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05/02/2017

A Bioenergética constitui um dos principais blocos


temáticos da Fisiologia, sendo essencialmente dedicada ao
estudo dos vários processos químicos que tornam possível
a vida celular do ponto de vista energético.

A compreensão daquilo que significa energia e da


forma como o organismo pode adquiri-la, converter,
Prof. Ivan Carlos Bagnara armazenar e utilizar, é a chave para compreender o
funcionamento orgânico tanto nos desportos de
rendimento, como nas atividades de recreação e lazer.

O estudo da bioenergética permite entender como a Para compreender as necessidades energéticas de


capacidade para realizar trabalho (exercício) está qualquer exercício ou modalidade esportiva, tanto em nível
dependente da conversão de uma ou outra forma de de treino como de competição, é importante conhecer tal
energia. exercício ou modalidade profundamente.
Podemos dizer que a bioenergética é, basicamente, O sucesso de qualquer tarefa motora pressupõe que a
uma questão de conversão de energia química em energia conversão de energia seja feita de forma eficaz, na razão
mecânica. Energia essa que é utilizada pelas miofibrilas direta das necessidades energéticas dos músculos
para provocar o deslize dos miofilamentos, resultando em esqueléticos envolvidos na atividade em questão.
ação muscular e produção de força.

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É de extrema importância referir que a disponibilidade Os dois primeiros sistemas energéticos são designados
de energia depende de vários fatores, entre os quais de anaeróbios, o que significa que a produção de energia
podemos citar o tipo de exercício, frequência, duração, não está dependente da utilização de oxigênio.
intensidade, dieta do indivíduo, condições do ambiente
(altitude, temperatura e umidade), condição física do
atleta e a sua composição muscular em termos de fibras. Já a produção de energia no sistema oxidativo ocorre
na mitocôndria e só é possível mediante a utilização de
oxigênio, razão pela qual se denomina este tipo de sistema
Referindo-se à avaliação da performance, as atividades aeróbio.
são classificadas em 3 grupos distintos - potência,
velocidade e resistência (endurance) – aos quais são
associados um sistema energético específico, Deste modo, o sucesso e a operacionalidade de cada
respectivamente, os fosfatos de alta energia ou anaeróbio um dos grupos de atividades encontra-se dependente do
alático, a glicólise anaeróbia ou anaeróbio lático e o funcionamento do sistema energético preferencialmente
sistema oxidativo ou aeróbio. utilizado.

O ATP é composto por um componente extremamente


complexo denominado adenosina, e três partes
denominadas fosfato. Para o exercício sua importância
A energia liberada durante a desintegração do química reside nos fosfatos.
alimento não é utilizada diretamente para a realização de
trabalhos ou atividades. Ela é empregada para produzir o
composto químico chamado adenosina trifosfato, ou A desintegração ou fracionamento de ATP é chamada
simplesmente, ATP, que é armazenado em todas as fibras de hidrólise, e libera a energia para a contração muscular,
musculares. mas, como é fornecido o ATP para cada célula muscular?

A célula somente consegue realizar seu trabalho Primeiramente precisamos esclarecer que existe uma
especializado a partir da energia liberada pela quantidade limitada de ATP na célula, e que ele está
desintegração do ATP. constantemente sendo utilizado e regenerado. A
regeneração de ATP também requer energia.

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Existem três processos produtores de energia 3. Sistema aeróbio: que envolve o uso de oxigênio e
para liberação de ATP: consiste em duas partes: - SISTEMA OXIDATIVO.

1. Sistema ATP-PC ou fosfagênio: neste processo a A. Consiste no término da oxidação de carboidratos;


energia para ressíntese do ATP provém apenas da
fosfocreatina (PC) – SISTEMA ANAERÓBIO ALÁTICO. B. Envolve a oxidação dos ácidos graxos e de alguns
aminoácidos;
2. Glicólise anaeróbia: esse sistema gera ácido lático, e
proporciona ATP a partir da degradação parcial da
glicose ou do glicogênio na presença de oxigênio –
SISTEMA ANAERÓBIO LÁTICO.

Alguma energia para ressíntese de ATP provém


diretamente da hidrólise de um fosfato proveniente de
Como as células armazenam uma pequena quantidade outro composto fosfato de alta energia intracelular – a
de ATP, este deverá ser ressintetizado continuamente, no fosfocreatina (PC ou PCr), também conhecida como
mesmo ritmo que é utilizado. Isso provoca um mecanismo creatina fosfato ou fosfato de creatina (CP).
biologicamente útil para regular o metabolismo energético.
A hidrólise de PC para obtenção de energia começa no
Por exemplo, ao passarmos de uma posição sentada início do exercício intenso, não requer oxigênio e alcança
para uma caminha a demanda energética aumenta cerca
aproximadamente 10 segundos. Sendo assim, a PC pode
de 4 vezes. Da caminhada para um pique explosivo, a
demanda energética aumenta cerca de 120 vezes dentro da ser considerada uma espécie de reservatório das ligações
musculatura ativa. Dessa forma a geração de uma fosfato de alta energia.
quantidade significativa de energia torna necessária quase
que imediatamente uma maior disponibilidade de ATP, O termo fosfatos de alta energia refere-se aos
assim como uma meio para sua ressíntese rápida.
compostos intramusculares armazenados.

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A creatina (Cr) e o fosfato inorgânico (Pi) proveniente


do ATP podem unir-se novamente e voltar a formar PC ou
PCr. Isso também é válido para o ATP, pois a união de ADP
(adenosina difosfato, resultado da quebra de ATP) e Pi
volta a formar ATP.

A ressíntese do ATP ocorre quando existe energia


suficiente para reunir uma molécula de ADP com uma
molécula de Pi. A hidrólise da PC fornece essa energia.

Nos desportos e exercícios de potência, em que a Os fostatos de alta energia trifosfato de adenosina
atividade se caracteriza por esforços de intensidade (ATP) e fosfocreatina (PC ou PCr ou ainda “CP”)
máxima com uma duração inferior a 30s, o músculo armazenados dentro dos músculos proporcionam quase
recorre a fontes energéticas imediatas, habitualmente que exclusivamente esta energia.
designadas por fosfagênios (fontes intramusculares de
energia), como a adenosina trifosfato (ATP) e a
fosfocreatina (PC). Sendo assim, quanto maior a quantidade de massa
muscular do indivíduo, teoricamente, maior seria a
Os desempenhos de curta (curtíssima) duração e alta quantidade de energia armazenada.
intensidade, como a corrida de 100 m rasos, natação de 25
m, o golpe aplicado na bola de tênis durante o saque ou o A quantidade de fosfagênios intramusculares
arremesso de um peso pesado exigem um suprimento de influencia profundamente a capacidade de gerar energia
energia imediato e rápido. “explosiva” por curtos períodos.

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Para os desportos de maior duração como futebol,


Apesar de todos os movimentos utilizarem fosfatos de
hóquei no gelo, basquetebol, handebol, ...outras fontes de
alta energia, muitos dependem exclusivamente da geração
energia reabastecem continuamente as reservas de
rápida de energia a partir desse sistema energético.
fosfagênios na musculatura. Com essa finalidade, os
macronutrientes armazenados, carboidratos, gorduras e
O sucesso na lutas, no levantamento de peso, nos proteínas suprem a energia necessária para recarregar o
treinamentos da ginástica, na maioria dos eventos atléticos reservatório disponível de fosfatos de alta energia.
de disco e peso, salto com vara, beisebol, voleibol exigem
um esforço máximo curto, porém explosivo. Sendo assim,
o sistema energético predominante nesses casos é o
fosfagênio ou anaeróbio alático.

O outro sistema anaeróbio no qual o ATP é


ressintetizado dentro do músculo é chamado de sistema do
ácido lático, anaeróbio lático ou glicólise anaeróbia. O
mesmo envolve uma desintegração incompleta de uma das
substância alimentares: o carboidrato.

No organismo, todos os carboidratos são


transformados em açúcar simples, a glicose, que pode ser
utilizado imediatamente nesta forma, ou armazenado no
fígado e músculos sob a forma de glicogênio para utilização
subsequente.

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O glicogênio acumulado consiste em cadeias Do ponto de vista químico a glicólise anaeróbia é mais
ramificadas denominadas glicosídicas. E estas cadeias complicada que o sistema do fosfagênio, pois requer 12
podem ser desfeitas através da glicogenólise, cuja reações químicas separadas e sequenciais para fornecer a
finalidade é liberar glicose do fígado na corrente energia.
sanguínea e que vai ser fornecida aos músculos ativos.
A glicose é desintegrada em ácido lático por uma série
Quando falamos no sistema energético da glicólise de reações. Durante essas reações a energia é liberada, e
anaeróbia o açúcar, o carboidrato, a glicose e o glicogênio por meio de reações acopladas é utilizada para ressíntese
possuem o mesmo significado. de ATP. Quando o processo de produção de energia está
nessa fase, novamente a reação é muito simples, porém
É importante destacar que o ácido lático é resultante antes disso o processo é complexo, necessitando de
da glicólise anaeróbia. enzimas específicas para que o mesmo ocorra.

A glicólise anaeróbia, assim como o sistema do Em resumo, a glicólise anaeróbia/sistema anaeróbio


fosfagênio é extremamente importante para nós durante o lático/sistema do ácido lático:
exercício, principalmente porque nos proporciona também
um fornecimento relativamente rápido de ATP. 1. Resulta na formação de ácido lático, que está relacionado
com a fadiga muscular;
Por exemplo, os exercícios que podem ser realizados
com um ritmo máximo pelo período entre 1 e 3 minutos 2. Não requer a presença de oxigênio;
como provas de 400 e 800 metros, dependem
maciçamente do sistema do fosfagênio e da glicólise
3. Utiliza apenas carboidratos (glicose e glicogênio) como
anaeróbia para a formação de ATP.
combustível para ressíntese de ATP;

4. Libera energia suficiente para pouquíssimas moles de ATP.

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As reações metabólicas aeróbias são responsáveis


pela maior parte da transferência de energia,
particularmente quando o exercício se prolonga por mais
de 2 a 3 minutos.

No interior da fibra muscular esquelética existem


organelas especializados designadas de mitocôndrias que
são responsáveis pelo catabolismo aeróbio dos principais
compostos provenientes da alimentação, pelo consumo
de oxigênio da fibra muscular e pela homeostasia das
concentrações celulares de ATP-PC.

O termo oxidação refere-se à formação de ATP na As muitas reações do sistema aeróbio podem ser
mitocôndria com a utilização de oxigênio, ou seja, divididas em 3 séries principais:
formação de energia aeróbia.
1. Glicólise aeróbia;
Energia aeróbia significa a energia (ATP) derivada dos
alimentos através do metabolismo oxidativo.
2. Ciclo de Krebs;

Contrariamente à glicólise, que utiliza exclusivamente


glicogênio, os mecanismos celulares oxidativos que 3. Sistema de transporte de elétrons (STE).
decorrem na mitocôndria permitem a continuação do
catabolismo do glicogênio (a partir do piruvato), bem
como dos lipídios e dos aminoácidos (proteínas).

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Isso é conseguido desviando a maior parte do


precursor do ácido lático, que é o ácido pirúvico, para o
A primeira série de reações que participam da sistema aeróbio após a ressíntese de ATP.
desintegração aeróbia do glicogênio para CO2 e H2O é a
glicólise.
Assim sendo, durante a glicólise aeróbia, 1 mol de
glicogênio é transformado em 2 moles de ácido pirúvico,
Isso pode ser confuso pois discutimos anteriormente liberando energia suficiente para a ressíntese de 3 moles de
que a glicólise é uma via anaeróbia. ATP.

Existe apenas uma diferença entre a glicólise anaeróbia


e aeróbia. A glicólise aeróbia ocorre na presença suficiente
de oxigênio (não se acumula ácido lático).

Em outras palavras a presença do oxigênio inibe o


acúmulo de ácido lático, porém não a ressíntese de ATP.

Glicólise aeróbia Glicólise anaeróbia


Em seguida o ácido pirúvico formado durante a
Glicogênio Glicogênio
glicólise aeróbia penetra nas mitocôndrias e continua
sendo desintegrado por meio de uma série de reações que
Glicose Glicose
recebem a denominação de ciclo de Krebs em homenagem
ADP + Pi ADP + Pi
ao seu descobridor Sir Hans Krebs. Esse ciclo é conhecido
ATP ATP também como ciclo do ácido tricarboxílico (ATC) ou ciclo do
Ácido pirúvico Ácido pirúvico
ácido cítrico, em virtude de alguns compostos químicos dos
ácidos.
Oxigênio Oxigênio
suficiente insuficiente Durante o ciclo de Krebs ocorrem inúmeros eventos
importantes:

CO2 + H2O + ATP Ácido lático

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1. É produzido dióxido de carbono; No ciclo de Krebs propriamente dito, apenas 2 moles


2. Ocorre oxidação e redução; de ATP via guanosina trifosfato (GTP) são formados para
3. É produzido ATP pela conversão de um composto: cada mol de glicogênio metabolizado. Em quatro locais
guanosina trifosfato (GTP). diferentes no ciclo de Krebs, os íons H+ são removidos e
passam por meio do sistema de transporte de elétrons,
onde o resultado final é a formação de água e de unidades
Imediatamente o CO2 é removido do ácido pirúvico, de ATP.
transformando-o em um composto com três carbonos
para um composto com dois carbonos (um grupo acetil).
Esse grupo acetil combina-se com a coenzima A para
formar acetil coenzima A.

O CO2 também é formado no ciclo de Krebs. Todo o


CO2 produzido difunde-se para o sangue, sendo levado
aos pulmões e eliminado do corpo.

Continuando na desintegração de glicogênio, o produto


final H2O é formado a partir dos íons hidrogênio e dos elétrons
que são removidos do ciclo de Krebs e do oxigênio que
respiramos. A série específica de reações nas quais é formada
H2O recebe a designação de sistema de transporte de elétrons
(STE) ou de cadeia respiratória.

O que ocorre essencialmente é que os íons hidrogênio e os


elétrons penetram no STE por meio de FADH2 (dinucleótido de
flavina e adenina) e NADH (nicotinamida adenina dinucleótido
hidreto ou coenzima 1) e são transportados para o oxigênio por
carreadores de elétrons em uma série de reações enzimáticas,
cujo produto final é água.

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4 íons de hidrogênio (4H+) mais 4 elétrons (4e-) mais 1 Esse processo de ressíntese de ATP é denominado
mol de oxigênio (O2) produzem 2 moles de água (2H2O). Os fosforilação oxidativa.
carreadores de elétrons possuem ferro (Fe) que é uma
parte importante da sua estrutura. Dessa forma, no sistema de transporte de elétrons são
gerados até 36 moles de ATP. Portanto, durante o
Os hidrogênios e elétrons são transferidos de um nível metabolismo aeróbio, a maior parte do total de 38 ou 39
de energia mais alta para um nível mais baixo por meio de moles de ATP para glicose e glicogênio é ressintetizada no
modificações reversíveis no estado do ferro. sistema de transporte de elétrons ao mesmo tempo em
que ocorre a formação da água.
É essa energia, que é produzida em uma série de
pequenas etapas de liberação, que acaba sendo utilizada
para a ressíntese de ADP e Pi de volta para ATP.

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