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TROMBOFILIAS ADQUIRIDAS
ACQUIRED THROMBOPHILIAS
1
Médica Assistente da Divisão de Hematologia do Hospital das Clínicas da FMRP-USP; Pós-Graduanda (Hematologia) do Departamento
de Clínica Médica da FMRP-USP. 2Professor Livre-Docente de Hematologia e Hemoterapia. Coordenador do Serviço de Investigação
em Hemofilia e Trombofilia, Fundação Hemocentro de Ribeirão Preto. Coordenador do Laboratório de Hemostasia. Hospital das
Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo.
CORRESPONDÊNCIA: FUNDHERP, Rua Tenente Catão Roxo, 2501 – 14051-140, Ribeirão Preto, SP. E-mail: rendri@hotmail.com
GARCIA AA & FRANCO RF. Trombofilias adquiridas. Medicina, Ribeirão Preto, 34: 258-268, jul./dez. 2001.
1. INTRODUÇÃO
Tabela I - Principais causas de trombofilia adqui-
rida.
O termo trombofilia refere-se à predisposição
aumentada para a ocorrência de fenômenos trombo- Fator de risco adquirido
embólicos. Vários fatores de risco, genéticos ou ad-
quiridos, estão envolvidos nos mecanismos fisiopato- − Síndrome do anticorpo antifosfolipídeo
lógicos, que resultam em trombose, tanto arterial como − Hemoglobinúria paroxística noturna
venosa(1,2,3).
A Tabela I mostra os fatores de risco adquiri- − Doenças mieloproliferativas
dos, mais freqüentemente relacionados a fenômenos − Neoplasias
trombóticos venosos(4,5). Neste capítulo, discutiremos
as principais situações adquiridas, que constituem fa- − Gravidez e puerpério
tores de risco para o tromboembolismo venoso (TEV).
− Síndrome nefrótica
Serão analisados os possíveis mecanismos fisiopato-
lógicos que levam à formação de trombos, os recur- − Hiperviscosidade
sos clínicos e laboratoriais disponíveis para diagnósti-
− Uso de anticoncepcional oral
co das causas adquiridas de trombose e as recomen-
dações terapêuticas vigentes nas seguintes condições − Medicamentos
clínicas: síndrome antifosfolípide, hemoglobinúria
− Trauma e operações
paroxística noturna, doenças mieloproliferativas,
neoplasias, gestação e puerpério, síndrome nefrótica − Imobilização prolongada
e hiperviscosidade.
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Trombofilias adquiridas
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Outro método utilizado no diagnóstico laborato- sença de uma doença auto-imune subjacente, geral-
rial da SAF é a pesquisa de anticorpo anticardiolipina mente LES, faz o diagnóstico de SAF secundária (Ta-
(AAC IgG e IgM), feita atualmente por método de bela V). Em casos de SAF primária, secundária a do-
ELISA, sendo a cardiolipina uma fonte de fosfolipídeo. enças auto-imunes e associada ao uso de medicações,
A β2GPI ligada a um fosfolipídeo aniônico, como a os AAF são auto-imunes, ao passo que, na SAF asso-
cardiolipina, é que torna possível a detecção desse an- ciada a infecções e neoplasias, os AAF são hetero-
ticorpo. imunes.
Não obstante haja notável heterogeneidade de A confirmação laboratorial da SAF pode re-
manifestações clínicas e laboratoriais, associadas à presentar tarefa difícil em muitos casos. Os exames
SAF, os critérios para diagnóstico da síndrome devem utilizados para a pesquisa dos AAF nem sempre são
ser bem estabelecidos para efeito de clareza, e en- conclusivos. Quando houver forte suspeita clínica de
contram-se apresentados na Tabela IV. Pacientes com SAF e os testes acima forem negativos, além de re-
SAF devem ter, pelo menos, um critério clínico e um peti-los, pode-se realizar a pesquisa do anticorpos an-
critério laboratorial, sendo que os testes para AAF ticardiolipina IgA e anti-β2GPI(6,12).
devem ser positivos pelo menos em duas ocasiões, Vários estudos indicam que o AL é menos sen-
separadas por intervalo de 6 semanas(11). sível, porém, mais específico que a AAC para o diag-
A SAF pode ser considerada primária, secun- nóstico de SAF(6).
dária ou associada a outras situações clínicas (Tabela O aparente paradoxo entre efeito anticoagulan-
V). Quando não há qualquer evidência de uma doen- te (in vitro) e estado protrombótico (in vivo) dos AAF
ça de base, dizemos tratar-se de SAF primária. A pre- ainda não é bem compreendido, mas sabe-se que pa-
cientes com SAF exi-
bem evidência de persis-
Tabela IV - Critérios diagnósticos de SAF. tente ativação da coa-
Clínicos Laboratoriais gulação, demonstrada
1- Trombose venosa 1- IgG ou IgM anticardiolipina (+) no sangue & por níveis plasmáticos
#
aumentados de marca-
2- Trombose arterial 2- Anticoagulante lúpico (+) no plasma dores da geração de
3- Perda fetal recorrente* trombina, como frag-
* Ver tabela 2 (critérios clínicos obstétricos). mento 1+2 da protrom-
&
médio/alto título (ELISA para AAC anti-β2GPI). bina e fibrinopeptídeo
#
De acordo com os guias da Sociedade Internacional de Trombose e Hemostasia: a) prolongamento
de TTPA, TCK ou dRVVT. b) ausência de correção do prolongamento desses testes com a mistura A. A Tabela VI mostra
de plasma pobre em plaquetas normal, c) correção ou diminuição do tempo desses testes com o os possíveis mecanis-
excesso de fosfolipídeos, d) exclusão de outras coagulopatias (inibidores dos fatores de coagulação
ou presença de heparina)
mos envolvidos na trom-
bogênese da SAF (6).
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Trombofilias adquiridas
exemplos de proteínas que se ligam à GPI: o CD59 a detecção de clones muitos pequenos (de aproxima-
(Membrane Inhibitor of Receptor Lysis) e o CD55 damente 0,1% das células estudadas). O teste de Ham,
(Decay Accelerating Factor). O clone de células, que muito utilizado no passado, é menos sensível, não con-
apresenta deficiência completa das proteínas ligadas seguindo detectar clones pequenos (<5% da popula-
à GPI é denominado HPN III (ou tipo III), enquanto ção de hemáceas). O teste se baseia na investigação
o que possui deficiência parcial é o HPN II (ou tipo da sensibilidade das hemáceas (avaliada pelo grau de
II). Isso explica a ocorrência de hemólise na HPN, lise) ao complemento ativado por acidificação do meio.
quando, por qualquer motivo, houver ativação do com- O tratamento da HPN depende da sua apre-
plemento. sentação clínica, variando de observação da evolução
Pouco se conhece sobre a patogênese da trom- com acompanhamento clínico regular ao uso de imu-
bose na HPN. Os estudos se concentram, atualmen- nossupressores ou transplante de medula óssea a de-
te, em três possíveis mecanismos fisiopatológicos: a) pender da forma clínica da doença.
interferência na fibrinólise, b) hipercoagulabilidade, c) Fenômenos trombóticos agudos na HPN devem
hiperativação plaquetária (19/25). ser tratados com heparinização plena, seguida de an-
A redução na fibrinólise poderia ser explicada ticoagulação oral, mantendo o RNI entre 2 e 3. Em
pela diminuição, na membrana celular, do receptor do algumas situações, há necessidade de ser realizada
ativador de plasminogênio do tipo uroquinase (u-PAR), terapia trombolítica. A anticoagulação oral nem sem-
que é uma proteína ligada à GPI. Níveis de u-PAR pre previne trombose no paciente com HPN e uma
solúveis são mais elevados em pacientes com HPN. vez iniciada, após o primeiro episódio trombótico, deve
O estado de hipercoagulabilidade pode existir ser feita continuamente, se não houver complicações
pela ativação da cascata da coagulação, decorrente hemorrágicas graves ou outra contra-indicação. Al-
da liberação de micropartículas plaquetárias com ati- guns autores indicam a anticoagulação oral, profilática,
vidade de conversão da protrombina em trombina e após o diagnóstico de HPN ser feito, caso não haja
de clivagem do fator X ativado. A hemólise também contra-indicação. Entretanto, na maior parte dos cen-
pode resultar na liberação de substâncias das hemá- tros, tal estratégia não é a utilizada, isto é, anticoagu-
ceas com atividade de tromboplastina. lação só é iniciada após o primeiro evento trombótico.
Finalmente, as plaquetas formadas pelo clone
HPN, quando expostas ao complexo C5b-9 do com- 4. DOENÇAS MIELOPROLIFERATIVAS
plemento ativado, poderiam ser ativadas mais facil-
mente, o que explicaria a expressão aumentada de mar- O grupo das doenças mieloproliferativas crôni-
cadores de ativação na superfície dessas plaquetas. cas é composto por diferentes entidades clínicas, ca-
O diagnóstico de HPN é feito, atualmente, por racterizadas por uma proliferação clonal de células
citometria de fluxo, usando-se anticorpos monoclonais, progenitoras da medula óssea(4).
que demonstram a diminuição de proteínas de mem- A Leucemia Mielóide Crônica apresenta o
brana, ancoradas em GPI (principalmente CD55 e rearranjo bcr-abl, evolui inevitavelmente para a for-
CD59) em hemáceas e granulócitos de pacientes com ma blástica e raramente apresenta manifestações trom-
a doença. A sensibilidade do método é alta, permitindo bóticas. A Mielofibrose (Metaplasia Mielóide Agno-
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gênica) progride para falência da medula óssea ou Talvez haja uma maior ativação plaquetária em
transformação blástica, podendo ocorrer manifestação pacientes com PV e TE, nos quais foram detectados
trombótica, principalmente em sistema porta, quando níveis elevados de tromboxane A2. Há controvérsia
há trombocitose após esplenectomia. A Policitemia se estudo de agregação plaquetária apresenta valor
Vera (PV) e a Trombocitemia Essencial (TE) estão preditivo para trombose nesses pacientes.
associadas, mais freqüentemente, à trombose venosa Como a normalização do número de plaque-
ou arterial, manifestações estas associadas a aumento tas e o uso de agentes antiagregantes não eliminam
de morbidade e mortalidade nesses pacientes. completamente o risco de trombose, devem existir
Há uma grande variação da freqüência de even- outros mecanismos que fazem parte da fisiopatolo-
tos trombóticos entre os estudos feitos até o momento, gia da trombose, em doença mieloproliferativa crô-
podendo ser tão alta quanto 80% na TE e 60% na PV. nica.
A maioria dos eventos trombóticos ocorre na Redução nos níveis de anticoagulantes naturais
apresentação ou durante os dois anos que precedem (antitrombina, proteína C e proteína S) e resistência à
o diagnóstico da doença mieloproliferativa. Trombose proteína C ativada foram demonstradas em pacientes
arterial é comum, acometendo coronárias, sistema ner- com PV e TE, que apresentaram eventos trombóti-
voso central e vasos periféricos. Os territórios veno- cos. Entretanto, não se sabe se essas alterações são
sos, geralmente envolvidos, são veias mesentérica, por- conseqüência ou causa dos fenômenos trombóticos.
ta, cava inferior e cerebrais. Em adição, sabe-se que o uso de quimioterápicos é
A eritromelalgia, descrita em 1878, por Mitchel, freqüentemente associado à deficiência adquirida de
ocorre mais freqüentemente na TE e se caracteriza proteínas C e S, o que dificulta a interpretação dos
por eritema e dor nas extremidades, podendo evoluir resultados de seus níveis plasmáticos nos pacientes
para um quadro isquêmico grave e até gangrena(4,5). com doenças mieloproliferativas.
No exame anatomopatológico dessas áreas, encon- Finalmente, outro mecanismo de trombogênese
tram-se um expessamento da camada íntima das arte- poderia envolver um defeito na fibrinólise, causado
ríolas e microtrombose. A resposta à aspirina é exce- pelo elevado nível de inibidor do ativador do plasmino-
lente, aliviando e, na maioria das vezes, revertendo o gênio (PAI-1).
quadro clínico. Há ainda descrição de uma síndrome O tratamento feito para a doença mieloprolife-
neurológica, transitória e de início súbito, que inclui rativa crônica, na tentativa de reduzir a proliferação
cefaléia, escotomas, hemiparesia e disartria, talvez de- clonal, contribui para a prevenção de eventos trombó-
sencadeada por microoclusões plaquetárias, em pe- ticos. Pacientes com PV têm sido tratados com san-
quenos vasos, sendo responsiva ao uso de aspirina e grias terapêuticas e agentes alquilantes, com prefe-
citorredução. rência a hidroxiuréia, para a manutenção do hemató-
Os mecanismos envolvidos na trombofilia das crito entre 40 e 45%. O tratamento para TE também
doenças mieloproliferativas são complexos(4,5,26). O é feito com agente citorredutor (hidroxiuréia) ou ou-
hematócrito e a contagem de globúlos brancos eleva- tras opções, como anagrelide, que é um agente seleti-
dos provocam um aumento da viscosidade do sangue, vo para bloquear maturação de megacariócitos, dimi-
tornando seu fluxo mais lento na microcirculação. Adi- nuindo a liberação de plaquetas.O uso de aspirina é
cionalmente, pode ocorrer obstrução de pequenos va- um assunto controverso. Alguns trabalhos mostram
sos, principalmente pulmonares e cerebrais, por leu- maior morbidade que benefício.
cócitos imaturos.
A associação entre trombose e número de pla- 5. NEOPLASIAS
quetas elevado é menos precisa. Estudo feito com pa-
cientes apresentando TE evidenciou um maior risco Eventos tromboembólicos ocorrem em aproxi-
de trombose, quando há persistência de valores madamente 10 a 15% dos pacientes com neoplasia.
plaquetários entre 800 e 1000 × 109/L, embora graves Considerando-se achados de necrópsia, a freqüência
complicações trombóticas tenham sido relatadas em atinge 30%. Trata-se da segunda causa mais comum
15% dos pacientes com contagens de plaquetas me- de óbito entre os pacientes com neoplasia(4,5).
nores que 500 × 109/L. Altas contagens de plaquetas As neoplasias mais freqüentemente associadas
(>1.500 × 109/L) estão associadas a manifestações a complicações trombóticas são as localizadas em
hemorrágicas, principalmente quando aspirina está sen- pulmão, pâncreas (principalmente corpo e cauda), es-
do usada concomitantemente. tômago, intestinos, ovário e próstata.
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Trombofilias adquiridas
A incidência de neoplasia é maior em indiví- necrose tumoral (TNF) foi relatada em 50% dos indi-
duos que apresentaram trombose venosa idiopática, víduos com neoplasia em atividade. O TNF age sobre
principalmente se for recorrente. Assim sendo, deve as células endoteliais, facilitando a ativação da coagu-
ser feita uma detalhada avaliação desses pacientes, lação e dificultando a fibrinólise.
em busca de dados que apontem para a presença de O tratamento da trombose venosa, em pacien-
neoplasia não manifesta, incluindo exame físico com tes com neoplasia, deve ser iniciado imediatamente
toque retal, pesquisa de sangue oculto nas fezes, aná- após o diagnóstico, administrando-se doses terapêuti-
lise da urina, hemograma, função renal e hepática, raio cas de heparina não fracionada ou de baixo peso mo-
X de tórax e ultra-som de abdome. lecular por, no mínimo, 5 dias, seguindo-se a transição
Os eventos trombóticos são descritos tanto em para anticoagulação oral, preferencialmente com
território venoso como em arterial, podendo ocorrer warfarin, mantendo-se o RNI entre 2 e 3.
anos antes do surgimento da neoplasia, ou mesmo ser Quando existir um fator de risco associado à
o seu primeiro sinal. neoplasia, passível de remoção, como catéter endove-
A Síndrome de Trosseau caracteriza-se por noso ou compressão vascular pela massa tumoral, a
tromboflebite superficial migratória, envolvendo extre- duração da anticoagulação oral deverá ser de 6 me-
midades superiores e inferiores. Trata-se de quadro ses. Se não houver fator de risco adicional identificá-
grave, não responsivo à warfarin, sendo necessário o vel, a anticoagulação deverá ser feita por todo o perío-
uso de heparina. do de risco de recorrência da neoplasia. Com efeito, o
Outras manifestações, envolvendo episódios risco de recorrência após interrupção da anticoagula-
tromboembólicos em pacientes com neoplasia, são as ção oral em pacientes com câncer é sabidamente alto,
endocardites trombóticas não bacterianas e a coagu- e, portanto, o tratamento anticoagulante deve ser man-
lação intravascular disseminada (CIVD). A endocar- tido enquanto a doença neoplásica estiver em ativida-
dite trombótica não bacteriana corresponde a vegeta- de. Assim, em alguns casos, deverá ser perene. Caso
ções estéreis, mais freqüentes em válvulas mitral e haja contra-indicação para anticoagulação oral, pode-
aórtica, formadas por plaquetas e fibrina. Episódios de rá ser utilizado o filtro de Greenfield, instalado na luz
embolização são comuns para baço, rim, extremida- da veia cava inferior, quando episódios de trombose
des, sistema nervoso central e coronárias. A CIVD forem freqüentes em membros inferiores.
tem sido diagnosticada em até 15% dos pacientes com Pacientes com doenças neoplásicas apresen-
neoplasias. Na leucemia promielocítica aguda (leuce- tam alto risco de ocorrência de tromboembolismo ve-
mia mielóide aguda M3), CIVD é observada em vir- noso pós-operatório. Assim, na eventualidade de ci-
tualmente 100% dos casos. A forma crônica de CIVD rurgia, encontra-se indicada profilaxia vigorosa com
é a mais comum nos pacientes com neoplasia, que heparina (não fracionada ou de baixo peso molecu-
podem, portanto, ser assintomáticos e ter mínimas al- lar), que deve ser mantida por 2 a 4 semanas no perío-
terações laboratoriais. do pós-operatório. Pacientes com câncer, internados
A presença de fatores de risco, associados com para receber quimioterapia ou imobilizados no leito
a situação clínica do paciente, podem facilitar a ocor- também devem receber doses profiláticas de hepari-
rência de fenômenos trombóticos. Como exemplos na. Finalmente, pacientes com cateter intravenoso
desses fatores podemos citar: implantação de cateter central implantado apresentam risco aumentado de
venoso, imobilização prolongada, quimioterapia, tera- ocorrência de trombose. Anticoagulação oral em bai-
pia hormonal, alteração na anatomia dos vasos pela xas doses (mantendo-se RNI entre 1,5 e 2) ou admi-
massa tumoral e alteração qualitativa das plaquetas. nistração de doses profiláticas de heparina são efeti-
Os mecanismos responsáveis pela trombose em vos para prevenir trombose de cateter.
neoplasias ainda não foram totalmente esclarecidos.
Estudos indicam que há, provavelmente, formação de 6. GRAVIDEZ E PUERPÉRIO
substâncias procoagulantes pelas células neoplásicas.
Essas substâncias funcionariam como fator tecidual Durante a gravidez, existe um risco seis vezes
ativador do fator VII ou proteases ativadoras do fator maior de ocorrência de tromboembolismo venoso, o
X. Também foi demonstrada atividade procoagulante qual constitui causa importante de morte entre ges-
de células mononucleares de pacientes com neoplasia tantes. O risco de trombose é ainda maior no puerpério,
de pulmão. Detecção de níveis elevados de fator de ou seja, no período de seis semanas após o parto(4,5).
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AA Garcia & RF Franco
Alguns fatores de risco podem contribuir para tração de heparina (não fracionada 5000 a 10000 UI
a ocorrência da trombose na gravidez, por exemplo: duas vezes/dia, ou heparina de baixo peso molecular)
idade avançada, cesárea, imobilização prolongada, subcutânea em doses profiláticas (não há necessi-
obesidade, episódio de tromboembolismo prévio e trom- dade de monitorização com TTPA), ou manutenção
bofilia hereditária. sem heparina mas com acompanhamento clínico pró-
Os mecanismos fisiopatológicos, envolvidos na ximo e realização periódica de ultra-sonografia de sis-
trombogênese, em mulheres grávidas, podem estar as- tema venoso de membros inferiores para diagnóstico
sociados às alterações da hemostasia durante a gravi- e tratamento precoces de eventual trombose. Após o
dez. Níveis elevados de marcadores de ativação da parto, a profilaxia deve ser mantida por pelo menos
coagulação, como complexos trombina-antitrombina, quatro semanas, e pode ser realizada com heparina
são detectados a partir do final do primeiro trimestre. em doses profiláticas ou com anticoagulante oral.
Nota-se, também, a elevação dos níveis de substânci- Em mulheres que engravidaram, quando em uso
as procoagulantes no final da gestação, principalmen- de anticoagulação oral (devido a TEV recorrente, por
te o fibrinogênio. A ativação do sistema fibrinolítico exemplo), o anticoagulante oral deve ser interrompido
diminui progressivamente ao longo da gravidez. A ati- e dose plena de heparina não fracionada (mantendo
vação e o “turnover” das plaquetas se intensificam, prolongamento de TTPA entre 1,5 e 2,5 vezes) ou dose
ocorrendo um maior consumo, o que resulta em leve terapêutica de heparina de baixo peso molecular deve
trombocitopenia em até 10% das gestantes saudáveis. ser instituída ao longo do primeiro trimestre e no ter-
A normalização do sistema hemostático ocorre ceiro trimestre de gestação. No segundo trimestre, há
dentro de quatro semanas após o parto, sendo mais as opções de se manter a heparina no mesmo esque-
rápida no sistema fibrinolítico, que tem sua atividade ma, ou de se utilizar o anticoagulante oral (warfarin),
normalizada dentro de horas após a separação da pla- mantendo-se o RNI entre 2 e 3. Após o parto, é reini-
centa. ciado o anticoagulante oral.
Fatores mecânicos locais, como compressão
vascular pelo útero gravídico, facilitam a estase veno- 7. SÍNDROME NEFRÓTICA
sa em membros inferiores e conseqüentemente a trom-
bose venosa. Outro fator local que poderia explicar a Diversas doenças renais podem cursar com sín-
incidência três vezes maior de trombose em membro drome nefrótica, caracterizada pela presença de ede-
inferior esquerdo, em relação ao direito, é a compres- ma, hiperlipidemia, hipoalbuminemia e proteinúria.
são da veia ilíaca esquerda pela crossa da artéria ilíaca Trombose venosa é complicação importante dessa sín-
direita. drome, e manifesta-se com maior freqüência em ter-
Trauma das veias pélvicas, durante o parto ritório de veias renais, embora outros sítios possam
via vaginal, e lesão tecidual, durante o parto cesárea, ser também acometidos(4,5). Podem contribuir para a
podem contribuir para trombose venosa no puerpério ocorrência de trombose, na síndrome nefrótica, a di-
imediato. minuição dos níveis plasmáticos de antitrombina, a ele-
Os episódios tromboembólicos, em gestantes, vação de fatores da coagulação (fatores V, VII, VIII,
devem ser tratados com heparinização plena, que pode X e XIII), hiper-reatividade plaquetária e hipervisco-
ser mantida durante todo o tratamento. Embora a he- sidade sangüínea. O tratamento de episódios de TEV,
parina não atravesse a placenta, atenção deve ser dada em casos de síndrome nefrótica, não difere do trata-
aos seus possíveis efeitos adversos na gestante como mento empregado em outras situações (heparinização
plaquetopenia, osteoporose e sangramento. Com isso, plena, seguida de anticoagulação oral, por período de
pode ser feita uma transição para a anticoagulação 6 meses). Adicionalmente, profilaxia com heparina
oral, com warfarin, durante o segundo trimestre. A deve ser utilizada em situações de risco.
anticoagulação será feita até no mínimo quatro sema-
nas após o parto, mesmo que os seis meses de trata- 8. HIPERVISCOSIDADE
mento tenham sido completados antes.
Em mulheres grávidas com história prévia de Hiperviscosidade sangüínea é causa adquirida
trombose venosa ou embolia pulmonar (e que não es- de TEV e pode ocorrer em conseqüência de aumento
tavam recebendo anticoagulação ao engravidar) há de viscosidade do plasma, do número aumentado de
duas opções após o diagnóstico de gestação: adminis- eritrócitos ou leucócitos circulantes, ou de deforma-
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Trombofilias adquiridas
bilidade reduzida das células do sangue(4,5). Viscosida- agudas, com altas contagens de blastos. Finalmente,
de plasmática aumentada ocorre em casos de hiper- nas doenças falciformes, a presença de hemáceas
gamaglobulinemia (em pacientes com macroglobuline- “falcizadas” contribui para aumento da viscosidade
mia de Waldenström e mieloma múltiplo) ou hiperfibri- sangüínea e oclusão vascular. Episódios de trombo-
nogenemia. Hiperviscosidade aumentada, decorrente embolismo venoso nas condições ligadas a hipervisco-
de eritrocitose e leucocitose, é observada em casos de sidade devem ser tratados como em outras situações
doenças mieloproliferativas (vide supra) e leucemias descritas no presente capítulo.
GARCIA AA & FRANCO RF. Acquired thrombophilias. Medicina, Ribeirão Preto, 34: 258-268, july/dec.
2001.
ABSTRACT: In this review we discuss the contribution of acquired risk factors to the occurrence
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