No que diz respeito a história de Hipátia de Alexandria, pode-se
perceber que se trata de uma narrativa brilhante sobre protagonismo feminino. No entanto, a trajetória de uma mulher extremamente proeminente foi encerrada de maneira involuntária justamente pelo brilho que carregava. O filme Alexandria relata as circunstâncias que envolveram o assassinato cruel não só de uma pessoa, mas de suas idéias. Além disso, morreram com Hipátia – pelo menos temporariamente – a oportunidade de uma mulher ser proeminente e ouvida na sociedade. A nossa narrativa ocorre no século 4 depois de Cristo. Essa localização na linha do tempo é importante porque nesse período, o Cristianismo ainda estava conquistando certo prestígio político. No contexto em que Hipátia vivia, a cidade de Alexandria (localizada no Egito) era parte do território conhecido como Egito Romano. Assim, quando o Império Romano adotou o Cristianismo como religião oficial, o Egito também fez isso. Tendo isso em vista, a história do filme Alexandria retrata um ápice do conflito entre um bispo cristão e o governador da cidade. O foco central do problema é o fato de que essas duas entidades discordam sobre a atuação de uma milícia de monges obstinada a matar e torturar qualquer pessoa que não adotasse a fé cristã. Nesse contexto, Hipátia foi uma das pessoas “pagãs” assassinadas por uma suposta acusação de bruxaria. O Cristianismo, por si só, é uma religião que adota como prática de vida o amor a Deus e o amor ao próximo. Assim, quando nos deparamos com uma história assim, não fica muito claro como as pessoas acabaram misturando as coisas. Na verdade, isso acontece bastante quando trazemos preconceitos e concepções para a nossa prática religiosa, o que prejudica muita gente (No caso, falando do contexto histórico do filme apenas). No que diz respeito à bruxaria fica um pouco mais fácil entender a lógica por trás dos atos cruéis dos ditos cristãos da época. De acordo com a Bíblia, a prática é abominável a Deus. Contudo, na Bíblia não há o que fundamente a escolha da tortura e da morte enquanto castigos impostos por seres humanos. As pessoas esqueceram que não são juízes, descartando assim a atuação da justiça divina. Tendo isso em vista, foram os seres humanos que julgaram Hipátia de Alexandria como bruxa. No entanto, um julgamento parcial é um julgamento desumano. Por essa razão, ela morreu sem ter o direito de ser ouvida e se defender. Na verdade, o que as pessoas entendiam ser bruxaria, era uma vertente filosófica praticada pela matemática. Hipátia era uma das figuras mais poderosas da cidade. Era uma proeminente matemática, filósofa e até conselheira dos líderes da cidade. Pouca coisa dos seus escritos sobrou para ser estudada, contudo, as pessoas que se dedicaram a estudar sua vida e obra conseguiram remontar um cenário de sua vida em que ela era uma grande influenciadora. Inclusive, era amada por seus seguidores, quase uma influencer dos dias atuais. No que tange a vida sentimental de Hipátia, os detalhes da sua vida íntima ganharam um status mítico ao longo dos séculos. Sabe-se que seu pai, Teón de Alexandria, era matemático e astrônomo. Contudo, a origem de sua mãe não é conhecida. Tudo indica que ela tenha sido criada sob forte influência paterna, sem irmãos também. Ao crescer, Hipátia superou o pai na matemática e na astronomia, se tornando a estudiosa mais importante da cidade e ensinando na escola platônica. Apesar do paganismo, judeus e cristãos viajavam para ter aulas com ela. Nestas aulas, todos deveriam e podiam se sentir confortáveis para falar e fazer perguntas. Várias cenas do filme Alexandria retratam como seria essa dinâmica. O foco aqui deve ser no fato que o ambiente em que ela lecionava era apartidário. Assim, apesar de ser uma grande influenciadora, o espaço para discussões era dinâmico e aberto. Contudo, o ambiente político da cidade não seguia essa mesma vertente. Por causa da adoção do Cristianismo como religião oficial, havia uma fragmentação político-religiosa na cidade. Obviamente, o apartidarismo pelo qual a professora prezava não passou desapercebido. Cirilo, assim como Hipátia, estava ganhando muita importância no cenário político. Contudo, era ele o responsável por comandar uma milícia de monges que matavam e torturavam judeus e outras pessoas que não seguiam a nova religião oficial. Orestes, por outro lado, era o governador da época. No entanto, era um cristão moderado, tolerante com outros grupos religiosos e não compactuava com a ala mais radical. Assim, nasce uma disputa entre os dois. Para resolver esse problema, Orestes buscou o conselho de Hipátia. Como já foi apontado, ambos eram amigos. Além do laço emocional, a busca por saber o que ela tinha a dizer evidencia o quanto ela era considerada importante por um dos cargos mais altos do governo. No que diz respeito ao conflito, a filósofa orientou que Orestes agisse com sobriedade e justiça. Porém, eles não imaginavam que o governador sofreria um ataque ardiloso conduzido por Cirilo e seus monges. Ele foi capturado e torturado até morrer. Nesse contexto, não abandonando seu discurso radical, Cirilo culpou Hipátia por afastar Orestes do Cristianismo. Neste momento, ele alegou que ela era praticante de bruxaria. Algum tempo depois, enquanto Hipátia passeava pela cidade a caminho do trabalho, ela foi vítima de um outro ataque chefiado por Cirilo. Ela foi arrancada de sua carruagem e desmembrada por uma multidão fanática, morrendo de maneira brusca e desumana. Após a sua morte, vários outros filósofos que a seguiam fugiram temendo a morte. Assim, o ambiente inclusivo que a filósofa construiu para si mesma e para a cidade morreram juntos. Alexandria nunca mais foi o centro de estudo e apartidarismo de antes.