo cole vo ar s co Superflex, ao
abdicar do lucro, não impede que o capital se aproprie da ideia e fortaleça
o discurso da diferenciação, palavra de ordem no mercado
contemporâneo.
Na publicidade, as marcas constroem pontes entre produtos que não
são da mesma família, elaborando referências antes intangíveis e alocando
a arte no movimento consumista. Dessa maneira, os textos publicitários
alusivos à Free Beer podem residir tanto em páginas digitais de cervejarias,
quanto em páginas digitais de galerias de arte:

"Uma nova marca de cerveja é lançada, hoje, na galeria Vermelho:


a Free Beer. Entretanto, ao contrário das marcas tradicionais, que
tratam como segredo de Estado a receita de suas bebidas, no
próprio rótulo da Free Beer está estampada sua receita. A Free Beer
é a nova ação do cole vo dinamarquês Superflex, composto por
Bjornstjerne Reuter Chris ansen, Jakob Fenger e Rasmus Nielsen.
No ano passado, o grupo trouxe polêmica à 27ª Bienal de São Paulo
com o Guaraná Power, censurado pela presidência da ins tuição,
que afirmou que não se tratava de uma obra de arte. Apesar do
veto, o Guaraná Power, feito em colaboração com a Coopera va de
Agricultores da Região de Maués, na Amazônia, chegou a ser
distribuído em museus e na própria Vermelho, durante Bienal.
'Agora estamos propondo uma marca aberta e, nesse sen do,
sugerimos um novo modelo econômico, que permite a qualquer um
produzir e distribuir cerveja, a par r de uma receita que é pública,
além de criar consumidores não obedientes, como gosta o
mercado', conta Fenger."

O estranhamento do leitor tende a aumentar diante do cenário digital


em que o texto anterior está alocado: uma página virtual com acesso a
diversas e tradicionais receitas da culinária nacional, em que dois cliques
separam a Free Beer do bolo com manga e merengue ou da alcatra
gra nada com brócolis e muzzarela. Todavia, conforme foi mencionado
anteriormente, todo esse processo de este zação do objeto não aconteceu
repen namente e tampouco de forma descontextualizada. Trata-se,
inexoravelmente, de um processo histórico que se materializa aos poucos e
cresce à medida que o capitalismo avança. O ‘fim da história’ nada mais é
que o triunfo do mercado. Para que se possa travar um debate esté co
crí co, é necessário avaliar a nova produção cultural dentro da hipótese da
reestruturação social do capitalismo: o capitalismo cultural. A padronização
projetada pela globalização gesta o capitalismo cultural num mundo
colonizado por uma ordem universal do mercado.
A expressão ‘modernismo tardio’ faz alusão à correspondência
estabelecida pelo teórico entre os estágios do capitalismo [2] e os es los
culturais. O ‘estágio da mercadoria’, primeiro estágio do capital, iniciado
após a Revolução Industrial e marcado pela tecnologia a vapor,
corresponderia, na arte, ao Realismo. O “estágio monopolista ou
imperialista”, atrelado à tecnologia dos motores elétricos, equivaleria ao
Modernismo, enquanto o “estágio mul nacional ou da globalização”, com
seus motores eletrônicos e nucleares, corresponderia ao que se
convencionou chamar de pós-modernismo.
A tulo de revisão ontológica, em seu livro Modernidade singular
(2005), Jameson esclarece as razões pelas quais, de acordo com sua visão,
estaríamos vivendo o modernismo tardio. A ideia sustenta-se no
argumento de que a pós-modernidade é a efe vação das questões
malresolvidas na modernidade, período em que a indústria cultural se
configurava em cenários alterna vos, ao passo que a atual padronização
projetada pela globalização capitalista colonizou uma ordem universal de
mercado. Desta feita, talvez o que seja menos relevante no momento é a
nomenclatura: Pós-modernismo? Modernismo tardio? Capitalismo tardio?
"As ontologias do presente requerem arqueologias do futuro, não previsões
do passado" (p. 250). Para darmos conta da hercúlea tarefa de contribuir
para que o mundo a nja suas potencialidades, é necessário compreender
o papel que a educação, a arte e a tecnologia ocupam nesse processo. Só
assim será possível transgredir seus usos para além da indústria cultural.

Considerações finais
A produção bibliográfica de Fredric Jameson é vasta em explicar o lugar
da cultura na crí ca ao capitalismo por meio de análises de obras literárias
e cinematográficas. A cultura transformada num lucra vo negócio tem
desempenhado papel importante na naturalização do que é histórico, de
tal forma que é possível nomear como ‘desconcertante’ o papel da cultura
atualmente: um grande trunfo do capital. Porém, tal prerroga va não se
configura como uma sentença irrevogável. Jameson incita estratégias
contra-hegemônicas de resistência que possibilitem ‘quebrar’ o sistema
capitalista há muito vigente, sistema este pautado no lucro, na mercadoria
e no trabalho assalariado.
Embora focado na literatura e, mais enfa camente no cinema, o
caminho teórico de Jameson mostra-se bastante conciso e coerente,
permi ndo ampliar o mapa das estratégias do capital no embotamento da
capacidade crí ca do ser humano. O embricamento cada vez mais intenso
entre arte e mercado dá provas do acelerado processo de industrialização
cultural, onde os produtos são adaptados ao consumo massivo pelo
enlaçamento entre alta cultura e cultura de massa.
As contradições produzidas pelo capitalismo, o elevado processo de
marke ng, a tecnologia a serviço do mercado, o esvaziamento das
ins tuições educa vas e a cultura midiá ca muitas vezes embotam o
raciocínio e mascaram a realidade. Em tal panorama, a estratégia
emancipatória defendida por Jameson imprescinde de uma arqueologia do
futuro: inves gar os ves gios do que podemos estar prestes a nos tornar.
Só uma constante e vigilante análise histórica poderá subsidiar uma futura
organização racional e emancipatória da sociedade.

Notas
[1] A Escola de Frankfurt nasce em 1924 ligada ao Ins tuto de Pesquisa
Social da Universidade de Frankfurt, na Alemanha. A Escola fez uma
reavaliação radical do Iluminismo e par u do pressuposto de que a
consciência não é livre na sociedade industrial, uma vez que a realidade
tecnológica envolveu a todos.

[2] A esse respeito ver Mandel (1982).

Referências
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2005.

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2007. Disponível em:
<h p://www1.folha.uol.com.br/fsp/acontece/ac2711200701.htm>.
Acesso em: 07 fev. 2014.

FERNANDES, H. de M. Fredric Jameson e a educação na lógica cultural do


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Passo Fundo, 2007.

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1992.

GREFFE, X. Arte e mercado. São Paulo: Iluminuras: Itaú Cultural, 2013.

JAMESON, F. O marxismo tardio: Adorno, ou a persistência da dialé ca. São


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______. Modernidade singular: ensaio sobre a ontologia do presente. Trad.


Roberto Franco Valente. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005.

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______. A viabilidade atual do Marxismo. Debate promovido pela Folha de


São Paulo e pela editora Á ca no site h p://www.controversia.com.br.
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JAMESON, F. Falso movimento, entrevista concedida a Marcelo Rezende.
Folha de São Paulo, 19 nov. 1995.

MANDEL, E. O capitalismo tardio. São Paulo: Abril Cultura, 1982.

NOBRE, M. A teoria crí ca. 3. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2011.


CAPÍTULO 3
TEORIA ESTÉTICA:
CONTRIBUIÇÕES BASEADAS EM THEODOR
ADORNO
Mari Ines Piekas

Theodor Ludwig Wiesengrund-Adorno nasceu em Frankfurt, 1903, local


onde estudou Filosofia, Musicologia, Psicologia e Sociologia. Em 1933, com
o advento do nazismo, Adorno refugiou-se na Inglaterra, onde deu aulas
em Oxford. Em 1938, foi para os Estados Unidos e regressou em 1950 à
Alemanha, reorganizando o Ins tuto de Pesquisa Social de Frankfurt,
fundado em 1923, e que mais tarde passou a ser chamado de Escola de
Frankfurt. Adorno, no início, era apenas colaborador da revista do Ins tuto,
no entanto, filiou-se a este enquanto esteve nos Estados Unidos. Faleceu
na Suíça, em 1969, deixando como principais obras: Kierkegaard: a
construção do esté co (1933); A ideia de história natural (1932); Minima
Moralia (1945); Dialé ca do esclarecimento (escrita com Horkheimer,
1947); Dialé ca nega va (1966); Três estudos sobre Hegel (1969) e Teoria
esté ca (1968).
A Escola de Frankfurt recebeu essa designação na década de 1960 e,
além de Theodor Adorno, dela também faziam parte os teóricos Max
Horkheimer, Herbert Marcuse e Walter Benjamin, que cons tuíam a
chamada primeira geração da escola. Eram intelectuais múl plos, ligados à
Filosofia, Sociologia, Literatura e Artes, e trabalhavam de uma perspec va
interdisciplinar. Essa escola estabeleceu os seus principais alicerces nas
teorias de Marx, mas nha herança também em Freud e Nietzsche,
pensadores que refle am sobre o homem, a sociedade e a cultura
(Mogendorff, 2012). O conjunto de trabalhos desse grupo é visto como
uma expressão da crise teórica do século XX, que nha como "pano de
fundo as experiências terríveis e contraditórias da república de Weimar, do
nazismo, do estalinismo e da guerra fria" (Benjamin; Horkheimer, 1980, p.
6). Diante desse contexto, essa geração de filósofos trabalhou na
elaboração da teoria crí ca – espécie de camuflagem para a teoria
marxista – a qual se desenvolveu com fundamento em várias tendências,
em razão da sua interdisciplinaridade. Sobre o nascimento de tal nova
teoria é possível dizer que,

"Os frankfur anos trataram de um leque de assuntos que


compreendia desde os processos civilizadores modernos e o des no
do ser humano na era da técnica até a polí ca, a arte, a música, a
literatura e a vida co diana. Dentro desses temas e de forma
original é que vieram a descobrir a crescente importância dos
fenômenos de mídia e da cultura de mercado na formação do modo
de vida contemporâneo" (Rüdiger apud Mogendorff, 2012, p. 154).

Na reflexão de Honneth (1999), a teoria crí ca nha como obje vo


uma sistema zação das disciplinas de pesquisa social a favor do
desenvolvimento de uma teoria materialista da sociedade, mo vada pelo
contexto vivido pelas Ciências Sociais na época. Por outro lado, para Valls
(2002), Adorno ainda não está superado, estando os seus temas em
consonância com os dias atuais:

"a coisificação, a dominação da mercadoria no capitalismo tardio, a


experiência totalitária, o avanço da barbárie, a impotência do
indivíduo no sistema total, a esperança de mudança da ordem
social, polí ca e econômica, junto com uma profunda
transformação da vida cultural, e, enfim e principalmente, sua
recusa ao conformismo além de sua firme crença no poder do
pensamento crí co" (p. 10).

Assim como, na reflexão de Jameson, "a atualidade de Adorno se refere


principalmente às contribuições deste para a compreensão da sociedade
contemporânea mediante as categorias de totalidade, não iden dade e
modo de produção" (apud Camargo, 2007, p. 2), da mesma forma, do
ponto de vista de Camargo (2007),
"Ao contrário daqueles que interpretam a obra de Adorno através
de uma forte ênfase quanto às influências que ele recebe de Weber
e Nietzsche, além de Benjamin e Freud, na visão de Jameson o
pensamento de Adorno é essencialmente marxista, e nesta própria
caracterização estaria a sua atualidade" (p. 1).

No âmbito da arte, os estudos da Escola de Frankfurt focaram em


discussões sobre a cultura de massa e a indústria cultural [1] – esta úl ma
vista como um processo nega vo em relação à produção ar s ca.
Tomando como base o pensamento de Adorno e Horkheimer, as reflexões
de Vilela (2006) sobre esses conceitos indicam que o termo cultura de
massa era comumente usado na Alemanha na década de 1930 e, anos
mais tarde, também passou a ser usado nos Estados Unidos, transmi ndo
a ideia de cultura adequada, que emergia do povo de maneira espontânea
e naturalmente, entretanto, evidencia a autora, "a cultura de massa não é
a cultura do povo, não é uma cultura apenas para o povo e, muito menos,
a cultura apropriada para o povo" (p. 26). Ainda nessa linha de
pensamento, Coelho (1987) aponta para reflexões acerca daquilo que
caracteriza a indústria cultural, e como, neste cenário, se relacionam a
cultura superior [2], a cultura popular e a cultura de massa. Adorno reflete
a indústria cultural da posição consumista, alienada e passiva desse
observador, diante do produto de arte industrializado, postura que leva
esse filósofo a rejeitar completamente as novas manifestações ar s cas,
preocupado com a "ideia de um processo de controle sistêmico da
sociedade em todos os contextos da via cultural" (Honneth, 1999, p. 530-
531). Para Adorno (1963), "O que na indústria cultural se apresenta como
progresso, o con nuamente novo que ela exibe, con nua sendo o
reves mento de um sempre igual" (s/p.), além do que "impede a formação
de indivíduos autônomos, independentes, capazes de julgar e de decidir
conscientemente" (Adorno, 1999, p. 8). Nesse aspecto, Vilela (2006) [3]
contribui indicando a importância do pensamento desses dois filósofos
para discussões sobre o termo do ponto de vista sociológico e, na
interpretação da autora, a indústria cultural "é uma organização social que
não fabrica um bem, onde não se produz com recursos tecnológicos, ela
atua nas consciências, ela produz as condições para a propagação da
ideologia" (p. 29). Nesse aspecto, para Coelho (1987), a cultura passa a ser
um produto de consumo e não um instrumento de crí ca, de expressão ou
de conhecimento. Tal preocupação com o percurso da sociedade capitalista
contemporânea percorre a obra de Adorno, culminando em seu livro
Teoria Esté ca (1970), baseado em uma proposta que pretende apresentar
a obra de arte como um artefato cultural su l e enigmá co, mas que pode
propor mudanças e resis r ao valor de troca imposto pelo mercado e pela
ideologia dominante.

Apontamentos sobre a Teoria Esté ca


Nos anos 1929 e 1930, Adorno estuda a Esté ca [4] com fundamento
na obra de Kierkegaard (1979) [5], a fim de ingressar como professor na
Universidade de Frankfurt, entretanto, somente após o pesadelo do
nazismo e o tempo de exílio, este filósofo retorna à reflexão sobre a arte e
sobre as obras de arte, apresentando na forma de ‘ensaio’ as suas ideias,
sustentadas por uma lúcida crí ca (Schaefer, 2012). Segundo Ramos-de-
Oliveira (2001) "o ensaio não é uma fala autoritária, nem que se pretende
completa, finita. É uma provocação e, ao mesmo tempo, um convite ao
diálogo, à divergência" (p. 53). Para Adorno, a maneira de escrever por
meio de ensaios aproxima vos indica ‘liberdade’, ou melhor, ‘liberdade
humana’, opondo-se à racionalidade sistema zada que ele observa na
sociedade da sua época e suas prá cas desencadeadas. O livro Teoria
Esté ca vai além da análise das obras de arte, ela vai para o seu principal
tema, a ‘liberdade’, pois "se a liberdade é sistema zada, ela deixa de exis r
[...]. Pretende [A Teoria Esté ca], antes de tudo, apresentar-se como um
modelo de pensamento e não um pensamento sistema zado" (Schaefer,
2012, p. 14). Para aprofundar as suas reflexões, Adorno apropria-se da
dialé ca nega va [6], considerada como a abordagem central de seus
escritos, pois se sobrepomos ideias preconcebidas a respeito da obra de
arte não é possível entendê-la nem compreender o que ela nos quer dizer
(Schaefer, 2012).
Essa retomada dos estudos sobre esté ca está mais relacionada com a
tenta va de explicar o po de racionalidade que ele percebia presente na
sociedade do que a sua preocupação pela esté ca em si mesma, porque,
para Adorno, é pela arte que o homem consegue pensar e entender tal
racionalidade instrumentalizada. Na busca por esse entendimento, o
filósofo faz a relação entre arte e sociedade, principalmente no que tange à
perda do ar s co num contexto em que o valor de troca está em
evidência.
Nos apontamentos de Schaefer (2012), o livro propõe reflexões a
respeito da "regressão cultural e de uma manipulação do esquema smo
mental dos indivíduos massificados e ideologizados pelo consumismo, pelas
relações de produção e de trabalho" (p. 15). Para isso, Adorno enfa za a
função do ar sta, que retrata a sociedade na sua obra e cujo mé er é
social e não meramente individual. O ar sta pode, na sua própria
expressão, propor o novo, entretanto são as forças produ vas que
conduzirão a necessidade ou a não necessidade da arte na sociedade. Já
do ponto de vista de Aguiar (2008), o referido livro tem uma proposta de
enfrentamento aos mecanismos u lizados pela ideologia, a qual manipula
e jus fica a produção de arte a seu favor. Ao analisar uma das frases de
Adorno, Aguiar interpreta, de maneira sucinta, a situação da arte no
mundo contemporâneo:

"Ela [a arte] se encontra num verdadeiro estado de paralisia, pois


mesmo tendo se livrado das funções que outrora exercia – funções
culturais, religiosas ou morais – o mundo capitalista soube atribuir-
lhe um lugar específico no seio da realidade social. A arte acaba se
integrando na ro na das mercadorias. Sua autonomia, conquistada
a duras penas, se volta contra ela, sendo levada também a ser
veículo ideológico do poder social" (s/p.).

De acordo com Adorno (1970), os aspectos ideológicos ocultos na arte


evidenciam, por meio do pensamento crí co, o seu relevante compromisso
social. Os argumentos e esforços do filósofo tentam, por vários caminhos,
explicitar a complexidade do assunto e uma dessas abordagens trata dos
conceitos de belo [7] e de feio, que contribuem de maneira significante
para a discussão a respeito da esté ca na sociedade de consumo.
Os conceitos de belo e de feio pela ó ca de Adorno
O belo e o feio que se manifestam nas obras de arte e nos produtos da
indústria cultural são abordados em Teoria Esté ca com um olhar voltado
para as consequências da alienação provocada pelo sistema capitalista e,
na forma de ‘ensaio’, Adorno conduz suas reflexões para o processo de
dominação da consciência decorrente desse sistema.
Nas palavras de Schaefer, a par r de Adorno, a beleza não pode ser
definida, ela não é está ca, ela é uma unidade na diversidade, feita de
momentos. Mesmo havendo diferenças entre o belo da arte an ga e o belo
contemporâneo, o que não pode deixar de exis r neles é a tensão entre as
partes e o todo. A vida manifesta-se nessas par cularidades quando a
forma que elas assumem estão tensionadas. De tal tensionamento pode
nascer a beleza, a qual nasce e morre: entre esse nascimento e morte
constantes se estabelece um equilíbrio em cuja dinâmica se iden fica algo
como belo. Schaefer (2012, p. 83) apresenta um exemplo de belo e de
tensão que vem da literatura, u lizando-se de um poema de James Joyce,
do livro Ulisses, para mostrar a ordem e a desordem, a provisoriedade das
palavras e de seus significados:

Há uma flor que bloomfloresce,


Verdeves da, levicalçada, seu lenço azul ao marivento
simplesmente rodopiando
Cochichando amoriverbos cochicham lambilambendo
loquiloquentes,
Papôulicos plachechapes.

Nas reflexões desse autor, "A maior ameaça à beleza vem da repe ção
ritual [...]; como nas cerimônias litúrgicas das religiões; como nas
propostas poé cas e literárias que dizem sempre as mesmas coisas do
mesmo modo; como nos tuts tuts das músicas pop contemporâneas" (p.
84). Assim, há uma perda de tensão em muitas obras de arte
contemporâneas, como se estas es vessem entrado em crise. Não há
tensão entre as partes e o todo, pois essas partes não conseguem alcançar
a unidade, tornaram-se indiferentes entre si. De tal modo, a obra deixa de
ser bela. Diante desse contexto, é significa vo perguntar se a arte
contemporânea está caminhando para o feio e se o belo deixou de exis r.
Para Adorno, o belo e a arte deixam de exis r se subordinados ao sistema
capitalista e, nesse caso, a "humanidade teria que se contentar com os
produtos da indústria cultural [...]." (Schaefer, 2012, p. 185).
Do ponto de vista de Adorno (1999), a indústria cultural [8] ra do
indivíduo a sua autonomia e independência, deixando-o incapaz de fazer
julgamentos de maneira consciente e de tomar decisões, já que, nesse po
de indústria, são criadas diariamente inúteis necessidades de consumo, a
fim de que o ciclo produ vo não pare. Os produtos oferecidos por esse
sistema mercan lista de cultura não têm uma preocupação com o seu
conteúdo, mas, sim, com o quanto tal produto é consumido.
Em Teoria Esté ca, Adorno discute o progresso, o novo, o perfeito, o
‘limpo’, aquilo que está na mídia, como ideias vendidas pelo produtor da
cultura para a sociedade de consumo. Essa proposta do filosofo é
apresentada por Nolasco (2010), que examina o conceito de feio dessa
perspec va. Para a autora, "aquilo que é considerado feio é,
potencialmente, um perigo para a sociedade, pois torna visíveis as relações
de dominação e as desigualdades que estas instauram" (p. 59). Ao
contrário do feio, para a autora,

O belo torna-se numa autopublicidade da sociedade. [...] A beleza


remete assim, implicitamente, para a posse de bens materiais numa
sociedade insaciável pela sua reprodução material a que denomina
‘progresso’: ela é a sua fachada (p. 59).

Nas palavras de Adorno (1970), "O conteúdo latente da dimensão


formal feio-belo tem o seu aspecto social" (p. 63). Portanto, pode-se dizer
que na produção ar s ca existe uma ambiguidade, pois ao mesmo tempo
em que a arte tem o seu olhar de fora da sociedade, ela tem o seu papel
transformador dentro dessa mesma sociedade (Nolasco, 2010). Assim,
para o autor, o belo não pode ser pensado sem o feio, são conceitos que
coexistem e esses termos passam a ter novo significado:
"O belo pode ser feio, como o feio pode ser belo. O belo clássico
vinha imposto pela racionalidade para esconder o feio. Era, de fato,
a administração do feio. Pelo belo aparente, o feio era recalcado"
(Schaefer, 2012, p. 16).

A representação do feio, na arte, pode querer, então, retratar aspectos


da realidade; a feiura que está presente nas estruturas e prá cas sociais,
polí cas e econômicas, a ruptura com o tempo e o espaço, o fechamento
da comunicação. Adorno (1970) faz uma relação das forças produ vas com
o feio, remetendo-se à destruição e à técnica:

"O desencadeamento das forças produ vas poderia, após a


supressão da penúria, estender-se por outra dimensão do que a do
simples aumento quan ta vo da produção. Indícios disso surgem
onde edi cios funcionais se harmonizam com formas e linhas da
paisagem onde os materiais, a par r dos quais se fizeram
artefactos, provém de seu meio e nele se integram, como muitas
cidadelas e castelos" (p. 61).

Para o filósofo, a técnica, por si só, não representa a destruição. O que


de fato é relevante é a realidade destru va da sociedade capitalista,
pensamento que ele relaciona com as técnicas da arquitetura, ou seja, com
a beleza das casas que não violentam a natureza, e que esta não é
destruída pela racionalidade instrumental. A arte foi socialmente
equacionada para a harmonia e, se não há harmonia, o feio é o seu
resultado. Entretanto, nessa visão, há harmonia no feio e ela é possível de
ser percebida na arte moderna, onde está presente como protesto, como
rejeição. An gamente, o homem sublimava o seu medo confeccionando
máscaras monstruosas, tentando imitar os temores mí cos e cole vos.
Com o passar do tempo, o que era mimese do homem e daquilo que lhe
era desconhecido passou a ser considerado feio.
O feio, portanto, em Adorno, é algo que foi construído socialmente, por
um sujeito racional que pra ca uma arte racionalizada, como se ainda
es vesse acorrentado à razão iluminista [9] (Schaefer, 2012). Do ponto de
vista do autor, os conteúdos arcaicos retornam na manifestação ar s ca,
como ele mesmo diz: "O conteúdo abolido e restaurado é sublimado em
imaginação e forma" (Adorno, 1970, p. 62). O teórico relembra, ainda, uma
frase de Nietzsche que afirma que "todas as coisas boas foram um dia
coisas más" (Adorno, 1970, p. 62). Nessa linha de pensamento, na análise
de Schaefer, o feio é posto como polissêmico, como um aspecto da
moralidade. A repe ção do belo, outrora feio, e vice-versa, é como um
processo que cria "ambientes ritualizados, próprios para a arte se
estabelecer entre os homens como uma das condições sociais e polí cas de
convivência e, também, de persuasão ideológica" (Schaefer, 2012, p. 75).
Esse filósofo apresenta a questão do belo e do feio de um ângulo histórico
e dialé co, pois o que pode ser belo numa época pode ser feio na outra.
Assim, para ele

"O mo vo da admissão do feio foi an feudal: os camponeses


tornaram-se capazes da arte [...]. O oprimido, que deseja a
revolução, é vulgar, segundo as normas da bela vida da sociedade
feia, desfigurado pelo ressen mento, carrega todos os es gmas da
degradação sob o fardo do trabalho servil, sobretudo corporal"
(Adorno, 1970, p. 63).

Dessa mesma perspec va, Eco (2007) sustenta que os conceitos de belo
e de feio são rela vos aos vários períodos históricos ou às várias culturas"
(p. 10). O mesmo autor, no capítulo A vanguarda e o triunfo do feio, indica
as primeiras décadas do século XX, em que se observa o conceito de feio
fortemente voltado para uma denúncia social.
Do mesmo modo, Schaefer (2012), baseado em Adorno, dá um
exemplo de um comportamento an capitalista, an monárquico,
an nobreza com uma frase de um poema de Arthur Rimbaud, no qual o
ferreiro grita ao rei: “Le peuple n’est pas une putain” (“O povo não é mais
uma puta”). Observa-se que a arte tomará o feio para si, para usá-lo como
uma denúncia daquilo que o produz e o reproduz. Há um grande potencial
esté co no feio proveniente do socialmente dominado, reprimido e
negado e a esse respeito Schaefer aponta para questões sociais bem
demarcadas:
"A arte crí ca se radicaliza na forma. A forma feia anda de mãos
dadas com o sofrimento, seja este proveniente da tortura (como no
caso brasileiro de 1964 em diante), seja proveniente da morte
(como no caso da Alemanha nazista eliminando doentes mentais ou
judeus, ou minorias étnicas), seja este sofrimento proveniente do
excesso de trabalho nas jornadas capitalistas da exploração da
força de trabalho, sejam causadas pela fome, pela pobreza, pelo
analfabe smo, pela marginalização polí ca. A arte rejeita a ideia
de que o mundo tem uma essência transcendente, excluída das
con ngências. A arte recusa as naturezas eternas e necessárias"
(Schaefer, 2012, p. 78).

Desse prisma, pode-se dizer que, quando a arte se adapta ao social ou


a um público específico ela, se debilita formalmente e perde a qualidade,
deixando de cumprir o seu papel de agente transformador. O feio, nesse
contexto, tem uma par cipação fundamental como fonte de expressão do
real, da negação do sistema, da problema zação da sociedade capitalista.

Adorno e a formação de professores de arte


Mesmo não tendo se dedicado exclusivamente às discussões no âmbito
da educação, Adorno apresenta reflexões que interligam cultura e
formação, podendo contribuir com a prá ca docente, no sen do de
promover o exercício da argumentação e do discernimento crí cos perante
a sociedade de consumo. Com o estabelecimento da indústria cultural, a
formação não desapareceu, mas vem sendo subs tuída pela
semiformação, voltada a um comportamento social ingênuo. Para Ramos-
de-Oliveira (2001), os instrumentos que a promovem são de vários níveis,
se apresentam de maneira subje va, su l e "quanto mais su s, mais
potencialmente perigosos" (p. 48). O autor evidencia as recorrentes
generalizações apresentadas ao público de maneira incompleta, o uso de
fórmulas prontas e pensamentos repe dos, assim como exemplifica a
evidente preocupação de Adorno em relação à perda da sensibilidade nas
produções do cinema, teatro e televisão,
"Porque vêm mascaradas e, ao serem consumidas, incorporam-se
como padrões que mais tarde estranham e rejeitam as verdadeiras
realizações cria vas. Das obras bárbaras formam-se e reformam-se
os receptores bárbaros. Embrutecem os órgãos do sen do, tornam
opaca e rude a sensibilidade ao ar s co" (p. 48-49).

Nesse mesmo enfoque, para Nogueira (2010), a formação do indivíduo


inserido no contexto da indústria cultural torna a experiência esté ca deste
pouco profunda e significa va, resultado de uma fruição passageira, já que
o mercado exige dele disposição para o consumo do novo que lhe é
constantemente ofertado. Considerando essas reflexões, enxergar a
formação do professor de Artes pelo viés do pensamento filosófico de
Adorno sobre a teoria esté ca, bem como de outras suas reflexões,
principalmente quanto ao desenvolvimento de uma crí ca que se refere ao
consumo de arte alimentado pela indústria, é um convite para que se
pense em uma educação voltada para a tensão, para a resistência e
contradição, ou seja, para a verdadeira arte.

Notas

[1] O conceito de Indústria Cultural é apresentado no ensaio A Indústria


Cultural. O esclarecimento com desmis ficação das massas, publicado em
Dialé ca do Esclarecimento (Adorno; Horkheimer, 1947).

[2] Segundo Coelho (1987), a cultura superior abrange “todos os produtos


canonizados pela crí ca erudita, como as pinturas do Renascimento, as
composições de Beethoven, os romances ‘di ceis’ de Proust e Joyce, a
arquitetura de Frank Lloyd Wright e todos os seus congêneres” (p. 14).
[3] Rita Amélia Teixeira Vilela apresenta uma relevante discussão a esse
respeito em A Teoria Crí ca da Educação de Theodor Adorno e Sua
Apropriação para Análise das Questões Atuais sobre Currículo e Prá cas
Escolares. Disponível em:
<h p://www.pucminas.br/imagedb/mestrado_doutorado/publicacoes/PU
A_ARQ_ARQUI20120828100151.pdf>. Acesso em: 26 maio 2017.
[4] Costuma-se datar o nascimento da disciplina Esté ca no ano de 1750,
por ocasião da publicação do livro de Alexander Baumgarten in tulado
Aesthe ca, entretanto, seria seu conterrâneo, E. Kant, que contribuiria
solidamente com a nova área. Na geração seguinte, outro grande
pensador, Hegel, contribuiu com as suas Lições de Esté ca. A par r do
desenvolvimento dessa disciplina, a Esté ca diferenciou-se da É ca, assim
como as questões de gosto dis nguiram-se daquelas de dever moral (Valls,
2002).
De princípio, é importante afirmar que a Esté ca é eminentemente
filosófica e seus conceitos confundem-se com o conceito de arte, mas se
ocupam especificamente do conhecimento sensível. A Esté ca estuda as
qualidades de formas de representação ar s cas percep veis pelos
sen dos, busca a construção de um discurso reflexivo sobre o fazer
ar s co e o processo cria vo. A reflexão sobre esté ca é uma vivência,
afinal a obra de arte não é percebida somente pelos órgãos dos sen dos,
mas é uma a vidade interior que entra em contato com a vivência do
outro indivíduo (Cas lho; Fernandes, 2007). Cas lho e Fernandes (2007)
descrevem as várias concepções de Esté ca ao longo da história e citam
alguns teóricos dessa área como Platão, Aristóteles, Leibniz, Wolff,
Baumgarten, Kant, Hegel, Lukács. Na educação esté ca, as autoras
destacam Schiller, Read, Dewey e Vigotsky.

[5] Filósofo e teólogo dinamarquês, criador do existencialismo, corrente de


pensamento na qual se dis nguem Mar n Heidegger, Karl Jaspers e Jean-
Paul Sartre.

[6] Segundo Konder (1981), a dialé ca era chamada, na Grécia an ga, de a


arte do diálogo. Com o tempo, passou a ser a arte de demonstrar, por meio
de uma clara argumentação, os conceitos envolvidos numa discussão.
Atualmente, o termo significa “o modo de pensarmos as contradições da
realidade, o modo de compreendermos a realidade como essencialmente
contraditória e em permanente transformação” (p. 8).
Nos aforismos da Dialé ca Nega va é constante a u lização do duplo
sen do dos conceitos. “Para o frankfur ano, um mesmo conceito deve ser
abordado em um registro ao menos bidimensional, em que polos opostos
se tencionem na perspec va de expressar mais o objeto e o conceito
também. A dialé ca garante-se como permanente tensão entre o
pensamento, que é abstrato, universal e a realidade, que é contraditória,
antagônica; os dois lados do conceito são expostos e, simultaneamente,
confrontados entre si na tenta va de pensar o que lhe escapa” (Pucci,
2012, p. 6).

[7] A tese Transgressões do Belo: invenções do feio na arte contemporânea


portuguesa, de Ana Nolasco (2010), apresenta discussões relevantes sobre
esses dois temas.

[8] É concebida como uma das formas de o sistema capitalista estender a


lógica do trabalho à dimensão do lazer, a fim de massificar e tornar
mercadoria todos os bens culturais e, dessa maneira, conservar e ampliar a
ideologia de mercado. Disponível em:
<h ps://repositorio.ufsc.br/xmlui/handle/123456789/95566>. Acesso em:
26 maio 2017.
[9] O iluminismo (ou ilustração) foi um movimento ocorrido no século
XVIII, que enfa zava os poderes da razão, colocando-a como princípio
seguro e único meio de tornar os homens livres e independentes. Esse
movimento foi influenciado principalmente pelas ideias racionalistas do
século anterior, tendo como figura central o filósofo René Descartes (1987,
p. 43). Para saber mais a respeito do conceito de Iluminismo segundo
Adorno ler: Conceito de Iluminismo (Em parceria com Horkheimer) (1999).

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CAPÍTULO 4
APONTAMENTOS FILOSÓFICOS ACERCA DA
FORMAÇÃO DOCENTE EM ARTE:
ANÁLISE CRÍTICA DE UM PROBLEMA
Giovana Bianca Darolt Hillesheim

Introdução
Inicio esta análise propondo a indagação: quais aspectos indicam que a
formação de professores de Arte se configura como um problema? A tal
respeito retomo a pergunta feita por Saviani (1975) em seu ar go A
filosofia na formação do educador: "[...] mas que é que se entende por
problema?". O autor enumera os equívocos filosóficos relacionados aos
usos habituais da palavra ‘problema’. Muitos a consideram como sinônimo
de questão, pergunta ou indagação. Saviani esclarece que uma questão
frequentemente comporta uma resposta já conhecida e não é, portanto,
um problema. Outro uso corriqueiro desse vocábulo está atrelado à ideia
de não saber; não saber algo é desconhecer a resposta ou estar diante de
uma situação inexplicável, um mistério ou enigma. Porém, para Saviani,
mistério não é sinônimo de problema; é, ao contrário, a solução deste.
Exemplo disso pode ser percebido na experiência religiosa em que a
a tude de fé implica a aceitação do mistério. O filósofo defende, assim,
que é preciso recuperar a essência do problema, sua verdadeira
concre cidade, a qual seria a necessidade, pois "algo que eu não sei não é
um problema; mas quando eu ignoro alguma coisa que eu preciso saber,
eis-me então, diante de um problema" (Saviani, 1975, p. 5).
Da perspec va da necessidade, a formação de professores de arte já
havia sido tomada por mim como problema, ao perceber que as
licenciaturas ofertadas no Brasil não cons tuem um corpo unívoco e coeso
e que o cole vo de proposições e análises provenientes das pesquisas
acadêmicas desenvolvidas nos cursos de pós-graduação sobre a formação
docente em Arte perambulam por bibliotecas e repositórios dispersos
(Hillesheim, 2013). Por isso, este texto busca alterna vas na Pedagogia
histórico-crí ca. De acordo com Mazzeu (2011), uma formação docente
pautada pela Pedagogia histórico-crí ca deve ter por base a radicalidade, o
rigor e a globalidade, ou seja, deve ser permeada pela reflexão filosófica e
dar importância plena ao conhecimento cien fico. O afastamento e tais
prerroga vas resultaria num esvaziamento da formação docente e
induziria a um modelo de licenciatura que, além de limitado à con ngência
prá ca, dissemina a ideia de um divórcio entre teoria e prá ca.

"A reflexão filosófica e o conhecimento cien fico compõem,


portanto, as bases para a formação do educador, cuja a vidade
deve comprometer-se com uma educação escolar que promova o
desenvolvimento das máximas possibilidades de formação humana
em cada indivíduo singular" (Mazzeu, 2011, p. 164).

É notório, porém, que os documentos oficiais norteadores da formação


docente no Brasil têm caminhado na contramão do que preconiza a
Pedagogia histórico-crí ca. A prioridade dada à cultura da empregabilidade
desencadeou uma busca incessante por modelos educacionais que se
adéquem às leis do mercado de trabalho, visando formar um professor
capaz de desenvolver no aluno um comportamento flexível e versá l,
habilidades voltadas exclusivamente ao sistema produ vo.
Lima (2008, p. 141) alerta que o modelo anteriormente descrito, além
de educar para a formação de sujeitos que defendam a manutenção da
sociedade capitalista, afasta a escola cada vez mais de sua função social,
uma vez que perpetua a ideia de que acessar os bens produzidos pela
humanidade é uma questão individual, e não cole va. O foco no
individualismo embota o raciocínio crí co, pois premia os eficientes e pune
duplamente os despossuídos: impede-os de usufruir dos bens
historicamente produzidos e, concomitantemente, culpa-os pela
incompetência na busca por acesso a esses bens.

A imprescindibilidade de uma abordagem teórico-prá ca


na formação de professores
Amparada em Lima (2008) e Mazzeu (2011), mencionei a preocupação
da Pedagogia histórico-crí ca diante do embotamento do raciocínio crí co.
O aposto crí co tem, há muito, ocupado lugar de destaque nos discursos
sobre educação e ensino de Arte. O alardeado comportamento crí co
figura com desenvoltura tanto na redação dos documentos educacionais
oficiais brasileiros [1], quanto nas análises acadêmicas e manifestações
populares sobre a esterilidade desses mesmos documentos. Ele está
presente no perfil de aluno que se quer formar e no de professor que se
deseja ver em sala de aula. De tal forma, não nos parece heresia afirmar
que, aparentemente, há um consenso de que todos devem ser crí cos.
Mas, afinal, o que é a crí ca? O que é um pensamento crí co?
Par remos do pressuposto de que cabe à crí ca a tarefa de mostrar
como as coisas poderiam ser, mas não são. Um pensamento crí co mira a
potencialidade das coisas. Assim, precisamos concordar que é impossível
ter clareza da potencialidade de algo – neste caso, da formação de
professores de arte (como ela poderia ser) – sem iniciar da análise de como
isso, de fato, é. Em outras palavras: pensar cri camente a formação de
professores de Arte exige duas tarefas básicas em uma ordem específica:
em primeiro lugar, é preciso entender como essa formação se apresenta,
mapeá-la no cenário atual, buscando entender como chegou a este ponto.
Só então, de posse de tais informações, poderemos propor opções de
mudanças. Perpassadas essas duas etapas, mapeamento e proposição de
alterna vas, poderemos enfim dizer que refle mos cri camente sobre a
formação de professores de arte por meio do enfrentamento dos
obstáculos que a impedem de alcançar sua real potência. Teoria e prá ca
são, portanto, indissociáveis quando se almeja refle r com seriedade a
formação de professores, pois cabe à teoria a tarefa de apontar os
obstáculos, ao passo que a prá ca busca a superação destes. Regressarei
ao binômio teoria/prá ca mais adiante, cumpre-me, em princípio, a
prerroga va de dar conta da realidade atual, buscando mecanismos para
enxergar a atual formação dos professores de Arte.

A necessidade de mais pesquisas atentas à especificidade


da formação de professores de Arte
Estudos sobre os cursos que visam formar professores para lecionar na
educação básica brasileira têm se tornado mais frequentes nas úl mas
décadas (Kreütz, 1986; Candau, 1987; Hague e, 1991; Lüdke, 1994). A
contribuição de tais estudos reside, entre outros elementos, na reflexão
sobre a formação de professores e sua complexidade, o embate entre
vocação e profissão, a separação entre teoria e prá ca, e as influências
decorrentes de mudanças no cenário polí co. Quero salientar, porém, os
estudos direcionados à coleta de dados e respec va análise sobre os
protagonistas das licenciaturas: quem são, quantos são e onde vivem os
acadêmicos das licenciaturas? Quais suas expecta vas profissionais? Como
enxergam a própria formação? Em que condições atuam os egressos
desses cursos? Dentre tais estudos, destaco aqueles conduzidos pela
pesquisadora Angelina Ga (Ga et al., 2008; Ga ; Nunes, 2009; Ga ;
Barreto, 2009), cujo foco assume caracterís cas amplas, englobando
simultaneamente o perfil social dos candidatos às licenciaturas, as
condições de oferta desses cursos, a estrutura ins tucional que os abriga,
assim como seus conteúdos forma vos e curriculares.
Fica bastante evidente nos estudos de Ga a progressiva redução do
pres gio social e econômico da profissão professor. A falta de perspec va
na carreira reflete-se no baixo nível de conclusão desses cursos,
aproximadamente 24% entre os anos de 2000 e 2006 e na queda de 20%
nos índices de procura no mesmo período (Ga apud Pinho, 2011, p. 72).
Ga apresenta dados significa vos em relação à feminização da docência,
o desejo de futura atuação no ensino superior, a baixa faixa de renda
familiar, a incidência de acadêmicos cujos pais não possuem formação de
nível superior, quando não analfabetos, a constatação de que grande parte
dos licenciandos cursou o ensino fundamental e médio em escolas
públicas.
Os estudos trazem uma gama de par cularidades alusivas ao curso de
Pedagogia e adentram as demais áreas com menor intensidade, apesar de
certa ênfase atribuída aos dados concernentes às licenciaturas em Língua
Portuguesa, Matemá ca e Ciências Biológicas. Quanto à formação de
professores de Arte, porém, as informações ainda são parcas e esparsas, o
que denota a necessidade de um enfoque que contemple as
par cularidades da área. Parte da razão de tal escassez pode residir no
diminuto número de pesquisadores dedicados ao assunto, fruto das
poucas linhas de pesquisa nos cursos de pós-graduação em Artes
dedicadas ao estudo do ensino dessa disciplina nas escolas:

"Entre as cinquenta e quatro linhas de pesquisa existentes na


somatória dos programas de pós-graduação em artes visuais,
somente dez abrem espaço para a inves gação do ensino de arte. A
midez no número de linhas mostra o quão restritos são os espaços
dedicados a inves gar as conexões entre arte e educação. Apesar
do aumento no número de pós-graduações em artes visuais nos
úl mos dez anos, o aumento dos espaços de pesquisa para o ensino
de arte não seguiu a mesma proporcionalidade. A restrição destes
espaços acarreta, na melhor das hipóteses, dispersão de
pesquisadores e, numa hipótese menos o mista, migração dos
pesquisadores para outras áreas do conhecimento" (Hillesheim,
2013, p. 119).

Com o intuito de contribuir com esta discussão, surgiu, em 2011, o


projeto de pesquisa Observatório da Formação de Professores no âmbito
do Ensino de Arte: estudos comparados entre Brasil e Argen na
(CAPES/MINCYT). Tal projeto tem sistema zado informações sobre a
formação do professor de Arte e, ao mesmo tempo, buscado reunir as
produções acadêmicas disseminadas em portais universitários, congressos
acadêmicos e periódicos para disponibilizá-las em um portal virtual que
está em fase de construção.
Capitaneado no Brasil por professores pesquisadores da UDESC, USP e
UERJ [2] e na Argen na por professores pesquisadores da IUNA e UNLP [3],
o Observatório pretende dar visibilidade à formação docente em Arte e,
simultaneamente, contribuir no fomento de polí cas públicas para a área
es mulando a discussão de novas propostas voltadas à formação inicial do
professor. Surgida no Brasil há pouco mais de quarenta anos, 1971, a
licenciatura em Arte já passou pelo modelo ‘polivalente’ ao congregar as
artes visuais, o teatro e a música; pela modalidade ‘curta’, ao adotar um
modelo diminuto e aligeirado de dois anos, além de a própria disciplina ter
sido muitas vezes tratada com desapreço ou desdém no espaço escolar,
carregando o triste rótulo de supérflua e necessitando provar que não está
na escola para apenas descontrair o aluno.
Apesar de estar, paula namente, superando esses entraves, a
formação docente em Arte ainda tem um longo caminho pela frente, de tal
forma que arrisco dizer que parte das agruras decorre da escassez de
informação, ou seja, do rela vo desconhecimento da realidade. Conforme
mencionei na primeira parte deste texto, a prerroga va de uma análise
crí ca depende do mapeamento do contexto real. Assim, para que seja
possível dizer como a formação docente em arte deve ser, urge entender
primeiramente como ela se apresenta nos dias de hoje.

Os efeitos nocivos decorrentes da falta de clareza filosófica


que permeia a formação dos professores no Brasil
Além dos problemas relacionados à configuração da licenciatura em
arte e à percep vel necessidade de maiores pesquisas, a falta de
aprofundamento filosófico no processo de formação docente repercute em
equívocos conceituais iden ficáveis na concepção de educação presente
em muitos cursos de licenciatura, não somente na área de Arte. Cada vez
mais, os professores deparam-se com inúmeros discursos que vinculam o
papel da escola à promoção da cidadania por meio da democracia. De que
maneira a formação inicial orienta o futuro professor que almeja contribuir
para a promoção de uma sociedade democrá ca?
A noção de democracia, oásis da sociedade moderna, foi parte
integrante de muitas teorias diferentes; abordaremos a seguir duas teorias
sociais que buscavam entender a realidade burguesa do século XIX: uma
elaborada pelo alemão Karl Marx e a outra pelo francês Alexis de
Tocqueville. Apesar de se basearem em análises da realidade semelhantes
em alguns aspectos, é interessante observar como ambos lidam com o
tema democracia de modo bastante díspar. Em certa medida, podemos
dizer que as diferentes concepções do papel que a democracia ocupa no
mundo moderno foram responsáveis por propostas antagônicas de
interferência na realidade.
Tanto a teoria marxista quanto a tocquevilliana concordam que existem
tendências estruturais no mundo moderno. É ponto pacífico que elas
perenizam os obstáculos e impedem as potencialidades do mundo, porém
Marx e Tocqueville discordam sobre a natureza e a superação desses
entraves. Somente um raciocínio filosófico é capaz de perceber as minúcias
e o ponto exato em que os encaminhamentos destoam e ressoam na
função social da educação. Espero demonstrar por meio do
confrontamento de algumas ideias de Marx e Tocqueville como é possível
que um professor desavisado possa ‘subir a serra, acreditando alcançar a
praia’, ou seja, como um professor pode defender a ideia de uma
sociedade livre e democrá ca ao mesmo tempo em que corrobora, sem
perceber, com a manutenção de uma sociedade cada vez menos livre e tão
pouco democrá ca.

A teoria tocquevilliana
O francês Alexis de Tocqueville (1805-1859) tentou entender como a
democracia funcionava por meio da análise do sistema carcerário norte-
americano, tão logo os Estados Unidos passaram a exis r como república.
Sendo um cidadão europeu membro da aristocracia francesa, a principal
dúvida de Tocqueville era saber se a democracia e a excelência podiam
coexis r (Zolberg, 2008, p. 68). Para ele, a democracia nada mais era que
uma liberdade polí ca na sociedade igualitária de massas que, para
sobreviver, dependia do individualismo exacerbado inerente ao estado
social democrá co. Esse individualismo foi entendido pelo autor como
fruto da indiferença cívica que compõe um novo po de despo smo: "uma
forma de dominação polí ca inédita ao mundo ocidental, que aparece
como branda e tutelar, e que degrada os homens sem atormentá-los,
mantendo os seus súditos, à maneira de um pátrio poder sem fim, na
eterna menoridade polí ca" (Jasmin, 2013, s/p.).
A linha de raciocínio usada por Toqueville na conexão entre democracia
e individualismo defendia que as preocupações do homem democrá co
dificilmente ultrapassavam sua experiência mais imediata; esse
comportamento individualista causaria uma fragmentação social e uma
progressiva indiferença cívica, a qual, portanto, era o cerne de um cenário
maléfico que precisava ser apaziguado.
"Tocqueville defende que para reverter o quadro inerente à
democracia é necessário revitalizar as instâncias de par cipação
que fortalecem o espírito de cidadania frente à tutela
administra va do Estado centralizado moderno. Em outras
palavras, só haverá liberdade democrá ca onde houver ação
permanente do corpo de cidadãos na esfera pública" (Jasmin, 2013,
s/p.).

Tocqueville acreditava que a liberdade polí ca era inviabilizada nas


condições sociais igualitárias. Dessa forma, ele almejava convencer os
homens da necessidade de reagir à liberdade polí ca. Para ele, uma
sociedade sem aristocracia estaria fadada a não conseguir escapar de
governos absolu stas. É importante observar que, segundo o autor, a
busca incessante por bens materiais, caracterís ca marcante das
sociedades democrá cas, não era um traço generalizado nas sociedades
aristocrá cas. Ele acreditava que a classe dirigente (aristocracia) não
precisava preocupar-se com a acumulação de riquezas, porque a riqueza,
para ela, não se cons tui num ‘obje vo da vida’, mas sim numa ‘maneira
de viver’. Portanto, apesar de entender como problemá ca a busca
constante por bens materiais da sociedade moderna, Toqueville não
acreditava que a causa do problema residisse no capitalismo em si, mas,
sim, no modelo polí co adotado. Não o preocupava o fato de que a riqueza
es vesse em posse de uma parcela restrita da sociedade, mas, sim, a
disseminação sem controle do desejo pelo capital despertado nas
sociedades democrá cas.
Percebe-se que a preocupação de Tocqueville com a instabilidade social
descamba para o pensamento liberal na medida em que o liberalismo
acredita num Estado que tenha por finalidade mediar os conflitos entre os
grupos sociais. Além do que, para ele e para muitos intelectuais
aristocratas de sua época, o modelo burguês desencadeava uma era
medíocre se contrastada com o esplendor do passado aristocrá co. A arte
dificilmente poderia manifestar alta qualidade em um meio democrá co,
pois, conforme esclarece Zolberg (2008), o sistema democrá co enxergado
pelo autor abdicava do controle da qualidade na medida em que abria
mercado para a arte popular. O consumidor burguês era considerado
desorientado, pois não nha uma tradição que solidificasse seu contato
com a arte, logo, esses consumidores eram marcados pela afetação,
propensos muito mais à aquisição de obras de arte impulsionados pela
quan dade, que pela qualidade.
Tocqueville não admi a que uma pessoa comum pudesse conceber ou
apreciar uma arte de qualidade. Para ele, a vontade da ascensão social dos
indivíduos democrá cos fazia que os que possuíam bens se apegassem
obsessivamente a eles, o que gerava turbulências sociais em prol da
ampliação da fortuna pessoal. A paixão pelo bem-estar social, diz
Tocqueville, é essencialmente uma paixão de classe média, ela cresce e
expande-se com essa classe, torna-se preponderante com ela.

"A extrema instabilidade impede a sa sfação com a posição já


a ngida e, enquanto houver um vizinho em melhor posição, o
desejo de equiparar-se não arrefece. A inveja, se não é
exclusivamente democrá ca, torna-se, na análise de Tocqueville,
caracterís ca predominante nas condições igualitárias" (Jasmin,
2013, s/p.).

Diante da breve e sinté ca exposição sobre as interpretações de Alexis


de Toqueville, é possível perceber que, apesar da asser vidade em alguns
aspectos de sua análise sobre a realidade moderna, apesar de argumentar
em favor da “revitalização das instâncias de par cipação que fortalecessem
o espírito de cidadania”, Tocqueville não acreditava, de fato, que uma
sociedade equânime pudesse se materializar. Sua visão dividia o mundo da
seguinte forma: parte dele man nha-se fiel ao velho modelo aristocrá co
(Europa), enquanto a outra parte (liderada pelos Estados Unidos) aderia ao
modelo democrá co, aceitando uma vida intelectualmente mais medíocre.
Para os adeptos deste úl mo modelo, o único caminho seria incen var o
espírito cidadão nos indivíduos, pois só assim eles não entrariam em
conflitos irremediáveis desencadeados pela busca incessante por riqueza.
A educação, segundo a teoria desenvolvida pelo pensador francês,
deveria ser garan da por meio da legislação, pois era necessária para que
o homem pobre desenvolvesse sua inteligência, recuperasse a dignidade
perdida e se integrasse produ vamente à sociedade moderna. Um
professor que par lhe dessa visão enxerga a escola como ins tuição que
deve instrumentalizar os alunos para uma atuação pro cua e produ va na
sociedade. Ao Estado cabe propiciar uma legislação adequada, enquanto a
população, organizada por inicia vas cidadãs privadas, busca alterna vas
pessoais para promover uma sociedade mais justa. Educar para a cidadania
e para a produ vidade seria, portanto, a principal função da escola,
segundo os simpa zantes da ideia tocqueviliana.

A perspec va marxista
Karl Marx (1818-1883) nasceu na Renânia, uma das províncias da
Alemanha ocupada pelos franceses até 1815. Marx também via a busca
incessante pelo capital como o grande problema da sociedade moderna,
mas, ao contrário de Tocqueville, acreditava na possibilidade de uma
prá ca transformadora que pudesse modificar as relações sociais vigentes,
a qual resultaria num mundo mais justo e igualitário, bem como só seria
possível com a superação do sistema capitalista.
Marx reconhecia o progresso ver ginoso provocado pelo capitalismo,
mas alertava que tal desenvolvimento só ocorreu porque a riqueza estava
acumulada na mão de poucos. Ele enxergava o mundo dividido em duas
classes: capitalistas e proletários: os primeiros de nham os meios de
produção e compravam força de trabalho alheio, os segundos, despojados
dos meios de produção, vendiam sua força de trabalho para sobreviver. Na
acepção de Marx, o processo de formação dessas duas classes originou-se
do emprego dessa fortuna amealhada por uma minoria na compra de
equipamentos e máquinas recém-inventadas (revolução industrial); e que
foi se convertendo em capital e formando a sociedade capitalista. Sem suas
terras e equipamentos modernos, sobrou ao campesino a alterna va de
tornar-se sua mão de obra remunerada.
O autor foi claro em localizar o problema da sociedade moderna na
disparidade da distribuição do capital. O capitalismo aumenta as
desigualdades, mas propala a ideia de que todos têm oportunidades iguais
de superá-las, promete a liberdade e a igualdade, mas não as realiza, ou
melhor, realiza-as para um pequeno grupo. A fim de decidir e controlar
quem terá acesso a quê, ou seja, as pseudo-oportunidades, o capitalismo
necessita de que as pessoas se submetam a um processo de seleção
considerado justo e natural chamado pelo autor de “democracia liberal-
representa va”, a qual, para ele não era a verdadeira democracia, que
deveria ser direta e colocar as en dades polí cas e as ins tuições sociais
em poder do povo.
A escola tem um papel central na perspec va marxista, pois é encarada
como espaço de luta e resistência em prol da democracia genuína; deve
ser uma ins tuição que amplia o rol de necessidades do ser humano,
impulsionando-o ao desenvolvimento pessoal e social. Para dar conta
dessa missão, a escola vale-se do conhecimento cien fico historicamente
sistema zado e referendado pela prá ca social humana. Tais
conhecimentos são importantes não somente por serem resultado
histórico do trabalho humano, mas por contribuir com o desenvolvimento
das funções psíquicas superiores, conforme apregoou o psicólogo russo
Vygotsky.
Estar familiarizado com a maneira pela qual ocorre o desenvolvimento
psíquico humano é fundamental para o sucesso de qualquer teoria
educacional, afinal só um indivíduo com tais funções bem desenvolvidas
dará conta dos conhecimentos mais elaborados produzidos pelo homem
no decorrer da história. Vygotsky, na esteira do pensamento de Marx,
explicitou a diferença entre os comportamentos complexos superiores,
legado cultural fruto do trabalho que representa tudo aquilo que o ser
humano já alcançou em seu desenvolvimento histórico, e os
comportamentos elementares, primi vos, herança deixada pela natureza.
Segundo o autor, é preciso que o homem supere o legado da natureza por
meio do legado da cultura. Firmemente calcado em Marx, Vygotsky
explicitou que tal superação só é possível por intermédio das contradições.
O princípio da contradição é um elemento importante da teoria marxista.
Para que se estabeleça a contradição entre natureza e cultura, necessita-se
de uma mediação intencional nessa direção.
Vygotsky usou o conceito de mediação de Marx: um universo simbólico
que produz significações. Para dar conta de transmi -las planejadamente
existe a escola. São os conteúdos formados pelo universo simbólico que
fazem a mediação entre o legado natural e o legado cultural,
desenvolvendo no ser humano suas funções psíquicas superiores.
"Quando nos damos conta de que a formação do homem se faz,
necessariamente, através do processo de mediação e automediação
entre o homem e a natureza, e que essa práxis social nos permite
atribuir significados humanos aos elementos transformados da
natureza, percebemos melhor a necessidade de cuidarmos das
mediações ar s cas e culturais que, invariavelmente, formatam
nossa consciência" (Cabral, 2012, p. 383).

Por meio do desenvolvimento das funções psíquicas superiores


oportunizadas pela mediação, o homem pode compreender a realidade
para então mudá-la. Eis o elemento primordial que dis ngue a teoria
tocquevilliana da teoria marxista: a primeira volta-se para a adaptação à
realidade, ao passo que a segunda está voltada para a transformação da
realidade.

O enfrentamento da indefinição do papel da arte na escola


Concomitantemente às distorções filosóficas e em decorrência da
adoção de modelos de formação que não atendem em absoluto à
formação do professor de arte com a seriedade que ela necessita,
disseminam-se entre os professores equívocos conceituais de várias
ordens. Um deles está na pouca clareza do papel da arte na escola. Embora
tenhamos avançado, afinal não faltam pessoas que defendam a
importância da permanência da arte no universo escolar, as razões para
essa presença ainda são proferidas por meio de discursos confusos e, não
raramente, deturpados, cuja fragilidade está in mamente ligada à
dificuldade em compreender filosoficamente o papel da própria escola na
sociedade.
A essência da escola é, ou deveria ser, a socialização das riquezas
acumuladas pela humanidade em forma de conhecimentos cien ficos,
ar s cos e filosóficos que precisam se fazer presentes na vida de todos a
fim de enriquecê-la permanentemente. Sendo assim, vale a pena
perguntar: como a arte enriquece a vida das pessoas?
Vygotsky (1998), ao estudar os instrumentos simbólicos e refle r sobre
as relações entre a arte e a vida, esclarece que a arte não é uma
reprodução direta da realidade, uma vez que pega material da vida das
pessoas e o transforma, possibilitando ao homem vê-la para além do que
seria possível enxergar no seu dia a dia. Em outras palavras, as pessoas
com acesso à arte têm maiores chances de compreender a realidade. Além
de a importância da arte se dar no aspecto recep vo, ela tem relação
direta com a a vidade criadora do homem ao lhe favorecer a combinação,
transformação e criação com base em experiências anteriores. O autor
chamou tal capacidade de dar sen do às coisas de “sen do esté co”:

"Orientar os sen dos para bem sen r é procurar a forma de


aperfeiçoar suas qualidades e atributos naturais para rá-los do
estado bruto – aquele que talvez a natureza os formou – para levá-
los ao refinamento de um grau de sensibilidade às coisas que a
cultura é capaz de dar" (Pino, 2006, p. 6).

Amparada no caráter social da escola e comprome da com uma


educação que transcenda o capital, a disciplina de Artes proporciona a
educação esté ca a que os indivíduos têm direito. Na concepção de
Leon ev (2000), "devemos ensinar a capacidade de perceber e entender a
arte e a beleza em geral" (p. 128); tal prerroga va coloca-nos diante da
necessidade de conceituar arte e a dificuldade em fazê-lo reside na
compreensão da mutabilidade dos conceitos, pois estes se formam pela
nossa experiência de aproximação com o objeto arte localizada num tempo
e num espaço. Assim, cada pessoa carrega consigo suas vivências esté cas.

"[...] a arte é uma apropriação especificamente humana das coisas


e da natureza humana. Neste sen do, a arte possui um caráter
cognoscível, uma vez que através dela o ar sta reflete a realidade.
Porém, é preciso lembrar que o ar sta, como qualquer ser humano,
encontra-se condicionado historicamente. Ao refle r a realidade, o
ar sta também reflete a si mesmo, sua época, suas relações sociais,
sua classe, fazendo com que este reflexo não seja uma expressão
direta da realidade. O ato de refle r a si mesmo enquanto reflete a
realidade faz da arte não somente cognoscibilidade; há nela uma
dimensão subje va" (Hillesheim, 2013, p. 104-105).
A reação de uma pessoa diante de um objeto que lhe é apresentado
como arte revela diferentes níveis do processamento da informação
esté ca, o qual baseado em mecanismos psicológicos. Leon ev (2000)
afirma que quando tais mecanismos estão precariamente desenvolvidos, o
indivíduo não realiza a conversão do significado pessoal que a obra de arte
lhe revela em conhecimento de mundo.

"Para se poder penetrar para além do texto, para além do quadro, e


conseguir entrar em contato com os significados vivos, uma pessoa
tem de renunciar, temporariamente, à sua posição única, pessoal
(parcial) no mundo, assim como renunciar ao seu ponto de vista
exclusivo e aceitar a posição do ar sta, olhando para o mundo
através dos olhos do ar sta" (p. 130).

Tal contato efe vo com a arte traduz-se em enriquecimento do mundo


interior, tornando a pessoa e sua relação com a realidade mais
significa vas e orientadas para o futuro. "Com efeito, as transformações de
sen do podem apenas ocorrer como resultado do encontro do meu próprio
mundo ín mo com outro mundo que revela uma certa contradição entre
esses dois mundos" (Leon ev, 2000, p. 131). Quando a escola ensina o
aluno a estabelecer com a arte essa a tude dialógica, amplia-lhe as
possibilidades de compreensão do mundo e suas ambiguidades,
possibilita-lhe ver as potencialidades da realidade e o que precisa ser feito
para a ngi-las.
Retomo a questão inicialmente proposta acerca da necessidade da
indissociabilidade entre teoria e prá ca: mapeamento e superação da
realidade. Quando o professor de Artes perde de vista o obje vo de
aprimoramento da percepção esté ca de seu aluno, restringindo as aulas
ao ensino dos movimentos ar s cos, principais representantes e obras,
corrobora o consumo mercadológico proposto pelo capitalismo, ins ga a
valorização de cifras em detrimento da avaliação esté ca da obra de arte.
Por outro lado, ao direcionar as aulas exclusivamente para a vidades de
manipulação de instrumentos de criação ar s ca, sem oportunizar o
acesso ao conhecimento ar s co historicamente construído, o docente
corre o risco de entregar os estudantes ao jogo liberal do mercado,
impondo-lhes a ideia de que a criação ar s ca é atributo de poucos. Isso
acontece porque, muito provavelmente, raros serão aqueles que,
despojados do conhecimento ar s co acumulado pela humanidade, serão
considerados competentes ar s camente. Disso se conclui que o processo
de compreensão da obra de arte é um processo teórico/prá co que exige
uma a vidade mental complexa. Neste caso, qual o papel do professor de
arte?

"Devemos desenvolver as estruturas da a vidade mental da


percepção ar s ca. Essas estruturas incluem uma hierarquia de
objetos e operações mentais alicerçados em mecanismos
reguladores baseados no sen do pessoal" (Leon ev, 2000, p. 141).

A educação esté ca acontece por meio das operações mentais que vão
do nível mais simples ao mais complexo. Quando o aluno procura na obra
de arte um enredo ou a tradução de eventuais emoções, está em busca de
um bene cio psicológico recrea vo que, segundo Leon ev, é o nível mais
básico de competência esté ca. No segundo nível – socialização –
consegue captar na obra de arte informações sobre o mundo, valores,
normas e padrões de comportamento. A meta da disciplina de arte deve
ser trabalhar para que o aluno a nja o terceiro nível de competência
esté ca, canalizado para o desenvolvimento pessoal, em que o contato
com a obra de arte permite quebrar normas e clichês e conferir à realidade
novas significações.
É primando pelo desenvolvimento dessas operações mentais por
intermédio de a vidades teórico/prá cas que a disciplina de arte colabora
com uma educação para além do capital, que se oponha à cultura de
massas em prol de uma sociedade construída em torno de uma verdadeira
democracia, como a defendida pelo filósofo e polí co italiano Antonio
Gramsci: democracia com socialização efe va do poder. Segundo Semeraro
(2012, p. 152), quando Gramsci fala em democracia, não se expressa de
forma neutra e genérica, mas coloca-se do ponto de vista dos subalternos,
leva em consideração a realidade concreta dos que são alijados do seu
meio. Portanto, lecionar arte na escola não é uma a tude inocente,
despretensiosa ou inconsequente poli camente. Conscientemente ou não,
o professor faz as suas escolhas. Uma formação filosófica consistente pode
não resultar num cole vo de professores com obje vos transformadores,
mas com certeza formará professores mais cientes das repercussões de
seus atos.

Considerações finais
A imersão numa jornada polí co-filosófica sobre a formação docente
em arte permite ver quão ingênua é a pretensão de visualizar essa
licenciatura como um todo coeso. A formação de professores pulsa e reage
ao momento histórico que protagoniza, sofre influências de caráter
econômico, social, polí co e filosófico. Tal qual o ser humano conceituado
por Marx, ela é síntese de múl plas determinações. É exatamente esse
caráter vivo, mutável, que a transmuda num problema a ser estudado e
sobre o qual se deve refle r de maneira crí ca, tarefa que exige, apesar da
mutabilidade do tema, um mapeamento obje vo dessa seara de
formatações que configuram a formação docente em arte no Brasil.
O ensino que será realizado na escola depende diretamente do rastreio
de realidades que compõem a formação inicial do futuro professor de arte.
Conhecer para intervir é condição indispensável no projeto de
transformação e superação da sociedade que aí está. Sim, é possível
eximir-se e calar; é possível não tomar para si a responsabilidade da
mudança; é possível, inclusive, duvidar da real necessidade desta, tal qual
acreditava Tocqueville. Mas, o que não é aceitável, nem sensato, é abrir
mão de conhecer a realidade dispensando a possibilidade de escolhas
pautadas nesse conhecimento. A consciência sobre o que se faz e para que
se faz é o mínimo necessário que se espera de um professor e é nesse
aspecto que Saviani é certeiro ao chamar a atenção para os prejuízos
causados à educação pela falta de discussões filosóficas na formação dos
educadores.
A compreensão da função da arte no desenvolvimento humano é
historicamente construída. Da mesma forma, a função da escola na
sociedade e do ensino da arte na escola são processos históricos. É
importante entender que o termo ‘historicamente’ não significa que haja
um progresso natural e con nuo oriundo da passagem dos anos. Pode-se
estar temporalmente à frente sem, necessariamente, estar
conceitualmente à frente. As considerações feitas por Saviani há trinta
anos con nuam atuais ao defender a presença da Filosofia nos cursos de
licenciatura. Só assim a formação pedagógica resultará mais coerente, mais
lúcida, mais justa, mais humana. Na mesma perspec va, é possível dizer
que a presença da Filosofia na formação do professor de arte amplia as
chances de que essa disciplina coopere efe vamente no amplo processo
de transformação da realidade atual.

Notas

[1] A tulo de exemplo, reportemo-nos aos Parâmetros Curriculares


Nacionais do Ensino Fundamental, cujo segundo dos dez obje vos
elencados para este nível de ensino apregoa: “posicionar-se de maneira
crí ca, responsável e constru va nas diferentes situações sociais,
u lizando o diálogo como forma de mediar conflitos e de tomar decisões
cole vas” (Brasil, 1997, p. 7).
[2] Profª. drª. Maria Cris na da Rosa Fonseca da Silva – coordenadora –
(UDESC), profª. drª. Isabela Nascimento Frade (UERJ) e profa. dra. Maria
Chris na de Souza Lima Rizzi (USP).
[3] Profª. drª. Maria de Las Mercedes Reitano – coordenadora – (UNLP),
prof. dr. Federico Bujan (IUNA) e Profª. Marina Burré (IUNA).

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CAPÍTULO 5
EDUCAÇÃO ESTÉTICA:
A VISÃO DE KARL MARX E REFLEXÕES PARA A
FORMAÇÃO DOCENTE EM ARTES VISUAIS
Angela Maria de Andrade Palhano

Introdução
As discussões deste ar go fundamentam-se nos estudos realizados na
disciplina Arte, tecnologias e formação docente do PPGAV
Mestrado/Doutorado, na Linha de Pesquisa: Ensino das Artes Visuais da
UDESC em Florianópolis/SC. Tendo por base a perspec va materialista-
histórica, apresentam, em linhas gerais, conceitos esté cos na visão de Karl
Marx, bem como uma discussão com outros autores sobre a educação
esté ca e reflexões em torno da formação de professores em Artes Visuais.
À margem das complexas estruturas engendradas na sociedade
contemporânea, a discussão sobre a educação, confundida com uma
atribuição da escola, ultrapassa os muros de contenção e dissemina-se nas
relações sociais. As postulações de Marx, recorrentes das problemá cas
sociais da era industrial, atualizam-se para pensar a educação, a esté ca, a
formação de professores e os comportamentos da sociedade
contemporânea.
Do mesmo modo pelo qual gera um produto, a indústria cultural
promove o nosso jeito de sen r e viver. Dessa perspec va, a elucidação
deve enfa zar a fragmentação do conhecimento, a fragilidade do sen r
esté co e a servidão às condições da vida como se está nos dias atuais.
Conforme Marx, temos a projeção da pobreza ou perspec vas para a
riqueza humana. Nisso reside a necessidade de discu rmos a educação
esté ca, sobretudo na formação dos professores de artes visuais, pois a
riqueza humana a que se refere Marx é a riqueza de sen dos e
significados.
Leon ev considera as produções da cultura de massa – a quase-arte –,
como promotoras de resistências, de pouco esforço e de emoções
passageiras, referindo-se a quase-percepção, que se ocupa, entre outras
coisas, de preencher espaços da vida humana com diversões, estreitando
nesse movimento os caminhos que nos conduzem para a reflexão e para a
aventura da transformação.
Nesse contexto cabe, portanto, colocar em debate a formação de
professores em artes visuais, repensando nossa própria experiência no que
tange à educação esté ca.

Um esboço do pensamento esté co de Karl Marx


Karl Marx, filósofo alemão (1818-1883), considerava que um estudo
sobre a sociedade deveria par r da análise das relações sociais dos
homens entre si, de seus modos de produção e de transformação da
natureza. Sua teoria, formada por uma visão estruturalista, aponta que são
a base material e os modos de produção que determinam a sociedade, a
qual se divide em classes sociais. Ambientado na sociedade capitalista em
pleno vigor da Revolução Industrial, Marx não se preocupou em elaborar
uma teoria social, mas, sim, em pensar a sociedade de seu tempo. O
pensamento do autor voltou-se para as classes sociais: o fator decisivo que
influenciaria a forma pela qual pensamos e agimos seria a classe a que
pertencemos. A história da humanidade seria, então, determinada pela
luta de classes (Tomazi, 1993).
Esse panorama de referência ao pensamento de Marx desemboca na
concepção de ser social e suas correlações, pois:

"Na produção social da sua existência, os homens estabelecem


relações determinadas, necessárias, independentes da sua vontade,
relações de produção que correspondem a um determinado grau de
desenvolvimento das forças produ vas materiais. O conjunto destas
relações de produção cons tui a estrutura econômica da sociedade,
a base concreta sobre a qual se eleva uma superestrutura jurídica e
polí ca e à qual correspondem determinadas formas de consciência
social. O modo de produção da vida material condiciona o
desenvolvimento da vida social, polí ca e intelectual em geral. Não
é a consciência dos homens que determina o seu ser; é o seu ser
social que, inversamente, determina a sua consciência" (Marx,
2008, p. 47).

Assim, o marxismo marca com radicalidade uma posição diante do


capitalismo e do âmbito produ vo das diversas realizações humanas. A
arte está inserida nesse modo de produção e foi pensada por Marx e
Engels "como um apelo com vista a uma concepção dialé ca e materialista
global que rejeita o critério de autonomia da arte e sublinha a estreita
ligação existente entre a arte, a história e a dinâmica concreta das relações
sociais" (Carchia, 2009, p. 233). Assim, podemos entender por que a arte
no marxismo assume uma condição de crí ca e de transformação da
realidade.
O corpo e a percepção sensível delimitaram o discurso esté co de
Marx, que via no capitalismo um roubo dos sen dos do trabalhador e de si
próprio. A alienação dos sen dos em bene cio do capital se completa
numa renúncia do prazer e na completude favorecida pelos esforços do
trabalhador em busca do material indispensável ao capitalismo, a moeda
de valor. Eagleton (1993), destaca o que Marx pronunciou sobre a
alienação: "todos os sen dos sicos e intelectuais foram subs tuídos pela
simples alienação de todos – no sen do de ter. Para dar à luz sua riqueza
interior, a natureza humana foi reduzida à sua absoluta pobreza" (p. 148).
Contudo, o roubo dos sen dos e a valorização do ter no capitalismo se
realizam sob diferentes perspec vas para o capitalista e para o trabalhador,
pois "um dos aspectos da sociedade capitalista é um brutal asce smo, a
sua imagem especular inver da é um este cismo fantás co" (Eagleton,
1993, p. 149). Nesse contexto, a moeda de valor exerce fascínio e poder, é
objeto de desejo e mo vadora de todas as ações humanas. Tanto o
trabalhador pode ser seu escravo assalariado, quanto o capitalista ser um
‘ocioso exó co’ em busca de sa sfazer seus caprichos.

"O desejo, irrefreado pelas circunstâncias materiais, torna-se


perversamente autoprodu vo, um campo de 'ape tes refinados,
an naturais e imaginários' que crescem luxuriosamente em suas
extremas su lezas" (Eagleton, 1993, p. 149).
A teoria esté ca marxista busca restaurar os sen dos dos corpos e
superar as condições materiais impostas pelo capitalismo. Segundo Marx, a
emancipação dos corpos, na busca de uma liberdade dos sen dos sem a
jus ficação u litária, poderia reaver a subje vidade e experiência esté ca.
A questão é complexa, pois a emancipação tanto é obje va quanto
subje va, tanto se refere às capacidades sensíveis quanto às ins tuições
sociais, pois, tal qual a obje vidade, a subje vidade também é um produto
da história material. Isso quer dizer que, "é só através de uma
transformação histórica obje va que a subje vidade sensível poderá
florescer" (Eagleton, 1993, p. 150). A esté ca marxista colabora para
pensarmos que somente somos educados para a a vidade prá ca dos
sen dos, mas ao contrário, poderíamos desenvolver uma riqueza de
sensibilidade subje va e humana. Sobre o pensamento de Marx, Eagleton
destaca:

"Para um homem faminto a forma humana de comer não existe, só


existe sua forma abstrata; ela pode mesmo estar presente em sua
forma mais tosca, e seria dizer como essa maneira de comer difere
da dos animais [...] a sociedade plenamente desenvolvida produz o
homem em toda a riqueza de seu ser, o homem rico, dotado
profunda e abundantemente de todos os sen dos, como sua
realidade constante" (Eagleton, 1993, p. 150).

Em Marx, a riqueza humana concerne aos sen dos e ao pleno ser,


pressupõe-se, portanto, que, ao contrário, podemos ter a pobreza, que
pode estar presen ficada na fragmentação do conhecimento, na
fragilidade do sen r esté co e na servidão às condições da vida. Tais
condições apresenta-se ainda marcadamente nos dias atuais. Noutras
palavras, trazer essa reflexão para os dias de hoje implica pensar na
superação do modo vigente das condições da vida social por exemplo o
patamar em que a educação e a escolarização se encontram. Grosso modo,
salvo casos de superações parciais e cole vas, o que se mostra são crises.
Ficaremos na ‘crise dos quase’, gerada pela cultura de massa, em que se
abre, segundo Leon ev (2000), um caminho de menor resistência.
Seguindo teóricos da linguagem como Bakh n e Vygotsky, o autor refere-se
às estruturas de a vidade mental percebidas no contexto da cultura de
massa e dá exemplos de que, na maioria das ocorrências, o contato entre
receptor e produção não passa de uma quase-percepção. As produções
para a cole vidade não exigem esforços mentais de um pensamento
complexo e que ultrapasse a simplificação do enredo e das emoções rasas.
Equiparando a pobreza de sen dos que Marx observou com a passividade
produzida pela cultura industrial de massas, chegaremos ao contexto da
quase-arte, termo que já mencionamos e discu remos adiante. Convém
ressaltar, neste momento, que a quase-arte contribui para conservar "uma
visão do mundo e a personalidade em geral, impedindo a capacidade
humana de mudar, de haver desenvolvimento pessoal e adaptação cria va
ao mundo em transformação" (Leon ev, 2000, p. 142).
Amparados na perspec va marxista e na ‘crise dos quase’, podemos
refle r sobre o fato de que a superação dessa conjuntura demanda
transformações nas condições estabelecidas como tal, cujas engrenagens
propulsoras, maneira pela qual concebemos a educação, os espaços
escolares e a formação de professores alimentam os comportamentos
vigentes na vida contemporânea.
A indissociabilidade entre qualquer po de educação e a vida prá ca
socialmente construída é pensada por Leon ev (2000) mediante a
dimensão substancial da experiência individual, tal como as iden dades
microssociais, juntamente com os processos de socialização, o transocial. O
autor refere-se a tais iden dades como as menos evidentes, a exemplo da
"consciência que uma pessoa tem de si mesma como membro de uma
determinada família, grupo de pares, escolas, clube, bando, etc." (p. 127).
Por transocial, considerado o nível de iden dade mais elevado, o autor
designa "a consciência que uma pessoa tem de si mesma como ser humano
e cidadão do mundo" (p. 127). A consciência do ser microssocial e
transocial forma-se de acordo com o movimento das engrenagens, o que
denota um grau de responsabilidade ao se discu r e compar lhar o que a
educação em sua totalidade, as escolas – bem como os envolvidos na
formação de docentes – entendem por manutenção, superação ou
transformação dos modos de viver.
Tratar da formação de professores não é algo simples, embora
tenhamos uma vasta bibliografia sobre o assunto. Concordamos com Orso
(2011) quando afirma que "se poderia dizer que o po de formação de
professores de cada época corresponde à sociedade da época" (p. 61).
Cabe ainda acrescentar que, os discursos entre a relação teoria e prá ca,
tão presentes na engrenagem que movimenta a formação de professores,
aliada à fragmentação, fragilidade e servidão do então predes nado
pensamento neoliberal, possibilita pensar que existem ainda lacunas,
brechas, fissuras a serem discu das.
Nosso emprenho neste estudo centra-se em compreender aspectos da
teoria marxista justapostos à educação esté ca e formação de professores,
sobretudo nas artes visuais, como forma de minimizar os efeitos ‘da quase-
recepção’ e ‘da quase-arte’. Para além do ‘pra cismo’, da pedagogia das
competências e das habilidades, da escassez cien fica, do esvaziamento da
cultura historicamente acumulada e de toda a problemá ca que envolve as
escolas, enquanto lugar e espaço, e os professores, como profissionais, há
outros esforços a realizar. Assim, subvertemos a discussão em prol de
reconhecer nas artes visuais um eixo de reflexão acerca das realidades
socialmente construídas, da formação das iden dades microssociais e
transociais, propondo a seguinte questão:
O homem rico, abundante e pleno de todos os sen dos pensado por
Marx seria uma promessa?

A educação esté ca
Embora a esté ca tenha mo vado várias discussões filosóficas há
tempos, atualmente tal debate passa despercebido, sobretudo no âmbito
educacional. Para Leon ev (2000), a educação "é uma pra ca social que
prossegue o obje vo de proporcionar às pessoas determinados aspectos da
experiência social acumulada, par lhada dentro de determinada
sociedade" (p. 127). Segundo o autor, as experiências são referentes ao
conhecimento e concepção de mundo, normas sociais, crenças e
ideologias, e prá cas do co diano. As apropriações e socializações dessas
vivências implicam o desenvolvimento "da competência prá ca e social
para a interação efe va com o sistema social, para adaptação sa sfatória
e efe va das regras sociais" (p. 127). Outros aspectos do desenvolvimento
social são as iden dades sociais, microssociais e transociais, as quais já
foram mencionadas. O conhecimento, a assimilação e as relações desses
níveis de iden dades são transmi dos pelo sistema de ensino.
A educação esté ca não se enquadra nessas iden dades, pois, em
razão do seu caráter teórico e intui vo, "tem algo a ver com o processo
mais ín mo do desenvolvimento pessoal e da personalidade do que
simplesmente com a adaptação social" (Leon ev, 2000, p. 128). Na teoria
de Maslow, citado por Leon ev, a educação esté ca pela via da arte se
aproxima da Psicoterapia e da Formação Psicológica porque “se ocupa da
transformação da personalidade no seu conjunto”. O autor destaca:

"A primeira resposta é aquilo que devemos ensinar na Educação


Esté ca, é a capacidade de perceber e entender a arte e a beleza
em geral. Esta simples formulação, levanta, no entanto, muitas
questões: O que é a arte? O que quer dizer perceber e entender
(adequadamente) a arte? Por que é que as pessoas deveriam ser
capazes de realizar este obje vo? Que resultados sociais e
psicológicos deveríamos esperar e promover? Uma abordagem da
Educação Esté ca não pode ignorar estas questões" (Leon ev,
2000, p. 128).

Compreendemos que a arte tem muitas facetas, é complexa e por


vezes ambígua; que é universal e individual ao mesmo tempo, porém o que
interessa para educação esté ca é a essência da arte, ou seja, "a sua
capacidade de transmi r significados pessoais humanos de realidade"
(Leon ev, 2000, p. 129). Interessam também para educação esté ca as
interações entre a arte e as pessoas, assim como os impactos causados por
esse contato, mesmo estando elas cientes de que a arte é um simulacro de
si mesma, pois nem sempre ela se manifesta na sua essência, pois o que
aparece é somente sua aparência.
A educação esté ca exige uma a tude de dialogo que contemple a arte
e das coisas do mundo que perpasse pelo conceito de arte e pelo
reconhecimento das possibilidades desta na educação humana. Por isso,
Leon ev (2000) cita o que Maslow observa a esse respeito,
"a educação esté ca tem de se tornar no modelo, no paradigma
para todas as outras formas de educação, porque actualmente não
faz sen do que o ensino tenha apenas um conteúdo profissional em
faculdades e universidades, muito do qual completamente
ultrapassado por ocasião da licenciatura" (p. 128).

A superficialidade e a ingenuidade perante a arte e suas possibilidades


na educação e ante os sen dos da educação esté ca, sobretudo na
formação de professores em Artes Visuais, ultrapassam os anos da
formação e da atuação profissional. Somos enfá cos ao afirmar isso, pois,
ao realizarmos pesquisas com professores de arte e em cursos de formação
inicial em Artes Visuais, percebemos o distanciamento das questões
teóricas e esté cas. Leon ev aponta a necessidade de uma competência
esté ca, "que implica na capacidade do leitor, espectador, ouvinte para
extrair conteúdos de significado de diferentes níveis de profundidade da
textura esté ca de uma produção ar s ca" (p. 133). Desse modo, as
experiências ou os encontros com a arte podem se tornar mais
significa vos, quanto maior for o nível de desenvolvimento esté co, o qual
se eleva mediante a interação e as experiências significa vas em torno da
arte, quanto maior o contato e as significações, mais possibilidades
surgirão.
Leon ev adverte-nos de que não são todas as experiências com a arte
que promovem o desenvolvimento esté co, pois por intermédio do caráter
recrea vo da quase-arte nos entretemos na aparência da facilidade. A esse
respeito o autor comenta:

"A função recrea va da arte é muito mais procurada do que


qualquer outro po e está disponível para todos. A abordagem da
arte como um instrumento recrea vo não requer, pois, qualquer
educação, porque o mundo dos objectos quase-arte recrea vos
adapta-se perfeitamente ao nível mais baixo (zero) de educação e
competência esté ca" (p. 143).

A quase-arte refere-se aos produtos da cultura industrial de massa, que


se movem em torno das emoções e são esvaziados de significados. A
quase-arte não exige esforço pessoal, o que está dado é o que aparece, por
isso a experiência com ela é uma quase-percepção e uma quase-educação.
Ao contrário, a competência esté ca "exige muito e promete muito ao
mesmo tempo. As recompensas que se recebem de profundos encontros
com a verdadeira arte jamais se podem alcançar de outro modo" (Leon ev,
2000, p. 144). A educação esté ca perfaz um caminho rumo aos obje vos
determinantes para alcançar a riqueza humana, a promessa do significado.
Mas para acessar o significado é necessário dis nguir a quase-arte da arte
e evocar os sen dos. Não nos iludamos com a aparente insipiência da
promessa de riqueza humana. Acessar o significado é um movimento
exigente e performá co, pensado em diversas áreas das ciências humanas,
a exemplo da Filosofia, Semió ca, Psicologia ou Linguís ca. O sen do e o
significado são experiências do devir, que se manifestam em ato de
presença entre o que não está acabado, fechado, limitado.
De que maneira o sen do e o significado podem ser vividos por meio
da arte? Em síntese, podemos dizer que a educação esté ca pode ser
legi mada pelo encontro entre a arte e as dimensões obje vas e subje vas
do conhecimento humano. Ser humano é também ser corpo. O corpo é a
forma mais originária do ser-no-mundo e, mediante as suas necessidades
de materialidade e espiritualidade, o homem foi, ao longo de tempo,
‘mundificando’ e ‘mundificado’, obje vando e subje vando. O corpo é a
interface entre o homem e o mundo, que sente e produz sen dos. Os
sen dos a que nos referimos não se resumem aos sen dos da
sensorialidade, receptores dos acontecimentos externos e essenciais para
a percepção humana. Referimo-nos ao processo de significação que se
realiza em duplo sen do, o de captar e o de interpretar os acontecimentos
do mundo. Nem sempre tudo o que captamos é reconhecível, nem sempre
temos à disposição da sensorialidade os acontecimentos em si, por isso
temos a capacidade de armazenar e simbolizar as significações. Portanto,
estamos falando da imaginação, da capacidade criadora, da simbolização,
da sensibilidade, de compreensões e significações. Esses processos da
subje vidade humana são sen dos esté cos (Pino, 2006).
É aí que a arte se encaixa. Estamos nos dirigindo ao universo da arte
quando falamos de imaginação, capacidade criadora, simbolização e
sensibilidade. Segundo Pino (2006),
"orientar os sen dos para sen r bem [...] é procurar a forma de
aperfeiçoar suas qualidades e atributos naturais para rá-los do
estado bruto – aquele em que talvez a natureza os formou – para
levá-los ao refinamento de um grau de sensibilidade às coisas que a
cultura é capaz de dar" (p. 67).

A transformação é possível, porém exige esforço e paciência. Sair de


um estado bruto de sensibilidade para uma educação esté ca exige
trabalho de muitos agentes culturais, como as iden dades sociais e
microssociais, par cularmente falando dos professores que lecionam arte.
Conforme Pino, não é di cil percebermos e prevermos as consequências
da falta da educação esté ca na vida das pessoas e na vida social, pois a
experiência co diana mostra a veracidade disso.

A educação esté ca e a formação de professores em artes


visuais
Reconhecer diferenciações entre a quase-arte e a arte, e, ao mesmo
tempo, perceber a esté ca enquanto uma possibilidade de reflexão do
co diano e de reelaborações significa vas, são processos que se
constroem compreendidos em uma concepção de totalidade. Portanto, é
notório que existem muitas formas e meios de educação, o que demonstra
que a escola não é o único espaço des nado a essa tarefa. A sociedade
educa. A cultura de massa educa. Em outras palavras, a educação nos dias
atuais corresponde à sociedade em que vivemos, pois se educar é para a
vida, então teremos de pensar, com cuidado, para qual sociedade e qual
indivíduo estamos educando. Entendido esse modo de refle r sobre a
construção das relações microssociais e transociais no âmbito educa vo,
voltamos a nossa atenção ao cenário da formação de professores.
Em primeiro lugar, faz-se necessário compreender que esta também
ocorre como uma expressão da sociedade e é construída por contextos
históricos, filosóficos, culturais e polí cos. A con nuidade dos modos de
pensar e consequentemente de educar do meio social é extensiva à
formação de professores, que – como uma engrenagem – faz girar o
pensamento social do prisma da produção cien fica e cultural da
humanidade. Torna-se, então, impera vo refle r como e de que forma a
formação dos professores é pensada? Por quem? Para quem? Para qual
finalidade? Entre a teoria e a prá ca, o que prevalece? Quais são as
exigências do modo de vida em nosso tempo? Como podemos interpretar
o nosso tempo? A formação de professores promove transformações na
maneira de ver e interpretar o mundo ou atua como mantenedora do
pensamento vigente?
Feldmann (2009) converge para uma formação que, além de atender as
exigências sociais da contemporaneidade, aponta para uma questão
matricial na formação de professores, que é pensar a formação do
humano.

"Nessa perspec va, se vislumbra a construção de mudanças em


qualquer que seja o seu espaço de ação. Mudança entendida como
aprimoramento da condição humana, como liberdade de expressão
e comunicação e expressão, e como desenho de possibilidade de um
mundo melhor, de uma melhor convivência entre as pessoas" (p.
75-76).

A sociedade da informação ou a sociedade do conhecimento tem


exigido novas posturas sociais que se inserem tanto no co diano e nas
relações interpessoais, quanto no ambiente escolar. Citando alguns pontos
que exigem novas posturas e que compõem o cenário contemporâneo,
chamam-nos a atenção o avanço tecnológico, a agilidade comunicacional,
o incen vo ao consumo, o culto ao corpo, as lutas e contradições sociais,
as incertezas e fragmentações na escola e na educação.
De um ponto de vista histórico-social, não nascemos humanos,
tornamo-nos humanos, assim, no contexto da formação docente, não
nascemos professores, formamo-nos professores. Como afirma Feldmann
(2009), "o ato de ensinar e de se formar, embora tenha caracterís cas de
individualidade, é sempre um trabalho cole vo" (p. 79). Nesse cole vo,
incorporam-se as polí cas públicas, os saberes da experiência, a ideologia
proposta nas escolhas teóricas, o currículo, a formação con nuada, a
experiência, as perspec vas e a valorização profissional, o conhecimento
do lócus escolar, ar culados com contexto social, cultural e histórico. É
reconhecível, por conseguinte, que os cursos de licenciaturas merecem
atenção e amplo espaço para discussão.
Como aponta Marx (s/d.),

"Nenhuma formação social desaparece antes que se desenvolvam


todas as forças produ vas que ela contém, e jamais aparecem
relações de produção novas e mais altas antes de amadurecerem
no seio da sociedade an ga as condições materiais para a sua
existência. Por isso, a humanidade se propõe sempre apenas os
obje vos que pode alcançar, pois, bem vistas as coisas, vemos
sempre que esses obje vos só brotam quando já existem ou, pelo
menos, estão em gestação as condições materiais para a sua
realização" (p. 301).

No con ngente da questão da formação de professores da qual


estamos nos ocupando, cabe discu r a esfera das artes visuais. Conforme a
sociedade vai passando por transformações, produzindo novas
necessidades e colocando à prova os modelos seguidos, a arte
contemporânea sobrepõe-se e coloca-se em ques onamento. À medida
que esses movimentos acontecem, é necessário que se estendam à
formação esté ca dos professores de artes visuais, pois, em vez de
ficarmos nos encontros passageiros com a quase-arte, poderíamos nos
preencher da existência humana que se encontra minimizada, suprimida
na sociedade educadora. Seria essa uma das funções da educação esté ca
na formação de professores em artes visuais. Em outras palavras, retomar,
trazer a si aquilo que nos torna humanizados, diferentes e iguais, unos e
múl plo ao mesmo tempo. Aquilo que ultrapassa as dimensões do ter, do
possuir, do adquirir e das palavras des tuídas de significados, vazias por si
só. O exis r humano é pleno de possibilidades, aberto para as alterna vas,
sujeito a erros sem perdas da dignidade humana, reconhecível na
construção cole va, visceral na estruturação e transformação social, bem
como nas relações com a natureza e é resgatado na educação dos sen dos,
do significado e da afe vidade.
Meira (2003) ilustra a educação dos sen dos ao apontar que o contato
com as artes visuais por intermédio da experiência esté ca desconstrói
estereó pos e clichês visuais. A autora comenta que os desdobramentos
afe vos e percep vos são impulsionados mediante a sensorialidade
plás ca e a relação simbólica com a arte. O universo visual é prenhe de
prá cas co dianas, de relações interpessoais, de conexões sen mentais,
de ludicidade, de virtualidade e materialidades, de invenção, de
passividade e de inquietude.

"O co diano mostra imagens como en dades de vida efêmera,


fazendo parte de nossos sonhos, ideias, ideais, lembranças, formas
de relação, reação, ação constru va e desconstrução. Elas se
caracterizam diferentemente, segundo etapas históricas
par culares, mas ocorrem e deixam rastros, luzes, arrepios, quando
intensas. Imagens geram formas de subje vidade polissêmica,
animista e transindividual, encontrando-se em franca concepção na
tenra infância, na loucura, na paixão amorosa e na criação
ar s ca" (Meira, 2003, p. 80).

O acesso a esse emaranhado de significações predispõe a formação em


artes visuais a uma condição de abertura para prestar atenção à esté ca do
co diano, vendo-a novamente por outro olhar. Dessa maneira, dessa
disciplina mostra-se um espaço privilegiado para a compreensão e
transformação da realidade, tanto educacional quanto escolar, com
extensão para a sociedade. A educação esté ca pode ser entendida no
contexto da formação de professores como um elo entre a teoria e a
prá ca, como possibilidade de interpretação da realidade e como
ar culadora entre o pensar e o agir.
Marx viu, em seu tempo, a renúncia dos sen dos pela servidão e
desvitalização do conhecimento, nós podemos observar
contemporaneamente o roubo dos sen dos pelas distrações das quase-
percepções, pelas estratégias construídas para a educação escolar, seja
pela fragmentação, seja pela superficialidade e emoções passageiras. Girar
a engrenagem em outros movimentos perpassa, entre outras coisas, pela
discussão sobre a formação de professores. Compreender a humanidade
nos aspectos históricos, filosóficos, polí cos e culturais parece-nos uma
tarefa insubs tuível e, dessa maneira, seria possível vislumbrar a educação
esté ca como uma oportunidade de interagir este camente na realidade,
encorajando a transformação desta e a edificação de sociedades melhores.

Considerações finais
Discu r a esté ca é um desafio. À luz das bibliografias citadas e
fazendo um recorte para as questões do pensamento de inspiração
marxista e educação esté ca. Tentamos focalizá-la na formação de
professores de Artes Visuais. Compreendemos que a ausência ou, como
diria Leon ev, a quase-aula da discussão esté ca na formação do
professor, sobretudo em artes visuais, compromete o entendimento dos
sen dos e significados que a arte pode possibilitar na formação humana.
Na teoria esté ca marxista, a restauração dos sen dos dos corpos e a
superação das condições materiais impostas pelo capitalismo tonifica a
liberdade dos sen dos. A primazia da formação esté ca promulgada por
Marx busca a emancipação humana em detrimento do roubo dos sen dos
do trabalhador e de si próprio, caracterís cos do desvairado e desenfreado
processo de industrialização passados no século XIX, o qual é extensivo ao
nosso tempo, porém com outras nuances.
A necessidade de repensar a educação e a formação de professores de
vários aspectos ganha espaço tanto em Leon ev, quanto em Feldmann,
que compar lham, em seus textos, toda a complexidade que envolve esse
nível de formação, sobretudo quando percebemos o quão amarrados
estamos numa visão globalizada e capitalista.
A ênfase na formação esté ca dos professores de artes visuais
apresenta-se como um espaço aberto à discussão. Notoriamente, percebe-
se uma confusão entre o termo esté ca usado no senso comum e a
esté ca que referenciamos neste ar go. Por vezes, a esté ca, também
pode passar despercebida nos discursos de formação docente, esvaziando
a arte de algo que lhe parece inerente, os múl plos olhares, interpretações
e significações. Por ora, cumpre-nos salientar que a educação esté ca tem
ganhado espaço para discussão, prova disso foram as leituras e debates
realizados na disciplina em questão e que mo varam a redação deste
ar go.
A educação esté ca oportuniza um salutar estranhamento, um
deslocamento das emoções, uma ousadia no pensar e momentos propícios
para se conhecer e reconhecer o outro em ato. Ousamos dizer ainda e
acreditamos que a educação esté ca voltada à formação de professores
em outras áreas contribuiria, de certo modo, para dar sen do ao que
compreendemos ser o essencial da educação, seja interagindo ou
transformando as estruturas de pensamentos, seja nos tornando mais
sensíveis e próximos da alteridade. A densidade desses dizeres soa como
um devaneio, mas, diante do mundo em que vivemos, vale a pena tentar.

Referências
CARCHIA, G. et al. Dicionário de esté ca. Lisboa, PO: Edições 70, LDA, 2009.

EAGLETON, T. A ideologia da esté ca. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1993.

FELDMANN, M. G. Formação de professores e escola na


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LEONTIEV, D. Funções da arte e educação esté ca. In: FRÓIS, J. P. (Coord.).


Educação esté ca e ar s ca: abordagens transdisciplinares. Lisboa, PO:
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MARX, K. 1818-1883. Contribuição à cri ca da economia polí ca/Karl


Marx: tradução e introdução de Florestan Fernandes. 2. ed. São Paulo:
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______.; ENGELS, F. Cultura, arte e literatura: textos escolhidos. Trad. José


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______.; ENGELS, F. Obras escolhidas. Vol. 1. São Paulo: Alfa Omega, s/d.
MEIRA, M. Filosofia da criação: reflexões sobre o sen do do sensível. Porto
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ORSO, P. J. O desafio da formação do educador na perspec va do


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PINO, A. A produção imaginária e a formação do sen do esté co. Reflexões


úteis para uma educação humana. Pro-Posições, v. 17, n. 2, maio/ago.
2006.

TOMAZI, N. D. Iniciação à sociologia. São Paulo: Atual, 1993.


PARTE II
FORMAÇÃO DOCENTE
CAPÍTULO 6
FORMAÇÃO DE PROFESSORES:
UM RECORTE SOBRE O ADVENTO DAS
TECNOLOGIAS E A CONSTRUÇÃO DO SENTIDO
ESTÉTICO
Stéfani Rafaela Pintos da Rocha

Introdução
A formação de professores tem sido alvo de discussões por alguns
pesquisadores, Barreto (2009), Garcia (2009), Ga (2011), Giroux (1997),
Mazzeu (2011) e Pereira (2011), em decorrência das mudanças no contexto
escolar que implicam repensar sobre a formação inicial do educador. Esse
processo de rever a prá ca docente pode ser melhor compreendido por
meio de uma contextualização histórica sobre a práxis e a experiência
disseminadas por uma visão sociopolí ca. No que concerne ao conceito de
práxis, este perpassa os estudos de Dewey e Gramsci, embora apresente
uma divergência conceitual entre os autores, conforme Semeraro (2012). O
primeiro a percebe pela via da experiência do sujeito como solução dos
problemas e como construção do aprendizado com a prá ca, ao passo que
o segundo defende a ideia de que os indivíduos subalternos sejam
conscientes de sua condição social e capazes de enfrentar as contradições
advindas de sua época, com o propósito de edificarem uma nova
sociedade.

"A primeira [concepção] está voltada a operar mudanças quando


surgem disfunções no ambiente, a segunda é orientada
prevalentemente a colocar em evidência as contradições e superar
as crises visando a criação de uma outra sociedade" (Semeraro,
2012, p. 144).
Conforme o pensamento de Gramsci, os subalternos optariam por fazer
emergir o nega vo na sociedade, com a intenção de promover uma luta de
hegemonias e construir um pensamento reflexivo. No discurso de Dewey, a
inteligência prá ca favoreceria a manutenção do sistema capitalista e
amenizaria os conflitos.
Com relação a essa posição de ins gar uma reflexão sobre o sistema
capitalista, Lima (2008) acredita que "O muito pouco de polí cas sociais
começou a ser comba do na década de 1990. O problema do Estado
brasileiro foi iden ficado na sua forma de gerenciamento das polí cas
públicas" (p. 135). Como consequência disso, o poder permanece
circunscrito a uma minoria que o mantém centralizado. Assim, o Estado
passa a agir como mediador de conflitos por intermédio da criação de
programas equalizadores das massas populares e, ao mesmo tempo,
favorece a classe dominante, a qual potencializa a acumulação do capital
por meio da exploração dos serviços prestados pelos trabalhadores.
Ao referir-se à educação, o mesmo autor salienta que a formação dos
educadores não os têm preparado para colaborar de maneira crí ca no
processo educacional de seus alunos, a fim de reverter o modelo
capitalista. As prá cas educa vas formais precisam fornecer os saberes
necessários aos sujeitos desfavorecidos para que possam usufruir
democra camente e cri camente das tomadas de decisões, que estão
disponíveis à uma minoria da população. Diante disso, urge ressignificar os
conteúdos escolares, com a finalidade de a ngir um número maior de
indivíduos em suas necessidades educacionais e de possibilitar uma
par cipação a va em favor da universalização das polí cas sociais.
A importância atribuída à formação de professores iniciou-se somente
a par r da década de 1990 com as reformas educacionais em contrapar da
à flexibilidade e polivalência assumida por professores da rede básica de
ensino no Brasil. Com base nessas reformas, houve uma demanda por
análises das propostas sobre a educação no país, contudo essa defasagem
existente no sistema de ensino permanece ainda, por atender às exigências
do sistema capitalista.
Umas das alterna vas apresentadas para um maior acesso à
escolarização na Conferência Mundial de Educação para Todos ocorrida na
Tailândia, de acordo com Mazzeu (2011, p. 150-151), baseia-se na
Declaração de 1993 sobre a promoção das necessidades básicas de
aprendizagem como: leitura, escrita, cálculo e a solução de problemas.
Entretanto Leher (2009) pontua um aspecto relevante sobre a
porcentagem da população que a nge uma parcela da educação básica:

"Não é possível deixar de mencionar que somente 49% dos jovens


de 15 a 17 anos alcançam o ensino médio (2007) entre estes,
contudo, poucos terão acesso a todas as disciplinas com professores
devidamente habilitados. Trata-se de uma crônica anunciada de
como o sistema de ensino reproduz a discriminação de classe" (p.
97).

Tendo sido constatados grupos ‘segregados’ da escola, foram criadas


polí cas públicas para a inclusão dessas classes desfavorecidas no contexto
escolar, como também "polí cas governamentais em que a escola por meio
da Prova Brasil, conforme os resultados dos alunos, começa a receber um
material como ‘recompensa’, visando à construção de perfis educacionais
voltados para o mercado de trabalho" (Leher, 2009, p. 99).
Um das metas do documento elaborado pelo Banco Mundial em 1995
"é formar indivíduos funcionais, adaptáveis às demandas do mundo
trabalho e da economia" (Mazzeu, 2011, p. 151). Porém, a ‘inclusão’
desses sujeitos no mercado de trabalho contribui para uma exclusão, pois
os trabalhadores são expropriados de seus meios de produção (Leher,
2009, p. 101). Nesse aspecto, a educação converge também para uma
exclusão social, em vista das desigualdades educacionais entre países
periféricos e centrais, as quais resultam no progresso mercan lista que
tem como obje vo a formação de sujeitos para o mercado de trabalho.
Com base no que foi exposto, propõe-se um aprofundamento na
realidade dos professores de Artes Visuais da rede de ensino pública e
privada de Florianópolis e de cidades limítrofes da capital, bem como uma
reflexão sobre ela, a fim de iden ficar de que forma esses educadores
atuam em sala de aula perante as mudanças ocorridas no sistema
capitalista e a inserção das novas tecnologias nas escolas.
No tópico a seguir, será abordada a formação de professores com
destaque para informações sobre a realidade dos cursos de ensino
superior de acordo com alguns autores em interface com os dados das
entrevistas realizadas com professores de Artes Visuais. Por úl mo, com
fundamento nessa inves gação com os docentes, pretende-se perceber de
que forma a inserção das TIC na sala de aula contribuem para a construção
do sen do esté co.

Formação de professores e as TIC na prá ca pedagógica


A formação inicial e con nuada dos professores ins ga-nos a pensar
sobre a qualificação do conhecimento que eles já possuem e no
aprimoramento de suas prá cas em sala de aula, tendo em vista uma
melhora na sua atuação, bem como na educação em geral. Mas a
concre zação disso dependerá da disponibilidade de tempo do docente
para aprender sempre e de se atualizar em cursos de formação para
professores de caráter profissional. No que diz respeito à profissionalização
dos docentes, a reflexão sobre a prá ca torna-se imprescindível para o
desenvolvimento de novas propostas, assim como a promoção de
aprendizagens específicas para solucionar os problemas em sala de aula.

"[...] a formação inicial é importante, mas como meio para a


elevação do nível e da transformação de competências,
especialmente de professores em exercício, não seria suficiente e
apresentaria limites. Desse modo, atribui à formação inicial dos
professores a responsabilidade de formar o caráter de pron dão ou
a disponibilidade para aprender sempre, apresentando o 'aprender
a aprender' como uma caracterís ca do 'ser profissional'" (Mazzeu,
2011, p. 159).

Os cursos de formação de professores em nível superior para a rede de


educação básica, conforme aponta Ga (2011), são realizados

"de modo fragmentado entre as áreas disciplinares e os níveis de


ensino; além disso, o Brasil não conta, nas ins tuições de ensino
superior, com uma faculdade ou ins tuto próprio, formador desses
profissionais, como se observa em outros países" (p. 72).
Com esse pressuposto, podemos relacionar a formação inicial dos
acadêmicos de Artes Visuais com base nos dados apresentados por Ga
(2011) em sua pesquisa com quatro licenciaturas [1]. Equiparando as
análises realizadas pela autora com o curso de Licenciatura em Artes
Visuais, surge a dúvida se a melhor qualificação seria aquela que pensa a
formação pedagógica ar culada com a ar s ca, entendendo que essa
concepção pode fornecer um maior aprofundamento de saberes
necessários para serem colocados em prá ca na sala de aula. Outro
aspecto relevante destacado por essa autora é o baixo índice de conclusão
nos cursos de licenciaturas, em torno de 24%, de acordo com os dados do
Inep/MEC (2000-2006).
Essa tendência para a redução de formandos em cursos de formação
de professores provém de outros mo vos destacados por Ga (2011)
como: "mudança na curva demográfica; diminuição da atra vidade de
carreira; dinâmica curricular pouco mo vadora, entre outros" (p. 73). Para
Giroux (1997, p. 125), cabe ao educador promover na escola experiências
que possibilitem que seus alunos construam um posicionamento crí co e
reflexivo, como intelectuais transformadores da sociedade. Refle ndo a
respeito desses discursos sobre a formação docente, bem como a respeito
das relações entre arte e tecnologia, sen u-se a necessidade de elaborar
entrevistas com o intento de revelar a situação atual de professores de
Artes em escolas da rede pública e privada de Florianópolis – SC e cidades
próximas da capital.
Foram realizadas vinte entrevistas estruturadas em três eixos
temá cos, o primeiro deles trata da inserção das tecnologias na escola com
seis questões, o segundo aborda a formação de professores, com quatro e
o úl mo é Artes com seis ques onamentos, totalizando 16 perguntas. Essa
inves gação decorreu de uma disciplina in tulada Arte, Tecnologias e
Formação Docente [2], que se estruturava em discussões sobre os cursos
de formação de professores, nas quais se constatou, pelas leituras durante
os encontros em sala de aula, que há poucas pesquisas atreladas ao curso
de licenciatura em Artes Visuais no que concerne à sua matriz curricular
aos professores graduados no curso e à inserção de tecnologias no
ambiente escolar.
A análise dos resultados das entrevistas têm por obje vo pensar sobre
as questões referentes a esses três eixos, que abordam as TIC, sua inserção
nas escolas e o modo pelo qual são u lizadas pelos educadores. Além
disso, será analisada a (in)existência de recursos tecnológicos específicos
ou adaptados para crianças com deficiência, e como as tecnologias
auxiliam na aula de Artes.
A tabela a seguir, apresenta uma síntese do eixo sobre a inserção das
TIC na escola. Percebe-se que a maioria das escolas de Florianópolis possui
equipamentos tecnológicos e os mais u lizados pelos professores são os
computadores da sala de informá ca. Em alguns casos, os docentes
relataram que usavam seus laptops em sala de aula para prosseguir com as
a vidades relacionadas à veiculação de imagens, pois os computadores da
escola não funcionavam adequadamente. Muitos afirmaram, de forma
posi va, que a inserção das tecnologias na disciplina de Artes melhorou no
que se refere ao acesso à informação, às imagens das obras em maior
quan dade e maiores possibilidades de visualização, museus virtuais,
filmes, músicas, fotografias e até conteúdos. Somado a esse avanço,
afirmaram que, por se tratar de um curso que aborda a visualidade, seria
inviável a não u lização da internet, do computador, laptop e/ou data
show.

Inserção das tecnologias na escola Resultados

Escola foi contemplada com as novas TIC’s 19


Escola não possui equipamentos tecnológicos 1
Professor/a que u liza equipamentos tecnológicos em sala de aula 18
Não u liza equipamentos tecnológicos em sala de aula 2
A u lização das TIC’s em sala de aula mudou a prá ca de ensino 16
Atuou como professor/a de alunos com deficiência 15
Há programas na escola específicos ou adaptados para alunos com
3
deficiência
Escola que possui o segundo professor/monitor em sala de aula 3

Em uma das questões, os educadores foram indagados se já atuaram


em sala de aula com alunos deficientes, e a maioria respondeu que sim,
mencionando que a escola não possui recursos adaptados para esses
alunos. Alguns deles comentaram que há o segundo professor na sala de
aula, o que facilita a elaboração das a vidades de maneira específica para
cada aluno deficiente de acordo com os professores entrevistados.
Por outro lado, quando há os recursos tecnológicos específicos para
crianças deficientes em algumas escolas, estes possibilitam uma maior
manipulação e autonomia do aluno em relação à a vidade proposta.
Segundo a professora Clara Peres [3], que atua em escola pública, “Os
recursos tecnológicos tem sido bem interessantes com eles. Nos casos com
problemas motores, facilita a manipulação com o toque na tela, a
visualização das imagens e principalmente a curiosidade e a atenção”
(Entrevista 10, Florianópolis, 2013).
Outro dado importante que merece destaque se refere à inserção de
equipamentos nas escolas: 19 delas foram contempladas com as TIC. Além
disso, a maioria dos professores respondeu que u liza tecnologia na sala
de informá ca, o data show e, em alguns casos, o uso de tablets na sala de
aula.
Na tabela a seguir, selecionaram-se informações acerca da formação de
professores, destacando-se os principais dados sobre os cursos de
formação à distância.

Formação de Professores Resultados

Escola pública 18
Escola par cular 2
Graduação em Artes Visuais 16
Graduação em outra área 2
Graduação em andamento 2
Especialização/mestrado/doutorado 13
Especialização em andamento 1
Sem pós-graduação 6
De acordo com alguns pontos de vista dos educadores em relação aos
cursos na modalidade a distância, há mais posicionamentos posi vos que
nega vos, como, por exemplo, quando se referem à o mização do tempo,
escolha de horário de estudo e maior acesso de pessoas ao ensino
superior. Para tanto, como argumentou a professora Paula Antunes [4]
“[...] acredito que o ensino na modalidade a distância é uma tendência que
deve ser considerada e ampliada, visto que é uma maneira de o mizar o
tempo, sendo que, para mim, só funciona quando o aluno sente um real
envolvimento, se desenvolve e tem prazer naquilo que está fazendo”
(Entrevista 2, Florianópolis, 2013).
Há um dualismo em relação à implementação das TIC nas escolas, pois,
ao mesmo tempo em que servem como ampliação do acesso a
ferramentas virtuais de aprendizagem na sala de aula, também
possibilitam uma ‘comodificação’, segundo Barreto (2009, p. 108), na qual
a educação se desloca para um setor mercadológico. Em virtude disso, as
tecnologias configuram-se como ferramentas ambíguas que podem dirigir-
se a outras finalidades e contextos como o das relações sociais e não mais
a uma situação de ensino-aprendizagem para a qual inicialmente foram
pensadas.
A modalidade de ensino a distância, por sua natureza flexível, aparenta
uma menor preocupação com o ensino pela possibilidade de propagação e
atribui maior importância ao acesso à informação. Em decorrência disso,
Barreto (2009) menciona que as TIC são importantes para os processos
pedagógicos, mas deve-se considerar que:

"as TIC não podem ser recontextualizadas apenas para simplificar


ou subs tuir as prá cas sociais, especialmente nos países ao sul da
dita 'sociedade global da informação' e, mais especialmente ainda,
no contexto brasileiro, marcado por profundas desigualdades.
Diante da modernização conservadora, representada pela digitação
do que era feito com lápis e papel, e da ilusão de que o acesso à
informação está enfim democra zado, as TIC são uma adição que
pode redimensionar as prá cas pedagógicas, desde que os desafios
nelas implicados sejam reconhecidos e enfrentados" (p. 115).
É imprescindível que as TIC sejam u lizadas nas prá cas pedagógicas
com o intento de promover diferenças significa vas no trabalho docente,
para que os alunos possuam acesso à informação e, por sua vez, ao
conhecimento com qualidade, mas não esquecendo que estas não são os
únicos meios de aprendizagem.
Em outros contextos escolares, os professores que par ciparam da
pesquisa responderam de forma posi va sobre a inserção das TIC. No
entanto, alguns deles mencionaram uma preocupação com relação ao
momento ideal de empregá-las, alegando que há necessidade de cursos de
capacitação para aproveitar de forma significa va essas ferramentas
tecnológicas em sala de aula. O fato de as tecnologias hoje permearem o
co diano da maioria dos alunos facilita a u lização desses recursos
durante as a vidades, embora, em alguns casos, os educadores reclamem
da qualidade dos equipamentos – por não funcionarem adequadamente –
e também pontuaram problemas com relação à internet. De acordo com
essa realidade, Garcia (2009) defende:

"Não basta colocar computadores nas escolas que acabam sendo


subu lizados e sucateados, por falta de suporte técnico, de
atualização de programas, de não conexão à internet em banda
larga, de não formação de professores para o seu uso. Também não
basta ter lan houses espalhadas pelas cidades: é preciso que alunos,
tutores/preceptores e professores tenham acesso adequado e que
os programas de EAD sejam estruturados pressupondo o uso
pedagógico das TIC, direcionados por professores" (p. 146-147).

Em linhas gerais, a u lização de equipamentos tecnológicos na escola


possibilita uma maior aproximação com a realidade dos alunos e promove
neles um melhor engajamento com a a vidade, de acordo com os
comentários dos professores entrevistados. Além disso, trata-se de um
período de mudanças no sistema educa vo que a nge todos os que estão
inseridos nele, conjuntura que reverbera, em algumas situações, conforme
algumas respostas dos educadores, na redução da cria vidade dos alunos
quando usufruem com muita frequência desses recursos.
Ao pensar em uma educação que atenda às necessidades e desenvolva
competências nos futuros educadores em formação, não fica claro de que
maneira se deve usufruir o que é proposto pelas diretrizes curriculares na
modalidade não presencial.
Por outro lado, a expansão dos cursos superiores na modalidade a
distância em instância pública e privada, concentrando-se nesta úl ma,
têm se sustentado visando a adaptação às regras do mercado. Segundo
Garcia (2009), "Infere-se que muito do que é oferecido aos ‘novos incluídos’
no ensino superior é apenas um simulacro do que anteriormente cons tuía
um po ideal de universidade, voltada para a unidade
ensino/pesquisa/extensão" (p. 141). As polí cas voltadas para a EaD estão
impulsionadas pelo mercado, que possibilita a ampliação de acesso à
educação em nível superior das camadas populares, a qual não garante,
porém, o trinômio apontado anteriormente por Garcia (2009). Apenas é
contemplado o ensino para o trabalho, o que acarreta em muitos casos
uma abordagem equivocada dos conteúdos.
Nas questões das entrevistas rela vas ao eixo ‘formação de
professores’, destacaram-se os seguintes ques onamentos aos docentes:
“O que pensa a respeito da Educação a Distância? Já par cipou de algum
treinamento u lizando ferramentas de EAD?” Dentre os resultados, foram
selecionados aqueles que apresentaram realidades opostas, sempre de
acordo com as experiências dos professores nos cursos realizados nessa
modalidade. A vivência da primeira educadora, Paola Garcia [5], em um
curso realizado via plataforma virtual apresenta um aspecto verificado em
alguns outros casos: a necessidade de a vidades atra vas.

“Não sou muito fã da EAD, tenho um pouco de resistência, ou um


pouco deses mulante estudar sozinho, via uma plataforma. Mas é
mais um acesso para algumas situações. Já fiz um curso ano
passado em EAD e presencial na UFSC e a parte em EAD não cur
muito” (Paola Garcia, entrevista 11, Florianópolis, 2013).

No caso da professora Aline Silva [6], a sua experiência com a EaD


revelou uma prá ca posi va. Ela alegou que o curso realizado na
modalidade não presencial pode apresentar resultados sa sfatórios, mas
ressalta que o aluno necessita cumprir as propostas e nutrir um interesse e
dedicação em relação as a vidades oportunizadas na plataforma virtual de
aprendizagem.

“Já par cipei, já muito interessante a forma de diálogo através de


fóruns, as a vidades publicadas em plataformas onde todos
podiam ter acesso e ler, os recursos, os vídeos, e as conferências,
tudo muito bem-organizado. O acesso a esse meio de ferramenta
funciona muito bem” (Aline Silva, entrevista 20, Florianópolis,
2013).

Existem diversas dificuldades que assolam a modalidade não


presencial, dentre as já mencionadas, cabe evidenciar também que, nos
cursos de nível superior oferecidos por intermédio da EaD, em muitos
casos, não há suporte das mídias eletrônicas para o material
complementar, ou seja, são disponibilizadas versões impressas. Além disso,
pontuam-se outros problemas não solucionados, conforme Garcia (2009,
p. 146), no que diz respeito ao acesso ainda ser restrito a poucas pessoas,
bem como ao fato de que os programas de inclusão digital não preconizam
a formação de alunos e professores. Além disso, a implementação das TIC,
muitas vezes, não são orientadas. Sobretudo, a professora Júlia Fontes [7]
comenta sua frustração com relação à sua formação em EaD:

“Fiz a minha graduação nesta modalidade; considero uma


‘enganação’ porque a ins tuição de ensino superior não se
compromete com o aprendizado: se o aluno quer, aprende; se o
aluno não quer, vai para o mercado de trabalho assim mesmo”
(Amanda F. [8], entrevista 19, 2013).

O acesso aos cursos de graduação por meio da EaD são vistos como
oportunidades para aqueles que estão em locais de di cil acesso. Mas para
que ocorra a formação em nível superior, há necessidade de uma
infraestrutura adequada, com materiais e profissionais habilitados para
uma educação sa sfatória e não para distribuir cer ficados e formar
sujeitos sem as devidas competências.
Há que se considerar também que muitos professores que atuam na
EaD se dedicam a essa a vidade à carga horária presencial obrigatória sem
receber o salário de acordo com as horas extras trabalhadas via plataforma
virtual. Garcia (2009) confirma essa situação desfavorecedora:

"As condições salariais e a intensificação do trabalho no ensino


superior afetam a qualidade de vida dos profissionais da educação
e seu aprimoramento intelectual, tal como vem ocorrendo há
décadas com os professores da educação básica" (Garcia, 2009, p.
157).

Nesse contexto da formação em nível superior na modalidade EaD,


reside uma preocupação apontada pelos professores em pesquisa
realizada por Garcia (2009) em algumas IES [9]: expansão da educação nos
setores público e privado, sobretudo neste úl mo. Constatou-se que além
dos pontos posi vos e nega vos já mencionados, o que assola a realidade
dos educadores é a possível diminuição de empregos e a dúvida quanto à
permanência em seus trabalhos, em vista de preferência atribuída aos
profissionais que possuem maior habilitação, como mestres e doutores.
Por fim, sabe-se também do sucesso de algumas ins tuições de ensino
superior na modalidade não presencial, que possuem boa infraestrutura e
cuidado com a educação. Mas para que ocorra uma expansão com
qualidade, há necessidade de elevados inves mentos e profissionais
qualificados para atuarem na EaD. O que tem ocorrido, portanto, é um
maior acesso a cursos de graduação mesmo com baixa qualidade,
salientando-se o fato de que os menos requisitados atualmente são os
cursos de licenciatura, em vista dos vários fatores nega vos da profissão
docente já discu dos, que revelaram uma desvalorização do trabalho do
professor.

Construção do sen do esté co


A abordagem teórica que se realizará neste tópico é estritamente sobre
a disciplina de Artes e evidencia a opinião de autores que realizaram
pesquisas sobre a formação do sen do esté co estabelecendo relações
com as entrevistas realizadas com professores de Artes da cidade de
Florianópolis e demais cidades próximas da capital sobre a forma como
veiculam imagens – obras de arte, fotografias – em sala de aula e como as
tecnologias influenciam nesse processo de formação do sen do esté co.
Para Cabral (2012), há diversos bloqueios constantes na vida humana
que dificultam a formação dos sen dos, "pois estes não se desenvolvem
espontaneamente; dependem de um processo permanente de educação, de
educação dos sen dos" (p. 385). Diante disso, da perspec va de Marx, a
formação ar s ca é necessária para que se desperte no indivíduo tal
sensibilidade, seja ela na música, dança, teatro ou artes visuais.
No que se refere ao acesso a arte e ao que foi discu do anteriormente
sobre a formação em curso superior na modalidade a distância, ambos se
assemelham em razão de não a ngirem sa sfatoriamente e igualmente
uma parcela da sociedade. O que se percebe é que a arte ainda está
distante das camadas populares da sociedade, restringindo-se à um
público menor e que possui uma ‘alfabe zação esté ca’.
A arte ainda a nge uma minoria por estar situada em espaços que
‘delimitam’ o público que frequenta o local, principalmente no que tange à
questão de acessibilidade arquitetônica desses espaços. A arte
ins tucionalizada pode ser, por outro lado, uma experiência eli sta com
um sen do esté co meramente decora vo, pois é adquirida muitas vezes
como objeto de decoração ou mesmo coleção, sem que se saiba o
significado da obra. Nesse caso, há que se pensar que a pouca proximidade
aparente da arte com a cultura popular permanece, por atender aos
interesses do mercado.

"Esses objetos de 'cultura', que comumente experimentamos e


consumimos, nada mais são do que produtos elaborados de acordo
com as regras e interesses do mercado, e não como pretende Marx,
formas e objetos mediadores na formação dos sen dos" (Cabral,
2012, p. 387).

A escola, no que concerne a esse aspecto, é o local em que se pode


discu r sobre a indústria cultural vigente em nossa sociedade e formar
sujeitos crí cos ante a influência constante do mercado para que se
consumam mercadorias que, por sua vez, negligenciam em alguns casos a
possibilidade de lapidar os sen dos e formar indivíduos cria vos e
pensantes. Considerando tais reflexões, é possível relacioná-las ao que os
professores de Artes de algumas escolas de Florianópolis responderam ao
seguinte ques onamento: “Como você veicula imagens nas suas aulas de
artes?”
A maioria respondeu que u liza o data show ou ‘Arthur’ [10] para
visualizar as imagens em sala de aula, e que recorre, em muitos casos, ao
laboratório de informá ca ou até mesmo a impressões em A4 e A3,
revistas, encartes e livros. Percebe-se que a tecnologia é algo indispensável
nas aulas de artes, por permi r uma maior visualização de obras, pela
facilidade de exibir vídeos, filmes ou fotografias. Alguns professores
alegaram que não conseguem desvincular-se desses recursos. Outra
questão respondida por eles associada à anterior foi: “Como as tecnologias
disponíveis auxiliam no ensino de arte nas escolas?”. Uma professora
comentou que contribuem:

“[...] na variedade de imagens, facilidade para visualizar obras,


tornar mais atra vo e dinâmico o processo de ensino-
aprendizagem, um recurso que atrai pela sua diversidade” (Luiza
Prado [11], entrevista 4, Florianópolis, 2013).

Nas questões per nentes à formação do sen do esté co, a perspec va


pontuada por Pino (2006) refere-se à transformação da sensorialidade
biológica do ser humano. Desse modo, o que perfaz a cons tuição sensível
e criadora do homem é a sua capacidade de criar mentalmente um objeto
antes de presen ficá-lo no campo do real. Conforme Pino (2006), Marx
menciona que essa transposição da esfera imaginária para o concreto é um
ato de criação.

"Ao tratar do que está sendo entendido aqui por 'sen do esté co',
pressuponho que se trata de um 'sen do' que tem que ser
cons tuído no indivíduo humano porque, embora esteja
prenunciado na biogené ca humana, ele não acontece nem pela
ação de qualquer mecanismo inato, nem por obra da
hereditariedade. Ele, como tudo que é especificamente humano,
tem que ser objeto de formação, daí a sua relação com a educação"
(Pino, 2006, p. 60).

Da perspec va histórico-cultural defendida por Vigotski (apud Pino,


2006, p. 65), o sen do esté co é o processo de conversão da ordem
orgânica para a ordem cultural. Infere-se, portanto, que a escola
desempenha uma função importante nesse processo e que a proposta de
educação esté ca atualmente assume o papel de proporcionar às massas,
o acesso à arte. Segundo os professores de Artes Visuais que percebem a
escola como espaço para que se consolide essa ‘alfabe zação esté ca’, isso
pode ser alcançado mediante o uso de tecnologias que possibilitem
alterna vas para manipulação e criação de imagens.
Desse modo, as TIC por meio de ferramentas e aplica vos adequados
atribuem um caráter dinâmico e atra vo em sala de aula, apresentando-se
também como um caminho de aproximação da Arte na teoria e na prá ca
cria va.

Considerações finais
Ao se percorrerem as vertentes teóricas sobre a formação de
professores, tecnologias e construção do sen do esté co, observou-se que
um dos problemas na educação é a falta de inves mentos em recursos de
qualidade, o que compromete, em muitos casos, o trabalho do professor.
Sobretudo de acordo com as polí cas públicas, ele deve desenvolver
habilidades e competências para ensinar e adquirir o conhecimento
necessário durante sua formação inicial. No entanto, conforme Mazzeu
(2011) e a fala de alguns professores entrevistados, a formação inicial em
curso de licenciatura não tem preparado adequadamente esses
educadores para atuarem de maneira crí ca em suas prá cas pedagógicas,
com a finalidade de subverter o modelo capitalista. Do mesmo modo,
muitos cursos de nível superior são realizados de modo fragmentado,
distanciando-se da formação para ‘aprender a aprender’, que deve ser uma
caracterís ca fundamental de um educador que reflete sobre sua prá ca a
fim de aprimorá-la.
Observa-se que a realidade da educação – ou seja, a expansão do
ensino superior a distância – atende ao sistema capitalista, como se pode
notar na situação de muitos professores que assumem jornadas duplas, ou
às vezes triplas, de trabalho em decorrência dos péssimos salários, o que
resulta na impossibilidade de par cipação em eventos ou pesquisas de seu
interesse.
No que se refere aos cursos na modalidade à distância, do ponto de
vista dos educadores entrevistados, a maioria apresenta posicionamento
favorável no que diz respeito à o mização do tempo, escolha de horário de
estudo e maior acesso de pessoas ao ensino superior nessa modalidade.
Quando indagados a respeito das TIC e sua implementação na escola,
ocorre um dualismo, visto que, ao passo que estas permitem uma maior
ampliação do acesso a ferramentas virtuais de aprendizagem em sala de
aula, por outro lado, permitem uma ‘acomodação’ do professor que não
consegue u lizar essas ferramentas para driblar essa defasagem em sua
formação. Demonstraram preocupação em relação ao momento adequado
para u lizá-las em sala de aula, afirmando a necessidade de cursos de
capacitação para se obter um melhor aproveitamento desses recursos na
escola. Também as tecnologias se mostram como ferramentas ambíguas,
ora por apresentarem uma finalidade para seu uso nas relações sociais, ora
por não contemplarem mais uma situação de ensino-aprendizagem como
foram pensadas inicialmente.
O uso das tecnologias em sala de aula, conforme os professores
entrevistados, amplia o acesso às informações, bem como possibilita uma
maior aproximação com a realidade promovendo um envolvimento melhor
dos alunos com a a vidade proposta, em virtude da diversidade de
ferramentas e aplica vos presentes nesses recursos. Por outro lado, esse
acesso às TIC ainda é restrito a poucas pessoas, assim como não são
fornecidas orientações adequadas para os professores e alunos que delas
usufruem.
A maioria das escolas dos professores entrevistados apresenta
equipamentos tecnológicos e os mais usados por eles são os
computadores na sala de informá ca e os tablets. Em muitos casos,
relataram que u lizam seus laptops para dar con nuidade à veiculação de
imagens em sala de aula, devido à péssima qualidade dos equipamentos,
que não funcionam adequadamente na escola, como também pontuaram
problemas de acesso à internet. Com relação à disciplina de Artes, a
inserção das tecnologias melhorou o acesso à informação, às imagens das
obras em maior dimensão e quan dade, à visualização de museus virtuais,
filmes, músicas, fotografias e conteúdos.
Quanto aos estudantes com deficiência, alguns educadores
comentaram que não há recursos específicos para esses casos. Outros
afirmaram que empregam ferramentas e aplica vos e percebem que essas
ferramentas possibilitam uma maior manipulação e autonomia desses
alunos em relação às a vidades propostas.
As tecnologias em sala de aula ampliam o acesso à informação e
tornam as aulas mais atra vas conforme o posicionamento dos professores
entrevistados. Mesmo com problemas referentes à qualidade desses
equipamentos, bem como à ausência de manutenção apontada por alguns,
os professores de Artes Visuais confirmaram que não conseguem
desvincular-se desses recursos, em vista da facilidade com que podem
elaborar uma aula e explorar outros meios de criação.
Por fim, a construção do sen ndo esté co é importante, pois obje va
preparar o sujeito para pensar de forma crí ca sobre o contexto no qual
está inserido. A ramificação dessa educação esté ca está diretamente
vinculada à formação dos professores, já que estes assumem a
responsabilidade de promover, por meio da Arte, a formação de seres
pensantes e capazes de transformar a sociedade em que vivem. A escola,
no entanto, é o espaço adequado para fornecer o acesso das camadas
populares à arte, assim como para discu r e refle r sobre a indústria
cultural imposta em nossa sociedade, a fim de preparar sujeitos crí cos
diante dessa conjuntura mercan lista, que visa formar os indivíduos para
atuar no mercado de trabalho. De acordo com os professores de Artes
Visuais entrevistados, é na escola que se consolida a ‘alfabe zação
esté ca’ e esta pode ser alcançada por meio do uso das tecnologias que
oferecem ferramentas e aplica vos adequados para permi r a
manipulação e criação de imagens pelos alunos. Tais instrumentos, por sua
vez, dispõem de um caráter dinâmico e atra vo, e também permitem uma
aproximação da Arte com a teoria e a prá ca cria va.

Notas
[1] Pedagogia, Língua Portuguesa, Matemá ca e Ciências Biológicas.
[2] Foram realizadas discussões de textos referentes à temá ca da
disciplina, bem como a apresentação de seminários sobre autores que
inves gam a formação docente. A avaliação consis a na construção de um
ar go sobre os textos estudados e também sobre as entrevistas realizadas
com professores da rede pública e privada de Florianópolis e de cidades
próximas, discu das no úl mo dia de a vidade.
[3] Nome fic cio.

[4] Nome fic cio.


[5] Nome fic cio.
[6] Nome fic cio.

[7] Nome fic cio.


[8] Nome fic cio.
[9] De acordo com Garcia (2009), a ampliação de cursos superiores iniciou
“no governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) e tem
con nuidade no governo Luiz Inácio Lula da Silva (2003-atual)” (p. 141).
[10] ‘Arthur’ é um aparelho que funciona como projetor e computador ao
mesmo tempo. Foi criado por duas Universidades Federais UFSC (Santa
Catarina) E UFPE (Pernambuco). Disponível em:
<h p://www.tecmundo.com.br/tendencias/3864-arthur-uniao-de-
computador-e-projetor-para-escolas-publicas-com-fabricacao-nacional-e-
design-ecologico.htm>. Acesso em: 9 maio 2014.
[11] Nome fic cio.

Referências

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MENDONÇA, S. G. de L.; SILVA, V. P.; MILLER, S. Marx, Gramsci e
Vigotski: aproximações. 2. ed. Araraquara, SP: Junqueira & Marin,
2012.
CAPÍTULO 7
REFLEXÕES SOBRE FORMAÇÃO DOCENTE, ARTE E
TECNOLOGIA:
PREÂMBULO PARA UMA PROPOSTA PEDAGÓGICA
BASEADA NAS ARTES VISUAIS
Fábio Wosniak

Por onde começar a pensar a formação docente?

"Não é a consciência dos homens que determina sua existência, é, ao


contrário, sua existência social que determina sua consciência" (Karl
Marx).

Para começar as primeiras linhas deste ar go, é importante lembrar


algumas situações que ocorrem no co diano da formação de professores no
nosso país, tendo como pressuposto que tudo depende do ponto de vista pelo
qual se olham as coisas para falarmos sobre elas. As observações con das
neste texto foram originadas dos ques onamentos levantados durante a
disciplina Arte, Tecnologias e Formação de Professores e são fruto das
discussões sobre o tema realizadas no decorrer das aulas.
Para tentar ‘mergulhar um pouco mais fundo no tema’, apresentamos, no
final deste ar go, nossa experiência como arte-educadores.
A fim de começar a pensar acerca da inserção das novas tecnologias nas
salas de aula, é essencial fazer um ‘balanço’ da formação de professores e
considerar como vem se apresentando a formação docente no que se refere
às áreas do conhecimento e suas ar culações – entre os campos do
conhecimento e as tecnologias.
No texto de Ga (2011), destacam-se algumas conjunturas da formação
de professores da educação básica no Brasil:

"O que se verifica na formação de professores para a educação básica


é feita de modo fragmentado entre as áreas disciplinares e os níveis de
ensino; além disso, o Brasil não conta, nas ins tuições de ensino
superior, com uma faculdade ou ins tuto próprio, formador desses
profissionais, como se observa em outros países, onde há centros de
formação de professores que englobam todas as especialidades, com
estudos, pesquisas e extensão rela vos à a vidade didá ca e às
reflexões e teorias a ela associados" (p. 72).

A autora traz, nesse trabalho, um significa vo panorama da situação em


que se encontram a formação de educadores e os cursos de licenciatura no
Brasil e conduz a uma reflexão sobre a temá ca da formação profissional
docente. Essa citação, em par cular, abrange aspectos sobre os quais nos
propomos a refle r mais demoradamente.
O primeiro deles é a fragmentação entre as áreas do conhecimento.
Posteriormente mencionarei duas experiências como arte-educador – uma em
Diadema-SP e, a outra em Florianópolis-SC, esse trabalho gerou nos
estudantes uma nova postura. Depois que concluímos nossos exercícios a
par r do uso das tecnologias, os estudantes passaram a solicitar dos outros
professores e da gestão escolar, a con nuidade dos trabalhos que envolviam a
u lização das mídias digitais nos seus estudos. Vale lembrar que em nenhuma
das duas escolas, pelo menos no tempo que atuei em ambas, esse trabalho,
que poderia começar interdisciplinarmente, sequer começou. O máximo de
“interdisciplinaridade” que alcançamos foi que as macrofotografias serviram
de avaliação para a disciplina de ciências.
Bem, isso não é nada interdisciplinar, a fragmentação entre as áreas do
conhecimento ainda são um abismo. Como lembra Pereira (2011), no seu
estudo sobre sinais e evidências da crise das licenciaturas no Brasil:

"A separação entre teoria e prá ca [...] a falta de ar culação entre


disciplinas de conteúdo e disciplinas pedagógicas [...] a dicotomia entre
bacharelado e licenciatura [...] contribuiu para o surgimento de crí cas
sobre a fragmentação dos cursos de formação de professores. Essas
são questões recorrentes neste debate e, ainda hoje, não saíram de
pauta" (Pereira, 2011, p. 92).

Uma vez que os cursos de formação de professores são fragmentados, o


que podemos ver como resultado disso nas salas de aula é a con nuidade
dessa mentalidade em que o professor é preparado. Em contrapar da,
quando um exercício é preparado, como no caso específico que trouxe – as
macrofotografias e os documentários, os estudantes reagem de maneira a
querer con nuar nessa proposta pedagógica e a escola não consegue levar
para frente essa metodologia de trabalho, nem se quer ouvindo seu público –
os alunos!
O desafio nesse contexto é grande. Vencer as barreiras da fragmentação e
fazer com que um corpo de professores compreenda, ou melhor, saiba
trabalhar entre as áreas do conhecimento não é uma tarefa nada fácil. As
escolas parecem acomodar-se diante do discurso da administração, ou seja,
empacotam os estudantes com seus cânones do conhecimento, separadinhos
nas disciplinas, pron nhos para serem consumidos, sem nenhuma forma de
ques onamento (Giroux, 1997).
Esse discurso administra vo, segundo Giroux (1997),

"propõe que as escolas implementem um curso central de disciplinas


em todos os doze anos de escolarização pública. Seu apelo é por
formas de pedagogia que permitam aos estudantes dominarem
habilidades e formas de compreensão com respeito a formas
predeterminadas de conhecimento. Nesta visão, o conhecimento
parece estar além do alcance do ques onamento crí co, exceto em
nível de aplicação imediata. Em outras palavras, não há referência
quanto a como tal conhecimento é escolhido, os interesses de quem ele
representa, ou por que os estudantes estariam interessados em
aprendê-lo" (p. 126).

Viver na sombra desse discurso de educação é, sobretudo, con nuar a


simples transmissão e repe ção de conteúdos. Nessa concepção, arrisco dizer
que não existe espaço para trabalhos interdisciplinares ou transdisciplinares.
As formações docentes devem voltar-se para posturas mais crí cas, o que
exige vivências dos professores de todas as áreas do conhecimento.
Ainda mergulhando na obra de Giroux, podemos refle r sobre outro
discurso que se faz muito presente também nas escolas, aquele pautado na
relevância:

"Existe pouco reconhecimento de que aquilo que é legi mado como


experiência privilegiada muitas vezes representa o endosso a um es lo
de vida par cular que indica sua superioridade com uma 'vingança'
contra aqueles que não compar lham de seus atributos" (p. 129).

Com base nessas citações podemos rapidamente pensar na situação atual


das nossas escolas. Vivemos ainda os impactos desses dois modelos de
discursos e eles precisam ser trazidos à tona nos programas de formação
docente. É emergencial nossos professores tomarem consciência da sua
importância polí ca, afinal, educar é um ato polí co, como já nos alerta Paulo
Freire nas suas diversas obras.
Para, de fato, termos uma pedagogia crí ca não podemos desconsiderar
os aspectos culturais em que estamos imersos, as transformações sociais, que
também são culturais e acontecem rápido. Com o advento da tecnologia, as
informações chegam-nos quase de imediato e as mudanças, com os apelos
midiá cos, são velozes.
Levantando paralelamente essas questões sobre a formação docente,
pretendendo chegar no ponto onde elas se interceptam: precisamos trazer os
discursos de poder para a roda de debates e depois tentar desenhar projetos
de formação que sejam capazes de permi r uma reflexão sobre todo o nosso
processo de educação. Seria possível isso? Ainda não tenho respostas, apenas
indagações e breves relatos solitários.

Contemporaneidade, educação e tecnologia: uma relação


possível?

"A força do conhecimento não reside em seu grau de verdade, mas


em sua an guidade, em seu grau de assimilação, em seu caráter de
condição de vida (Nietzche).

Quando pensamos em contemporaneidade, na vida atual, no século XXI, é


quase impossível não pensarmos imediatamente em tecnologia. Embora as
novas tecnologias remontem a um passado recente, não existem mais dúvidas
de que, atualmente, elas são parte fundamental da vida dos sujeitos. Ninguém
mais consegue se imaginar distante das suas redes sociais ou e-mails. Esses
mecanismos de ‘facilitação’ da vida contemporânea comprovam que essa
nova postura do homem globalizado diante da era tecnológica configura a
necessidade que temos ou a dependência – se assim podemos afirmar – da
tecnologia; ela é uma catalisadora da cultura e da nova maneira de ser dos
indivíduos.
Como nada que ocorre na sociedade se distancia dos processos
educa vos, podemos verificar que toda essa tecnologia convive muito
proximamente dos estudantes nas escolas regulares, também porque um dos
alvos da indústria cultural são os jovens. Basta observarmos, nas pesquisas
sobre a venda de aparelhos celulares, o consumo exacerbado desses
equipamentos (como ilustra o quadro a seguir) por esse segmento da nossa
sociedade.

Aparelhos de celular por faixa etária

Brasil 93,9 milhões

10 a 14 anos 5,1 milhões


15 a 17 anos 5,4 milhões
18 a 19 anos 4,2 milhões
20 a 24 anos 11,6 milhões
25 a 29 anos 2,1 milhões
30 a 39 anos 20,6 milhões
40 a 49 anos 16,5 milhões
50 a 59 anos 11 milhões
60 anos ou mais 7,1 milhões
Fonte: Boros (2010).

Como mostra a pesquisa do PNAD divulgada pelo IBGE, "Cerca de 29% do


total de jovens entre dez e 14 anos têm celular no Brasil. Mais de cinco milhões
de aparelhos de telefonia móvel estão nas mãos desse grupo etário" (Boros,
2010).
Se pensarmos que, supostamente, essa parte da população estaria
matriculada nas escolas de ensino regular, frequentando o ensino
fundamental seria, então, uma realidade perfeita. Porém, são notáveis
deficiências nas polí cas públicas brasileiras e a situação concreta demanda
outros olhares e necessidades. Mas, pensemos aqui de forma ‘utópica: a
maioria da população dessa faixa etária está matriculada no ensino regular e
desfruta dessas tecnologias, até porque o foco deste preâmbulo é o início de
conversa sobre a relação entre a arte, a tecnologia e a educação, com
ressonâncias em uma proposta metodológica que contemple a tecnologia no
planejamento dos professores – formação con nuada que considere a
tecnologia como ferramenta pedagógica.
Propomos, então, promover uma reflexão sobre como esses
equipamentos podem tornar-se grandes aliados no processo de ensino e
aprendizagem.
Tomaremos como referência, para pensar a possível relação entre a arte,
as novas tecnologias e a prá ca pedagógica, uma experiência realizada em
duas escolas de educação básica, localizadas em Estados diferentes – São
Paulo e Santa Catarina. A pergunta que move todas as linhas desta discussão
é: que propostas educa vas são possíveis emergir no planejamento de um
professor de artes visuais?
Acredito que esse caminho de reflexão da perspec va do campo da arte é
primordial, pois leva em consideração que todo o transcurso de sedução,
desejo e fe che por esses aparelhos que nos chegam aos olhos por intermédio
das propagandas televisivas. É fundamental que a arte, nesse meio, seja uma
área do conhecimento que oportunize aos nossos jovens uma leitura mais
crí ca do mundo e do consumo.

Educação, arte e uma aproximação com a tecnologia: o


primeiro mapeamento

"Temos de aprender, então, a arte de mal-entender bem, isto é, a


arte de mal-entender cria vamente, com imaginação, brincando
com o sen do, deslocando ou pervertendo o sen do, assumindo
riscos" (Jorge Larrosa).

Para iniciar esta parte do trabalho, gostaríamos de rapidamente expor


algumas vivências que temos do em nosso percurso profissional em escolas
regulares de ensino fundamental nas redes par culares dos estados de Santa
Catarina e de São Paulo. Não pretendemos fazer deste ar go um escrito de
desabafos ou um diário de planejamentos, a proposta é a de retratar para o
leitor como nos deparamos com nossas próprias limitações e resistências
diante das tecnologias, as quais, na maioria das vezes, os estudantes dessa
modalidade de ensino dominavam bem melhor. Equivocadamente,
acreditávamos estar num patamar de conhecimento maior que o deles, mas
não foi isso que a experiência demonstrou.

Figura1. Exercícios realizados durante as aulas de artes –


macrofotografias.
Evidentemente que nosso conhecimento teórico era mais expandindo,
porém, o tecnológico não. Foi então que, diante da obra de Paulo Freire
(2011), pudemos compreender que o caminho mais acertado era o de
compar lhar o conhecimento e chamar os educandos para a elaboração de
um planejamento de aula, que mais tarde denominamos de aula-oficina.
Essas aulas-oficinas foram uma ideia que nasceu quando começamos a
ministrar aulas de artes visuais em uma escola da rede par cular da cidade de
Diadema-SP.
São Paulo é uma cidade que oportuniza um contato muito rico com
museus, galerias, bienais, teatros, cinemas. Diante das mais variadas
a vidades culturais que a cidade proporciona, principiamos a vasculhar
eventos culturais gratuitos e agendar visitas, que às vezes eram monitoradas e
às vezes não. Mas o obje vo era colocar nossos alunos diante de novas
maneiras de fazer, pensar e produzir arte.
Nesse momento de nossa vida profissional, arriscada e totalmente
experimental, realizamos junto com os estudantes muitos trabalhos.
Gostaríamos de destacar dois, que consideramos os mais relevantes. Um deles
foi realizado em São Paulo e o outro em Florianópolis, nossa terra natal, à qual
retornamos no ano de 2011, para fazer parte do programa de mestrado.

Figura 2. Documentários realizados pelos alunos do Ensino Médio na


29ª Bienal de São Paulo.
O primeiro trabalho que descrevemos, de forma resumida, são alguns
videodocumentários que meus educandos do ensino médio realizaram no
momento em que acontecia a 29ª Bienal de São Paulo. De maneira sólida,
hoje conseguimos aproximar-nos da ideia de que "o processo de
autoformação da humanidade, arte e cultura não podem ser vistos como
contemplação, como celebração deslumbrada da vida" (Cabral, 2012). Durante
o período em que frequentávamos as aulas de Educação, arte, tecnologia e
formação de professores, pudemos, aos poucos, ir revisitando nossos acervos
pessoais (planejamentos, aulas, fotos, vídeos) e, como uma colcha de retalhos,
construir um mapa para as nossas indagações: que propostas educa vas
podem emergir diante de uma sociedade de jovens e adultos que permanece
horas na frente de seus computadores e celulares? Como as Artes Visuais
estão ou podem ser envolvidas nesse processo?
Um dos movimentos de reflexão diante dos textos e dos nossos escritos
que se des nam incansavelmente a repensar a formação humana,
consideramos emergencial a nós, educadores, nos debruçarmos sobre
questões que envolvem a presença das tecnologias na sala de aula na
aproximação com as Artes Visuais.
Leon ev (2000), em Funções da Arte e Educação Esté ca, traz uma
pergunta importante: "o que é Arte e por que é que as pessoas precisam
dela?" (p. 128). Não queremos nesse momento definir ou tentar responder a
pergunta do autor, mas acreditamos que, diante dela e de outros escritos do
autor seja possível con nuar a traçar a rota que mais se aproxima das
respostas as perguntas que fazemos.
Ainda com as palavras de Leon ev, podemos jus ficar o porquê de o
ensino das artes visuais ser imprescindível para o desenvolvimento cogni vo
dos estudantes do ensino regular. A arte permite ao "indivíduo tornar suas
relações com o mundo mais flexíveis, significa vas e orientadas para o futuro,
tornando-se mais adaptadas, no sen do mais lato do termo" (Leon ev, 2000,
p. 131).
Se a arte torna as nossas relações com o mundo mais flexíveis, como
afirma o autor, cabe agora pensar como proporcionar aos educandos tal
contato com essa área do conhecimento.
Pensamos ser oportuno trazer nossa experiência profissional a fim de
ilustrar esse exercício constante do educador, de rever sua prá ca
co dianamente.
Em Diadema-SP, no ano de 2010, ministrávamos aula para o ensino médio
em uma escola par cular. Incomodava-nos profundamente a relação que os
jovens nham com seus aparelhos eletrônicos, a escola tentou diversas vezes
reprimir o uso, mas todas as tenta vas falharam, estávamos mesmo fadados a
conviver com esses ‘aparelhinhos’ que já eram quase uma parte orgânica do
corpo dos nossos estudantes.
Diante da nossa inquietação pessoal, começamos a pensar como
poderíamos trazer esse novo instrumento como uma válvula de interesse para
a disciplina que lecionávamos – Artes Visuais.
Como já mencionamos, foi nesse momento que nasceu a ideia das aulas-
oficina, nas quais, com base no conteúdo, traçávamos com os alunos os
caminhos das aulas. Evidente que já havia um pré-planejamento e a condução
dos conteúdos e metodologias eram de responsabilidade docente. Os alunos
construíam o como fazer as aulas.
Foi nesse caminho, às vezes tortuoso, que nasceu a ideia de produzir
documentários. Aproveitamos o que a cidade de São Paulo oferecia, a bienal,
e discu mos juntos o que era importante exis r num documentário, desde a
produção até o produto final, que foi uma pequena mostra na própria escola.
O nosso desejo quando elaboramos essas aulas que era fazer que os
alunos, compreendessem e percebessem que é fundamental "cuidarmos das
mediações ar s cas e culturais que, invariavelmente, formatam nossa
consciência" (Cabral, 2012, p. 383). Nossa inquietação diante de um
instrumento que já era parte da cultura do jovem, mas que não era parte
integrante da cultura dos professores, movimentou as aulas e fez-se presente
como um instrumento valioso de trabalho.
Mas, em 2010, nossas preocupações giraram em torno de compreender o
que era esse processo gigante da invasão dos telefones celulares nas escolas.
No primeiro semestre de 2012, em Florianópolis, pudemos aos poucos
observar novamente, no retorno às a vidades como professores de Artes
Visuais, a relação dos sujeitos com esses aparelhos.
Após dois anos, começamos a perceber o quanto eles eram importantes
nas vidas dos sujeitos, e tal ligação estava bem mais forte. Após entrarmos em
contato com a obra de Barreto (2009), entendemos que a ‘comodificação’, ou
seja,

"o processo pelo qual os domínios e as ins tuições sociais, cujo


propósito não seja produzir mercadorias no sen do econômico restrito
de ar gos para venda, vêm não obstante, a serem organizados e
definidos em termos de produção, distribuição e consumo de
mercadorias" (Fairclough apud Barreto, 2009, p. 105).

Víamos a escola transformada na con nuidade das propagandas que


vendem esses aparelhos: os adolescentes entravam em disputas para ver
quem possuía o modelo mais adiantado nas invenções tecnológicas, cuja
posse configurava uma outra maneira de poder, ou a mesma de sempre, só
que em outro formato. ‘Eu tenho poder porque tenho um aparelho que
corresponde aos mais altos padrões da tecnologia’.
Mas não vamos aqui aprofundar essa reflexão sobre as relações de poder
vinculadas aos aparelhos eletrônicos, queremos par lhar o que fizemos com
os estudantes que eram donos dessas ‘maravilhas’ modernas. Em 2012,
retomando a ideia das aulas-oficinas, elas foram retomadas, desta vez, com a
apresentação da obra de um ar sta contemporâneo e perguntávamos o que
poderia nascer das ideias e materiais que esse ar sta u lizava, tendo como,
ferramenta primeira, os celulares.
Foi então, que o plano de aula sobre macrofotografia nasceu. Nosso
obje vo era ver como os adolescentes daquela realidade observavam a
natureza e o que os mo varia a discu r a relação entre o homem e o seu
entorno. Oportunizava a con nuação desse trabalho a possibilidade iminente
de ir além do nosso espaço geográfico, de buscar imagens da natureza em
todos os lugares que percorríamos. Tudo isso culminou em uma saída de
estudo para Botuverá.
A a vidade ar s ca envolvida nesse processo de aprendizagem era o
instantâneo para a construção de um olhar crí co sobre a condição humana –
uma foto produzida no celular. Fazíamos, naquele momento, o começo da
nossa pesquisa de mestrado. Construíamos uma cartografia, de desejos,
relações, subje vações, olhares visíveis e invisíveis. O ato de cartografar, como
salienta Giovanella (2008):

"É, pois, um movimento que tenta valorizar as dimensões subje vas da


criação e da produção de conhecimento, sem determinar em si uma
metodologia. É mais uma tenta va de problema zar discussões e
conceitos metodológicos atualizando-se sucessivamente a cada
encontro entre os vários elementos da pesquisa" (p. 90).
A dinâmica que envolveu esse exercício de observar o entorno e um lugar
preservado, tombado como patrimônio cultural, fez surgir nos estudantes uma
preocupação em conhecer lugares que a natureza produzia, ou seja, a questão
era o tempo do mundo. Isso apareceu depois da visita que realizamos às
cavernas de Botuverá, as estalac tes e estalagmites realçaram o imaginário
dos adolescentes no tocante ao tempo. A natureza levava milhões de anos
para produzir o que eles chamaram de obra de arte dentro das cavernas.
Então, fica claro que para "fazer exis r no plano da imaginação [...] aquilo
que ainda não se concre zou no plano real é dar existência a algo que não
exis a, ou seja, é um ato de criação" (Pino, 2006, p. 54), queremos dizer,
ancorados na citação do autor, que foi necessário colocar os estudantes diante
de uma produção da natureza, para que eles pudessem observar e se
ques onar sobre o tempo de duração das coisas, o valor da existência do
trabalho e de suas vidas.
Para complementar o que Pino chama de ato de criação, achamos
importante deixar claro que isso não se refere exclusivamente à produção de
uma ‘obra’. Nas palavras do próprio autor,

"Criar é uma necessidade da existência humana [...]. Contrariamente a


uma ideia muito difundida em certos meios educacionais, ins tucionais
ou não, a capacidade de criar estende-se a todas as esferas da vida
social e cultural do ser humano: a ar s ca, a técnica, a cien fica e a
social. Não apenas a algumas delas" (Pino, 2006, p. 56).

A ideia desse ato de criação precisa ser permanente durante as aulas, não
se pode perder de vista que não é importante pensar na criação somente na
esfera das Artes, mas durante toda a nossa vida. Ao trazer uma possibilidade
de fazer ar s co para os meios digitais,

"É necessário que vejamos o computador não como uma simples


ferramenta e, sim, como um sistema extremamente complexo que nos
permite explorá-lo de modo a criarmos, produzirmos, visualizarmos,
manipularmos imagens/informações e, através de seus disposi vos
amplificadores, vivenciarmos, de forma mul ssensorial, a
interação/intera vidade" (Santos, 2008, p. 181).
A apresentação e produção das macrofotografias dos alunos passaram dos
celulares aos computadores e, depois, às projeções no data show durante o
recreio. O potencial cria vo dos estudantes das duas escolas de estados
brasileiros diferentes era inegável. Tanto em Diadema, na projeção da mostra,
como em Florianópolis, na reprodução das fotos. Como afirma Santos (2008):

"A arte produzida em mídias digitais estabelece um diálogo com o


público/interator e, não mais, aquele ato contempla vo, aspecto tão
presente na arte em outros suportes. Na verdade, ela evoca os sen dos
do interator para muito além da interação, propõe uma dinâmica do
agir, em um fluxo de percepção no momento do seu acontecer. Ainda, a
intera vidade extrapola a relação da obra com o interator no sen do
de que liga o espectador ao ar sta através de sua relação com a obra,
colocando em cheque, inclusive, as questões tão polêmicas que
envolvem o conceito de autoria" (Santos, 2008, p. 185).

Pudemos observar isso na expecta va gerada nos estudantes das duas


escolas. Após três dias passados depois das exposições dos trabalhos, os
adolescentes, inclusive de outras séries, solicitavam exercícios parecidos, mas,
então, não somente durante as aulas de artes, mas nas disciplinas de outros
professores.
Observa-se que é ní do o potencial das mídias como ferramenta
pedagógica, mas é necessária uma preparação do corpo docente para efe var,
de forma significa va, esse trabalho que envolve o computador, o celular e
outros meios digitais. Nesse contexto, é possível acreditar que a relação entre
tecnologia e professores deva ser muito parecida com um ato polí co
(Semeraro, 2012). Mas o que queremos dizer com isso?
Que exista a mesma paixão em manusear esses equipamentos ou um
pouco parecida, que a dos nossos jovens diante de seus ‘aparelhinhos’, é
preciso que nossos educadores tenham ânimo para aprender a lidar com essa
fonte de conhecimento, porque só assim as máquinas deixarão de ser um
mistério, um ‘monstro’ dominador que subjuga um grupo de dominados e,
defini vamente passará a exis r uma interação entre os sujeitos e a
tecnologia. A escola seria o lugar mais adequado para instaurar essa relação
saudável entre máquina e homem.
Considerações finais

As ideias excessivamente claras não nos deixam outra coisa que não
seja uma acumulação de presentes bem-cons tuídos, mas sem
porvir algum (Carlos Skliar).

Como ressaltamos na abertura deste trabalho, nosso obje vo não é trazer


soluções nem fórmulas para abordar a temá ca em questão, mas, sim,
par lhar experiências e colocá-las em questão, afinal, como sistema em que
todos nós estamos inseridos, às vezes assumimos uma postura mais crí ca,
outras vezes somos engolidos por ele e com muito pouco a dizer.
Acreditamos que os educadores têm um grande poder de fazer emergir
essas questões de perceber, que no final, ainda podemos projetar uma ideia
de futuro em que a educação seja a porta de entrada para formar sujeitos
mais conscientes de sua existência.
Tudo isso não vai acontecer sem que haja primeiro um movimento por
parte dos professores. As polí cas públicas de formação deveriam dar conta
desse processo de transformação do processo educa vo, mas os interesses
neoliberais atravessam esse caminho a todo momento.
Então, as propostas educa vas que surgem atualmente parecem ser
reflexos de um grupo social que ainda precisa amadurecer poli camente,
compreender para que estamos vivendo e para onde vamos. Trata-se de uma
trajetória longa e complexa, entretanto, com novas pesquisas, aos poucos
vamos clareando essa estrada.

Referências

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aproximações. Araraquara, SP: Junqueira & Marin, 2012.
CAPÍTULO 8
ARTE E TECNOLOGIA NA FORMAÇÃO DE
PROFESSORES
Milka Lorena Plaza Carvajal

Introdução
Trata-se de uma questão que vem sendo estudada sob olhares
preocupados com a qualidade da educação não só no Brasil, mas em países
da América La na, como o Chile, e a Argen na, entre outros. O surgimento
de novas tecnologias, novos conhecimentos, princípios cien ficos, os quais
se tenta adequar ao ensino das artes e à formação de professores, conduz
a análises rela vas à construção de saberes e às diferentes áreas de
atuação dos profissionais e alunos em formação no campo da educação.
Este trabalho é um estudo bibliográfico baseado em estudos de Ana Mae
Barbosa (2011), Angel Pino (2006), Fá ma Cabral (2012), que trazem à tona
assuntos atuais que permitem nossa reflexão a respeito da área do ensino
das artes visuais.
O texto está dividido em cinco partes: em um primeiro momento, o
assunto relaciona-se ao ensino de arte nas escolas; a segunda parte refere-
se ao modo de ver as artes, ao processo de construção do leitor crí co e às
caracterís cas desse leitor; a terceira parte concerne à eli zação das artes
da perspec va das artes populares e as belas artes; a quarta parte diz
respeito à formação de professores, o que leva às caraterís cas próprias do
processo de formação, polí cas públicas e educação con nuada e a quinta
parte aborda o uso das tecnologias em sala de aula, como tablets,
smartphones, internet, questão complexa que apresenta aspectos para
reflexão que compõem processo de formação que no que tange aos
processos educa vos de alunos e mestres.

O ensino de artes visuais na formação de professores de


artes
Qual o conhecimento adequado a ser compar lhado em sala de aula
no que se refere às artes visuais? Como os estudantes de licenciatura em
artes visuais podem preparar-se para questões co dianas que se impõem
aos professores atuantes em escolas da rede pública estadual e municipal e
também em organizações de educação não formal? São questões que
deverão ser discu das levando-se em conta os métodos de ensino-
aprendizagem hoje u lizados e o aprimoramento dos professores em artes
visuais e de formadores de professores.
As informações a serem apreendidas pelos licenciandos no âmbito das
artes visuais não estão con das somente em livros. No século XXI, vive-se a
era digital e há possibilidade de tomar conhecimento de palestras e
pesquisas da área das artes visuais em ferramentas como Youtube [1], por
meio de pesquisas na área das artes visuais inseridas em bancos de dados,
como no portal de periódicos da CAPES [2] (Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), por meio de visitas a
museus virtuais [3] e nos cursos preparatórios de educação à distância em
Artes Visuais [4].
Pode-se perceber que a construção do conhecimento no campo das
artes visuais, virtual ou não, compreende o saber de diferentes
manifestações ar s cas, história e esté ca da arte, pesquisas na área de
arte-educação, processos ar s cos, que se ampliam em desdobramentos
em que materiais largamente empregados por mestres formadores de
professores se unem a novos, como tablets, ipods, laptps, além dos que já
vinham sendo u lizados como o vídeo e a fotografia e que se estendem
para dentro das escolas, nas classes, quando possível.
O professor que atua em sala de aula está inserido em um meio em
que há necessidade de se aprofundar tanto na produção ar s ca como na
educação con nuada, na procura do aprimoramento para aplicá-lo. Para
Leon ev (2000), "Qualquer po de educação é uma prá ca social que
prossegue o obje vo de proporcionar às pessoas determinados aspectos da
experiência social acumulada, par lhada dentro de determinada
sociedade" (p. 127). Essa prá ca social a que o autor se refere tem relação
com o local em que as pessoas que pra cam a educação e a aprendizagem
se encontram inseridas. Como educar é uma a vidade fundada em regras
que padronizam e definem o comportamento do professor, é papel deste
saber introduzir-se no meio ou microrregião de atuação, que traz consigo
sua própria história, suas necessidades e também seus próprios ar stas.
Leon ev também afirma:

"A educação esté ca não se pode reduzir exclusivamente ao


conhecimento nem à informação. Sabemos tanto teórica como
intui vamente (experimentalmente) que o contato com a arte,
adequadamente vivido e assimilado, tem algo a ver com o processo
mais ín mo do desenvolvimento profissional e da personalidade, do
que simplesmente com a adaptação social" (p. 128).

Assim, cabe às ins tuições de ensino fornecer material de apoio e


condições para que o profissional do ensino de artes visuais e educandos
sejam favorecidos de maneira que o contato com a arte desperte
indivíduos crí cos e atuantes perante a sociedade. As tecnologias que hoje
são encontradas ou que permeiam os laboratórios e as sala de aula, como
palmtops, laptops, microcomputadores, smar ones, aparelhos de DVDs,
projetores, entre outros, permitem o acesso à informação e o diálogo entre
obra de arte e aluno. Por meio das mídias, pode-se, ao se visitar museus e
ter contato com ar stas, desenvolver um ser que ques ona, compara e ra
suas próprias conclusões. Ao se ensinarem as artes visuais nas escolas,
obje va-se formar um indivíduo que adquira conhecimento, realize
trabalhos prá cos e obtenha faculdade ou capacidade de sen r. Leon ev
observa:

"Para se poder penetrar para além do texto, para além do quadro e


conseguir entrar em contato com os significados vivos, uma pessoa
tem de renunciar, temporariamente, à sua posição única, pessoal
(parcial) no mundo, assim como renunciar a seu ponto de vista e
aceitar a posição do ar sta, olhando para o mundo através dos
olhos do ar sta" (p. 130).

Valendo-se do olhar do ar sta, o ponto de vista do espectador adquire


vida e é percebido. Dessa maneira, de acordo com Leon ev, a pessoa
insere-se no mundo do ar sta, conhece sua biografia e interessa-se pela
sua obra. Tal atenção ou curiosidade ob da em sala de aula, o professor de
artes visuais deve provocar e es mular para que o aluno construa um
processo. Segundo Cabral:

"Quando nos damos conta de que a formação do homem se faz,


necessariamente, através do processo de mediação e automediação
entre o homem e a natureza, e que é justamente essa práxis social
que nos permite atribuir significados humanos aos elementos
transformados da natureza, percebemos melhor a necessidade de
cuidarmos das mediações ar s cas e culturais que,
invariavelmente, formatam nossa consciência" (Cabral, 2012, p.
180).

A construção do conhecimento em arte feita pelas mediações


ar s cas, em que profissionais do ensino de artes também estão
envolvidos, tanto nas escolas como em ins tuições de ensino não formais
e museus, faz parte de um inves mento em conhecimento que, como diz o
autor citado, permite atribuir significados, os quais são a consciência do
mundo em que se vive e a descoberta de uma nova visão do conhecimento
das artes e suas diferentes manifestações.

Uma perspec va diferenciada da visão que se tem das


artes
Existem diversos pontos de vista relacionados ao que vem a ser ‘ver’ as
artes ou ao que isso significa. Quando se u liza a palavra ‘ver’, estabelece-
se uma relação com a leitura de imagens, o real e o imaginário, na qual é
fundamental levar em conta que cada obra é cons tuída por duas
dimensões indissociáveis, desmembráveis apenas para efeitos de análise:
plano de expressão e plano de conteúdo. O primeiro é a dimensão do
objeto ar s co percep vel aos nossos órgãos dos sen dos, que são
convocados a agir em função da obra específica, o segundo abrange o
campo da significação (Oliveira, 2010, p. 76). Assim, temos no plano de
expressão os elementos que cons tuem a obra e, no Plano de Conteúdo, a
mensagem que ela entrega ao espectador.
O encontro com as artes acontece na escola, nos museus, revistas,
televisão, manifestações ar s cas públicas, internet e livros que tratam do
assunto. A construção de significados vem de acordo com a leitura das
imagens, de como relacionar e vivenciar a obra em questão.
Segundo Pino (2006):

"Na perspec va histórico-cultural em que se situa este texto,


'produção imaginária' e 'formação do sen do esté co' são questões
que nos remetem, cada uma à sua maneira, a determinadas
caracterís cas cons tu vas do modo de ser humano do homem. A
primeira nos remete à capacidade criadora dos seres humanos,
adquirida no processo evolu vo, que lhes permite assumir o rumo
da própria evolução. Ela cons tui um dos pilares do processo de
humanização. A segunda nos remete à transformação da
sensorialidade biológica – herdada do mundo animal – ocorrida
nesses seres humanos, num rico e variado elenco de sen mentos
que cons tuem a sensibilidade humana, a qual tem tudo a ver com
as formas de sociabilidade que os homens criam e que marcam sua
história" (p. 48).

O processo de construção do leitor, conforme o autor, depende do


modo de ser, da capacidade criadora e da sociabilidade, da troca de
experiências e conhecimento na sociedade em que se vive. Pino
acrescenta,

"Falar de 'produção imaginária' pressupõe várias coisas. Em


primeiro lugar, que existe um certo po de a vidade produ va cuja
natureza é imaginária, o que impõe que seja explicado o que se
entende por a vidade produ va e como essa a vidade pode ser de
natureza imaginária. Em segundo lugar, que é assumido o termo
Imaginário, na sua forma substan va, para expressar o poder
criador do homem e o campo da produção imaginária, cuja
'matéria-prima' são as imagens humanas" (p. 49).
O dia a dia das pessoas está carregado de imagens visuais e verbais. O
texto verbal quando lido ou visto gera uma produção imaginária no
momento em que se descreve uma ação, uma figura ou uma pintura. Isso
vem a ser a a vidade produ va cuja natureza é imaginária. As imagens
permitem realizar a construção do pensamento tanto no plano real,
figura vo ou abstrato, como no imaginário, ligado ao subconsciente. Ainda
conforme o autor:

"Com efeito, o simples fato de antecipar mentalmente a ação, o


modo de realizá-la e o resultado esperado dela, revela, por si só, a
capacidade criadora do homem. Fazer exis r no plano da
imaginação, como fala Marx, aquilo que ainda não se concre zou
no plano real é dar existência a algo que não exis a, ou seja, é um
ato de criação. Seu valor de criação não fica reduzido pelo fato de
ser no plano do imaginário, uma vez que é nesse plano que a
criação do 'objeto' ocorre, ficando à espera da sua possível
transposição para os campos do real-concreto e do simbólico. É a
essa criação que denomino aqui de 'produção imaginária'" (p. 54).

A forma pela qual tais produções serão representadas depende do


contexto em que o indivíduo se encontra. De acordo com o Pino (2006),
existe um instante de espera que possibilita a transposição para o campo
do real. Em sala de aula, quando se fala em ensino das artes, esse
momento há de ser incen vado, encaminhado pelo professor quando da
execução das a vidades pedagógicas e de leitura de imagens. O papel do
ensino das artes nas escolas e o desenvolvimento dos movimentos
ar s cos variam de acordo com o momento histórico de cada região. A
maneira de ver as artes em ambiente escolar é resultado da metodologia
adotada e das ferramentas u lizadas em classe. Existem, nas escolas,
a vidades transdisciplinares [5] em que se trabalham linguagens como a
musical, a teatral e dança em a vidades em comum. Dessa forma, os
alunos conseguem ter noções de movimentos ar s cos e de técnicas que
permitem formar leitores e produtores de imagens; aprendem artes
relacionando diversas linguagens e fazendo analogias com a realidade que
experienciam. Isso permite ver e sen r arte não somente em museus e
galerias, mas também na escola e no lugar em que se vive.

As artes, popularização ou eli zação


Ao tratar desse assunto tão complexo, atenta-se ao fato de que a
função das artes em geral é enviar uma mensagem às pessoas onde elas
es verem. As artes conhecidas como populares, tais como o artesanato, as
danças populares, os repen stas, dão a conhecer a cultura de determinada
região. Por outro lado, os meios de comunicação como revistas, TV, jornais
e embalagens contêm obras de ar stas conhecidos com a finalidade de
entregar ao público a possibilidade de visualizar produções que
usualmente se encontram em galerias e museus de vários países. Assim,
obras de Tarsila de Amaral, Van Gogh, Romero Brito, dentre outros, têm
sido levadas para o público leigo. No entanto, esses meios não dão conta
de dar todo o acesso necessário às artes. A arte não é suficientemente
popular.
Segundo Branco (1990), "os norte-americanos associavam as belas-
artes a um eli smo incompa vel com as aspirações e as ideias
democrá cas, enquanto as artes populares eram vistas com suspeita de
comercialismo" (p. 93). A autora afirma, ainda, que, nos anos 1960, a
divisão entre as artes populares e as belas-artes se tornou desgastada
depois que ela foi desafiada em parte pelo surgimento da pop art.
Não somente os Estados Unidos, mas também a Europa e a América do
Sul eli zaram as artes nesse período. Desde a época referida por Branco
até 2014, as manifestações ar s cas transitaram em todas as classes
sociais. No período das ditaduras na América do Sul, década de 1960-70, o
ensino das artes era realizado nas séries iniciais como técnicas manuais e,
nas séries ginasiais, estudava-se desenho técnico com o obje vo de u lizá-
lo para trabalhar após acabada a escola. Barbosa (2011), discorre a
respeito do processo histórico desde a escola de Paris até o pós-
modernismo apresentando argumentos sobre a história do ensino de Arte
no Brasil.
A respeito da importância do ensino das artes, Branco (1990) enfa za:
"Se antes da Segunda Guerra as humanidades, especialmente os
clássicos, gozavam do mais alto pres gio, juntamente com as
faculdades privadas de belas-artes, as ciências exatas ganharam
proeminência na hierarquia do empreendimento intelectual,
durante e pós o conflito mundial" (p. 83).

Ao longo da Segunda Guerra Mundial e mesmo depois dela, as escolas


ofereciam cada vez mais cursos profissionalizantes e escolas técnicas que
ensinavam o cios que auxiliassem na construção dos equipamentos
necessários nessa fase. Na década de 1980, houve uma revisão na Lei
Educacional, que, até então, constava da Lei de Diretrizes e Bases de
Educação Nacional – LDB 4024/61 –, reformulada em 1968, e da Lei que
criou a disciplina de Educação Ar s ca em 1971. A par r desse momento,
passaram a ser elaboradas novas legislações que facilitassem as tarefas dos
professores e norteassem as a vidades de maneira curricular (Alcaide;
Silva, 2010).
A preocupação em levar as artes para as escolas tornou-se necessária
para a formação de indivíduos capazes de discernir e dis nguir as
diferentes áreas de conhecimento que se relacionam com as artes por
meio do desenvolvimento de habilidades táteis e do conhecimento de
ar stas e suas obras. A respeito da educação Giroux (1997) observa:

"Devo argumentar que para vencer este desafio, os educadores


crí cos precisam desenvolver um discurso que, por um lado, possa
ser usado para ques onar as escolas enquanto corporificações
ideológicas e materiais de uma complexa teia de relações de cultura
e poder, e, por outro, enquanto locais socialmente construídos de
contestação a vamente envolvidos na produção de experiências
vividas" (p. 124).

O desafio a que Giroux se refere é que um professor crí co se cons tui


por meio de inves mento em conhecimento e experiência de campo nas
mais diversas comunidades e locais de ensino. Quando se deslocam as
artes, os ar stas e suas obras do ambiente eli zado – como galerias e
museus – para as escolas, têm-se a oportunidade, com ajuda da ação
educa va em espaços culturais, de dar a conhecer aos educandos o mundo
e suas impressões mediados pelos ar stas, de maneira que sejam
incen vados o processo cria vo e o debate. É por meio das discussões que
podem exis r contestação e permuta de ideias relacionadas ao fazer
ar s co, o que permite estabelecer analogias entre a arte vivenciada e a
conjuntura em que o grupo está inserido. Com relação ao contexto e arte
experienciada nos lócus de atuação do professor, Giroux (1997) também
afirma:

"Se tratarmos as histórias, experiências e linguagens de grupos


culturais diferentes como formas par cularizadas de produção,
torna-se mais fácil compreender as diversas leituras, respostas e
comportamentos que, digamos, os estudantes apresentam para a
análise de um texto par cular. Na verdade, uma polí ca cultural
precisa que seja desenvolvido um discurso que esteja atento às
histórias, sonhos e experiências que tais estudantes trazem para as
escolas" (p. 141).

Grupos culturais diferentes exprimem a história e os costumes de


determinada região. Cabe às secretarias de educação e cultura melhorar as
polí cas culturais con das nos seus programas para que as escolas e os
professores de arte garantam às gerações futuras a possibilidade do
encontro com o fazer ar s co.

A formação de professores de ensino de artes


Ser a parte essencial da construção do caráter e da mentalidade de um
mestre; entregar o conjunto dos elementos norteadores capazes de
orientá-lo no processo de educação; modelar a tudes, formar uma
consciência visual, tudo isso faz parte do programa que inclui a formação
de profissionais de educação na área das artes. Falar sobre esse assunto
permite ter uma ideia dos desafios enfrentados pelas polí cas de formação
desses profissionais. Segundo Ga (2011):
"A forte tradição disciplinar que marca a iden dade docente entre
nós e leva os futuros professores em sua formação a se afinar mais
com as demandas provenientes da sua área específica de
conhecimento do que com as demandas gerais da escola básica faz
com que não só as en dades profissionais, mas também as
cien ficas, oponham resistência às soluções de caráter
interdisciplinar para o currículo, o que já foi experimentado com
sucesso em vários países. A formação de profissionais professores
para a educação básica tem de par r de seu campo de prá ca e
agregar-lhe os conhecimentos necessários, selecionados como
valorosos, em seus fundamentos e com as mediações didá cas
necessárias, sobretudo por se tratar de formação para o trabalho
educacional com crianças e adolescentes" (p. 85).

O ensino de artes, seja em ins tuições formais ou não formais, requer


formação específica. As ins tuições formadoras de professores dessa área
seguem suas normas de acordo com os programas de governo federal e
estadual, tomando como base a LDB. Existe hoje a possibilidade da
educação a distância – incorporada em grande parte das universidades
brasileiras – que permite a formação de profissionais em locais remotos e
de di cil acesso. Cabe aprimorar esses cursos para que a parte técnica,
manual, seja mais bem complementada. Ga (2011) fala a respeito da
a vidade interdisciplinar como oposição à forte tradição disciplinar.
Atualmente, escolas estaduais e municipais adotam em seus programas a
aprendizagem de seus alunos integrando algumas disciplinas como as Artes
Cênicas e a Música, as Artes Cênicas e a Dança, a Física e a Matemá ca.
Falta integrar mais as artes visuais com as demais linguagens. O que tem se
notado é a falta de preparo dos professores para lidar com a inter e a
transdisciplinaridade [6], pois os professores estão capacitados para
trabalhar com uma linguagem e não com várias ao mesmo tempo.
Segundo Pereira (2011):

"Não podemos nos esquecer do princípio da 'indissociabilidade'


entre a formação e as condições adequadas para a realização do
trabalho docente (salários dignos, autonomia profissional,
dedicação exclusiva a uma única escola, pelo menos um terço da
jornada de trabalho para planejamento, reflexão e sistema zação
da prá ca, estudos individuais e cole vos, salas de aula com
número reduzido de alunos)" (p. 101).

As condições precárias para a realização do trabalho, somadas às


poucas oportunidades de atualização e aos salários reduzidos dos
professores, produzem uma tendência do professor a realizar suas
a vidades em mais de uma escola. De acordo com o currículo apresentado
nos cursos de formação de professores de artes, cabe ao profissional do
ensino das artes adaptá-los às diferentes realidades culturais e sociais
encontradas nas dis ntas localidades em que for atuar. Autores como Lima
(2008) defendem a ideia da falta de iden dade na educação:

"A questão, quando nos remetemos à educação formal, centra-se


em que a Educação não tem educado para a formação de sujeitos
que defendam a construção de uma sociedade an capital. No
mesmo teor, as polí cas sociais ficam cada vez mais an ssociais e
as polí cas educacionais afastam-se cada vez mais do social. Eis aí
o ponto central da indefinição, e não da crise, da Educação. Os
processos educa vos formais, a prá ca escolar, e é claro, a atuação
docente, encontram-se hoje, sem uma iden ficação própria. Buscar
uma iden dade significa desmis ficar a crise na educação" (p. 141).

Uma sociedade an capital (contra o consumismo e os bens de capital,


contra os fundos de dinheiro e patrimônios locais) não é simples de ser
encontrada, principalmente porque países ditos socialistas e comunistas,
aos poucos, têm aberto suas portas aos países capitalistas para que seja
feito inves mento dos grandes capitais – que procuram o lucro
es mulados pela ganância – em troca de mão de obra barata. Segundo
Lima (2008), há perda de iden dade em razão da crise na educação. Isso
ocorre porque con nuam os baixos salários, a falta de mo vação, o
excesso de carga horária de trabalho. Além disso, aos professores faltam
ferramentas e laboratórios para trabalhar as propostas de ensino. Para
Lima (2008):
"Não é o conteúdo da escola que está em crise, tampouco a
educação formal. O que está em crise é o modelo de escola. O que
precisa ser ressignificado é a forma de tratamento dos conteúdos
escolares. [Também afirma:] a educação escolar precisa sair do
quadro negro e ganhar o mundo, sem trair os conhecimentos
necessários para a compreensão e assimilação das ciências" (p.
147).

Novas tecnologias, como tablets, netbooks e smar ones, são adaptadas


a fim de complementar o ensino-aprendizagem. Pode ser que o modelo de
escola esteja em lento processo de ajustamento, pois ainda existe a
resistência de professores às novas tecnologias. A falta de formação para a
u lização das ferramentas computacionais acarreta também uma não
aceitação delas. Porém, não se pode resumir a educação tecnológica aos
programas de computação. São incluídos nessa categoria os avanços
relacionados a materiais pedagógicos u lizados em sala de aula. Mazzeu
(2011) comenta a polí ca de formação docente aplicada no Brasil na
década de 1990, que provocou mudanças na organização da educação,
bem como afirma que, segundo documento coordenado pela UNESCO em
conformidade com países da América La na e Caribe, as necessidades
básicas de aprendizagem são consideradas essenciais para ensinar os
indivíduos a aprender a aprender para a melhoria da qualidade de vida.
Seriam elas: aprender com recursos em ambientes adequados, possuir
ferramentas de trabalho capazes de formar professores e alunos com
dignidade, aprender a ver as artes e interessar-se por obras e ar stas,
ensinar a apreciar a arte e adquirir espírito crí co, conseguir fazer
analogias entre as linguagens e ser capaz de realizar leitura de imagens. Os
desafios que se apresentam no século XXI estão centrados na melhoria das
polí cas de ensino, na incorporação das novas tecnologias em todas as
áreas do saber, no avanço da Educação a distância – que permite também
capacitar profissionais da área das artes – e o excesso de informação em
todas as mídias. Como filtrar a informação que se propaga em todas as
direções vinda de todos os meios de comunicação e como trabalhar tais
mídias e os recursos educa vos com os públicos especiais são questões a
serem analisadas pelos órgãos competentes de educação formal. Para
Barreto (2010):

"Se o simples acesso às TIC é confundido com a aprendizagem, é


razoável supor que: (1) o ensino, na configuração histórica
conhecido por todos, só tenha razão de ser entre os absolutamente
excluídos; e (2) as condições concretas em que as TIC são acessadas
não impliquem diferentes aprendizagens. Assim, por exemplo, a
restrição à condição de usuário, marcada nas estratégias de EAD
para a formação de professores nos “países em desenvolvimento”,
não diferiria substan vamente dos modos que, irrestritos, integram
novas possibilidades de ensino 'presencial'" (p. 113).

A formação con nuada de professores, seja presencial, seja a distância,


permite ao profissional da área da educação, especificamente das artes
visuais, aprofundar seus conhecimentos, renovar-se e atualizar-se de
acordo com as diretrizes educacionais municipais, estaduais e federal. A
análise de orientações para a formação de professores a que se refere
Mazzeu (2011) cria inquietações relacionadas a esse processo porque as
prá cas educa vas tendem a acompanhar as necessidades da comunidade
acadêmica que está se formando e que atuará nas escolas de primeiro e
segundo graus. As Diretrizes Curriculares, ao apontarem para o
alinhamento com as regras internacionais, sugerem progresso, uma
transição para melhorar as condições de nivelamento com outros países a
fim de compe r em qualidade de conhecimento e estrutura educacional.
Ainda segundo Mazzeu (2011):

"Reformas na educação marcadas pela produção de documentos


oficiais, leis, diretrizes e decretos embasados pelas recomendações
de organismos mul laterais internacionais e regionais, dentre os
quais se destacam: Banco Mundial, Organização das Nações Unidas
para a educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), Fundo das Nações
Unidas para a Infância (UNICEF), Comissão Econômica para a
América La na e o Caribe (CEPAL), e o Programa das Nações Unidas
para o Desenvolvimento (PNUD)" (p. 149).
A demanda e as movimentações já iniciadas pela internacionalização
nas universidades, o compar lhamento do conhecimento por meio da
par cipação em congressos e intercâmbios em nível de graduação e pós-
graduação fazem possível o aprimoramento na área do conhecimento. As
reformas no nível educacional brasileiro e a procura de trocas de
informação em âmbito internacional entre as universidades com maior
rapidez en dades e os acadêmicos compe vos perante o mundo.

O uso das tecnologias digitais


O conjunto de conhecimentos e princípios cien ficos que se aplicam à
formação de professores em artes permite ver e estudar arte, os processos
técnicos, as polí cas de ensino e as questões socioculturais que o
licenciado enfrenta quando sai da vida acadêmica para o meio em que o
aluno em processo escolar se encontra. Ao se tratar desse assunto, é
necessário realizar um compara vo entre o ensino-aprendizagem clássico,
tradicional, em sala de aula e o ensino de hoje, com o uso das novas
tecnologias.
O uso da tecnologia de informação e comunicação – TIC –, tanto em
universidades como em escolas, facilita a comunicação e a troca de
material de estudo. Na formação de professores, permite a pesquisa em
diferentes bancos de dados e a educação a distância viabiliza o acesso à
formação universitária por alunos que se encontram distantes dos polos de
educação superior. Nas escolas, a u lização das tecnologias auxilia os
professores e alunos no estudo de ar stas e obras em museus on-line,
além de possibilitar a postagem de material de estudo. Segundo Barreto
(2010):

"Quanto maior a presença da tecnologia, menor a necessidade do


trabalho humano, bem como maior a subordinação real do
trabalho ao capital e aos que se valem das tecnologias para ampliar
as formas de controle do trabalho e de seus produtos" (p. 115).

O autor aponta a subs tuição do ser humano pela tecnologia. Na


indústria em que era necessária a mão de obra para produção em série de
determinados produtos, tem havido a troca grada va do homem pelas
máquinas que produzem mais em menos tempo.
Na educação, os materiais educa vos on-line, tais como cursos que
podem ser comprados pela internet e os encontros de EAD com horários
flexíveis para realizar os estudos longe da sala de aula promovem a
formação de professores a distância, que se completa com encontros
presenciais em que existe o acompanhamento do tutor presencial quando
da entrega de trabalhos e realização de provas.
Os professores que possuem mínima ou nenhuma condição para
ministrar suas aulas, ao não terem acesso às tecnologias, não conseguem
integrar ao grupo que u liza essas ferramentas com conhecimento.
Barreto (2010) afirma também que:

"Se o simples acesso às TIC é confundido com a aprendizagem, é


razoável supor que: (1) o ensino, na configuração histórica
conhecido por todos, só tenha razão de ser entre os absolutamente
excluídos; e (2) as condições concretas em que as TIC são acessadas
não impliquem diferentes aprendizagens. Assim, por exemplo, a
restrição à condição de usuário, marcada nas estratégias de EAD
para a formação de professores nos 'países em desenvolvimento',
não diferiria substan vamente dos modos que, irrestritos, integram
novas possibilidades de ensino 'presencial'" (p. 113).

O acesso à informação por meio das TIC não pode ser confundido com
aprendizagem. As TIC são ferramentas complementares. A internet
democra zou, de alguma forma, o acesso e a autoria, professores
ministram aulas e postam na internet conteúdos. No entanto, é necessário
um cuidado e um filtro bastante crí co com todo esse mar de informações.
Em locais de di cil acesso à internet e onde não se u liza o computador,
tomando como exemplo regiões de extrema pobreza no interior do Brasil,
ainda a procura de informação é feita nos livros, quando existe uma
biblioteca. Entretanto, existe uma mudança no processo de ensino-
aprendizagem no ambiente de estudo mais informal, em ONGs, centros
comunitários, nas escolas que aderem ao trabalho de oficinas de reforço
para os alunos, no contraturno, no contato aluno-professor e as
transformações espelham-se nos resultados ob dos perante a sociedade.
Para Barreto (2010):

"O que tende a ficar de fora é justamente a mediação pedagógica.


Não por acaso, a parte substan va da expressão 'trabalho docente'
tem sido progressivamente subs tuída por a vidade e mesmo
tarefa, assim como a designação 'professor' tem cedido espaço a
'facilitador', 'animador', 'tutor', 'monitor', etc. No imaginário social
e pedagógico, circula a noção de que a presença das TIC simplifica
todo o processo de formação humana" (p. 115).

A palavra professor vem sendo subs tuída por tutor, facilitador, o que
não significa que o profissional esteja mudando de perfil. O professor
estabelece métodos e estratégias para orientar e ensinar seus alunos. O
tutor mostra os passos de u lização do so ware em que o aluno irá
trabalhar com a unidade de ensino. Não é sempre que a presença das TIC
simplifica o processo de formação humana, já que ainda existe resistência
às novas tecnologias. Segundo Barreto (2010):

"São poucos, compara vamente, os discursos produzidos do lugar


da escola, dando conta das recontextualizações das TIC nas prá cas
pedagógicas, não apenas como novas ferramentas para executar o
'mesmo' trabalho, mas para a instauração de diferenças
qualita vas no trabalho desenvolvido" (p. 116).

A questão levantada pelo autor mostra uma situação que hoje se


contesta. Locais de formação de professores e estabelecimentos de ensino
apresentam prá cas pedagógicas inseridas no contexto das TIC.
Professores já integram em sala de aula o uso de tablets e laboratórios de
informá ca produzem resultados provenientes dessas ferramentas, como,
por exemplo, no Brasil, na região de Xanxeré, Santa Catarina, em que a
Secretaria de Desenvolvimento Regional reuniu, em 2014, docentes para
avaliar o uso das tecnologias em sala de aula e constatou que foram
contratados, em regime temporário, professores para dar suporte técnico a
56 escolas da região, apoiando a vidades que envolvem tecnologia.
Universidades públicas e par culares exibem, em seus programas de
formação, disciplinas que permitem a integração de so wares que
contenham tutoriais para o aluno se integrar às novas tecnologias, o que
tem produzido melhores resultados relacionados com sua área de atuação.
As diferenças qualita vas surgem no momento em que há um melhor
preparo para o uso das TIC, que pode ser percebido nos dis ntos mercados
de trabalho e principalmente no que se refere às artes em geral, que
u lizam a arte-tecnologia e a arte-educação.

Considerações
As discussões levantadas neste texto sobre os temas abordados
permitem perceber que a formação de professores ainda está dependendo
de leis que se comprometam a melhorar e fortalecer o uso das tecnologias
nos cursos das licenciaturas. A percepção do sensível é necessária para
analisar uma obra de arte quando se trata de ensino de artes nas escolas e
nos ambientes de educação não formal. Discu r sobre o tema das artes e a
elite trouxe à tona a questão de levar as artes para as escolas ou a escola
para dentro dos museus e galerias por meio das ações educa vas,
desmis ficando a ideia de que a arte somente pode ser apreciada por
pessoas de classes privilegiadas. A discussão de como ensinar arte nas
escolas é um assunto que está se renovando porque surgem novas
tecnologias a cada momento. Na formação de professores de artes, é
fornecido material de ensino-aprendizagem nas áreas de esté ca e história
da arte, arte-educação, processos ar s cos contemporâneos, que
introduzem a internet e uso de aparelhos móveis nas pesquisas e
transmissão de dados entre aluno e professor. Cabe aos órgãos municipais
e federais ministrar as verbas para distribuição de equipamentos como
notebooks e tablets em sala de aula e equipar os laboratórios de
informá ca tanto em escolas como em universidades para que os
encontros se tornem produ vos, dinâmicos e favoreçam as pesquisas e
consultas no que se refere ao ensino das artes. Ao trazer autores que
discutem o uso das tecnologias em sala de aula e no processo de formação
de professores, é animador perceber que elas estão se incorporando no
co diano da educação e as aversões de alguns usuários avessos ao novo,
aos poucos, vai diminuindo.

Notas
1. Disponível em: <h ps://www.youtube.com/results?
search_query=artes+visuais>. Acesso em: 20 out. 2015.
2. Disponível em: <h p://www.seabd.bco.ufscar.br/bases-dados/portal-de-
periodicos-da-capes-alerta-sobre-excesso-de-downloads-nas-bases-de-
dados>. Acesso em: 20 out. 2015.
3. Disponível em: <h p://canaldoensino.com.br/blog/50-museus-virtuais-
para-voce-visitar>. Acesso em: 20 out. 2015.
4. Disponível em: <h p://www.ead.com.br/carreiras/curso-de-artes-
visuais-a-distancia.html>. Acesso em: 20 out. 2015.

5. A vidades que permitem a interação entre as disciplinas ou que


ocorrem quando existe um eixo comum entre as disciplinas (Oliveira, 2008,
p. 79).

6. Na interdisciplinaridade, duas ou mais disciplinas estabelecem um


vínculo entre si de forma que integrem ideias e haja colaboração entre
elas, o que depende da integração entre os professores; na
transdisciplinaridade, não há fronteira entre as disciplinas, trata-se
conjuntamente do que existe entre e através das disciplinas o que exige
planejamentos e sucessivas avaliações conjuntas pelos professores
(Nicolescu, 2008).

Referências
ALCAIDE, D. D.; SILVA, M. C. R. F. Formação de professores de arte: um
recorte Brasil-Espanha. In: OLIVEIRA, S. R.; FREITAS, N. F. Proposições
intera vas: arte, pesquisa e ensino. Florianópolis: UDESC, 2010.
BARBOSA, A. M. Ensino da arte, memória e história. São Paulo: Perspec va,
2011.

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CAPÍTULO 9
TECNOLOGIAS CONTEMPORÂNEAS:
CONSIDERAÇÕES SOBRE SUA INTERFERÊNCIA NA
FORMAÇÃO E ATUAÇÃO DO PROFESSOR DE
ARTES VISUAIS
Valéria Metroski de Alvarenga

Introdução
A formação e atuação de professores, diante das tecnologias
contemporâneas [1], tem sido tema frequente de muitas discussões na
atualidade. Neste ar go, abordam-se pontos relacionados à expansão dos
cursos de licenciatura na modalidade EAD atrelados às polí cas públicas e
verifica-se como os professores de arte pensam e trabalham com essas
tecnologias contemporâneas em sala de aula. A abordagem metodológica
escolhida é mista, com base em Creswell (2010). Esse po de metodologia
abarca tanto o aspecto quan ta vo, quanto o qualita vo da pesquisa. O
primeiro está mais relacionado aos dados esta s cos e números, ao passo
que o segundo está mais associado à análise de entrevistas, documentos,
revisão bibliográfica etc. Segundo Creswell (2010), a mistura das
metodologias favorece a pesquisa em educação, pois permite uma
ampliação de possibilidades de análise e de comparação entre global/local;
geral/específico.
Inicialmente, discute-se a formação de professores relacionada às
polí cas públicas e à arte. Posteriormente, trata-se sobre o aumento da
presença das tecnologias contemporâneas nos cursos de licenciaturas, por
meio da EAD. Apresentam-se, ainda, as orientações sobre as tecnologias
contemporâneas em documentos norteadores e, por fim, situa-se a
condição do professor de arte ante as novas tecnologias com base em uma
entrevista com vinte arte-educadores atuantes na educação básica,
realizada pelo Programa de Pós-graduação em Artes Visuais da
Universidade do Estado de Santa Catarina (PPGAV/UDESC), referente ao
ano de 2013.

Formação docente e arte


A formação docente é transpassada por inúmeros fatores, como:
polí cas públicas, economia, avanços tecnológicos e cien ficos,
pensamentos filosóficos, assim como pelos discursos que ajudam a manter
determinadas relações sociais, os quais afetam direta e indiretamente a
formação docente. Neste ar go, faz-se um recorte que abrange a formação
docente diante das tecnologias contemporâneas. Esses temas serão
tratados por via das polí cas públicas educacionais. Segundo Ga (2014),

"A formação dos professores tem sido um grande desafio para as


polí cas educacionais. Inúmeros países vêm desenvolvendo
polí cas e ações agressivas na área educacional cuidando,
sobretudo, dos formadores, ou seja, dos professores, que são os
personagens centrais e mais importantes na disseminação do
conhecimento e de elementos substanciais da cultura" (p. 35).

A formação de professores, portanto, tem sido colocada em evidência


nas úl mas décadas por causa da grande demanda que surgiu por conta da
baixa procura pelos cursos de licenciatura e pela grande desistência da
profissão. Com a difusão das tecnologias contemporâneas, houve o
aumento dos cursos de formação inicial na modalidade de EAD, assim
como o incen vo para a sua ampliação mediante as polí cas públicas, as
quais, no entender de Lima (2008), são das como um mal necessário, pois
sem Estado e sem elas o caos se instalaria.
No entanto, essas polí cas precisam ser construídas sob a igualdade de
condições socioeconômicas, culturais e educa vas; do contrário, elas
apenas atenuam as desigualdades e servem para amenizar os conflitos
entre as classes.
Nos anos 1990, houve uma reforma curricular que nha por obje vo,
grosso modo, uma adaptação dos indivíduos ao sistema capitalista pela
educação. Para tal empreendimento, foram produzidos muitos
documentos oficiais, leis e diretrizes embasados na recomendação do
Banco Mundial, da Unesco, entre outros órgãos internacionais. Mazzeu
(2011) realiza uma análise dos pressupostos por trás dessas normas
internacionais e também aponta a interferência delas nos documentos
oficiais brasileiros. A autora constata que, neles, a educação é vista como
essencial para o desenvolvimento do país. Porém, não no sen do de
realmente promover mudanças significa vas que proporcionem a
emancipação dos sujeitos, mas, sim, como forma de suprir a defasagem
existente entre o sistema produ vo e o sistema educa vo. Portanto, as
reformas visavam simplesmente a uma adequação, a qual está presente no
discurso do Banco Mundial, a saber: formar indivíduos funcionais,
adaptáveis às demandas do mundo do trabalho e da economia.
Em concordância com Mazzeu (2011), não se pode negar que a Lei de
Diretrizes e Bases nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, impulsionou a
formação do professor para o ensino universitário por meio da criação de
inúmeras Ins tuições de Ensino Superior (IES), que promoviam formação
inicial e con nuada, cujas caracterís cas eram a rapidez e a flexibilidade.
Segundo Garcia (2009), no que se refere ao ser humano, ser flexível é
ser capaz de adequar-se às condições variáveis. Esse conceito de
flexibilidade da pessoa humana (que tem relações com o campo de
pensamento próprio da biologia darwinista) é adaptado ao mercado e a
lógica interna dessa concepção funciona exatamente do modo que ele
precisa. Assim, a flexibilidade torna-se uma caracterís ca a ser buscada em
todos os níveis educacionais na atualidade. As tecnologias da informação e
comunicação [2] (TICs) podem auxiliar nesse processo, afinal

"As TICs são inves das de grande importância, na medida em que


podem viabilizar novas estratégias para o desenvolvimento das
competências [3] visadas, inclusive, e talvez principalmente, através
de propostas de formação de professores a distância" (Barreto,
2009, p. 105).

No entanto, também há o lado posi vo dessa modalidade de ensino.


No que se refere à formação de professores de artes visuais por meio da
Educação a Distância (EAD), Sampaio (2014) afirma que "a implementação,
desenvolvimento e ampliação da EAD vem se mostrando ser uma boa
estratégia e conta com ferramentas eficazes, confirmando a necessidade
das licenciaturas em Artes Visuais, serem, inclusive, ampliadas" (p. 262).
Essa mesma autora aponta, também, que há necessidade do uso efe vo
das tecnologias contemporâneas para propiciar, de fato, apropriação e
empoderamento.
No que tange à importância do ensino de arte nas escolas, aqui se
concorda com Pino (2006) quando ele u liza a perspec va histórico-
cultural para explicar o papel da criação e da educação na cultura e no
desenvolvimento humano. Segundo Pino (2006), a capacidade criadora foi
adquirida no processo evolu vo e é um dos pilares do processo de
humanização. Para ele, criação é "dar existência ao inexistente [...] fazer
acontecer o novo do velho" e esse processo ocorre por intermédio da
cultura. Ainda segundo Pino (2006), a a vidade criadora permite ao ser
humano agir sobre a natureza e modificá-la em função de seus obje vos e,
nesse desenrolar, transformar a si mesmo. Conforme o autor, os seres
humanos transformam as imagens naturais em simbólicas dando-lhes
significação, tornando-as culturais, obras do próprio homem.
Seguindo essa linha de pensamento, cabe tratar do sen do esté co. [4]
Segundo Pino (2006), o sen do esté co não é inato, mas objeto de
formação e, se é assim, pode-se encontrar relação entre sen do esté co e
educação informal e formal. Em virtude disso, é necessário ensinar esté ca
nas aulas de arte e também a desconstrução das categorias de arte e
cultura geralmente aceitas com base nos discursos hegemônicos que
caracterizam o senso comum. Entende-se, portanto, que é preciso
considerar a sensibilidade, assim como o lado crí co da arte. Isso pode ser
feito pelo ensino da arte, o qual está relacionado com a história, a técnica,
o contexto e a crí ca da própria produção ar s ca e da sociedade.
Como se pode observar, há inúmeros fatores que interferem na
formação docente. O sistema capitalista, mediante as polí cas
educacionais, de discursos presentes em documentos norteadores e
oficiais, infiltra-se na educação e tenta manter as relações sociais de
classes tal como é seu obje vo: conter a massa e manter-se no poder via
controle econômico. No entanto, as polí cas educacionais são necessárias
e, de certa forma, também trazem bene cios. Um curso de ensino
superior, por exemplo, ofertado na modalidade EAD, com baixo custo,
ultrapassa os problemas geográficos e financeiros, permi ndo, assim, que
ocorra o acesso a esse nível de ensino, o que provavelmente não ocorreria
de outra forma. Considerando as relações estabelecidas até aqui, será
abordada, no próximo tópico, a interferência das tecnologias
contemporâneas no papel do professor e na sua formação.

Cursos na modalidade EAD e recomendações sobre as TICs


Pereira (2011) afirma que, desde 1970, a formação docente já
enfrentava problemas causados pela expansão do sistema público de
ensino sem o inves mento necessário em educação. Isso resultou em uma
demanda gigantesca de professores para a educação básica, o que, por sua
vez, repercu u no ensino superior, o qual teve de ampliar a oferta de
vagas, oferecer mais licenciaturas e acelerar o processo de formação.
Como as universidades públicas não conseguiram suprir essa agência,
houve uma grande ampliação do ensino superior privado e,
posteriormente, dos cursos de licenciatura na modalidade EAD.
Segundo Ga (2014), no que se refere à procura pelos cursos de
licenciatura nas modalidades presencial e a distância, há um aumento de
interesse pelos cursos ofertados nesta úl ma modalidade. "Na sequência
temporal 2001-2011 há uma visível migração dos cursos de licenciatura
para o regime a distância" (p. 36). Tendo como referência o ano de 2011, a
autora afirma que

"As licenciaturas a distância oferecidas por ins tuições privadas


detêm 78% das matrículas em cursos de formação de professores.
Esse dado é notável, uma vez que, em 2001, havia apenas
matrículas em licenciaturas a distância em ins tuições públicas, e,
em 2002, a proporção era de 84% de matriculados em EAD nessas
ins tuições, e 16% nas ins tuições privadas" (p. 36).

Além disso, considera que a inversão nesses dados, em pouco menos


de uma década, esteja relacionada com as polí cas que favoreceram a
expansão da EAD nas IES privadas e assevera que "a reordenação do
campo da educação a distância por parte do poder público, a par r de
2005, criou condições para o crescimento acelerado do ensino superior
nessa modalidade" (Ga , 2014, p. 37). Tal formato também a ngiu as
licenciaturas de Arte.
Segundo Sampaio (2013), "em levantamento junto ao MEC sobre as
Ins tuições de Ensino Superior brasileiras credenciadas para a oferta de
cursos de licenciatura em Artes Visuais por EAD encontramos 18 [5]
ins tuições credenciadas" (p. 13). Vale ressaltar que essas ins tuições
podem criar polos em diversas cidades e estados, o que possibilita um
grande número de cursos. Os programas que orientavam esses cursos
eram: Pró-licenciatura, Universidade Aberta do Brasil (UAB), Plano
Nacional de Formação de Professores (Parfor) e Programa próprio (no caso
das ins tuições par culares, principalmente).
No que se refere à formação docente em artes visuais nessa
modalidade de ensino, Sampaio (2013) afirma que "as propostas de EaD
em Artes Visuais para formação de professores até agora conhecidas
reproduzem os currículos e formações presenciais, de modo virtualizado,
apoiadas em suportes digitais" (p. 19). Torna-se necessária, portanto, uma
reflexão que vise a reconfigurações da estrutura dos cursos ofertados
nessa modalidade de ensino.
Além da formação de professores na modalidade de EAD, também há
orientações para que o professor trabalhe com as tecnologias
contemporâneas em sala de aula. Nas DCNs da formação de professores da
Educação Básica (Brasil, 2002), segundo Barreto (2009, p. 106), há a
seguinte ‘recomendação’:

"O professor deve saber, no sen do de conhecer e controlar (o


termo é fundamental), o meio ‘técnico-cien fico-informacional’,
acompanhando o movimento da ‘diversificação dos espaços
educacionais [que passam a incluir] a televisão e os meios de
comunicação de massa em geral, as tecnologias, o espaço da
produção, o campo cien fico e o da vivência social (p. 18), ‘em
tempos e espaços nunca antes imaginados" (p. 25).

Nesse mesmo documento, aparece ainda um apontamento em relação


ao uso das TICs:
"Art. 2º A organização curricular de cada ins tuição observará,
além do disposto nos ar gos 12 e 13 da Lei 9.394, de 20 de
dezembro de 1996, outras formas de orientação inerentes à
formação para a a vidade docente, entre as quais o preparo para
[...] o uso de tecnologias da informação e da comunicação e de
metodologias, estratégias e materiais de apoio inovadores; [...]"
(Brasil, 2002).

Além das orientações desse documento, o qual abrange a formação


inicial de professores de todas as disciplinas existentes na educação básica,
também há recomendações sobre as tecnologias contemporâneas no
parecer das DCNs dos cursos de graduação em artes visuais (2007), nas
próprias DCNs dos cursos de nível superior dessa linguagem ar s ca
(2009), nos Parâmetros Curriculares Nacionais de Arte (PCNs – Arte) (1998)
e em outras propostas curriculares de estados e/ou municípios.
Como exemplo, no que se refere à formação do professor de artes
visuais, o parecer das DCNs de graduação para essa linguagem ar s ca
aponta que tais cursos devam estar atentos "às tecnologias de produção e
reprodução visual, de novas demandas de mercado e de sua
contextualização marcada pela compe ção e pela excelência nas diferentes
modalidades de formação profissional" (Brasil, 2007, p. 4).
Compreende-se, portanto, que existam indicações para o uso das
tecnologias contemporâneas tanto como recurso para o processo de
ensino-aprendizagem, quanto como forma de produção de trabalhos
ar s cos, assim como incen vo para uma reflexão crí ca sobre elas. Esses
documentos norteadores, em geral, reafirmam a necessidade de o futuro
professor dominar e conhecer as tecnologias contemporâneas por estas
dinamizarem o processo educa vo e ampliarem a forma do ensino das
artes visuais. Ao se considerar a produção ar s ca contemporânea, nota-
se que o uso das tecnologias contemporâneas está em voga, portanto, é
possível inseri-las no ensino de arte, atraindo com isso a atenção dos
alunos e propiciando novos meios/técnicas de ensino.

Interferência das TICs no papel do professor


Como ocorre a interferência das Tecnologias da Informação e
Comunicação (TICs) na formação docente? Há alterações no papel do
professor diante das novas tecnologias?
Além de tentar responder a essas questões, será abordada, também, a
influência mercadológica que recai sobre as TICs que altera,
consequentemente, a relação professor/aluno e o processo de ensino e
aprendizagem. As educadoras Garcia (2009), Barreto (2009) e Sampaio
(2014) auxiliam na abordagem dessas temá cas. Além da revisão da
literatura sobre o assunto, serão analisadas, ainda, quatro questões sobre
as TICs, as quais fizeram parte de uma entrevista realizada em 2013 com
professores de arte da educação básica no estado de Santa Catarina.
Segundo Sampaio (2014), a nomenclatura EAD refere-se à educação
realizada sem a presença sica de um professor. No entanto, isso não quer
dizer que seja um autoaprendizado nem que essa modalidade de ensino
elimine a figura do docente, ou seja, é uma forma diferenciada do processo
de ensino-aprendizagem.
Barreto (2009) analisa o discurso da ‘falta’ e as estratégias de
subs tuição tecnológica em razão da presença das TICs. Segundo a autora,
o diagnós co das faltas é uma espécie de construção de perfil profissional
ao avesso, no qual sobressai a crí ca a um formato tradicional que não
contemplaria as caracterís cas consideradas na atualidade inerentes à
a vidade docente, precisando, assim, ser ressignificado. Tal ressignificação
incorpora elementos cada vez mais distantes do trabalho docente.
De modo geral, segundo Barreto (2009), existe um discurso cada vez
menos voltado para o ensino e cada vez mais voltado para a aprendizagem.
O professor pode não ser re rado de cena, mas assume um papel
secundário, ou seja, ele se torna o facilitador da aprendizagem. Nessa
mesma linha de pensamento, a autora afirma que o discurso das
organizações internacionais sugere “aprendizagem sem ensino”. Tem-se,
nesse aspecto, uma mudança radical: a aprendizagem não mais como um
processo interno, mas como um produto que pode ser ‘acessado’. Isso gera
uma quebra da noção de ensino-aprendizagem, que desloca o enfoque
para a aprendizagem. Assim, valorizam-se demasiadamente as novas
tecnologias e descaracteriza-se a relação educacional professor-aluno.
Barreto (2009) afirma que, quando o foco está apenas na aprendizagem,
em oposição ao ensino, ocorre um esvaziamento do trabalho docente pela
intensificação do uso das TICs. A autora também aponta que esse po de
educação não fere a lógica do mercado, pois quanto maior a presença da
tecnologia, menor a necessidade do elemento humano, ou seja, maior a
subordinação real do trabalho ao capital, que se vale das novas tecnologias
para ampliar as formas de controle do trabalho e de seus produtos. Assim,
o que tende a ficar de fora é a mediação pedagógica.
As TICs são uma adição às prá cas pedagógicas desde que os desafios,
nela implícitos, sejam reconhecidos e enfrentados. Segundo Barreto
(2009), é preciso ques onar expressões que aliam reducionismo à
sofis cação tecnológica. Então, ficam as perguntas da autora: Quais
tecnologias? Para quê? Para quem? Em que termos?
Algumas respostas para essas interrogações são expressões do
pensamento da professora Garcia (2009), que problema za os
desdobramentos da polí ca educacional e das TICs referentes às úl mas
décadas, os quais se encontram relacionados ao processo de expansão do
Ensino Superior no Brasil e em diferentes países la no-americanos [6].
Segundo essa autora, as TICs garantem poder e controle para quem tem
conhecimento e informação, bem como as polí cas educacionais permitem
um novo modo de controle por intermédio da concentração sem
centralização, logo, são uma maneira de "exercer o controle e o poder de
forma camuflada, invisível" (p. 137). Essa mesma educadora também
considera que as TICs proporcionaram uma reestruturação do processo
produ vo, o qual, por sua vez, gerou/gera mão de obra qualificada, baixos
salários, pouca organização sindical e isenção fiscal.
Naturalmente, segundo Garcia (2009), a reestruturação do processo
produ vo acarretou mudanças na organização de produção da sociedade,
principalmente pela interferência das TICs e de reformas educacionais em
nível mundial, na década de 1980, e no Brasil na década de 1990.
Mas como isso afetou/interferiu na organização do campo
universitário? Houve, neste úl mo, uma elevada demanda educacional
causada pela consolidação do ensino superior para as massas, assim como
pelas alterações na organização do ensino superior por causa das TICs, com
o desenvolvimento da EAD. Além disso, registraram-se mudanças no perfil
do professor e seu processo de formação. A educação volta-se para a
compe vidade e há um es mulo para a inicia va pessoal no processo de
busca pelo conhecimento por meio da supervalorização da formação
con nuada em detrimento da inicial.
Garcia (2009) afirma que, em geral, essa expansão do Ensino Superior,
apontada anteriormente, tem ocorrido de forma mais intensa no setor
privado e na modalidade de educação a distância (EAD); esta úl ma se
encontra em consonância com as regras do mercado, pois os cursos dessa
modalidade atendem, em geral, à população de baixa renda,
principalmente por ter mensalidades acessíveis e por conciliar educação
com as exigências das jornadas de trabalho.
Observamos, portanto, que há um lado posi vo e um nega vo nas
EADs. O lado posi vo é que esses cursos a distância garantem a
possibilidade de as pessoas terem acesso ao ensino superior, apesar das
distâncias sicas de uma faculdade presencial ou de se terem poucas
condições financeiras para arcar com o ônus das parcelas de uma
graduação em ins tuições par culares. O lado nega vo, entretanto, é, em
geral, a aceleração do conteúdo e a maneira pela qual ele é acessado, o
que pode gerar perda de qualidade de ensino e de aprendizagem. Percebe-
se que é gerada uma exclusão ou uma inclusão precária com aparência
democrá ca, a qual é legi mada socialmente, pois, apesar do acesso aos
conteúdos, é ‘preciso’ contentar-se com uma imitação do modo de vida
dos que possuem melhores condições financeiras.
Conforme o exposto, vê-se que as TICs proporcionaram uma grande
transformação na formação e no entendimento do papel do professor, por
conta de caracterís cas benéficas, como a facilidade de acesso a
informações, dinamização e ampliação das formas de ensinar usando as
novas tecnologias. Por outro lado, há os aspectos desagradáveis, que
consistem no modo não igualitário do acesso às TICs, a secundarização do
papel do professor e a aceleração da formação pelas EADs.

O que os professores de arte pensam sobre as TICs


Apontadas e problema zadas essas questões sobre as TICs e a
formação docente, interessa saber como as tecnologias contemporâneas
são compreendidas e u lizadas em sala de aula, especificamente nas aulas
de arte. Para tal, entrevistaram-se [7] vinte professores que lecionam essa
disciplina e atuam na educação básica do estado de Santa Catarina. As
entrevistas ocorreram no segundo semestre de 2013 por meio de um
ques onário semiestruturado. Algumas entrevistas foram realizadas via e-
mail e outras pessoalmente.
Antes de tratar do que foi constatado, vejam-se os perfis dos
entrevistados. No que se refere à sua tulação, um tem mestrado, 13
possuem especialização, quatro possuem graduação e dois ainda estão
cursando o úl mo ano de licenciatura. Ao se analisar o ano de formação
dos par cipantes, vê-se que apenas um se formou antes de 1990, sete se
formaram entre 1991 e 2000, dez se formaram entre 2001 e 2013 e dois
ainda não se formaram. Quanto à área de formação, três cursaram
Pedagogia, um cursou Artes Cênicas, cinco são licenciados em Artes
Visuais, um possui bacharelado nesse mesmo curso, seis são formados em
Educação Ar s ca, um possui licenciatura em Artes Plás cas e três
cursaram Artes Visuais, porém não informaram a habilitação (licenciatura
ou bacharelado). Vê-se que os perfis dos entrevistados apresentam certa
variação, mas a maioria está diretamente ligada à área de Artes Visuais. Na
sequência, analisam-se quatro das 16 perguntas realizadas, de caráter
qualita vo, referentes ao uso das TICs na sala de aula e como eles veem os
cursos ofertados na modalidade de EAD.
A primeira pergunta realizada foi: “A escola que você leciona foi
contemplada com a inserção de novas tecnologias voltadas para a prá ca
de ensino (TIC)? Que equipamentos e quais os usos atribuídos na sala de
aula/informá ca?” A respeito dessa questão, 95% dos entrevistados
afirmaram que suas escolas foram contempladas com as novas tecnologias
de alguma forma, vários declaram que a escola possui laboratório de
informá ca e data show, outros disseram ainda que a escola possui TV,
tablets e notebooks. Sobre usos atribuídos, muitos reclamaram de ter de
agendar a sala de informá ca, pois há uma única sala com 15 ou 25
monitores para todos os usuários do colégio e nem sempre esses
‘laboratórios’ de informá ca estão em condições de uso. Segundo uma
professora, a “sala de informá ca está sucateada”, o que dificulta o acesso.
Uma entrevistada relatou o seguinte: “Minha escola foi parcialmente
contemplada. A sala de informá ca não apresenta espaço adequado e não
possui computadores suficientes para o número de alunos”. Vê-se,
portanto, que há o recurso material, mas este não atende às necessidades
reais das ins tuições de ensino. Os professores relataram também que,
quando conseguem u lizar o espaço em questão, eles levam seus alunos
para fazer pesquisa, jogos escolares, análise de imagens e de vídeos.
A segunda pergunta, foi: “Você faz uso de algum recurso tecnológico
em sala de aula? Em caso afirma vo, qual(is)?” Do total de entrevistados,
95% respondeu afirma vamente. No que se refere à quan dade dos
recursos u lizados, as respostas variaram entre zero e seis recursos
diferentes. As especificações foram: TV, computador, data show, máquina
de xerox, aparelho de som, celular, sala de informá ca, tablets, lousa
digital, notebook, aparelho móvel mul mídia e câmera fotográfica. Nas
respostas, aparece com mais frequência o uso do data show e do
computador: 60% dos professores confirmaram usar o data show e 75%
citaram o uso do computador ou do notebook.
A terceira pergunta foi: “A inserção de novas tecnologias (TICs) mudou
ou mudaria (em caso de escola não contemplada) sua prá ca de ensino?
De que forma? Cite exemplos”. Do total de entrevistados, 95% revelou que
as novas tecnologias, de alguma forma, contribuíram posi vamente para a
sua prá ca de ensino. Apesar da visão posi va, alguns afirmam que nem
sempre e nem todos os recursos disponibilizados pela escola funcionam ou
tem uma qualidade adequada. No entanto, uma professora disse que o uso
do data show é de grande valia para a veiculação de imagens: “[...] não
preciso mais imprimir minúsculas reproduções de obras de arte para
mostrar aos alunos nem depender de livros de arte ou de coleções para
que eles possam visualizar as imagens”. Outra entrevistada respondeu:

“Mudaram bastante no ensino médio, pois posso planejar aulas


sem o conflito de choque de horários na sala mul meios (que é
muito solicitada), então, quando preciso acionar imagens ou
vídeos, aciono a internet direto na sala de aula ou de meu banco
de dados (em ‘meu’ notebook; bom salientar essa ‘exigência’ pra
que tudo funcione – o professor que quiser usar desses recursos
‘obriga-se’ a levar seu próprio equipamento)”.

Muitos professores precisam dispor do seu próprio material para


garan r que tudo ocorra bem durante a aula, no que se refere aos recursos
tecnológicos, conforme se pode observar nestas entrevistas: “Se antes eu
selecionava uma ou duas imagens para trabalhar, hoje posso selecionar
quantas eu quiser, é só projetar na parede.”

“Hoje em dia, não tem como você trabalhar sem usar este po de
tecnologia, pois é da geração deles. Nós, professores, temos que
nos adequar às novas tecnologias que chegam... Mudaram as
aulas de forma posi va, pois, como estamos falando e agindo com
o que os alunos entendem, eles, os alunos, sentem-se mais
mo vados para a realização dos trabalhos propostos,
consequentemente, aprendem mais”.

Vê-se, portanto, que os professores consideraram que as novas


tecnologias vieram contribuir para o processo de ensino-aprendizagem nas
aulas de arte e que eles tentam empregar esses recursos em sala de aula,
porém, muitas vezes, por falta de quan dade/qualidade adequada, tal
u lização fica prejudicada.
Por fim, a úl ma questão analisada é: “O que você pensa a respeito da
Educação a Distância? Já par cipou de algum treinamento u lizando
ferramenta de EAD?” [8] No que se refere à primeira questão, 35% dos
docentes acharam a EAD importante; 20% não se iden ficaram com o
ensino nessa modalidade; 25% consideraram que há aspectos posi vos e
nega vos e que um bom resultado depende muito do aluno e 20% não
responderam. Quanto à segunda pergunta, 30% dos professores afirmaram
que nunca fizeram cursos nessa modalidade; 55% fizeram pelo menos um
curso na modalidade de EAD e 15% não informaram. Quando ques onados
sobre o que achavam desses cursos, as respostas dos entrevistados
variaram. Alguns, que já haviam realizado cursos nessa modalidade,
disseram que apreciaram, outros declararam que não gostam de estudar
sozinhos, outros ainda afirmaram que são tradicionais e preferem cursos
presenciais, como se verifica no seguinte relato:

“Já fiz curso sobre alunos cegos em sala de aula a distância; foi o


único. Eu par cularmente sou bem tradicional no que diz respeito
a preferir o modo presencial. Porém, acredito que o ensino na
modalidade a distância é uma tendência que deve ser considerada
e ampliada, visto que é uma maneira de o mizar o tempo, sendo
que, para mim, só funciona quando o aluno sente um real
envolvimento, desenvolve-se e tem prazer naquilo que está
fazendo. Na contramão disso, muitas vezes, o ensino a distância
tem sido uma camuflagem para produzir diplomas. No entanto,
quem quer aprender, aprende, independentemente de ser
presencial ou a distância. A vontade está além do presencial ou
virtual. Há muitas pessoas com formação presencial que têm
menor desempenho do que outras no mesmo ramo formadas a
distância. Todavia, a educação a distância precisa ser muito
atra va para que não se resuma num compromisso desgastante
de leituras solitárias e dúvidas não solucionadas”.

Essa professora, apesar de preferir o ensino presencial, reconhece que


o ensino a distância pode ser interessante e coloca a responsabilidade da
aprendizagem no aluno e não na modalidade de ensino. Alguns
entrevistados ressaltavam pontos semelhantes. Outros, que realizaram
cursos nessa modalidade de ensino, afirmaram que a acharam ó ma por
não ter um horário fixo e possibilitar ao aluno conciliar trabalho e estudo
sem precisar deslocar-se e estudar quando quiser. Alguns observaram,
também, que a aprendizagem depende muito da disciplina do aluno. Uma
entrevistada expressou-se da seguinte forma: “Acho muito válida a
possibilidade de poder aprender a distância, pois, muitas vezes, os nossos
horários e compromissos nos impedem de adquirir conhecimento em
algum curso 100% presencial.” Outra professora, que também realizou
cursos nessa modalidade, afirmou que, na comparação entre os pontos
posi vos e nega vos, os posi vos sobressaem, pois “[...] você pode
escolher seu horário de estudo, não precisa sair de casa, ins tuições de
renome que promovem EAD, teleconferência, grupos de estudo, fóruns e
contato com o tutor.” Um dos entrevistados aponta que

“A EAD veio auxiliar no ensino superior oportunizando acesso para


todas as pessoas. O ensino a distancia depende muito do
empenho do educando na busca do conhecimento, pois os curtos
períodos de estudo com o professor em sala de aula dificultam o
processo de formação deixando a desejar em alguns conteúdos”.

Outro afirma o seguinte: “Fiz a minha graduação nesta modalidade;


considero uma ‘enganação’ porque a ins tuição de ensino superior não se
compromete com o aprendizado: se o aluno quer, aprende; se o aluno não
quer, vai para o mercado de trabalho assim mesmo”.
Segundo Sampaio (2014):

"Algumas das crí cas à EaD referem-se à EaD como fatalmente


nega va por promover o autodida smo [9]. Um olhar cuidadoso
percebe que essas crí cas se dirigem, em especial, aos processos
que, mesmo recebendo o nome de EaD, não vão além de produção
e distribuição de material didá co sem que, no entanto, haja uma
mediação consistente do processo ensino-aprendizagem" (p. 20).

Em síntese, pode-se inferir que a maioria dos professores considerou as


TICs indispensáveis para as suas aulas, principalmente no que se refere à
veiculação das imagens. Viu-se também que a maioria dos entrevistados
u liza mais de um material de apoio em se tratando de novas tecnologias.
Quanto à pergunta sobre a disponibilidade das novas tecnologias nas
ins tuições de ensino, verificou-se que a maioria tem acesso a elas de
alguma forma, porém muitos professores reclamaram da pequena
quan dade de computadores e da pouca qualidade deles. No que tange à
par cipação e sobre se gostaram ou não dos cursos a distância, alguns
docentes pensam que estes são bons por não terem horário fixo e não
exigirem deslocamento dos alunos, ao passo que outros acham que os
cursos proporcionados pelas EADs não são bons por não permi rem a
mesma interação que os cursos presenciais; alguns, ainda, consideram que
o aprendizado depende do aluno.
Conclui-se, portanto, que as TICs interferiram no modo de ensinar arte
por possibilitarem a exploração de outros materiais, além dos tradicionais,
e que favoreceram a forma de veiculação das imagens na sala de aula. No
entanto, compreende-se que ainda é preciso melhorar, principalmente no
que concerne aos recursos tecnológicos ofertados pelas escolas. Também é
preciso que haja mais cursos de formação con nuada para orientar os
docentes a explorar cada vez mais as TICs para além da facilidade da
veiculação da imagem, afinal

"A imagem ganha, a cada avanço tecnológico, mais e mais


possibilidades de apropriação e ressignificação. Da mesma forma,
entretanto, aumentam as possibilidades de uso dos recursos
tecnológicos sem que haja algum conhecimento ar s co. A
preocupação com a aprendizagem de conhecimentos em arte,
portanto, deve estar presente todo o tempo, quer quando se
trabalha com meios tradicionais quanto quando se trabalha com
recursos tecnológicos contemporâneos" (Pimentel, 2007, p. 3).

As tecnologias contemporâneas possibilitam diversos meios de


a vidades que extrapolam a simples ampliação e veiculação das imagens,
como: stop mo on, videoarte, museus virtuais, redes sociais, fotografia,
cinema, aplica vos, entre outras possibilidades que podem proporcionar
às aulas de arte. Vale ressaltar que

"Ao se optar por usar um ou mais recursos tecnológicos, essa


escolha deve jus ficar-se pela melhor adequação da expressão
ar s ca possibilitada por esse ou esses meios. O ideal é que @
alun@ tenha experiências com a vidades e materiais diversos –
câmera fotográfica (tradicional ou digital) / vídeo / scanner /
computador / ateliê / fotocópia – para que, conhecendo-os, possa
pensar Arte de forma mais abrangente" (Pimentel, 2007, p. 3).

Saber escolher o recurso tecnológico mais apropriado para


determinada a vidade ar s ca envolve formação adequada do professor,
assim como experimentação. Se ele não teve disciplinas que abordassem
essa temá ca durante a sua graduação, precisa, então, buscar recursos na
formação con nuada, a qual deve ser facilitada pela ins tuição de ensino
(e, consequentemente, pelo seu mantenedor, que é, em geral, o Estado) na
qual o professor trabalha.
Considerações finais
Conforme o exposto, no que se refere às TICs e aos discursos que
recaem sobre elas, com o auxílio de Garcia (2009) e Barreto (2009),
compreende-se que as novas tecnologias pretendem alterar a figura do
professor, relegando-o a um papel secundário, pois podem ‘trazer a ideia’
equivocada de aprendizagem sem ensino, esquecendo-se, assim, da
importância da mediação pedagógica. As TICs, juntamente com outros
fatores econômicos e sociais, provocaram uma aceleração da formação
docente, o que resultou, muitas vezes, em menos qualidade. Por outro
lado, os cursos na modalidade de EAD proporcionaram acesso ao ensino
superior a muitas pessoas que nham pouquíssimas chances de conseguir
realizar uma licenciatura presencial, por exemplo.
Constatou-se, também, que houve uma expansão da EAD,
principalmente nas ins tuições que possuem categoria administra va
privada, em razão das polí cas públicas que incen varam esse processo,
das alterações da economia e do aumento da abrangência das tecnologias
contemporâneas na sociedade com um todo. No que diz respeito aos
cursos de artes visuais nessa modalidade de ensino, viu-se que ocorreu,
também, uma ampliação deles e que, frequentemente, apresentam o
formato dos cursos presenciais amparados pelos recursos virtuais, o que,
segundo Sampaio (2014), precisa ser revisto. No entanto, a autora salienta
que eles apresentam potenciais diversos e devem ser incrementados.
Notou-se, ainda, por meio das entrevistas com os arte-educadores, que
eles, em maioria, afirmam que suas escolas possuem recursos materiais
das novas tecnologias, mas que estes estão sucateados e a quan dade está
aquém da demanda real. Os professores, em geral, veem as tecnologias
contemporâneas como facilitadoras do processo de ensino-aprendizagem e
comentam que elas auxiliaram, principalmente, a ampliar e veicular
imagens nas aulas. No que se refere à EAD, os entrevistados,
predominantemente, enxergam nela pontos nega vos e posi vos e,
segundo eles, os posi vos sobressaem-se. Como mais da metade desses
docentes fez cursos nessa modalidade de ensino, viu-se que ela tem
ganhado espaço e interesse dos professores tanto na formação con nuada
quanto na formação inicial, como foi apontado com Ga (2014).
Por fim, considera-se que é preciso con nuar com uma par cipação
crí ca e reflexiva nos cursos de licenciatura na modalidade de EAD, assim
como apontar propostas de ação concreta para a formação inicial em arte,
buscando efe vamente a crescente conscien zação sobre o papel social do
ensino e do caráter humanizador da arte.

Notas

[1] “Tecnologias contemporâneas, novas tecnologias, novos meios,


tecnologias digitais, são diversas as definições terminológicas atribuídas ao
fenômeno do emprego da tecnologia na cultura contemporânea” (Loyola,
2009, p. 1). Como há várias nomenclaturas para tratar da tecnologia na
contemporaneidade, em alguns momentos deste texto, serão usados os
termos Tecnologia da Informação e Comunicação (TICs), novas tecnologias
e tecnologias contemporâneas, em razão da terminologia empregada pelos
autores e/ou documentos norteadores que foram u lizados neste ar go
como apoio teórico.
[2] “Tecnologias da comunicação e informação: termo que diz respeito aos
recursos tecnológicos que permitem o trânsito de informações, que podem
ser os diferentes meios de comunicação (jornalismo impresso, rádio e
televisão), os livros, os computadores etc. Apenas uma parte concerne a
meios eletrônicos, que surgiram no final do século XIX e que se tornaram
publicamente reconhecidos no início do século XX, com as primeiras
transmissões radiofônicas e de televisão, na década de 1920. Os meios
eletrônicos incluem as tecnologias mais tradicionais, como rádio, televisão,
gravação de áudio e vídeo, além de sistemas mul mídias, redes
telemá cas, robó ca e outros” (Loyola, 2009, p. 124-125).
[3] Nas DCNs da formação de professores da educação básica (Brasil,
2002), há referência ao gerenciamento do próprio desenvolvimento
profissional. Segundo Barreto (2009), os cursos na modalidade EAD são
estratégias para conseguir que tal orientação se faça cumprir.
[4] De acordo com Pino (2006), a educação esté ca não se refere
primeiramente à arte, mas à região da percepção e sensação humanas. Ao
longo dos séculos, entretanto, a sensação aproximou-se muito da razão e
isso fez que se ‘esquecesse’ a materialidade do corpo. Convém lembrar,
porém, que este é o meio de acesso à experiência e, por conseguinte, à
possibilidade de significação, pois é ele que permite captar os es mulos
sicos pelos órgãos sensi vos de que é dotado o ser humano. Por isso, é
preciso educar os sen dos, pois eles são essenciais para a experiência de
percepção de que o corpo é veículo indispensável, de tal modo que as
imagens captadas, às quais se proferem juízos, sejam passíveis de múl plas
interpretações. Assim, tal possibilidade abre caminho para uma educação
mais desejável e ampla.

[5] CLARETIANO; FGF; UCS; UECE; UFAM; UFES; UFG; UFMA; UFRGS;
UFRPE; UNAR; UNB; UNIASSELVI; UNICENTRO; UNIMES; UNIMONTES;
UNITAU e UNIVASF. Sampaio (2013) acrescenta em seu ar go a UNOPAR, a
qual abriu credenciamento em um momento posterior à pesquisa realizada
por ela.
[6] “É forçoso reconhecer que não é possível compreender as questões
educacionais de nosso tempo sem nos referirmos à própria dinâmica do
mundo [...] um tempo de mudança acelerada, do uso das tecnologias
informacionais, da reestruturação do sistema produ vo [...] onde se
acirram as polarizações contraditórias [...]. É o mundo da extrema
desigualdade, quando a pobreza da maior parte da população coexiste
com a maior riqueza já produzida pela humanidade e acessível a poucos”
(Garcia, 2009, p. 135-136).
[7] Pesquisa realizada no segundo semestre de 2013 pelos discentes do
mestrado do Programa de Pós-graduação em Artes Visuais da UDESC, na
disciplina de Arte, Tecnologia e Formação de professores, ministrada pela
professora Maria Cris na da Rosa Fonseca da Silva.
[8] Detalhou-se um pouco mais essa questão por tratar-se especificamente
do que os professores pensam sobre a formação docente na modalidade
EAD.
[9] Sampaio (2014) afirma que “a principal e mais significa va diferença
entre autodida smo e EaD é que, no primeiro caso, são os próprios alunos
os selecionadores dos materiais e caminhos de sua aprendizagem,
enquanto, na EaD, o professor é o mediador dessas escolhas, orientando o
percurso” (p. 20).

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visuais a distância? Tese (Doutorado em Artes Visuais). São Paulo:
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CAPÍTULO 10
APONTAMENTOS SOBRE POLÍTICAS
EDUCACIONAIS E FORMAÇÃO DE PROFESSORES
Yáskara Beiler Dalla Rosa

Introdução
A formação de professores é tema atual no que tange à educação no
Brasil, não por ser um tema novo, mas, sim, por ser prioritário, pois
envolve a qualidade da educação no país.
Neste capítulo, serão abordados dez textos que compuseram o
repertório bibliográfico da disciplina Arte, Tecnologias e Formação de
Professores, que integra o quadro de disciplinas do Programa de Pós-
graduação da Universidade do Estado de Santa Catarina (PPGAV/UDESC).
Apesar de a questão da arte e da tecnologia também ser discu da na
referida disciplina, o foco maior deste texto recai sobre as polí cas
educacionais e a formação de professores, uma vez que cons tuem um
tema que faz parte de um grande conjunto que engloba, entre outras
questões, a arte e a tecnologia.
A educação no Brasil passa por uma crise em âmbito geral, seja no
ensino dos anos iniciais, seja nos anos finais do ensino fundamental, no
ensino médio ou na graduação. Essa crise envolve desde questões
relacionadas a salários irrisórios para os professores e sua má formação
profissional até a condição social do país, que, muitas vezes, impede o
acesso das crianças à escola. Apesar disso, o número de matrículas tem
crescido, como indica o “Todos Pela Educação”, movimento da sociedade
brasileira fundado em 2006 que "tem como missão contribuir para que até
2022 [...] o País assegure a todas as crianças e jovens o direito a [sic]
Educação Básica de qualidade" (Todos Pela Educação, 2016). De acordo
com pesquisas realizadas por esse movimento e divulgadas em janeiro de
2016, houve significa vo crescimento do número de crianças matriculadas
na pré-escola: "Subiu de 72,5% do total de crianças com idades entre 4 e 5
anos em 2005, para 89,1% em 2014" (Todos Pela Educação, 2016). Mas,
ainda é de 2,8 milhões o número de crianças entre 4 e 17 anos fora da
escola e, no ensino médio, houve queda nos números de matrículas. Em
2013, o índice havia subido para 83,3% e em 2014, caiu para 82,6% (Todos
Pela Educação, 2016). Além disso, a educação básica de qualidade ainda é
muito ques onável e, enquanto não exis rem a valorização do trabalho do
professor e as condições para que esse profissional tenha uma melhor
qualificação, essa situação não melhorará.
Para um aluno que pretenda cursar a graduação, a educação a distância
(EaD) é uma possibilidade, principalmente para o público que trabalha e
não tem tempo para os estudos. Contudo, essa modalidade de ensino
também necessita de muitas melhorias. Além do mais, muitas vezes o
aluno acaba desis ndo do curso porque, cansado do trabalho, não tem
es mulo para estudar sozinho em sua casa, sem falar que, para que isso
aconteça, esse aluno dependerá ainda de um computador e de internet.
Este ar go apresenta aspectos para que se tenha uma melhor
compreensão dos fatos apontados e uma visualização das muitas
possibilidades de uma educação justa para a população.

Educação e polí ca
Vive-se no Brasil em uma democracia, certo? Quantas são as pessoas
que pensam diariamente nessa questão? Vive-se em uma democracia
porque se tem direito de ir e vir como cidadão livre, dono, cada um, de sua
própria vida. Será?
De acordo com o presidente da Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (OCDE), Andreas Schleicher, o Brasil investe
por aluno na faixa etária compreendida entre os 06 e 15 anos, em média,
US$ 26.765 (Todos pela Educação, 2013). Esses dados coletados em 2012
pelo Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa) mostram que o
inves mento é de um terço da média dos países da OCDE, que fica em
torno de US$ 83.382. Isso quer dizer que o inves mento no Brasil por
aluno é de um pouco mais da metade do que a OCDE considera como valor
mínimo por aluno, qual seja, US$ 50 mil.
"‘Quando se investe US$ 50 mil por aluno, o dinheiro não importa
mais, deixa de ser uma questão limitante para o desempenho do
estudante’, diz o diretor da OCDE. Segundo o relatório do Pisa
divulgado na úl ma semana, o Brasil ocupa o 58º lugar em
matemá ca, o 55º lugar em leitura e o 59º em ciências em um
ranking de 65 países. A prova é aplicada a cada três anos pela
organização e avalia o conhecimento de estudantes de 15 anos. A
cada ano, o relatório tem uma área como foco. Em 2012, o
destaque foi para matemá ca" (Todos Pela Educação, 2013).

Esses alunos são os mesmos que, em parte, se formarão professores.


São essas as pessoas que, mais tarde, seguirão para as licenciaturas, uma
vez que se convencionou culturalmente que esses são os cursos de mais
fácil ingresso por meio de um processo sele vo de ves bular nas
Ins tuições de Ensino Superior (IES) públicas e privadas e, normalmente,
no período noturno. Lima (2008) afirma que "é na e pela sociedade civil
que a democracia se cons tui" (p. 143). O autor ainda constata que não se
tem educado para a formação de cidadãos que pensem em uma sociedade
an capital. Constantemente, e cada vez mais, a sociedade vive no mundo
da indústria e do consumo, baseada principalmente em um modelo
americano que foge à realidade da sociedade brasileira. Ainda de acordo
com esse autor, "as polí cas sociais ficam cada vez mais an ssociais e as
polí cas educacionais afastam-se cada vez mais do social" (p. 141). Cury
diz que

"Os processos educa vos formais, a prá ca escolar e, é claro, a


atuação docente, encontram-se, hoje, sem uma iden dade própria.
Buscar uma iden dade significa desmis ficar a crise na Educação.
Significa, ainda, destacar em seu conteúdo o modelo de sujeito que
pretendemos formar e, assim, as polí cas de educação só
resultarão mais democrá cas caso sejam, ao mesmo tempo, sociais
e pedagógicas" (apud Lima, 2008, p. 141).

Lima (2008) fala ainda de uma polí ca neoliberal que, sabe-se, se


intensificou nos governos de Fernando Henrique Cardoso. Para o autor, há
um impasse entre a escola e os neoliberais, pois, na sua percepção, estes
acreditam que a escola deve ser controlada pelo mercado, no entanto, ela,
mesmo que de forma limitada, tem uma dimensão libertadora. "Eis o
impasse: para a comunidade educacional, é preciso uma escola
democrá ca, para os neoliberais há a necessidade de rar o conteúdo
polí co da escola" (Lima, 2008, p. 147).
Fica clara a ausência de interesse polí co em um povo culto, poli zado
e instruído. Assim, cria-se um círculo vicioso em que a escola é limitadora,
o ensino é limitado e o povo, da mesma forma, será limitado.
Ga (2011) busca examinar as caracterís cas que a atual formação de
professores tem assumido. Primeiramente, é possível observar a baixa taxa
de conclusão de cursos com essa finalidade para a educação básica no
período de 2003 a 2006, além de uma tendência, desde 2003, pela
diminuição na procura de cursos de formação docente em geral. A autora
relata que essa queda foi de 20% entre os anos de 2003 e 2006. Outro
ques onamento de Ga está relacionado a quem são os licenciados no
Brasil. Ela demonstrou, em sua pesquisa, que 65,15% dos alunos de
pedagogia fizeram tal escolha porque realmente queriam ser professores e
que esse número cai, mais ou menos pela metade, quando se trata dos
demais licenciados. Outro dado importante revelado pela pesquisa de Ga
é a possibilidade de se verificar que os anos de aprendizagem no ensino
médio em escola pública demonstraram diversas carências rela vas ao
conhecimento básico. Mais grave é o fato de que é com essa falta de
saberes essenciais que a maioria dos licenciandos entra nos cursos de
formação de professores.
A segunda pesquisa, ainda da mesma autora, diz respeito à análise das
disciplinas formadoras nos cursos de licenciaturas presenciais em
Pedagogia, Língua Portuguesa, Matemá ca e Ciências Biológicas:

"Chama a atenção que apenas 3,4% das disciplinas ofertadas se


referem à ‘didá ca geral’. O grupo ‘didá cas específicas,
metodologias e prá cas de ensino’ (o ‘como’ ensinar) representa
20,75% do conjunto, e apenas 7,55% das disciplinas são des nadas
aos conteúdos a serem ensinados nas séries iniciais do ensino
fundamental, ou seja, ao ‘o quê’ ensinar" (Ga , 2011, p. 80).
Ga (2011) chega à conclusão de que as falhas existentes nos
currículos tornam a formação de professores de educação infan l e anos
iniciais insuficiente para o desenvolvimento de um bom trabalho, pois não
há base curricular bastante para que se desenvolva um trabalho de
excelência mais tarde, na sala de aula.
Pereira (2011) descreve a crise das licenciaturas no Brasil e relata que,
já nos anos 1980 e 1990, exis am fortes sinais de uma crise profunda no
magistério. Na década de 1980, as más condições de trabalho e o baixo
salário dos docentes já estavam em discussão. Chamou-se a atenção para
questões que traziam a temá ca do fracasso do trabalho do professor na
escola e, com base nessas indagações, surgiu uma pergunta fundamental:
"Quem deforma o profissional do ensino?" (Arroyo, 1985 apud Pereira,
2011, p. 91).
Relata ainda Pereira (2011) que, no final dos anos 1980, o cenário
polí co mundial passou por intensa mudança e foi marcado pela conquista
da ideologia capitalista e neoliberal. Em pesquisa realizada em uma
universidade federal do sudeste do Brasil, o autor pôde verificar que nove
dos dez cursos que ofereciam a modalidade Licenciatura e, portanto, eram
responsáveis pela formação dos professores, foram os considerados de
menor pres gio. As taxas de evasão desses cursos também eram
al ssimas, chegando o curso de Química, por exemplo, a uma evasão de
78%.
Comparando os alunos oriundos de escola par cular e da rede pública,
Pereira (2011) constatou que as vagas dos cursos mais disputados eram
preenchidas, em sua maioria, por egressos da rede par cular de ensino, ao
passo que os alunos aprovados nos cursos de Licenciatura, geralmente,
vinham da rede pública de ensino e demoravam cerca de três anos ou mais
para entrar na faculdade depois de concluído o ensino médio.
Com relação ao desempenho escolar das crianças, Leher (2011) afirma
que está "em curso no país um genocídio intelectual de crianças e jovens
das classes populares" (p. 95). O autor relata que, para esconder a situação
sofrível que está a educação no Brasil, muitos estados optaram pela
aprovação automá ca. Desde os anos 1990, há um discurso de exclusão e
inclusão.
"Desde então, o obje vo da inclusão vem exigindo, crescentemente,
polí cas ainda mais focalizadas, obje vando o atendimento de
meninas, de negros, de menores infratores e de combinações
específicas entre esses atributos conformando toda sorte de
subgrupos. No plano das polí cas governamentais, com o Plano de
Desenvolvimento da Educação, a ideia é mirar em cada escola e,
preferencialmente, cada sala de aula por meio da Prova Brasil, para
que, conforme a avaliação, a escola possa receber essa ou aquela
recompensa material. Obje vando eficiência nessa empresa, perfis
educacionais – e estratégias pedagógicas – dis ntos foram
definidos para determinados grupos, sempre mirando a ‘inclusão’
dos dis ntos subgrupos de ‘excluídos’ da escola, e, novamente, da
sociedade" (Leher, 2011, p. 99).

Esses dados mostram claramente a conjuntura do quadro educacional


do país. Podem-se fazer diversos ques onamentos sobre ela, mas é
possível verificar que é gigantesca a falta de respeito que se tem, em
primeiro lugar, com o cidadão, em segundo, com a educação e, em
terceiro, com os professores. Outro fator importante a ser discu do é o da
formação, que está diretamente relacionado a todas as questões sociais,
culturais e econômicas abordadas anteriormente.

A polí ca na educação e a formação de professores


Acerca da formação de professores, a história não difere muito daquela
do ensino básico no Brasil. Afinal, como já foi dito anteriormente, são os
alunos do ensino básico que, mais tarde, serão os professores. Mazzeu
(2011), ao realizar algumas reflexões sobre esse assunto, sempre tomando
como base para suas análises a pedagogia histórico-crí ca, é mais uma das
pesquisadoras que corroboram o pensamento de que a educação e
também a formação dos professores não passam de uma estratégia
polí ca: "[...] a finalidade úl ma de tal estratégia consiste na adaptação
dos indivíduos às exigências do sistema capitalista no que se refere ao
modo de produção e ao novo modelo de sociabilidade imposto pelo
capital" (Mazzeu, 2011, p. 149). A autora cita ainda o Banco Mundial, que,
em sua opinião, deixa clara a relação entre o crescimento econômico e os
inves mentos na educação básica e formação de professores.

"[...] o organismo [Banco Mundial] recomenda que a formação


inicial do professor deva ser realizada em menor tempo, projetada
para o nível superior e centrada em aspectos pedagógicos. Tal
recomendação diminuiria os dispêndios com uma formação
profissional mais longa. Já a capacitação em serviço deveria ater-se
à melhoria do conhecimento do professor sobre a matéria que
leciona, bem como às prá cas pedagógicas que desenvolve, tendo
como norte a atualização desses saberes e a vinculação direta com
a prá ca da sala de aula" (Mazzeu, 2011, p. 152).

O documento ra fica a intenção polí ca de um país neoliberal e


capitalista que não tem o interesse em ter um povo poli zado, mas, sim,
deseja ter sujeitos funcionais para o mundo do trabalho.
No Brasil, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 9394, de
20 de dezembro de 1996 (Brasil, 1996), foi a primeira mudança na
educação. De acordo com Mazzeu (2011), "as agências formadoras e seus
respec vos cursos de formação [...] foram considerados inadequados para
a preparação do professor de novo perfil" (p. 156). Com isso, as IES veram
a obrigação de se dedicarem exclusivamente à capacitação do professor.

"[...] essa inicia va buscou atender à orientação das agências


mul laterais por uma formação inicial mais rápida e flexível,
abstraindo do processo de formação do professor a pesquisa e a
extensão e atribuindo forte ênfase à formação pela prá ca"
(Mazzeu, 2011, p. 156).

Com o propósito de dar outra dimensão à função do professor, a autora


afirma que os Referenciais e Diretrizes para a Formação de Professores,
publicados em 1998, trouxeram à tona novamente a importância
indiscu vel da educação básica, que já havia sido tratada no Relatório
Jacques Delors, e observa que o documento aponta também o quanto é
necessário levar em conta os quatro pilares da educação – aprender a
conhecer; aprender a fazer; aprender a viver com os outros; aprender a ser
– também na formação de professores.
Assim, relata que os referenciais se pautam

"em estudos que iden ficam três níveis de conhecimento envolvidos


na atuação pedagógica do professor: conhecimento na ação,
reflexão na ação e reflexão sobre a ação e considera que a prá ca
reflexiva deve configurar-se como uma a tude co diana do
professor em busca da compreensão da realidade educa va e da
própria prá ca" (Mazzeu, 2011, p. 158).

Os Referenciais e Diretrizes para a Formação de Professores atribuem


ainda "à formação inicial dos professores a responsabilidade de formar o
caráter de pron dão ou a disponibilidade para aprender sempre,
apresentando o 'aprender a aprender' como uma caracterís ca do 'ser
profissional'" (Mazzeu, 2011, p. 159). A autora conclui com a observação
de que, considerando-se uma pedagogia histórico-crí ca, a formação de
professores está longe de fomentar uma reflexão crí ca cujo ponto de
par da seja a prá ca social. Os professores ainda não são preparados para
promoverem, com suas mediações, um aprendizado com base na realidade
de cada aluno, como também não vivem uma relação de troca com ele. Por
fim, acaba não havendo reflexão, pois a necessidade de uma educação que
esteja aliada a toda a problemá ca apresentada a transforma em uma
educação de números e não de qualidade.
Giroux (1997) defende uma pedagogia crí ca desenvolvida como forma
de polí ca cultural. Assevera que, para que essa pedagogia seja
desenvolvida, professores e alunos devem ser vistos como intelectuais
transformadores.

"[...] uma pedagogia da polí ca cultural apresenta um conjunto


duplo de tarefas para os educadores crí cos. Primeiro, eles
precisam analisar como a produção cultural é organizada dentro de
relações assimétricas de poder nas escolas. Segundo, eles precisam
construir estratégias polí cas de par cipação nas lutas sociais
des nadas a lutarem pelas escolas como esferas públicas
democrá cas" (p. 137).

O autor anteriormente citado relata também que, para que uma


pedagogia crí ca efe ve uma forma de polí ca cultural, é preciso verificar
como são produzidos os processos culturais dentro de três campos – "[...]
discurso da produção, o discurso da análise de texto, e o discurso das
culturas vividas" (p. 138) – e acrescenta que é necessário permi r que os
educadores, os quais ele vê como intelectuais transformadores, possam
lutar para que as escolas se desenvolvam como bens públicos e
democrá cos (Giroux, 1997).
Pensando em uma educação que faça, antes de tudo, que se reflita
acerca de uma polí ca cultural como produto de uma pedagogia crí ca
estruturada, serão apresentados elementos da arte e da esté ca que
poderão contribuir para o desenvolvimento educacional como um todo.

Educação, arte e esté ca


Leon ev (2000) abre seu capítulo in tulado Funções da Arte e da
Educação Esté ca relatando que "qualquer po de educação é uma prá ca
social que prossegue o objec vo de proporcionar às pessoas determinados
aspectos da experiência social acumulada, par lhada dentro de
determinada sociedade" (p. 127). É essa troca de experiências e de
conhecimentos que faz com que os indivíduos cresçam uns com os outros.
O autor fala sobre uma iden dade social múl pla que cada indivíduo
possui.
Mas e a educação esté ca? Onde se encaixa essa questão? Leon ev
(2000) defende que, na educação esté ca, deve-se ensinar "a capacidade
de perceber e entender a arte e a beleza em geral" (p. 128). E, no que
tange à arte, observa:

"[...] o que é mais essencial na arte – isto é, a sua capacidade de


transmi r significados pessoais humanos de realidade – não
corresponde àquilo que a torna única, ou seja, à capacidade de
exercer um impacto profundamente sen do no âmago da
personalidade humana. A arte devia ser definida através das suas
caracterís cas únicas essenciais, que só se podem ver nos efeitos da
sua interação com uma pessoa" (Leon ev, 2000, p. 129).

É possível perceber, dessa forma, a relação que o autor estabelece


entre a arte e a esté ca com a prá ca social e a iden dade.

"A arte dá-me a oportunidade de viver várias vidas em vez de uma


só e, consequentemente, de enriquecer a experiência da minha vida
real, de me unir a par r da interior com outra vida só com essa
finalidade e em bene cio do seu significado vital" (Bakh n, 1979
apud Leon ev, 2000, p. 131).

Juntamente com as questões relacionadas à arte e à esté ca, Leon ev


(2000) discute a percepção esté ca e a percepção ar s ca e faz uma crí ca
à cultura industrial de massa: "[...] a quase percepção dá origem à quase
arte" (p. 142). Declara o autor:

"Gostaria de acrescentar o critério de verdadeira arte que rei da


minha própria experiência como ‘consumidor’ de arte: o cerne de
uma obra de verdadeira arte – o seu significado – não é dado
directamente e requer, em vez disso, que se transcenda a narra va.
A quase-arte industrial não tem qualquer outro conteúdo e
significado, excepto o que é directamente dito e/ ou representado.
A quase-arte não exerce qualquer efeito na personalidade, a não
ser agradar ou chocar as emoções pessoais. Podemos definir a
dis nção entre quase-arte e verdadeira arte em termos da seguinte
dicotomia: arte para as emoções versus arte para a personalidade"
(p. 142).

O autor defende a arte orientada para o desenvolvimento pessoal, que


traz conhecimento, que quebra normas e proporciona novos significados.
Eis o obje vo mais importante da educação esté ca para Leon ev (2000):
a promessa do significado.
Pino (2006), em ar go in tulado A Produção Imaginária e a Formação
do Sen do Esté co. Reflexões Úteis para Uma Formação Humana, aborda
uma perspec va histórico-cultural do tema e discorre sobre dois aspectos:
a produção imaginária e a formação do sen do esté co. Para falar sobre
produção imaginária, o autor remete-se a dois conceitos, o de a vidade
imaginária e de campo imaginário. Esclarece que a palavra a vidade a que
se refere é a a vidade criadora, "aquela que permite aos seres humanos
agir sobre a natureza e transformá-la em função de obje vos próprios e,
pelo mesmo ato, transformarem-se a si mesmos" (Pino, 2006, p. 49-50). O
autor explica que o modelo de a vidade humana u lizado em seu ensaio é
o modelo de trabalho social de Marx, que se concre za em O Capital e,
para refle r sobre ela, explica que,

"Embora Marx tenha presente neste capítulo de O Capital o


‘trabalho social’ objeto de suas análises crí cas, os três elementos
que ele aponta são cons tu vos do trabalho humano, pois é disso
que ele trata aí. Todavia, o caráter de generalidade teórica que
esses componentes do trabalho humano têm na formulação
marxiana permite-nos estender o conceito de a vidade produ va
(trabalho) a todos os pos de a vidade criadora dos homens
(imaginária, virtual, simbólica, etc.) em que esses componentes
estejam presentes" (Pino, 2006, p. 53-54).

Pino também aponta que, quando se consegue fazer exis r, no plano


da imaginação, o que ainda não foi concre zado no plano real, faz-se
exis r algo que não exis a, e isso se pode considerar um ato de criação, o
que o autor define como produção imaginária (Pino, 2006).
Quando Pino (2006) fala em campo do imaginário, está se referindo ao
fato de que, entre o real e o simbólico, existe o imaginário, o qual, para ele,
pode ser comparado a uma fábrica de produção. Diz ainda o mesmo autor
que o sen do atribuído ao imaginário nesse texto

"funda-se no pressuposto de que o poder criador, adquirido pela


espécie humana ao longo da sua história, deve estar presente em
cada um dos seus integrantes, preexis ndo aos seus atos de
criação, na forma hipoté ca de marca cultural impressa em
memória gené ca" (p. 54).

Ainda em relação à a vidade criadora, Pino (2006) revela que "É à


a vidade criadora que devemos o caráter humano e histórico do homem,
alguém capaz de construir suas histórias, seu ‘passado’, em cada instante
do ‘presente’ e projetá-la no ‘futuro’ que vai ser construído" (p. 56). Quanto
ao sen do esté co, acredita que é um sen do que deve ser cons tuído em
cada indivíduo e ser objeto de formação. Por isso Pino (2006) considera
sua relação com a educação.
Ainda pensando na educação do país e nos elementos que, somados,
contribuirão para o que se acredita ser uma educação de qualidade, serão
estudadas a seguir algumas questões relacionadas à educação e
tecnologia.

Educação e tecnologia
Há várias maneiras de abordar a tecnologia dentro da educação formal
e da educação a distância. Sobre isso, Barreto (2009) afirma que,

"se o simples acesso às TIC é confundido com a aprendizagem, é


razoável supor que: (1) o ensino, na configuração histórica
conhecida por todos, só tenha razão de ser entre os absolutamente
excluídos; e (2) as condições concretas em que as TIC são acessadas
não impliquem diferentes aprendizagens" (p. 113).

A autora ainda considera que as TIC são uma importante adição aos
processos pedagógicos. No entanto, ressalta que essas tecnologias não
podem servir apenas para simplificar ou subs tuir as prá cas sociais, mas
devem ser u lizadas como aliadas da educação formal e da educação a
distância.
Garcia (2009) chama a atenção para a

"[...] complexidade que envolve a educação e para os equívocos em


que se incorre ao se eleger a educação a distância e as TIC como
panaceia para as questões educacionais. Essa visão, no mínimo,
tem favorecido o mercado de objetos de ensino, produzidos dentro
de uma concepção de educação tecnicista, instrumental,
padronizada e ofertada por ‘sistemas de ensino’ que vendem
material didá co, impresso ou em mídias digitais, a ser comprado
por entes federados (municipais, estaduais ou federais) ou
empresas educacionais" (p. 147).

O fato é que a educação a distância ainda é muito complexa para os


professores. A realidade brasileira, de certa forma, sucateia a educação a
distância, pois trata essa vertente como uma forma de baratear custos.
Além disso, os professores não são preparados para atuar nesse campo e
grande parte das escolas e ins tuições de ensino superior ainda não estão
capacitadas para as novas tecnologias.

Considerações finais
Os autores discu dos neste ar go foram aqueles abordados na
disciplina de Arte, Tecnologias e Formação Docente (UDESC/PPGAV), que
tratou, sobretudo, da formação docente de pontos de vista polí cos e
sociais e trazendo à tona questões rela vas à arte e às tecnologias. A
disciplina buscou autores que trabalhassem com o discurso de uma
pedagogia histórico-crí ca.
No decorrer desses estudos, foi possível verificar as enormes falhas que
assombram ainda a educação no país. Conquistas foram alcançadas, mas
muito ainda deve ser feito.
O Brasil ainda trata a educação como um instrumento de controle da
população, pois não há interesse em ter um povo crí co e poli zado. O
povo é e con nua sendo educado para um trabalho técnico e funcional.
Em virtude disso, a formação de professores, cujas lacunas se fazem
perceber desde a educação básica, deixa muito a desejar. A arte, apesar de
todas as conquistas, não aparece nem mesmo nas pesquisas que envolvem
currículo e dados educacionais. Portanto, muitos ainda são os caminhos a
desbravar. Infelizmente, permanece evidente o descaso com a disciplina
em comparação a outras tão tradicionais, como a Matemá ca e a Língua
Portuguesa.
Quanto às tecnologias, inúmeras são as possibilidades de serem
aproveitadas para a educação, mas ainda não se está inves ndo, por
exemplo, na educação a distância como ela merece. O que, mais uma vez,
se observa é que a educação como um todo ainda é sucateada e tratada
com desrespeito.
Existem excelentes programas, pesquisadores e ins tuições que
pensam a favor de uma educação mais igualitária e mais democrá ca, mas,
é necessário voltar-se a uma questão inicial: o que é mesmo democracia? É
possível afirmar que se vive no Brasil como um país democrá co, sabendo-
se que, sem educação, não há democracia?

Referências
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<h p://www.todospelaeducacao.org.br/quem-somos/o-tpe/>. Acesso
em: 4 mar. 2016.
CAPÍTULO 11
A CONTRADIÇÃO DOS INTERESSES DA AÇÃO E DA
CRIAÇÃO NO ENSINO DE ARTE:
UM OLHAR SOBRE A CONDIÇÃO DA EDUCAÇÃO
BÁSICA
Jaymini Pravinchandra Shah

Introdução
De uma perspec va histórico-crí ca, de análise, arrisco-me a afirmar
que ‘contradição’ seja a palavra que mais represente as condições de vida e
as relações a que estamos subme dos no co diano de nossa existência e
seu rastro histórico. Contradições como desigualdade e desenvolvimento
sociais parecem querer atropelar o humano, ques onando-nos sobre qual
o sen do desse monstro-máquina que construímos e estamos a construir e
da nossa própria vida. Pensamos imediatamente no que dispendemos
nossa energia vital e a que dedicamos nosso pensar.
Marx, sábia e incansavelmente dedicou seu trabalho a desvelar com
clareza de detalhes as relações de domínio e poder travadas pelo sistema
capitalista, e como as contradições são impostas compulsoriamente para
que se perpetue a engrenagem que se desenrola ad infinitum nessa
dinâmica de mercado, que coloca o trabalhador em situação de alienação
perante a produção de seu próprio trabalho.
Quem somos nós, professores, nesse meio? Nessa lógica, se não somos
proprietários dos meios de produção, somos trabalhadores. Vendemos
nossa força de trabalho diariamente aos donos das propriedades e dos
meios de produção. Pelo olhar de trabalhadores, encaramos diariamente a
luta pela sobrevivência, subme dos às regras cruéis de ‘liberdade’ e
propriedade que o sistema econômico do capitalismo nos impõe.
Essa dinâmica que percorre a história da humanidade há séculos, da
divisão de classes na sociedade, coloca, de um lado, os proprietários dos
meios de produção e, de outro, os trabalhadores, operando numa lógica de
exploração do trabalhador que alimenta o sistema. Mesmo vivendo um
regime dito democrá co, para os marxistas, a contradição está também no
Estado, pois este serve a classe dominante, não apenas como um simples
mediador, mas como quem interfere nas lutas de classes a favor dela.
"Para Marx e Engels (1998), o Estado é o comitê execu vo da classe
dominante, dessa forma é, portanto, um Estado de Classe" (Lima, 2008, p.
139-140).
O que pensar sobre o sen do da democracia perante um
funcionamento de mercado em que o capital, o econômico, é o
protagonista de todos os interesses de desenvolvimento social? Esse
capital contraditório, que nada tem de democrá co, não opera em
bene cio de todos, mas às custas de muitos. A classe dominante, para se
manter no poder, "até aceita um modelo democrá co, desde que consiga,
por determinado tempo, conter as massas, a mul dão disforme,
atribuindo-lhe migalhas, como programas aligeirados, emergenciais"
(Lima, 2008, p. 135).
Embora se trate de uma problemá ca que a nge toda a humanidade,
ela será abordada no contexto do Brasil, visto que, desde sua cons tuição
enquanto nação, vive as diferenças de classes e consequentemente altos
níveis de desigualdade social, econômica e cultural. O cerceamento ao
acesso à educação historicamente enraizado na sociedade brasileira criou
no discurso de sociedade democrá ca a contradição escancarada dos
interesses do sistema econômico. As relações de poder exercidas pela
exploração da força de trabalho são históricas mundialmente e, em nosso
país, ainda mais evidentes em razão da maneira pela qual fomos
ideologicamente colonizados e tratados. Passamos, ao longo dos séculos,
da condição de exploração extrema com a escravidão do trabalhador a um
disfarce grotesco do preço, apresentado em forma de salário.
Diante dessa realidade social cuja máscara de liberdade acaba
justamente por nos privar desse direito o que pensar sobre a educação e a
escola pública? Convém pensar nesse assunto pelo aspecto da educação
básica pública no Brasil, principalmente no que concerne à condição e vida
dos trabalhadores. Se historicamente eles foram excluídos do âmbito
escolar, já que a escola des nava-se aos filhos da classe dominante, hoje a
escola pública des na-se aos filhos da classe trabalhadora e muitos desses
pais ainda são analfabetos. A escola dos tempos atuais tem como função
social, nesse sistema, portanto, formar os futuros trabalhadores para o
mercado.
Seguindo pelo viés do trabalho enquanto condição inerente à ação
humana, propomos destacar e problema zar três questões que se
mostram profundamente contraditórias e promover um diálogo entre elas:
a primeira diz respeito ao sen do do trabalho e à produção de tecnologias;
a segunda é sobre o papel da educação na sociedade capitalista e a
condição de professor como trabalhador e, em terceiro, propõe-se um
contraponto pelo olhar da cultura, da educação e da esté ca, da
perspec va da arte e de seu diálogo com a realidade social.

A contradição do trabalho
Para iniciar, para Marx (1988), o trabalho assume socialmente dois
sen dos. Primeiramente, o ontológico, que se configura na ação humana
de interação com a realidade para a sa sfação de necessidades e produção
de liberdade. Nesse sen do, trabalho é produção, criação, realização
humana. Mas o trabalho também adquire significado histórico, que
acontece também pela prá ca econômica e cultural. Talvez seja em razão
do fator econômico, engendrado nessa dinâmica histórica, que as relações
sociais tenham se estabelecido sobre os modos de produção.
Considerar que sem trabalho, enquanto a vidade produ va, não existe
vida humana – uma vez que a dialé ca da condição humana abrange a
intervenção na natureza e na vida – é essencial para entender que, com a
intervenção da produção do trabalho humano, seu desenvolvimento e
interação ao longo da história, a humanidade produziu conhecimento para
prover seus meios de subsistência. Todavia, com o surgimento da
propriedade privada, os donos das terras, os ‘poucos com muito’,
prevaleceram sustentados pela riqueza maior: a exploração da força de
trabalho dos ‘muitos com pouco’.
Mas, retornando ao sen do primeiro do trabalho como práxis humana
na vida, indagamos: que caminho se está percorrendo nessa roda-viva de
privação e cerceamento da liberdade cria va e produ va da nossa vida?
Em que lugar, historicamente, a classe trabalhadora teve acesso ao
trabalho no sen do pleno em suas vidas, às dimensões deste como
realização humana, que envolve integradamente a ciência e a cultura?
Se a relação indissociável entre trabalho, ciência e cultura, e estas são
dimensões fundamentais da vida que estruturam a prá ca social, convém
constatar que todos os indivíduos deveriam ter direito ao pleno
desenvolvimento nesses âmbitos ao longo de sua vida. Uma formação
omnilateral, proposta por Marx, implica a integração dessas dimensões
inerentes a todo cidadão.
Entretanto, contraditoriamente, os trabalhadores estão fadados à
divisão de classes e consequentemente a con nuar a viver o trabalho
quase que apenas pela lógica econômica, exploratória da energia e força
de trabalho. Então, pergunta-se: como é possível uma sociedade que
produz tanta riqueza, produzir também a miséria humana?
Apesar de, junto com a expansão do sistema capitalista, estarem os
grandes avanços cien ficos e tecnológicos, privilegiados pelo inves mento
econômico, de interesses de mercado no desenvolvimento con nuo de
novos artefatos tecnológicos, estes se apresentam como parte das ações e
interações humanas, que ocorrem numa transformação acelerada das
relações de linguagens espaciais e temporais entre os sujeitos e o mundo
ao seu redor. Paradoxalmente a isso, em contradição com essa realidade,
cada vez mais "vivemos em nosso país, uma discrepância de realidade: um
'genocídio intelectual' de crianças e jovens das classes populares" (Leher,
2009, p. 95).

A contradição da produção humana


No bojo dessas constatações, convém considerar que nosso co diano
vive em transformações aceleradas pela presença incessante de novos
produtos tecnológicos que a indústria tem lançado para consumo, em
consonância com a caracterís ca fundamental do sistema capitalista, que é
produção e consumo. Observamos desde a virada do século XX até o
presente, que se tem criado novas necessidades de bens de consumo que,
além de nos coagir a consumir, vêm transformando ver ginosamente
paradigmas sociais de espaço e tempo, trabalho, cultura e conhecimento.
Sobre essas questões, as contribuições de Firmino e Duarte (2012) no
texto O Mundo Codificado são valiosas. Os autores abordam de maneira
significa va a influência das tecnologias na experiência humana e
observam que as mudanças ocorridas em decorrência disso, apesar de
serem provocadas pela indústria, são ao mesmo tempo processos de
criação de novas ferramentas, condição de humanização: "inerentes ao
processo de trabalho e de interação com a vida produ va, historicamente a
humanidade vem desenvolvendo relações entre os objetos e
transformando-os em ferramentas" (Duarte; Firmino, 2012, p. 70).
É interessante compreender a diferença entre objetos e ferramentas,
que reside exatamente na par cipação da energia humana e do
conhecimento. Ao passo que, no objeto, sua função é o seu fim, nas
ferramentas sua função é ser um meio para um fim externo a elas, mas
para que isso aconteça é preciso energia para colocá-la em ação e
conhecimento sobre esta ação, ou seja, uma técnica. Dessa forma, a
ferramenta, sem técnica, torna-se um objeto.
É, portanto, nessa relação entre objeto e ação humana que surgem as
ferramentas. Das ferramentas e seus usos desenvolvemos a técnica pela
qual criamos os artefatos tecnológicos – formas de reconstruir o espaço
humano. No mundo humano, de manipulação de objetos, ferramentas e
conhecimentos e de interação entre eles, vivemos transformações gerados
pela energia. Dominamos a energia elétrica e a distribuímos espacialmente
juntamente com os artefatos tecnológicos. Com isso, "a abrangência
espacial e energé ca tem provocado na realidade um humano-tecnológico,
em que os artefatos tecnológicos tornaram-se coisa inerente a seu espaço"
(Duarte; Firmino, 2012, p. 71).
Nessa inerência tecnológica no espaço humano, estamos vivenciando
uma etapa na transformação do mundo dos artefatos tecnológicos: as
linguagens compar lhadas. Até então, cada conjunto de artefatos nha
linguagens diferentes e cada linguagem um suporte sico onde se registrar.
Agora, com as linguagens dos artefatos tecnológicos, todas elas podem ser
traduzidas em uma única, em que se compar lham linguagens em comum.
Com esse potencial aumento de capacidades comunica vas e de
experiência no espaço provocado pelas tecnologias da informação e
comunicação (TICs), com a caracterís ca imaterial da internet e das redes
tecnológicas, as relações entre espaço, território e lugar tem se tornado
híbridas e ultrapassado o limite geográfico. A abrangência global e a
criação do ciberespaço têm provocado uma amplitude territorial alheia à
territorialidade geográfica, numa certa unificação tecnológica do planeta –,
que se aprofundam mais a cada dia na vida co diana e refletem-se na
sociedade, pois vão além das divisas do corpo, amplificam os ambientes e
alargam os espaços. O meio social é hoje o suporte maior de trocas
materiais e imateriais que caracterizam o modo de vida contemporâneo.
Novas dimensões qualita vas e cole vas criam-se nas interações
incessantes que vivemos, dentre elas a invisibilidade, a independência da
vontade, a infiltração do espaço ampliado e a consequência da
interdependência técnica e social entre homem, meio e tecnologia
(Duarte; Firmino, 2012).
Juntamente com as mudanças provocadas e as facilidades trazidas pela
inserção das novas tecnologias no co diano social, compulsoriamente
também vêm as consequências do fato de elas atuarem infiltradas e
despercebidas, como, por exemplo, os conflitos entre o que é público e o
que é privado. Percebe-se co dianamente a frequência com que a
sociedade vem u lizando essa nova linguagem, muitas vezes sem se dar
conta de que ela atua num espaço contemporâneo extremamente
controlado ou, com o bônus da liberdade de mobilidade espacial e
possibilidade de criar e recriar locais, ignora a contrapar da do controle e
do monitoramento de códigos dessa linguagem única.
Muitas questões se desdobram na discussão das TICs e de sua
influência social e outras tantas surgirão. O que nos interessa debater é a
atuação delas na educação, seja no nível da infraestrutura, seja no da
formação escolar e de seus desdobramentos dialé cos no co diano
pessoal e social. Primeiramente, é necessário considerar que, na gênese do
uso dos artefatos tecnológicos, já existe o caráter contraditório, pois ao
mesmo tempo em que eles são acessados pelos que ‘podem’, os que não
podem ou podem pouco têm cerceadas as oportunidades de progresso.
Considerando as já mencionadas diferenças entre objetos e
ferramentas, sem conhecimento, os artefatos tecnológicos não passam de
meros objetos. É isso que muito nos preocupa na educação pública básica,
pois a transmissão desse conhecimento estará a serviço de quem, se é o
Estado que a dirige?
O trabalho como negação para a educação
A urgência provocada pelos índices alarmantes de escolarização da
classe trabalhadora e a necessidade de profissionais capacitados para lidar
com os avanços tecnológicos da sociedade têm declarado uma situação de
emergência que exige ações que favoreçam a inserção desses
trabalhadores nos estudos com oportunidades de uma formação básica e
profissional integrada. Vimos nestes úl mos anos uma quan dade de
programas governamentais direcionados a suprir a demanda dos baixos
índices de formação escolar e con nuada da classe trabalhadora e de seus
filhos. Ao mesmo tempo, assis mos também à implantação de programas
que, por interesses da indústria, foram regidos pela car lha neoliberal
capitalista de princípios de mercado. Mas, o que, de fato, ainda não
observamos foi uma preocupação efe va com as reais necessidades do
sistema educacional brasileiro para que ele seja uma realidade co diana,
um potencializador da emancipação econômica, polí ca, social e cultural
dos estudantes e futuros trabalhadores.
O que se nota é que as escolas públicas no Brasil, hoje, são carentes de
inves mentos em tecnologias para o conhecimento e que há falta de
respeito pelos professores, demonstrada pela desvalorização da profissão e
pelas condições inadequadas para exercer seu trabalho, ou seja,
desenvolver o processo educa vo para a formação de cidadãos. Na
verdade, o que vem ocorrendo é a banalização da educação escolar, numa
esfera social que já é vista por grande parte dos próprios estudantes como
um espaço/tempo obrigatório, para muitos, irrelevante e
descomprome do. Além disso, muitas polí cas educacionais têm
contribuído com o fracasso da educação escolar:

"Para ocultar o desempenho escolar sofrível, muitos governos


municipais e estaduais optaram por polí cas de ciclos minimalistas
com aprovação automá ca que, por não alterarem as condições
materiais e pedagógicas do trabalho escolar, realimentam a
negação do direito humano à educação básica de qualidade"
(Frigo o; Leher apud Leher, 2008, p. 96).
Mais uma vez, emerge desse processo a contradição: a inclusão numa
escola sem qualidade promove a exclusão no acesso ao conhecimento e às
ferramentas de trabalho e convivência social.
As polí cas governamentais apresentava, ainda, outra nuance:
focalizam, na escola pela inclusão de ‘todos’, os "discursos de fundos
internacionais de inves mentos difundidos pelo Banco Mundial" (Leher,
2008, p. 99).

"Portanto, consequente ao posicionamento marxista, as polí cas


sociais apenas atenuam as desigualdades, mantêm os
trabalhadores vivos, além de servirem como subsídios para a
acumulação do capital. A polí ca social tem, assim, o efeito de
tentar amenizar os conflitos entre as classes sociais e tem, portanto,
o obje vo de buscar a colaboração entre patrões e empregados e
entre Estado e sociedade" (Lima, 2008, p. 140).

Ao saber que, por esse viés social de interesses econômicos, o sen do


de sociedade democrá ca se mostra contraditório, apesar de legalmente
termos, como indivíduos deste país, a garan a cons tucional de
par cipação, constatamos que "as polí cas públicas sociais exigem
controle social, o que só ocorre, ou ocorrerá, se nós nos manifestarmos
a vamente na perspec va da par cipação" (Lima, 2008, p. 141). Dessa
forma, no que se refere à educação pública, ela deve ser o resultado de
uma ar culação e defesa daquilo que é cole vo. Assim, enquanto as
polí cas públicas para a educação forem de interesses privados e de
caráter econômico, con nuaremos a viver crises no modelo da escola e,
em consequência disso, a reprodução con nua da divisão de classes e a
expropriação da classe trabalhadora. Assim, vêm à tona novamente a
questão: a serviço de quem está a educação pública básica?
No ar go A Polí ca Educacional e a Formação de Professores – reflexão
sobre os fundamentos teóricos e epistemológicos da reforma, de Lidiane
Teixeira Brasil Mazzeu (2011), ao tratar dos parâmetros de referência da
reforma educacional brasileira, mostra como a formação docente se
revelou uma estratégia para a efe va implementação das polí cas
educacionais não emancipadoras. Por esse caminho, percebemos com
mais ni dez ainda as reais intenções de atuação do mercado na educação
básica pública para a formação dos futuros trabalhadores, bem como no
tratamento à formação dos professores, tanto inicial como con nuada.
Com o discurso de aumentar a escolaridade e erradicar o
analfabe smo, mas sem aumentar os recursos financeiros e humanos, as
ins tuições observam:

"[...] a necessidade de inves mentos em reformas dos sistemas de


ensino com a finalidade de readequá-los à oferta de conhecimentos
e habilidades específicos à reestruturação do sistema produ vo,
dentre as quais se destacam: versa lidade, capacidade de inovação,
comunicação, mo vação, destrezas básicas, flexibilidade para
adaptação a novas tarefas e habilidades como o cálculo,
ordenamento de prioridades e clareza na exposição, priorizando a
educação básica para o desenvolvimento deles" (Mazzeu, 2011, p.
150).

Ainda alegam que os desafios que se apresentam para o século XXI, o


ritmo acelerado do mundo contemporâneo e os avanços da capacidade de
comunicação do mundo globalizado exigem, seguindo a lógica dos
interesses capitalistas, mais dedicação dos trabalhadores da educação,
que, na dinâmica do sistema e do lucro, não são remunerados de acordo
com essa demanda.
As diretrizes das polí cas de reforma da educação no Brasil, vindas de
interesses financeiros internacionais, focalizam a formação do professor,
mas consideram inadequados os cursos de formação inicial, como as
licenciaturas plenas. Trata-se de inicia vas que buscam atender à
orientação das "agências mul laterais por uma formação inicial mais
rápida e flexível, abstraindo do processo de formação do professor a
pesquisa e a extensão e atribuindo forte ênfase à formação pela prá ca"
(Mazzeu, 2011, p. 156). E mais, "ainda em relação ao baixo custo, o Banco
Mundial recomenda as modalidades de educação a distância, tanto para a
formação inicial, quanto para a capacitação em serviço" (Mazzeu, 2011,
p. 152), tendo em vista os baixos custos.
O que se percebe é a apropriação de uma epistemologia da prá ca que
visa à formação de competências no lugar de uma formação teórica e
acadêmica. Entre as diretrizes u lizadas como referência, uma delas parte
da indagação da teoria de John Dewey (1952), em que o autor se posiciona
"a favor de uma epistemologia da prá ca em contraposição à pura
racionalidade técnica" (Mazzeu, 2011, p. 162). Percebe-se também
fragmentações dessa teoria, pois se compreendida no todo, não é possível
dizer que ela parte da negação técnica e teórica, mas do exercício da
experiência significa va, onde prá ca e teoria estão em dinâmica
constante no processo de conhecer. Dessa perspec va, poderíamos
também relacioná-la à práxis, apesar de não ser específica quanto à
abordagem do contexto cultural e histórico-crí co da sociedade e da
educação, como bem determinante na práxis defendida por Gramsci
(Sameraro, 2012).
No que concerne a esse tema, Mazzeu (2011) adverte:

"Fragmentar e desar cular o processo de conhecimento, através


apenas da abordagem pela epistemologia da prá ca,
comprometerá totalmente a complexidade do conhecimento como
formação humana, que envolve também reflexão filosófica e social.
Além do mais, formará professores incapazes de uma reflexão
crí ca e efe va sobre a realidade educacional" (Mazzeu, 2011, p.
164).

A qualidade crí ca que se faz necessária no processo da formação


escolar nos faz lembrar de Saviani (apud Mazzeu, 2011), quando defende
que a reflexão filosófica possibilita ao educador a superação de uma
prá ca pedagógica concebida de forma fragmentária e desar culada, por
uma compreensão unitária, coerente, ar culada e intencional. Saviani
também destaca o papel do conhecimento cien fico para o
desenvolvimento do trabalho educa vo, considerando sua importância
para a compreensão da realidade na qual a prá ca pedagógica se
desenvolve em seu conteúdo histórico e social, fundamentais aos
processos de humanização.
Sobre a problemá ca dessas diretrizes para a educação privilegiarem
apenas o enfoque da prá ca pedagógica, podemos nos remeter a Marx
(apud Pino, 2006) quando discorre sobre a natureza alienada e alienante
do trabalho no modo de produção capitalista. Apesar dos avanços
tecnológicos e dos progressos econômicos, a concepção puramente
pragmá ca do trabalho, ao invés de superar a contradição alienante do
trabalhador, reforça-a. Foi por esse senso de realidade que Marx se
convenceu de que só "uma análise dialé ca da história lhe permi ria
desvelar toda essa trama e deduzir que a contradição só poderia ser
superada historicamente se, no curso dos acontecimentos, interferisse
outro poder capaz de modificar esse curso" (Pino, 2006, p. 51).
Por isso, uma educação esté ca que, ao invés de dualizar as questões
que envolvem a a vidade humana se ar cule à história, às questões da
crescente abstração das necessidades humanas em favor das necessidades
de mercado e do modo pelo qual as ligações esté cas são fundamentais
para entender as concepções econômicas e como estas afetam a criação e
o gozo esté co.

A dialé ca da cultura com o contraditório


Conforme Pino (2006), na linha do pensamento realizado e proposto
por Marx, de uma análise filosófico-polí ca do conceito de trabalho
humano como a vidade criadora, como um processo único e complexo, há
três elementos simples a considerar:

"[...] a a vidade pessoal do homem, o objeto sobre o qual ele age e


o instrumento pelo qual age. A a vidade exige o uso de meios ou
instrumentos que, conforme a natureza do objeto, podem ser
técnicos, como diz Marx (MARX, 1977, p. 137), e simbólicos como
acrescenta Vigotski (1994)" (Pino, 2006, p. 53).

É esse caráter criador da capacidade humana que permite qualquer


a vidade produ va – o trabalho, uma a vidade criadora imaginária,
virtual, simbólica etc. – e, como caracterís ca inerente ao homem, permite
a intervenção e relação com a natureza de forma dialé ca com a vida:
"nesse processo de interação a a vidade criadora produz uma espécie de
cumplicidade entre natureza humana e a Natureza objeto da sua ação para
criar o 'mundo do Humano', cons tuído por ambas" (Pino, 2006, p. 54).
Assim, o processo cria vo ocorre na interação com a natureza e as
coisas do mundo. Com o poder da imaginação, o sujeito pode transformar
a experiência em imagens de natureza simbólica, dar sen do pessoal a
essa relação e, dessa forma, carregá-la de significação. Eis a dimensão
cultural da a vidade humana:

"É próprio do funcionamento do simbólico, criado pelo próprio


homem, permi r que realidades de ordens diferentes possam
ar cular-se numa unidade dialé ca em que cada uma possa ser
também a outra: a matéria adquirindo uma forma simbólica de
existência, sem perder sua condição primeira, e o simbólico
obje vando-se numa matéria" (Vigotski apud Pino, 2006, p. 65).

Para além das funções biológicas, o contato humano com o mundo por
intermédio do corpo capta muito além do que é sico, pois só pode
atribuir significação ao que é percebido pelos órgãos sensoriais. São
significados que as coisas, em si, não têm, é o homem que lhes atribui,
podendo fazê-los emergir na representação que faz delas. Segundo
Vigotski (1994 apud Pino, 2006), a produção imaginária da a vidade
criadora existe de duas formas: a reprodutora e a combinatória isto é, o
cérebro não só conserva e reproduz nossas experiências anteriores, mas
também combina, transforma e cria com base nos elementos da
experiência anterior, novas ideias.
Apoiada nessa compreensão, Vigotski (1994 apud Pino, 2006), em sua
tese sobre ‘desenvolvimento cultural’, que trata sobre a cons tuição
cultural do ser humano, traz elementos básicos sobre a importância do
sen do esté co, afirmando a necessidade de uma educação sensorial
percep va das coisas e, de um trabalho de sensibilização dos sen dos para
que possa captar as sinuosidades das imagens que se formam na
percepção sensorial. Esse refinamento da sensibilidade perante os agentes
culturais que envolvem qualquer indivíduo na vida co diana são
fundamentais para uma progressiva educação sensorial.
Retomando as discussões anteriores sobre as questões que envolvem a
educação, especialmente a situação da educação pública básica no Brasil,
que perspec va de emancipação pessoal e social se poderá ter diante das
diretrizes des nadas ao processo educa vo das crianças, jovens e adultos
que têm como pano de fundo os interesses quan ta vos das esta s cas
para que estas revertam em índices posi vos? Que sa sfação uma
formação escolar que apenas capacite os estudantes para o trabalho na
perspec va dos interesses de mercado poderá proporcionar? E o pior é
que essa formação, certamente alienante, também forma os futuros
trabalhadores da educação – os professores. Giroux (1997), ao tratar do
contexto americano, muito nos diz sobre o nosso contexto:

'Esse po de discurso não apenas promove uma violência simbólica


contra os estudantes no sen do que desvaloriza o capital cultural
que possuem como base significa va para o conhecimento e
inves gação escolar, como também tende a posicionar os
professores dentro de modelos pedagógicos que legi mam seu
papel como 'funcionários' do império. Infelizmente, os interesses
tecnocrá cos que incorporam a noção de professores como
funcionários faz parte de uma longa tradição de modelos de
gerenciamento em pedagogia e administração que tem dominado a
educação pública americana. [...] As questões referentes à
especificidade cultural, julgamento do professor e como a
experiência e as histórias do estudante se relacionam com o próprio
processo de aprendizagem são ignoradas" (p. 128).

A discussão que estamos desenvolvendo com base na questão da


contradição da realidade social e consequentemente da educação, não
pode deixar de abordar, nesta etapa, mesmo num panorama pessimista da
realidade, as possibilidades de construir a superação das atuais atrofias
que se percebem na cultura humana. Marx, nesse exercício crí co, via no
próprio trabalho e na educação – entendidos da perspec va histórico-
cultural (no sen do dialé co crí co) – a possibilidade de desenvolver a
integração indissociável entre a produção da ciência e a cultura,
restaurando a significação do trabalho e da dignidade humana do
trabalhador.
Desatrofiar a sensibilidade esté ca parece ser o ponto crucial para se
desenvolver a subje vidade e o senso crí co sobre a realidade. Mas por
que isso parece tão irrelevante para o progresso social e econômico, se
essa subje vidade e esse potencial criador cultural humano são os
geradores de todos os avanços tecnológicos da humanidade? Assim, cabe
perguntar: "qual o lugar que a sensibilidade ocupa, e deve ocupar, na
escala de valores dos humanos? E em se tratando deste evento, em
par cular, que lugar ocupa a a vidade ar s ca no pensamento de Marx?"
(Cabral, 2012, p. 377).
Cabe também ques onar a visão das artes como lugar de lazer e ócio.
Quais foram os interesses que a originaram e como isso ocorreu?
Compreendidas por esse viés, as artes são apenas conjuntos de objetos e
acontecimentos isolados, desconectados da trama social, cujos sen do e
significação estão fora de alcance para a maioria.
Na linha de pensamento materialista, dialé co, esse ponto de vista
isolado sobre a arte e a cultura nada mais é do que equivocado, pois não
liga a arte à consciência social, como parte do processo de conhecimento,
como a vidade por meio da qual o homem toma conhecimento da
realidade – uma a vidade paralela à da ciência. Dessa perspec va, arte e
cultura são ação e trabalho (Cabral, 2012). Então, se a arte, para Marx, é
desdobramento do trabalho e funde-se com todas as outras a vidades da
vida, presentes na história da humanidade desde sua origem,
independentemente da diversidade cultural, social e econômica, trata-se
de uma dimensão essencial da vida em geral, "uma dimensão do homem
total, que nos possibilita iden ficar as tendências fundamentais da
realidade humana, da especificidade humana e, portanto, histórica"
(Cabral, 2012, p. 380).
Voltando ao contexto social brasileiro, o que se percebe historicamente
é a prá ca de uma educação sem conexão crí ca com o social. No contexto
do ensino da arte isso é o mesmo que descaracterizá-la. O cerceamento
provocado pelas concepções econômicas liberais-idealistas resultaram
numa formação educacional da sociedade brasileira com bases nas
tendências tradicional, novista e tecnicista – no período da ditadura militar
–, que não permi ram a formação de um pensamento crí co sobre a
sociedade e a vida. Fomos adestrados a receber passivamente imposições
sérias, e ficamos à margem do conhecimento emancipador. Basta
pensarmos como foi nossa formação escolar em Arte, nesse período, no
ensino básico.
Não é nossa intenção nos aprofundar na trajetória do ensino de Arte
no Brasil, apesar de se tratar de assunto de extrema relevância para a
compreensão do panorama da educação e da cultura no país, o que nos
interessa é reforçar o ponto de vista materialista-dialé co sobre "a arte e a
cultura que afirma que não são apenas modos de representar o mundo
exterior, mas prioritariamente, um fazer reflexivo, uma práxis através da
qual o homem se afirma ontologicamente, isto é, enquanto ser-homem"
(Cabral, 2012, p. 382).
Além disso, é muito importante afirmar e considerar a onipresença das
artes em todas as sociedades humanas conhecidas e as diversas funções
individuais e sociais que parece ter, bem como compreender por que
razões a exclusão das artes dos aspectos sociológicos chegou ao ponto de
ser considerada natural. "Parte da resposta está no fato de que as artes
têm sido ví mas ou beneficiárias do mercado" (Zolberg, 2006, p. 65).
A arte como manifestação subje va da cultura e da sociedade e seu
caráter ubíquo – de interação e de envolver dimensões qualita vas ao
mesmo tempo pessoais e cole vas – tem, em seu fundamento enquanto
criação humana, a possibilidade de desencadear condições para
desnaturalizar o co diano e ressignificar as experiências vividas no mundo,
com as coisas e na vida; de apresentar possibilidades de exercitar as
sensibilidades sensoriais e esté cas, e de conciliá-las de forma dialé ca
com a condição humana de ordem cultural, que é a função simbólica do
homem. Por esse caminho, as contradições, ao invés de se polarizarem e se
oporem, entram em dinâmica e podem, nesse processo, se complementar.
Isso não significa uma estabilidade passiva, mas a va, pois parte do
conflito, da crí ca, da luta e da par cipação.

Considerações finais
A concepção histórico-crí ca do materialismo dialé co proposto por
Marx, sob o olhar da sociedade capitalista e a condição de ser do homem,
que toma como seu eixo fundante a relação do homem com seu mundo
por meio do trabalho, revela, no sen do histórico, as contradições que
vivemos co dianamente na sociedade atual diante dos interesses
econômicos de desenvolvimento social aos quais estamos sujeitos.
Podemos compreender que mo vos estão por trás de muitos
encaminhamentos pragmá cos que o governo tem dado à educação como
um todo, no mundo capitalista e globalizado. Enfrentamos, a cada dia, a
inserção dos novos artefatos tecnológicos que modificam nossas relações
pessoais, sociais e, principalmente, nossa relação com o trabalho e nossa
condição de trabalhadores.
As contradições que se fazem presentes vem se configurando como
grandes entraves di ceis de desfazerem, pois não vemos como resolver a
equação trabalho, produção de tecnologias, educação e cultura, num
mundo em que vivemos ainda o abismo das diferenças de classe e de
acesso de todos os trabalhadores às riquezas das produções de seu
trabalho e das produções da humanidade.
Essas riquezas das quais já falamos não são apenas as econômicas,
mas, sim, aquelas dimensões que cons tuem a condição de ser do homem,
que envolvem sua relação com a vida e sua sa sfação de necessidades,
que vão para além das biológicas e abarcam as condições de ser cria vo e
simbólico, bem como o direito de conhecer sua história e ter autonomia
perante suas ações, responsabilidades e desejos.
Com tudo isso, voltemos àquela pergunta inicial, porque é nela que
devemos direcionar nossa luta: a serviço de quem está a educação
pública? É com tal ques onamento que gostaria de finalizar este percurso
reflexivo, pois pensar na escola hoje, requer considerar que ela incorpora e
reflete os antagonismos da sociedade por meio das relações sociais que
nela se estabelecem e com base nisso discu r, a formação de professores.
É essencial, portanto, conhecer como se desdobram em construções de
visões pedagógicas essas conjunturas.
Cultura, conhecimento e experiência, da perspec va de formação
omnilateral defendida por Marx (Ramos, 2008), ao invés de se separarem
em segmentos contraditórios, apresentam-se como elementos
interdependentes e complementares. Por isso, acredita-se que se
desenvolvermos condições para que a educação aconteça em seu sen do
esté co, da ó ca marxista, e mais ainda da arte, poderíamos desafiar
nossas consciências a um pensar pedagógico que pudesse de fato ar cular
processos de recons tuição das dimensões humanas e,
consequentemente, da sociedade. Ainda que isso pareça utópico, talvez
seja, quem sabe, pela crise provocada pela própria evolução do sistema
econômico e desenvolvimento tecnológico que vem alterando
dras camente nossas relações com as coisas, com os outros e o mundo,
haja espaço para pensar numa revolução das linguagens que surja da
emergência de se restabelecerem os sen dos e os rumos da humanidade.
Muitos ar stas e professores, ao longo da história da humanidade, se
atreveram a viver, a desvelar as contradições do poder e despertar muitos
sen dos adormecidos e alienados.

Referências
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G. L. et al. (Orgs.). Marx, Gramsci e Vigotski: aproximações. São Paulo:
Junqueira & Marin, 2012.

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RHEINGANTZ, P. A.; PEDRO, R. (Org.). Qualidade de lugar e cultura
contemporânea: controvérsias e ressonâncias em ambientes urbanos.
Rio de Janeiro: UFRJ, 2012.

GIROUX, H. A. Pedagogia crí ca, polí ca cultural e o discurso da


experiência. In: GIROUX, H. A. Os professores como intelectuais: rumo a
uma abordagem crí ca da aprendizagem. Porto Alegre: Artes Médicas,
1997.

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In: PINHO, S. Z. Formação de educadores: o papel do educador e sua
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(Org.). Capitalismo, estado e educação. Campinas: Alínea, 2008.
MARX, K. O Capital: o processo de produção do capital. Livro I, Vol. 1. São
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MAZZEU, L. T. B. A polí ca educacional e a formação de professores:


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In: MARSIGLIA, A. C. G. (Org.). Pedagogia histórico-crí ca: 30 anos.
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PINO, A. A produção imaginária e a formação do sen do esté co. Reflexões


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RAMOS, M. Concepção de ensino médio integrado. 2008. Disponível em:


<h p://tecnicadmiwj.files.wordpress.com/2008/09>. Acesso em: 20
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SAMERARO, G. A práxis de Gramsci e a experiência de Dewey. In:


MENDONÇA, S. G. L. et al. (Orgs.). Marx, Gramsci e Vigotski:
aproximações. São Paulo: Junqueira & Marin, 2012.

ZOLBERG, V. Por que os sociólogos negligenciaram as artes e por que isso


está mudando? In: ZOLBERG, V. L. Para uma sociologia das artes. São
Paulo: SENAC, 2006.
CAPÍTULO 12
ARTE, TECNOLOGIA E FORMAÇÃO DE
PROFESSORES:
APONTAMENTOS NA ÁREA DA EDUCAÇÃO
ESPECIAL
Liane Carvalho Oleques

O presente texto visa apresentar contribuições sobre o uso de


tecnologias para a formação de professores e a disciplina de artes no
cenário da educação inclusiva. Algumas questões concernentes a esse
contexto na atualidade nortearam o percurso para se pensar neste tema:
como é visto o uso de tecnologias na formação de professores no contexto
da inclusão? Como a arte pode dialogar com a inclusão? Alguns autores
que focalizam seus estudos nas polí cas públicas educacionais, formação
de professores e a importância do ensino da arte nos orientarão nesse
percurso sinalizando nosso pensamento.
A primeira questão pontuada no texto considerará as polí cas
educacionais voltadas à educação inclusiva, que têm ganhado força a par r
do século XX em razão das polí cas de inclusão implantadas no Brasil. Com
base nessas considerações enfocaremos o tema em questão: como as
tecnologias estão sendo usadas na formação de professores dessa área? O
uso de tecnologias tem sido incen vado na criação de propostas
educacionais?

Inclusão, formação docente e tecnologias


O que é estar ou sen r-se incluído na sociedade?

"Um aspecto da socialização é a adaptação social de uma pessoa a


um sistema específico de normas e regulamentos sociais, que
implica o desenvolvimento da competência prá ca e social para a
interação efe va com o sistema social, para a adaptação
sa sfatória e efe va às regras sociais" (Leon ev, 2000, p. 127).

Dmitry Leon ev revela-nos um aspecto norma vo do comportamento


esperado na esfera da vida social. Com base nessa premissa, é possível
dizer que par cipamos de modo eficaz desse núcleo de regras e normas.
Entretanto, é possível que tal contexto se adapte de modo que se
valorizem e respeitem também pessoas com deficiência? Pensando nessas
situações, as polí cas de educação vêm tentando contemplar todos, por
meio de leis cujo obje vo é auxiliar o processo de inclusão desse público
na sociedade. Ao longo de anos, elas vêm passando por reciclagens que
visam ao aperfeiçoamento, buscando atender a esse público com prá cas e
metodologias diferenciadas em escolas regulares e ins tuições especiais.
As demandas pela reestruturação das polí cas educacionais no Brasil
salientam transformações importantes no que diz respeito à Educação
Especial. Em âmbito mundial, especialmente a par r das décadas de 1970
e 1980, surgem novas resoluções e conferências voltadas ao direito à
educação para todos e com respeito à diversidade cultural e social e, as
quais culminam em movimentos sociais para a inclusão. Como referência,
é possível citar a Declaração de Salamanca, que teve como princípio as
polí cas e a prá ca da Educação Especial.
Em nível estadual, está assegurado à pessoa com deficiência o acesso
às redes regulares de ensino e ao atendimento educacional especializado
em escolas, classes ou centros especializados sempre que necessário.
Assim, é relevante salientar que, na educação inclusiva, há um processo
interdisciplinar, que ocorre mediante metodologias e recursos pedagógicos
e tecnológicos especializados, que têm o intuito de ampliar e ressignificar a
aprendizagem e o desenvolvimento de todos.
Essa realidade é feito de décadas de resoluções que visavam
implementar o direito à educação para todos. Ainda assim, é importante
salientar que tal realidade vem, frequentemente, se reconstruindo e se
adaptando às necessidades de escolas e comunidades que pouco estão
preparadas para dar assistência a esse público, tendo em vista a precária
situação das escolas da rede pública. Roberto Leher (2012) traz um
levantamento sobre os índices de desempenho escolar realizados por
sistemas de avaliação e pesquisas acadêmicas. O autor comenta que
escolas em todo o território nacional não dispõem de espaços sicos e
infraestrutura mínima compa vel com um ambiente escolar, sequer
garantem quatro horas de aula/dia, faltam bibliotecas, laboratórios,
mobiliários e até mesmo redes de esgoto.

"Esses problemas são acentuados conforme o mapa da miséria, a


localização urbana e rural, a etnia e a classe, tornando dramá cos
os indicadores educacionais nos territórios em que vivem os
expropriados" (Leher, 2012, p. 96).

Em outros casos, é possível perceber que, principalmente, as salas


informa zadas, bem como tablets e computadores que deveriam estar à
disposição dos educandos se encontram sem uso, por causa de falta de
internet e segurança nas escolas, e do despreparo dos profissionais
docentes, que pouco reconhecem nessa tecnologia uma ferramenta de
trabalho. Dessa maneira, o governo disponibiliza tecnologia, mas não
atende com a infraestrutura necessária para seu ideal funcionamento. De
acordo com Dirce Maria Falcone Garcia (2009):

"Não basta colocar computadores nas escolas que acabam sendo


subu lizados e sucateados, por falta de suporte técnico, de
atualização de programas, de não conexão com a internet em
banda larga, de não formação de professores para o seu uso" (p.
13).

Antonio Bosco de Lima (2008) salienta que o descaso presente no


sistema educacional brasileiro, envolve a questão de este ser um aparelho
público e com uma dimensão libertadora, que precisa ser controlado: "Eis
o impasse: para a comunidade educacional, é preciso uma escola
democrá ca, para os neoliberais, há a necessidade de rar o conteúdo
polí co da escola" (p. 147). Em vista disso, entende-se que os recursos
inves dos na educação pública apenas disfarçam suas reais necessidades,
assim investe-se demais em computadores e de menos em suporte
técnico.
Tendo-se observado esse aspecto, fica fácil imaginar o quão di cil e
lento é colocar em prá ca leis e resoluções que visam melhorar o
atendimento a todos os educandos, principalmente aqueles que precisam
de assistência educacional específica. Que po de inclusão nós queremos?
Tudo indica que o conceito de inclusão ainda não está bem entendido
pelos sistemas polí cos, educacionais e sociais, os quais, em primeira
instância, deveriam dar o suporte necessário para que estudantes com
deficiência viessem a usufruir, na prá ca, do conceito de inclusão tão bem
colocado no papel. Instalações sicas adequadas para atender educandos
com deficiência sica, sensorial, intelectual ou deficiências múl plas –
salas, materiais e mobiliário adaptados – suporte de terapeutas
ocupacionais, psicólogos, bem como assistentes sociais, mas, sem dúvidas
professores atualizados e com uma formação de respaldo, são alguns dos
itens indispensáveis para que sejam implementadas com eficácia as
polí cas de inclusão. Uma postura inclusiva não pode deixar de levar em
conta as deficiências, mas deve considerar construir eficientes prá cas de
aprendizagem que refle rão na vida sociocultural.
Pereira (2011) aponta para a crise da educação no país e realizou um
levantamento do que determinava o fracasso da profissão docente. O
autor salienta que, a par r da década de 1980, se chamou a atenção para a
formação de professores sem se ter em mente a ‘deformação’ a que esses
profissionais eram subme dos ao ingressarem no mercado de trabalho.
Felizmente ou infelizmente, ainda contamos com a boa vontade de
professores que, mesmo sem receber dos responsáveis a assistência
adequada, buscam meios para suplantar essas falhas e atender às
necessidades educa vas de estudantes com deficiência em suas salas de
ensino regular, a fim de promover o respeito e a valorização das diferenças.
A formação de professores é uma questão bastante estudada por
pesquisadores de todo o Brasil. A situação social e econômica num sistema
capitalista como o nosso permite que poucos tenham acesso ao ensino
superior de qualidade. A minoria pertence às classes sociais
desfavorecidas, quando acessa o ensino superior, dá preferência aos cursos
oferecidos por universidades par culares, bem como a distância. Pereira
(2011) considera importante salientar que o governo federal está mais
preocupado em mudar as esta s cas educacionais que enfrentar a
questão de modo qualita vo. A maior parte dos inves mentos dos órgãos
públicos tem como base o uso de tecnologias voltadas para a educação a
distância. Barreto (2009) sinaliza algumas questões acerca da u lização das
tecnologias da informação e comunicação no que diz respeito ao
deslocamento da dimensão presencial para a virtual. A autora aponta a
importância das TIC (tecnologias da comunicação e informação) nos
processos pedagógicos, mas deixa claro que essas metodologias não
podem tornar-se sinônimos de autoaprendizagem, relegando a presença
de um professor que efe ve esse processo.

"Epistemologicamente, o novo paradigma quebra a unidade


(ensino-aprendizagem) que tem sustentado os mais diversos
estudos acerca das prá cas educa vas, na medida em que deixa de
contemplar o ensino, concentrando-se na aprendizagem. Em
relação a esta, os novos sen dos parecem sinte zados no
deslocamento de um mote conhecido: de 'não se aprende somente
na escola' para 'não se aprende na escola'. Nesses termos, a
tendência é supor uma relação bastante peculiar entre educação e
tecnologias, não remetendo à descontextualização das úl mas, mas
à reconfiguração da primeira" (Barreto, 2014, p. 114).

Tal realidade reflete-se, principalmente nos cursos de licenciatura, que


são os mais procurados na modalidade a distância. Ga (2011), amparada
por inúmeras fontes e dados quan ta vos, buscou entender quem são os
acadêmicos que procuram essas alterna vas:

"É importante considerar as caracterís cas dos licenciandos, haja


vista seu peso sobre as aprendizagens e os desdobramentos destes
na atuação profissional. É preciso saber quem são os alunos das
Licenciaturas, quais expecta vas têm, qual sua bagagem cultural,
entre outras coisas" (p. 73).

Nessa trajetória, a autora constatou que grande parte dos licenciados,


e também dos cursos de pedagogia, provém de escolas públicas e se
situam nas faixas baixa e média de renda familiar. Os pais desses
estudantes também são, em sua maioria, sistema camente menos
escolarizados que os demais cursos. A autora salienta que isso pode ser
tomado como um indicador de ‘bagagem cultural’ dos acadêmicos. Outros
aspectos dessa pesquisa ganham destaque como a quan dade de
conteúdos genéricos ofertados em prol dos conteúdos específicos.
Disciplinas rela vas à educação inclusiva ainda são incipientes nos
currículos dos cursos de licenciatura:

"Há, também, entre as opta vas oferecidas, baixo percentual de


disciplinas que propiciam algum aprofundamento em educação
infan l, EJA ou educação especial, ou mesmo nos conhecimentos
referentes ao magistério das séries iniciais do ensino fundamental"
(Ga , 2011, p. 81).

Tal realidade demonstra que a preparação docente para atuar no


contexto da educação inclusiva ainda é precária se considerarmos a
demanda. Assim, muitos professores têm a oportunidade de atualizar seus
saberes, bem como buscar a compreensão da realidade educa va e da
própria prá ca nos cursos de formação con nuada que visam ao
aprofundamento de competências necessárias à ação docente.
Mazzeu (2011) tece considerações de natureza bibliográfica acerca das
polí cas de formação de professores no Brasil nas úl mas décadas. De
acordo com a autora, o documento Referenciais para a Formação de
Professores, de 1998, adverte sobre a constante necessidade de
atualização das prá cas docentes e de refle r a respeito delas, além de
recomendar o desenvolvimento profissional permanente:

"Esse posicionamento aponta para o caráter de con nuidade e


permanência da formação do professor que, como qualquer outro
profissional da sociedade contemporânea, deveria ter clareza sobre
a obsolescência dos saberes em uma realidade em constante
mudança. [...] essa atualização deve estar apoiada na reflexão
sobre a prá ca e promover um processo constante de
autoavaliação como orientador da construção con nua de
competências profissionais" (Mazzeu, 2011, p. 159-160).
No caso da Educação Especial, os cursos podem ser ofertados na
modalidade à distância ou presencial e abordam inúmeros temas como
reabilitação, prevenção e prá cas pedagógicas, neurociência e
envelhecimento precoce, au smo, deficiência múl pla entre outros. Dessa
maneira, com algumas exceções, vão-se acumulando prá cas e se criando
estratégias de ensino que contemplam, por vezes superficialmente, as
brechas na formação docente na atualidade.

Arte e suas aproximações com a educação especial


Quais as ferramentas pedagógicas mais adequadas para que a arte
tenha visibilidade no contexto da educação inclusiva e mesmo na educação
básica? Qualquer po de educação é uma prá ca social e o Ensino das
Artes Visuais na atualidade tem obje vado ações educa vas que se
configuram a fim de possibilitar o desenvolvimento crí co, reflexivo e
significante para o educando, valendo-se de aproximações entre arte e
contexto do sujeito.
Com base nessa premissa, seria admissível agir sobre a prá ca ar s ca,
o diálogo e o fazer, es mulando o exercício do potencial cogni vo e criador
do educando. Para isso, é necessário desvincular-se de conteúdos e teorias
que nada acrescentam à formação de um ser a vo na sociedade e dar
maior ênfase para as questões sociais per nentes à contemporaneidade.
Uma ação educa va com essa finalidade deve estar centrada em processos
cria vos e no desenvolvimento do potencial dos estudantes; não se
esquecer da importância da manifestação ar s ca e educacional como um
todo e envolver aspectos emocionais, afe vos e ações mútuas, pensando a
formação das diferentes iden dades que compõem a comunidade escolar.
Compete ao professor desse ensino proporcionar ao estudante um novo
olhar para o mundo que o rodeia e, por meio desse ponto de vista, fazer
que ele perceba relações entre arte e vida, incen vando-o a atuar de
maneira crí ca.
Fá ma Cabral (2012) liga a arte e o fazer ar s co ao papel social "como
parte do processo de conhecimento, como a vidade através da qual o
homem toma consciência da realidade – uma a vidade paralela à ciência"
(p. 379). A autora convida-nos a pensar a arte e a cultura como ação e
trabalho, em vez de ligar nosso pensamento ao senso comum que
condiciona a cultura à aquisição de livros e obras, bem como a arte à esfera
do lazer:

"Do ponto de vista materialista, portanto, arte e cultura não são


apenas modos de representar o mundo exterior, são,
prioritariamente, um fazer, uma práxis através da qual o homem se
afirma ontologicamente, isto é, enquanto ser-homem. Esse fazer
possui uma dimensão humana essencial e insubs tuível no processo
de emancipação, de superação da alienação e das forças
despotencializadoras no capitalismo" (Cabral, 2012, p. 382).

Cabe à educação levar essas informações e oportunizar a reflexão


crí ca da sociedade e da cultura que nos rodeia de modo tolerante e sábio,
a fim de romper os paradigmas existentes e abrir espaço para a aceitação
da diferença e ampliação do processo de inclusão. A arte, nesse contexto,
ganha visibilidade porque pode ampliar o acesso ao conhecimento das
pessoas com deficiência, haja vista que as dificuldades enfrentadas por
esse público estão mais ligadas ao desrespeito e desinteresse do contexto
social e cultural onde se inserem que as disfunções que apresentam. A arte
propicia um conhecimento múl plo e consolida-se como uma atraente
mediadora de conhecimento desde que suas prá cas ampliem sua
compreensão e a compreensão do educando como sujeito do seu contexto
sociocultural.
Cabral (2012), por meio do pensamento de Marx discorre sobre a
importância da sensibilização dos sen dos por intermédio da arte e da
necessidade dela para o conhecimento da realidade:

"Quando nos damos conta de que a formação do homem se faz,


necessariamente, através do processo de mediação e automediação
entre o homem e a natureza, e que é justamente essa práxis social
que nos permite atribuir significados humanos aos elementos
transformados da natureza, percebemos melhor a necessidade de
cuidarmos das mediações ar s cas e culturais que,
invariavelmente, formatam nossa consciência" (Cabral, 2012, p.
382).

Dessa perspec va, a arte é entendida como produto do encontro entre


o homem e o mundo, é por meio dela que o educando interpreta sua
natureza, construindo e redescobrindo saberes, entendendo-se como
parte de um sistema modificador da cultura e da sociedade. É nisso que
reside a capacidade transformadora da arte: permi r àqueles que têm
dificuldades em se reconhecerem como cidadãos desenvolverem-se como
sujeitos atuantes numa sociedade que só recentemente tem se proposto a
pensar na pluralidade que a constrói.

Considerações finais
O presente texto buscou salientar alguns aspectos da formação
docente, da arte e da tecnologia, enfocando esses temas no contexto da
educação inclusiva.
Quanto à formação de professores, foi possível ressaltar as inúmeras
dificuldades nessa área, tanto por parte das polí cas públicas quanto por
parte dos inves mentos e melhores condições de ensino e trabalho na
educação superior e na educação básica. Percebeu-se que o governo visa
modificar esta s cas inves ndo em tecnologias que deveriam auxiliar em
novas prá cas e metodologias de ensino, porém negligencia a assistência
básica para esses inves mentos, o que os torna obsoletos.
Essas reflexões levam-nos a pensar que a situação dos professores, no
que concerne às suas formações e seus trabalhos, se encaixa nas
concepções de trabalho do marxismo abordadas por Angel Pino (2006). O
autor esclarece, baseado nos estudos de Marx, que o trabalho envolve três
elementos simples: "a vidade pessoal do homem, o objeto sobre o qual ele
age e o instrumento pelo qual ele age" (p. 53). A a vidade pessoal diz
respeito ao que o trabalhador quer fazer e ao como fazer, assim tais ações
são resultados de um projeto do seu autor. O objeto, dessa perspec va, é
transformado segundo os obje vos daquele que o cria ou u liza, exigindo
meios, instrumentos ou técnicas para isso.
Portanto, o trabalho, que está no centro da teoria marxista, caracteriza-
se como um impulso para criar, desligando-se do modo de produção
capitalista ou do que Marx dis ngue como trabalho alienado. No entanto,
a a vidade docente vem se desgastando em jornadas duplas ou triplas, em
razão dos baixos salários. A própria experiência tem sido a referência dos
professores, que se limitam a cumprir e saber aquilo que lhes compete
ensinar. Esse pensamento vem ao encontro da situação da educação
inclusiva, visto que os professores possuem pouco ou nenhuma
experiência nessa área em sua formação, chegando às escolas
despreparados e contando com pouco conhecimento. Assim, estar bem
preparado para pensar e repensar sua condição e prá cas docentes é
fundamental para a construção de uma educação de qualidade.
Quanto à arte, pontuou-se que esta, de uma perspec va educacional,
seja vista como mediadora entre sujeito e realidade circundante,
impulsionando valores morais e é cos, cogni vos e emocionais,
permi ndo, principalmente, que os menos favorecidos socialmente – e isso
inclui as pessoas com deficiência – sejam capazes de atuar sobre suas
realidades a fim de transformá-la, contribuindo para uma efe va inclusão
social.

Referências

BARRETO, R. G. Discursos, tecnologias e educação. Rio de Janeiro: Eduerj,


2009.

CABRAL, F. A arte para pensar a vida e educar os sen dos. In: MENDONÇA,
S. G. de L.; SILVA, V. P.; MILLER, S. Marx, Gramsci e Vigotski:
aproximações. 2. ed. Araraquara: Junqueira Marrin, 2012.

GARCIA, D. M. F. Educação a distância, competências, tecnologias e o


trabalho docente. In: GARCIA, D. M. F.; SALUA C. Formação e profissão
docente em tempos digitais. Campinas: Alínea, 2009.

GATTI, B. A. Licenciaturas: caracterís cas ins tucionais, currículos e


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dilemas contemporâneos. São Paulo: Editora UNESP, 2011.
GIROUX, H. A. Os professores como intelectuais: rumo a uma pedagogia
crí ca da aprendizagem. Trad. Daniel Bueno. Porto Alegre: Artes
Médicas, 1997.

LEHER, R. Educação no capitalismo dependente ou exclusão educacional?


In: MENDONÇA, S. G. de L.; SILVA, V. P.; MILLER, S. Marx, Gramsci e
Vigotski: aproximações. 2. ed. Araraquara: Junqueira Marrin, 2012.

LEONTIEV, D. Funções da arte e educação esté ca. In: FRÓIS, J. P. (Org.).


Educação esté ca e ar s ca: abordagens transdiciplinares. Lisboa:
Fundação Calouste Gulbenkian. Serviço de Educação e Bolsas, 2000.

LIMA, A. B. Estado, polí cas e educação no Brasil. In: LUCENA, C. (Org.).


Capitalismo, estado e educação. Campinas: Alínea, 2008.

MAZZEU, L. T. Apolí ca educacional e a formação de professores: reflexões


sobre os fundamentos teóricos e epistemológicos da reforma. In:
MARIGLIA, A. C. G. (Org.). Pedagogia histórico-crí ca: 30 anos.
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PEREIRA, J. E. D. Sinais e evidências da crise das licenciaturas no Brasil. In:


PINHO, S. Z. (Org.).Formação de educadores: dilemas contemporâneos.
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PINO, A. A produção imaginária e a formação do sen do esté co. Reflexões


úteis para uma educação humana. Pro-posições, v. 17, n. 2, 2006.

SEMERARO, G. A práxis de Gramsci e a experiência de Dewey. In:


MENDONÇA, S. G. de L.; SILVA, V. P.; MILLER, S. Marx, Gramsci e
Vigotski: aproximações. 2. ed. Araraquara: Junqueira Marrin, 2012.
SOBRE OS AUTORES

ORGANIZADORA

Maria Cris na da Rosa Fonseca da Silva


Professora doutora da Universidade do Estado de Santa Catarina – UDESC,
mestre em Educação pela mesma universidade, na linha de Teoria e Prá ca
Pedagógica, com formação em Mídia e Conhecimento pelo Programa de
Pós-graduação em Engenharia de Produção. Desenvolve pesquisas sobre a
formação de professores de artes e suas diferentes relações. Ministra a
disciplina de Artes, Tecnologias e Formação Docente no Programa de Pós-
graduação em Artes Visuais e a disciplina de Polí cas Públicas e o Ensino
de Arte no Programa de Pós-graduação em Educação, ambos da UDESC.
Atualmente, coordena o projeto bilateral Observatório da Formação de
Professores no âmbito do Ensino de Artes: estudos comparados entre
Brasil e Argen na. <h p://la es.cnpq.br/5794119392714925>

COLABORADORES

Angela Maria de Andrade Palhano


Doutoranda em Artes Visuais pela Universidade do Estado de Santa
Catarina na linha de pesquisa Ensino das Artes Visuais. Mestre em
Educação pela Universidade Regional de Blumenau. Licenciada em
Educação Ar s ca pela Universidade do Oeste de Santa Catarina.
Pesquisadora nas áreas de Semió ca, Formação Esté ca e Formação
Docente. Atua como docente em cursos de graduação e ocupa a função de
diretora execu va da cultura em Rio do Sul-SC.
<h p://la es.cnpq.br/3831899079950049>

Fábio Wosniak
É doutorando em Artes Visuais pela Universidade do Estado de Santa
Catarina, mestre em Artes Visuais na linha de pesquisa e ensino das Artes
Visuais e graduado em Pedagogia com habilitação em Supervisão Escolar
pela mesma universidade. Tendo trabalhado com formação de professores
em Artes Visuais na Secretária Municipal de Educação de São Paulo, atua
principalmente nos seguintes temas: arte-educação, arte e pedagogia e
formação docente em Artes Visuais.
<h p://la es.cnpq.br/6525393533253057>

Giovana Bianca Darolt Hillesheim


Doutoranda e mestre em Artes Visuais pelo Programa de Pós-graduação
em Artes Visuais da Universidade do Estado de Santa Catarina.
Licenciada em Educação Ar s ca com habilitação em Artes Plás cas. É
professora de Artes do Ins tuto Federal de Santa Catarina, membro do
grupo de pesquisa Educação, Arte e Inclusão e do Projeto Observatório da
Formação de Professores em Artes Visuais: estudos comparados entre
Brasil e Argen na (Capes, MINCYT).
<h p://la es.cnpq.br/7690907623919466>

Jaymini Pravinchandra Shah


Mestre em Artes Visuais, bacharel e licenciada em Artes Plás cas pela
Universidade do Estado de Santa Catarina. Especializada em Educação de
Jovens e Adultos pelo Ins tuto Federal de Santa Catarina. Professora e
ar sta visual, atualmente é professora de Artes Visuais, com dedicação
exclusiva à Rede Municipal de Florianópolis. Desenvolve pesquisas sobre a
formação de professores, inves gando a a vidade poé ca (ato criador)
como processo de mediação da práxis arte-educa va.
<h p://la es.cnpq.br/6884533862254077>

Liane Carvalho Oleques


Doutoranda e mestre em Artes Visuais pela Universidade do Estado de
Santa Catarina; bacharel e licenciada em Desenho e Plás ca pela
Universidade Federal de Santa Maria. Tendo atuado como professora de
Artes na Educação Básica e na Educação Especial, realiza pesquisas nas
áreas de Arte-educação, Arte e inclusão, com ênfase nos temas desenho
infan l e adolescente, ensino do desenho e recursos pedagógicos
adaptados. <h p://la es.cnpq.br/0890473214453132>

Mari Ines Piekas


Doutoranda e mestre em Artes Visuais pela Universidade do Estado de
Santa Catarina. Graduada em Comunicação Visual pela Universidade
Federal do Paraná, com estágio de pós-graduação na Academia de Belas-
Artes de Varsóvia. Membro do Grupo Imagem, Arte e Desenho na Escola,
com pesquisas na área da deficiência visual. Atua como ilustradora de
literatura infantojuvenil, é ar sta gráfica e professora de desenho e
ilustração. <h p://la es.cnpq.br/4360076202122007>

Milka Lorena Plaza Carvajal


Mestre na linha de pesquisa de Arte-educação do Programa de Pós-
graduação em Artes Visuais da Universidade do Estado de Santa Catarina –
UDESC − e graduada como bacharel em Artes Visuais pela mesma
universidade. É também graduada em Tecnologia em Processamento de
Dados pela Faculdade Rui Barbosa − Salvador-Bahia. Tem experiência na
área de Arte-educação e Arte-tecnologia, é instrutora de espanhol e tutoria
a distância no Centro de Educação a Distância da UDESC, na modalidade de
Ensino das Artes II. <h p://la es.cnpq.br/5567684213217902>

Yaskara Beiler Dalla Rosa


Doutoranda em Artes Visuais no Programa de Pós-graduação de Artes
Visuais da Universidade do Estado de Santa Catarina − UDESC. Mestre em
Educação pela Universidade Regional de Blumenau e graduada em Artes
Plás cas pela UDESC. É integrante do grupo de pesquisa Arte, Formação e
Tecnologias nos Processos Contemporâneos. Professora do quadro do
curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade do Vale do Itajaí,
leciona também nos cursos de Design de Interiores e Artes Visuais, na
mesma ins tuição de ensino. <h p://la es.cnpq.br/9859156088551413>

Stéfani Rafaela Pintos da Rocha


Mestre em Artes Visuais pelo Programa de Pós-graduação em Artes Visuais
da UDESC na linha de pesquisa Ensino das Artes Visuais. Graduada no
curso de Artes Visuais − Habilitação em Licenciatura − pela Universidade
Federal do Rio Grande. Par cipa de dois projetos vinculados ao LIFE −
Laboratório Interdisciplinar de Formação de Educadores da UDESC − nos
seguintes projetos: PIBID Educação Inclusiva na Escola: uma ação
interdisciplinar e Família no museu: um encontro inclusivo. Atualmente, é
acadêmica do curso de Pedagogia − Licenciatura − da UDESC.
<h p://la es.cnpq.br/3063608112109989>

Valéria Metroski de Alvarenga


Doutoranda e mestre em Artes Visuais pela Universidade do Estado de
Santa Catarina. Graduada em Artes Visuais (Licenciatura e Bacharelado)
pela Universidade Federal do Paraná. Atualmente, leciona a disciplina de
Arte na Secretaria do Estado da Educação (SEED/PR). Membro do Grupo de
Pesquisa Educação, Arte e Inclusão, tem interesse nas seguintes
áreas/temas de pesquisa: tecnologias contemporâneas, formação do
professor de arte e polí cas públicas educacionais.
<h p://la es.cnpq.br/2380674209566505>

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