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Pobreza, Desigualdades e Educação

Volume I

Simone Medeiros
Maria Cecília Luiz
(organizadoras)

São Carlos, 2020


© 2020, dos autores ISBN 978-65-86891-02-7

Universidade Federal de São Carlos – UFSCar


Reitora
Wanda Aparecida Machado Hoffmann
Vice-Reitor
Walter Libardi

SEaD – Secretaria Geral de Educação a Distância – UFSCar


Secretária de Educação a Distância
Marilde Terezinha Prado Santos

Supervisão
Clarissa Bengtson
Douglas Henrique Perez Pino
Revisão Linguística
Letícia Moreira Clares
Paula Sayuri Yanagiwara
Editoração Eletrônica
Bruno Prado Santos
Capa
Jéssica Veloso Morito

Colaboradores
Clarissa Galvão Bengtson
Joana Darc de Castro Ribeiro
Roseli Zen Cerny
Apoio Técnico
Eliciano Pinheiro da Silva
Comissão Científica
Karine Nunes de Moraes – Universidade Federal de Goiás
Marcos Macedo Fernandes Caron – Universidade Federal de Mato Grosso
Odorico Ferreira – Universidade Federal de Mato Grosso
Célia Regina Teixeira – Universidade Federal da Paraíba
Joelina Souza Menezes – Universidade Federal de Sergipe
Maria Cecília Luiz – Universidade Federal de São Carlos
Priscila Tavares dos Santos – Universidade Federal Fluminense
Rolf Ribeiro de Souza – Universidade Federal Fluminense
PREFÁCIO

Com grande orgulho e alegria prefaciamos a coletânea Pobreza, Desigual-


dades e Educação volume 1, 2 e 3, afirmando-se de antemão, que os textos
que compõem a coletânea abordam com seriedade a temática e, em cada
um dos seus três volumes, o leitor(a) vai se surpreender com a riqueza, inten-
sidade e profundidade que, com certeza, produzirão impressões e aprecia-
ções distintas.
Intenciona-se, nesta obra, superar dogmas e conceitos predefinidos
sobre pobreza, desigualdades e educação, com a proposta de analisar o
tema na perspectiva da diversidade e da possibilidade de contribuir com
aspectos pluridimensionais. Compreende-se que nesta coletânea existe um
olhar diverso, plural – tão característico de um país como o Brasil, com di-
mensões continentais –, mas ao mesmo tempo, traz aspectos em comuns,
com referenciais que se aproximam do problema, utilizando abordagens
que descrevem os estados federativos brasileiros participantes.
Ao verificar a realidade social, com quadros preocupantes – agravando-
-se com o passar dos anos –, os temas tratados são atuais e desafiadores,
com reflexões sobre o que será dos alunos (crianças e jovens) brasilei-
ros que estão em situação de pobreza ou extrema pobreza? Como os(as)
educadores(as) têm enfrentado a pobreza na escola?
A leitura desta coletânea proporcionará ao(à) leitor(a) um conhecimento
inacabado, no sentido de contrariar a ideia de "pergunte e responderemos",
devido à certeza de que muito ainda se deve refletir sobre o assunto.
Deixamos registrado, neste espaço, que segundo a Agência Brasil1,
pesquisas feitas pelo SIS – Síntese de Indicadores Sociais –, divulgada pelo
Instituto de Geografia e Estatística (IBGE), no final de 2019, no que se refere à

1 https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2019-11/extrema-pobreza-e-desigualdade-crescem-
-ha-4-anos-revela-pesquisa
pobreza monetária, a de renda, o Brasil teve o pior quadro dos últimos qua-
tro anos. Foram contabilizadas 13,5 milhões de pessoas, em 2018, vivendo
com até 145 reais, representando 6,5% do total da população brasileira, com
o indicativo de 72% serem pessoas pretas ou pardas.
Fica evidente que qualquer recuperação econômica não é igualitária
para os diversos segmentos sociais e isso nos leva a pensar: como a educa-
ção tem refletido sobre esta situação? Ou, como ela pode fazê-lo? Por isso,
no decorrer da leitura, perguntamos mais do que damos respostas, o que
nos faz pensar na urgência de mais estudos e pesquisas na área.
Esta coletânea, também, tem a finalidade de documentar o que foi a Ini-
ciativa Educação, Pobreza e Desigualdade Social (EPDS) em suas dimensões
estruturais, pois, teve um diferencial, além de oferecer formação continuada
em cursos de especialização e aperfeiçoamento, possibilitou o desenvol-
vimento de pesquisas acadêmicas. Neste contexto, esta mobilização, que
começa com a extinta Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização,
Diversidade e Inclusão (SECADI), hoje denominada Secretaria de Modalida-
des Especializadas de Educação do Ministério da Educação (MEC), orga-
nizou várias ações em parceria com as Instituições Federais de Educação
Superior (IFES) e obteve mais de 26 pesquisas acadêmicas, com presença e
articulação de Trabalhos de Conclusão de Curso (TCC), a partir de 4.000, e
de Trabalhos Finais de Curso (TFC), a partir de 6.000.
Os três volumes da coletânea são divididos em: Volume 1, que tem o
foco maior em sintetizar a implantação do Iniciativa Educação, Pobreza e
Desigualdade Social (EPDS), com parceria de quinze Universidades Federais
que iniciaram o projeto, além de reflexões sobre o processo de formação
continuada (Curso de Especialização EPDS). O Volume 2 enfatiza os resulta-
dos das pesquisas elaboradas no âmbito da Iniciativa Educação, Pobreza e
Desigualdade Social; e, o Volume 3 aborda as produções elaboradas no âm-
bito dos Cursos de especialização do EPDS, especificamente dos Trabalhos
de Conclusão de Curso (TCC), considerando as relações estabelecidas com
o Programa Bolsa Família (PBF) e com as temáticas indígena, quilombola,
educação para as relações etnicorraciais, campo, educação especial, juven-
tude, EJA, alfabetização e educação em direitos humanos.
Ao refletirmos sobre essas temáticas tão desafiadoras, evidentemente
nos preocupamos muito mais com a questão da fome e do abandono, do
que com notas escolares de estudantes pobres. No entanto, a ausência de
qualidade no ensino e na aprendizagem se tornou um dos principais efeitos
da pobreza no Brasil, pois não tem como evitarmos esta ligação direta entre
a educação e a situação socioeconômica. Um dilema que nos faz buscar
soluções que não podem ser negligenciadas.
As crianças e jovens brasileiros ficam dentro da escola entorno de quatro
a cinco horas diárias, sendo que 70% deles frequentam escolas públicas, e
estas são regidas por políticas públicas diferentes que resultaram em dis-
crepâncias entre os currículos de várias instituições. Por isso, levando em
conta que a palavra "prefácio" em latim, significa "dito (fatio) antes (prae)",
finalizamos este prefácio com uma frase do Herbert de Souza, o sociólogo
Betinho, que tanto se empenhou para erradicar a fome no Brasil:

Essas crianças estão nas ruas porque, no Brasil, ser pobre é estar con-
denado à marginalidade. Estão nas ruas porque suas famílias foram
destruídas. Estão nas ruas porque nos omitimos. Estão nas ruas, e estão
sendo assassinadas.

Ao transpormos "crianças abondadas nas ruas" por estudantes pobres


abandonados à própria sorte nas escolas públicas, segundo o autor, a omis-
são é crime. Com essa reflexão sobre o compromisso de cada brasileiro(a)
que está envolvido(a) direta ou indiretamente com a educação e a situação
de pobreza e desigualdades de estudantes pobres, desejamos uma excelen-
te leitura a todos e todas.

Simone Medeiros
Maria Cecília Luiz
SUMÁRIO

Apresentação. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9

1 A experiência do curso de especialização Educação, Pobreza e


Desigualdade Social na Universidade Federal do Maranhão. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13
Marli Alcântara Ferreira Morais
Silvia Fernanda Martins Dias Ribeiro

2 Ensino e pesquisa em Educação, Pobreza e Desigualdade Social: o


Programa Bolsa Família no Pará . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39
Marilena da Silva Loureiro
Pedro Chaves Baía Júnior
Rosemildo Santos Lima
Edma Maués Franco

3 Programa Nacional Educação, Pobreza e Desigualdade Social: a experiência


da Universidade Federal de Santa Catarina . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 67
Adir Valdemar Garcia
Danielle Torri

4 Formação Continuada de gestores do Programa Bolsa Família do Tocantins:


intenção e resultados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 95
José Carlos da Silveira Freire
Juciley Silva Evangelista Freire

5 A iniciativa Educação, Pobreza e Desigualdade Social na UFMS:


implementação e trajetória de execução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 105
Daiani Damm Tonetto Riedner
Ana Carolina Pontes Costa

6 A implementação de políticas públicas: lógicas de ação das burocracias de


rua. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 123
Marisa R. T. Duarte

7 Educação, Pobreza e Desigualdade Social no Piauí: diálogos a partir de


experiências formativas e de pesquisa. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 137
Eliana de Sousa Alencar Marques
Josélia Saraiva Silva
Rosa Lina Gomes do Nascimento Pereira da Silva

8 Desafios Institucionais na promoção dos estudos sobre pobreza e


educação: a execução da Iniciativa EPDS na Universidade Federal do
Ceará. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 157
Irapuan Peixoto Lima Filho
Genilria de Almeida Rios
9 Educação, Pobreza e Desigualdade Social: a construção de um curso na
contramão da medicalização . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 181
Lygia de Sousa Viegas
Elaine Cristina de Oliveira
Hélio Messeder da Silva Neto

10 Curso Educação, Pobreza e Desigualdade Social na UFPR: uma análise da


implementação, perfil dos cursistas e da avaliação do curso. . . . . . . . . . . . . . . . . . 201
Adriana Dragone Silveira
Ana Lorena Bruel
Andrea Polena
Cristina Cardoso
Simony Rafaeli Quirino
Apresentação | 9

Apresentação

O Pobreza, Desigualdades e Educação – Volume 1 é o primeiro, de uma


coletânea de três livros, e busca refletir sobre a relação entre educação, po-
breza e o Programa Bolsa Família (PBF). O foco maior está em sintetizar a
implantação da Iniciativa Educação, Pobreza e Desigualdade Social (EPDS),
com parceria de Universidades Federais que iniciaram o projeto, além de re-
flexões sobre o processo de formação continuada (Curso de Especialização
EPDS).
Na primeira seção, A experiência do curso de especialização Educação,
Pobreza e Desigualdade Social na Universidade Federal do Maranhão, as
professoras Marli Alcântara Ferreira Morais e Silvia Fernanda Martins Dias
Ribeiro relatam como ocorreu o Curso de especialização oferecido pela
Universidade Federal do Maranhão (UFMA) e sua articulação no Estado do
Maranhão.
A segunda seção, Ensino e pesquisa em Educação, Pobreza e Desigual-
dade Social: o Programa Bolsa Família no Pará, que tem como autores Ma-
rilena da Silva Loureiro, Pedro Chaves Baía Júnior, Rosemildo Santos Lima e
Edma Maués Franco, traz os impactos do programa Bolsa Família na mini-
mização das vulnerabilidades sociais de famílias beneficiárias residentes em
oito diferentes municípios do Estado do Pará (Abaetetuba, Altamira, Belém,
Castanhal, Itaituba, Marabá, Melgaço e Santarém), por meio de sua presença
no sistema educacional.
A terceira seção, Programa Nacional Educação, Pobreza e Desigualdade
Social: a experiência da Universidade Federal de Santa Catarina, é escrita
por Adir Valdemar Garcia e Danielle Torri e relata a experiência do Curso de
especialização vivenciada na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)
no âmbito do Programa Nacional Educação, Pobreza e Desigualdade Social
(PNEPDS).
10 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume I

Na quarta seção, Formação Continuada de gestores do Programa Bolsa


Família do Tocantins: intenção e resultados, os autores José Carlos da Silvei-
ra Freire e Juciley Silva Evangelista Freire revelam a experiência de formação
continuada do curso de especialização em Educação, Pobreza e Desigual-
dade Social – EPDS – desenvolvida pela Universidade Federal do Tocantins
– UFT – no âmbito do Programa de Formação Continuada de Gestores da
Educação do Programa Bolsa Família.
A quinta seção, A iniciativa Educação, Pobreza e Desigualdade Social
na UFMS: implementação e trajetória de execução, desenvolvida por Daiani
Damm Tonetto Riedner e Ana Carolina Pontes Costa, tem como objetivo
mostrar um pouco da trajetória da Universidade Federal de Mato Grosso do
Sul (UFMS), com destaque para às etapas de implementação da proposta,
à metodologia da oferta do curso e à realização da pesquisa institucional
realizada na instituição, tendo como base as diretrizes nacionais discutidas
no âmbito da Iniciativa do EPDS.
Na sexta seção, A implementação de políticas públicas: lógicas de ação
das burocracias de rua, texto de Marisa R. T. Duarte, sintetiza-se reflexões
sobre o tema, na participação da Universidade Federal de Minas Gerais, com
exposição do significado, da distinção e da relevância do conceito de políti-
cas públicas; além da análise da chamada burocracia de rua e do conteúdo
do projeto pedagógico do curso, com intervenções de cursistas, profissio-
nais implementadores de políticas sociais, sobre a relação entre educação
e pobreza.
Na sétima seção, Educação, Pobreza e Desigualdade Social no Piauí: di-
álogos a partir de experiências formativas e de pesquisa, os autores Eliana
de Sousa Alencar Marques, Josélia Saraiva Silva e Rosa Lina Gomes do Nas-
cimento Pereira da Silva relatam parte dos resultados alcançados com a re-
alização do curso de especialização realizado pela Universidade Federal do
Piauí (UFPI), tanto em seus aspectos relativos à formação continuada como
em relação à pesquisa de campo realizada pela equipe de pesquisadores
vinculados ao projeto, no Estado do Piauí.
Na oitava seção, Desafios Institucionais na promoção dos estudos sobre
pobreza e educação: a execução da Iniciativa EPDS na Universidade Federal
do Ceará, os autores Irapuan Peixoto Lima Filho e Genilria de Almeida Rios
relatam a experiência de instalação e execução do curso de especialização
na Universidade Federal do Ceará (UFC). Retratam como um projeto inova-
dor, evolvendo de modo associado à pesquisa científica no tema.
Apresentação | 11

Na nona seção, Educação, Pobreza e Desigualdade Social: a construção


de um curso na contramão da medicalização, Lygia de Sousa Viegas, Elaine
Cristina de Oliveira e Hélio Messeder da Silva Neto apresenta um relato da
experiência de construção do curso de especialização em Educação, Pobre-
za e Desigualdade Social na Universidade Federal da Bahia. O texto compôs
a construção deste curso de especialização com a importância de se discutir
de uma universidade pública de um estado nordestino e pobre do país.
Na décima e última seção, Curso Educação, Pobreza e Desigualdade So-
cial na UFPR: uma análise da implementação, perfil dos cursistas e da avalia-
ção do curso, as autoras Adriana Dragone Silveira, Ana Lorena Bruel, Andrea
Polena, Cristina Cardoso e Simony Rafaeli Quirino detalham a implemen-
tação da iniciativa do curso de especialização na Universidade Federal do
Paraná (UFPR), executada pelo Departamento de Planejamento e Adminis-
tração da Educação (Deplae)/Setor de Educação, com ações desenvolvidas
pelo Setor de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Educação.
Foi extremante prazeroso organizar este livro com temas tão afinados e
bem conduzidos pelos seus autores. Desejamos a você uma ótima leitura!

Simone Medeiros
Maria Cecília Luiz
1

A experiência do curso de especialização


Educação, Pobreza e Desigualdade
Social na Universidade Federal do
Maranhão
Marli Alcântara Ferreira Morais
Silvia Fernanda Martins Dias Ribeiro

O curso de especialização Educação, Pobreza e Desigualdade Social na Uni-


versidade Federal do Maranhão (CEEPDS-UFMA) contemplou as diretrizes
da Iniciativa Nacional Educação, Pobreza e Desigualdade Social (EPDS), do
Ministério da Educação/Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização,
Diversidade e Inclusão (Secadi), atrelado à produção do conhecimento e
desenvolvimento de pesquisa (BRASIL, 2014).
Desde a aula inaugural, realizada no dia 15 de agosto de 2015, buscamos
atender a proposta da Iniciativa EPDS, que se pauta em uma densa reflexão
teórico-prática em torno de três princípios político-éticos emancipatórios:
direito à vida, direito à igualdade e direito à diversidade. Assim, seguindo
o currículo proposto no Projeto Político-Pedagógico (PPP), desenvolvemos,
nos cinco módulos, atividades que:
a ) contemplaram o desenvolvimento de reflexões (conteúdos) que partiram
dos saberes dos(as) envolvidos (as);
b ) provocaram, metodologicamente, estratégias pedagógicas para que
fossem informados os saberes que se desejava ampliar;
c ) proporcionaram mediações teóricas (com o material pedagógico-didáti-
co e com as docências);
14 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume I

d ) afetaram os(as) cursistas a ponto de ocasionar modificações das práticas


político-pedagógicas no contexto educacional e nos demais contextos
da realidade social que mantêm relações com o espaço da escola.
Tais resultados, previstos no PPP do CEEPDS-UFMA (360h), foram al-
cançados ao longo dos cinco módulos temáticos, os quais contemplaram
atividades de reflexão-ação-reflexão. Dessa forma, a oferta do curso de
especialização atrelou-se à pesquisa por meio do projeto "Modos de Vida
e Processos Pedagógicos na Relação entre Educação, Pobreza e Desigual-
dade Social, no Maranhão", do Grupo de Pesquisas e Estudos sobre Tempo,
Trabalho, Identidade e Serviço Social (GPETISS-UFMA), responsável pela
execução do CEEPDS-UFMA. A pesquisa focou na relação entre pobreza
e desigualdade social e suas repercussões para a formação educacional de
crianças e jovens em situação de pobreza.
Como destacamos no PPP CEEPDS-UFMA, a construção de saberes
em sua relação com a prática, sob uma perspectiva interdisciplinar, é per-
passada pelas dimensões técnico-política, teórico-metodológica e técnico-
-operativa; quanto à interdisciplinaridade, é esta que traz novas exigências
teóricas e práticas para os profissionais das várias áreas do saber, quer seja
quando estes têm que dividir o mesmo objeto, quer seja nas relações inter-
pessoais que se estabelecem nos espaços de atuação, permitindo continu-
amente a ampliação de conhecimento e a reflexão do como fazer. Assim, a
construção de novas possibilidades de pensar e agir exige, de partida, que
a busca metodológica pela unidade teoria/prática seja o elemento central
de preocupação, na medida em que é preciso conhecer mais, problematizar
a questão, para qualificar o como fazer. Com a especialização e a pesquisa
articuladas, pretendeu-se a aproximação dos estudos teóricos aos contextos
sociais empobrecidos, como uma oportunidade de reeducar e radicalizar o
olhar também dos profissionais envolvidos sobre a realidade de crianças e
adolescentes em situação de pobreza e de pobreza extrema.
O CEEPDS-UFMA também focou no desenvolvimento de práticas po-
lítico-pedagógicas visando contribuir para a transformação das condições
de vivência da pobreza e da extrema pobreza de crianças e adolescentes e,
consequentemente, para um justo e digno viver definido socialmente, como
coloca o PPP da Iniciativa EPDS. Nessa perspectiva, foram definidos os se-
guintes objetivos específicos:
A experiência do curso de especialização Educação, Pobreza e Desigualdade Social na... | 15

a ) possibilitar a apropriação de conhecimentos científicos a respeito da po-


breza e das desigualdades sociais e suas relações com questões étnicas,
raciais, de gênero e de espaço;
b ) analisar a constituição dos direitos civis, políticos e sociais, caracteriza-
dos de modo amplo como "direitos humanos";
c ) relacionar os conhecimentos sobre pobreza, desigualdades sociais e di-
reitos humanos com as políticas educacionais e outras políticas sociais
voltadas para a alteração do quadro de pobreza e pobreza extrema no
Brasil;
d ) analisar o papel social da escola, seu currículo, suas práticas e as impli-
cações em relação à manutenção ou à transformação da condição de
pobreza de crianças, adolescentes e jovens;
e ) sensibilizar os(as) profissionais da Educação Básica e das áreas de assis-
tência social e saúde, que estabelecem relações com a educação, para a
necessidade de superar práticas escolares que reforçam a condição de
pobreza e reproduzem as desigualdades sociais;
f ) promover o reconhecimento das realidades locais no que se refere às
condições de pobreza e pobreza extrema e sua relação com a educação;
g ) produzir, a partir dos Trabalhos de Conclusão de Curso e de pesquisas,
conhecimento a respeito da relação entre educação, pobreza e desigual-
dade social;
h ) fomentar iniciativas voltadas para a alteração das condições de pobreza
e pobreza extrema, especialmente a criação e o fortalecimento de redes
com tal objetivo.
Neste relato, apresentamos os principais resultados dessa caminhada,
que envolveu mais de 5 mil pessoas.

O início da jornada
Em dezembro de 2013, a Universidade Federal do Maranhão recebeu
o convite para participar do processo de formação dos profissionais da
Educação Básica que atuavam com o Programa Bolsa Família na Educação.
Inicialmente, o convite foi para o Departamento de Educação da UFMA, que,
por motivos de excesso de demandas de trabalhos, não aceitou assumir a
coordenação e sugeriu à reitoria que buscasse o Serviço Social em razão da
16 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume I

natureza da proposta. Em janeiro de 2014, contataram-nos, apresentando a


importância da solicitação da Secadi/CGAIE.
Como destaca o Projeto Político-Pedagógico, o curso de especialização
Educação, Pobreza e Desigualdade Social – CEEPDS (360h) é um processo
formativo a distância e insere-se no contexto da Política Nacional de Forma-
ção dos Profissionais do Magistério da Educação Básica e da Rede Nacio-
nal de Formação Continuada dos Profissionais do Magistério da Educação
Básica Pública (Renafor), instituídas pelo Decreto no 6.755, de 29 de janeiro
de 2009 e pela Portaria Ministerial no 1.328, de 23 de setembro de 2011. Ini-
cialmente, essa demanda constituiu-se um grande desafio pessoal, tanto
pela minha formação na área social quanto pela dificuldade de aceitação
do Departamento de Serviço Social em abraçar uma demanda que também
exigiria "tirar" o tempo de um profissional para uma ação desse porte.
Assim, após muitas reuniões e estudos sobre a temática, iniciamos o
planejamento para implementação do CEEPDS-UFMA. Atentando para a
centralidade da formação continuada de profissionais da Educação Básica e/
ou de outros profissionais envolvidos com políticas sociais que estabelecem
relações com a educação de crianças, adolescentes e jovens que vivem em
circunstâncias de pobreza ou extrema pobreza, compreendemos a impor-
tância de inserir outros profissionais das áreas da Saúde e Assistência Social,
além de pesquisadores interessados na temática para, junto à Educação
Básica, ampliar esse olhar sobre as crianças e adolescentes que têm sua fre-
quência escolar acompanhada e, consequentemente, sobre suas famílias e a
comunidade, bem como sobre as escolas onde estudam.
Quanto à proposta da pesquisa, o que mais chamou a atenção foi o enfo-
que do contexto escolar, em suas diferentes dimensões (políticas, pedagógi-
cas, gestão, família etc.), sobre as vivências dos sujeitos em circunstâncias de
pobreza e de extrema pobreza. Visando uma maior apropriação da temática,
vinculamos a pesquisa a uma linha do Grupo de Pesquisas e Estudos sobre
Tempo, Trabalho, Identidade e Serviço Social – GPETISS (responsável pela
execução do CEEPDS-UFMA). Nesse sentido, as ações de ensino, pesquisa
e extensão foram articuladas desde o início, reafirmando o compromisso
de aproximação dos estudos teóricos aos contextos sociais empobrecidos
como oportunidade de reeducar e radicalizar o olhar também das institui-
ções formadoras, dos(as) profissionais e da comunidade sobre as crianças,
adolescentes e jovens em situação de pobreza e de pobreza extrema (con-
forme Projeto Político-Pedagógico do curso).
A experiência do curso de especialização Educação, Pobreza e Desigualdade Social na... | 17

Ao longo da realização do curso, as reflexões sobre essas questões enri-


queceram a formação e alimentaram o princípio básico em que se ancoram
as práticas na universidade: a indissociabilidade entre a tríade ensino, pes-
quisa e extensão. O retrato gerado a partir da pesquisa permitiu identificar
avanços e desafios dos sistemas educacionais no trato com crianças e jovens
em situação de pobreza e de extrema pobreza.

O planejamento e a execução do curso e da pesquisa


Avançar na execução do projeto foi um desafio diário. Apesar da impor-
tante parceria com a Undime-MA e Seduc/MA e gestão do Comfor, iniciamos
o projeto com uma reduzida equipe de quatro professores pesquisadores,
contando ainda com o trabalho de quatro bolsistas Pibic atrelados à propos-
ta da pesquisa do CEEPDS e alguns voluntários do GPETISS.
Com mais de 700 inscrições, iniciamos o CEEPDS-UFMA com cursistas
de cerca de 60% dos municípios maranhenses, com IDHM de até 0,599. Tal
resultado indica tanto a grande demanda de formação continuada e de pes-
quisa que se apresenta no estado como a credibilidade da Universidade Fe-
deral do Maranhão e da proposta do curso e da pesquisa posta pela Secadi/
CGAIE, em parceria conosco e com as demais Ifes envolvidas.
Dos 217 municípios, o Maranhão conta com 158 municípios com IDHM
inferior a 0,600. Durante anos, fomos governados por oligarquias que dificul-
tavam o acesso à informação a muitos povoados, um quadro que, certamen-
te, ainda permanece. Mas novas perspectivas estão postas para o estado,
e, convidados pelo MEC/Secadi, nós, docentes e pesquisadores da UFMA,
acreditamos nessa Iniciativa, com a certeza de que viriam muitos desafios.
Por isso, entendemos a importância de qualificarmos cada etapa desse pro-
cesso, ignoramos as dificuldades e utilizamos várias estratégias para avan-
çarmos, como se destaca a seguir.
O CEEPDS foi organizado em torno de cinco módulos temáticos, os
quais contemplaram atividades de reflexão, prática, estudos e pesquisas.
Como atividades complementares, os cursistas assumiram, desde o início
do curso, a condição de pesquisadores. Sob a orientação dos professores
pesquisadores, dos professores formadores e dos tutores, a partir do Módu-
lo I, desenvolveram as atividades práticas, seguindo um plano de trabalho
articulado a um dos eixos propostos na pesquisa "Modos de Vida e Proces-
sos Pedagógicos na Relação Educação, Pobreza e Desigualdade Social, no
18 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume I

Maranhão". Este plano de trabalho foi desenvolvido ao longo do Módulo


Introdutório, articulado às atividades propostas nos módulos.
Logo após a aula inaugural do CEEPDS, em agosto de 2015, iniciamos
nossas viagens para os municípios onde nossos cursistas residem ou traba-
lham (cerca de 150 municípios, das 21 microrregiões que compõem o estado
do Maranhão). Contando com a participação da coordenação, dos pesqui-
sadores, cursistas e alunos de graduação, até o final de setembro de 2015,
viajamos para seis cidades do Maranhão: Miranda do Norte, Lima Campos,
Barreirinhas, Santo Amaro, Cajari e Arari; visitamos, ainda, o povoado de
Mocajituba, em Paço do Lumiar. Esse foi um primeiro movimento de aproxi-
mação com a realidade das escolas públicas do Maranhão.
Como demanda de pesquisas anteriores (principalmente, por meio do
Programa de Iniciação Científica Pibic-UFMA, com a pesquisa Modos de Vida
e Processos de Trabalho das Famílias Usuárias do Programa Bolsa Família-
-GPETISS), a proposta das viagens logo no início do curso buscou identificar
aspectos variados no entorno e no espaço das escolas públicas onde se
encontravam os alunos do Programa Bolsa Família. Inicialmente, identifica-
mos as demandas dos adolescentes e das famílias que vivem em situação de
pobreza, reafirmadas por gestores, professores e outros profissionais que se
relacionam com o Programa Bolsa Família na Educação (PBFE), nas escolas
públicas. Tais demandas, na perspectiva da sustentabilidade e manutenção
dos jovens em suas cidades, referiam-se à: geração de emprego e renda,
melhoria nas estruturas e processos pedagógicos nas escolas, articulação
escola/comunidade, realização de cursos técnicos e de cursos de graduação
pelos institutos e universidades públicas do estado, nas modalidades pre-
senciais e semipresenciais, como ocorre com as instituições privadas.
Os resultados parciais da pesquisa Pibic-UFMA, envolvendo adolescen-
tes sob a condicionalidade da educação, assim como as famílias que têm
crianças e adolescentes na escola, indicaram importantes questões que
nos direcionaram para a realização de atividades específicas de extensão a
serem desenvolvidas pelos cursistas, incluindo a participação de alunos de
graduação da UFMA e de outras instituições parceiras, sob a coordenação
do GPETISS-UFMA. Além desses estudos, no Módulo I, os cursistas, a partir
de um roteiro estabelecido, realizaram entrevistas com famílias que tinham
alunos em escolas públicas. Os resultados caminharam na mesma direção
dos resultados da pesquisa parcial sobre os Modos de Vida e Processos de
Trabalho das Famílias Usuárias do Programa Bolsa Família.
A experiência do curso de especialização Educação, Pobreza e Desigualdade Social na... | 19

A maioria dos homens e mulheres dessas famílias, que chegam a ter até
15 filhos, apesar de demonstrar maior preocupação com a frequência es-
colar dos filhos do que com o aprendizado, deseja que seus descendentes
tenham um futuro diferente, principalmente quanto às condições de traba-
lho. Eles sentem dificuldades em manter a disciplina sobre os adolescentes,
que faltam ou largam a escola por motivos diversos (por acompanhar os pais
no trabalho, por não realização das tarefas escolares, por gravidez, envolvi-
mento com drogas ou por necessidade de trabalhar, dentre outros motivos).
Quanto aos adolescentes que estavam frequentando a escola, estes afirma-
ram que se sentiam inseguros quanto ao futuro.
Ao socializarmos os resultados das entrevistas nos 16 polos/municípios,
durante atividade presencial do Módulo I, identificamos que, apesar das
particularidades de cada família nos diferentes municípios, a maioria dos
entrevistados trabalhava em atividades informais para garantir o sustento da
família, ressaltando-se a importância do Benefício do Bolsa Família, como
renda "certa" que possibilita a ida e permanência dos filhos na escola.
Outro aspecto constatado se referiu a atual geração com a de seus pais/
responsáveis: se estes, em sua maioria, são analfabetos, as crianças e jovens
já não o são e, apesar da insegurança (pessoal e intelectual), sonham com
um futuro diferente (montar um negócio, emprego formal, fazer faculdade).
De extrema relevância, surgiu a questão da afetividade nas famílias e no
ambiente escolar, ambos marcados por situações de violência. De acordo
com o psicólogo Jadir Lessa, que ministrou a aula inaugural do curso, tra-
balhar essa afetividade na escola é fundamental na perspectiva de enfren-
tarmos as diversas formas de violência que crescem assustadoramente em
todos os municípios. Nessa perspectiva, os resultados das pesquisas apon-
taram para a necessidade de se investir no fortalecimento da afetividade e
no empoderamento das crianças e jovens em relação à construção do seu
futuro pessoal/profissional, uma vez que estes serão os futuros responsáveis
pelas novas famílias que irão surgir.
Considerando o início do curso e as possibilidades de ação postas pelo
município de Santo Amaro (município com baixo IDHM, cujo acesso viário
ainda era feito por trilhas), articulamos a realização imediata de uma expe-
riência como projeto-piloto a ser ampliada para os demais municípios onde
nossos cursistas estavam localizados.
A pesquisa apontou-nos que, neste município, cujo IDHM é 0,518, o
grande contraste entre a riqueza natural e a pobreza da maioria de seus
20 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume I

habitantes indicava a necessidade urgente de ações que, articuladas com


outras iniciativas, apontassem perspectivas para as crianças e adolescentes
que estavam na escola, assim como para os jovens que já terminaram o En-
sino Médio e para as famílias do município.

Base para a extensão no CEEPDS-UFMA: a experiência-piloto em Santo


Amaro
Tomar o município de Santo Amaro como projeto-piloto para a I Ação de
articulação entre ensino, pesquisa e extensão no âmbito do CEEPDS, como
uma ação do GPETISS-UFMA, possibilitou a materialização da proposta

por meio da dimensão que trata da formação continuada, consideran-


do os vários aspectos da vida e do trabalho dos indivíduos: políticos,
ecológicos (qualidade do meio ambiente, sustentabilidade da ocupação
humana dos espaços, lugares e ambientes), econômicos, sociais, nutri-
cionais, culturais e éticos que visam a transformação da realidade escolar
e social (PROJETO POLÍTICO-PEDAGÓGICO CEEPDS, 2014).

Iniciamos com a realização de duas atividades de ensino, pesquisa e


extensão, com foco no empreendedorismo juvenil (atendendo a demanda
dos próprios adolescentes), que demonstraram a importância de se aguçar
a criatividade e despertar o conhecimento dessas crianças e jovens.
A primeira ação, realizada durante quatro dias, contou com a participa-
ção de cerca de 35 pessoas da equipe (entre alunos CEEPDS, alunos de gra-
duação, coordenadores, pesquisadores e técnicos da UFMA) e cerca de 200
alunos do Ensino Fundamental e Médio. Incluiu desde o planejamento da
atividade em São Luís, um processo de formação da equipe, com visita aos
povoados, dunas, lagoas e casa de farinha (com o propósito de conhecer o
território a ser trabalhado, explorado e potencializado) até uma palestra so-
bre "Estilos de Comunicação e Comportamento", envolvendo planejamento
estratégico e convivência com o outro.
Em um dos dias, realizamos a primeira ação, intitulada "Santo Amaro para
Santo Amaro". A atividade teve como objetivo principal explorar e incentivar
as potencialidades educativas, econômico-produtivas, socioculturais, bem
como estético-expressivas do município, na perspectiva do turismo susten-
tável. Além disso, tinha-se como propósito o fomento a continuar as ações
ali iniciadas, discutidas e propostas. A realização de cerca de dez oficinas
foi considerada bastante positiva pelos jovens, pelos cursistas e alunos de
A experiência do curso de especialização Educação, Pobreza e Desigualdade Social na... | 21

graduação, além de resultar em um programa na rádio comunitária, prota-


gonizado por jovens do Ensino Médio (o que foi interrompido, após seis me-
ses, por um problema técnico na rádio). O depoimento de um dos cursistas
bem expressa a experiência.

A I AÇÃO DE ENSINO/PESQUISA/EXTENÇÃO "DE SANTO AMARO


PARA SANTO AMARO" foi uma atividade de extrema importância para
vivenciarmos todas as questões que estamos tratando na especialização
em Educação, Pobreza e Desigualdade. As reflexões que foram a tônica
nos três dias de atividades (10, 11 e 12/09) servirão para a construção de
entendimentos e questionamentos que são a base da especialização, e,
mais, a imersão nesse universo tão próprio do santoamarense nos trouxe
à luz muitas questões que, sem os estudos em que estamos mergulhan-
do, jamais teríamos a sensibilidade para observar e propor políticas
públicas que tragam, para todos os cidadãos, as mesmas condições de
pelo menos escolher a forma e a intensidade de como viver (Isis Lucas
Braga Machado – cursista CEEPDS/UFMA).

A II Ação em Santo Amaro ocorreu em março de 2016, por meio de


uma formação com os adolescentes, com foco no empreendedorismo e
no turismo sustentável. Com a realização da atividade, esperava-se que os
jovens de Santo Amaro: aguçassem sua criatividade, raciocínio e gama de
conhecimentos a respeito do mundo; despertassem o interesse por ações e
ideias que pudessem ser continuadas na vida local, articuladas em torno do
turismo como maior potencialidade; compreendessem as possibilidades de
empreender, a partir de exemplos concretos (empresa júnior, na escola e ne-
gócios sociais, para quem quer empreender de forma coletiva ou individual);
e entendessem o elo entre o poder da comunicação no empreendedorismo
e as ferramentas que estão a sua disposição (internet e outras). Além disso,
trabalhou-se com a perspectiva de estimular a continuidade dos estudos
em uma universidade. Muitos alunos estavam bastante focados no Exame
Nacional do Ensino Médio (Enem).
O evento de extensão contou com a participação de 57 adolescentes
e foi desenvolvido por alguns cursistas, alunos de cursos de graduação
e alunos de Ensino Médio de São Luís, de uma escola particular, com ex-
periência em empreendedorismo. O apoio da Secretaria de Turismo e do
empresariado local possibilitou uma troca de experiências ainda maior.
Seguindo as diretrizes apontadas para a formulação e implementação das
ações de extensão, na UFMA, destacamos que além da interação dialógica,
22 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume I

da interdisciplinaridade, garantimos a efetivação da tríade ensino-pesquisa-


-extensão, com impacto na formação do cursista da especialização, dos es-
tudantes de graduação e dos jovens de Ensino Médio. Para uma das alunas
de Ensino Médio que levou a experiência da empresa júnior,

Santo Amaro não é apenas um lugar para visitar, mas uma nova oportuni-
dade de ver o mundo, como uma cidade acolhedora e cheia de pessoas
extrovertidas e com muita força de vontade, principalmente os jovens,
que têm o sonho de crescer e proporcionar uma vida melhor para eles e
sua família, cuidando da cidade que tanto amam. Mostraram-nos, tam-
bém, como futuros profissionais, o que realmente precisa para crescer,
com humildade e simpatia; a cidade é rica em oportunidades e belezas
naturais, onde, além de trabalhar, você aprende e se diverte. Um lugar
inexplorado, mas com um grande potencial que eles próprios podem
aproveitar para investir, sem ter que abandonar a cidade em busca de
oportunidades, pois o que eles precisam encontram lá, e, com a palestra
ministrada, eles aprenderam como começar uma empresa e levar adiante.

Analisando a interação dialógica, entendemos que o diálogo e a troca


de saberes entre os envolvidos foram evidenciados desde a apresentação,
quando os graduandos disseram suas idades e que eram alunos da UFMA.
Estabeleceu-se uma atenção para com os conteúdos apresentados, que fo-
caram nos sonhos, desejos e realizações dos jovens, independentemente de
sua condição socioeconômica. As dinâmicas propostas e realizadas foram o
ponto alto de aproximação entre os jovens, que se envolveram plenamente
no desenvolvimento e na socialização da atividade. O conhecimento que os
graduandos levavam consigo interagiu com o saber dos jovens nativos, e
ambos se reconheceram como jovens capazes de dizer que sonham e que
podem empreender. Os não universitários demonstraram um conhecimento
de realidade, com clara definição de objetivos e metas, para além da ativi-
dade proposta. Um dos universitários destacou que percebeu o potencial
inovador das propostas dos nativos e que eles não eram nem um pouco
acomodados, estavam inquietos por mudanças em suas vidas. O reconheci-
mento da importância da formação deu-se durante o desenvolvimento das
atividades, cujo formato pensado pelos jovens incluiu dinâmicas participa-
tivas e dialogadas. Quanto à interdisciplinaridade e à interprofissionalida-
de, outra diretriz da extensão, houve a interação de modelos, conceitos e
metodologias sobre empreendedorismo juvenil e empresa júnior, baseados
A experiência do curso de especialização Educação, Pobreza e Desigualdade Social na... | 23

em teorias e nas experiências dos jovens, que eram de três áreas de conhe-
cimento (Saúde, Sociais e Exatas).
A pesquisa foi inerente a todas as atividades do CEEPDS. A participação
da equipe de coordenação e de um cursista, assim como dos alunos de
graduação e do Ensino Médio, consubstanciou a indissociabilidade ensino-
-pesquisa-extensão; os estudantes de graduação reconheceram seu papel
para a garantia de direitos e deveres e para a transformação social. Além
das metodologias participativas, a participação do cursista CEEPDS-UFMA
qualificou ainda mais a proposta do curso. A coordenação CEEPDS cumpriu
o papel de professor orientador das ações, definindo, junto aos graduandos,
pós-graduando e alunos do Ensino Médio, os objetivos da ação, as compe-
tências de cada participante, assim como a metodologia de avaliação. Todos
os envolvidos tiveram que conhecer o território de Santo Amaro, visitando,
além dos povoados e lagoas, a zona primitiva do parque, um lugar quase
intocado pelo ser humano. Dessa forma, puderam compreender o encanta-
mento dos jovens nativos por esse território e a importância de se discutir
a questão da sustentabilidade, considerando que a rodovia de acesso à ci-
dade estava em construção e que esta poderia trazer graves impactos para
todos.
Apesar das especificidades da realidade dos jovens de Santo Amaro,
as pesquisas realizadas pelos bolsistas Pibic e as entrevistas dos cursistas
indicaram que, embora existam diversas infâncias e adolescências (SOUSA,
2015), há um modelo de educação padronizado nas escolas públicas, para
além das dificuldades enfrentadas no cotidiano das famílias pobres. Essas
crianças e adolescentes, em sua maioria, são filhos de famílias pobres, sob
a condicionalidade da educação, cujas dificuldades de aprendizagem po-
dem estar diretamente relacionadas às suas condições de vida (famílias com
pais analfabetos que não conseguem ajudar os filhos nas tarefas escolares,
necessidade de ajudar nas tarefas domésticas ou em outras formas de tra-
balho, dificuldade de acesso à escola, dentre outras situações apontadas
pelas famílias).
Em sua maioria, os jovens e suas famílias demonstraram preocupação
com o futuro pessoal e profissional de crianças e demais jovens dos municí-
pios, principalmente para aqueles que não têm opção de sair para estudar
em outras sedes.
A ação em Santo Amaro teve como propósito servir de referência para
o curso. Todo o percurso formativo pautou-se na proposta metodológica,
24 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume I

dialogada e participativa. Do processo, emergiram formas de expressão,


oportunidades de participação, proposição e elaboração de produções
variadas, por meio de várias linguagens, pesquisas e estudos mais com-
plexos, impondo ao pesquisador a qualidade bem além de ser apenas um
observador.

O conteúdo programático: as atividades de reflexão-ação como


ponte para a realidade
Ao longo de cinco módulos, os cursistas leram conteúdos específicos
sobre a temática Educação, Pobreza e Desigualdade Social, assistiram
a vídeos e realizaram atividades diversas. Entendeu-se que a apreensão
destes conhecimentos não pode se dar distante da realidade das escolas
e que somente o conhecimento de tais questões não era suficiente para a
superação de práticas que reforçam a condição de pobreza e reproduzem
as desigualdades sociais, quer seja no âmbito da família, da escola ou em
outros espaços. Assim, além desse aporte teórico, o desenvolvimento do
curso preconizou atividades de reflexão-ação-reflexão, propostas em todos
os módulos, focadas no conhecimento das realidades das crianças e adoles-
centes, bem como no fomento de iniciativas que visassem a alteração das
condições de pobreza e extrema pobreza.
Cada cursista foi levado a refletir sobre a realidade que envolve a po-
breza e a desigualdade social em seus municípios e sobre as possibilidades
postas pela educação para que essa realidade possa ser transformada. As
atividades foram desenvolvidas para que houvesse um reconhecimento de
algum aspecto da realidade relacionado à temática do curso, numa sequ-
ência reflexiva para que, ao final, o material produzido pela reflexão-ação
proposta subsidiasse a escrita do Trabalho de Conclusão de Curso.
As atividades foram fundamentadas no referencial teórico desenvolvido
em cada um dos módulos, mas tivemos a liberdade de indicar temáticas nas
atividades de reflexão da realidade. Pretendia-se que, ao final, o conheci-
mento produzido fosse socializado das mais diferentes maneiras.
Nos diferentes movimentos de aproximação com a realidade das esco-
las, identificamos que há um modelo de educação padronizado nas escolas
públicas do Maranhão, que não reconhece as dificuldades enfrentadas no
cotidiano das famílias pobres. As crianças e adolescentes, em sua maioria,
são filhos de famílias pobres, sob a condicionalidade do Programa Bolsa
A experiência do curso de especialização Educação, Pobreza e Desigualdade Social na... | 25

Família na Educação, cujas dificuldades de aprendizagem parecem estar re-


lacionadas às suas condições de vida (famílias com pais analfabetos que não
conseguem ajudar os filhos nas tarefas escolares, necessidade de ajudar nas
tarefas domésticas ou em outras formas de trabalho, dificuldade de acesso
à escola, dentre outras situações apontadas pelas famílias). Em sua maioria,
os jovens e suas famílias demonstraram preocupação com o futuro pessoal e
profissional de crianças e jovens dos municípios, principalmente para aque-
les que não têm opção de sair para estudar em outras sedes. Nesse sentido,
entendemos que a atividade de reflexão-ação precisava se materializar com
o envolvimento das crianças e adolescentes no espaço das escolas.
Diversos fatores podem provocar mudanças na realidade, mas um deles
se sobressai: o conhecimento e o modo como as pessoas o produzem, re-
produzem e compartilham, incluindo alternativas de superação da pobreza.
Aprofundando o olhar sobre a escola, dentre as várias possibilidades,
enfatizamos a gestão empreendedora que se explicita na capacidade de
identificar, analisar e viabilizar as oportunidades sustentáveis. Assim, um em-
preendimento humano deve ser ecologicamente correto, economicamente
viável, socialmente justo e culturalmente diverso. No mundo do trabalho atu-
al e naquele que as crianças e adolescentes ocuparão como responsáveis,
há uma demanda que exige mais do que simplesmente fazer, mas aprender
novos fazeres e novos modos de fazer. Consequentemente, a escola terá
que aprender como apreender, o que valoriza a motivação e a capacidade
dos estudantes para continuar aprendendo mais do que o próprio conteúdo
trabalhado. Aprender a empreender, neste caso, significa tomar consciên-
cia de que, a respeito da sua própria identidade e da sua subjetividade, é
necessário estar atento às novas possibilidades, desde que ajudem no seu
pleno desenvolvimento e em sua plena realização. O empreendedor de res-
ponsabilidade tem como motivação a situação social e os frutos de sua ação
que revertem em favor da melhoria da situação presente, diante de ideias
e ações concretas como alternativa de sobrevivência, mas também como
alternativa para criar possibilidades concretas de um futuro pleno de riqueza
material e espiritual.
26 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume I

Quadro 1 Módulos e atividades.

Ementa/CH/Atividade de reflexão-ação
Módulo Introdutório: Pobreza, desigualdades e educação
Carga horária: 60 h
ATIVIDADES
- Revisão de literatura e registro do seu entendimento acerca de cada categoria,
assim como das relações e vínculos que percebe entre pobreza /desigualdade/
educação.
- Destacar os tipos e graus de interferência da pobreza e da desigualdade social,
étnica, racial, de gênero e espacial na dinâmica da escola pública (em que o cursis-
ta atua ou em escolas que conhece).
- Destacar os desafios que essas relações colocam para o exercício do trabalho
com as crianças e adolescentes nas escolas (principalmente, aqueles na faixa etária
de 06 a 17 anos) e com as suas famílias.
- Leitura, participação no fórum; criação do Diário de Saberes e Dizeres (conforme
Projeto Político-Pedagógico).
REFLEXÃO-AÇÃO – Construção do Mapa da Pobreza do seu município – essa
atividade teve resultados surpreendentes para os próprios cursistas.

Módulo I: Pobreza e Cidadania


ATIVIDADES
- Resumo (exclusivamente com as suas palavras), entre 15 e 20 linhas de um texto
que se relacione a um dos 20 tópicos elencados ao longo das quatro unidades,
- Todos os resumos deverão indicar a fonte do texto utilizado (preocupe-se com a
clareza, coesão, concisão e correta grafia das palavras, utilizando o dicionário em
caso de dúvidas). Todos os resumos comporão um Caderno de Atividades que
será publicado nacionalmente, portanto, deve ser original (sem plágio).
- Conhecimento de si, conhecimento do território: construção de poesia inédita,
com um mínimo de oito estrofes (utilizando o seu nome, o conhecimento que tem
de si, a sua história de vida, o município onde vai pesquisar e a microrregião onde
este se situa, construa uma poesia que destaque expressões de fraqueza, força,
pobreza, riqueza, necessidades, suas potencialidades e do território, para a cons-
trução da cidadania. Inclua o seu nome no texto e no título (com um adjetivo). Os
conteúdos das unidades devem ser contemplados. Você poderá ilustrar a poesia,
com desenhos, fotos e outros recursos.
- Leitura de legislação e exercícios sobre o Benefício do Programa Bolsa Família.
ATIVIDADE DE REFLEXÃO-AÇÃO
Elaboração e realização de entrevista com família participante do Programa Bolsa
Família na Educação/PBFE.
Socialização da atividade.
A experiência do curso de especialização Educação, Pobreza e Desigualdade Social na... | 27

Ementa/CH/Atividade de reflexão-ação
Módulo II: Pobreza, Direitos Humanos, Justiça e Educação
ATIVIDADES
Fundamentando-se no conteúdo estudado, na entrevista que você realizou com
as famílias e no conhecimento da realidade da educação nos municípios do Ma-
ranhão, defina qual deve ser o papel dos(as) profissionais que atuam nas escolas
públicas e de gestores(as) de políticas sociais com vistas à transformação da
realidade da pobreza e da desigualdade social.
- Escolha duas respostas de colegas e dialogue com eles, concordando, discordan-
do ou complementando o que foi postado por cada um (fundamente sua posição).
Elaboração de memorial – elabore um texto com até 02 laudas, a partir das
reflexões estabelecidas e das atividades realizadas até aqui, com suas impressões
sobre a experiência vivenciada no processo formativo, destacando os desafios, as
dificuldades, os avanços, momentos difíceis, dúvidas etc., podendo registrar seus
sentimentos, reflexões estabelecidas, histórias vividas, descobertas, avanços e
inquietações ao longo do caminho.
- Elaborar o esboço do projeto de pesquisa, com elaboração do tema.

Módulo III: Escola: espaços e tempos de reprodução e resistências da pobreza


Carga horária: 75h
ATIVIDADES
- Avançar na elaboração do projeto de pesquisa.
- Destacar duas citações do módulo que tenham relação com o seu objeto de
pesquisa, explicando essa relação em até cinco linhas para cada citação.
- Participar da Oficina I com crianças ou adolescentes.
- Elaborar relatório das oficinas.

Módulo IV: Pobreza e Currículo: uma complexa articulação


ATIVIDADES
- Participação no fórum do módulo.
- Elaboração das Oficinas II e III, relacionando com os conteúdos estudados no
módulo.
- Elaborar um conto ou cordel, que deve ser uma história com início, meio e fim
(retratar as atividades/experiência de todas as oficinas, as mudanças nas formas de
pensar, sentir e agir de vocês e das crianças/adolescentes. Deve trazer os temas
de pesquisa e uma boa dose de imaginação para criar a narrativa). Total de cinco
a oito páginas, usar fotos, desenhos, frases e trechos das avaliações das crianças/
adolescentes, ao longo do conto/cordel (de seis a oito fotos). Um trabalho para
cada grupo de cada escola. Se for mais de um grupo na mesma escola, fazer uma
única cartilha. Quem estiver sozinho, pode fazer com outro colega, mesmo que
seja em outro município, dentro da mesma região.

Fonte: BRASIL, 2014.


28 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume I

O Trabalho de Conclusão de Curso – TCC

Trezentos cursistas foram habilitados para o desenvolvimento do Traba-


lho de Conclusão de Curso, na modalidade Artigo Científico Original.
Os temas das pesquisas foram elaborados ao final do Módulo III (Esco-
la: espaços e tempos de reprodução e resistências da pobreza), após duas
importantes atividades de reflexão-ação, sendo elas: visita às famílias cujos
filhos estavam sob a condicionalidade do Programa Bolsa Família na Edu-
cação e levantamento dos problemas na escola relacionados à violação dos
direitos humanos de crianças e adolescentes dessas e de outras famílias.
Como forma de aproximar os cursistas da realidade das escolas e criar
um ambiente favorável à pesquisa, o curso promoveu a realização de ofici-
nas sobre sonhos e educação financeira, com o tema gerador "Formas de
Pensar, Sentir e Agir de Crianças/Adolescentes sob a Condicionalidade do
Programa Bolsa Família na Educação, nas Escolas Públicas do Maranhão".
A partir da realização das oficinas e do avanço dos estudos no Módulo IV
(Pobreza e Currículo: uma complexa articulação), os alunos desenvolveram
seus projetos.
Cada cursista teve a liberdade de abordar temas específicos, mas que,
obrigatoriamente, deveriam ter como foco as escolas, preferencialmente
onde realizaram as "Oficinas", definindo como público da pesquisa, inde-
pendentemente da temática, as crianças e/ou adolescentes sob a condicio-
nalidade do Programa Bolsa Família na Educação (o que não impedia de
acrescentar outro público).
O nosso propósito era dar voz às crianças e aos adolescentes sob a con-
dicionalidade do Programa Bolsa Família na Educação, acerca dos diferentes
problemas que afetam suas vidas, principalmente no espaço escolar, marca-
das pela pobreza e pela desigualdade social.
O resultado foi a elaboração de 258 artigos científicos, de caráter indi-
vidual, considerando as relações entre educação, pobreza e desigualdade
social, tendo como foco as escolas em contextos empobrecidos. Uma das
constatações que subsidiou a elaboração da Iniciativa EPDS foi de que a te-
mática da pobreza e da desigualdade social não é sistematicamente tratada
no contexto escolar (PROJETO POLÍTICO-PEDAGÓGICO EPDS, 2014).
Além dos estudos específicos da pesquisa, visando ampliar o conhe-
cimento sobre a realidade das escolas, os cursistas foram orientados para
A experiência do curso de especialização Educação, Pobreza e Desigualdade Social na... | 29

a coleta ou somente sistematização (pois muitos já haviam feito coletas ao


longo dos módulos) de informações relativas:
a ) ao perfil dos(as) alunos(as), do corpo dos profissionais da Educação
Básica e das famílias que compõem a comunidade escolar da escola,
atentando para suas trajetórias;
b ) às práticas pedagógicas;
c ) às condições materiais e humanas das escolas;
d ) às relações entre o corpo docente, técnico e discente;
e ) à infraestrutura da escola;
f ) aos recursos pedagógicos disponíveis;
g ) aos processos de gestão, entre outros temas relevantes.
Nos artigos elaborados, tais aspectos foram analisados considerando o
contexto empobrecido no qual a escola se situa, assim como o lugar que
ocupa nesses espaços diante de outras instituições. Entendeu-se que o re-
conhecimento dessa realidade possibilitaria a proposição de ações no senti-
do da sua transformação. A elaboração dos artigos a partir da realização de
pesquisa sobre um tema específico articulou os conhecimentos adquiridos
nos cinco módulos do curso e nas diversas atividades de ação-reflexão-ação
com a realidade escolar.
Nem todos os cursistas conseguiram se manter fiéis à proposta, con-
fundindo pesquisa com ações pedagógicas de intervenção na escola. O
momento de intervenção foi durante a realização das oficinas, em que pude-
ram, inclusive, realizar uma parte da pesquisa de campo, conforme seu tema
específico. Após essa etapa, eles avançaram no estudo do tema definido
para a pesquisa e escreveram um artigo com os resultados.
Assim, seguindo o raciocínio de Barros e Lehfeld (2007), mesmo que
os cursistas não tivessem elaborado o projeto conforme solicitado, eles já
tinham um conhecimento sobre o método científico. O tema de cada um
trouxe um problema interessante que, apesar de já ter uma revisão de lite-
ratura (com maior ou menor profundidade), necessitava de aprofundamento
e, na sua maioria, de complementação à pesquisa de campo a fim de en-
contrar respostas para o problema que se dispuseram a investigar. Muitos
já estavam com as respostas prontas, embora tenham sido alertados para a
necessidade de orientação no processo de escrita e elaboração do artigo.
Aos orientadores, mestres e doutores em diversas áreas, alertou-se
para a sua autonomia e liberdade para direcionar os caminhos da pesquisa,
30 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume I

evitando os casos comuns de plágio ou de pesquisas superficiais que não


trouxessem os resultados de uma investigação. Sabemos das dificuldades
relativas ao tempo que enfrentam os(as) cursistas em Educação a Distância
(muitos são professores nas escolas públicas, outros enfrentam dificuldades
quanto ao acesso à internet), mas todos eram capazes de produzir. Ressalta-
-se que, além da parte bibliográfica, se optou pela pesquisa de campo, reali-
zada obrigatoriamente nas escolas, com as crianças/adolescentes.
Os módulos do curso têm uma excelente fundamentação teórica a res-
peito da temática Educação, Pobreza e Desigualdade Social. Por isso, como
primeira atividade, fez-se necessário que todos voltassem aos materiais dos
cinco módulos, procurando articulá-los com seus respectivos temas de pes-
quisa. A escrita do TCC foi realizada sob orientação docente.
As defesas de TCC foram um momento importante de socialização das
experiências desenvolvidas pelos(as) cursistas durante o curso de especiali-
zação Educação, Pobreza e Desigualdade Social.

Atividades de Extensão: oficinas de sonhos e educação financeira


A atividade de extensão, ao articular reflexões teóricas com os contextos
sociais empobrecidos, sinalizou perspectivas de enfrentamento das situ-
ações de pobreza para esta nova geração. Entende-se que o empodera-
mento infanto-juvenil, pela via da afetividade e do empreendedorismo, com
foco em sonhos, educação financeira, inovação e em negócios sociais, pode
contribuir para o enfrentamento das circunstâncias da pobreza. Assim, como
atividade de extensão, o desenvolvimento de ações com crianças e ado-
lescentes envolveu alunos de graduação de diversos cursos e instituições
públicas e privadas do Maranhão, possibilitando oportunidades de obter
competências em sua formação cidadã e pessoal. Para os cursistas CEEPDS,
suas participações nas ações constituíram-se em uma oportunidade de de-
senvolver atividades de pesquisa, no movimento de reflexão-ação-reflexão,
com práticas político-pedagógicas relacionadas às condições de vivência da
pobreza e da extrema pobreza de crianças e adolescentes.
A partir do desenvolvimento das atividades, o cursista teve a oportuni-
dade de apreender como essas crianças e adolescentes pensam, sentem e
agem quando são estimulados a falar sobre o futuro pessoal e profissional.
As ações de extensão focaram na temática sobre sonhos e educação finan-
ceira, incluindo conteúdos de inovação e negócios sociais. Como atividade
A experiência do curso de especialização Educação, Pobreza e Desigualdade Social na... | 31

secundária, destacou-se o fortalecimento da afetividade e motivação em


crianças e adolescentes, visando potencializar sua capacidade de planejar
o futuro pessoal e profissional. Para realizar as oficinas, houve um estímu-
lo à capacidade dos cursistas e alunos de graduação na identificação de
possibilidades de desenvolvimento pessoal e profissional que envolvessem
ações empreendedoras, inovadoras, com perspectivas de geração de lucro
em atividades materiais e imateriais, que tivessem impacto positivo sobre os
modos de vida de toda a comunidade.
Desta forma, a Oficina I teve como propósito a aproximação com a reali-
dade das crianças e adolescentes pobres nas escolas públicas do Maranhão,
buscando conhecê-los por meio de seus sonhos, necessidades e desejos,
bem como das atitudes e comportamentos que assumem perante o valor
do dinheiro. Na Oficina II o objetivo foi despertar os sonhos de cada crian-
ça e adolescente para acreditar no seu potencial e, por meio da educação,
definir objetivos e metas que lhes permitissem obter sucesso ao longo da
vida estudantil e profissional. Quanto à Oficina III, a intenção foi oferecer a
oportunidade para que crianças/adolescentes compreendessem a sua res-
ponsabilidade com o próximo e com o ambiente em que vivem em meio ao
processo de geração de riqueza.

A realização das oficinas


Idealizada por um grupo de adolescentes em conjunto com a coordena-
ção CEEPDS-UFMA, entre os meses de junho e setembro de 2016, antece-
dendo a elaboração do TCC, cursistas e graduandos realizaram as oficinas
de inovação, negócios sociais, sonhos e educação financeira, com crianças e
adolescentes nas escolas públicas do Maranhão, cujos resultados extrapola-
ram as nossas expectativas, alcançando um universo de cerca de 5 mil pes-
soas em 70 escolas, nos 100 municípios onde os cursistas se encontravam.
Como um primeiro momento da pesquisa de campo, as oficinas tiveram,
dentre um de seus propósitos, a intenção de garantir o acesso dos cursistas
às escolas, aproximando-os do seu público de pesquisa e servindo de base
para repensar o próprio tema da pesquisa e o esboço do projeto.
Utilizando cadernos de campo para fazer seus registros, fotografando
ou gravando, os cursistas tiveram a oportunidade de, após cada atividade,
reunir-se com seus grupos para discutir e avaliar a atividade, tendo condi-
ções de planejar de forma mais eficiente a próxima oficina. Com seus temas
32 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume I

definidos, atentaram para as mudanças no comportamento das crianças e


adolescentes, antes, durante e após as atividades.

Figura 1 Sonhos e motivos..

Fonte: Atividades dos Cursistas postadas no Ambiente Virtual do Curso EPDS.

As crianças e adolescentes foram bem receptivos e, sem exceção, desen-


volveram uma relação afetiva com a equipe. Se havia alguma dúvida sobre o
alcance dos objetivos, a cada oficina realizada, nos mais de 100 municípios
onde os cursistas estavam, fomos surpreendidos com a riqueza afetiva e a
capacidade de cada criança e adolescente em sonhar e compreender a im-
portância da educação financeira em suas vidas. Em cada escola, a calorosa
recepção e a satisfação expressa no rosto dos gestores reafirmaram o signi-
ficado das oficinas.
A experiência do curso de especialização Educação, Pobreza e Desigualdade Social na... | 33

Figura 2 Sonhos e motivos.

Fonte: Atividades dos Cursistas postadas no Ambiente Virtual do Curso EPDS.

A realização da Oficina I foi um grande passo para cumprirmos os nos-


sos objetivos em relação a iniciativas de enfrentamento à pobreza. Poderia
ter sido outra proposta, mas trabalhar com sonhos, educação financeira,
inovação e negócios sociais teve muitos resultados positivos. Ao assistir a
muitas oficinas, ler os relatórios e conversar com muitas cursistas, tivemos a
34 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume I

dimensão do alcance do nosso trabalho. Muitos resolveram inovar, acrescen-


tar. Os graduandos foram essenciais e fizeram a diferença nessas oficinas.
Em todas as oficinas, solicitamos que se fizessem atividades e registros
avaliativos com o propósito de elaborarmos os Cadernos CEEPDS, que se-
rão entregues para cada escola.
Todos os cursistas assumiram, desde o início do curso, a condição de
pesquisadores. Sob a orientação dos professores pesquisadores, dos pro-
fessores formadores e dos tutores, a partir do Módulo I, desenvolveram as
atividades práticas nas escolas e foram orientados a elaborar:
a ) Memorial – trata-se de um texto que o(a) cursista deveria elaborar, ao
final de cada módulo, a partir das reflexões estabelecidas e das ativida-
des realizadas, com suas impressões sobre a experiência vivenciada no
processo formativo, destacando os desafios, as dificuldades, os avanços,
momentos difíceis, dúvidas etc., podendo registrar seus sentimentos,
reflexões estabelecidas, histórias vividas, descobertas, avanços e inquie-
tações ao longo do caminho;
b ) Elementos de pesquisa bibliográfica – fichamento das leituras dos mó-
dulos e de outras obras da revisão de literatura;
c ) Elementos de pesquisa de campo – observações de sua prática, resul-
tados das ações na escola, das entrevistas, estudos de casos, reflexões e
outros;
d ) Demais elementos que contribuam para sua formação no curso e formu-
lação de seus projetos de pesquisa ao longo dos módulos, base para a
elaboração do Trabalho de Conclusão de Curso – TCC.
Durante os períodos indicados para os encontros presenciais, sempre ao
final de cada módulo, os cursistas interagiram e socializaram as experiências
práticas.

Radicalizando o olhar e as atitudes


Ao longo dos 18 meses do CEEPDS, além de dificuldades pessoais
dos cursistas (família, trabalho em três turnos) e difícil acesso à internet em
muitos locais, tivemos problemas que contribuíram para uma evasão de
36,95%, principalmente em três momentos. Inicialmente, como muitos cur-
sistas tinham apenas contratos temporários em prefeituras, em virtude de
um concurso para professor, dedicaram-se aos estudos do concurso. Isso
A experiência do curso de especialização Educação, Pobreza e Desigualdade Social na... | 35

ocasionou uma evasão de 13,86%. Em junho de 2016, com as atividades de


reflexão-ação nas escolas, houve outro pico de evasão (atingindo 26,10% de
evadidos desde o início do curso), quando muitos cursistas alegavam não
ter condições de desenvolver atividades práticas, pois queriam apenas as
atividades a distância, por falta de tempo ou interesse. No entanto, essas
atividades foram fundamentais para nos aproximar das escolas e possibilitar
uma abertura para as atividades de pesquisa de campo e elaboração de TCC
que focaram nas formas de pensar, sentir e agir das crianças e adolescentes
das escolas públicas do Maranhão (sobre temas como evasão escolar, gravi-
dez na adolescência, relação família/escola, afetividade etc.), sensibilizando,
ainda mais, todos os envolvidos no CEEPDS para a necessidade de com-
preender e intervir sobre essa realidade. Outra fase que gerou um aumento
no índice de desistência foi a de elaboração e defesas dos TCC. Um dos
principais motivos foi o nível de exigência dos orientadores em relação ao
cumprimento de prazos, desenvolvimento de pesquisa de campo e combate
ostensivo ao plágio (inúmeros casos identificados). Em todas as situações,
coordenação e tutores foram atuantes, dialogando com cada cursista, como
já destacamos antes, interagindo por meio do ambiente virtual do curso e
das redes sociais (principalmente nos grupos de cada turma). Recuperações
e reposições de nota, com visitas aos polos e negociação de prazos, foram
importantes para manter 270 cursistas até o final, cuja dedicação e empe-
nho como pesquisadores foram exemplares. Quando olhamos a escolari-
dade dos cursistas, identificamos que aqueles com outras especializações
tiveram o menor índice de desistência (19,23%), por valorizarem o curso em
uma universidade federal (conforme depoimentos); os maiores percentuais
de desistência foram de cursistas ligados à rede municipal (40%), que eram
maioria no início do curso (60% das matrículas), do sexo masculino (45%), sem
maior expressão quanto à raça/etnia ou funções. Durante todo o percurso,
a parceria UFMA, Undime e Seduc esteve fortalecida, e o Comfor apoiou o
funcionamento do curso, agilizando processos, articulando reuniões com a
reitoria, secretários de educação e demais instâncias que se fizeram neces-
sárias para o êxito do curso.
O formato como o curso foi pensado e explicitado ao longo dos seus
módulos possibilitou o desenvolvimento de metodologias participativas,
estimulando o envolvimento dos cursistas nas atividades de reflexão-ação e
acompanhamento do material escrito e dos vídeos. Tivemos abertura para
ampliar essas atividades e adequá-las aos propósitos da equipe gestora no
36 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume I

que se refere a garantir uma maior aproximação com as realidades das es-
colas públicas que crianças e adolescentes do Programa Bolsa Família na
Educação frequentavam. Os 270 cursistas que concluíram a especialização
são de cerca de 100 municípios do estado do Maranhão (de um total de
217 municípios) e realizaram estudos sobre a realidade social e o contexto
escolar de escolas públicas, com o desafio de compreender melhor essa
realidade a partir da visão das crianças e adolescentes. Esse percurso meto-
dológico despertou em nossos cursistas a necessidade de se envolver com
iniciativas voltadas para o combate à pobreza e à desigualdade social. Além
do material dos módulos do curso, os alunos, que em sua maioria são pro-
fessores de escolas públicas, participaram das atividades de reflexão-ação,
com a realização de visitas às famílias das crianças e adolescentes (de 6 a 17
anos de idade) que recebem o benefício do Bolsa Família para manter os
filhos na escola. Nessas famílias, muitos pais são analfabetos, desejam uma
vida diferente para seus filhos, embora outros não valorizem a educação e
queiram que os filhos os acompanhem na pesca ou na roça. Nas escolas, os
professores reclamam que as famílias não assumem sua parte e querem que
a escola dê conta da educação dos filhos deles. Uma das atividades que teve
maior impacto sobre os cursistas foi a realização de oficinas sobre sonhos
e educação financeira, com o propósito de se aproximar da realidade das
crianças e adolescentes pobres nas escolas públicas do Maranhão, desper-
tando os sonhos de cada criança e adolescente para acreditar no seu poten-
cial e, por meio da educação, definir objetivos e metas que lhes permitam
obter sucesso ao longo da vida estudantil e profissional. Os resultados foram
surpreendentes e mostraram que, ao instigar essas crianças e adolescentes,
eles têm um grande poder de ação. O alcance das oficinas foi além do espa-
ço da sala de aula onde cerca de 2 mil crianças e adolescentes interagiram
com nossos cursistas e contribuíram efetivamente para o êxito da pesquisa
para a realização dos TCC.
Cabe ressaltar o papel dos órgãos gestores e parceiros. O Comfor teve
um papel essencial para o êxito do CEEPDS-UFMA. Desde a fase de elabo-
ração e tramitação do Projeto Político-Pedagógico, articulou reuniões com
a reitoria, secretarias estadual e municipais de educação, participando das
reuniões com a Seduc e Undime. Em termos estruturais, foi responsável di-
retamente pela estruturação de uma sala exclusiva para a especialização.
Participou ativamente da realização do curso, com apoio logístico para as
A experiência do curso de especialização Educação, Pobreza e Desigualdade Social na... | 37

viagens aos municípios e realização dos encontros presenciais nos oito cam-
pi da UFMA.
A competência do MEC na condução deste projeto, desde a sua ela-
boração, foi exemplar. A Coordenação da Iniciativa Nacional acompanhou
com responsabilidade cada etapa do planejamento e execução, agilizando
as respostas às nossas demandas, dando suporte tecnológico e garantindo
a liberação total dos recursos planejados.
Além de acompanhar intensivamente a realização do curso, via sistema
e reuniões presenciais, a coordenação viabilizou a nossa participação em
reunião com os coordenadores estaduais do Programa Bolsa Família na
Educação e sempre nos sensibilizou para conhecer o acompanhamento
e o significado do Sistema Presença. Além disso, foi incisiva na criação e
manutenção do Grupo de Trabalho Interinstitucional (GTIL), garantindo que
UFMA, Comfor, Seduc e Undime se articulassem para o desenvolvimento e
êxito do CEEPDS. A realização desta especialização foi de grande relevância
para o estado do Maranhão. Os 258 cursistas que finalizaram e defenderam
seus TCCs têm uma grande oportunidade de propor ações que contribuam
para alterar a realidade das crianças e adolescentes em situação de pobreza
e extrema pobreza, nas escolas públicas. Com este curso, alcançamos cerca
de 5 mil pessoas, entre coordenação, docente, cursistas, gestores, crianças,
adolescentes e familiares.
Participar desse projeto foi, em primeiro lugar, uma lição de vida adquiri-
da a cada dia desses três anos, entre a elaboração da proposta e execução do
curso; aprendemos que as políticas públicas podem ser totalmente eficazes
quando se tem um acompanhamento intensivo e próximo. A CGAIE, com sua
competente equipe, por meio da Coordenação da Iniciativa Nacional EPDS,
preza pela seriedade das ações e busca pela transformação da realidade.
Dessa forma, seguindo o exemplo da coordenação nacional, aprendemos a
caminhar com segurança, ousando nas ações de enfrentamento à pobreza
no estado do Maranhão, idealizando e realizando oficinas de sonhos e edu-
cação financeira com cerca de 2 mil crianças e adolescentes nas escolas pú-
blicas de 70 municípios do estado. Aprendemos que cada um é responsável
pela mudança dessa realidade de pobreza no estado do Maranhão, o qual
dispõe de grandes riquezas (econômica, cultural e social) as quais não justifi-
cam a situação que encontramos nas escolas públicas. Muitas vezes é apenas
um problema de gestão local e de ausência de acompanhamento das secre-
tarias de educação. Tanto os cursistas quanto a equipe gestora encontraram
38 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume I

situações precárias na estrutura das escolas, como telhados quebrados, em


risco de desabar, ramos de mato entrando em salas de aula, paredes das
salas de aula totalmente riscadas com palavras de baixo calão, muitos livros
amontoados pelos corredores e jogados em salas, crianças saindo da esco-
la antes do horário por falta de lanche, lanches sem valor nutritivo, dentre
outras situações. O olhar e acompanhamento mais intensivo das secreta-
rias municipais, das instâncias de fomento e de formação podem contribuir
para alterar essa realidade. Aprendemos que não podemos olhar e deixar
como está: quando tomamos conhecimento, somos também responsáveis
pela busca de soluções. Aprendemos que o espaço da sala de aula é um
lugar privado, onde não se troca somente conhecimento, mas afetividade e
busca pela realização de sonhos. Identificamos situações de bullying aluno/
aluno, professor/alunos. Ao trabalhar com as oficinas de sonhos e educação
financeira, identificamos que crianças e adolescentes sonham em concluir
o Ensino Médio e ir para uma universidade. Assim, entendemos o valor da
educação para mudar a realidade de pobreza. As ações afirmativas (cotas)
são essenciais para que essas crianças e adolescentes acessem o ensino su-
perior gratuito, mas é na base que se pode ter uma ação eficaz. Se atrelada a
uma educação de qualidade nas escolas, sem esquecer o papel da família na
transmissão dos valores, teremos uma grande transformação na realidade.
Aprendemos, principalmente, que é preciso discutir abertamente a pobreza
no espaço das escolas para enfrentá-la. Os nossos especialistas estão pron-
tos para multiplicar todo o conhecimento adquirido. Aprendemos o valor
da parceria e que a educação a distância, quando bem conduzida, tem um
papel fundamental na disseminação do conhecimento para um número bem
maior de pessoas; assim, é sempre possível fazer mais e melhor quando nos
comprometemos com o nosso próximo.

Referências
ARAÚJO, M. S. S. As formas de pensar, sentir e agir de crianças e adolescentes de escolas públicas
do Maranhão, sob a condicionalidade da educação: ponderações a partir das ferramentas ana-
líticas de Pierre Bourdieu. Texto orientador disponibilizado para os Cursistas para finalização do
projeto de pesquisa. São Luis, 2016.
BARROS, A. J. S.; LEHFELD, N. A. S. Fundamentos da Metodologia Científica. São Paulo: Prentice
Hall, 2007.
BRASIL. Curso de Especialização Educação, pobreza e desigualdade social. Projeto Político Peda-
gógico. Ministério da Educação/Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e
Inclusão/Diretoria de Políticas de Educação em Direitos Humanos e Cidadania/Coordenação Geral
de Acompanhamento da Inclusão Escolar. Brasília, 2014.
2

Ensino e pesquisa em Educação, Pobreza


e Desigualdade Social: o Programa Bolsa
Família no Pará
Marilena da Silva Loureiro
Pedro Chaves Baía Júnior
Rosemildo Santos Lima
Edma Maués Franco

Introdução

As discussões acerca das relações entre pobreza, educação e desenvol-


vimento em sua múltipla gama de dimensionalidades vêm se ampliando e
indicando a necessidade de reflexão aprofundada dessas relações. A educa-
ção, nesse sentido, passa a ser percebida como dotada de centralidade para
a superação dos célebres e permanentes problemas afetos ao aprofunda-
mento das assimetrias globais, pela ampliação da vulnerabilidade de grande
parte da população mundial que convive com o aprisionamento da pobreza
e da extrema pobreza.
Nessa perspectiva, o presente artigo buscará apresentar as relações en-
tre educação, desenvolvimento em perspectiva ampla e a superação da po-
breza e das desigualdades sociais, com ênfase na análise da compreensão
dos resultados das políticas sociais recentes de afirmação de direitos sociais,
mais especificamente as políticas de transferência de renda para a minimi-
zação da pobreza, o Programa Bolsa Família, tendo como base a seguinte
problemática: quais os impactos do programa Bolsa Família na minimização
das vulnerabilidades sociais de seus beneficiários por meio de sua presença
no sistema educacional.
40 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume I

Este artigo emerge da Iniciativa Nacional Educação, Pobreza e Desigual-


dade Social, uma iniciativa do MEC viabilizada por meio da Secretaria de
Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão – Secadi, ini-
ciada no ano de 2015, dirigida às universidades brasileiras e às suas ações de
ensino, pesquisa e extensão, a saber: a) curso de especialização latu sensu
em Educação, Pobreza e Desigualdade Social, que se constitui em uma ação
voltada à formação continuada de profissionais os quais atuam na Educação
Básica e/ou em políticas sociais que estabelecem relações entre educação,
pobreza e desigualdade social; b) pesquisa acadêmica nacional, atendendo
a essa demanda, e no âmbito regional temos a pesquisa intitulada "As rela-
ções entre educação, pobreza e desigualdades sociais na Amazônia Paraen-
se", a qual apresenta como objetivo central analisar como os profissionais da
Educação Básica e outros envolvidos com políticas sociais que estabelecem
conexões com a educação em contextos empobrecidos se relacionam com
o desenvolvimento de práticas político-pedagógicas as quais possibilitem a
transformação das condições de vivência da pobreza e da extrema pobreza
de crianças, adolescentes e jovens e, consequentemente, promovam condi-
ções objetivas que viabilizem um justo e digno viver definido socialmente; e
c) extensão com a realização de cursos sobre o tema citado.
Para efeito das discussões do presente artigo, foi realizado um recorte
dos resultados dos processos pedagógicos desenvolvidos no âmbito do
curso de especialização, que envolveu em seus procedimentos a adoção da
pesquisa-ação como instrumento de formação dos especialistas, o que sig-
nificou a entrada dos professores em processo formativo em atividades de
campo para melhor aproximação e compreensão das vivências de pobreza
de seus alunos beneficiários do Programa Bolsa Família.
Deste modo, tem-se por objetivo discutir a realidade vivenciada pelas
famílias que compõem a comunidade escolar de escolas em contextos em-
pobrecidos da Amazônia brasileira, bem como apresentar resultados iniciais
acerca do impacto do PBF na redução da pobreza e pobreza extrema nesta
realidade. Para tanto, em termos metodológicos, faz-se uma análise de en-
trevistas aplicadas a 200 famílias beneficiárias do Programa Bolsa Família
(PBF) residentes em oito diferentes municípios do estado do Pará (Abaetetu-
ba, Altamira, Belém, Castanhal, Itaituba, Marabá, Melgaço e Santarém), bem
como uma revisão de literatura acerca da política do Programa Bolsa Família
e seus impactos na realidade das famílias brasileiras e, ainda, sobre a temá-
tica educação e pobreza. As famílias foram entrevistadas pelos discentes do
Ensino e pesquisa em Educação, Pobreza e Desigualdade Social: o Programa Bolsa Família no... | 41

curso de especialização em Educação, Pobreza e Desigualdade Social da


Universidade Federal do Pará (UFPA), a partir de atividades integrantes das
disciplinas curriculares do referido curso.

Educação e expectativas de superação da pobreza: o que dizem os


beneficiários do Programa Bolsa Família
Para enfrentar as necessidades de constituição de um futuro para gran-
de parte da população mundial, muitos teóricos vêm reafirmando a impor-
tância da Educação para o processo de desenvolvimento de um país, uma
condição estratégica para a constituição de políticas de desenvolvimento.
Para Ribeiro (1992), a educação brasileira sempre esteve vinculada aos
interesses da esfera econômica da sociedade e da manutenção da hegemo-
nia política de uma classe sobre outra, desde as primeiras iniciativas de ca-
tequização jesuítica nos idos da colonização até os dias atuais. Isso pode ser
evidenciado na história da educação, por meio da condução apresentada
para a organização dos sistemas educacionais de caráter elitista e excluden-
te, com ofertas de ensino diferenciado em termos de acesso e permanência
qualitativa e ainda em termos de terminalidade, conforme evidenciado pela
caracterização do panorama educacional brasileiro e sua relação com a or-
ganização política e econômica do país.
Nesse sentido, o conceito de educação subjacente às políticas educa-
cionais desenvolvidas pelo Estado brasileiro enquadra-se numa perspectiva
instrumental, referindo-se apenas à preparação de agentes para o desenvol-
vimento econômico, num processo de adaptação às necessidades da esfera
econômica da sociedade, desconsiderando as desigualdades oriundas des-
sa esfera e suas consequências para a vida social. Sob a lógica instrumen-
tal, à educação caberia apenas o papel de formação bifurcada e desigual,
consoante com a própria organização social brasileira: uma formação geral,
humanista e ascendente, destinada aos filhos das elites detentoras do poder
político e econômico; e uma formação de caráter deficitário, com ênfase na
qualificação técnico-profissional e terminalidade baixa, destinada aos filhos
das classes trabalhadoras, responsáveis pela mão de obra para os quadros
inferiores do processo de desenvolvimento econômico do país.
A insistência acerca da tese de que o desenvolvimento econômico
vem determinando as políticas educacionais brasileiras desde a coloniza-
ção pode esconder cuidadosamente aquilo que pode ser considerado um
42 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume I

grande paradoxo brasileiro: o desenvolvimento econômico caminha inde-


pendentemente dos processos de escolarização da população nacional, que
em certa medida se apresentariam como funcionais a esse desenvolvimento.
Isso significa dizer que o crescimento econômico brasileiro apresenta rela-
ções de independência dos níveis escolares da população brasileira. Não
fosse assim, o país não figuraria entre as maiores economias mundiais, ao
lado de grandes potências econômicas do mundo desenvolvido, apesar de
manter ainda índices insatisfatórios de escolarização básica.
Parece-nos evidente a necessidade de aprofundamento das discussões
teóricas acerca deste tema, e, ao lado dessas reflexões, observa-se também
a necessidade de efetivação de novas políticas formativas dirigidas aos siste-
mas educacionais, de modo a colocá-los diante do desafio de colaborar com
a superação das desigualdades estruturantes da sociedade.
As atividades de pesquisa realizadas ao longo do curso de especializa-
ção em Educação, Pobreza e Desigualdade Social apresentaram os resulta-
dos elencados a seguir.
As famílias beneficiárias do PBF entrevistadas residem em sua maioria
(71%) na zona urbana dos municípios pesquisados. Elas são constituídas, em
média, por seis pessoas, e no máximo por 13 pessoas em uma única família.
A densidade de pessoas por domicílio ratifica uma pesquisa realizada em
2009, apresentada por Silva e Lima (2014, p. 56), na qual se afirma que "a
região que se destacava com o maior número de pessoas por domicílio era
o Norte (4,30 pessoas), situando-se as demais em torno da média nacional",
que era de 3,97.
Mais de 60% destas famílias residem em casa própria (Gráfico 1), incluin-
do tanto famílias que moram nas residências do Programa Minha Casa Minha
Vida como famílias que habitam em áreas de invasão. Vale ressaltar que o
fato de mais de 60% das famílias residirem em casa própria não significa que
elas têm condições adequadas para morar, pois muitas dessas residências
foram construídas em processos de ocupações, com precárias condições
de saneamento básico, sofrem a ausência de espaço para cultura, esporte,
lazer, educação e são desassistidos de segurança pública.
Outro fator de relevância que a pesquisa evidenciou foi em relação à
iluminação elétrica. Foi constatado que grande parte das casas tem aces-
so à rede de energia elétrica (94%), embora alguns declarem utilizar-se de
ligações clandestinas ("gato"), e a rede pública de água atinge mais de 70%
das famílias (Gráfico 2). Este é um dado relevante se comparado à pesquisa
Ensino e pesquisa em Educação, Pobreza e Desigualdade Social: o Programa Bolsa Família no... | 43

de 2009, realizada por Silva (2014), em que se observa que a região Norte
apresentava maior desvantagem em relação às demais regiões, pois apenas
66,8% das casas tinham acesso à iluminação com relógio próprio, e esse
índice cai ainda mais em 2013, para 63,1%.

Gráfico 1 Moradia dos beneficiários do PBF.

Fonte: elaborado pelos autores a partir de dados coletados na pesquisa de campo.

Gráfico 2 Origem da água consumida por beneficiários do PBF.

Fonte: elaborado pelos autores a partir de dados coletados na pesquisa de campo.


44 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume I

Embora pareça que o acesso foi ampliado, muitas famílias que participa-
ram da pesquisa não possuem relógio próprio e declararam que se utilizam
de ligações clandestinas. Essa questão traz à tona a situação de pobreza em
que essas famílias vivem. Dificilmente, se pudessem escolher, optariam por
utilizar ligações clandestinas. Entretanto, devido às condições em que vivem,
não têm a possibilidade de fazer escolhas mínimas, como pagar a luz para
não ter que se submeter a ações consideradas impróprias ou indevidas.
Neste sentido, Pinzani e Rego (2015, p. 36), ao discutirem a renda mone-
tária e a autonomia individual das pessoas, destacam:

Essas carências resultam, com efeito, em perda da oportunidade de vi-


venciar processos de autonomia e de liberdade, cujas causas não podem
ser imputadas ao próprio indivíduo, que é, antes, impotente perante elas.
Importa lembrar que a realidade objetiva do mundo econômico e social
se impõe, coercitivamente, às pessoas, contrariamente ao que afirma a
vulgata de certo liberalismo.

Esse sentimento de negação de vivência de processos de autonomia e


de liberdade torna os sujeitos impotentes para lidar com garantia dos direi-
tos básicos necessários para viver com dignidade.
Ainda que a maioria das famílias declare fazer uso de água oriunda da
rede pública, a qual não necessariamente apresenta um nível adequado de
potabilidade, identifica-se que mais de 25% das famílias entrevistadas fa-
zem uso ainda da água dos rios, igarapés ou poços (artesiano ou amazonas,
sendo estes últimos os mais comuns na região). Nos relatos das entrevistas
com as famílias elas expressam sobre a qualidade da água utilizada para o
consumo e em que condições chegam até suas casas.

A água daqui é muito amarela, não dá pra consumir, eu encho o gar-


rafão de água numa caixa d’água do carro pipa, que é boa, e a nossa
fossa não deu pra fazer, então vai assim como das outras casas no valão
aqui da frente (entrevistada A, sexo feminino, moradora do município de
Melgaço).

Tem luz elétrica, com dois bicos de luz. Não tenho água tratada, tenho do
cano da rua. E de vez em quando coloco uma "quiboa" na água que o
pessoal da saúde me dá. O carro do lixeiro é difícil passar por aqui, passa
mais na outra rua. Já falamos pro pessoal vir buscar o lixo aqui, porque
tem cachorro e eles espalham todo o lixo pelo chão e só dá nós pra
limpar (entrevistada B, sexo feminino, moradora do município de Belém).
Ensino e pesquisa em Educação, Pobreza e Desigualdade Social: o Programa Bolsa Família no... | 45

Além disso, muitas famílias não possuem um sistema de tratamento de


esgoto e de coleta de resíduos sólidos, despejando seus rejeitos em locais
inadequados ou diretamente em cursos d’água (Figura 1), o que acarreta
vários impactos sociais e econômicos, deixando as pessoas mais vulneráveis
ao desenvolvimento de doenças (Quadro 1). Deste modo, percebe-se que
as condições de saneamento básico e de higiene são péssimas, o que abre
precedente para que essas famílias contraiam doenças oriundas das precá-
rias condições em que vivem.

Figura 1 Fossa negra usada para despejo de rejeitos humanos por uma família bene-
ficiária do PBF residente no município de Abaetetuba, Pará.

Fonte: Edney Souza, 2017 – fotografia cedida aos autores.

Quadro 1 Doenças relacionadas à falta de saneamento básico adequado.

Categoria Doenças
Doenças de transmissão feco-oral Diarreias; febres entéricas; hepatite A.
Doenças transmitidas pelo contato Esquistossomose; leptospirose.
com a água
Doenças relacionadas com a higiene Doença dos olhos; tracoma; conjuntivites;
doenças de pele; micoses superficiais.
Geohelmintos e teníases Helmintíases; teníases.

Fonte: adaptado de Brasil (2010).


46 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume I

Os Postos de Saúde da Família (PSF) e as Unidades Básicas de Saúde


(UBS) são os principais locais utilizados pelas famílias para tratamento de
saúde. Contudo, estes serviços ainda são limitados, não estão presentes em
todas as localidades, especialmente as rurais, fornecem um número peque-
no de médicos e/ou de especialidades:

Posto de saúde não tem, quando a gente adoece temos que vir para a
cidade, porque não tem posto de saúde lá, e pra gente vir na cidade não
é muito fácil, não. Usamos o transporte escolar, temos que andar uns 15
minutos até a boca do ramal, e lá na beira da estrada passa o transporte
(entrevistada C, sexo feminino, moradora da zona rural do município de
Abaetetuba).

Os hospitais, utilizados para o tratamento de problemas de saúde de


maior complexidade, estão restritos a municípios de maior porte1 e à capital
do estado, o que obriga muitos dos beneficiários a terem que se deslocar
para esses municípios quando necessitam de um tratamento específico,
onerando ainda mais o tratamento. Cerca de 14% das famílias entrevista-
das declararam ter alguém na família com algum tipo de doença crônica,
necessitando, portanto, de cuidados especiais, nem sempre disponíveis
em sua localidade e/ou município. Entre as principais enfermidades citadas,
destacam-se a hipertensão, diabetes, gastrite, problemas renais, asma, han-
seníase, fibromialgia, Aids e doença de chagas.
Neste sentido, muitos relataram utilizar os recursos oriundos do bene-
fício do Programa Bolsa Família para auxiliar nestes custos. A partir destes
dados, observa-se que não apenas a renda pode ser considerada como fator
de pobreza, mas, sobretudo, a ausência de elementos básicos necessários
para garantir a sobrevivência e a qualidade de vida das pessoas, o exercício
da cidadania em plenitude de direitos, ainda distante da realidade das famí-
lias pesquisadas, conforme observado por Rego e Pinzani (2015).

A existência da cidadania como situação histórica supõe, necessariamen-


te, um complexo de condições políticas, sociais, econômicas e culturais.
Por exemplo, se uma sociedade não garante que todas as pessoas te-
nham as mesmas oportunidades de acesso ao bem-estar, à cultura e à
educação em sentido amplo, tal sociedade apresenta déficits  enormes
de democratização de sua estrutura social e política.

1 Informação dos municípios que possuem hospitais regionais.


Ensino e pesquisa em Educação, Pobreza e Desigualdade Social: o Programa Bolsa Família no... | 47

É nesse sentido que se verifica a necessidade de ampliação das políticas


públicas de combate à pobreza, a fim de que as famílias tenham acesso ao
bem-estar, à cultura e à educação em sentido amplo. E essa ampliação passa
pela garantia de outros direitos básicos, como a geração de emprego e ren-
da para que essas pessoas se vejam como sujeitos partícipes do processo de
construção da economia do país e ao mesmo tempo garantam, por meio do
seu trabalho, as necessidades básicas para viver com dignidade.
O nível de escolaridade entre os beneficiários é muito baixo (Gráfico
3), sendo identificada uma taxa de analfabetismo superior a 10% entre os
entrevistados, caracterizados por serem, em ampla maioria, do sexo femi-
nino (90%): "Eu e o pai dos meus filhos, nós não sabe ler e mal escrevemo
nosso nome" (entrevistada D, sexo feminino, moradora da zona urbana de
Santarém).

Gráfico 3 Nível de escolaridade dos beneficiários do PBF.

Fonte: elaborado pelos autores a partir de dados coletados na pesquisa de campo.

Freire (1981, p. 13), ao refletir acerca do analfabetismo, ressalta que

Para a concepção crítica, o analfabetismo nem é uma "chaga", nem uma


"erva daninha" a ser erradicada, nem tampouco uma enfermidade, mas
uma das expressões concretas de uma realidade social injusta. Não é
um problema estritamente linguístico nem exclusivamente pedagógico,
metodológico, mas político, como a alfabetização através da qual se
pretende superá-lo.
48 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume I

Essa visão de Freire (1981) mostra-nos as várias facetas da pobreza e da


extrema pobreza. As pessoas não são desprovidas somente de alimento em
suas mesas, mas de educação de qualidade, de saneamento básico, de ilu-
minação elétrica, de cultura, de lazer, de trabalho digno etc. Todo esse con-
junto de direitos negados contribui para a vulnerabilidade social das famílias
brasileiras. Por isso, Freire (1981) afirma que se trata de problemas políticos.
As principais questões apresentadas como entraves à continuação dos
estudos por parte de algumas das mulheres pesquisadas estão, geralmente,
relacionadas à condição de gênero, pois as mulheres estão sempre envolvi-
das com os afazeres domésticos, que lhes atribuem uma função colaborativa
importante nas famílias, ainda que em idade escolar, sem contar a inexistên-
cia de escolas em muitas regiões longínquas da Amazônia.

Quando eu era criança tinha que primeiro apanhar o açaí, amassar e


depois, sim, ir para a escola. Não é como hoje que tem muitas escolas,
que é mais fácil. No interior a gente era obrigada a trabalhar na roça com
os pais, e principalmente mulher, que tinha que ser na roça e em casa, a
gente tinha que encher água, amassar o açaí, fazer farinha, não é como
hoje que tá tudo pronto, que tem onde bater açaí (entrevistada A, sexo
feminino, moradora do município de Melgaço).

A maternidade precoce é outro problema relatado por algumas mulhe-


res oriundas de famílias pobres, que se tornaram mães muito jovens, apre-
sentando sérias dificuldades para prosseguirem seus estudos:

O meu pai é viajante e não para em casa, o dinheiro é muito difícil ele
mandar para ajudar nos gastos mensais. Além de tudo isso, continuo
desempregada. Trabalhei em loja, mas era muita exploração. Então eu
decidi sair. Agora eu com 28 anos tenho mais uma filha que está com 3
aninhos, agora com um pai presente, e graças a Deus consegui o Progra-
ma Bolsa Família que me ajudou muito pra comprar o que a gente precisa
(entrevistada E, sexo feminino, moradora do município de Melgaço).

Além disso, vale ressaltar que a inserção no mundo do trabalho torna


ainda mais difícil o retorno dos adultos à escola:

Eu gosto, sim, de estudar, sabe, minha filha... Mas às vezes é difícil sair à
noite, porque eu fico muito cansada do trabalho no lixão, e nem sempre
a minha irmã pode ficar com meu bebê. Ele é muito agarrado comigo,
sabe. Às vezes, quando eu tô lá na escola, eu fico pensando se ele não
tá chorando com ela, ai me dá logo vontade de voltar pra casa [...]. Eu
Ensino e pesquisa em Educação, Pobreza e Desigualdade Social: o Programa Bolsa Família no... | 49

sempre tento fazer os dever que a professora manda, mas nem tudo eu
consigo, não. Mas eu quero aprender a ler e escrever que nem a minha
professora, porque eu acho muito bonito (entrevistada E, sexo feminino,
moradora do município de Melgaço).

Por outro lado, muitas mulheres relatam estarem vencendo estas bar-
reiras, tendo a oportunidade de prosseguirem seus estudos, como é o caso
da beneficiária do PBF que retornou à sala de aula a partir do programa Pro-
jovem Urbano. Ela, mulher de 30 anos de idade, moradora da zona urbana
de Ananindeua, filha de pais separados e analfabetos, mãe de cinco filhos,
teve que abandonar os estudos aos 14 anos de idade, após ficar grávida do
primeiro filho, e agora está tendo retornar à escola e concluir seu Ensino
Fundamental.
Outro problema indicado pelos resultados da pesquisa refere-se à ca-
rência de escolas próximas às casas dos estudantes, que ofertem todas as
etapas da Educação Básica, fato que obriga os alunos a se deslocarem por
grandes distâncias para terem acesso às escolas. Tal fato é muito comum nas
zonas rurais da maioria dos municípios estudados, mas também ocorre nas
áreas urbanas, gerando aumento de gasto com deslocamento (pagamento
de ônibus ou mototáxi) e uma maior exposição à violência:

Moro no bairro da Cabanagem. É uma zona bastante pobre e perigosa


da cidade. As escolas dos meus filhos ficam longe de casa. Eles precisam
pegar ônibus pra assistir aula. A vizinhança é complicada. Temos muitos
vizinhos e conhecidos que são ladrões e traficantes. Vez ou outra, tem
algum tiroteio. Sorte é que, como somos moradores da área, eles nos
respeitam. Mas não dá pra sair de casa em certos horários. Nesses horá-
rios eles desconhecem qualquer um. Só estamos aqui porque o aluguel
é bem barato (entrevistado F, sexo masculino, morador do município de
Belém).

Muitas são as dificuldades para que as pessoas adultas que deixaram de


frequentar a escola possam retornar. Entre as principais motivações estão a
violência urbana, o cansaço da labuta diária, a dificuldade de não ter com
quem deixar os filhos e a distância entre a moradia e a escola. Outro agra-
vante no contexto atual são os processos de nucleação, em que estudantes
jovens e adultos devem se deslocar de seus bairros para estudar em escolas-
-núcleos, as quais agregam estudantes de diversos bairros. Esse processo
gera ainda mais exclusão, porque o medo da violência os impede de fre-
quentar escolas em bairros afastados de suas residências.
50 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume I

As pesquisas apontam que os índices de analfabetismo no país são ain-


da bastante preocupantes, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios de 2015 (Pnad/2015) (KLEIN, 2015). A taxa de analfabetismo entre
brasileiros com 15 anos ou mais em 2014 foi estimada em 8,3% (13,2 milhões
de pessoas), segundo Pnad, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE). O número de analfabetos é maior do que a população da
cidade de São Paulo, que possui cerca de 12 milhões de pessoas, segundo
estimativa do IBGE. O maior desafio está nas faixas etárias mais altas. Se
consideradas as pessoas com 60 anos ou mais, a taxa foi de 23,1% em 2014,
ante 24,3% em 2013. Os números também são altos no grupo entre 40 e 59
anos (9,2% em 2014 e 9,4% em 2013).
Em termos de impactos para a melhoria das condições de vida das famí-
lias beneficiadas, observou-se que o PBF é recebido pela maioria das famílias
há mais de dois anos (Gráfico 4), sendo este recurso usado principalmente
para a aquisição de gêneros alimentícios, conforme retratado por 70% das
famílias entrevistadas.

Gráfico 4 Tempo médio de recebimento do benefício do PBF.

Fonte: elaborado pelos autores a partir de dados coletados na pesquisa de campo.

Além disso, o benefício do PBF serve para custear várias outras despesas
das famílias, tanto domésticas como escolares, a exemplo do pagamento de
aluguel, da conta de energia elétrica, compra de gás de cozinha, vestimenta,
calçados, material escolar e remédios.

O Bolsa Família na minha vida foi tudo, né... quando meu marido tava
desempregado, e eu só fazia bico, esse dinheirinho quebrou muito o
Ensino e pesquisa em Educação, Pobreza e Desigualdade Social: o Programa Bolsa Família no... | 51

nosso galho. O Bolsa Família ajuda com tudo dos meus filho. O material
da escola, o uniforme, as coisa deles, tudo eu compro desse dinheiro...
teve até um tempo que meu filho tava com suspeita de "tifo", dengue
hemorrágica e doença de chagas... nem fale até... esse dinheirinho aju-
dou a comprar os remédios e no tratamento dele (entrevistado G, sexo
masculino, morador do município de Abaetetuba).

Depois do Bolsa Família eu tive uma certeza: meus filhos nunca mais
saem da escola e nem passam fome. Pode ser até só uma conserva
pros cinco, mas vai ter. Fora que eu também me senti mais livre, mais
independente, porque agora eu posso chegar no mercado, no fim do
mês, e comprar o que eu quiser pras crianças que eu não tô dependendo
de ninguém. Depois do Bolsa meus filhos podem até tomar o café da
manhã por minha conta, porque, mesmo que num seja todo dia, mas
hoje eu consigo comprar um pão de vez em quando, e quando tem pão
na nossa casa é uma alegria só (entrevistada H, sexo feminino, moradora
do município de Castanhal).

Percebe-se, também, que os benefícios complementam de forma dife-


renciada a renda das famílias da zona urbana e da zona rural, dado o fato de,
nesta última, os moradores geralmente possuírem animais de pequeno por-
te e/ou plantação de vegetais utilizados na alimentação, o que tanto pode
ser usado para o consumo quanto ser um adicional na renda:

A gente tira o da energia, que dá uns R$ 50,00 por mês, e o restante é pra
comprar uma roupinha pra gente, quando precisa e quando dá, e o que
sobra é só pro nosso comer. Sem o Bolsa Família a gente não tinha como
comer. Quando aperta a gente mata uma galinha pra comer, apanha o
açaí pra tomar, e a farinha nós mesmo faz, os meus filhos não iam mais es-
tudar pra ajudar a gente aqui na roça, porque meu marido não dá conta
de fazer muita coisa, por causa das pernas (entrevistada I, sexo feminino,
moradora da zona rural do município de Abaetetuba).

Desta forma, observa-se que o recurso oriundo do PBF é uma importan-


te fonte e/ou complemento de renda para as famílias estudadas, sendo fre-
quentes os relatos de melhora nas condições de vida destas famílias após o
recebimento do PBF, o que está principalmente relacionado à possibilidade
de ter uma renda mínima regular para a manutenção geral da família (aqui-
sição de gêneros alimentícios, material escolar, pagamento de transporte e
outros), ante as altas taxas de desemprego e a renda variante identificadas
nos municípios paraenses.
52 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume I

O Bolsa Família me salvou e salvou toda a minha família da fome, na épo-


ca o valor era um pouco menor, mas com o que eu conseguia do bico,
juntando com os dos meus pais e o Bolsa Família, não dava R$ 250,00,
mas eu dava graças a Deus, porque foi esse dinheiro que não deixou a
gente totalmente na miséria, nós tinha o básico mesmo pra se alimentar,
a gente comia muito ovo, sopa, meu pai pegava umas verduras lá da feira
e trazia, mas chegou, sim, da gente passar fome no final do mês, às vezes
eu nem comia pra deixar mais um prato de comida pros meus filhos,
mas uma coisa é certa, eu passei fome, mas meus filhos não, porque
deixamos de comer para dar pra eles. Quando a fome era demais, eu
comia o café preto com a farinha, mas o bom é que essa fase passou,
agora eu tô empregada, tem gente que reclama muito do seu emprego,
mas eu levanto a mão pro céu e agradeço o meu, porque eu não ganho
um salário mínimo, mas ganho R$ 600,00, que dá pra me programar para
o mês todo, e claro com a ajuda do Bolsa Família (entrevistada J, sexo
feminino, moradora da zona rural do município de Abaetetuba).

Além disso, o benefício do PBF vem possibilitando a algumas famílias


ampliarem suas possibilidades de obtenção de renda a partir da realização
de cursos técnicos (manicure, cabeleireiro, assistente administrativo, auxiliar
de serviços geras etc.) ou mesmo superior. Para se ter ideia, identificou-se
que uma senhora, mãe de dois filhos e cujo marido não possui trabalho fixo,
está cursando Pedagogia em uma faculdade particular paga com o recurso
do PBF.
Alguns beneficiários retratam também usar o benefício para fazer melho-
rias em seus locais de moradia, seja aumentando o número de cômodos das
casas, adquirindo eletrodomésticos ou mesmo criando infraestrutura que
possibilita melhores condições de vida, como construção de poço artesiano
e fossa séptica.
Das famílias entrevistadas, 73% informaram que pelo menos um dos
membros da família desenvolvia atividades de geração de renda (Gráfico
5): 22% trabalham como autônomos, desenvolvendo atividades diversas (ca-
beleireira, vendedor de lanche e outros); 21% ganham sua renda realizando
serviços domésticos (faxineira, lavadora de roupa, babá e outros), em geral
de maneira informal, sem carteira assinada; 19% trabalham com atividades
rurais (agricultura, pesca, tratorista, fabricação de carvão e outros); 12%
desenvolvem atividades ligadas à construção civil (pedreiro, ajudante de
pedreiro e outros). O Gráfico 5, a seguir, ilustra as atividades desenvolvidas
pelos beneficiários do PBF.
Ensino e pesquisa em Educação, Pobreza e Desigualdade Social: o Programa Bolsa Família no... | 53

Gráfico 5 Atividades de geração de renda desempenhadas pelos membros das famí-


lias beneficiárias pelo PBF.

Fonte: elaborado pelos autores a partir de dados coletados na pesquisa de campo.

Excluindo-se o recurso do PBF, as famílias sobrevivem com renda média


mensal de R$ 668,21, sendo a menor renda identificada de R$ 50,00, e a
máxima de R$ 8.005,00. Os dados do Gráfico 6 indicam que 81% das famí-
lias sobrevivem com renda inferior ao valor do salário mínimo de R$ 937,00
vigente no país em 2017.2
O fato de a maioria das famílias entrevistadas possuir outros meios de
geração de renda indica fortemente que o PBF não vem incentivando as
famílias a deixarem o trabalho, como acredita o senso comum, mas, diante
das necessidades que essas famílias enfrentam no seu cotidiano, esse bene-
fício vem contribuindo significativamente para aliviar o drama da pobreza ou
pobreza extrema que vivenciam estas famílias.
Vale destacar também que as famílias sonham que, a partir do apoio
prestado à educação dos filhos, elas possam "mudar de vida" ou dar um
futuro melhor para seus filhos, saindo assim do círculo vicioso da pobreza no
qual estão envolvidos.
Desde a criação do PBF, observam-se muitas críticas a sua efetivação.
Entre as principais está a de que o Programa contribui para que as famílias
não busquem outras formas de geração de renda e se acomodem, espe-
rando que o Estado assuma a responsabilidade pelo bem-estar das famílias

2 Apenas 50% das famílias informaram suas rendas. A omissão desta informação ocorreu
principalmente por receio de interferir no recebimento do benefício do PBF.
54 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume I

beneficiadas. Contudo, a pesquisa evidenciou que os beneficiários buscam,


sim, outras formas de gerar sua renda familiar, seja por meio do trabalho
formal ou informal. Apesar de sua pouca escolaridade, eles não estão satis-
feitos com a situação de pobreza ou extrema pobreza em que vivem e acre-
ditam que incentivar os filhos a estudar é a única alternativa para melhorar
sua qualidade vida e poder usufruir de um futuro seguro.

Gráfico 6 Renda das famílias beneficiárias pelo PBF.

Fonte: elaborado pelos autores a partir de dados coletados na pesquisa de campo.

O Programa Bolsa Família e seu impacto na redução da pobreza,


qualidade ambiental e de saúde, a partir do olhar dos Ribeirinhos
Nesta seção do trabalho será discutido o resultado de um estudo mono-
gráfico apresentado ao curso, realizado junto aos moradores da Ilha de Siri-
tuba, município de Abaetetuba, para demonstrar de modo mais aproximado
as visões dos beneficiários do PBF acerca da melhoria de sua qualidade de
vida, considerando a ambiência específica das localidades mais afastadas
dos grandes centros urbanos. Para tanto, foi desenvolvida pesquisa junto às
famílias moradoras daquela localidade, que envolveu a realização de entre-
vistas e observações de campo.
Na Ilha de Sirituba em Abatetuba-PA, as principais ocupações dos mo-
radores são a agricultura de subsistência, a pesca de camarão e peixe e a
produção do matapi.
Ensino e pesquisa em Educação, Pobreza e Desigualdade Social: o Programa Bolsa Família no... | 55

Na comunidade, os moradores utilizam o cipó graxama e o miriti (Mau-


ritia flexuosa L. f ), que são empregados na fabricação do matapi (Figura 2),
confeccionado pelos moradores durante todo o ano para posterior venda na
feira local de Abaetetuba.

Figura 2 Produção do matapi na ilha de Sirituba.

Fonte: Joanaldo Silva, 2017 – fotografias cedidas aos autores.

Em relação à faixa etária dos entrevistados, podemos identificar que as


idades predominam entre 23 a 49 anos de idade.
No que se refere ao gênero, do número total de 25 entrevistados o pre-
domínio é do sexo feminino, houve apenas um entrevistado do sexo mascu-
lino, porém, a titularidade do cadastro no PBF não era do entrevistado, e sim
de sua esposa.
Constatou-se que as famílias possuem em sua composição familiar
de quatro a seis membros, correspondendo a um percentual de 90% dos
entrevistados.
No tocante à renda familiar dos entrevistados, esta gira em torno de me-
nos de um salário mínimo, e dos 25 entrevistados um respondeu possuir um
salário mínimo de renda. De acordo com os dados coletados, outras fontes
de renda são oriundas de benefícios sociais dos programas de transferência
de renda do Governo Federal, a exemplo do Programa Bolsa Família, e 100%
dos entrevistados recebem o benefício PBF.
Ainda em relação à renda das famílias, consideramos necessário desta-
car a realidade apresentada por uma moradora:

A gente ganha muito pouco com a venda do matapi, às vezes quando


dá a gente colhe umas rasas de açaí e vai vender na feira, mas o açaí tá
56 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume I

meio escasso, então o que a gente colhe é mais para nossa alimentação.
O Bolsa Família nos ajuda, apesar de ser pouco o valor a gente consegue
se manter melhor, junta com a venda do matapi e se sustenta (entrevis-
tada K, sexo feminino, moradora da comunidade Sirituba, município de
Abaetetuba).

Em relação à infraestrutura, as casas em que as famílias residem são


localizadas de frente para o Rio Sirituba, em média possuem três comparti-
mentos, e 90% das residências têm o banheiro localizado na parte de fora.
Verificou-se ainda que todas as casas são feitas com madeira e telha de barro
(Figura 3).

Figura 3 Casas na comunidade Sirituba.

Fonte: Joanaldo Silva, 2017 – fotografias cedidas aos autores.

A comunidade possui luz elétrica, que foi instalada em novembro de


2011. A eletricidade trouxe mudanças para a comunidade, pois as famílias
puderam adquirir eletrodomésticos, como televisão (Figura 4), geladeira, o
que de acordo com os moradores melhorou a alimentação e conservação
dos alimentos, entre outros. Para a compra de tais bens as famílias relatam
que conseguiram por meio da renda da venda do matapi e dos recursos do
Programa Bolsa Família.
Ensino e pesquisa em Educação, Pobreza e Desigualdade Social: o Programa Bolsa Família no... | 57

Figura 4 Morador da comunidade Sirituba assistindo televisão.

Fonte: Edney Souza, 2017 – fotografia cedida aos autores.

Em relação ao nível de escolaridade dos entrevistados, obtivemos os


seguintes dados: 40% se declararam analfabetos, enquanto os 60% decla-
raram ter o Ensino Fundamental incompleto. Do total de entrevistados, 75%
declararam possuir rádio, televisão e geladeira, 95% utilizam fogão a gás
(Figura 5), e 5% ainda usam o fogão a lenha (Figura 6) em suas residências.

Figura 5 Moradora da comunidade Sirituba cozinhando no fogão a gás.

Fonte: Joanaldo Silva, 2017 – fotografia cedida aos autores.


58 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume I

Figura 6 Moradora da comunidade Sirituba cozinhando no fogão a lenha.

Fonte: Joanaldo Silva, 2017 – fotografia cedida aos autores.

Aspectos ambientais da comunidade


Na comunidade pesquisada é notório um cenário não só ameaçado, mas
diretamente afetado por riscos e problemas ambientais, gerados a partir do
crescimento da população. A respeito disso, uma moradora aponta:

Você vê muito pescador no rio, os jovens de hoje, eles não têm uma
formação familiar boa, estão arrumando família cedo, aí, o que acontece?
Eles vão para a natureza, eles vão pescar o camarão e pescar peixe para
sustentar essa nova família. Então, eles vão sugando a natureza, o tempo
que a natureza tem para se desenvolver por ela mesma, para o peixe
crescer, o camarão crescer, não tem mais espaço, porque todo tempo
eles estão colocando aquela rede, aquele matapi, como tá esse proble-
ma agora que você tá vendo, o ambiente muito poluído, quer dizer que o
peixe e o camarão, a tendência dele é desaparecer, vai aumentando o nú-
mero de gente, e tudo isso tá fazendo desaparecer (entrevistada L, sexo
feminino, moradora da comunidade Sirituba, município de Abaetetuba).

Desse modo, observa-se que os elementos constitutivos do ambiente


passam a ser vistos como insumos para o consumo e como recursos a se-
rem explorados. Em consequência, as atividades ali realizadas e o aumento
no número de moradores, assim como a construção de diversas casas sem
rede de esgoto, têm levado à predação de espécies vegetais e animais e a
um consumo devastador das riquezas naturais. A esse respeito um morador
indica:
Ensino e pesquisa em Educação, Pobreza e Desigualdade Social: o Programa Bolsa Família no... | 59

Nós trabalhamos com a produção do matapi que nós tira da mata pra
preparar, mas a gente percebe que com os anos vêm diminuindo as coisas
da natureza, e quanto mais tempo passar vai acabando, porque a maioria
de nós só faz usar, o próprio camarão que a gente pesca com o matapi
tá ficando escasso, tudo tá diminuindo parece (entrevistado M, sexo
masculino, morador da comunidade Sirituba, município de Abaetetuba).

Segundo Martínez-Alier (2009), p. 28.

Estudos como os da corrente denominada ecologismo dos pobres


assinalam um interesse material pelo meio ambiente como fonte de con-
dição de subsistência; não em razão de uma preocupação relacionada
com os direitos das demais espécies e das futuras gerações de humanos,
mas sim pelos humanos pobres de hoje. Assinalam que muitas vezes os
grupos que vivem no meio rural têm coevolucionado sustentavelmente
com a natureza e têm assegurado a conservação da biodiversidade.

Sendo assim, a melhora na qualidade ambiental pode ocasionar uma


melhora na qualidade de vida, como a diminuição da incidência de doenças
infectocontagiosas, a queda na mortalidade infantil, dentre outros proble-
mas presentes em populações que vivem em situação de pobreza e de vul-
nerabilidade social.
Um dado importante observado na pesquisa é o fato de os moradores
da ilha de Sirituba disporem de uma solução ao tratamento adequado para
os resíduos sólidos, pois 65% dos moradores entrevistados recolhem garra-
fas, fraldas descartáveis (Figura 7) e levam para a cidade para depositar nas
lixeiras públicas que se localizam na "beira" para a sua correta destinação.

Figura 7 Armazenamento do lixo que será levado pelos moradores para as lixeiras da
cidade.

Fonte: Joanaldo Silva, 2017 – fotografia cedida aos autores.


60 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume I

Um fator observado como negativo é o lançamento do esgoto no meio


ambiente. Sabe-se que questões ligadas aos resíduos sólidos, ao esgota-
mento sanitário, à pobreza e à poluição do solo fazem parte da problemática
ambiental. E que o lançamento de esgoto doméstico nos rios é uma das
grandes causas dos índices negativos de qualidade da água da população
ribeirinha, sendo a população pobre a mais afetada por essa situação (Figura
8).

Figura 8 Banheiros de uma residência na comunidade Sirituba.

Fonte: Edney Souza, 2017 – fotografia cedida aos autores.

Assim, reconhece-se que a falta de condições adequadas de saneamen-


to básico juntamente a péssimas condições de habitação (Figura 9) podem
agravar ainda mais o quadro da pobreza.
Sachs (2004) argumenta que a degradação ambiental pode ser uma das
principais causas da pobreza, e se os agentes governamentais querem resol-
ver problemas relacionados a essa variável, então, eles devem estar atentos
à condição ambiental a que a população pobre é submetida.
Diante disso, é importante destacar que a redução da pobreza e con-
sequente melhoria das condições sociais fazem parte de um tripé em que
se assenta o conceito atual de desenvolvimento. Esse tripé é formado pela
inter-relação entre os campos econômico, social e ambiental. De acordo
com Sachs (2004, p. 36), merece a denominação de "políticas públicas para o
desenvolvimento apenas soluções que contemplem essas três questões. Ou
Ensino e pesquisa em Educação, Pobreza e Desigualdade Social: o Programa Bolsa Família no... | 61

seja, aquelas que promovam o crescimento econômico, mas que melhorem


as condições sociais, com viabilidade ambiental".

Figura 9 Cômodos de duas casas na comunidade Sirituba.

Fonte: Edney Souza, 2017 – fotografias cedidas aos autores.

Pode-se, então, chamar de qualidade ambiental o estado em que se en-


contram as várias dimensões do meio ambiente. Se o ambiente, que abrange
a humanidade com suas práticas e costumes, é danificado de alguma forma,
tem-se a redução no nível de qualidade de vida das pessoas. A qualidade
ambiental afeta e é afetada pela qualidade de vida, porque é um componen-
te dela (SACHS, 2004).
Ainda sobre isto, uma moradora retrata que

As coisas da natureza estão se esgotando, o peixe, o camarão, o açaí, a


gente percebe que falta, antigamente não tinha tanto plástico, era mais
papel. Hoje em dia é tanto plástico que jogam no rio, as pessoas não têm
consciência, a gente polui, vai ter filhos, netos. Então, precisa cuidar para
melhorar nosso ambiente (entrevistada N, sexo feminino, moradora da
comunidade Sirituba, município de Abaetetuba).

Para Finco, Waquil e Mattos (2004), ao buscar a redução da pobreza,


necessariamente se reduz a degradação ambiental, e com a conservação
do meio ambiente se tem uma melhoria na qualidade de vida da população
pobre.
No caso da localidade pesquisada, a pobreza pode ser agravada seria-
mente por problemas ambientais, como contaminação da água, poluição do
solo, desmatamento, entre outros. No entanto, e apesar dessas dificuldades
indicadas, é possível perceber um esforço da parte dos moradores pela
62 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume I

construção de melhorias nas condições socioambientais da comunidade,


resultando em uma melhoria das condições econômicas e sociais da comu-
nidade. O destino de resíduos, o cuidado com a água para o consumo, a
limpeza dos terrenos são exemplos de como melhorar tanto a qualidade de
vida como a qualidade do meio ambiente. Assim, mostra-se a necessidade
de conciliar as estratégias de combate à pobreza e de uma melhor proteção
ambiental.

Impactos do PBF na melhoria das condições de vida da comunidade


Com base nas respostas das entrevistas, observa-se uma predominân-
cia da percepção de melhorias nas condições de vida dos comunitários em
função do PBF.
No que se refere ao tempo em que as famílias fazem parte do programa,
podemos observar que estas recebem o benefício há pelo menos três anos
e no máximo há dez e que sobrevivem da renda do programa, da produção
do matapi e da pesca.
Em relação ao desempenho escolar, as famílias entrevistadas reconhe-
cem que o PBF incide de forma positiva na educação dos filhos. Alguns
fatores, segundo os entrevistados, contribuem de forma direta: o medo de
perder o benefício como um dos fatores que auxiliam os alunos a permane-
cer na escola, maior motivação por parte dos alunos em estudar (incentivo
do PBF) e terem mais condições financeiras de comprar materiais escolares,
roupas e calçados.
Sendo assim, o PBF acaba sendo um instrumento de acompanhamento
regular do Estado sobre o comportamento das famílias carentes em relação
à educação e aos cuidados de saúde. A presença na escola retira as crianças
do trabalho, assegura alimentação e estimula novos aprendizados.
No que diz respeito ao meio ambiente, é importante destacar alguns
dados sobre os efeitos do PBF quando se trata dessa temática, presentes
nos seguintes registros:

Eu acho que receber o Bolsa Família ajuda, sim, a cuidar melhor do meio
ambiente, a gente se preocupa com o lixo, leva para a cidade o que
pode, o que não pode a gente queima pra não juntar lixo e nem jogar no
rio, a gente também se preocupa em limpar o terreno, deixar sempre o
terreno limpo. Porque com o dinheiro a gente compra alimentação que
vem na caixa, na sacola, então a gente não pode jogar no rio, temos a
Ensino e pesquisa em Educação, Pobreza e Desigualdade Social: o Programa Bolsa Família no... | 63

consciência de levar pra cidade (entrevistada O, sexo feminino, moradora


da comunidade de Sirituba, município de Abaetetuba).

O meio ambiente eu entendo como coisas da natureza, e cuidar dele é


importante, porque senão vai acabar, as frutas, as árvores, o rio, quando
enche a maré vem muita sacola e fica na beira de casa, aí a gente vai jun-
tando, porque se não fizer isso, só for acumulando, a gente vai viver no
meio do lixo, então a gente precisa cuidar (entrevistada P, sexo feminino,
moradora da comunidade de Sirituba, município de Abaetetuba).

Outro ponto interessante observado é que o PBF está retirando crianças


da prática lesiva do trabalho infantil, na medida em que, entre as famílias
pesquisadas, não há ocorrência deste fato após as famílias passarem a rece-
ber o benefício, como aponta uma moradora:

O Programa Bolsa Família é importante demais pra gente, nossos filhos


podem estudar e a gente comprar o material deles e alimentação para
eles. Meus filhos mais velho não puderam terminar os estudos, porque
tiveram que parar de estudar para poder ir pescar para ajudar no susten-
to, hoje os menores podem estudar, porque o dinheiro do Bolsa Família
ajuda a comprar as coisas e eles não precisam trabalhar (entrevistada
Q, sexo feminino, moradora da comunidade de Sirituba, município de
Abaetetuba).

Algumas conclusões
As principais conclusões alcançadas por este processo de formação em
ensino e pesquisa desenvolvido no âmbito da Iniciativa Educação, Pobreza e
Desigualdade Social podem se resumir à necessidade de ampliação dessas
discussões e debates acerca da compreensão das vivências de pobreza e de
como estas devem ser tratadas pela ação escolar, de modo a não somente
circunscrevê-las a uma questão de renda, mas também inseri-las no con-
junto de ações programáticas a serem tratadas pela escola, como unidade
específica da ação educativa, bem como pelo sistema educacional a partir
da revisão de suas políticas de planejamento e organização das prioridades
educacionais à luz das demandas específicas das populações locais e de
seus contextos de vivências.
O PBF apresenta-se como uma alternativa importante de suplementação
de renda e de criação de expectativas de futuro para essas populações que
64 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume I

permanecem excluídas de um conjunto de direitos sociais e do acesso pleno


a bens e serviços sociais. Para a ampla maioria dos sujeitos pesquisados, o
PBF reveste-se de grande importância.
É muito claro, segundo as famílias pesquisadas, que o auxílio recebido
pelos beneficiários do PBF supre uma ou outra necessidade eventual, es-
pecialmente aquelas que se apresentam em condições mais emergenciais.
Mas é preciso que essas famílias tenham clareza que o PBF é uma medida
provisória, e não uma bolsa permanente. É preciso ter esperança e perse-
guir o sonho de poder dizer, em um futuro próximo, que o PBF abriu portas
para a compreensão da realidade e para os caminhos da liberdade e da
autonomia. Segundo Freire (2011, p. 38), "quando o homem compreende
sua realidade, pode levantar hipóteses sobre o desafio dessa realidade e
procurar soluções. Assim, pode transformá-la com o seu trabalho e pode
criar um mundo próprio".
Nessa perspectiva de análise, pode-se evidenciar que a maior contribui-
ção do PBF se dará, portanto, na melhor correlação entre permanência na
escola e qualidade desta permanência, o que significa que não basta manter
a frequência para atender a condicionalidade do programa e, assim, receber
o benefício social, convertido em renda. O verdadeiro e efetivo benefício
apenas se dará na medida em que a este processo de permanência se as-
sociem estratégias capazes de melhorar a qualidade da oferta educativa
dirigida aos pobres da sociedade. A construção da atenção às perspectivas
de futuro implica acesso à educação de qualidade independentemente da
situação econômica. Apenas esse acesso será capaz de diminuir as graves
desigualdades sociais tão presentes e demonstradas nas falas e depoimen-
tos coletados na pesquisa realizada.

Referências
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de agravos relacionados a um saneamento ambienal inadequado. Brasília: Fundação Nacional de
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SEN, A. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.
3

Programa Nacional Educação, Pobreza


e Desigualdade Social: a experiência da
Universidade Federal de Santa Catarina
Adir Valdemar Garcia
Danielle Torri

Introdução

O objetivo deste capítulo é apresentar a experiência vivenciada na Uni-


versidade Federal de Santa Catarina (UFSC) no âmbito do Programa Nacio-
nal Educação, Pobreza e Desigualdade Social (PNEPDS).1
Em maio de 2014, em parceria com a Secretaria de Educação Continua-
da, Alfabetização, Diversidade e Inclusão – Secadi/MEC, a UFSC iniciou as
tratativas envolvendo o PNEPDS, Programa construído no âmbito da Iniciati-
va Educação, Pobreza e Desigualdade Social (IEPDS). Esse Programa previa:
1) o desenvolvimento de um curso de especialização em Educação, Pobreza
e Desigualdade Social; 2) o desenvolvimento de uma pesquisa na mesma
temática; 3) a divulgação dos resultados do trabalho desenvolvido nas duas
ações anteriores.
Cabe salientar que a UFSC teve grande participação na concepção da
IEPDS, bem como no desenvolvimento de materiais utilizados nas ações
relacionadas ao PNEPDS, principalmente na elaboração do Projeto Político-
-Pedagógico, dos módulos utilizados no curso de especialização e na cria-
ção da proposta de Ambiente Virtual de Aprendizagem (Avea).
Para além dessa breve introdução, o texto está organizado da seguinte
forma: inicialmente, apresentamos informações relativas à formalização do

1 O PNEPDS recebeu aporte financeiro da Secadi/MEC.


68 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume I

PNEPDS na UFSC, para, posteriormente, tratar de modo mais específico de


cada uma das ações que compõem o Programa. Nessa segunda parte, apre-
sentamos uma caracterização do curso de especialização, considerando a
dinâmica utilizada para o seu desenvolvimento, bem como os resultados e
uma avaliação do processo. Posteriormente, fazemos alguns comentários a
respeito da pesquisa, a sua relação com a formação, apresentando também
a produção resultante do PNEPS/UFSC, o que caracteriza a terceira ação.
Para finalizar, tecemos algumas considerações a respeito de todo o processo
vivenciado.

O PNEPDS na UFSC
As tratativas para a formalização do PNEPDS na UFSC iniciaram-se em
maio de 2014. O Programa previa um prazo de 24 meses para o seu desen-
volvimento, sendo pactuado o período de agosto de 2014 a julho de 2016.
O PNEPDS foi assumido pelo Departamento de Estudos Especializados
em Educação (EED), do Centro de Ciências da Educação (CED). Inicialmente,
a coordenação indicada para gerir o Programa2 registrou-o como projeto de
extensão. A partir desse ato, foi emitido o Termo de Execução Descentrali-
zada no 1949 e efetivada a descentralização do recurso, previsto no valor de
R$ 856.400,00, dos quais R$ 806.400,00 deveriam ser destinados à execução
do curso de especialização e R$ 50.000,00 para a execução da pesquisa.
Para além desse recurso, também foram destinadas bolsas do Fundo Na-
cional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) para coordenadores/as,
professores/as formadores/as, professores/as pesquisadores/as, tutores/as
e professores/as orientadores/as.
No processo de construção do Plano de Trabalho (PTA), a equipe gesto-
ra buscou o envolvimento da Secretaria de Estado da Educação (SED) e da
União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime/SC), prin-
cipalmente para o planejamento do curso de especialização. Nesse sentido,
foram feitas algumas reuniões para a definição dos critérios de seleção dos/
as cursistas, bem como para a definição dos polos onde o curso iria ocorrer.
Após essas definições, houve um afastamento do processo, tanto da SED
quanto da Undime. Não sabemos os motivos, mas algumas reuniões foram
propostas e não ocorreram. De qualquer modo, a participação possível foi

2 O PNEPS foi coordenado pelo Prof. Dr. Adir Valdemar Garcia e teve como Coordenado-
ra Adjunta a Profa. Dra. Lúcia Helena Correa Lenzi.
Programa Nacional Educação, Pobreza e Desigualdade Social: a experiência da Universidade... | 69

bastante importante, principalmente no auxílio para a divulgação do curso.


Porém, o desejo de um trabalho conjunto, institucionalmente articulado,
acabou não ocorrendo.
O curso de especialização Educação, Pobreza e Desigualdade Social foi
formalizado junto à Pró-Reitoria de Pós-Graduação da UFSC. A pesquisa,
por sua vez, foi registrada junto à Pró-Reitoria de Pesquisa. A Fundação de
Amparo à Pesquisa e Extensão Universitária (Fapeu) foi contratada para fazer
a gestão financeira dos dois projetos, visto que se tratava de um único PTA.
Após a formalização dos processos do curso de especialização e da pes-
quisa, a Coordenação Geral de Acompanhamento da Inclusão Escolar, da
Diretoria de Políticas em Direitos Humanos e Cidadania (CGAIE/DPEDHUC/
Secadi), apresentou a necessidade de revisão do período de vigência em
razão de dificuldades apresentadas para o pagamento das bolsas. Isso
acarretou a alteração do início dos projetos, previsto para agosto de 2014,
conforme constava no PTA, sendo a data alterada para setembro de 2014.
Posteriormente, em razão do atraso na aprovação do Orçamento Geral da
União, a CGAIE/DPEDHUC/Secadi entendeu ser necessário suspender as
duas ações entre janeiro e abril de 2015, considerando que haveria novo
atraso no pagamento das bolsas, o que implicaria sérios problemas, espe-
cialmente no curso de especialização, devido à participação de tutores/as
bolsistas que trabalhariam diretamente com os/as cursistas. A retomada
ocorreu, então, em maio de 2015. Dadas essas mudanças, a Reitoria enca-
minhou ao Ministério da Educação (MEC) o pedido de prorrogação do PNE-
PDS, considerando os cinco meses de atraso, passando o prazo de término
do PTA para 31 de dezembro de 2016, garantindo, assim, o período de 24
meses para a execução.
Posteriormente, a coordenação do PNEPDS/UFSC solicitou à Reitoria
que encaminhasse à Secadi/MEC o pedido de nova prorrogação do prazo
de execução para que fosse possível dar conta da conclusão das atividades,
tanto do curso de especialização como da pesquisa, principalmente em fun-
ção da execução do orçamento. Muitas das atividades previstas só poderiam
ser executadas em 2017. O pedido foi encaminhado e aceito pela Secadi/
MEC, passando o Programa a vigorar até 31 de dezembro de 2017.
70 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume I

O curso de especialização em Educação, Pobreza e Desigualdade


Social – UFSC
O curso de especialização foi proposto com o objetivo de formar, na
temática da "educação, pobreza e desigualdade social", profissionais da
Educação Básica e outros envolvidos com políticas sociais que estabeleciam
relações com a educação em contextos empobrecidos.
A perspectiva era que a formação possibilitasse o desenvolvimento de
práticas que auxiliassem no entendimento das condições de pobreza viven-
ciadas por milhões de pessoas e que são geradas socialmente. A primeira
preocupação era desmistificar a perspectiva moralista da pobreza e dar con-
dições para que os sujeitos-alvos da formação, em suas práticas, pudessem
auxiliar crianças, adolescentes e jovens na viabilização de um justo e digno
viver, definido socialmente.
A formação caracterizou-se como um curso a distância inserido no con-
texto da Política Nacional de Formação dos Profissionais do Magistério da
Educação Básica e da Rede Nacional de Formação Continuada dos Profis-
sionais do Magistério da Educação Básica Pública (Renafor), instituídas pelo
Decreto no 6.755, de 29 de janeiro de 2009, e pela Portaria Ministerial no
1.328, de 23 de setembro de 2011.
O curso foi definido com uma carga horária total de 360 horas, tendo
como meta pactuada a formação de 400 cursistas. Seu desenvolvimento
deveria ter como base os cinco módulos elaborados especialmente para
ele: Módulo Introdutório: Pobreza, desigualdades e educação; Módulo I:
Pobreza e cidadania; Módulo II: Pobreza, Direitos Humanos, Justiça e Edu-
cação; Módulo III: Escola: Espaços e tempo de reprodução e resistências da
pobreza; Módulo IV: Pobreza e Currículo: uma complexa articulação.3 Todos
os módulos são perpassados pelo que foi denominado no Projeto Político-
-Pedagógico do curso como "atividade reflexão-ação". Essa atividade tinha
por objetivo "propiciar ao(à) cursista a reflexão sobre a realidade que envol-
ve a pobreza e a desigualdade social e sobre as possibilidades postas pela
educação para que essa realidade seja transformada" (GARCIA et al, 2014, p.
22). Seu desenvolvimento implicaria um

envolvimento do(a) cursista com a realidade de crianças-adolescentes-jo-


vens que vivem na condição de pobreza, com o objetivo de ter elementos

3 Os módulos estão disponíveis em: <http://egpbf.mec.gov.br/>.


Programa Nacional Educação, Pobreza e Desigualdade Social: a experiência da Universidade... | 71

para poder analisar o espaço social em que vivem e, especialmente, a sua


inserção e experiência no espaço escolar (GARCIA et al, 2014, p. 23).

Os módulos contêm rico material teórico, vídeos e materiais de apoio,


bem como a indicação de várias atividades, além da mencionada, que po-
deriam ser desenvolvidas pelos/as cursistas.

O processo de escolha dos polos e a seleção dos/as cursistas


A primeira atividade relacionada ao curso foi a definição dos polos. Para
tanto, tomamos como critérios básicos a disponibilidade do município em re-
ceber o curso, ofertando instalações adequadas e suporte para os encontros
presenciais, bem como uma distribuição que privilegiasse todas as regiões
do estado. Assim, foram definidos os oito municípios-polos: Florianópolis,
Blumenau, Campos Novos, Chapecó, Lages, Ponte Serrada, São Miguel do
Oeste e Tubarão. O número de vagas ofertadas seria de 50 por polo, consi-
derando a meta pactuada.
Buscamos fazer uma ampla divulgação do curso, atingindo toda a es-
trutura educacional do estado, visto que, inicialmente, o curso havia sido
pensado para profissionais que atuavam nas coordenações estaduais e mu-
nicipais do PBF na Educação e para outros profissionais da educação envol-
vidos com o registro da frequência escolar em função da condicionalidade.
Nesse momento, ainda contávamos com o apoio da SED e da Undime. Após
a divulgação, foram abertas as inscrições via edital.
As inscrições foram realizadas pela internet. Para tal, o/a candidato/a
deveria acessar o endereço eletrônico do curso e preencher integralmente
o formulário de inscrição, seguindo todas as orientações, e, ao inscrever-se,
deveria optar por apenas um dos polos.
Dada a baixa procura inicial por parte dos profissionais elencados ante-
riormente, lançamos mais dois editais de inscrição abrindo para coordena-
dores estaduais e municipais do PBF na Assistência Social e na Saúde e para
outros profissionais envolvidos com populações empobrecidas. Ao final,
o público-alvo ficou assim definido: a) coordenador/a estadual do PBF na
Educação; operadores/as estaduais auxiliares do PBF na Educação, vincu-
lados/as às gerências regionais de Educação; coordenadores/as municipais
do PBF na Educação; gestores/as (diretores/as) de escolas que contavam
com estudantes beneficiários/as do PBF matriculados; agentes educacionais
72 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume I

(operadores/as escolares do Sistema Presença, designados pelo diretor da


escola) de escolas que contavam com estudantes beneficiários do PBF ma-
triculados; professores/as que atuavam em escolas das redes públicas de
Santa Catarina que contavam com estudantes beneficiários do PBF matri-
culados; e coordenadores/as estaduais e municipais do PBF na Saúde e na
Assistência Social.
Após a alteração do público-alvo definido inicialmente e da publicação
dos três editais de inscrição, tivemos 590 inscritos/as, e, destes/as, 499 esta-
vam aptos/as a matricularem-se. Dados o interesse destes/as e a ciência de
que teríamos desistências no decorrer do curso, optamos por aceitar as 499
matrículas.
Considerando a grande diferença de aprovados em cada polo (alguns
ultrapassaram muito o número de vagas ofertadas e outros ficaram abaixo),
redistribuímos o número de vagas, tendo como critério, também, o espaço
disponível para as atividades presenciais em cada um deles. Ao final, tive-
mos: 99 matriculados/as no polo de Blumenau; 109 no polo de Florianópolis;
66 no polo de Chapecó; 67 no polo de Tubarão; 33 no polo de Campos
Novos; 19 no polo de São Miguel do Oeste; 44 no polo de Ponte Serrada; e
62 no polo de Lages.

O processo de seleção dos/as tutores/as e professores/as


formadores/as
Após a seleção dos/as cursistas, iniciamos o processo de seleção de
tutores/as. A proposta da Secadi/MEC previa 16 bolsas para tutores/as a dis-
tância e três para tutores/as presenciais (tutor/a de polo). No entanto, dado
que o número de polos definido foi oito, a equipe decidiu não trabalhar
com tutores/as presenciais, visto que não poderia atender a todos os polos.
Reconhecemos que o/a tutor/a de polo seria de grande importância para
auxiliar os/as cursistas no acesso à plataforma, pois nem sempre o uso de
tecnologias ocorre de forma tranquila. Também seriam importantes para
sanar dúvidas com relação às atividades e, principalmente, acompanhá-los/
as mais de perto para que não desistissem do curso. Afinal, a Educação a
Distância requer certa disciplina ainda parcialmente assimilada por quem
dela participa. Dessa forma, talvez fosse possível afirmar que a presença
de um/a tutor/a de polo poderia ter contribuído para que as desistências
Programa Nacional Educação, Pobreza e Desigualdade Social: a experiência da Universidade... | 73

fossem minimizadas. A inexistência de tutores/as presenciais exigiu uma


maior atuação nesses aspectos por parte dos/as tutores/as a distância.
Os requisitos para inscrição como tutor/a a distância foram: possuir for-
mação mínima em nível superior (bacharelado e/ou licenciatura) e experiên-
cia mínima de um ano no magistério ou estar vinculado/a a programa de pós-
-graduação de mestrado ou doutorado; possuir nacionalidade brasileira ou
visto de permanência no Brasil; residir a, no máximo, 50 km de Florianópolis.4
O processo de seleção foi acompanhado por uma comissão designada
pela coordenação do curso, pois nosso entendimento era de que a escolha
dos/as tutores/as seria fundamental no processo de formação no que tange
à aprendizagem, bem como para que a proposta do curso fosse efetiva-
mente desenvolvida. Afinal, são os/as tutores/as que realizam os contatos
midiatizados e que fazem a mediação nos fóruns de discussão, importantes
para que todos/as possam, mesmo em cidades diferentes, aprender na in-
teração com seus colegas. Cabe ainda reforçar que é a boa qualidade da
interação na EaD, realizada principalmente pelos/as tutores/as, que minimiza
os efeitos da distância física.
Após o período de inscrições, o processo seletivo simplificado foi reali-
zado de acordo com as seguintes etapas: 1 – prova escrita sobre o conteúdo
do curso, de caráter eliminatório e classificatório; 2 – Defesa oral da prova
escrita, de caráter eliminatório e classificatório. As notas das etapas 1 e 2 po-
deriam variar de 0,0 (zero) a 10,00 (dez). Para ser aprovado/a, o/a candidato/a
deveria obter, no mínimo, nota 7,00 (sete), podendo, então, participar da
etapa seguinte. Foram selecionados/as 16 tutores/as, sendo designado por
polo um número condizente com o número de cursistas matriculados/as.
Desse modo, os polos de Florianópolis e Blumenau ficaram com três tutores/
as cada um; Lages, Chapecó, Tubarão e Campos Novos com dois/as cada
um; e Ponte Serrada e São Miguel do Oeste com um/a cada um. Dado o
atraso no início do curso, alguns/as tutores/as selecionados/as desistiram da
vaga, sendo necessário realizar nova seleção.
O passo seguinte foi a escolha dos/as professores/as formadores/as para
cada um dos módulos que seriam trabalhados durante a especialização.
Com relação a esse aspecto, cabe destacar que a Resolução Normativa no
15/CUn/2011, de 13 de dezembro de 2011, exige que 80% do corpo docente
que atua em cursos lato sensu seja da própria universidade. Nesse sentido,

4 O critério da distância deveu-se ao fato de os/as tutores/as precisarem participar dos


encontros presenciais semanais com a equipe gestora, os quais estavam programados.
74 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume I

os/as professores/as que ministraram cada um dos módulos, todos da UFSC,


foram convidados pela coordenação do curso. Apenas a professora respon-
sável pela atividade de reflexão-ação era de outra instituição.5 Todos/as os/
as professores/as tinham formação relacionada aos conteúdos dos módulos
que iriam ministrar.
Os/as professores/as formadores/as tinham como principal função fazer
a formação dos/as tutores/as em cada módulo, participar da elaboração e
da correção das atividades e das provas presenciais, bem como acompanhar
os/as cursistas quando demandados/as. Além disso, deveriam, também,
participar dos fóruns de discussão.

O início do curso
A atividade que demarcou o início do curso foi sua aula inaugural. A
primeira data marcada foi 21 de novembro de 2014, porém, em decorrência
da baixa inscrição para o curso naquele momento, a data foi transferida para
20 de fevereiro de 2015. Como posto anteriormente, as prorrogações dos
prazos ocorridas posteriormente implicaram a alteração da data novamente.
Dada a primeira prorrogação, a aula inaugural foi remarcada para 06 de abril
de 2015. Com a segunda prorrogação, passou para 06 de julho de 2015, data
em que, efetivamente, ocorreu.
A aula inaugural iniciou no período da manhã com a conferência de aber-
tura proferida pela Professora Dra. Silvia Cristina Yannoulas, da Universidade
de Brasília (UnB). No período da tarde, ocorreram reuniões entre cursistas e
tutores/as por polo para que se conhecessem. Essa reunião também serviu
para que os/as cursistas tivessem o primeiro contato com o ambiente virtual
de aprendizagem (Avea). Essa atividade foi considerada de presença obri-
gatória. Para além desta, também foi obrigatória a presença nas avaliações
presenciais nos polos, bem como na defesa do TCC, que ocorreria na Sede
da UFSC.

5 O Módulo Introdutório foi ministrado pelo Prof. Dr. Adir Valdemar Garcia e pela Profa,
Dra. Roseli Zen Cerny; O Módulo I pelo Prof. Dr. Lauro Francisco Mattei; O Módulo II
pela Profa. Dra. Astrid Backer Ávila; O Módulo III pela Profa. Dra. Adriana D’Agostini; e
o Módulo IV pelo Prof. Dr. Juares da Silva Thiesen. A Profa. Dra. Rita de Cássia Pacheco
Gonçalves, à época vinculada à Universidade para o Desenvolvimento de Santa Cata-
rina (Udesc), foi responsável pela "atividade reflexão-ação", que perpassava todos os
módulos.
Programa Nacional Educação, Pobreza e Desigualdade Social: a experiência da Universidade... | 75

Passada a aula inaugural, os módulos começaram a ser desenvolvidos.


Apesar de as Ifes envolvidas com o PNEPDS poderem organizar seus cursos
incluindo outros materiais, optamos por manter apenas os módulos anterior-
mente mencionados, fazendo alterações nas atividades propostas em cada
um deles, com vistas a adaptá-las à realidade vivenciada no curso.
O material foi muito bem avaliado por professores/as formadores/as,
tutores/as e cursistas.6 Cabe destacar que, além de estar disponível na pla-
taforma digital do curso, o material também está disponibilizado no site do
MEC para aqueles/as que não puderam cursar a especialização,7 mas que
tinham interesse em refletir sobre a temática.
Com o objetivo de conhecer melhor os/as participantes do curso, logo
no início foi postado no Avea um questionário que serviria de base para a
construção do "perfil dos/as cursistas". Todos/as foram convidados/as a res-
ponder espontaneamente. Do total de matriculados/as, 434 responderam
ao questionário.
Para cada módulo, foi disponibilizado um vídeo de boas-vindas de cada
professor/a formador/a para que os/as cursistas pudessem conhecê-los/as,
permitindo uma maior proximidade. Esse vídeo foi gravado nas dependên-
cias da UFSC, no Laboratório de Tecnologias (Lantec), que foi nosso parceiro
durante todo o curso.
Dos 499 matriculados/as, 395 acessaram o Avea no primeiro mês. No
decorrer do curso, uma cursista que o havia iniciado na UFMT solicitou trans-
ferência para a UFSC, visto ter vindo residir no Rio Grande do Sul. Efetivamos
sua matrícula no sistema interno e passamos a ter 396 cursistas ativos/as.
Desde a primeira fase do curso (desenvolvimento das atividades até o
Módulo IV), os/as cursistas foram acompanhados/as e orientados/as pelos/
as tutores/as que, por sua vez, foram acompanhados/as pela supervisão de
tutoria e pelos/as professores/as formadores/as. Os/as tutores/as receberam
formação periódica, e, para cada módulo do curso, foi realizada uma for-
mação específica para aprofundar sua temática. Essa formação foi realizada
pela equipe pedagógica e pelo/a professor/a formador/a de cada módulo,

6 O material foi produzido a partir do projeto de extensão "Desenvolvimento de materiais


digitais para Curso de Formação Continuada a Distância", em nível de especialização e
aperfeiçoamento universitário, no âmbito do Programa Bolsa Família na Educação, co-
ordenado pela Professora do Departamento de Estudos Especializados em Educação
da UFSC, Dra. Rozeli Zen Cerny.
7 Conforme endereço eletrônico citado na nota 3.
76 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume I

juntamente à professora responsável pela atividade de reflexão-ação. Cabia


aos/as professores/as formadores/as apresentar o tema do módulo pelo
qual estavam responsáveis, bem como coordenar os debates. Os momentos
de formação foram extremamente ricos, não só para os/as tutores/as, mas
para todos/as os/as envolvidos/as com a formação. As discussões foram aca-
loradas visto que se confrontavam, nesses momentos, visões distintas com
relação à compreensão da pobreza e da desigualdade social, principalmen-
te no que dizia respeito às soluções normalmente indicadas para diminuir
ou mesmo erradicar esses fenômenos. O consenso acontecia no sentido de
que todas as formas de luta eram importantes, porém, a maior diferença
expressava-se na compreensão dos limites dessas lutas.
Os tutores/as tinham uma carga semanal de trabalho de 20 horas. Des-
tas, oito eram de presença obrigatória, e 12 poderiam ser usadas para a re-
alização do trabalho a distância. Os encontros presenciais eram dedicados
à formação, bem como à definição das atividades e avaliações. Para além,
era o momento em que o grupo podia trocar informações sobre o anda-
mento das atividades durante a aplicação dos módulos, propor e organizar
fóruns de discussão e formas de intervenção para evitar a desistência dos/as
cursistas. Eles/as também eram responsáveis pela aplicação das avaliações
presenciais nos polos. Esses encontros presenciais ocorreram aos sábados.
O período da manhã deveria ser dedicado à discussão do conteúdo dos
módulos, principalmente no sentido de dirimir as dúvidas dos/as cursistas, e
o período da tarde para a aplicação das provas. Também foram responsáveis
pela correção das avaliações, sempre acompanhados/as pelos/as professo-
res/as formadores/as e pela equipe gestora.
Nossa preocupação era de que o/a tutor/a não fosse mero/a aplicador/a
de atividades ou um/a corretor/a destas. Portanto, além da formação que
recebiam, quando da elaboração das atividades que seriam desenvolvidas
e das provas a serem aplicadas presencialmente nos polos, os/as tutores/as
participavam ativamente do processo.
Um aspecto importante a destacar diz respeito à preocupação levanta-
da, principalmente pelos/as tutores/as, com relação às atividades a serem
desenvolvidas pelos/as cursistas, em especial a atividade de reflexão-ação,
visto que algumas implicariam uma atuação direta junto às pessoas em situ-
ação de pobreza e pobreza extrema. Essa preocupação era de duas ordens:
1) a preparação dos/as cursistas para efetuarem esse contato, por exemplo,
em uma entrevista; 2) o risco de, pelo conhecimento prévio da existência de
Programa Nacional Educação, Pobreza e Desigualdade Social: a experiência da Universidade... | 77

uma visão moralizante sobre a pobreza, as atividades gerarem um resultado


diverso do esperado, ou seja, que em vez de aproximar o/a cursista da reali-
dade e fazê-lo/a enxergar essa condição de modo diferente, isso acarretasse
um reforço do preconceito e viesse a prejudicar alguém. No decorrer do
processo, essa preocupação mostrou-se importante, pois foi necessária uma
intervenção mais pontual em várias situações em que cursistas se pronun-
ciavam questionando o esforço de crianças, adolescentes e jovens e suas
famílias para saírem da condição em que viviam.
Nosso esforço, com base na proposta política e pedagógica do curso,
era que, após refletir teoricamente sobre educação, pobreza e desigualda-
de social, os/as cursistas pudessem analisar a realidade social e o contexto
escolar com mais propriedade, propondo modos para que as instituições a
que estivessem vinculados/as, em especial a escola, efetivamente contribu-
íssem para que crianças, adolescentes e jovens, bem como suas famílias se
empoderassem para lutar por melhores condições de vida. A aposta era de
que as reflexões teóricas se materializassem como prática.
A atividade de reflexão-ação, bem como as demais, mostraram-se de
fundamental importância para o curso por dois motivos: 1) para iniciar os/as
estudantes no processo de pesquisa e aproximá-los/as da realidade social;
2) para, posteriormente, substanciar a realização do Trabalho de Conclusão
de Curso (TCC).
Também foi muito interessante ver que, nas reuniões semanais ocorridas
durante todo o curso, os/as tutores/as traziam materiais, tais como vídeos,
reportagens e textos para que os/as cursistas tivessem outros recursos para
pensar e elaborar seus trabalhos. Isso foi mais um elemento que evidenciou
o envolvimento dos/as tutores/as com a formação.
Como posto anteriormente, 499 cursistas foram matriculados, e apenas
395 acessaram o Avea no primeiro mês do curso, ou seja, 104 já podiam ser
considerados/as evadido/as. Considerando a cursista transferida da UFMT,
estavam ativos, no início, 396 cursistas. Cabe destacar que, desde essa cons-
tatação, o trabalho de busca para que os/as cursistas retornassem começou
a ser feito de forma intensa. Toda a equipe do curso envolveu-se com essa
busca, sendo os/as tutores/as os/as principais responsáveis. Vários foram os
contatos via Avea, Skype, telefone, tentando verificar o motivo de cada cur-
sista para ter desistido e buscando alternativas para seu retorno. Contudo,
em um grande número de casos, não tivemos sucesso.
78 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume I

No decorrer do processo, ao total, tivemos 304 alunos evadidos durante


o desenvolvimento dos módulos e seis reprovados. Para os/as cursistas que
decidiram retornar ao curso, foi organizado um processo de recuperação,
tanto das atividades dos módulos como das avaliações presenciais. Isso de-
mandou um esforço extra de toda a equipe, visto que implicou muito mais
trabalho. Em alguns casos, foi necessário fazer a recuperação da recupera-
ção. Mais adiante, quando tratarmos da avaliação do processo, teceremos
algumas considerações a esse respeito.
Ainda durante o desenvolvimento do Módulo IV, a equipe (coordenação,
professores/as formadores/as, supervisão de tutoria e tutores/as) começou
a discutir o modelo de TCC a ser apresentado pelos/as cursistas. Depois de
muita conversa, decidimos que o TCC deveria versar sobre um dos temas
tratados nos módulos, quais sejam: 1) Educação, pobreza e cidadania; 2)
Educação, pobreza e direitos humanos; 3) Educação, pobreza e organização
escolar; 4) Educação, pobreza e currículo. Escolhido o tema geral, o/a cursis-
ta poderia optar por aprofundar um ou mais aspectos do tema; relacionar o
tema escolhido com outro tema de livre escolha; ou tratar de um dos temas,
relacionando-o a uma ou mais atividades desenvolvidas nos módulos. Para
além da parte teórica a ser desenvolvida, o/a cursista deveria apresentar um
projeto de intervenção aplicável. Esse formato foi apresentado presencial-
mente nos polos pelos/as tutores/as, antes do início da realização do TCC.
Ao final, o TCC deveria ter o seguinte formato:
- Introdução (entre cinco e seis páginas), em que deveria ser apresentado
o tema escolhido, considerando os memoriais descritivos desenvolvidos ao
longo do curso, garantindo uma descrição do percurso vivenciado pelo/a
cursista, bem como uma apresentação do que seria desenvolvido no TCC;
- Capítulo I (entre 20 e 25 páginas), contendo a apresentação da temática
a ser desenvolvida, uma justificativa com argumentos sobre a relevância e
pertinência do tema escolhido, bem como os objetivos (geral e específicos)
do trabalho;
- Capítulo II (entre oito e dez páginas), contendo um projeto de inter-
venção na realidade que deveria estar alicerçado na atividade de reflexão-
-ação, desenvolvida ao logo de todo o curso, e nos pressupostos teóricos
apresentados no capítulo anterior. O projeto de intervenção deveria con-
ter uma problematização da temática, com justificativa e contextualização
histórica e geográfica, para além da definição de objetivos, metodologia,
Programa Nacional Educação, Pobreza e Desigualdade Social: a experiência da Universidade... | 79

público-alvo, resultados esperados, avaliação e previsão de cronograma


para sua execução;
- Considerações finais (entre quatro e oito páginas).
O período de elaboração, defesa e entrega da versão final do TCC foi de
junho a dezembro de 2016.

A seleção dos/as professores/as orientadores/as e o processo de


orientação
Concomitantemente à discussão sobre o modelo de TCC a ser exigi-
do, foi feita a seleção dos/as professores/as orientadores/as. O processo
seletivo foi divulgado pelo site do curso no dia 29 de abril de 2016. Os/as
interessados/as deveriam enviar um minicurrículo de uma página, contendo
informações referentes a dados pessoais, formação acadêmica, experiência
acadêmica/profissional e familiaridade com a temática do curso. A titulação
mínima exigida para a atividade de orientador/a de TCC foi o título de mes-
tre, dando-se prioridade àqueles/as com formação nas áreas das Ciências
Humanas e Sociais ou com experiência acadêmica ou profissional envol-
vendo a temática do curso ou, ainda, com experiência de trabalho junto a
movimentos sociais. Alguns/as dos/as tutores/as que atuaram na aplicação
dos módulos, por possuírem a titulação necessária e terem grande interesse
na área, inscreveram-se para a seleção. Foram selecionados/as, pela equipe
pedagógica do curso, 41 professores/as orientadores/as, considerando o
número de cursistas aptos/as a apresentarem o TCC. Todos/as os/as tutores/
as que concorreram foram selecionados/as. Em razão disso, para substituí-
-los/as, foram chamados/as doze novos/as tutores/as para o acompanha-
mento do TCC. Esses novos/as tutores/as compunham a lista da seleção
feita anteriormente.
A principal função desses/as professores/as foi orientar a escrita do TCC,
e estes/as deveriam solicitar atividades quinzenais aos/as cursistas que pro-
porcionassem o avanço do trabalho. Eles/as tiveram, como obrigatoriedade,
reservar um horário semanal para atendimento, via Avea, de seus/as orien-
tandos/as, bem como manter contato com os/as tutores/as de TCC. Também
deveriam ter disponibilidade para participar das reuniões presenciais a se-
rem agendadas pela coordenação do curso.
Cada orientador/a foi responsável por cinco cursistas. Consideran-
do que cada cursista deveria escolher um tema para o TCC, conforme
80 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume I

posto anteriormente, buscamos distribuir as orientações de forma que cada


orientador/a ficasse com trabalhos referentes a um único tema.
Os/as orientadores/as poderiam, se fosse possível, além de utilizar o
Avea, realizar chamadas pelo Skype ou, ainda, encontrar-se pessoalmente
com seus/as orientandos/as. Isso acabou ocorrendo no polo de Florianó-
polis, dado que a distância não se caracterizou como um impedimento. Du-
rante a realização do TCC, a plataforma foi reorganizada, e os/as cursistas
passaram a ser agrupados por orientador/a, e não mais por polo, facilitando
o processo de interação. Os/as tutores/as foram organizados/as de forma a
atenderem às demandas de três orientadores/as. Cabia aos/as tutores/as de
TCC realizar o acompanhamento dos trabalhos, atuando na mediação entre
cursistas e orientadores/as, verificando se os contatos estavam se estabele-
cendo, bem como auxiliar na correção e formatação dos textos. Esse acom-
panhamento foi fundamental, pois ainda foi necessário mandar mensagens,
ligar, utilizar Skype, visto que alguns/as cursistas não acessavam o Avea.
Mesmo com todo o esforço empreendido, ainda tivemos mais sete cursistas
que desistiram e 17 que reprovaram, visto que seus trabalhos não estavam
no nível necessário para obter a nota mínima para aprovação. Nesses casos,
o trabalho não chegou a ser encaminhado para a banca de avaliação.
Em termos gerais, tivemos: 590 inscritos no curso, 499 matriculados, 311
cursistas evadidos/as e 23 reprovados/as. Ao final, 166 defenderam o TCC,
considerando a aluna que foi transferida da UFMT.
As defesas dos TCC ocorreram no campus da UFSC, em Florianópolis,
no dia 14 de novembro de 2016, com a apresentação de 163 TCCs. Com
a prorrogação do projeto, mais três cursistas defenderam em fevereiro de
2017. Concluíram o curso: dois operadores/as estaduais auxiliares do PBF na
Educação, vinculados às Gerências Regionais de Educação; seis coordena-
dores/as municipais do PBF na Educação; nove gestores (diretores) escolares;
onze agentes educacionais (operadores/as escolares do Sistema Presença);
oito membros de equipe pedagógica; 119 professores/as; um coordenador/a
estadual do PBF na Assistência Social e dez coordenadores/as municipais do
PBF na Assistência Social. Todos/as os/as cursistas aprovados/as receberam
os certificados em 2017.

Elementos para uma avaliação do processo e dos resultados


O curso de especialização Educação, Pobreza e Desigualdade Social
constituiu-se, na avaliação da equipe gestora, como uma atividade de vital
Programa Nacional Educação, Pobreza e Desigualdade Social: a experiência da Universidade... | 81

importância quando tratamos da necessidade de refletir sobre a educação


e sua relação com a realidade social. Partimos da compreensão de que a
educação, em si, é uma prática social constitutiva de sujeitos sociais. Como
prática social, ela atua na inculcação de tipos de saber, reproduzindo tipos
de sujeitos sociais. Assim, se em um determinado momento foi feita de um
jeito, pode, em outro, ser feita de modo completamente diferente e mesmo
oposto (BRANDÃO, 1981). Portanto, educar implica sempre assumir uma
visão de mundo. Cabe a quem educa refletir sobre que visão pode levar,
efetivamente, à emancipação humana.
Essa reflexão foi constante durante o processo do curso, principalmente
nos momentos de formação dos/as tutores/as. Havia um consenso de que
a educação não poderia ser responsabilizada pela solução de problemas
como a pobreza e a desigualdade social, visto serem fenômenos inerentes à
própria ordem social do capital. Portanto, a sua solução só pode ocorrer em
outra forma social. No entanto, também era consenso que as lutas sociais
voltadas para a construção de uma sociedade menos desigual, conside-
rando a ordem social vigente, deveriam ser defendidas, o que expressa a
compreensão contida nos módulos que foram utilizados na formação. Para
tanto, a reflexão proposta a partir do curso auxiliaria os/as cursistas a refle-
tirem sobre seu papel como profissionais que atuavam com populações em
situação de pobreza.
Fazer essa reflexão mostrou-se uma tarefa fundamental, tendo em vista
que um número bastante expressivo de alunos/as matriculados/as na Edu-
cação Básica, no Brasil, é de beneficiários/as do PBF.8 Nesse sentido, uma
prática social não pode estar descolada ou ignorar essa realidade. Esse fato,
por si só, já faz com que a avaliação desse curso seja extremamente positiva.
No que diz respeito à dinâmica do curso em si, avaliamos que o processo
transcorreu com certa normalidade, apesar da burocracia estabelecida para
a sua formalização e para o seu desenvolvimento. As maiores dificuldades
estiveram relacionadas aos atrasos no início do curso em razão de proble-
mas com a liberação dos recursos e, principalmente, das bolsas de tutoria e
de formadores/as. Isso fez com que a aula inaugural fosse remarcada duas
vezes, o que, na nossa avaliação, colaborou para a ocorrência de uma desis-
tência substancial de cursistas logo no início do curso.

8 A Secadi/MEC tem estimado que o percentual de alunos/as beneficiários/as do PBF gire


próximo dos 50%.
82 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume I

Avaliamos também que o número de 166 concluintes é expressivo, con-


siderando alguns aspectos:
1. Trata-se de curso na modalidade EaD, que, em regra, apresenta percen-
tual de conclusão abaixo de 50%.9 Mesmo que tenhamos matriculado
499 cursistas, a meta pactuada foi de 400 cursistas. Nesse sentido, 166
correspondem a 41,5% de 400.
2. Dos/as 499 cursistas matriculados/as, 434 responderam ao "Perfil dos
Cursistas", instrumento aplicado logo no início do curso. Destes, 202
informaram já ter cursado um ou mais cursos de especialização, 15 in-
formaram já ter mestrado, quatro informaram que o curso estava em
andamento, e um informou que seu mestrado estava incompleto, não in-
dicando se concluiria. Dois/as cursistas declararam já ter concluído curso
de doutorado. Sabe-se que os processos de progressão funcional con-
tam apenas um curso em cada nível para que os/as servidores/as possam
progredir. Nesse caso, a conclusão de mais uma especialização acaba
não sendo prioridade diante de outras questões profissionais e pessoais.
Esse fato também colaborou com a desistência durante o curso.
3. O curso teve um grau de exigência compatível com o que a UFSC prevê
no que tange à formação oferecida. A média para aprovação nos mó-
dulos foi de 7,5. Ao mesmo tempo, as atividades exigiam um efetivo
acompanhamento dos/as cursistas, fazendo com que aqueles/as que
não conseguiam dedicar o tempo necessário desistissem, mesmo com
todas as medidas de recuperação e de prorrogação de prazos para en-
trega de atividades.
4. A maioria dos/as cursistas que respondeu ao questionário do perfil,
66,13%, tinha carga horária semanal de trabalho de 40 horas ou mais.
Sabemos que não há, na maioria dos casos, liberação para investimen-
to em formação continuada. Esse aspecto constitui-se sempre em um
grande obstáculo. Para além, a própria condição do vínculo emprega-
tício também pode ter influenciado. O percentual dos/as cursistas que
declararam vínculos temporários (federal, estadual e municipal) totalizou
37,10%, com concentração nas esferas estadual e municipal. Do total de
434 cursistas que responderam ao questionário do perfil, 21 declara-
ram ter dois vínculos, e no caso de 11 destes/as os dois vínculos eram

9 Segundo o senso do Ensino Superior de 2012, dos 304.221 matriculados em cursos de


graduação EaD, apenas 53.253 concluíram, o que corresponde a 17,50%. Não encontra-
mos estatísticas relativas a cursos de especialização EaD (BRASIL, 2013).
Programa Nacional Educação, Pobreza e Desigualdade Social: a experiência da Universidade... | 83

efetivos, no caso de quatro um vínculo era efetivo e um temporário, e de


outros/as seis, dois vínculos temporários. Do total, três declararam "ou-
tro vínculo". Dos/as 161 cursistas que declararam vínculo temporário, 135
eram professores/as. Esses números expressam uma realidade bastante
preocupante quando analisamos a situação do magistério catarinense.
No estado, em 2015, ano em que o curso iniciou, o número de professo-
res/as efetivos/as era de 36.177, e de temporários/as era de 32.008 (307
na esfera federal, 13.964 na esfera estadual e 18.670 na esfera municipal)
(INEP, 2015).
5. Avaliamos, também, que alguns/as cursistas entendiam que não precisa-
riam, efetivamente, estudar. Alguns comentários nos fóruns levaram-nos
a essa avaliação. Há certa leitura de que cursos na modalidade EaD "não
cobram". Quando se depararam com as avaliações das atividades e com
as provas presenciais, muitos/as acabaram desistindo.
Após a defesa dos TCC, foi postado no Avea um questionário de avalia-
ção do curso dirigido aos/as concluintes. Ao todo, os/as cursistas deveriam
responder a 37 questões objetivas, tendo o seguinte modelo de resposta: [1]
concordo totalmente; [2] concordo; [3] concordo parcialmente; [4] discordo
totalmente; [5] discordo. Também foram feitas cinco questões discursivas.
Ao final, tivemos 86 questionários respondidos, representando 51,81% dos/
as concluintes. A Tabela 1 traz alguns dados sobre algumas das questões
objetivas. Na sequência, tratamos das questões discursivas.
Apresentamos, a seguir, cada uma das questões discursivas seguidas
dos resultados e de algumas falas.
84 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume I

Tabela 1 Avaliação dos/as cursistas após defesa do TCC.

Questões Referências em %
CT* C* CP* D* DT*
O curso atendeu às minhas necessidades de 54 42 3 1 0
aprendizagem sobre o tema?
Meu interesse pelo assunto ficou maior a partir 85 15 0 0 0
deste curso?
O tutor esclareceu suas dúvidas no momento 62 30 6 2 0
oportuno?
O atendimento da tutoria foi adequado? 62 29 8 1 0
A linguagem empregada no curso foi 76 24 0 0 0
acessível?
O formato dos módulos facilitou o entendi- 76 23 1 0 0
mento do conteúdo do curso?
Os mecanismos de interação do ambiente 62 32 6 0 0
favoreceram a aprendizagem?
O espaço físico dos polos presenciais onde 54 32 8 3 3
ocorreram as avaliações era adequado?
O atendimento do/a orientador/a foi 73 17 7 3 0
adequado?
O modelo proposto de TCC foi adequado às 62 35 3 0 0
suas exigências e habilidades?
O atendimento administrativo esclareceu suas 74 24 2 0 0
dúvidas satisfatoriamente quando solicitado?

Nota:* CT (concordo totalmente); C (concordo); CP (concordo parcialmente); D (Dis-


cordo); DT (Discordo totalmente).
Fonte: elaborada pelos autores a partir do questionário aplicado.

A primeira pergunta foi: Após os estudos feitos, você modificou a com-


preensão que tinha sobre a pobreza e suas causas? Explique. Dos/as 86
respondentes, 55 responderam que sim, um disse que não e 30 não respon-
deram. Em seguida, apresentamos algumas respostas:

Com certeza! Minha compreensão era limitada em relação à pobreza.


Com o curso pude observar e concluir muitas coisas que até então eu não
via (operadora estadual Auxiliar do PBF na Educação).

Sim, com certeza. Passei a ter outro olhar e a reconhecer com ainda mais
afinco que a pobreza existe e está presente, em especial, no cotidiano
Programa Nacional Educação, Pobreza e Desigualdade Social: a experiência da Universidade... | 85

escolar, e que para tal é preciso criar maneiras de resistir a essa (diretora
de escola).

Sim. Reconheci que nunca havia percebido os alunos pobres, como vi-
vem e o que pensam. Apenas o tema pobreza não era abordado como se
os pobres nunca tivessem frequentado a escola (professora).

Sim, tinha uma visão arraigada pelo senso comum de pobreza, hoje, te-
nho uma compreensão mais elaborada desse fenômeno. Cito o conceito
de pobreza multifacetada (professor).

Sim. O material muito bem elaborado esclarece, justifica a falta de


oportunidade que as pessoas têm para desenvolver-se e romper com os
ciclos da pobreza (agente educacional – operadora escolar do Sistema
Presença).

A segunda pergunta foi: Antes do curso, qual era a sua percepção sobre
o Programa Bolsa Família? Ela se alterou após o curso? Explique. Dos/as 86
respondentes, 33 afirmaram que sim, 25 disseram que já conheciam o Pro-
grama e eram favoráveis a ele, e, nesse caso, continuaram tendo a mesma
percepção, e 28 não responderam. As falas a seguir são representativas.

A minha percepção era de que esse programa servia para que essas
pessoas não se preocupassem em mudar a sua condição social. Bom, ela
alterou e muito, pois agora entendo o quanto esses programas são im-
portantes para que essas pessoas se sintam mais humanas (professora).

Sim. Infelizmente eu também questionava e tinha um pensamento muito


pejorativo quanto ao Bolsa Família. Após os estudos meu entendimento
quanto aos programas, entre eles o Bolsa Família, mudou (gestora – di-
retora de escola).

Uma visão assistencialista em que as pessoas atendidas eram vítimas


delas mesmas e conformadas com a situação confortável de receber o
benefício, e hoje vejo como, para algumas famílias, o Programa realmen-
te faz diferença (professor).

Via o PBF como um mecanismo de incentivo à pobreza, e não com o


objetivo que o programa dissemina. O curso modificou minha percepção
em relação ao programa (professora).

A terceira questão foi: Você modificou a sua compreensão sobre como


as condições de pobreza e desigualdade social afetam os processos
86 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume I

pedagógicos? Explique. Com relação a esta, 48 responderam que sim, seis


disseram que já tinham a compreensão de que a pobreza e a desigualdade
social afetavam os processos pedagógicos, e 32 não responderam. A seguir,
algumas das respostas:

Sim. Afeta muito o desenvolvimento das crianças na escola. Inclusive


meus alunos com mais dificuldades são pobres mesmo. Vivem em condi-
ções precárias, não têm nem comida em casa (professora).

Não, a realidade em sala de aula sempre me levou a pensar e buscar


melhorar os processos pedagógicos e metodológicos, de acordo com as
realidades dos alunos (professora).

Sim. Não basta apenas tratar do tema, é preciso injetar o tema nos conte-
údos, nas práticas pedagógicas, entender o(a) aluno(a) em sua condição
de pobreza e focar um conteúdo que mostre suas condições e como ele
ou ela pode mudar essas condições (professor).

A quarta questão foi: Você percebeu se o tratamento dado à temática


da pobreza e das desigualdades sociais no seu espaço de trabalho se alte-
rou durante o desenvolvimento do curso?  Se sim, especifique. Dos/as 86
respondentes, 28 disseram que sim, 20 disseram que não ou que modificou
pouco e 38 não responderam. Destacamos algumas das respostas:

Acredito que sim, tratei mais no campo dos direitos humanos, mas per-
cebi um cuidado maior por parte da direção em trabalhar segundo esses
preceitos (professora).

Sim. Acredito que com as informações que recebemos durante o curso


nos transformamos, e de certa forma através de conversar e interações
com o grupo de trabalho conseguimos sensibilizar e questionar alguns
pensamentos (gestora – diretora de escola).

Não. A maioria dos professores e professoras ainda reproduz a concep-


ção moralizante da pobreza, responsabilizando os pobres pelo fracasso
escolar (professor).

Não tanto. Pelo fato que este deveria ser um curso realizado por todos os
professores, que assim o interesse nas discussões aconteceria de forma
coletiva (professora).
Programa Nacional Educação, Pobreza e Desigualdade Social: a experiência da Universidade... | 87

A quinta questão foi: Você pretende desenvolver o projeto de interven-


ção que elaborou para o seu TCC? A pergunta foi feita tendo em vista que
os/as cursistas apresentaram, como parte de seus TCC, a proposta de um
projeto de intervenção. Do/as 86 cursistas, 71 afirmaram que sim, um disse
que não e 14 não responderam.
Os dados relativos às questões objetivas são bastante positivos, o que
demonstra um pouco do esforço de todos os membros da equipe envolvi-
dos com formação. Da mesma forma, apesar de muitos dos/as cursistas não
terem respondido a todas as questões discursivas, as respostas, em quase
sua totalidade, expressam que a formação, efetivamente, alterou suas per-
cepções sobre a pobreza e a desigualdade social, fazendo com que suas
práticas se alterassem no sentido de contribuírem para que as populações
empobrecidas, em especial as crianças, adolescentes e jovens que vivem
nessa condição, sejam visibilizadas e possam ter uma condição mais digna.

A pesquisa
Neste item, apresentamos alguns comentários a respeito da pesquisa
desenvolvida no âmbito do PNEPDS/UFSC. De início, cabe salientar que a
equipe de pesquisa, principalmente na figura do coordenador, participou da
ampla maioria das atividades do curso. Afinal, o coordenador era o mesmo
para as duas ações (formação e pesquisa). Nesse sentido, à medida que a
pesquisa ia sendo realizada, seus achados eram apresentados, principal-
mente nos momentos de formação dos/as tutores/as. Os outros/as professo-
res/as pesquisadores/as participaram de algumas das atividades. Da mesma
forma, as discussões ocorridas no âmbito do curso eram, também, levadas
para as reuniões da pesquisa.
Como já posto anteriormente, o PNEPDS derivou da IEPDS, cujo obje-
tivo é promover reflexões e discussões sobre as vivências dos sujeitos em
circunstâncias de pobreza e de extrema pobreza, em relações sociais e polí-
ticas injustas, tendo a educação como foco.
Tendo em vista o objetivo da IEPDS, a equipe de pesquisadores/as da
UFSC10 entendeu ser necessário, diante de um objetivo de tão largo espec-
tro, iniciar a investigação pela análise de documentos de planejamento e

10 A equipe de pesquisa foi formada pelos professores Dr. Adir Valdemar Garcia (Departa-
mento de Estudos Especializados em Educação), Dr. Jaime Hillesheim e pela Professora
Dra. Tânia Regina Krüger (ambos do Departamento de Serviço Social).
88 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume I

gestão dos governos federal, do estado de Santa Catarina e de municípios


dessa unidade da federação, tendo como objeto a relação entre educação,
pobreza e desigualdade social, considerando o período de 2003 a 2015.
Os/as pesquisadores/as entenderam que o conhecimento e a análise das
concepções de pobreza e desigualdade social e das proposições de enfren-
tamento dessas realidades são fundamentais para a compreensão posterior
das relações estabelecidas no interior da escola no que tange às vivências
dos sujeitos em circunstâncias de pobreza e de extrema pobreza. A opção
pelo período referido ocorreu em razão da ampliação das políticas sociais
voltadas para o combate à pobreza e diminuição da desigualdade social,
expressa na concretização de diversos programas sociais, especialmente do
Programa Bolsa Família (PBF).
A pesquisa teve como objetivo geral analisar as concepções de edu-
cação, pobreza e desigualdade social e as proposições de enfrentamento
dessas realidades apresentadas pelos governos federal, do estado de Santa
Catarina e de municípios dessa unidade federativa, considerando o período
de 2003 a 2015, verificando como essas concepções e proposições se mate-
rializam no cotidiano escolar.
A amostra foi composta de documentos das seguintes esferas: âmbito
federal – três Planos Plurianuais (PPA), dois Planos Nacionais de Educação
(PNE) e um Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), duas Diretrizes
Curriculares Nacionais (DCN); âmbito estadual – três PPA, dois Planos Es-
taduais de Educação (PEE) e duas Propostas Curriculares Estaduais (PCE);
âmbito municipal – 48 PPA, 14 Planos Municipais de Educação (PME), oito
Diretrizes Curriculares (DC) ou documentos equivalentes; âmbito escolar –
Projetos Político-Pedagógicos (PPP) das escolas selecionadas.
No que tange aos municípios, foram selecionados doze, sendo dois de
cada uma das seis mesorregiões catarinenses. Os critérios de seleção dos
municípios foram: a) o de maior porte populacional; b) o de menor Índice de
Desenvolvimento Humano (IDH).11 Após a seleção dos municípios, foram lo-
calizadas em cada um deles as escolas com maior número de beneficiários/
as do Programa Bolsa Família (PBF), matriculados/as em 2015. Das 12 escolas

11 Optamos por utilizar o critério de maior população em virtude da representatividade do


município no contexto do estado. Já em relação ao IDH, sua utilização justifica-se por
ser um indicador referenciado por órgãos oficiais, estando relacionado com a questão
da pobreza e da desigualdade social, temas diretamente investigados nos PPP aqui
analisados.
Programa Nacional Educação, Pobreza e Desigualdade Social: a experiência da Universidade... | 89

selecionadas, foram analisados 11 PPP, visto que a escola do município de


Joinville não disponibilizou o documento.12
Em termos metodológicos, a pesquisa pautou-se numa perspectiva
quantitativa e qualitativa quanto à abordagem, básica quanto à natureza (MI-
NAYO, 2014), exploratória e descritiva quanto aos objetivos e bibliográfica e
documental quanto aos procedimentos (GIL, 2008).
A perspectiva teórico-metodológica adotada implicou a construção de
um conhecimento novo sobre a realidade estudada, visando a ações que
possam transformar essa mesma realidade. Nesse sentido, as relações entre
educação, pobreza e desigualdade social foram consideradas como fenôme-
nos construídos historicamente e analisados a partir da manifestação dessas
relações na realidade concreta, evidenciando suas contradições, interesses e
ideologias envolvidas, numa perspectiva de totalidade. Por isso, a considera-
ção dos elementos estruturais que dão dinâmica à realidade social, política
e econômica brasileira, no contexto da ordem capitalista, tornou-se central
tanto para a estruturação da pesquisa quanto para a análise procedida.
Apesar de ser uma pesquisa de cunho bibliográfico e documental, o
que, a princípio, pode ser tomado como algo menos trabalhoso, a equipe
de pesquisa defrontou-se com muitas dificuldades no levantamento dos
documentos, principalmente os afetos à esfera municipal, especialmente os
PPA, e às escolas, no caso dos PPP.
Considerando a previsão constitucional para a elaboração dos PPA e o
seu papel no âmbito da administração, a equipe esperava encontrar facil-
mente esses documentos. No entanto, o processo de coleta, principalmente
dos PPA municipais, foi difícil e moroso, e os documentos encontrados são
restritos e incompletos. Os pesquisadores pressupunham que todos os do-
cumentos estariam disponíveis nos sites das prefeituras ou das Câmaras de
Vereadores, mas isso não se confirmou. Depois da primeira busca nos sites

12 Os municípios e as escolas selecionadas foram: Escola Básica Passo da Limeira (Alfredo


Wagner), Escola de Educação Básica Governador Celso Ramos (Blumenau), Escola Muni-
cipal João Carneiro (Calmon), Escola de Educação Básica Profa. Otília Ulysséa Ungaretti
(Cerro Negro), Escola Parque Cidadã Cyro Sosnosky (Chapecó), Bairro da Juventude
dos Padres Rogacionistas – Escola Municipal de Ensino Fundamental Padre Paulo Pe-
truzzellis (Criciúma), Instituto Estadual de Educação (Florianópolis), Escola de Ensino
Fundamental Municipal Prefeito Portinho Bittencourt (Imaruí), Escola Municipal Prefeito
Nilson Wilson Bender (Joinville), Escola de Educação Básica Zulmira Auta da Silva (La-
ges), Escola Municipal de Educação Básica Gleidis Rodrigues (Timbó Grande) e Escola
Municipal Serra da Abelha (Vitor Meireles).
90 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume I

oficiais e outros, a equipe encaminhou ofício às prefeituras, solicitando a dis-


ponibilização dos documentos ou a indicação de como acessá-los. Também
foram feitos contatos telefônicos, solicitando atenção aos ofícios enviados
nos casos em que não haviam respondido. Outra estratégia utilizada foi so-
licitar os documentos ao Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina
(TCE/SC). A expectativa era que esse órgão teria os arquivos necessários,
ou seja, o PPA em seu conjunto, composto da lei e seus anexos. O TCE/
SC foi extremamente solícito, encaminhando os dados de que dispunha.
Novamente, foram encontradas limitações, especificamente no que tange
à completude dos documentos. A maior parte não apresentava os anexos.
Considerando a limitação dos PPA, a equipe passou a buscar informações
nas Leis Orçamentárias Anuais (LOA) dos municípios. Porém, estas também
apresentaram limites, considerando os objetivos da pesquisa. Esgotadas as
possibilidades de acesso aos documentos, a equipe de pesquisa passou a
trabalhar com o material coletado.
No caso das escolas, o problema foi que os PPP, em sua maioria, não
estavam disponíveis em seus sites. Nesse sentido, também foram feitas soli-
citações por ofício, reforçadas por telefone. Muitas demoraram a responder,
e uma delas acabou não encaminhando. Por isso, nesse caso, foram analisa-
dos apenas 11 PPP.
A pesquisa resultou em um denso relatório de 365 páginas. Dados os
limites deste capítulo, não apresentamos, aqui, seus resultados. Estes já fo-
ram publicados em capítulos de livros, em artigos e em anais de congressos/
seminário/encontros. Para tanto, ver Garcia, Hillesheim e Krüger (2016, 2017a,
2017b, 2017c, 2018) e Garcia e Hillesheim (2017). Para além dessas publica-
ções, mais dois capítulos de livros, relativos à pesquisa, foram organizados.
Um compõe o Volume 2 desta coleção organizada pela Secadi/MEC e é inti-
tulado "Educação, pobreza e desigualdade social: das proposições formais
aos questionamentos impostos pela realidade". O outro foi encaminhado
para a equipe do PNEPDS da Universidade Federal do Ceará, que publicará
uma coletânea com resultados das pesquisas desenvolvidas no âmbito da
IEPDS. Esse capítulo tem como título "Pobreza, Direitos Humanos e Educa-
ção: uma análise a partir dos Planos Plurianuais Federais".13

13 No caso desses dois capítulos, ainda não temos como referenciá-los, visto que os livros
estavam sendo organizados quando da escrita deste texto.
Programa Nacional Educação, Pobreza e Desigualdade Social: a experiência da Universidade... | 91

Outros resultados derivados do PNEPS/UFSC


Para além dos resultados relativos à formação e do material publicado
anteriormente referido, foi organizada uma coleção de seis volumes inti-
tulada "Educação, pobreza e desigualdade social". Os três primeiros volu-
mes são compostos de capítulos que trazem o resultado de algumas das
pesquisas desenvolvidas por Ifes que participaram do primeiro grupo do
PNEPDS e de outros pesquisadores que estudam a temática. Nos volumes
1 e 3, encontram-se os dois capítulos referentes à pesquisa desenvolvida
na UFSC anteriormente referidos. Os outros três trazem reflexões desenvol-
vidas por estudantes concluintes do curso de especialização e por seus/as
orientadores/as.14
Ainda em decorrência do PNEPDS, o coordenador do programa na UFSC
foi convidado para organizar, juntamente à Professora Dra. Silvia Cristina
Yannoulas, da UnB, um número da Revista Em Aberto, do Inep. Nesse senti-
do, foi publicado, em 2017, o número 99, volume 30 da referida revista, cujo
título é "Educação, pobreza e desigualdade social".15 Além dessa produção,
será publicado um capítulo em livro organizado pela equipe do PNEPDS/
UnB, que trata do perfil dos/as cursistas dos cursos de especialização e de
aperfeiçoamento em Educação, Pobreza e Desigualdade Social desenvolvi-
dos na UFSC e na UnB. O capítulo é intitulado "Perfil dos/as Cursistas EPDS
comparado: EPDS/UFSC e EPDS/UnB".16
Também citamos duas outras iniciativas que julgamos extremamente im-
portantes: a criação do Grupo de Pesquisa Educação, Pobreza e Desigualda-
de Social (GPEPDS), registrado no Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq,
e a criação de uma disciplina optativa vinculada ao curso de Pedagogia da
UFSC, denominada "Educação, pobreza e desigualdades". Essa disciplina
já foi ofertada por três semestres com lotação sempre acima das 30 vagas
disponíveis. Apesar de compor o currículo do curso de Pedagogia, é aberta
aos demais cursos da universidade e tem sido procurada por estudantes de

14 Os volumes podem ser acessados nos endereços: v. 1 (<http://online.fliphtml5.com/


wskm/whai/>); v. 2 (<http://online.fliphtml5.com/wskm/gmwu/>); v. 3 (<http://online.fli-
phtml5.com/wskm/fvcb/>); v. 4 (<http://online.fliphtml5.com/wskm/reqc/>); v. 5 (<http://
online.fliphtml5.com/wskm/vvxv/>); v. 6 (<http://online.fliphtml5.com/wskm/zorl/>).
15 A revista está disponível em: <http://emaberto.inep.gov.br/index.php/emaberto/issue/
view/282>. Acesso em: 03 set. 2018.
16 Os autores desse capítulo são: Adir Valdemar Garcia, Adriano Vinício da Silva do Carmo
e Rafael Monteiro da Silva. O livro a ser publicado pela UnB estava em fase de organiza-
ção quando este capítulo foi escrito, por isso, não pudemos referenciá-lo.
92 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume I

vários deles, principalmente das demais licenciaturas. A disciplina é ministra-


da pelo coordenador do PNEPS/UFSC.
Cabe referenciar ainda o "Seminário Educação, Pobreza e Desigual-
dade Social", realizado na UFSC nos dias 26 e 27 de outubro de 2017. O
Seminário teve como conferência de abertura o tema "As determinações
da pobreza e da desigualdade: do mito liberal à barbárie", proferida pelo
Professor Dr. Mauro Iasi, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Para além dessa atividade, o Seminário teve as seguintes mesas: "Pobreza
e Condicionalidades", com falas da Profa. Dra. Teresa Sacchet (Universidade
de São Paulo – USP) e da Profa. Dra. Rosa Stein (UnB); "Juventude, migração
e escola em territórios de precariedade", com as professoras da UFSC Dra.
Célia Vendramini, Dra. Luciana Pedrosa Marcassa e Dra. Soraya Franzoni
Conde; "Pobreza e educação: realidades e proposições de intervenção",
com a apresentação dos TCC das cursistas Scheila Daiana Porto, Franciane
Cristina Fronza da Silva e Nayara Brida Zandonai Schmaucch; "Panorama
político e econômico da pobreza no Brasil", com a Profa. Dra. Beatriz Paiva e
com o Prof. Dr. Lauro Mattei, ambos da UFSC; e, por fim, a mesa "Pesquisas
no âmbito do Programa Educação, Pobreza e Desigualdade Social", com a
participação de membros do PNEPDS da UFSC (Professor Dr. Adir Valdemar
Garcia, Professor Dr. Jaime Hillesheim e Professora Dra. Tânia Regina Krüger),
da Universidade Federal do Ceará – UFC (Professor Dr. Domingos Abreu), da
Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG (Professora Dra. Marisa Ribei-
ro Teixeira Duarte) e da Universidade Federal do Paraná – UFPR (Professoras
Dra. Adriana Dragoni da Silveira e Dra. Gabriela Schneider). O Seminário
contou ainda com a presença da Professora Dra. Simone Medeiros, Coorde-
nadora Geral de Acompanhamento da Inclusão Escolar – CGAIE/DPEDHUC
da Secadi/MEC, e de José Ricardo Albernás Lima, Chefe de Serviço dessa
mesma Coordenação.
O Seminário foi muito importante no sentido de dar visibilidade ao tra-
balho desenvolvido no âmbito da IEPDS, bem como por proporcionar mais
um espaço de discussão sobre a temática pobreza e desigualdade social e
sua relação com a educação.
Para finalizar, registramos que a UFSC assumiu, em 2018, nova edição do
PNEPDS, que difere da primeira no que tange à ação formação. Nessa edi-
ção, será ofertado um curso de aperfeiçoamento.17 Cabe ainda assinalar que

17 Essa edição do PNEPDS está sob a coordenação da Professora Dra. Soraya Franzoni
Conde.
Programa Nacional Educação, Pobreza e Desigualdade Social: a experiência da Universidade... | 93

a temática "educação, pobreza e desigualdade social" continuará sendo es-


tudada pelo GPEPDS a partir do projeto de pesquisa intitulado "A formação
inicial em licenciaturas e a temática pobreza e desigualdade social", com
início previsto para 2019.18

Considerações finais
Procuramos, a partir do relato apresentado, demonstrar o quanto a
IEPDS frutificou. Os trabalhos desenvolvidos no âmbito do PNEPDS/UFSC
demonstram isso.
Causa-nos satisfação afirmar que todos/as os/as cursistas que concluí-
ram o curso o fizeram com qualidade e demonstraram que, efetivamente,
modificaram sua visão sobre a pobreza e a desigualdade social, bem como
indicam uma perspectiva de mudança de suas práticas e o compromisso de
continuarem lutando para que a pobreza deixe de ser invisibilizada, princi-
palmente no interior das escolas. Esperamos que tenham força e coragem
para enfrentar todos os percalços colocados àqueles/as que se comprome-
tem com a construção de uma sociedade menos desigual. Dizemos dessa
forma por entendermos que a tão sonhada sociedade, livre da pobreza e
que se paute na perspectiva de que cada um ofereça a ela aquilo que é a sua
possibilidade e que receba dela aquilo que é a sua necessidade, não pode
se realizar enquanto perdure a lógica implacável do capital. Nesse sentido,
lutar por uma sociedade menos injusta, considerando a manutenção dessa
ordem social, é o que se coloca no horizonte até que a humanidade se enca-
minhe no sentido de construir a sua verdadeira emancipação.
A semente foi lançada, germinou, e seus frutos estão sendo colhidos.
Para além das mudanças declaradas pelos/as cursistas, temos certeza de
que todos os/as envolvidos/as no processo também sofreram mudanças. As
publicações e ações resultantes do PNEPDS servirão de base para novos
projetos voltados a continuar o que começou a ser feito. Esperamos que
as mudanças sejam mais significativas nas vidas daqueles/as que vivenciam
a condição de pobreza. A conjuntura atual, tanto em termos globais como
local, exigirá lutas mais intensas para que não continuemos a perder o pou-
co que foi construído quanto a direitos sociais. Quiçá essas lutas possam

18 O projeto está sob a coordenação do Professor Dr. Adir Valdemar Garcia e da Professo-
ra Dra. Apoliana Regina Groff, que foi tutora e orientadora no curso e, em 2018, assumiu
como professora efetiva do Departamento de Psicologia da UFSC.
94 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume I

ultrapassar a emancipação política conquistada, e que tem sido duramente


atacada, e construir a emancipação humana desejada.

Referências
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BRASIL. Ministério da Educação. Censo aponta aumento de 4,4% e matrículas superam 7 milhões.
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GARCIA, A. V.; CERNY, R. Z.; MEDEIROS, S.; MINELLA, J. Projeto Político-Pedagógico do Curso
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GARCIA, A. V.; HILLESHEIM, J. Pobreza e desigualdades educacionais: uma análise com base nos
Planos Nacionais de Educação e nos Planos Plurianuais Federais. Educar em Revista, Curitiba, v.
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GARCIA, A. V.; HILLESHEIM, J.; KRÜGER, T. R. Pobreza e Direitos Humanos: as concepções pre-
sentes nos Planos Plurianuais do governo brasileiro no período de 2003 a 2015. In: SEMINÁRIO
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quisa no âmbito da Iniciativa Educação, Pobreza e Desigualdade Social. Florianópolis: NUP/CED/
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federais dos governos petistas. In: SEMINÁRIO NACIONAL DE SERVIÇO SOCIAL, TRABALHO
E POLÍTICA SOCIAL, 2., 2017, Florianópolis. Anais... Florianópolis: Repositório Institucional
UFSC, 2017c. v. 1, p. 1-10. Disponível em: <https://repositorio.ufsc.br/xmlui/bitstream/hand-
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MINAYO, M. C. S. O Desafio do Conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 14. ed. São Paulo:
Hucitec, 2014.
4

Formação Continuada de gestores do


Programa Bolsa Família do Tocantins:
intenção e resultados
José Carlos da Silveira Freire
Juciley Silva Evangelista Freire

Introdução

O artigo discute a experiência de formação continuada do curso de es-


pecialização em Educação, Pobreza e Desigualdade Social – EPDS, proposta
pela Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclu-
são – Secadi-MEC e desenvolvida pela Universidade Federal do Tocantins
– UFT no âmbito do Programa de Formação Continuada de Gestores da
Educação do Programa Bolsa Família.
A pergunta que orientou essa reflexão foi saber dos limites e possibilida-
des do curso EPDS para a mudança de visão do gestor do Programa Bolsa
Família no que se refere às relações entre educação e pobreza no espaço
educativo escolar.
O texto está estruturado em duas partes. A primeira descreve e analisa
o projeto de formação proposto no âmbito do Projeto Político-Pedagógico
do curso de especialização EPDS. A segunda parte apresenta e examina os
principais resultados da experiência de formação desse curso na UFT.
96 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume I

Formação continuada de gestores do Programa Bolsa Família do


estado do Tocantins
A formação, inicial e continuada, de profissionais da educação tem sido
objeto de atenção e interesse dos pesquisadores e gestores das políticas
públicas e educacionais. Prova disso são os estudos e pesquisas realizados
que buscam avaliar a efetividade das políticas de formação como elemento
de melhoria da qualidade da educação e do ensino oferecidos.
Nessa perspectiva e contexto de qualificação dos profissionais da edu-
cação, insere-se o "Programa de Formação Continuada para Gestores/as
da Educação do Programa Bolsa Família" da Secadi/MEC. Trata-se de um
programa que visa "contribuir para o fortalecimento da rede nacional dos
profissionais da educação envolvidos com o acompanhamento da frequên-
cia escolar, no âmbito do PBF" (BRASIL, 2014).
Dentre as ações estruturantes desse programa de formação, destaca-
-se a oferta de cursos de especialização e extensão. Nesse sentido a
Secadi-MEC, em conjunto com 15 Ifes, elaborou e implementou o Projeto
Político-Pedagógico do curso de especialização em Educação, Pobreza e
Desigualdade Social (BRASIL, 2014). No âmbito das Ifes esse projeto passou
por alterações para adequação às normas de cada instituição. Entretanto,
permaneceram alguns elementos básicos de sua constituição.
Na Introdução do documento "Projeto Político-Pedagógico", proposto
pela Secadi, destaca-se como justificativa para sua implementação o diag-
nóstico de que a pobreza no país tem afetado crianças, adolescentes, jovens
e adultos. Mesmo considerando os avanços das políticas públicas nessa área,
as taxas de pobreza continuam muito elevadas, sendo preciso reconhecer a
existência da pobreza no momento em que esses sujeitos adentram o espa-
ço da escola (BRASIL, 2014).
Para tanto, ações de formação continuada e de pesquisa são necessárias
e visam promover reflexões e discussões sobre as vivências dos sujeitos em
circunstâncias de pobreza e de extrema pobreza. Confrontar essas vivências
com as visões de pobreza predominantes nas políticas educacionais, na ges-
tão da educação e no contexto escolar da Educação Básica constitui um dos
principais desafios da Iniciativa Educação, Pobreza e Desigualdade Social
(BRASIL, 2014).
O Projeto Político-Pedagógico do curso EPDS pauta-se por uma sólida
reflexão teórico-prática do fenômeno da pobreza em sua relação com a edu-
cação e a desigualdade, bem como estrutura-se com base em três princípios
Formação Continuada de gestores do Programa Bolsa Família do Tocantins: intenção e... | 97

político-ético-emancipatórios: direito à vida, direito à igualdade e o direito à


diversidade (BRASIL, 2014). E explicita cada um dos princípios:

a) direito à vida: é o direito fundamental, e se constitui em pré-requisito


à existência e exercício de todos os demais direitos. Direito à vida
consiste não só no direito de continuar vivo, mas, fundamental-
mente, de ter uma vida digna, socialmente definida, como um valor
intrínseco que não admite substituição;

b) direito à igualdade: não se restringe ao aspecto formal, mas à sua


materialidade. Trata-se da garantia formal e real de todos os re-
quisitos para a garantia da vida digna. O direito à igualdade deve
considerar que cada ser social tem de participar da sociedade ofere-
cendo a esta aquilo de que é capaz e recebendo dela aquilo de que
necessita. A igualdade se fundamenta, portanto, na diferença;

c) direito à diversidade: é fundamental para a convivência social e im-


plica o respeito à diferença e o reconhecimento da autonomia dos
sujeitos. Cada ser social deve ter o direito de se expressar a partir de
suas condições e escolhas, no que tange às diferenças de raça e et-
nia, gênero, orientação sexual, classe social, crenças e religiões, sem
que isso implique no tolhimento de seus demais direitos (BRASIL,
2014, p. 25).

Amparada nesses princípios, a proposta pedagógica do curso EPDS


organiza-se em torno de três dimensões formativas: formação continuada,
pesquisa acadêmica e difusão do conhecimento. A formação continuada
materializa-se na oferta de cursos de especialização e extensão universitária
para qualificar profissionais que atuam na Educação Básica e/ou em políticas
sociais que estabelecem relações entre educação, pobreza e desigualdade
social em seus aspectos políticos, sociais e éticos que visam à transformação
da realidade escolar e social. O apoio à pesquisa e à difusão do conheci-
mento na temática educação, pobreza e desigualdade social visa fomentar
a articulação entre ensino, pesquisa e extensão no contexto da universida-
de. A divulgação da pesquisa e dos estudos realizados por pesquisadores
e cursistas será viabilizada por meio do apoio à difusão do conhecimento
materializada na publicação da pesquisa acadêmica e dos Trabalhos de Con-
clusão de Curso elaborados pelos(as) cursistas (BRASIL, 2014).
A partir dessa orientação, a UFT aprovou a realização do curso de es-
pecialização em Educação, Pobreza e Desigualdade Social, de 360h, distri-
buídos ao longo de 18 meses, sendo 12 meses de módulos instrucionais, no
98 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume I

Ambiente Virtual de Ensino e Aprendizagem (Avea), e 6 meses para a elabo-


ração e defesa do Trabalho de Conclusão de Curso. Os conteúdos curricula-
res foram dispostos em torno de cinco módulos temáticos, a saber: Módulo
Introdutório – Pobreza, Desigualdades e Educação; Módulo I – Pobreza e
Cidadania; Módulo II – Pobreza, Direitos Humanos, Justiça e Educação; Mó-
dulo III – Escola: espaços e tempos de reprodução e resistências da pobreza;
Módulo IV – Pobreza e Currículo: uma complexa articulação. Articulada a
esses módulos instrucionais, a proposta pedagógica previu a realização de
fóruns de discussão, atividade de reflexão-ação1 e memorial2 (BRASIL, 2014).
A dinâmica operacional do curso compreendia a realização de cinco
encontros presenciais. Esses encontros presenciais, exceto o primeiro e o
último (abertura e encerramento do curso EPDS), foram realizados a cada
dois meses e foram utilizados para a realização de atividades de verificação
da aprendizagem dos módulos, bem como esclarecimentos de dúvidas e
dificuldades do Avea/Moodle. A seguir apresentamos os principais resulta-
dos da experiência vivenciada no processo de formação, pesquisa e gestão
do curso de especialização em Educação, Pobreza e Desigualdade Social na
UFT.

Apreciação da experiência de formação do curso de especialização


em Educação, Pobreza e Desigualdade Social na UFT
Após manifestação favorável à solicitação da Secadi/MEC, por meio do
Ofício Circular no 146, de 02 de dezembro de 2013, a UFT aprovou, em 19 de
novembro de 2015, o projeto de criação do curso de especialização em Edu-
cação, Pobreza e Desigualdade Social. Em 17 de março de 2016, os profes-
sores Janaína Augusta Neves de Souza e José Carlos da Silveira Freire foram

1 Atividade de cunho investigativo, dos módulos I ao IV, que visa uma inserção crítica na
realidade de uma escola pública e desenvolvida numa sequência reflexiva para que,
ao final, o material produzido pela reflexão-ação proposta possa subsidiar a escrita do
Trabalho de Conclusão de Curso TCC – (BRASIL, 2014).
2 Texto elaborado pelo cursista que registra, ao final de cada módulo, as reflexões, as
impressões sobre as atividades e experiência vivenciada no processo formativo, desta-
cando os desafios, as dificuldades, os avanços, momentos difíceis, dúvidas. Trata-se de
um "diário" no qual o(a) cursista poderá registrar seus sentimentos, reflexões estabe-
lecidas, histórias vividas, descobertas, avanços e inquietações ao longo das atividades
realizadas (BRASIL, 2014).
Formação Continuada de gestores do Programa Bolsa Família do Tocantins: intenção e... | 99

nomeados para responderem pela Gestão Administrativa e Pedagógica do


Projeto EPDS na UFT.
Dentre as ações de formação do curso EPDS-UFT efetivadas durante ano
de 2016, destacam-se: celebração do contrato de gerenciamento e desen-
volvimento do Projeto EPDS junto à Fundação de Apoio Cientifico e Tecno-
lógico do Tocantins – Fapto; elaboração do projeto de pesquisa da Iniciativa
EPDS e seu cadastro nas instâncias da UFT (entre janeiro e junho); abertura
do edital de seleção de cursistas (23/03); abertura do edital de seleção de
tutores (01/06); aula inaugural do curso EPDS (27/08), oferta do Módulo Intro-
dutório (de 01/09 a 31/10) e do Módulo I, na plataforma do curso EPDS-UFT,
sistemas3.uft.edu.br/palmas. O I Encontro Presencial de Cursistas ocorreu
no dia 17/09 em todos os polos de curso EPDS, a saber: Arraias, Araguaína,
Palmas, Miracema e Tocantinópolis. O II e o III Encontro Presencial de Cur-
sistas ocorreram respectivamente, neste ano de 2016, nos dias 29/10 e 17/12.
No âmbito das atividades do Núcleo de Estudo e Pesquisa em Educação,
Desigualdade Social e Políticas Públicas – Neped, criado no início do ano,
ressalta-se a realização do I Seminário de Pesquisa em Educação, Pobreza e
Desigualdade Social da UFT, no campus de Palmas, no período de 31/11 e
01/12/2016.
Dos eventos descritos, ressalta-se o interesse dos profissionais da edu-
cação e dos operadores do Programa Bolsa Família pelas atividades ofereci-
das pelo curso EPDS. Prova disso foi a procura registrada pelo curso na fase
de seleção de cursistas. Foram homologadas 770 inscrições de candidatos
para realizar a seleção de cursistas. Mesmo considerando que a meta física
pactuada com o MEC foi a oferta de 400 vagas, foram convocados para fazer
o curso EPDS 491 candidatos. Ao final de doze meses, e cursados os cinco
módulos, 355 cursistas conseguiram aprovação para realizar o Trabalho de
Conclusão de Curso. Após a apresentação do TCC, na forma de artigo, 281
cursistas conseguiram concluir com o êxito o curso de especialização em
Educação, Pobreza e Desigualdade Social.
Outro momento de grande relevância formativa nesse primeiro ano de
implantação foi a realização dos módulos na plataforma do curso "siste-
mas3.uft.edu.br/palmas". Conforme descrição dos cursistas, no "Memorial"
de cada módulo do curso, as atividades de estudo e de reflexão propicia-
ram ricos ensinamentos sobre a relação Educação e Pobreza. Os encontros
presenciais, realizados nos polos de apoio presencial, constituíram ricos
100 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume I

momentos de socialização de conhecimento e experiência entre tutores,


formadores de polo e cursistas.
No ano de 2017, as ações de formação e pesquisa mais relevantes do
curso EPDS-UFT foram: oferta dos Módulos II (entre 06/01 e 28/02); III (04/03
a 22/04) e IV (01/05 a 24/06); realização do III, IV e V Encontro Presencial
de Cursistas, nos meses de janeiro, fevereiro e abril, respectivamente; aber-
tura do edital de seleção de formador de TCC (05/04); criação de páginas
online (site) do curso EPDS e dos Seminários de Pesquisa – na plataforma
da UFT; realização do II Seminário de Pesquisa EPDS da UFT (09 a 10/06);
produção de vídeo-documentário sobre Educação, Pobreza e Desigualdade
Social; organização de coletânea de artigos dos pesquisadores, formadores
e cursistas, sobre a temática da Educação, Pobreza e Desigualdade Social;
realização do III e IV Seminário de Pesquisa EPDS, o primeiro no Polo de
Arraias, e o segundo em Palmas.
No primeiro semestre de 2017, as atividades de formação foram concen-
tradas no desenvolvimento e finalização dos módulos do curso EPDS-UFT.
Merecem realce as estratégias adotadas pelos tutores para minimizar a eva-
são no curso: contatos via WhatsApp, telefonemas e encontros presencias.
No final desse semestre, realizou-se a seleção de 62 formadores de TCC.
Após a capacitação, esses formadores iniciaram a orientação de TCC na for-
ma de artigo cientifico a partir dos registros das atividades de reflexão-ação
dos módulos I ao IV. Após a finalização do curso EPDS-UFT, foram aprovados
280 cursistas. Considerando a meta pactuada com o MEC, alcançamos 70,2%
de aprovação. Dos 211 cursistas que não lograram êxito em sua formação, 95
evadiram e 116 foram reprovados por conta da prática do plágio. Trata-se de
um fenômeno que merece reflexão, principalmente dos pesquisadores da
área de avaliação da aprendizagem.
Articulada à dimensão da formação, a pesquisa proposta e desenvolvida
do curso EPDS seguiu as orientações gerais da pesquisa definida pela Co-
ordenação Nacional do Programa de Formação Continuada de Gestores da
Educação do Programa Bolsa Família.
A seguir descrevemos as principais atividades, processos e produtos da
dimensão da pesquisa no Projeto EPDS.
Formação Continuada de gestores do Programa Bolsa Família do Tocantins: intenção e... | 101

A dimensão da pesquisa na Iniciativa EPDS


Na dimensão da pesquisa da Iniciativa EPDS na UFT, foram desenvolvi-
das diversas ações, entre elas uma investigação sobre quem são os sujeitos
pobres e extremamente pobres nos planos de educação de alguns municí-
pios do estado do Tocantins, a criação de um núcleo para desenvolver estu-
dos e pesquisas sobre a relação Educação, Desigualdade Social e Políticas
Públicas, a produção de um vídeo-documentário sobre a situação escolar e
social das crianças beneficiárias do PBF a partir da ótica de suas famílias e
professores, bem como a realização de quatro seminários de pesquisa para
debater e refletir sobre os desafios, limites e perspectivas das principais pro-
blemáticas que assolam a relação educação, pobreza e desigualdade social.
No âmbito da investigação foi desenvolvido o projeto de pesquisa Políti-
cas Educacionais no contexto da situação de pobreza e extrema pobreza no
estado do Tocantins: quem são os alunos pobres no planejamento da educa-
ção?, que partiu das seguintes indagações: Quem são, onde e como vivem
os alunos em situação de pobreza e extrema pobreza no estado do Tocan-
tins? E como as políticas educacionais pensam esses sujeitos, seus contextos
e fazem a mediação do enfrentamento dessas condições? A pesquisa teve
como objetivo geral apreender como as crianças e jovens em situação de
pobreza e extrema pobreza, especificamente os alunos do Programa Bolsa
Família, são pensados e incorporados nas políticas educacionais no estado
do Tocantins. Segundo o Relatório da Pesquisa,

Essa pesquisa seguiu uma abordagem de natureza qualitativa e quantita-


tiva, utilizou como método o Materialismo Histórico-Dialético e a análise
Documental dos Planos Municipais de Educação de Araguaína, Campos
Lindos, Palmas e Peixe. Além do levantamento e produção de dados
quantitativos em bases oficiais tais como: IBGE, Censo Escolar, Inep,
Sistema Presença, Matriz de Informação Social do Ministério do Desen-
volvimento Social (MDS), e nos Relatórios da Secretaria de Planejamento
do Estado do Tocantins (Seplan/TO) (FREIRE; SANTOS; REIS, 2017, p. 5).

Ainda segundo Freire, Santos e Reis (2017), para o desenvolvimento das


atividades de pesquisa foram necessárias a construção de uma agenda e a
composição de uma equipe com professores da UFT, principalmente dos
campi onde havia os polos do EPDS, priorizando sobretudo aqueles com
conhecimento e relação com a temática. Ao iniciar as atividades, os profes-
sores pesquisadores decidiram pela composição de um núcleo de estudo e
102 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume I

pesquisa que pudesse ser um articulador e aglutinador das ações em torno


da pesquisa e das demais atividades do EPDS/UFT/MEC. Assim nasceu o
Núcleo de Estudo e Pesquisa em Educação, Desigualdade Social e Políticas
Públicas (Neped), que se tornou o grande articulador de outras ações que
foram fundamentais para o desenvolvimento da pesquisa, como a realização
de quatro seminários de pesquisa do EPDS.
No que tange aos seminários, estes foram realizados na seguinte ordem
de locais e datas: o I Seminário de Pesquisa em Educação, Pobreza e Desi-
gualdade Social da UFT foi realizado no campus de Palmas, no período de
31 de novembro a 01 de dezembro de 2016; o II Seminário de Pesquisa EPDS/
UFT, no campus de Tocantinópolis, no período de 9 a 10 de junho de 2017;
o III Seminário de Pesquisa EDPS/UFT, no campus de Arraias, em 22 e 23 de
setembro de 2017; e a realização do IV Seminário de Pesquisa e I Simpósio
Estadual da Iniciativa EPDS/UFT em 24 e 25 de novembro de 2017, em Palmas
novamente. Segundo Freire, Santos e Reis (2017, p. 5),

esses seminários foram importantes tanto para a definição do objeto da


pesquisa a ser realizada, a partir do diálogo com especialistas convidados
e colegas pesquisadores da UFT e de outras instituições, mas, sobretudo,
pela criação de um espaço de discussão da temática da relação Educa-
ção, Pobreza e Desigualdade Social na universidade.

Ainda na dimensão da produção e divulgação do conhecimento sobre


a temática do EPDS, os pesquisadores participaram de eventos científicos
nacionais e internacionais no Brasil e um no Uruguai, com objetivo de dis-
cutir a temática com os pares e ampliar a compreensão sobre o objeto de
pesquisa proposto. Os pesquisadores também participaram de reunião com
grupos de pesquisadores da Iniciativa EPDS da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte, da Universidade Federal do Espírito Santo e da Universi-
dade Federal do Paraná para discussão da criação de uma Rede Interinsti-
tucional de Pesquisa sobre Educação, Pobreza e Desigualdade Social. "Essa
reunião aconteceu em outubro de 2018 na 38a Reunião da Anped, na UFMA,
e foi liderada pela profa. Kilza Fernanda (UFRN). A segunda reunião da Rede
ocorreu em novembro de 2018 na UFRN" (FREIRE; SANTOS; REIS, 2014, p. 6).
Outra ação importante e que também objetivou disseminar e aprofun-
dar a discussão da temática da relação educação e pobreza foi a produção
do vídeo-documentário "Educação e Pobreza no Tocantins", que retrata a
relação Educação, Pobreza e Desigualdade Social de famílias beneficiárias
Formação Continuada de gestores do Programa Bolsa Família do Tocantins: intenção e... | 103

do PBF no estado do Tocantins, bem como o trabalho de formação e pes-


quisa da Iniciativa EPDS/UFT. Outra produção importante nesse contexto da
pesquisa foi a publicação de seis livros, um primeiro com discussões iniciais
sobre temáticas relativas aos eixos de atuação do EPDS e com artigos de di-
versos professores e tutores envolvidos no projeto de formação da Iniciativa
na UFT e uma coletânea com cinco livros para divulgação dos resultados da
pesquisa, bem como a publicação dos melhores artigos elaborados pelos
cursistas na produção do seu TCC no curso de specialização EPDS/UFT.
Todas essas ações na dimensão da pesquisa foram importantes con-
tribuições para evidenciar e lançar luz sobre os temas da pobreza e da
desigualdade social, suas dinâmicas, seus determinantes sociais, políticos
e econômicos e seus efeitos perversos na vida de milhares de crianças e
jovens e suas famílias, bem como seus rebatimentos na educação. Nas po-
líticas educacionais evidenciamos que os sujeitos pobres, os beneficiários
do Programa Bolsa Família e de outros benefícios sociais, têm rosto, têm
origem étnico-racial: são negros, quilombolas, índios ou pessoas deficientes,
ou seja, são aqueles mesmos que historicamente foram esquecidos pelas
políticas públicas no Brasil. Essas ações, portanto, criaram importantes espa-
ços de formação para todos os envolvidos com a relação educação, pobreza
e desigualdade social, seja como objeto de trabalho, como operadores do
PBF nas escolas, como professores ou como pesquisadores das diversas fa-
ces que adquire esta temática de estudo.

Considerações finais
A questão da pobreza e da desigualdade social e sua relação com a edu-
cação constituem uma temática complexa e que envolve diferentes inter-
pretações sobre sua relação e causalidade. Sob a ótica da educação como
prática social, tratada no projeto da Iniciativa EPDS, vimos que as atividades
de formação, pesquisa e difusão do conhecimento foram condições para a
efetividade do projeto EPDS. O desvelamento das concepções moralizantes
de pobreza, evidenciadas pelos sujeitos em formação do curso EPDS, bem
como a produção de conhecimento científico dos pesquisadores e cursistas
indicam a potencialidade do programa para a formação sociocrítica e de
qualidade.
Associando a experiência de formação e pesquisa, vivenciada pelos
autores desse trabalho, houve rico aprendizado dos processos de gestão
104 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume I

pedagógico e administrativo. Em geral se assume que gestão constitui ape-


nas uma atividade na execução dos projetos educativos. Entretanto, consi-
derando os objetivos da Iniciativa EPDS, percebemos que essa dimensão se
integra às dimensões de formação e pesquisa. Por isso os resultados obti-
dos refletem em grande parte a adequada organização e planejamento das
ações do Projeto EPDS. A concepção e lógica do programa permitiu que os
autores vivessem essa dimensão como constitutiva do projeto de formação
proposto e desenvolvido.
A importância da Iniciativa EPDS na qualificação dos cursistas foi objeto
de reconhecimento por ocasião do último seminário de pesquisa realizado.
Conforme se depreende dos Trabalhos de Conclusão de Curso, o projeto
contribuiu para se obter um conhecimento estruturado da realidade social
e pedagógica das crianças pobres no universo escolar, bem como ajudou a
melhorar a qualidade e o nível das relações pedagógicas dos profissionais
do ensino e dos operadores do Programa Bolsa Família.
Ressaltamos os efeitos e frutos da implementação desse programa para
o fortalecimento institucional. O maior legado dessa Iniciativa para além da
certificação profissional dos operadores do PBF foi a formação e consoli-
dação de um núcleo de pesquisa para dar continuidade às atividades de
formação, extensão e pesquisa. A oferta do curso de aperfeiçoamento em
Educação, Pobreza e Desigualdade, neste segundo semestre de 2018, e a
pesquisa em desenvolvimento atestam o acerto por essa política pública de
formação continuada.

Referências
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade
e Inclusão. Projeto Político-Pedagógico do Curso de Especialização em Educação, Pobreza e De-
sigualdade Social. 2014.
FREIRE, J. S. E.; SANTOS, J. B.; REIS, C. P. Políticas Educacionais no contexto da situação de po-
breza e extrema pobreza no Estado do Tocantins: quem são os alunos pobres no planejamento da
educação? Relatório de pesquisa, EPDS, Neped, Universidade Federal de Tocantins, Palmas, 2017.
5

A iniciativa Educação, Pobreza e


Desigualdade Social na UFMS:
implementação e trajetória de execução
Daiani Damm Tonetto Riedner
Ana Carolina Pontes Costa

Introdução

A extensão durante muito tempo na universidade foi levar migalhas de


conhecimentos de pesquisa, de docência para os pobres, para os outros,
para as vidas, para os camponeses, para os trabalhadores, era uma dire-
ção da universidade para eles, este programa representa uma inversão,
não é levar pesquisas da pobreza para os pobres, mas reconhecer que os
pobres têm suas teorias, seus saberes. Esses saberes, como falava Paulo
Freire, de terríveis e brutais experiências feitas que entram na universi-
dade. Não estamos simplesmente levando migalhas de pesquisa para
os pobres, estamos invertendo, estamos reconhecendo os pobres e a
pobreza. As indagações que chegam desse viver na pobreza interrogam
a pesquisa, interrogam a docência. E, consequentemente, mudamos a
direção.

Miguel Arroyo (2017)

Iniciamos este relato com a transcrição de um trecho da fala do Professor


Miguel Arroyo, proferida na conferência de abertura do I Encontro Estadu-
al da Iniciativa Educação, Pobreza e Desigualdade Social da UFMS. Esse
106 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume I

projeto trouxe uma inovação e uma mudança de direção para 14 estados


brasileiros, por meio de 14 instituições públicas de ensino superior.
Essa mudança de direção, tencionou mudanças institucionais, nas práti-
cas dos professores, na percepção dos gestores, nos objetos de pesquisa e
nos interesses de pesquisa da comunidade acadêmica. O olhar para os po-
bres e para a pobreza mobilizou um projeto inédito, audacioso, desafiador e
muito coerente com a defesa da educação pública, gratuita e de qualidade,
de acesso e permanência, de condições de existências dignas, de justiça
social, de diminuição das desigualdades sociais.
Este texto tem como objetivo mostrar um pouco da trajetória da Univer-
sidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) nesse projeto, dando desta-
que às etapas de implementação da proposta, à metodologia da oferta do
curso e à realização da pesquisa institucional realizada na instituição, tendo
como base as diretrizes nacionais discutidas no âmbito da Secadi/MEC.

A Iniciativa Educação, Pobreza e Desigualdade na UFMS: da


recepção à implementação da proposta
No contexto da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, por meio
da Coordenação Geral do Comitê Gestor Institucional de Formação Inicial
e Continuada de Profissionais da Educação Básica (Comfor), as discussões
sobre o projeto da Iniciativa EPDS, que nesse momento ainda era chamado
de Programa, iniciaram no final do ano de 2013.
Nessa época, o Comfor era conduzido pela Coordenadoria de Apoio
à Formação de Professores, da Pró-Reitoria de Ensino de Graduação (CFP/
Preg). Com a mudança na administração central e reorganização do organo-
grama da universidade em fevereiro de 2017, a CFP foi extinta, e foi criada
a Divisão de Apoio à Formação de Professores, Articulação e Aperfeiçoa-
mento Pedagógico (Difor), vinculada à Secretaria Especial de Educação a
Distância e Formação de Professores (Sedfor).
Assim que a proposta da Iniciativa chegou de forma oficial na UFMS,
várias unidades foram consultadas, mas em princípio não houve manifesta-
ção de interesse. Chegaram a sugerir a Escola de Administração e Negócios
(Esan), mas, como a proposta era voltada para a área da Educação, esse
não seria o setor mais apropriado. Como não houve interesse da Unidade
de Educação, que hoje é Faculdade de Educação, nem de outros cursos
vinculados à formação de professores na Cidade Universitária (Campo
A iniciativa Educação, Pobreza e Desigualdade Social na UFMS: implementação e trajetória de... | 107

Grande-MS), o convite chegou até o Curso de Pedagogia do campus do


Pantanal, na Cidade de Corumbá-MS.1
Em 5 de maio de 2014, quando recebemos o convite para assumirmos a
coordenação de um projeto de formação continuada, não tínhamos nenhu-
ma ideia da dimensão da proposta e não imaginávamos que ela seria um
marco na nossa vida pessoal e profissional, além de ser um divisor de águas
para o olhar científico e educacional sobre a pobreza e a desigualdade social
no estado de Mato Grosso do Sul.
Ainda com pouquíssimo tempo de universidade, quase nenhuma expe-
riência de gestão e algum conhecimento das normas de funcionamento da
universidade, dos trâmites dos processos e dos setores com os quais tería-
mos que trabalhar, aceitamos o desafio e embarcamos numa aventura cheia
de surpresas, percalços, dificuldades, mas de muito aprendizado.
Uma semana após o aceite do convite, aconteceu a primeira reunião téc-
nica, no período de 13 a 15 de maio de 2014. Como não havia mais tempo há-
bil para irmos, o professor da Escola de Administração e Negócios da UFMS
(que era a indicação inicial para a gestão do projeto) participou da reunião e
nos trouxe a memória da reunião. De posse das informações básicas sobre
a implementação da proposta, iniciamos as articulações necessárias e, com
elas, as viagens para a Cidade Universitária.
O campus do Pantanal fica a 430 quilômetros da Cidade Universitária em
Campo Grande, onde estão situados as Pró-Reitorias e o setor de Educação
a Distância, que na época era Coordenadoria de Educação Aberta e a Dis-
tância (CED/Preg) e com nova administração passou a ser uma Divisão de
Educação a Distância (Diead), vinculada à Sedfor. Durante toda a trajetória
da Iniciativa, fizemos esse trajeto inúmeras vezes, a fim de resolver questões
administrativas e pedagógicas da implementação da proposta.
Nos meses de maio e junho de 2014 trabalhamos, às pressas, em um
documento chamado "Plano de Trabalho", para que pudéssemos dar início
ao processo do "Termo de Execução Descentralizada". Pela primeira vez
estávamos ouvindo essas terminologias, e o prazo era extremamente curto
para a apresentação desse documento em um sistema totalmente desco-
nhecido, o Simec. Foi apenas nesse momento que ficamos sabendo que o

1 A UFMS é multicampi e possui mais nove Unidades Setoriais no interior do estado de


Mato Grosso do Sul, nos municípios de Aquidauana, Chapadão do Sul, Corumbá, Co-
xim, Naviraí, Nova Andradina, Paranaíba, Ponta Porã e Três Lagoas.
108 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume I

projeto tinha um recurso, que seria enviado à universidade por meio de uma
Nota de Crédito.
Os nossos esforços voltaram-se à elaboração e junção dos documentos
que comporiam o TED, para que o recurso fosse descentralizado no ano de
2014. Enviamos o PTA do TED em 21 de maio de 2014, via Simec no módulo
SPO-TED, e em 27 de junho ele foi aprovado para execução.
Com a Nota de Crédito ainda era preciso empenhar os recursos para
execução, mas, como o curso teria início somente no ano de 2015 e não ha-
via certeza de que os recursos ficassem disponíveis após o fim do exercício
financeiro de 2014, nossa alternativa foi buscar a parceria da Fundação de
Apoio à Pesquisa, ao Ensino e à Cultura (Fapec). Iniciou-se então uma discus-
são interna sobre a viabilidade dessa parceria, e, após um longo processo de
tratativas administrativas, financeiras e jurídicas, foi firmado em dezembro de
2014 um instrumento jurídico na forma de contrato com a Fapec, para prestar
apoio administrativo e financeiro à gestão da Iniciativa EPDS na UFMS.
Em paralelo, tínhamos outro desafio muito importante: construir um pro-
jeto de curso de especialização. Da primeira reunião técnica, nós tínhamos
a versão do projeto básico do curso produzido pela Universidade Federal
de Santa Catarina (UFSC). Procuramos as normativas internas e consegui-
mos um modelo de projeto de curso de especialização lato sensu da UFMS.
A partir desse modelo e com o projeto básico da UFSC construímos uma
proposta, quase "no escuro", pois tínhamos muitas dúvidas sobre possíveis
mudanças de nomenclatura, de carga horária dos módulos ou de inclusão
de um módulo de metodologia científica, por exemplo.
Na dúvida, resolvemos manter a proposta original, seguindo ao pé da
letra a proposta da UFSC, que posteriormente até apresentou uma mudança
no nome dos módulos, mas nosso projeto já tinha sido aprovado, fato que
gerou um retrabalho de alteração das resoluções de aprovação da estrutura
curricular do curso.
As tratativas para oferta do curso iniciaram em maio, e a aprovação do
curso se deu pela Resolução do Conselho Universitário no 61, de 4 de agosto
de 2014. E logo em seguida começamos a trabalhar no edital de seleção dos
cursistas, trabalho este que foi feito antes da composição da equipe e foi
um processo muito difícil, principalmente pelo despreparo técnico da UFMS
para esse tipo de seleção.
No mês de setembro de 2014 foi feita a composição mínima da equipe,
com o supervisor e os dois pesquisadores. Criamos um grupo de trabalho na
A iniciativa Educação, Pobreza e Desigualdade Social na UFMS: implementação e trajetória de... | 109

instituição, com acadêmicos de graduação, de mestrado e outros docentes


interessados no objeto de pesquisa para a construção do projeto.
Nos dias 12, 13 e 14 de novembro de 2014 aconteceu a I Reunião Peda-
gógica de Formação Continuada da Secadi/MEC, em que tivemos a oportu-
nidade de conhecer os representantes das demais Instituições Públicas de
Ensino Superior (Ipes) que estavam ofertando a proposta, mas principalmen-
te pudemos conhecer mais a fundo o movimento e as pessoas que se mo-
bilizaram em prol da construção de um projeto inovador e muito audacioso.
A Profa. Simone Medeiros, da Coordenação Geral de Acompanhamento
da Inclusão Escolar (CGAIE\DPEDHUC\Secadi), idealizadora da proposta,
falou detalhadamente sobre as ações de formação continuada, pesquisa
acadêmica e difusão de conhecimento, que deveriam convergir na Iniciativa
EPDS em todas as instituições.
Nesse momento também pudemos conhecer melhor a concepção, os
objetivos, a metodologia, as propostas de avaliação do curso de especializa-
ção, bem como todo o material pedagógico e o ambiente virtual de apren-
dizagem (Moodle EPDS) com o Professor Adir Garcia, do Comitê Gestor da
Produção do Material Pedagógico da UFSC.
Várias estratégias e desafios à implementação foram apresentados e
discutidos nessa reunião, tais como a criação de um Grupo de Trabalho In-
terinstitucional Local (GTIL), que deveria ser composto dos representantes
das secretarias municipais e estadual de educação, pela equipe estadual da
gestão do Bolsa Família e pela UFMS.
Outro ponto importante da reunião foi a proposta de construção de uma
pesquisa interinstitucional para tratar das relações entre educação, pobreza
e desigualdade social. Naquele momento algumas experiências de pesquisa
já estavam sendo vivenciadas pela UFMA, UFRN e UFPE.
E, por fim, tivemos uma capacitação sobre os aspectos administrativos
e financeiros para execução do curso de especialização, que envolvia, além
da descentralização dos recursos via TED, a gestão das bolsas, por meio do
Sistema de Gestão e Monitoramento da Formação – Simec/Sisfor.
Em dois dias de trabalho em Brasília, nós tivemos que angariar as in-
formações necessárias para os dois anos de trabalho subsequentes, que
depois se transformaram em três anos, com os desdobramentos da pesqui-
sa. No retorno dessa formação, tivemos certo sentimento de desespero, de
despreparo, de não sermos as pessoas certas, de que não daríamos conta
das demandas. Mas quem seriam as pessoas certas, senão aquelas que
110 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume I

acreditavam na proposta, mesmo sem nenhuma experiência de pesquisa


na área, mesmo sem conhecer as pessoas que poderiam nos ajudar, mesmo
sem saber por onde começar as articulações? Mesmo com todos esses im-
pedimentos, as pessoas certas éramos nós.
O que nos mobilizou? No último dia da reunião em Brasília, encontramos
uma pessoa, que também participava de um evento de formação de outro
curso, que nos abordou e disse: "Fiquei sabendo que essa pobreza é muito
rica. Se eu soubesse que tinha tanto recurso, teria assumido quando passou
o convite pela unidade".
Nesse exato momento, tivemos a convicção de que estávamos no ca-
minho certo, pois, quando aceitamos o desafio, não sabíamos dos recur-
sos, nem das articulações, nem da visibilidade que esse projeto poderia
trazer. Nós só sabíamos uma coisa: que teríamos muito trabalho. E fizemos
acontecer!

Trajetória da Iniciativa EPDS: desafios do percurso formativo e do


desenvolvimento da pesquisa no estado de Mato Grosso do Sul
Em outubro de 2014 lançamos o primeiro edital de seleção para ingresso
no curso de especialização (Edital PROPP/UFMS no 115) com 400 vagas. Ha-
via certa pressa para o início do curso, no entanto, como o edital foi lançado
às pressas, não tivemos muito tempo de divulgação e articulação com os
coordenadores municipais do Bolsa Família, para que mobilizassem os can-
didatos nos municípios.
Nesse edital tivemos 197 inscritos, mas apenas 85 tiveram as matrículas
deferidas, devido aos requisitos para ingresso definirem um público-alvo
bem específico, de acordo com os critérios que haviam sido discutidos com
a Secadi/MEC.
Com muitas vagas remanescentes, realizamos a primeira reunião com o
GTIL para discussão do perfil que era esperado para os cursistas do curso de
especialização. Nessa conversa entendemos que era preciso flexibilizar mais
os requisitos para ingresso. Trabalhamos em conjunto numa nova minuta de
edital, e em dezembro de 2014 foi lançado o Edital PROPP/UFMS no 143,
reabrindo as 315 vagas que não haviam sido preenchidas. Nesse processo
seletivo tivemos 397 inscritos e 332 matriculados, totalizando 417 ingressan-
tes, dos quais 82% eram mulheres e 12% eram homens.
A iniciativa Educação, Pobreza e Desigualdade Social na UFMS: implementação e trajetória de... | 111

Gráfico 1 Escolaridade dos cursistas.

Fonte: Costa e Riedner (2018).

Gráfico 2 Idade dos cursistas.

Fonte: Costa e Riedner (2018).


112 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume I

Em janeiro de 2015 iniciamos as tratativas com a Fundação de Apoio à


Pesquisa, ao Ensino e à Cultura (Fapec) para a composição da equipe de tra-
balho da Iniciativa EPDS na UFMS. Por meio da Fapec, foram contratados os
estagiários da pesquisa, diagramador, analista e técnico de AVA, conforme
a previsão do plano de trabalho. O trabalho dessa equipe foi essencial em
todo o processo de oferta do curso e da pesquisa.
Com a equipe constituída, iniciamos várias frentes de trabalho conco-
mitantes, que tinham como objetivo dar o início efetivo aos trabalhos do
curso de especialização, da pesquisa acadêmica e as articulações que ela
suscitava:
• criação do Grupo de Pesquisa em Pobreza, Educação e Desempenho
Escolar (GPEDE) no diretório do CNPq;
• reuniões do grupo de pesquisa para desenvolvimento do projeto de
pesquisa;
• reuniões com os formadores para estudo e análise do material do curso;
• reuniões de planejamento para a aula inaugural do curso;
• criação do ambiente virtual de aprendizagem Moodle;
• melhorias no desenvolvimento do site da Iniciativa EDPS da UFMS;
• confirmação da matrícula no sistema da pós-graduação;
• inserção dos cursistas no Simec;
• cadastro dos cursistas no Moodle.
Tivemos quatro meses de preparação intensa para o início do curso e da
pesquisa. Nesse período fizemos seleção e formação de tutores e profes-
sores do curso. Definimos a metodologia do trabalho a distância e dos en-
contros presenciais, discutimos as atribuições de cada membro da equipe,
organizamos os cursistas em grupos de tutoria e mobilizamos todos para a
participação na abertura do curso.
Nosso objetivo era trazer todos os cursistas, tutores, professores, equipe
técnica e administrativa e coordenadores municipais do Bolsa Família para
esse momento inicial de integração e conhecimento da proposta da Iniciati-
va EPDS. Em 20 de junho de 2015, esse momento concretizou-se, e tivemos
um evento com a participação de 500 pessoas.
Na aula inaugural apresentamos a proposta da Iniciativa Educação, Po-
breza e Desigualdade Social, detalhando as informações e metodologia do
curso e também os objetivos da pesquisa acadêmica. Tivemos uma mesa-
-redonda que discutiu "Democracia, políticas sociais e pobreza no Brasil",
A iniciativa Educação, Pobreza e Desigualdade Social na UFMS: implementação e trajetória de... | 113

uma breve capacitação sobre uso do ambiente virtual de aprendizagem e o


momento de integração dos cursistas com seus tutores.

Metodologia da oferta do curso


Nossa primeira proposta de oferta do curso era para atendimento de
cinco polos no estado de Mato Grosso do Sul. Mas, como era a primeira
experiência, decidimos ofertar em apenas três polos, devido à logística da
oferta, pois na UFMS era obrigatório ter 20% do curso de forma presencial.
Para dar conta dessa demanda e tendo em vista a qualidade da formação
dos cursistas, organizamos os cursistas em turmas menores em cada polo,
com média de 50 cursistas. E cada grupo de tutoria a distância ficou com
uma média de 25 cursistas, além da tutoria presencial, que atendia todos os
cursistas do polo nas aulas e atividades presenciais.
Organizamos quatro turmas no polo de Campo Grande (218 cursistas),
duas turmas no polo de Ponta Porã (100 cursistas) e três turmas no polo de
Corumbá (150 cursistas). A definição dos polos deu-se pela localização geo-
gráfica dos municípios, priorizando dois municípios de fronteira (Corumbá/
Bolívia e Ponta Porã/Paraguai), devido às especificidades das populações
atendidas.

Figura 1 Mapa dos polos da oferta do curso.

Fonte: Costa e Riedner (2018).


114 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume I

Na abertura de cada módulo, realizamos um encontro presencial em


todos os polos, em que eram discutidos os principais conteúdos do módulo
e os cursistas faziam uma atividade avaliativa presencial, com o professor da
turma. No período do módulo, os cursistas realizavam quatro atividades a
distância no AVA, cujo acompanhamento e avaliação eram realizados pelos
tutores a distância.
Quadro 1 Calendário dos encontros presenciais.

Módulo Data da aula presencial


Módulo Introdutório 31/07 e 01/08/2015
Módulo I 02 e 03/10/2015
Módulo II 04 e 05/12/2015
Módulo III 04 e 05/03/2016
Módulo IV 06 e 07/05/2016

Fonte: Costa e Riedner (2018).

Os encontros presenciais tinham duração de 12 horas/aula e foram


momentos de importantes discussões, oportunidades de trocas de experi-
ências que contribuíram para o processo de aprendizagem dos cursistas e
consequente mobilização em defesa da proposta da Iniciativa EPDS.
Ao final de cada módulo era realizado um diagnóstico da turma, e abría-
mos uma atividade de recuperação, para quem não tinha conseguido alcan-
çar a média de aproveitamento. Os cursistas que não pudessem comparecer
ao encontro presencial enviavam uma justificativa, a qual era analisada pela
Comissão Especial de Curso, e, no caso de deferimento, era dada uma nova
chance de fazer a atividade com o tutor presencial no polo.
O diferencial para a manutenção dos cursistas foi a organização das tur-
mas de aula presencial e dos grupos de tutoria. A criação das turmas de 50
cursistas na aula presencial permitiu o desenvolvimento de um momento de
aprendizagem bastante proveitoso e o desenvolvimento de uma avaliação
formativa que dava base para as demais atividades que se seguiriam no am-
biente virtual de aprendizagem.
Nos grupos de tutoria, a estratégia de trabalho de acompanhamento
sistemático dos cursistas teve como recurso principal o aplicativo de mensa-
gens instantâneas "WhatsApp", além dos recursos do Moodle e da página
do Facebook, em que eram publicadas as principais notícias do curso.
A iniciativa Educação, Pobreza e Desigualdade Social na UFMS: implementação e trajetória de... | 115

Os módulos tiveram a duração de 12 meses, e, como não tínhamos inseri-


do no projeto um módulo específico de Metodologia Científica, elaboramos
um Manual de Trabalho de Conclusão de Curso, para orientar e direcionar a
elaboração e execução dos projetos de pesquisa, que deveriam resultar em
um artigo científico dentro de dois eixos de pesquisa.
• Eixo 1 – Pobreza, Direitos Humanos e Educação (47% dos trabalhos):
este eixo temático contemplou pesquisas empíricas que investigaram
o papel estratégico da relação entre educação e direitos humanos no
enfrentamento e na superação da pobreza; os impactos das condicio-
nalidades do Programa Bolsa Família; potencialidades e fragilidades do
Programa Bolsa Família a partir do olhar das famílias beneficiadas;
• Eixo 2 – Escola: espaços e tempos de reprodução e resistências da
pobreza (53% dos trabalhos): este eixo temático contemplou pesquisas
empíricas que investigaram a garantia do direito à educação de crianças,
jovens e adolescentes em situação de pobreza no Mato Grosso do Sul;
as condições físicas (infraestrutura dos prédios) das escolas de Educação
Básica localizadas nos contextos empobrecidos; tempos de trabalho e
lazer das famílias beneficiárias dos programas de transferência de renda;
o perfil educacional das famílias beneficiárias; escolarização das famílias,
a partir de sua inserção na política de transferência de renda; o nível de
interferência dos benefícios do Programa Bolsa Família na vida escolar
das crianças e adolescentes; potencialidades e fragilidades do Programa
Bolsa Família a partir do olhar dos professores/diretores/coordenadores
que recebem os beneficiários em suas escolas.
No início do processo da pesquisa, foi realizado um minicurso sobre ela-
boração de projeto de pesquisa em todos os polos, para dar subsídios aos
alunos na construção da proposta da pesquisa acadêmica. Os projetos de
pesquisa foram elaborados na perspectiva de serem desdobramentos locais
da pesquisa institucional. Todos os projetos deveriam prever uma pesquisa
empírica, para levantamento de dados inéditos, dentro das temáticas do
eixo de pesquisa escolhido.
Após a realização do minicurso, lançamos um formulário em que os alu-
nos cadastraram a proposta da pesquisa, com a escolha do eixo, o título e
os objetivos. Com esse panorama, divulgamos a lista para o cadastro dos
professores orientadores dos trabalhos. Cada orientador poderia escolher
os trabalhos de acordo com a afinidade temática e também com a disponi-
bilidade de orientação.
116 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume I

No período da orientação de TCC, realizamos, em todos os polos, dois


encontros presenciais para orientação de TCC, nos quais os alunos tiveram
oportunidade de conversar com os orientadores, tirar dúvidas, construir os
instrumentos de coleta de dados e acertar a rota da pesquisa, para o bom
desempenho do trabalho. Além dos encontros presenciais, o processo de
orientação aconteceu também com a ajuda dos tutores, por meio do Mood-
le e de grupos no WhatsApp com os orientadores.
Foram realizadas 248 pesquisas no estado de Mato Grosso do Sul, que
resultaram em 248 artigos científicos, aprovados e certificados pela Universi-
dade Federal de Mato Grosso do Sul no ano de 2016. Cada trabalho foi lido
e avaliado pelo orientador e por mais dois pareceristas (mestres e/ou dou-
tores). Dos cursistas formados, 39% atuam na rede municipal, 21% na rede
estadual, 14% na rede federal e 26% não informaram a esfera de atuação. O
gráfico seguinte mostra a área de atuação dos cursistas que finalizaram o
curso.

Gráfico 3 Área de atuação dos cursistas formados.

Fonte: Costa e Riedner (2018).


A iniciativa Educação, Pobreza e Desigualdade Social na UFMS: implementação e trajetória de... | 117

Nos dias 28 e 29 de julho de 2018, realizamos um evento acadêmico


aberto ao público em geral. O I Encontro Estadual da Iniciativa Educação,
Pobreza e Desigualdade Social contou com a ilustre presença do Prof. Dr.
Miguel Gonzales Arroyo na conferência de abertura intitulada "Pobrezas e
Infâncias no Brasil".
Nesse evento, os participantes também tiveram a oportunidade de
conhecer o histórico da implementação da Iniciativa EPDS no Brasil e no
Mato Grosso do Sul na mesa-redonda "O Programa Bolsa Família e suas
implicações no estado de Mato Grosso do Sul: reflexões a partir da implan-
tação da Iniciativa EPDS na UFMS", com a participação da Profa. Dra. Simone
Medeiros.
E também tivemos uma mesa-redonda sobre a implementação da Ini-
ciativa EPDS nos estados do Rio Grande do Norte e Tocantins, com apre-
sentação de alguns resultados das pesquisas institucionais. Além disso, os
alunos tiveram a oportunidade de inscrever seus trabalhos para os grupos
de discussão, com mesas-redondas simultâneas, por eixos, para apresenta-
ção dos resultados das pesquisas desenvolvidas no âmbito do curso de es-
pecialização em Educação, Pobreza e Desigualdade Social. O evento contou
ainda com publicação de 217 trabalhos dos alunos nos anais do evento, que
estão disponíveis na página <http://epds.ufms.br/>.

Trajetória da pesquisa acadêmica


Desde a composição da equipe em setembro de 2014, o grupo de pes-
quisa começou a se reunir para discutir a proposta da pesquisa. Nesse mo-
mento, as diretrizes ainda não tinham sido definidas. Após várias reuniões e
amplas discussões realizadas em cada IPES e do conjunto dos pesquisadores
em Brasília, o documento das diretrizes nacionais para a pesquisa interinsti-
tucional foi finalizado em maio de 2015.
Logo no início da pesquisa, fizemos uma parceria com o Grupo de Pes-
quisa do Laed – Laboratório de Avaliação da Educação da PUC-RIO, que
nos auxiliou no tratamento dos microdados do Sistema Presença para exe-
cução da pesquisa acadêmica. Essas articulações resultaram na criação de
um grupo de pesquisa no âmbito da UFMS, que congrega hoje estudan-
tes de graduação e pós-graduação interessados na temática da Educação,
Pobreza, Desempenho Escolar e Desigualdade Social. O grupo é o Grupo
de Pesquisa em Pobreza, Educação e Desempenho Escolar (GPEDE) e está
cadastrado no CNPq.
118 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume I

Em junho de 2015, o projeto de pesquisa foi cadastrado no sistema inter-


no da UFMS e em outubro de 2015 também foi submetido à análise do Comitê
de Ética em Pesquisa da UFMS, sob o número CAAE 52904215.9.0000.0021,
sendo aprovado no dia 26 de abril de 2016, devido à demora no processo de
autorização da pesquisa pelos municípios.
Os municípios da pesquisa foram escolhidos de acordo com a quantida-
de de beneficiários do Programa Bolsa Família, bem como com as especifi-
cidades das populações atendidas, como assentados, ribeirinhos, indígenas
e quilombolas. O mapa a seguir mostra as concentrações da população
beneficiária por municípios do estado.

Figura 2 Mapa dos beneficiários do Programa Bolsa Família (porcentagem de concen-


tração por município).

Elaboração: Luciano Édipo, membro da equipe de pesquisa (2016).

Após a definição dos municípios, elaboração, teste e aprovação dos ins-


trumentos de pesquisa e da metodologia da coleta de dados, no primeiro
semestre de 2016 foram realizadas as primeiras viagens aos municípios para
A iniciativa Educação, Pobreza e Desigualdade Social na UFMS: implementação e trajetória de... | 119

articulação da pesquisa, conversa com os dirigentes e conhecimento do


campo.
Cada localidade foi atendida por dois ou três pesquisadores do grupo,
totalizando oito viagens para os municípios de Dois Irmãos do Buriti, Antô-
nio João, Nioaque, Miranda, Tacuru, Paranhos, Japorã e Coronel Sapucaia.
Como a equipe de pesquisa residia em Corumbá, não houve necessidade
de deslocamento para esse município. O mapa a seguir mostra a divisão
político-administrativa do estado de Mato Grosso do Sul, para identificação
dos municípios selecionados para a pesquisa de campo.
A segunda etapa de viagens para a coleta de dados aconteceu no pe-
ríodo de agosto a dezembro de 2016. Foram realizadas entrevistas com fa-
mílias, gestores municipais do programa Bolsa Família e professores, além
de um roteiro de observação nas duas escolas com maior concentração de
beneficiários do PBF em cada município no ano de 2015.
Os dados foram analisados à luz da bibliografia que trata sobre a temá-
tica, procurando regularidades, mas também buscando apreender os senti-
dos embutidos nos discursos dos sujeitos, tendo como referencial a técnica
de análise de conteúdo (BARDIN, 1977) com o auxílio do software NVivo
11.2 Por meio desse software foi possível organizar, classificar, categorizar e
analisar todos os dados coletados nos nove municípios visitados no Mato
Grosso do Sul.
Os microdados do Sistema Presença, dados do censo escolar e da assis-
tência social, além dos dados inéditos que foram levantados com a pesquisa
de campo, constituíram o corpus da pesquisa institucional, que permitiu
a descrição e análise dos contextos analisados, para a elaboração de um
panorama estadual das relações entre educação, pobreza e desigualdade
social. Esses dados constituíram um relatório preliminar consubstanciado
da pesquisa institucional da UFMS, mas ainda possuem muitas lacunas de
análise que podem e devem ser explorados em outras investigações.
Para além dos resultados da pesquisa institucional, o principal desdo-
bramento dessa ação foi a criação do GPEDE, cujo objetivo de existência
se constitui como uma continuidade da Iniciativa EPDS na UFMS, com a

2 NVivo é um software que suporta métodos qualitativos e variados de pesquisa. Ele é


projetado para organizar, analisar e encontrar informações em dados não estruturados
ou qualitativos como: entrevistas, respostas abertas de pesquisa, artigos, mídia social
e conteúdo web. Disponível em: <http://www.qsrinternational.com/nvivo-portuguese>.
Acesso em: 19 maio 2016.
120 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume I

meta de ampliar cada vez mais as discussões teóricas sobre a relação entre
educação, pobreza e desigualdade social a partir das experiências locais e
específicas do estado do Mato Grosso do Sul.

O legado da Iniciativa EPDS para a UFMS e para todos os atores


envolvidos
Durante a trajetória da Iniciativa EPDS na UFMS, vários foram os obstácu-
los transpostos para que esse projeto grandioso se efetivasse com qualidade
na instituição. Ao término deste projeto importante e desafiador, percebe-
mos a necessidade de cursos de formação continuada para profissionais da
Educação Básica que consigam incentivar o rompimento de práticas esco-
lares que reforçam a condição de pobreza e reproduzem as desigualdades
sociais.
Quando o curso foi divulgado, ouvimos de muitos professores que, em-
bora tivessem interesse em fazer uma especialização, não queriam se tornar
"especialistas em pobreza". Alguns Trabalhos de Conclusão de Curso trou-
xeram à tona o preconceito que existe nas escolas por parte dos professores
e gestores, que legitimam as condições sociais das crianças pobres como
fator principal para o baixo desempenho escolar dessas crianças e jovens.
Além disso, essas crianças, muitas vezes, são culpabilizadas pela pobreza e
rotuladas pelo recebimento do benefício.
É urgente que essas pesquisas sejam lidas, publicizadas e aprofundadas,
para que sejam criadas políticas e práticas dentro das escolas e demais seto-
res da sociedade, com vistas a desconstruir esses conceitos, possibilitando a
criação de uma rede de discussão e de implementação de estratégias políti-
cas, sociais e culturais que influenciem a mobilização em favor da educação
nos contextos empobrecidos.
No contexto da implementação da Iniciativa EPDS, a articulação com a
Undime no estado do Mato Grosso do Sul aconteceu de forma tímida, uma
vez que em diversas tentativas não obtivemos retorno da Diretoria, inviabi-
lizando um trabalho coletivo entre as instituições. Em contrapartida, a par-
ceria com o Consed ocorreu de forma eficiente e colaborativa, e sua equipe
dispôs-se a acompanhar e colaborar com o planejamento das ações e para a
viabilização da pesquisa institucional.
Outras importantes parcerias foram feitas com a Secretaria de Estado de
Educação, Secretaria de Estado de Assistência Social e, principalmente, com
A iniciativa Educação, Pobreza e Desigualdade Social na UFMS: implementação e trajetória de... | 121

a Coordenação Estadual do Programa Bolsa Família (que foi substituída no


percurso devido à troca do governo estadual). Essas parcerias permitiram-
-nos acesso aos dados das escolas e dos alunos para a realização da pesqui-
sa institucional.
A Iniciativa EPDS na instituição constituiu-se em um marco na formação
de professores da UFMS, seja por contemplar a relação entre pobreza e
educação, tão pouco discutida nos cursos de formação de professores, seja
por envolver diversos profissionais e instituições para o seu funcionamento.
Quando iniciou o período de orientação dos Trabalhos de Conclusão de
Curso, voltamos a conversar com docentes que tinham conhecimento da
proposta, mas que, por diversos motivos, não puderam se envolver. E nesse
momento conseguimos elencar um grupo de quase 90 orientadores, interes-
sados na proposta, que nos ajudaram a construir pesquisas importantes em
todo o estado do Mato Grosso do Sul.
O trabalho em rede, por meio do MEC, da Secadi, da Reitoria da UFMS,
Direção do campus do Pantanal, Comfor, Consed, prefeituras municipais, Se-
cretarias Municipais e Estadual de Educação, Secretarias Municipais e Esta-
dual de Assistência Social, dentre outras, oportunizou a oferta de qualidade
de um curso que contribuiu ao desenvolvimento de práticas e reflexões que
apresentam grande potencial de transformação das condições de pobreza e
de extrema pobreza de crianças, adolescentes e jovens e, consequentemen-
te, de promoção de condições objetivas que viabilizem, cada vez mais, um
justo e digno viver definido socialmente.
Além disso, é importante destacar que a Iniciativa EPDS trouxe visibilida-
de para o interior, para o campus do Pantanal, para os docentes que atuaram
no curso e na pesquisa. Foi o primeiro curso de pós-graduação lato sensu
ofertado a distância pelo campus do Pantanal. E o projeto que foi rejeitado
na "capital", por ser considerado de pouca importância, fez do CPAN co-
nhecido pelo sucesso na formação, nas articulações, nos eventos realizados
e na pesquisa.

Reflexões sobre o percurso


Como gestoras desse projeto, dividimos o nosso trabalho em duas
frentes: uma administrativa e outra pedagógica. Mas em todo o percurso
caminhamos juntas, sempre acompanhando todas as ações e suprindo as
necessidades de cada frente de trabalho, mesmo no interior.
122 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume I

Olhando para nossa trajetória nesse projeto, podemos afirmar com mui-
ta propriedade que a Iniciativa EPDS modificou as nossas vidas (no âmbito
pessoal e profissional) e transformou a nossa forma de perceber, de ser, de
realizar, de pesquisar, de lecionar, de compreender. Temos a sensação de
termos vivido trinta anos de experiência em três anos de atuação, pela enor-
midade de experiências, conhecimentos, contatos, aproximações e distan-
ciamentos que tivemos a oportunidade de vivenciar nesse período.

Referências
ARROYO, M. G. Pobrezas e infâncias no Brasil. Palestra proferida na conferência de abertura do I
Encontro Estadual da Iniciativa Educação, Pobreza e Desigualdade Social da UFMS. 28 de julho de
2017. Disponível em: <https://youtu.be/Rig-9B4HAcw>. Acesso em: 09 out. 2018.
BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1977.
COSTA, A. C. P.; RIEDNER, D. D. T. Educação, pobreza e desigualdade social: alguns indicadores
do contexto sul-mato-grossense. Relatório de pesquisa. Campo Grande: UFMS, 2018.
6

A implementação de políticas públicas:


lógicas de ação das burocracias de rua
Marisa R. T. Duarte

Contexto da iniciativa de formação

Em 2014, a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) recebeu


proposta da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diver-
sidade e Inclusão (Secadi) do Ministério da Educação para implementar
curso de especialização a distância da Iniciativa Educação Pobreza e De-
sigualdade Social (EPDS). O Projeto Político-Pedagógico (PPP) e o material
pedagógico-didático foram previamente elaborados e disponibilizados
pela Secadi/MEC, a redação de dois módulos contou com a participação
de professores(as) desta universidade, e a equipe de coordenação do curso
na UFMG elaborou módulo específico, orientador do desenvolvimento do
trabalho de conclusão de curso ao longo do período formativo. Entre os
objetivos da iniciativa, encontrava-se a formação de profissionais envolvidos
com políticas sociais, voltadas para a educação escolar da população pobre
do país. Nessa proposta caberia à universidade implementar a formação de
implementadores(as) de políticas sociais.
Quando da preparação do curso de especialização, o país foi marcado
por uma das mais acirradas disputas eleitorais para a presidência da repúbli-
ca, cujo resultado final foi desrespeitado dois anos depois, mediante golpe
parlamentar.1 As ações de formação iniciadas e desenvolvidas ocorreram em

1 Em 31 de agosto de 2016, o Senado aprovou o impeachment da Presidenta da Repú-


blica, sob a alegação de crime de responsabilidade por ter promulgado decreto de
créditos suplementares. Neste mesmo período, crescem as investigações contra agen-
tes políticos dos diferentes partidos por crime de corrupção e caixa dois.
124 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume I

um período de difusão midiática de medidas policiais e judiciais de combate


à corrupção entre agentes políticos. Expandia-se pelo país uma narrativa
de rejeição às ações governamentais focalizadas na população mais pobre,
e a essas políticas atribuía-se uma função de assistência e/ou clientelismo.
Seriam também ações governamentais responsáveis pela ampliação do
número de funcionários públicos e crescimentos de despesas consideradas
como não produtivas. Manchetes destacavam as denúncias de corrupção,
mas eram silentes a respeito dos efeitos do sistema de financiamento de
campanhas, de formação de coalizões governamentais e, especialmente,
dos investimentos e financiamentos públicos que subsidiaram o setor pri-
vado. Um modelo de ajuste das contas públicas, divulgado por todo o pe-
ríodo, fomentava redução de despesas com políticas sociais, em especial
a redução nas de pagamento de pessoal. No intervalo de três anos entre
a preparação da implementação local do curso e sua conclusão em março
de 2017, cresceram as narrativas em torno da necessidade de redução do
gasto público, tema central da condução do projeto político que perdeu as
eleições de 2014. Neste contexto políticas desconectadas de movimentos e
demandas sociais passaram a ser formuladas por grupos de interesse mais
restritos.
Reemerge um quadro normativo em que programas focalizados nos
mais pobres, como o Programa Bolsa Família (PBF), orientado por valores de
assistência social como direito e dever do Estado, foram, paulatinamente,
postos em questão. Valores orientadores de ações individuais, pautados por
uma lógica competitiva, como empreendedorismo, desregulação dos mer-
cados e premiação aos considerados mais capazes, adquirem visibilidade e
difusão. Neste país, crescem políticas promotoras de accountability pela via
da competição, com base em formas de sociabilidade fundadas na naturali-
zação das desigualdades sociais. É nesse contexto que analisar o modelo de
intervenção desenhado para a iniciativa EPDS e seu curso de especialização
a distância e sua relação com a implementação desenvolvida na UFMG pro-
duz fortes interrogações sobre a efetividade dos resultados alcançados.
Este artigo procurou sintetizar essas reflexões mediante a construção do
seguinte quadro de análise. Inicialmente expõe o significado, a distinção e
a relevância do conceito de políticas públicas. Esta formulação orienta, em
sequência, a análise da função política e da atuação da chamada burocracia
de rua. Em seguida procurou sintetizar o conteúdo do projeto pedagógico
do curso em relação à educação escolar. O tópico final aborda a tradução
A implementação de políticas públicas: lógicas de ação das burocracias de rua | 125

efetuada pelos cursistas, profissionais implementadores de políticas sociais,


sobre a relação entre educação e pobreza.

Políticas públicas e ação governamental na área educacional


Na organização do Ministério da Educação, cabe à Secadi o desenvol-
vimento de políticas nas áreas de alfabetização, educação de jovens e adul-
tos, educação de direitos humanos, educação especial, educação escolar
do campo, indígena, quilombola e das relações étnico-raciais etc. Criada
com a função de articular a educação escolar com o desenvolvimento de
políticas para reconhecimento e superação de múltiplas desigualdades
(BRASIL, 2004), essa unidade administrativa do Ministério passou por dife-
rentes processos de reorganização no intervalo de 2004 a 2008 até o formato
e denominação institucional atual.2 Sua organização político-administrativa,
ao longo do tempo, expressa como o modelo clássico de formulação e
implementação de políticas sociais, formuladas e conduzidas centralmente
pelo aparato estatal, foi paulatinamente alterado em contextos mais demo-
cráticos (Quadro 1).

2 A estrutura organizacional do MEC passou por reorganização (BRASIL, 2007), que rede-
finiu o escopo de algumas das competências da Secad e revogava o decreto anterior de
criação. Em 2011, nova norma administrativa atribuiu ao Ministro da Educação a elabora-
ção de regimento interno para explicitar as competências das unidades administrativas
do ministério (BRASIL, 2011); detalhou a função política de inclusão, que modificou o
nome da Secretaria e a reorganizou por área de atuação no sistema educacional bra-
sileiro. No ano seguinte, duas novas normas administrativas alteraram competências
das unidades da Secretaria. As modificações efetuadas em 2011 foram revogadas em
2012, quando as diretorias administradas pela Secadi foram reorganizadas por novas
subáreas de atuação (BRASIL, 2012a, 2012b).
126 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume I
Quadro 1 Regulação das políticas públicas de reconhecimento na área da educação.

Organização da Secadi Movimentos sociais e/ou fóruns Instrumento(s) orientadores de


representativos da área programas/políticas específicas
Diretorias Coordenações de áreas

Políticas de Educação do Campo Primeiro Encontro Nacional de Diretrizes Operacionais para a Educação
Trabalhadores Sem Terra (jan. 1984); Básica nas Escolas do Campo (CNE-
Campo, Indígena e para as

Movimentos dos Trabalhadores Rurais CEB, 2002); CNE/CEB no 2/2008;


Políticas de Educação do

Relações Étnico-Raciais

Sem Terra (MST); I Conferência Nacional diretrizes complementares, normas e


por uma Educação Básica do Campo princípios para o desenvolvimento de
(1998). políticas públicas de atendimento da
Educação Básica do Campo.
Educação para as Relações Étnico-Raciais Movimento negro unificado. Lei no 10.639, de 9 de janeiro de 2003;
Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Educação das Relações Étnico-Raciais
e para o Ensino de História e Cultura
Afro-Brasileira e Africana (CNE-CP,
2004).
Educação Escolar Indígena Articulação dos povos indígenas do Brasil Declaração sobre os Direitos dos Povos
(2005) Indígenas (ONU, 2007).
Alfabetização Movimentos de educação popular; I Resolução CNE/CEB no 1, de 5 de julho de
a Juventude, Alfabetização
Diretoria de Políticas para

Encontro Nacional de Educação de 2000. Estabelece Diretrizes Curriculares


e Educação de Jovens e

Educação de Jovens e Adultos Jovens e Adultos (Eneja), realizado no Nacionais para a Educação de Jovens
estado do Rio de Janeiro em 1999; e Adultos.
V Conferência Internacional sobre Educação
Adultos

de Adultos, que aconteceu em


Hamburgo, Alemanha, em julho de
1997.

Política Educacional para a Juventude Movimentos de juventudes/Fóruns da


juventude (Unesco); As Conferências
Internacionais de Educação de Adultos
(ONU)
A implementação de políticas públicas: lógicas de ação das burocracias de rua | 127
Quadro 1 (continuação) Regulação das políticas públicas de reconhecimento na área da educação.

Organização da Secadi Movimentos sociais e/ou fóruns Instrumento(s) orientadores de


representativos da área programas/políticas específicas
Diretorias Coordenações de áreas

Acompanhamento da Inclusão Escolar Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria Programa Fome Zero (2003); Lei Federal no
Direitos Humanos e

e pela Vida (1993); 1a Conferência 10.836.


Educação em

Nacional de Segurança Alimentar e


Diretoria de
Políticas de

Cidadania

Nutricional (1994).
Direitos Humanos Movimento dos Trabalhadores sem Teto União Civil entre pessoas do mesmo sexo
(MTST, 1997); Somos (1978); Encontro (2011).
Brasileiro de Homossexuais e Lésbicas
(1997).

Política Pedagógica da Educação Especial Conferência Mundial de Necessidades Diretrizes Nacionais para a Educação
Políticas de
Educação

Educativas Especiais: Acesso e Especial na Educação Básica, 1999;


Especial

Política de Acessibilidade na Escola Qualidade (Unesco, 1994); Convenção Decreto no 3.298 que regulamenta a Lei
da Guatemala (1999). no 7.853/89.
Articulação da Política de Inclusão nos
Sistemas de Ensino

Elaboração: autores.
128 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume I

As temporalidades dos movimentos sociais, das decisões pelos po-


deres públicos, da formulação de projetos e programas são assíncronas e
sem causalidade direta. Nos termos postos por Ball e Bowe (1994), trata de
um contexto de influência em que ideias produzidas em outros lugares são
recepcionadas e traduzidas por atores interessados em construir narrativas
políticas que articulem suas ações e interesses com os daqueles que são
diferentes, diversos e desiguais. As alterações promovidas na organização
político-administrativa da Secadi são reveladoras da influência de movimen-
tos sociais e ações coletivas na construção de novas agendas para a área
da educação (Quadro 1). Para além da chamada Educação Básica regular,
direito não efetivado para muitos deste país, pautas sociais diversas por re-
conhecimento e reparação reconfiguram a administração com o objetivo de
formular novas respostas políticas.
Políticas públicas em contextos democráticos são "ações coletivas que
participam da criação de determinada ordem política e social, da direção da
sociedade, da regulação de suas tensões, da integração dos grupos e/ou
da resolução de conflitos" (LASCOUMES; LE GALÈS, 2012, p. 32). Confron-
tados com a introdução de uma questão na agenda, os poderes públicos
dispõem de um vasto conjunto de respostas possíveis, porém, estas contêm
espaços autônomos para a ação. Fóruns, congressos e organizações sociais
são instâncias de consulta ou mesmo de decisão, em que funcionários pú-
blicos, políticos e/ou experts circulam e advogam pela adoção de princípios
ou ideias orientadoras do desenho de programas governamentais. Desse
modo, alternativas de ação são postas na agenda.
Na área educacional, políticas e programas de formação continuada
de seus profissionais receberam a atenção de diferentes pesquisadores e
entidades envolvidos com ações em torno da profissionalização docentes
(FREITAS, 2002), desde a década de 1990. Nessa década os programas de
formação em áreas específicas de conhecimento foram predominantes e,
em sequência, programas de formação de profissionais envolvidos com a
administração dos sistemas e das escolas públicas (gestores, coordenado-
res, dirigentes, conselheiros etc.). As demandas por reconhecimento de gru-
pos sociais excluídos ou segregados adquirem maior visibilidade nas últimas
décadas e receberam dos poderes públicos, entre um conjunto de respostas
possíveis, a formulação de programas direcionados para políticas de forma-
ção continuada dos profissionais nelas envolvidos (Quadro 1). Nesse proces-
so, a elaboração do desenho dos programas de formação foi coordenada
A implementação de políticas públicas: lógicas de ação das burocracias de rua | 129

por agentes do Ministério da Educação em conjunto com representantes


dos movimentos/entidades envolvidos, e a implementação fez-se por inter-
médio de Instituições Federais de Ensino (Ifes) convidadas a participar ou de
funcionários e agentes públicos situados nos governos locais.
Na maioria das vezes, distantes das entidades/movimentos que influen-
ciam projetos de formação e da burocracia responsável pelo desenho do
programa, os implementadores são vistos como responsáveis pela execução
da proposição política previamente detalhada. Esse referente considera-os
como receptivos à proposta e deles se espera adesão. Um segundo pres-
suposto projeta-os como atores pouco responsivos, portadores de práticas
tradicionais, e por essa razão caberia aos formuladores estabelecer meca-
nismos de monitoramento da implementação e dos resultados obtidos. A
burocracia de rua é, quase sempre, considerada como um conjunto homo-
gêneo de atores direcionados para a consecução dos objetivos definidos
anteriormente no processo decisório.
Toda política passa por certa representação da realidade, ou seja, pro-
posições a respeito de medidas para redução das desigualdades são con-
dicionadas por referentes cognitivos a esse respeito, que influenciam tanto
as representações em torno desse fenômeno, suas consequências como as
práticas que o efetivam. Por essa razão a análise de processos de implemen-
tação de políticas públicas envolve o conhecimento da burocracia de rua, de
seus valores, interesses e relações com os formuladores e destinatários das
políticas. Arretche (2002) argumenta que entre os objetivos pretendidos e o
desenho concebido para as políticas públicas há uma grande distância: "a
implementação efetiva, tal como esta se traduz para os diversos beneficiá-
rios, é sempre realizada com base nas referências que os implementadores
de fato adotam para desempenhar suas funções" (ARRETCHE, 2002, p. 50)
Essa separação decorre da cadeia de decisões tomadas pelos imple-
mentadores no contexto em que operam, e a este estrato da burocracia
pública se dirigiu a formação do curso de especialização apresentado pela
Secadi.

Implementação de políticas públicas


O trabalho pioneiro de Lipsky (1980) reconhece a "burocracia de rua"
como implementadores de políticas públicas, por seu contato direto com os
usuários dos serviços. Para este autor, essa parcela da burocracia é composta
130 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume I

de funcionários (policiais, professores, agentes de saúde), cuja atividade os


põe em contato direto com as singularidades de indivíduos, com diferentes
experiências de vida, personalidades, expectativas e necessidades. É por
meio desses agentes que a população interage com a administração pú-
blica, pois distribuem benefícios e sanções afetando o bem-estar dos(as)
cidadãos(as); ensinam aos usuários, de modo explícito ou implícito, como
devem se portar para entrar no sistema de prestação de serviços ou adquirir
informações a respeito (LIPSKY, 1980).
Serviços que asseguram direitos sociais requerem de seus profissionais
conhecimentos e competências relacionais. Essas atividades envolvem, com
maior ou menor intensidade, a depender do contexto em que operam, inter-
mediar conflitos, contatar desconhecidos(as), atenção e cuidado com o ou-
tro, reconhecimento de singularidades e interpretação de situações diversas.
São profissões que requerem ao mesmo tempo expertise, posicionamento
ético e práticas de interação. A presença e as características pessoais dos
prestadores influenciam as ações desenvolvidas, e a proximidade com os
usuários dos seus serviços pode convertê-los em representantes potenciais
de suas demandas.
A formação profissional das burocracias de rua que implementam pro-
gramas sociais abrange diferentes áreas de conhecimento. São em grande
parte profissionais da área de saúde, educação, segurança pública e assis-
tência social, mas outros que atuam no campo se profissionalizaram como
administradores, psicólogos, sociólogos, advogados etc. Diferentes forma-
ções profissionais modelam múltiplos dispositivos e ferramentas técnico-
-políticos para a prestação desse serviço. Ao tomar como referência a fre-
quência à escola de crianças pobres, esses diferentes profissionais devem,
além de acompanhar sua presença, verificar os motivos de faltas, a situação
de aprendizado da criança e, se necessário, encaminhamentos para atenção
básica à saúde. São ações que requerem múltiplas interações e a regulação
situada de ações intersetoriais.
Demaly (2008), ao analisar as práticas do trabalho relacional, conclui
a respeito da hipertrofia de racionalização, decorrente das políticas de fi-
nanciamento, de avaliação e de controle do comportamento no trabalho,
nas atividades de seus profissionais. Robotização e redução da dimensão
relacional são produzidas por normas de regulação institucional, que mol-
dam subjetividades desconectadas dos contextos em que atuam, median-
te demandas as mais variadas. Fenômeno muitas vezes explicado pelas
A implementação de políticas públicas: lógicas de ação das burocracias de rua | 131

características psicossociais dos agentes de rua, a desconexão subjetiva e


uma execução automatizada das atividades são efeitos de condições insti-
tucionais e organizacionais que acabam por estreitar margens de interação
entre esses agentes e seu público.
Diferentes autores (ARRETCHE, 2010, 2013; MACHADO; PALOTTI,
2015) reconhecem a função de coordenação federativa das políticas sociais
exercida pela União, mediante a formulação de programas de abrangên-
cia nacional. Muitos desses programas estabelecem mecanismos políticos
de indução dos governos subnacionais para implementá-los. Em relação
ao PBF, os municípios devem promover visitas domiciliares às famílias de
baixa renda periodicamente para efetuar o cadastramento. Cabe aos go-
vernos subnacionais nomear e cadastrar a burocracia de rua necessária ao
programa. Esses agentes respondem simultaneamente aos governos que os
nomearam/indicaram, às regras formuladas pelo programa e às situações
concretas apresentadas pelos usuários. Suas respostas, por sua vez, são in-
fluenciadas por lógicas de ação, em que valores e práticas locais dirigem
condutas e escolhas.
Em contrapartida, um cadastro nacional de usuários e agentes serve de
referência para a territorialização de outros programas sociais, seja nacional,
estadual ou local. O cadastro do PBF permite à União e aos demais entes
conhecer a distribuição e as características das famílias de baixa renda e sua
adequação às regras do programa. Porém, o cruzamento dessas informações
reforça o monitoramento dos profissionais de rua, sem expor as situações
concretas por eles vivenciadas. A condição social de pobreza manifesta-se e
de modo contundente nesses espaços de formação e de vivência profissio-
nal (MEC, 2014).

Projeto político-pedagógico e o reconhecimento dos


implementadores
O projeto político-pedagógico (PPP) do curso de especialização a dis-
tância EPDS fundamenta-se no reconhecimento da relação entre pessoas
pobres e educação escolar. O público-alvo da formação pretendida foi iden-
tificado como "profissionais da educação básica e outros(as) profissionais
envolvidos com políticas sociais que estabelecem relações com a educação
de crianças, adolescentes e jovens que vivem em circunstâncias de pobreza
ou extrema pobreza" (MEC, 2014), ou seja, a burocracia de rua responsável
132 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume I

pela implementação das políticas sociais. O desenho do PPP espera que


o curso contribua para a sensibilização das relações existentes entre edu-
cação, pobreza e desigualdade social e possa promover a reeducação do
quadro cognitivo pelo qual esses profissionais interpretam suas vivências.
O fundamento justificador do desenho curricular do curso considera
que:

os profissionais da educação básica, sobretudo aqueles que atuam em


contextos sociais empobrecidos, demonstram dificuldades em tratar do
tema, atuando por meio de interpretações da pobreza a partir de pers-
pectivas imprecisas, negligenciadas e, por vezes, discriminatórias. Para
essas autoras, essa visão decorre, em grande medida, da ausência de
formação docente para tratar das circunstâncias e vivências da pobreza,
bem como para compreender sua dinâmica social e escolar (YANNOU-
LAS; DUARTE, 2013 apud MEC, 2014, p. 15).

Esse pressuposto, presente na literatura de política educacional, questio-


na uma formação docente, silente quanto à vivência profissional em espaços
de pobreza. Mas uma das questões apresentadas no PPP do curso indaga
se "as condições físicas das escolas públicas populares permitem vivências
de espaços e tempos de um justo e digno viver?" (MEC, 2014). Para essa
questão a pesquisa desenvolvida pela UFMG fundamentou uma resposta
negativa. A pesquisa elaborou três agrupamentos quanto à infraestrutura
disponível nas escolas.
Um primeiro grupo, denominado como "adequado", caracteriza-se
por um conjunto de escolas que dispõem de maior número de itens; um
segundo grupo, denominado "intermediário", distingue-se do anterior por
não dispor de local e pessoal adequado para o atendimento a portador de
deficiência e para a alimentação do escolar. Porém, o terceiro agrupamento
de escolas, denominado como "precário", praticamente dispõe apenas da
sala de aula, um prédio para funcionamento e ligação de eletricidade à rede
pública. Estas últimas escolas, prevalentemente municipais e localizadas nas
zonas rurais da região Nordeste, atendem 13,8% das matrículas monitoradas
pelo PBF. Entretanto, escolas com oferta de turmas no Ensino Fundamental
e com condições precárias de infraestrutura são frequentadas por um menor
número de alunos(as), mas essas escolas concentram maior proporção de
alunos(a) de famílias que participam do PBF.
A implementação de políticas públicas: lógicas de ação das burocracias de rua | 133

Gráfico 1 Distribuição percentual da matrícula no Ensino Fundamental e de alunos


de famílias participantes do PBF, de acordo com os agrupamentos de condições de
oferta das escolas e entidade mantenedora.

Fonte: PesqInfraestrutura (2013).

Esses achados de pesquisa questionam a centralidade da atuação dos


docentes para o atendimento a alunos pobres. Os resultados indicam que
mesmo as melhores escolas para os padrões brasileiros não dispõem de
recursos necessários ao ensino, como laboratórios de ciência e bibliotecas.
Porém, nessas escolas a presença de crianças monitoradas pelo programa
está distribuída nos mesmos padrões do conjunto da matrícula. O que efeti-
vamente ocorre é a concentração da pobreza em escolas municipais rurais,
situação esta relegada na agenda das políticas públicas de educação da
atualidade.

Características e narrativas da burocracia de rua


O processo seletivo dos implementadores desenvolvido pela UFMG
ponderou os seguintes critérios: profissionais com atuação em municípios
com menor IDHM e em contato com crianças de famílias participantes do
PBF. Após a divulgação do edital, o número de inscrições recebidas repre-
sentou uma razão aproximada de mais de oito candidatos por vaga.
134 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume I

Figura 1 Distribuição das inscrições ao curso de especialização de acordo com os


municípios do estado de Minas Gerais.

Fonte:

A demanda pelo curso de especialização surpreendeu a equipe de co-


ordenação, e a preparação da distribuição em polos por regiões do estado,
conforme planejamento inicial, foi a opção da coordenação na UFMG.3 Com
o objetivo de expor lógicas que orientam as ações dos profissionais selecio-
nados e participantes do curso em sua interação com o(a) estudante pobre,
este estudo analisou o conteúdo de 50 dos 116 trabalhos de conclusão de
curso (TCC) aprovados. O tema dos limites da educação escolar na redução
da pobreza está presente em 25% da amostra de TCCs. Um segundo tema
foi abordado em aproximadamente 20% dos TCCs amostrados. Ao analisar
a introdução desses trabalhos foi possível verificar que a escolha do tema
de estudo foi direcionada pelo curso realizado ou pela situação de traba-
lho com crianças e jovens pobres. Nesses casos, os TCCs informam mais a

3 A opção inicial era de inscrever os cursistas selecionados em cidades polo mais pró-
ximas do município de residência. No entanto, o deslocamento para essas cidades
apresentava dificuldades maiores que para Belo Horizonte.
A implementação de políticas públicas: lógicas de ação das burocracias de rua | 135

respeito dos limites das atividades realizadas sem uma reflexão crítica os
limites das ações por eles(as) desenvolvidas.
Um terceiro conjunto de TCCs (24%) abordou o Programa Bolsa Famí-
lia nas cidades onde atuavam ou residiam os cursistas e seus efeitos sobre
as trajetórias escolares. Os conteúdos trabalhados envolviam as condicio-
nalidades do programa e sua potencialidade de superação da situação de
pobreza. A reflexão contida nesses estudos expõe a apreensão simultânea
da importância do programa e de seus limites. Um quarto agrupamento
temático abordou o atendimento à pessoa deficiente pobre (11%). Nesses
estudos a escola é posta em questão pela falta de condições (materiais e
de profissionais) para este atendimento. Em linhas gerais os estudos abor-
dam a pobreza das escolas para o atendimento a pessoas deficientes. Em
sequência encontram os estudos sobre o trabalho infantil, seja em empresas
privadas ou nos espaços domésticos, como causador do abandono ou do
menor aprendizado nas escolas. Nestes estudos, a crítica às desigualdades
de condições sociais como obstáculo ao direito é mais evidente. O grupo
final, com temas diversos (8%), abrangeu a educação escolar no sistema
prisional, os possíveis efeitos de outros programas governamentais sobre a
pobreza e a formação em direitos humanos. Estes estudos requerem mais
investigações para sintetizar o tratamento analítico e as reflexões efetuadas
face o menor número de TCCs amostrados.

Pobreza e múltiplas desigualdades


As dimensões de ação coletiva da burocracia de rua não foram diag-
nosticadas nos relatos e investigações de conclusão de curso. Os achados
de pesquisa sugerem que esses atores intervêm de modo individual ao se
relacionar com pessoas pobres. Ações coletivas intersetoriais não foram
exploradas nos TCCs analisados. Valor recorrente na condução das lógicas
de ação desses profissionais era o de assistência como prestação de benefí-
cios, e não o reconhecimento de seu trabalho como de prestador de serviço
que assegura direitos. Trata-se de um quadro cognitivo de reconhecimen-
to do outro como pessoa pobre e merecedora de assistência, e não como
cidadão(ã) portador de direitos.
Este artigo foi escrito ao longo das eleições gerais realizadas em 2018 no
país. Essas eleições difundiram narrativas em torno da ascensão pelo mérito
e esforço, e esses princípios orientadores de agendas de políticas públicas
136 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume I

sugerem mudanças nas culturas de assistência à pobreza na direção do


reconhecimento da pessoa pobre como responsável pela mudança de sua
situação, desresponsabilizando os demais estratos sociais.

REFERÊNCIAS
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monstrativo dos Cargos em Comissão da Secretaria Geral da Presidência da República, dispõe
sobre o remanejamento de cargos em comissão, altera o Anexo II do Decreto no 5.135, de 7 de
julho de 2004, os Anexos I e II do Decreto no 6.188, de 17 de agosto de 2007, e os Anexos I e II do
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7

Educação, Pobreza e Desigualdade


Social no Piauí: diálogos a partir de
experiências formativas e de pesquisa
Eliana de Sousa Alencar Marques
Josélia Saraiva Silva
Rosa Lina Gomes do Nascimento Pereira da Silva

Introdução

Entre os anos de 2015 e 2016, a Universidade Federal do Piauí (UFPI),


em parceria com o Governo Federal, ofereceu o curso de especialização em
Educação, Pobreza e Desigualdade Social à comunidade piauiense, precisa-
mente aos professores da Educação Básica e outros profissionais (assistentes
sociais, psicólogos, enfermeiros, agentes de saúde, economistas, advoga-
dos etc.) que atuam direta ou indiretamente no atendimento de crianças,
adolescentes e jovens assistidos pelo Programa Bolsa Família no estado do
Piauí.
O curso desenvolveu-se a partir de atividades teórico-práticas nas quais
foi possível aos cursistas estabelecer relações entre as temáticas educação,
pobreza e desigualdade social e analisar os impactos dessa relação na vida
dos alunos e alunas de escolas públicas que vivem em situação de pobre-
za e extrema pobreza. O objetivo primordial do curso foi colaborar com a
transformação dos modos de compreender, sentir e agir dos profissionais
da educação que trabalham com estudantes vinculados ao Programa Bolsa
Família e, portanto, alunos e alunas que sofrem formas diversas de exclusão
social.
138 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume I

O curso foi desenvolvido a partir de duas atividades complementares:


formação continuada de profissionais da educação e áreas afins e realização
de pesquisa. A programação relativa à formação continuada na modalidade
a distancia aconteceu por meio de cinco módulos. Ao final de cada módulo,
os cursistas reuniam-se na UFPI, campus central, para realizar a atividade de
reflexão-ação. A programação relativa à pesquisa foi desenvolvida paralela-
mente a essa atividade.
Neste artigo, apresentamos de forma breve o relato que reúne parte dos
resultados alcançados com a realização do curso, tanto em seus aspectos re-
lativos à formação continuada dos cursistas como em relação à pesquisa de
campo e seus principais resultados. O artigo está organizado em três partes.
Na primeira, apresentamos um breve retrato dos dados quantitativos que
descrevem parte das características do curso. Na segunda parte, analisamos
narrativas de cursistas e tutores nas quais foi possível avaliar a transformação
de significações sociais acerca de como a relação entre a pobreza e a desi-
gualdade social pode determinar o futuro de crianças, adolescentes e jovens
em idade escolar. Na terceira e última parte, apresentamos dados relativos
à pesquisa de campo realizada pela equipe de pesquisadores vinculados ao
projeto.
Finalizamos tecendo considerações acerca da potência de processos
formativos dessa natureza que, ao contribuírem com a transformação do
modo de compreender, sentir e agir dos profissionais da educação, realizam
transformações objetivas na vida de alunos e alunas que vivem em situação
de pobreza no estado do Piauí.

Panorama geral do curso de especialização em Educação, Pobreza


e Desigualdade Social na UFPI
O curso teve início em junho de 2015 e finalizou suas atividades em
dezembro de 2016. Ao todo, foram formadas 13 turmas, divididas em três
polos: Teresina (sete turmas), Parnaíba (três turmas) e Floriano (três turmas).
Os dados do gráfico (Figura 1) sugerem que ainda permanece alto o índi-
ce de discentes que evadem dos cursos de pós-graduação na modalidade a
distância. Essa realidade pode ser explicada por vários fatores, dentre eles a
dificuldade que muitos brasileiros enfrentam para conseguir ter acesso à in-
ternet de qualidade nas mais diferentes localidades do Brasil. No Piauí, essa
realidade não é diferente. Somando a esse fator, outros ainda aparecem na
Educação, Pobreza e Desigualdade Social no Piauí: diálogos a partir de experiências formativas... | 139

lista de motivos de desistência, como falta de habilidade com as ferramentas


tecnológicas, a pouca intimidade com a plataforma da aprendizagem etc.

Figura 1 Gráfico de distribuição dos discentes matriculados no curso e informações do


quantitativo de desistentes.

Elaboração: autoras, a partir dos dados do questionário aplicado com os cursistas.

O início do curso foi marcado pela aula inaugural, que ocorreu na tarde
do dia 22 de junho de 2015, no auditório do Colégio Técnico de Teresina
(CTT) com a apresentação da palestra "Educação e Pobreza: Reflexões a
partir do Programa Bolsa Família", ministrada pela Profa. Dra. Natália Duarte,
da Universidade de Brasília-DF.
O curso foi distribuído em cinco módulos, com duração de quatro me-
ses cada. Ao final de cada módulo, os cursistas reuniam-se na UFPI para
apresentação dos resultados das atividades de reflexão-ação proposta para
cada módulo. A equipe que compunha todo o curso foi constituída de duas
coordenadoras, uma equipe de pesquisa, 13 tutores e professores orienta-
dores de TCC.
Ao final do curso foram produzidos três livros contendo relatos de pes-
quisas, oriundos dos trabalhos finais de conclusão de curso, e um livro resul-
tado das duas pesquisas de campo.
140 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume I

A pobreza, a educação e a realidade social dos alunos e alunos das


escolas do Piauí: significados e sentidos produzidos pelos cursistas
sobre essa relação
De acordo com Vigotski (2000), a maneira de compreender, sentir e agir
dos seres humanos, ao mesmo tempo em que traduz modos de significar a
realidade sócio-histórica, também evidencia uma produção sócio-histórica.
O que isso quer dizer?
Nas palavras de Vigotski (2000), quer dizer que toda atividade humana é
significada, e essa significação é resultado da relação desse ser humano com
a realidade. Portanto, se o modo de significar a realidade é constituído na
relação social, a transformação dessa significação também resulta da nossa
relação com o social.
Significados são modos de compreender a realidade histórica. Segundo
Marques e Carvalho (2015, p. 19),

O significado da palavra é, ao mesmo tempo, fenômeno do pensamento


e do discurso, o que significa a unidade da palavra com o pensamento.
No campo semântico, corresponde a relações que a palavra encerra. No
campo psicológico, são generalizações, conceitos que são partilhados,
construídos e reconstruídos historicamente pelos homens que dividem
a mesma cultura. Em outras palavras, é o que possibilita a comunicação
entre os homens.

São os significados partilhados que revelam de forma mais imediata


como nós compreendemos a realidade, mas eles não mostram como essen-
cialmente nós sentimos essa realidade. De acordo com Vigotski (2009), é pela
expressão dos significados, a forma mais imediata da nossa consciência, que
chegamos a conhecer o sentido, aquilo que de fato a coisa representa para
nós, o modo como nos afeta, nos motiva. Ainda de acordo com Marques e
Carvalho (2015, p. 20),

O pensamento nunca é igual ao significado direto das palavras. O signifi-


cado medeia o pensamento em sua caminhada rumo à expressão verbal,
mediatizado pelos sentidos. Nessa direção, entendemos o sentido como
fenômeno do pensamento e do discurso mediatizado pelas motivações
que subverte o significado.

As significações são, portanto, o resultado dialético da relação en-


tre significado e sentido, aquilo que representa a expressão de como
Educação, Pobreza e Desigualdade Social no Piauí: diálogos a partir de experiências formativas... | 141

compreendemos e sentimos a realidade, o modo como interpretamos o


mundo e os processos.
Imbuídos desses pressupostos, sustentamos nossas ações durante a re-
alização do curso de especialização em Educação, Pobreza e Desigualdade
Social. Demos início às ações formativas do curso conhecendo as significa-
ções sociais produzidas pelos cursistas sobre as determinações que a po-
breza ocasiona na vida das pessoas, sobretudo na vida escolar de crianças,
adolescentes e jovens vinculados ao Programa Bolsa Família.
O acesso a essas significações dava-se sempre por meio de relatórios
que os tutores enviavam para a coordenação do curso ao final de cada mó-
dulo. Essas significações eram produzidas por meio de entrevistas semies-
truturadas, realizadas ao final da atividade de reflexão-ação desenvolvida na
conclusão de cada módulo, por meio de encontros presenciais. O excerto
a seguir reproduz um momento de reflexão-ação em que um dos cursistas
relata o que viu e sentiu ao realizar a atividade proposta pelo tutor:

O encontro presencial ocorrido no dia 21 de novembro de 2015 mar-


cou o encerramento do Módulo I com a apresentação da atividade de
reflexão-ação. A atividade propunha um envolvimento do cursista com a
realidade de crianças, adolescentes e jovens que vivem em condições de
pobreza ou extrema pobreza visando à apropriação de elementos que
possibilitassem a realização de uma análise do espaço social onde esses
sujeitos vivem para, a partir dessa experiência, compreender como as
condições de vida podem interferir no comportamento dos alunos na
sala de aula. Essa atividade ocorreu em três etapas: elaboração de um
roteiro para uma entrevista informal a ser feita com a família escolhida;
realização da entrevista na casa da família com observação do espaço e
das condições objetivas e subjetivas de vida do(a) aluno(a); e apresenta-
ção e relato da entrevista para os tutores no encontro de fechamento do
módulo. A seguir, apresentamos a narrativa de um dos cursistas com as
reflexões críticas acerca da realidade: "Quando eu estava pensando em
fazer a pesquisa de campo, eu não tive dúvidas quanto ao aluno que eu
iria visitar. Queria muito conhecer a família desse menino para entender
por que ele era tão terrível em sala de aula. Eu sempre imaginava que
ele estava ali na escola apenas para garantir a frequência e não perder o
Bolsa Família. Sempre achei que ele não queria nada na vida. Então era o
momento de eu confirmar minha tese. Hoje eu me envergonho de todas
as coisas que fiz, pensei e disse com aquele menino. Hoje eu o vejo como
um sobrevivente de uma tragédia. Todos os dias penso nele. Em como
ele está, se já comeu, se está na rua. Hoje eu sei que, com a vida que ele
leva, de tanta miséria material e afetiva, dificilmente a escola teria algum
142 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume I

valor. Ele precisa sobreviver" (relato de um cursista durante a atividade


de reflexão-ação realizada em 21/11/2015).

As significações expressas na narrativa não são prerrogativa apenas des-


se cursista. Muitos chegaram ao curso de especialização reproduzindo esses
mesmos discursos, afetados pelo que grande parte da sociedade idealiza
em relação aos alunos e alunas pobres que frequentam as escolas públi-
cas do nosso estado. A grande maioria das crianças, adolescentes e jovens
assistidos pelo Bolsa Família carrega o estigma de "não quererem nada",
de "estarem na escola apenas para não serem penalizados com a perda do
beneficio". Essas significações estão no social, são partilhadas e reprodu-
zidas socialmente, por isso formam singularidades e, portanto, modos de
agir dessas singularidades, confirmando o pensamento marxista de que os
homens são a unidade na diversidade, a síntese das relações que encarnam
(MARX, 2011).
Por outro lado, a experiência relatada também põe em evidência que é
por meio das experiências sociais que podemos constituir movimentos de
transformação do modo de significar essas realidades. Saviani (2004) chama
nossa atenção para o fato de que, em se tratando de educação, precisamos
ser capazes de sair da realidade empírica e penetrar a realidade concreta.
Foi exatamente esse movimento que o cursista realizou, isto é, ele conse-
guiu alterar sua visão da realidade, porque deixou de olhar apenas o aluno
empírico (sala de aula) e conheceu o aluno concreto (vida real). Sendo assim,
tal experiência social só reforça a necessidade de investirmos em mais ações
dessa natureza, para que tenhamos uma mudança efetiva da realidade.
Com relação à análise de aproveitamento dos cursistas no decorrer dos
módulos e das atividades de reflexão-ação, alguns excertos a seguir trazem
significações dos tutores sobre o movimento de transformação das significa-
ções produzidas pelo grupo:

Os cursistas consideram que o curso ajuda a compreender na prática


como ocorrem os fenômenos de exclusão, como o viés cultural, eco-
nômico, político e social também incidem fortemente no processo
educacional. A apresentação dos resultados de pesquisa durante os
encontros presenciais do curso são momentos também de intensa troca
de saberes e experiências, em que se produz um amplo debate, se pode
avançar intelectualmente no sentido da formação dos próprios cursistas
enquanto profissionais conscientes do seu papel transformador na socie-
dade (Tutora Léia Soares).
Educação, Pobreza e Desigualdade Social no Piauí: diálogos a partir de experiências formativas... | 143

A principal crítica que ouvia dos cursistas era com relação aos progra-
mas de transferência de renda do governo federal, sobretudo o Bolsa
Família, alguns inclusive o denominavam de "Bolsa Preguiça". Após a
atividade-reflexão do Módulo I, percebi certas mudanças no pensamento
dos cursistas quanto a esse tipo de programa. Essa turma é composta
basicamente de professores da rede pública de ensino e de assistentes
sociais. Foi interessante ver que os professores da rede pública de ensino
é quem detinham esse típico pensamento e que com o decorrer das
leituras e discussões estão mudando suas opiniões, tanto em relação à
pobreza, aos programas, ao papel da educação etc. (Tutora Tarianna).

Os relatos das tutoras fortalece a convicção de que estamos no caminho


certo ao propormos movimentos de reflexão crítica acerca da realidade.
Uma reflexão que não pode se dar no vazio, mas mediada pela realidade
que envolve aspectos da vida das pessoas as quais historicamente são mar-
cadas pela exclusão social, ocasionada pela miséria que tira dessas pessoas
qualquer possibilidade de existência social, cultural, afetiva, enfim, humana.
De modo geral, avaliamos que o curso de especialização em Educação,
Pobreza e Desigualdade Social, por meio das atividades formativas, possibi-
litou alguns movimentos:
1 – Os cursistas foram provocados a refletir sobre as concepções que
norteiam o tratamento dado a crianças e jovens nas escolas brasileiras, so-
bre os estereótipos constituídos acerca do "ser pobre" e de depender de
programas sociais como o Bolsa Família. e, ainda, passaram a compreender
quais os determinantes históricos que levam a sociedade a acreditar na na-
turalização da pobreza e da desigualdade social.
2 – Eles reconheceram que o curso foi de suma importância, pois tratou
de questões que ajudaram no enfrentamento das dificuldades e dos precon-
ceitos instalados nas instituições sociais, sobretudo em relação aos pobres.
3 – O conteúdo dos módulos, as discussões dos fóruns e as atividades
de reflexão-ação constituíram-se como instrumentos de aprendizagem que
não só possibilitam o ganho de conhecimento, mas o desejo de intervir na
realidade. Isso foi observado nos relatos dos cursistas, no modo como se
posicionaram e na busca de alternativas possíveis de transformar a realidade
social.
4 – O curso estimulou a reflexão crítica dos cursistas, pois estes passaram
a fazer relação do que estavam aprendendo com a sua própria história de
vida. Alunos que durante sua infância e juventude vivenciaram a pobreza,
por meio das reflexões e dos debates propostos no curso de especialização,
144 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume I

foram levados a compreender o que viveram e como isso acabou determi-


nando suas escolhas e trajetórias de vida profissional.
5 – Muitos cursistas relataram histórias de suas próprias vidas, de como
viam a pobreza antes e como eles viam ao final do curso. Se antes conside-
ravam a pobreza somente como um problema individualizado e natural, de
responsabilidade do sujeito, hoje compreendem sua natureza histórica e sua
relação com a estrutura social. Se antes reproduziam discursos moralistas
sem nenhum fundamento teórico, como "as pessoas são pobres porque
querem" ou "esses programas só servem para criar preguiçosos", hoje assu-
mem um discurso mais politizado e mais consciente.
6 – Os cursistas reconheceram ainda que o curso EPDS é uma ferramenta
educacional também em Educação em Direitos Humanos, uma vez que edu-
ca para o desenvolvimento de atitudes cidadãs e, consequentemente, para
a transformação da realidade de pessoas que vivem em situação de pobreza
e extrema pobreza, com enfoque na Educação como meio de emancipação
e empoderamento das famílias vítimas de injustiça social.
Todos esses ganhos revelam transformações no modo de compreender,
sentir e agir na realidade. O que os cursistas demonstram é que produzi-
ram novas significações sociais sobre a relação entre o social e o individual,
rompendo com visões simplistas, naturalizantes e acríticas. Esse processo
é identificado por Vigotski (1996) como perejivânies; melhor dizendo, esses
cursistas vivenciaram situações sociais de desenvolvimento que potencial-
mente podem alterar sua relação com a realidade. Trazendo isso para a edu-
cação, é possível que esses profissionais desenvolvam práticas educativas
inclusivas, uma vez que romperam com uma visão de mundo do qual não se
viam como parte, portanto, não se viam como responsáveis pela produção
dessa realidade.
De acordo com Vigotski (1996, 2009), perejivânies são processos de trans-
formação que resultam da nossa relação com os outros, com situações de
vida. São muito potentes, porque alteram nossa cognição e nossa emoção.
Marques e Carvalho (2017) analisam como as perejivânies são produzidas na
mediação com o social e por que são tão potentes:

A relação do homem com o mundo e com os outros é sempre uma rela-


ção afetiva produtora de sentido. Os sentidos são produzidos em virtude
dos afetos constituídos nas vivências de cada ser humano. Entendemos
com isso que são os afetos que colocam os indivíduos em situação de
atividade ou de passividade, porque são os afetos que determinam a
Educação, Pobreza e Desigualdade Social no Piauí: diálogos a partir de experiências formativas... | 145

qualidade do sentido produzido pelo indivíduo na relação com a rea-


lidade. Queremos dizer que enquanto para uns uma vivência pode ser
sentida de forma positiva, para outros a mesma situação pode ser vivida
de forma negativa. Isso acontece porque cada pessoa produz um sentido
para aquilo que vive, cada pessoa sente de forma única e constrói sua
relação com dado fenômeno de forma única, mas sempre mediado pelo
social e pelo significado historicamente constituído (MARQUES; CARVA-
LHO, 2017, p. 7, grifos das autoras).

Consideramos que situações formativas nas quais vivenciamos coleti-


vamente momentos de aprendizagem e crescimento profissional, como foi
proporcionado no curso de especialização em Educação, Pobreza e Desi-
gualdade Social desenvolvido na UFPI, são sempre propícias para a produ-
ção de novas perejivânies, porque alteram nossos sentidos. Isso pode ser
percebido no relato a seguir:

É incrível como esse curso mudou minha visão. Eu sabia... Já tinha visto
alguma coisa na universidade sobre isso... de que a pobreza interfere
na aprendizagem... Mas, pra mim, tudo isso era "balela"... Pra mim, o
menino não tinha interesse, e a culpa era da família. Quando eu comecei
a estudar os módulos, comecei a ver as coisas de forma diferente e daí
fui fazer a pesquisa da atividade de reflexão-ação... Escolhi um desses
meninos que a gente considera que são os piores... Foi aquele choque!
Eu vi que estava errada. Meu Deus, eu fiquei com tanta vergonha! (Relato
de uma cursista no encontro presencial em fevereiro de 2016, Módulo II).

Foram muitas as experiências desenvolvidas no percurso desse projeto


de formação continuada. Experiências que envolveram vivências de aprendi-
zagem ao longo de cinco módulos constituídos de temáticas que articularam
a discussão acerca da relação entre pobreza, desigualdade social e temas
diversos que serviram para confirmar a verdade de que o preconceito com
que a sociedade lida com a realidade da pobreza e da desigualdade social
ainda é muito grande, mas que também é possível alterar essa realidade.
É importante ressaltar que no âmbito do curso de especialização foi pos-
sível a realização de duas pesquisas envolvendo os cursistas matriculados.
Essas pesquisas foram realizadas sob a responsabilidade das professoras
pesquisadoras Josélia Saraiva e Silva e Norma Patricya Lopes Soares. As
pesquisadoras relataram que os objetivos das pesquisas eram analisar o
conteúdo e a estrutura da representação social de pobreza partilhada pelos
professores da Educação Básica das escolas estaduais que atendem alunos
146 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume I

inscritos no Programa Bolsa Família; identificar os professores e as escolas


estaduais de Educação Básica que atendem alunos inscritos no programa
Bolsa Família; conhecer a representação de pobreza e assistência social
articulada pelos professores da Educação Básica matriculados no curso de
especialização em Educação, Pobreza e Desigualdade Social (lato sensu)
ofertado pela Universidade Federal do Piauí.
Como metodologia, as pesquisadoras escolheram a realização de pes-
quisa bibliográfica em livros, revistas e na internet para coletar dados acerca
do tema educação e pobreza; aplicação de questionários socioeconômicos
a 132 cursistas do curso de especialização em Educação, Pobreza e Desi-
gualdade Social; aplicação de Teste de Associação Livre de Palavras (Talp),
no início do curso, a 132 cursistas e, no final do curso, a 63 concludentes;
realização de tratamento de dados utilizando software Excel e Evoc, este
último específico para tratar dados do Talp; análise de dados utilizando a
técnica de análise categorial de conteúdo.
As pesquisadoras apontaram como dificuldades para realização da pes-
quisa o fato de o curso de especialização ter sido realizado na modalidade
de educação a distância, o que dificultou o acesso dos pesquisadores aos
sujeitos da investigação. Outro ponto a se destacar diz respeito ao curto
espaço de tempo para explorar os dados coletados de maneira mais apro-
fundada. As pesquisadoras ressaltaram a relevância da pesquisa, a princípio
pelo tema, que consideraram muito importante para a reflexão dos envol-
vidos na tarefa de educar as camadas populares, e, também, pela possi-
bilidade de associação à execução de uma investigação com a realização
de um processo formativo de professores. Como principais resultados da
pesquisa, é possível inferir pelo relatório apresentado pelas pesquisado-
ras que estes foram divididos em quatro eixos: 1) Perfil socioprofissional
de alunos/as da especialização Educação, Pobreza e Desigualdade Social,
da Universidade Federal do Piauí, polos de Floriano, Parnaíba e Teresina;
2) Professores de escolas atendidas pelo Programa Bolsa Família: caracte-
rísticas socioeconômicas e profissionais; 3) Representação social de criança
pobre entre professores da Educação Básica no estado do Piauí; 4) Pobreza
e representações sociais: alinhavando formação continuada e trabalho pro-
fissional na assistência social. A seguir, apresentamos parte dos resultados
da pesquisa que tratou de evidenciar as representações sociais da pobreza
e suas implicações na vida dos atores que dela participaram.
Educação, Pobreza e Desigualdade Social no Piauí: diálogos a partir de experiências formativas... | 147

Um recorte da representação social de criança pobre entre


professores da Educação Básica no estado do Piauí

Visando a identificar a estrutura da representação social da criança entre


professores de Educação Básica do estado do Piauí, ou seja, o núcleo cen-
tral e os elementos periféricos, fizemos uso da associação livre de palavras
(comumente designada pela sigla Talp). Segundo esta técnica projetiva – já
bastante consagrada no estudo das representações sociais, particularmente
na França, mas também no Brasil (SILVA, 2007; BRITO, 2004; MELO, 2005; SÁ,
1996) –, solicita-se aos sujeitos que associem as palavras e expressões que
lhes vêm à mente, tão logo lhes seja apresentado um determinado estímulo
visual ou sonoro. Para a escolha do estímulo a ser utilizado, aplicamos, em
junho de 2015, um pré-teste a 30 alunos(as) formandos(as) dos cursos de
Licenciatura Plena em Pedagogia e Geografia da UFPI, os quais, na ocasião,
se encontravam matriculados nas disciplinas de Estágio Supervisionado.
De modo definitivo, essa técnica foi aplicada em dois momentos aos
professores(as) da Educação Básica, graduados em diversas áreas, que atu-
am na rede pública estadual do Piauí. O primeiro momento foi durante a
realização da aula inaugural do curso de especialização, ocorrida em junho
de 2015, com a participação de 132 respondentes; e o segundo momen-
to foi em novembro de 2016, por ocasião da apresentação do TCC pelos
participantes, o que correspondeu à última etapa do mencionado curso de
especialização, com um total de 63 respondentes.1
Assim, apresentamos aos sujeitos a expressão indutora "Criança Pobre"
e solicitamos que eles associassem palavras, conforme já indicado, no nú-
mero máximo de cinco, correspondentes aos espaços livres que constavam
no instrumento aplicado. Em seguida, solicitamos que hierarquizassem as
palavras evocadas em ordem de importância, escrevendo à frente de cada
uma delas um número de ordem. Por último, solicitamos que escrevessem
o significado da palavra apontada como a mais importante dentre as que
foram evocadas. Originalmente, na teoria do núcleo central, considerava-
-se, para a análise das evocações, a ordem de aparição, mas, aqui, estamos
adotando a ordem de importância que os sujeitos atribuem às evocações,

1 Conforme pode ser observado, há uma diferença elevada entre o número de respon-
dentes da primeira aplicação em relação à segunda. Isso se deve, em grande parte, ao
número de evasão do curso. Ainda assim, a aplicação é válida, por ter um número de
participantes suficiente para a realização do Talp.
148 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume I

conforme as novas orientações de Abric (ABRIC apud OLIVEIRA et al, 2005,


p. 580). Após essa aplicação, anteriormente descrita, realizamos as etapas
de análises dos dados obtidos. O tratamento dos dados foi realizado com o
auxílio do software Evoc, construído por Pierre Vergès e seus colaboradores.
Utilizamos a versão 2002 do Evoc, processado no sistema operacional Win-
dows. O Evoc é constituído de um conjunto de programas que permitem
uma análise das evocações e a identificação dos possíveis elementos da
representação social, bem como a sua estrutura (núcleo central e sistema
periférico). Ele faz o levantamento da frequência com que a palavra foi enun-
ciada pelos participantes e combina com a média das ordens médias de evo-
cações (OME).2 A OME é calculada para cada palavra evocada, atribuindo-se
pesos diferenciados segundo a hierarquia estabelecida pelos respondentes
(peso 1 para as colocadas em 1o lugar; peso 2 para as que ficarem em 2o, e
assim sucessivamente). O resultado é dividido pelo somatório dos valores da
frequência total das evocações. Exemplo:
Tabela 1 Exemplo de tratamento dos dados realizado pelo Evoc-2000.

Palavra Posições Somatório


evocada 1ª 2ª 3ª 4ª 5ª 6ª
Frequência 6 3 1 2 1 1 14
Produtos (6X1)+ (3X2)+ (1X3)+ (2X4)+ (1X5)+ (1X6)= 34
OME 34 ÷ 14 = 2,42

Fonte: elaborada pelas autoras com base em Pessoa (1999, p. 93).

Após combinar frequência e OME de todas as palavras evocadas, o


software distribui os resultados em um plano no qual se cruzam dois eixos
(um vertical e outro horizontal), dando origem a quatro quadrantes. No
quadrante superior esquerdo, situam-se as palavras (elementos) do provável
núcleo central da representação. No superior direito e inferior esquerdo
estão os elementos intermediários, e no inferior direito os elementos
periféricos, conforme exemplo a seguir.

2 Mantemos aqui a mesma sigla (OME) utilizada por Vergès, entretanto, chamamos a
atenção para as explicitações realizadas anteriormente. A ordem que consideramos em
nosso estudo é a de importância, e não a de aparecimento das evocações.
Educação, Pobreza e Desigualdade Social no Piauí: diálogos a partir de experiências formativas... | 149

Quadro 1 Critérios de distribuição dos atributos nos quadrantes dos sistemas (central
e periférico) de uma representação social.

Quadrante 1 (elementos do núcleo Quadrante 2 (elementos intermediários)


central)
Frequências em número igual ou Frequências em número igual ou maior que
maior que a média de evocações. a média de evocações.
Ordem média de evocação menor Ordem média de evocação maior que a
que a média das OMEs. média das OMEs.
Quadrante 3 (elementos Quadrante 4 (elementos do sistema
intermediários) periférico)
Frequências em número menor que Frequências em número menor que a
a média de evocações. média de evocações.
Ordem média de evocação menor Ordem média de evocação maior que a
que a média das OMEs. média das OMEs.

Fonte: Pessoa (1999, p. 102).

As justificativas dadas pelos participantes para a escolha de determina-


da palavra como a mais importante, das cinco3 evocadas por cada um deles,
foram submetidas à análise categorial de conteúdo (BARDIN, 1986; BAUER,
2002, FRANCO, 2003) e contribuíram para melhor compreender os sentidos
dos elementos que compõem o conteúdo da representação social, bem
como para estabelecer as relações entre os elementos e outros referentes
culturais que se imbricam no processo de construção representacional.

Resultados e discussões

Primeira aplicação do Talp


Na primeira aplicação obtivemos como resultado uma lista com um to-
tal de 616 palavras citadas, das quais 222 eram diferentes. Observamos um
índice de dispersão de 36,03%, que se configura como um índice pequeno.
As palavras com maior número de evocação foram: educação (38); desigual-
dade (34) e fome (31). No quadro a seguir, oferecido pelo Evoc, localizamos
a distribuição das evocações que compõem a estrutura da representação,

3 Este é o número máximo de palavras recomendado, pois "a prática tem mostrado que a
partir de sete palavras evocadas há um declínio na rapidez das respostas, evidenciando
um trabalho mental lógico para as produções subsequentes, descaracterizando o cará-
ter natural e espontâneo das evocações livres" (OLIVEIRA et al., 2005, p. 578).
150 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume I

que nos permite visualizar o núcleo central, os elementos intermediários, de


contraste e periféricos.
Quadro 2 Possíveis elementos centrais e periféricos da representação social de crian-
ça pobre articulada por professores da Educação Básica no Estado do Piauí (2015).

Quadrante 1 Quadrante 2
F ≥ 23 e OME < 2,8 F OME F ≥ 23 e OME ≥ 2,8 F OME
Educação 38 2,263 Carência 28 2.821
Desigualdade 34 2,647
Fome 31 2,677
Quadrante 3 Quadrante 4
F < 23 e OME < 2,8 F OME F < 23 e OME ≥ 2,8 F OME
Trabalho-infantil 05 2,400 Abandono 09 3,556
Direitos 09 2,444 Atenção 06 3,556
Esperança 12 2,500 Discriminação 06 3,500
Igualdade 08 2,500 Miséria 06 3,500
Escola 06 2,500 Preconceito 10 3,400
Oportunidade 20 2,550 Triste 11 3,273

Fonte: elaborado pelas autoras

Observamos no primeiro quadrante os prováveis elementos centrais:


educação, desigualdade e fome. No sistema periférico estão distribuídos
os demais elementos, e na primeira periferia aparece apenas um elemen-
to: carência. Na zona de contraste verificamos a presença dos elementos:
trabalho-infantil, direitos, esperança, igualdade, escola e oportunidade. Na
segunda periferia, quadrante inferior direito, encontramos as palavras: aban-
dono, atenção, discriminação, miséria, preconceito e triste. Estes elementos
reunidos cumprem distintas funções na representação social de criança po-
bre, mas configuram um rol de sentidos atribuídos pelos professores e pelas
professoras à existência da pobreza.
A evocação educação, que integra o possível núcleo central, é atribuída
pelos professores e professoras à "criança pobre" para expressar uma forma
de ascensão social, e associado a este sentido há também o de direito social.
Vejamos algumas justificativas.

É direito de toda e qualquer criança o acesso a educação, assegu-


rando sua permanência na escola, independente de sua classe social,
Educação, Pobreza e Desigualdade Social no Piauí: diálogos a partir de experiências formativas... | 151

possibilitando possibilidades de construção de um futuro digno e res-


ponsável (F. 27a).4

Por meio da educação elas terão a oportunidade de ter um futuro melhor


(F. 33 a).

É um direito social responsável pela transformação socioeconômica do


indivíduo (M. 27a).

Sob estes aspectos podemos inferir que por meio dessa cognição os
participantes expressam a função de orientação presente na representação
social em questão. Com essa função as representações guiam os comporta-
mentos e as práticas.
A evocação desigualdade, presente no núcleo central, afere um sen-
tido de apartamento social em que vivem os pobres. Vejamos algumas
justificativas.

Abismo que literalmente separa as classes criando barreiras intransponí-


veis entre classes (M. 32a).

A criança que não está incluída de maneira igual perante a sociedade


(M. 47a).

Uns com mais oportunidade que outros (F. 26a).

Observamos nesse elemento do núcleo a presença da função de saber


(Abric, 2000) que permite aos agentes sociais compreender e explicar a re-
alidade. Desse modo, os participantes tendem a explicar a existência dos
pobres pelas características da sociedade em que vivem.
A evocação fome, que também compõe o núcleo central, oferece-nos
uma apreensão da função identitária presente nas representações sociais.
Uma função que identifica e individualiza o grupo. Essa identidade, no en-
tanto, assume uma característica negativa por trazer o sentido de ausência
de alimentos que possam garantir o bom desenvolvimento dos indivíduos.
Vejamos algumas justificativas.

Muitas crianças pobres vão a escola não com intuito de adquirir conhe-
cimento, mas com o objetivo de "merendar" e vencer a fome, assim a

4 Utilizamos o código (sexo, idade) para identificar os participantes da pesquisa. As justifi-


cativas foram transcritas exatamente como os professores e as professoras escreveram.
152 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume I

criança não consegue adquirir aprendizagem alguma e termina evadindo


da escola e assim caindo no mundo da marginalização (F, 32a).

Ausência de alimentos para o consumo, consequentemente para a so-


brevivência (F, 36a).

Presente nos lares mais pobres, que interfere no desenvolvimento da


criança (F, 36a).

Portanto, para o grupo de professores e professoras, os pobres sempre


passam fome, e isso os coloca em desvantagem na situação, por exemplo,
de aprendizagem escolar. Desse modo, a evocação fome remete a uma
característica atribuída ao objeto representacional criança-pobre. Essa ca-
racterística parece ser marcante na definição de pobreza ou no sentido que
este grupo atribuiu a ela.
Esses três elementos presentes no núcleo central constituem a base
comum coletivamente articulada pelo grupo de professores e professoras,
expressando, portanto, o que vamos denominar aqui, para efeito de com-
paração, de representação inicial de criança pobre partilhada nesse grupo.
Segundo Abric (2000), nos estudos de representação, a identificação do
núcleo central permite o estudo comparativo das representações. A seguir
iremos descrever o resultado obtido pela reaplicação do Teste de Associa-
ção Livre de Palavras para posteriormente inferirmos a existência ou não de
modificações nessa representação.

Segunda aplicação do Talp


Na segunda aplicação as associações que emergiram totalizaram 314
evocações, das quais 136 eram diferentes. Observamos um índice de dis-
persão de 43,3%, portanto, mais elevado do que na primeira aplicação. Vale
lembrar que a segunda aplicação se deu em novembro de 2016, tendo pas-
sado um ano e quatro meses da primeira, período no qual os professores e
as professoras estiveram cursando a especialização em Educação, Pobreza e
Desenvolvimento Social.
Os dados obtidos na segunda aplicação foram submetidos aos mesmos
procedimentos da primeira. A partir dos resultados o software Evoc elabora
o gráfico que nos permite visualizar a estrutura da representação social estu-
dada, conforme pode ser visto a seguir.
Educação, Pobreza e Desigualdade Social no Piauí: diálogos a partir de experiências formativas... | 153

Quadro 3 Possíveis elementos centrais e periféricos da representação social de crian-


ça pobre articulada por professores da Educação Básica no Estado do Piauí (2016).

Quadrante 1 Quadrante 2
F ≥ 31 e OME < 2,9 F OME F ≥ 31 e OME ≥ 2,9 F OME

Quadrante 3 Quadrante 4
F < 31 e OME < 2,9 F OME F < 31 e OME ≥ 2,9 F OME
Carente 12 2,500 Discriminada 6 3,500
Desigualdade 14 2,571 Educação 24 3,083
Exclusão 12 2,333 Frágil 6 3,000
Fome 13 2,385 Oportunidade 8 3,000
Preconceito 10 2,200 Respeito 8 3,500
Sofrimento 09 2,778

Fonte: elaborado pelas autoras

Verificamos, então, que o quadrante superior esquerdo e superior direi-


to, correspondentes, respectivamente, ao núcleo central e aos elementos
intermediários (primeira periferia), se encontram vazios. Conforme Abric
(2000, p. 10),

a organização de uma representação social apresenta uma característica


específica, a de ser organizada em torno de um núcleo central, constituin-
do-se em um ou mais elementos, que dão significação à representação.

Portanto, de acordo com a Teoria do Núcleo Central das Representa-


ções Sociais, desenvolvida por Jean-Claude Abric, estamos diante da não
existência de uma representação social. Como objetivávamos realizar uma
comparação entre as representações articuladas pelos professores e profes-
soras no início e no final do curso de especialização, pensamos que os fatos
encontrados nos possibilitam elaborar uma hipótese importante, a saber:
ressalvando as particularidades do método utilizado para a obtenção do
conteúdo e estrutura da representação social, é possível inferirmos que a
representação social de criança pobre, inicialmente detectada e já analisa-
da, sofreu modificações. No entanto, outra representação ainda não se con-
solidou no grupo estudado. Esta hipótese confirma os estudos realizados
154 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume I

por Flament, citado por Abric (2000), acerca da reversibilidade de práticas


sociais, tendo-se que somente por meio de novas práticas seria possível a
transformação de uma representação social.

Determinados atores engajados numa situação e aí desenvolvendo cer-


tas práticas, podem considerar – com razão ou não, pouco importa – que
esta situação seja irreversível, quer dizer, que todo retorno às práticas
faz-se impossível. Ou, ao contrário, podem considerar que a situação seja
reversível, sendo a situação atual temporária e excepcional. Os processos
de transformação que vão se desenvolver são de natureza radicalmente
diferente caso a situação seja percebida como reversível ou não.

Nos casos onde a situação é percebida como reversível, as novas prá-


ticas contraditórias vão, logicamente, desencadear modificações na
representação. Os elementos novos e discordantes vão ser integrados
na representação, exclusivamente, através de uma transformação do
sistema periférico, o núcleo central da representação permanece estável
e insensível às modificações. Trata-se, pois, de uma transformação real,
mas superficial da representação.

Por outro lado, nas situações percebidas como irreversíveis, as práticas


novas e contraditórias vão, logicamente, ter consequências muito impor-
tantes no processo de transformação da representação (ABRIC, 2000, p.
35).

Em seus estudos, portanto, Flament distingue três diferentes tipos de


transformação: transformação "resistente"; transformação progressiva e
transformação brutal. A transformação "resistente" ocorre quando apenas
o sistema periférico é alterado. Na transformação progressiva, os esquemas
ativados por práticas novas integram-se aos esquemas do núcleo central
e, ao fundir-se com ele, constitui-se em um novo núcleo e, assim, em uma
nova representação. A transformação brutal ocorre quando novas práticas
permanentes e irreversíveis provocam uma transformação direta e completa
no núcleo central, transformando toda a representação social (ABRIC, 2000,
p. 35-36).
No caso da representação social em análise, acreditamos que o proces-
so de formação a que foram submetidos os professores e as professoras
promoveu modificação na representação social, porém, possivelmente, as
práticas que realizam ainda não estão sólidas a ponto de concretizarem uma
nova representação social.
Educação, Pobreza e Desigualdade Social no Piauí: diálogos a partir de experiências formativas... | 155

Considerações finais
Considerando os objetivos traçados para esta pesquisa, quais sejam,
identificar, analisar e comparar a representação social de criança pobre ar-
ticulada pelos professores e professoras da Educação Básica no estado do
Piauí, podemos, depois de feitos todos os procedimentos, concluir que a
presença de elementos como educação, desigualdade e fome como centrais
na primeira estrutura representacional indica um significado de ausência de
pré-requisitos nessas crianças que possam viabilizar a sua aprendizagem.
Há um diagnóstico, produzido pelos sentidos atribuídos à fome e à desi-
gualdade, e um prognóstico que se expressa no significado dado ao termo
educação.
Como constatamos, esse significado sofreu algum processo de questio-
namento, que acreditamos ter sido desencadeado pelo curso de formação
ao qual se submeteram tais professores e professoras. Esse processo, em-
bora não tenha gerado uma nova representação social, pode ter provocado
uma reflexão que provavelmente alterou algumas práticas sociais e possivel-
mente educativas.
Por fim, queremos destacar que este estudo indica a necessidade de
pensar a formação continuada de professores como uma política educacio-
nal que favoreça a transformação de práticas docentes. Sob este aspecto,
acreditamos que uma continuidade de reflexão e acompanhamento das
ações dos professores e professoras, no que diz respeito ao ensino ofertado
nas escolas públicas, pode contribuir para uma educação mais equânime a
favor das crianças pobres.

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8

Desafios Institucionais na promoção


dos estudos sobre pobreza e educação:
a execução da Iniciativa EPDS na
Universidade Federal do Ceará
Irapuan Peixoto Lima Filho
Genilria de Almeida Rios

Este texto tem como objetivo relatar a experiência de instalação e execução


do Curso de Especialização em Educação, Pobreza e Desigualdade Social
(EPDS) na Universidade Federal do Ceará (UFC). Iniciativa do Ministério da
Educação (MEC) por meio da Coordenação-Geral de Acompanhamento da
Inclusão Escolar, parte da diretoria de Políticas de Educação em Direitos
Humanos e Cidadania da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetiza-
ção, Diversidade e Inclusão (Secadi), o EPDS é um projeto inovador, porque
envolve não apenas um curso de pós-graduação, mas desenvolve de modo
associado a pesquisa científica no tema, por meio das universidades que a
executam.
Em um contexto de 15 universidades federais envolvidas, o EPDS incenti-
vou e mobilizou os estudos que cruzassem os temas de educação e pobreza,
tão essenciais à realidade brasileira e, curiosamente, tão pouco desenvolvi-
dos no campo acadêmico. Por isso, torna-se importante registrar de modo
detalhado a experiência específica da UFC para perceber como se dá na
prática a execução de um projeto de tal magnitude, os desafios surgidos no
caminho, as estratégias elaboradas para a solução de problemas e os frutos
colhidos ao final.
Dessa forma, este texto visa descrever sua instalação na IES, sua orga-
nização pedagógica, o desenvolvimento do curso e da pesquisa associada,
158 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume I

fazendo no percurso uma reflexão sobre a importância do desenvolvimento


da temática "educação e pobreza" e a forma como nossa experiência nes-
sa aventura permitiu a capilarização desse conhecimento em praticamente
todo o território do estado do Ceará.

Instalação do curso e organização pedagógica


Em 2014, quando o MEC/Secadi lançou a iniciativa EPDS e o convite (que
se dava por adesão) às 15 universidades para executar o projeto, a primeira
Unidade Acadêmica da Universidade Federal do Ceará (UFC) contatada, por
qualquer motivo que seja, recusou a proposta. Contudo, na época, o pró-rei-
tor de graduação e presidente do Comfor, prof. Custódio Almeida, pensou
que seria uma grande oportunidade para se deixar passar e procurou outra
unidade que encampasse o desafio.
Por acaso do destino, em janeiro de 2015, o prof. Custódio Almeida as-
sumiu o cargo de vice-reitor da UFC, após ser eleito ao lado do prof. Henry
de Campos Holanda como reitor. Mesmo deixando os cargos de pró-reitor e
presidente do Comfor, o docente permaneceu acreditando na proposta do
EPDS e numa maneira de implementá-la na universidade.
No início do ano de 2015 o prof. Domingos Sávio Abreu, do Departa-
mento de Ciências Sociais, foi convidado para a tarefa de coordenar o curso.
O pensamento mobilizador foi a percepção de que eram raros os estudos
que cruzassem as categorias de educação e pobreza, apesar da importância
destas para a realidade brasileira. Tendo em vista que a Sociologia se ocupa
do estudo de ambas, parecia realmente uma oportunidade poder executar
o EPDS em suas duas dimensões: no curso de especialização e na pesquisa.
O prof. Domingos Abreu logo assumiu a coordenação do EPDS/UFC e
reuniu um grupo de trabalho, encabeçado pelo prof. Valmir Lopes de Lima,
que começou a estruturar uma proposta para a montagem do projeto local.
Tal grupo reuniu, além de professores do Departamento de Ciências Sociais,
alguns atores externos à instituição, em especial da Secretaria de Educação
do Estado do Ceará (Seduc), e ao longo de algumas poucas, mas produtivas,
reuniões foi organizando a proposta pedagógica do curso.
O acordo inicialmente firmado entre a UFC e o MEC/Secadi trazia a vi-
gência de 1o de agosto de 2014 a 30 de julho de 2016, porém, tendo em vista
a forma tardia com a qual a equipe das Ciências Sociais da UFC ingressou
no processo e como houve atraso no pagamento das bolsas, em comum
Desafios Institucionais na promoção dos estudos sobre pobreza e educação: a execução da... | 159

acordo com a equipe da Secadi, foi prorrogado o início do curso para maio
de 2016 e o pagamento das bolsas até outubro de 2017, quando se daria o
fim da vigência.
Todavia, fomos orientados pela equipe da Secadi e acatamos a reco-
mendação de estender a vigência, passando então para 3 de novembro de
2017. Posteriormente, percebeu-se que tal data também não seria suficiente,
pois fomos informados de que a vigência do projeto precisava contemplar o
tempo dedicado à preparação da prestação de contas, então, foi promovida
outra alteração, agora para 30 de dezembro de 2017.
Neste ínterim, o professor Irapuan Peixoto Lima Filho assumiu a coor-
denação do curso. Houve uma reorganização operacional da equipe do
EPDS-UFC, com aquele na coordenação, o prof. Valmir Lopes continuando
na vice-coordenação e o prof. Domingos Abreu assumindo a coordenação
da pesquisa dentro do projeto, ao lado do prof. Jakson Aquino (todos do
Departamento de Ciências Sociais). A coordenação convidou egressos do
curso de Ciências Sociais e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia
para compor as funções de supervisão, com Kelma Cardoso Leite, e de se-
cretaria do curso, com Genilria Rios.
Quanto aos formadores, a coordenação optou por uma mescla dos pro-
fessores das Ciências Sociais/Sociologia com alguns convidados que tinham
experiência tanto com o Programa Bolsa Família (PBF) quanto com a Edu-
cação a Distância, de modo que o cargo de formador de formadores ficou
com Rafaela Silveira de Aguiar, assistente social formada pela Universidade
Estadual do Ceará (UECE). Mais tarde, houve alguns ajustes, com a professo-
ra Alda Alves assumindo a supervisão em julho de 2017, depois substituída
pela ex-tutora Lourdes dos Santos a partir de outubro.
Essa equipe, que chamaremos de coordenação, elaborou em conjunto
as bases fundamentais do EPDS-UFC, tomando a proposta já consolidada
do MEC/Secadi como ponto de partida e adaptando às perspectivas locais.
Para compor a equipe foram convidados professores formadores, to-
dos profissionais do campo das Ciências Sociais. Os tutores foram selecio-
nados por meio de um edital divulgado amplamente, tendo tido uma boa
concorrência.
O EPDS tinha como objetivo atuar em três linhas fundamentais: forma-
ção continuada, pesquisa acadêmica e difusão do conhecimento. Por isso,
nossas ações foram direcionadas no cumprimento desses objetivos. Além
do EaD, organizamos o curso momentos presenciais e o detalhamento dos
160 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume I

eixos: 1) formação continuada (com a reflexão-ação); 2) pesquisa acadêmi-


ca (trabalho de campo com aplicação de questionários e entrevistas); e
3) difusão de conhecimento (promoção de palestras por convidados, mesas-
-redondas, debates e produção de uma série de cinco livros divulgando os
melhores TCCs, aliados a artigos científicos outros).
Para cumprir tais objetivos, o curso foi estruturado com uma carga
horária de 456 horas, compostas de atividades a distância e presenciais e
elaboração de TCC, com duração total de 18 meses. Foram utilizados os
seguintes recursos didáticos: ambiente virtual de aprendizagem (AVA) para
comunicação entre os participantes e a disponibilização de textos e outros
recursos midiáticos complementares, consolidado por meio do Solar (a
plataforma virtual da UFC que substitui o mais comum Moodle); textos de
apoio; videoaulas ou webconferências em todas as disciplinas; chats; fóruns;
encontros presenciais; e sistema de acompanhamento a distância, realizado
pelos tutores.
Quadro 1 Cronograma do curso.

Atividade Data Responsável Carga


horária
Aula inaugural 13-14/05/2016 Irapuan Peixoto 16h/a
Módulo 1: Fundamentos de Po- 16/05- Maria Alda de 48h/a
breza, Desigualdades e Educação 15/06/2016 Sousa Alves
Módulo 2: Introdução à Pobreza 16/06- Luiz Fábio Silva 80h/a
e Cidadania 25/07/2016 Paiva
Módulo 3: Pobreza, Direitos 15/08- Mariana 80h/a
Humanos, Justiça e Educação 14/10/2016 Mont’Alverne
Barreto
Módulo 4: Escola: espaços e tem- 15/10- Roman J. M. P. 80h/a
pos de reprodução e resistências 14/12/2016 Bragard
da pobreza
Módulo 5: Pobreza e Currículo: 30/01- Roman J. M. P. 80h/a
uma complexa articulação 03/04/2017 Bragard
Reflexão-ação 16/05/2016- Rafaela Aguiar Concomi-
03/04/2017 tante
Aula de encerramento 03/06/2018 Irapuan Peixoto 8h/a
Trabalho de Conclusão de Curso 08/04- Orientadores 64h/a
01/12/2017
Seminário de Pesquisa 26/09/2017 Domingos (Não obri-
Abreu gatório)
Total de horas 456 h/a
Fonte: Coordenação do EPDS.
Desafios Institucionais na promoção dos estudos sobre pobreza e educação: a execução da... | 161

Além dos fóruns, chats e videoaulas, uma metodologia destacada foi a


reflexão-ação, de responsabilidade da professora formadora de formadores,
que articulava o conteúdo do curso com atividades práticas, construindo de
modo horizontal às etapas do TCC por meio de trabalhos escritos chamados
de portfólios.
O cronograma do curso foi organizado de modo a iniciar com a aula
inaugural presencial nos dias 13 e 14 de maio de 2016, seguida das discipli-
nas em EaD. Tendo em vista que precisávamos encerrar o curso em dezem-
bro de 2017, criamos uma lógica na qual os primeiros módulos eram mais
curtos e iam se tornando mais longos no decorrer do tempo. Para melhorar a
qualidade das aulas, ainda previmos os recessos de meio e fim de ano, como
uma medida preventiva contra a evasão.
O primeiro módulo teve início imediatamente após a aula inaugural, e
o último encerrou-se em abril de 2017. A aula inaugural, os cinco módulos,
a reflexão-ação e a aula de encerramento compuseram a chamada 1a fase
do EPDS-UFC, seguida da 2a, que se deu com a produção dos Trabalhos de
Conclusão de Curso (TCCs).
Cada módulo teve vários procedimentos avaliativos, mas as avaliações
principais se deram por meio de encontros presenciais dos cursistas com
os tutores, realizados nas sedes dos polos de cada turma. Para agilizar a
operacionalização e baratear os custos, fizemos os encontros mais ou menos
a cada dois módulos, o que resultou em algo bastante proveitoso.
Contabilizando as aulas inaugurais e de encerramento, que tiveram mo-
mentos de orientação presencial entre tutores e cursistas, foram sete encon-
tros presenciais ao longo do curso.
Dentre as atividades previstas no planejamento pedagógico, a formação
de formadores, tutores e orientadores representou o diferencial do curso.
Para a execução das cinco disciplinas teóricas do EPDS foi estabelecido um
calendário de encontros de formação entre a formadora de formadores e
os cinco professores formadores, com vistas à definição das atividades de
reflexão-ação e aprofundamento teórico dos temas que seriam debatidos
na formação dos tutores.
No decorrer dos módulos foi realizado um encontro mensal entre a for-
madora de formadores e os 17 tutores para o acompanhamento da reflexão-
-ação. Além disso, os professores formadores (responsáveis pelos módulos)
ministraram 16 horas/aula de preparação aos 17 tutores.
162 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume I

Quadro 2 Encontros presenciais.

Atividade Data Carga horária


(horas)
Aula inaugural 13/05/2016 16
Encontro presencial para avaliação 23/07/2016 4
das disciplinas 1 e 2
Encontro presencial para avaliação 03/12/2016 4
das disciplinas 3 e 4
Encontro presencial para avaliação da 18/03/2017 4
disciplina 5
Encontro presencial para avaliação 01/04/2017 4
final
Aula de encerramento 03/06/2017 8
Orientação presencial 1 22/07/2017 4
Orientação presencial 2 23/09/2017 4
Defesa de TCC 06/10-01/12/2017 4
Total de horas 52

Fonte: Coordenação do EPDS.

Ademais, os formadores faziam o acompanhamento pedagógico dos


tutores no decorrer de cada módulo, tanto por meio do ambiente virtual de
aprendizagem (Solar) como nos encontros presenciais. Para a fase dos TCCs,
todos os professores formadores realizaram a formação dos 67 orientado-
res e 21 tutores, que se deu na aula de encerramento. O acompanhamento
pedagógico da orientação para os TCCs, mediado entre cursistas, tutores e
orientadores, foi realizado por três supervisoras, tanto pela plataforma Solar
como pela apresentação de relatórios mensais de orientação de turma e
tutoria.
O processo formativo de formadores e tutores foi considerado, desde o
início, uma prioridade, pois a coordenação tinha bastante ciência de que o
maior desafio da EaD é a evasão, e, por isso, era fundamental que houvesse
preparo daqueles que estão envolvidos. É preciso ressaltar que tal percurso
não foi transcorrido sem percalços: na medida em que o tempo passava e
os encontros foram se "acumulando", tivemos que lidar com a resistência e a
evasão dos próprios profissionais, que, por uma miríade de motivos, passa-
ram a se ausentar dos encontros. Chegamos até a dividir os tutores em duas
Desafios Institucionais na promoção dos estudos sobre pobreza e educação: a execução da... | 163

turmas, uma com encontros às quintas-feiras à noite, e outra aos sábados


pela manhã, como uma forma de manter a formação, algo que conseguimos.

O curso em seu cotidiano: desafios e destaques


Com bastante animação e expectativa, lançamos o edital de inscrições
para cursistas em 11 de março de 2016, e houve 1.938 inscrições para as
400 vagas oferecidas. A resposta à divulgação que realizamos sobre o curso
de especialização nas redes sociais, nos 12 meses anteriores, já nos dava
a dimensão da grande demanda pelo projeto. Por isso, o referido edital já
deixava claros os critérios de seleção, visando atingir o público-alvo.
A coordenação definiu um sistema de cinco níveis de prioridade, a saber:

a) coordenadores estaduais e municipais do Programa Bolsa Família na


Educação; b) operadores escolares estaduais e municipais de escolas
que contam com estudantes beneficiários do Programa Bolsa Família; c)
gestores, professores(as) e membros da Equipe Pedagógica que atuem
nas escolas estaduais e municipais que contam com estudantes bene-
ficiários do Programa Bolsa Família; d) operadores estaduais auxiliares
da educação; e) outros profissionais da Educação e da Assistência Social
(Edital no 01/2016-CEEPDS/UFC, de 11 de março de 2016, p. 5).

O edital também definia que a seleção seria realizada baseada na apre-


sentação de três documentos principais: o currículo Lattes ou vitae; a carta
de intenções; e a declaração do candidato de que tinha 10 horas semanais
disponíveis para realizar as atividades do curso. Esses documentos subsi-
diavam um sistema de Barema, cuja comissão avaliadora pôde classificar os
deferidos, como mostra o quadro a seguir:
Quadro 3 Barema da seleção de cursistas.

Pontuação Pontuação Limite


obtida
Formação complementar
Curso de aperfeiçoamento (carga horária de 120 a 180 h). 2,0 4,0
Curso de extensão (carga horária mínima de 20h). 0,5 3,0
Experiência profissional
Ser funcionário público do estado ou município. 1,0 4,0
Experiência profissional no Ensino Básico (por ano). 1,0 4,0
Carta de intenção 3,0 3,0
Total obtido pelo candidato 18,0
Fonte: Coordenação do EPDS.
164 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume I

A divulgação do processo seletivo fez-se com o apoio fundamental da


Secretaria de Educação do Ceará (Seduc), na pessoa de Joana D’Arc Maia
Feitosa, Coordenadora de Frequência Escolar, que mobilizou os canais do
Governo do Estado e as Coordenadorias Regionais de Desenvolvimento
da Educação (Credes), células nas quais a Educação Básica se organiza no
Estado.
O volume de inscrições nos motivou a solicitar ao MEC/Secadi a amplia-
ção das vagas oferecidas para 450, algo que foi consentido. Embora bem
recebida, a alta procura pelo curso não era exatamente uma surpresa, pois
desde que fora anunciado que a UFC iria oferecer o EPDS a equipe de coor-
denação começou a receber muitas comunicações (por e-mail, redes sociais
e pessoalmente) de pretensos interessados, o que dava a dimensão de que
existia realmente uma demanda reprimida por formações desse tipo, em
particular pela articulação de temáticas tão importantes, como educação,
pobreza e o Programa Bolsa Família.
O estado do Ceará possui 184 municípios e uma população de 9.075.649
habitantes (IBGE, 2018), e sua capital tem 2.643.247 pessoas (IBGE, 2018).
O estado ainda possui outros oito municípios com mais de 100 mil habi-
tantes: Caucaia, Juazeiro do Norte, Maracanaú, Sobral, Crato, Itapipoca,
Maranguape e Iguatu. Tomando essa realidade como base, esforçamo-nos
em dividir as turmas e os polos de modo que cobrissem todo o território do
estado, para que permitisse o razoável deslocamento dos cursistas de seus
municípios até a sede do polo para os encontros presenciais, mas também
de modo que fosse exequível com uma equipe que não exageradamente
grande.
Inicialmente, foram pensados 16 polos espalhados por todo o território
cearense. Contudo, após a seleção final dos cursistas, percebeu-se que al-
guns dos polos ficariam com um número reduzido de cursistas. Era preciso
otimizar custos, não apenas pelo desperdício de deslocar um tutor até um
dado município para realizar provas ou encontros de formação com cinco
ou seis alunos, mas, especialmente, pelo zelo da boa aplicação do dinheiro
público. Isto motivou a coordenação a reduzir o número de polos, fundindo
aqueles que fossem próximos geograficamente, de modo que os pequenos
foram absorvidos por seus vizinhos maiores.
Desafios Institucionais na promoção dos estudos sobre pobreza e educação: a execução da... | 165

Figura 1 Polos do EPDS-UFC, 1a fase.

Fonte: IPECE (2017), editado com polos pelos autores.

A divisão final dos polos atendeu não apenas à proximidade geográfica,


mas levamos em consideração aspectos pragmáticos, como a acessibilidade
por estradas, as linhas de ônibus intermunicipais existentes e as conexões
histórico-culturais entre os municípios, que no Ceará são divididos em ma-
crorregiões de planejamento que consolidaram processos de identificação
e de pertencimento.
Com isso, os 450 cursistas selecionados para o EPDS-UFC foram dividi-
dos em 9 polos, totalizando 17 turmas, cada uma acompanhada por um tutor.
Os polos foram: Região Metropolitana de Fortaleza (4 turmas), Itapipoca (1
166 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume I

turma), Sobral (3 turmas), Baturité (1 turma), Russas (2 turmas), Quixadá (2 tur-


mas), Inhamuns (1 turma), Centro-Sul (1 turma) e Cariri (2 turmas). Optou-se
por montar turmas entre 20 e 34 cursistas como forma de se ter um número
possível de acompanhamento por um único tutor por turma.1
Como já escrito, a aula inaugural do EPDS-UFC deu-se nos dias 13 e 14
de maio de 2016, no Centro de Convivência do campus do Pici da UFC, em
Fortaleza. Estabelecido como carga horária presencial do curso, o evento
iniciou às 8h30 com o credenciamento e a mesa de abertura, que contou
com a presença do vice-reitor, Custódio Almeida, do pró-reitor de pesquisa
e pós-graduação, Antônio Gomes Filho, do representante da Secadi/MEC,
Carlos Vinícius Pitanga Barbosa, da coordenadora estadual de frequência
estadual, Joana D’Arc Maia Feitosa, e do coordenador local do EPDS, Irapu-
an Peixoto Lima Filho.
Em seguida, a programação foi montada com três conferências: a pri-
meira ocorreu às 10h30 com o título Acesso e evasão escolar dos jovens
de baixa renda: onde atuar?, de Armando Simões (ex-secretário adjunto da
Seduc-CE), seguida pelo intervalo do almoço; às 14h deu-se a conferência
Políticas públicas e participação social, de Elza Braga, professora aposentada
do Departamento de Ciências Sociais; vindo então às 16h30 a terceira confe-
rência, O EPDS no Panorama Nacional, por Carlos Vinícius Barbosa. O dia foi
encerrado com um coquetel comemorativo.
A programação foi retomada às 8h30 do dia 14, com a Apresentação do
Projeto de Pesquisa do EPDS-UFC, numa mesa comandada pelos professo-
res Domingos Abreu e Jakson Aquino, além dos estudantes de graduação
em Ciências Sociais que eram bolsistas do projeto. Às 9h30 aconteceu a
quarta conferência, Cidadania e Política de Inclusão Social, de Adir Valdemar
Garcia (coordenador do EPDS-SC).
Às 11h, os cursistas tiveram uma formação básica em Educação a Distân-
cia, por Nídia Barone (do Instituto UFC Virtual), com uma apresentação do
sistema Solar, a plataforma EaD da UFC. Após o intervalo para o almoço, às
14h se deu início à primeira reunião dos cursistas com seus tutores, distribu-
ídos por nove salas para conversar sobre o conteúdo do curso e a dinâmica
de trabalho.

1 Na nova divisão de polos, o de Horizonte foi aglutinado ao polo da Região Metropolita-


na; os de Senador Pompeu e Canindé foram aglutinados ao de Quixadá; já os polos de
Acaraú, Camocim e Tianguá foram aglutinados ao de Sobral.
Desafios Institucionais na promoção dos estudos sobre pobreza e educação: a execução da... | 167

Foi uma programação intensa, mas bastante proveitosa, pois permitiu


que não apenas os cursistas, mas os tutores e professores formadores se
conhecessem presencialmente antes do início dos trabalhos que seriam, em
grande parte, a distância.
No dia 16 de maio de 2016 tiveram início as atividades do EPDS-UFC na
Plataforma Solar, com a abertura da primeira disciplina, também chamada
módulo, conforme pode ser visto no Quadro 1. Cada módulo seguia mais ou
menos a mesma estrutura didática: o conteúdo da disciplina era disponibili-
zado via plataforma, e os cursistas eram incentivados a ler os textos e assistir
aos vídeos; em seguida, o professor formador entrava em contato com os
cursistas por meio de vídeos, enquanto os tutores movimentavam o Solar
por meio dos Fóruns e chats.
Com a divisão das 17 turmas (distribuídas nos 9 polos), cada tutor acom-
panhava uma média de 25 alunos, possibilitando uma relação mais próxima
e sensível a eles. Sempre cientes de que a evasão era uma "inimiga a ser
combatida", foi estimulado que os tutores tivessem uma postura próxima
dos estudantes, possibilitando alta taxa de conectividade e bom tempo de
resposta para dúvidas, fato que foi permitindo a permanência dos alunos no
curso.
Cada módulo era dividido em "aulas" no Solar e trazia tópicos específi-
cos, com textos, vídeos e os fóruns e chats correspondentes. Era cobrada dos
cursistas não somente a participação nos fóruns – no qual tiravam dúvidas,
comentavam textos, compartilhavam experiências etc. –, mas a realização de
atividades avaliativas, chamadas portfólios, nos quais precisavam produzir
textos que fizessem conexões entre o conteúdo das disciplinas e sua realida-
de imediata, sempre com a preocupação de que os temas discutidos fossem
significantes para eles, ou seja, pudessem ser identificados e vivenciados nos
municípios em que viviam e em suas atividades profissionais realizadas. Este
último ponto foi bastante facilitado pelo perfil dos estudantes, professores
da Educação Básica e operadores de políticas públicas das áreas de educa-
ção, saúde e assistência social que podiam relacionar de modo muito direto
o tema Educação, Pobreza e Desigualdade Social.
As atividades relacionadas ao portfólio eram gestadas pela formado-
ra de formadores, garantindo uma lógica sistemática e progressiva que ia
construindo uma linha de discussão a qual poderia ser integralmente apro-
veitada nos TCCs, já que cada uma dessas atividades caberia nos capítulos
168 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume I

do Trabalho de Conclusão, Memorial, Fundamentação Teórica e Projeto de


Intervenção, os quais serão detalhados adiante.
Embora os temas fossem "familiares" aos cursistas, ainda foi possível
vivenciar muitas descobertas. Uma das principais atividades iniciais em rela-
ção aos portfólios foi promover um trabalho de campo no qual os cursistas
teriam que realizar, em seus municípios, entrevistas com duas famílias de
beneficiados do Programa Bolsa Família, uma delas atendendo às condicio-
nalidades do programa e a outra não.
Embora de início a atividade tenha causado alguma surpresa e estra-
nhamento – pois somente aqueles advindos da área de Ciências Humanas
tinham algum tipo de experiência com trabalhos de campo dessa natureza
–, o resultado foi incrivelmente positivo. Muitos dos cursistas, mesmo sendo
operadores de políticas públicas (alguns mesmos gestores de programas ou
de secretarias municipais) ou professores da Educação Básica, jamais haviam
visitado as residências de seus públicos-alvo. Nunca tinham entrado em ca-
sas de famílias pobres, algumas delas em favelas, e conhecido tal realidade
de perto.
As participações nos fóruns em seguida mostraram o grande impacto
que tal trabalho de campo teve nos cursistas, com professores, por exem-
plo, relatando que, vendo a situação precária em que viviam, passaram a
entender por que determinados alunos eram "danados" ou "dispersos". Foi
uma ação transformadora que seria novamente registrada nos TCCs, espe-
cialmente no tópico do Memorial.
Obviamente, num universo tão grande de 450 cursistas, muitos pro-
blemas surgiram e precisaram ser contornados. Mesmo com a vontade de
permanecer realizando as atividades, muitos estudantes foram atrapalhados
por questões profissionais e pessoais. A coordenação fez um grande esforço
para manter o interesse e a participação dos cursistas, e uma das estratégias
adotadas foi a flexibilização de alguns prazos, com a contrapartida de não
abrir mão do rigor avaliativo, mantendo a seriedade com que as atividades
seriam realizadas e avaliadas pela equipe pedagógica.
A avaliação mensal dos cursistas e dos 17 tutores no Sistema Integrado
de Monitoramento, Execução e Controle do Ministério da Educação (Simec),
acompanhada pela supervisão e coordenação, revelou-se como um dos pro-
blemas enfrentados. Por muitas vezes tivemos que lidar com erros quanto à
avaliação dos cursistas e subnotificação.
Desafios Institucionais na promoção dos estudos sobre pobreza e educação: a execução da... | 169

Cada tutor, por meio de seu login no Sistema de Gestão e Monitora-


mento da Formação Continuada (Sisfor), fazia a avaliação do cursista, clas-
sificando-o em "frequentando", "ausente" ou "evadido", por um lado, e se
cumprira as atividades de modo satisfatório ou insatisfatório, de outro. Em
seguida, a supervisão revisava se o preenchimento havia sido correto. Por
fim, a coordenação dava o aval final. Em um universo tão grande, equívocos
foram inevitáveis, embora sem prejuízo ao todo para o curso ou o projeto.
A evasão é o maior desafio dos cursos EaD, que, segundo o censo da
Abed (Associação Brasileira de Ensino a Distância), nesses cursos chega a
50% em média, enquanto nos cursos presenciais (e semipresenciais) a média
é metade disso. Em nosso curso, tivemos uma evasão de 30,2% (excluindo
reprovados), que pode ser considerada baixa, ainda mais quando se com-
para a outras experiências do tipo. O EPDS é um curso de especialização
em rede: o mesmo conteúdo foi ministrado por 15 Universidades Federais
brasileiras. Sabemos que em alguns casos, em outras universidades, a eva-
são variou entre 50 e 60%, o que torna os números da UFC mais destacados.
Além disso, o curso foi oferecido a alunos de 116 municípios do Ceará, distri-
buídos em todas as regiões do estado, como pode ser conferido na Figura 1.
As causas maiores da evasão do EPDS-UFC estiveram associadas prin-
cipalmente a: alegação de "falta de tempo" por parte dos cursistas para
desenvolver as atividades do curso; problemas de natureza familiar e dificul-
dades de infraestrutura, como conexão de rede instável ou de difícil aces-
so, especialmente nos municípios menores ou mais distantes dos grandes
centros urbanos. A ausência de infraestrutura era crônica em alguns casos,
mas estes foram contornados pelo monitoramento e acompanhamento
constante da coordenação, ao lado da parceria com a Seduc e as Credes, e
acreditamos que, ao final do processo, ninguém evadiu por este motivo em
particular.
Uma das ações para diminuir a evasão do EPDS-UFC foi o monitoramen-
to constante (caso a caso) realizado pela supervisão com auxílio dos tutores
e da formadora de formadores. Com isso, os cursistas semievadidos (ou seja,
que eram identificados como abandonando as atividades e começando a
acumular atividades não entregues) eram convidados a reconsiderar sua situ-
ação, e eram oferecidas condições "especiais" para o retorno, como flexibi-
lização dos prazos. Instituímos a 2a chamada de todas as provas presenciais,
ocorrendo uma semana após estas, para retardatários ou semievadidos. Do
que não abrimos mão, enquanto coordenação pedagógica, foi o rigor das
170 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume I

avaliações e notas. Flexibilizamos prazos aos casos mais complexos, porém,


mantemos a equidade no peso das avaliações.
Temos ciência de que, sem essa ação incisiva, a taxa de evasão teria sido
muito maior. Infelizmente, alguns casos foram incontornáveis, motivados
principalmente por doenças na família (filhos, cônjuges ou familiares) e com-
promissos profissionais (cursistas que assumiram cargos de chefia ou mesmo
Secretarias Municipais, por exemplo), que terminaram levando à desistência.
Alguns cursistas também se queixaram do "rigor" do curso, especial-
mente quanto ao cumprimento de prazo (mesmo a flexibilização tinha limites)
e à exigência de qualidade dos trabalhos (em média quatro por disciplina),
por professores e tutores. Neste caso, infelizmente, vale a ressalva de que
alguns cursos EaD ainda se utilizam de expedientes discutíveis de controle,
frequência e avaliação, o que os torna "fáceis" de cursar, de modo que um
curso como o EPDS, que tentou fazer valer a seriedade de uma instituição
responsável como a UFC, terminou afastando pequeno número de estudan-
tes que não estavam dispostos a cumprir minimamente os requisitos de uma
especialização. Isto impactou de algum modo no número de evadidos.
Identificamos casos de plágio em vários trabalhos (particularmente nos
portfólios), mas adotamos uma política de "tolerância zero" com o plágio, e,
quando isto ocorria, o cursista era instado a refazer a atividade. Tal postura,
com certeza, contribuiu para a formação pedagógica dos cursistas. Infeliz-
mente, a insistência reiterada na prática (que pode ser entendida como má-
-fé) resultou na reprovação e em pelo menos um caso de evasão. Embora
compreendamos que cada evadido ou reprovado é uma perda ao curso, por
outro lado, fomos cônscios da responsabilidade para com o investimento
público nas boas práticas de formação.
É preciso ressaltar a parceria do EPDS-UFC com a Seduc, que sempre
abriu espaço para que os encontros presenciais do curso (provas e orien-
tações) pudessem ser realizados nos municípios que abrigavam os polos,
ocorrendo quase sempre em escolas da rede estadual ou na própria sede
das Credes.
Isto permitiu que os tutores mantivessem uma saudável aproximação
com os cursistas, o que foi transferido, também, aos orientadores quando o
curso passou à etapa de feitura dos TCCs.
O EPDS-UFC realizou sua avaliação final no dia 01 de abril de 2017, e o
último módulo do curso foi encerrado oficialmente três dias depois. A partir
de então, iniciamos os preparativos para o Trabalho de Conclusão de Curso.
Desafios Institucionais na promoção dos estudos sobre pobreza e educação: a execução da... | 171

Ao longo de abril e maio, os tutores realizaram atividades preparatórias, que


incluíam familiarizar os cursistas com o modelo de TCC adotado pelo curso.
Quando o curso passou a essa etapa, os tutores permaneceram como
elo entre os cursistas e os novos 67 orientadores. Manteve-se relativamente
a proporção de alunos, e o tutor passou a trabalhar com 3 orientadores, já
que cada um destes orientava 5 cursistas.
Ademais, os tutores puderam auxiliar os cursistas nas vicissitudes do
curso, já que tinham mais experiência com eles e com a proposta do curso.
Os orientadores foram selecionados por meio do Edital 01/2017, de 23 de
fevereiro de 2017. Os critérios de seleção levavam em conta não somente a
qualificação docente (e de pesquisa), mas a experiência com EaD.
Novamente demonstrando o interesse em uma ação como o EPDS, a
procura por vagas para professor orientador foi grande, o que nos obrigou a
criar um processo seletivo rigoroso e justo. Obtivemos 181 inscrições deferi-
das, sem contar 10 dos 17 tutores que atendiam aos prerrequisitos e migra-
ram para a função de orientador.
Quadro 4 Barema de professores orientadores.

Discriminação Pontuação por Limite de


título pontos
Doutorado 8,0 8,0
Mestrado 6,0 6,0
Especialização na área ou afins 2,0 4,0
Graduação 2,0 2,0
TOTAL: 20,0
Experiência na área objeto da seleção (anual) Pontuação Limite de
Discriminação pontos
Experiência em docência no Ensino Básico (por 0,5 2,0
ano)
Experiência em Educação a Distância (por 5,0 30,0
semestre)
Experiência em docência no Ensino Superior (por 2,0 10,0
ano)
Experiência na plataforma virtual de aprendizagem 5,0 30,0
Solar
Orientações de Trabalho de Conclusão de Curso 2,0 10,0
devidamente comprovadas
TOTAL: 82,0
Fonte: Edital 01/2017/EPDS/UFC, de 23/02/2017.
172 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume I

Os orientadores foram selecionados a partir de critérios que levavam


em conta sua área de formação (graduação ou especialização em Ciências
Sociais, Filosofia, História, Pedagogia, Psicologia, Serviço Social e áreas afins)
e experiência docente, na orientação de trabalhos de conclusão de curso e
em EaD, particularmente no próprio Solar da UFC.
As inscrições transcorreram de 02 a 20 de março de 2017 e seguiu-se
o processo de seleção em etapas, com a divulgação do resultado final em
19 de abril. Inicialmente, foram disponibilizadas 80 vagas para orientadores,
mas a evasão e reprovação dos cursistas fechou o número em 67 professo-
res, pois, como já dito, cada um orientaria 5 cursistas.
A coordenação promoveu uma formação específica para os professores
orientadores em 06 de maio, e as atividades de orientação iniciaram oficial-
mente em 1o de junho de 2017.
Os cursistas já haviam sido orientados nas disciplinas, no momento da
reflexão-ação, a constituírem o Dossiê que serviria de base para o TCC,
no qual, sob orientação do orientador, o cursista redigiria o Trabalho Final
composto de três capítulos (Memorial, Fundamentação Teórica e Projeto de
Intervenção), visando a efetivação da difusão do conhecimento.
Como resultado final da primeira etapa do EPDS-UFC, dos 450 matricu-
lados inicialmente, 27 foram reprovados nas disciplinas (e, portanto, não pas-
saram à etapa seguinte) e 99 evadiram, de modo que 324 cursistas passaram
à fase final de realização dos TCCs.
A chamada primeira fase do EPDS-UFC terminou oficialmente com a
realização da aula de encerramento em 03 de junho de 2017. A ideia era
reunir novamente os cursistas em um grande evento, com uma programação
que fizesse o arremate dos temas discutidos. Na impossibilidade de usar
novamente o Centro de Convivência que abrigou a aula de abertura e a com
necessidade de auditório com capacidade de mais de 300 pessoas num dia
de sábado, isso nos levou a fazer uma parceria com o Instituto Federal de
Educação (IFCE) do Ceará, campus Fortaleza, que estava localizado a ape-
nas dois quarteirões de distância do prédio das Ciências Sociais no bairro
Benfica.
A programação começou às 8h30 com um coffee break oferecido aos
cursistas, e às 9h ocorreu a mesa de abertura, com a presença de Simone
Medeiros, coordenadora-geral de Acompanhamento da Inclusão Escolar da
Secadi, Antônio Gomes Filho, pró-reitor de pesquisa e pós-graduação da
Desafios Institucionais na promoção dos estudos sobre pobreza e educação: a execução da... | 173

UFC, Joana D’Arc Maia Feitosa, coordenadora estadual de frequência escolar


da Seduc, e o prof. Irapuan Peixoto Lima Filho, coordenador do EPDS-UFC.
Às 10h iniciou a conferência A Agenda de Combate à Pobreza no Brasil
e seu Efeito nas Políticas Públicas de Educação, de Roberta M. Gonçalves
Sousa, doutora em Ciência Política pela Universidade Federal do Rio Grande
do Sul (UFRGS). À época, técnica no Ministério de Desenvolvimento Social
do Governo Federal, a palestrante, além de ser cearense e de ter vivenciado
a pobreza na infância, conseguiu por meio da educação ascender socialmen-
te, o que fez com que sua fala fosse bastante significativa à realidade dos
cursistas presentes. Ao retratar em sua palestra a escola em que estudou,
no município de Itapipoca, emocionou um dos cursistas que era, naquele
momento, o diretor da instituição.
Após a palestra, seguida de debate, a programação fez uma pausa para
o almoço e transferiu-se para o Auditório Luiz de Gonzaga do Departamento
de Ciências Sociais da UFC, onde foi realizada uma rápida reunião entre a
coordenação e os novos orientadores, às 13h30, para às 14h30 iniciar a pri-
meira orientação presencial entre os professores e os cursistas, dando início
à etapa dos TCCs.

A fase dos Trabalhos de Conclusão de Curso


Tomando como inspiração os EPDS de outras IES, a coordenação do
Ceará montou o modelo de TCC baseado nas três partes já descritas, que
visavam permitir ao cursista organizar o conhecimento mobilizado ao longo
do curso ao mesmo tempo em que – como sempre foi a preocupação da
coordenação – construísse pontes firmes com sua realidade imediata e local.
Desse modo, a estrutura do TCC atendeu à seguinte concepção:
• Introdução (entre 2 e 4 páginas), com breve apresentação do que se tra-
tava o trabalho em questão;
• Capítulo 1: Memorial (entre 8 e 12 páginas), no qual o cursista podia refle-
tir sobre seu próprio percurso formativo, sobre como o conhecimento o
impactou ao longo do processo, reflexões que o EPDS trouxe e que não
estavam presentes na estrutura intelectual do estudante e sobre como
os conteúdos do curso foram assimilados;
• Capítulo 2: Fundamentação Teórica ou Discussão Conceitual (entre
10 e 15 páginas), em que o cursista faria um resgate de suas próprias
produções ao longo da reflexão-ação e dos portfólios realizados e os
174 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume I

reestruturaria de modo que dialogassem explicitamente com os temas


de cada um dos módulos;
• Capítulo 3: Projeto de Intervenção (entre 4 e 8 páginas), em que o estu-
dante realizaria a proposta de uma ação de intervenção em seu campo
de atuação profissional a partir das temáticas do curso. Sua estrutura era
sugerida para contemplar os tópicos: contextualização, justificativa, ob-
jetivos, atividades a serem realizadas, discussão metodológica, avaliação
e cronograma;
• Considerações finais (entre 2 e 4 páginas), com a síntese do trabalho;
• Referências, que continham o material de apoio utilizado.
Tal estrutura permitiria ao cursista uma articulação do conteúdo discuti-
do no curso e sua apropriação. O modelo foi discutido com os tutores e, em
seguida, apresentado aos orientadores, que foram "formados" para com-
preender a estrutura e auxiliar os estudantes em sua realização.
O processo de orientação, na prática, trouxe alguns desafios específicos.
Talvez o maior deles tenha sido o grande volume de novos atores (os orien-
tadores) a entrar em cena. Embora 10 deles tenham sido tutores na maior
parte do curso, havia outros 57 que eram novatos no conteúdo e no forma-
to do EPDS, e, mesmo com a exigência (via edital) de consultar o material
pedagógico disponível no site do EPDS-UFC e a formação promovida pela
coordenação, era muita informação e pouco tempo para tudo ser absorvido.
Além disso, parte desses professores vinha da universidade e estava
habituada a uma postura acadêmica de outro tipo, não bem associada ao
elemento "profissional" que envolvia cursos de especialização como o EPDS,
fato que trouxe certo estranhamento.
Assim como ocorreu com os tutores no início do curso, houve uma pe-
quena "evasão" dos orientadores, que foram substituídos de imediato pelos
aprovados que estavam na lista de espera, respeitando a ordem de clas-
sificação. Um caso triste a relatar foi o falecimento da orientadora Luciana
Kellen de Souza Gomes, no dia 30 de agosto de 2017, vítima de uma doença
fulminante.
Alguns outros percalços apareceram no caminho, mas, apesar de tudo,
a avaliação do processo de orientação foi bastante positiva. Inclusive, vários
orientadores relataram sua satisfação com os encontros presenciais rea-
lizados nos polos de origem dos cursistas, que, além daquele da aula de
encerramento, ocorreram nos dias 22 de julho e 23 de setembro de 2017. A
Desafios Institucionais na promoção dos estudos sobre pobreza e educação: a execução da... | 175

divisão de 5 orientações por professor fez com que grupos de orientadores


viajassem aos polos, o que tornou o trabalho e a convivência mais colabora-
tivos e o envolvimento com o curso ainda maior.
A organização das defesas revelou-se um trabalho hercúleo. Tínhamos
ciência de que precisaríamos fornecer infraestrutura adequada a mais de
200 eventos do tipo, cada qual envolvendo o cursista, seu orientador e mais
dois outros professores (que podiam ser outros orientadores do EPDS ou
membros externos), com a maioria demandando o uso de equipamentos
como computador e Datashow.
Para isso, a coordenação optou por dividir as defesas por polo, com cada
um ocupando as datas de sexta-feira e sábado a partir de 06 de outubro. A
cada dia, portanto, realizavam-se entre 20 e 40 defesas, distribuídas em 4 ou
5 salas de aula, já que, sempre que possível, tais eventos ocorriam em bloco,
ou seja, com a mesma banca avaliando vários trabalhos, como maneira de
otimizar tempo e recursos.
Cada cursista apresentava seu trabalho cumprindo o rito já consolidado
na academia: apresentação oral de aproximadamente 20 minutos, seguida
pela arguição da banca, direito de resposta, fala final do orientador, avaliação
(quando todos se retiram da sala para que os professores realizem o veredito
e a atribuição das notas em separado) e leitura da Ata com o resultado do
candidato. Terminada a defesa, passava-se ao cursista seguinte.
Em vista do grande volume de cursistas, houve alguns retardatários, de
modo que a última semana de defesas foi reservada estrategicamente ape-
nas para casos em que os cursistas não puderam apresentar seus trabalhos
na data programada para o polo ao qual pertencia. Além disso, alguns im-
previstos – como a impossibilidade de comparecimento do orientador – nos
obrigaram a estender um pouco o prazo, com as últimas defesas ocorrendo
no dia 16 de dezembro.
Durante a etapa de produção e defesa dos TCCs, a coordenação pros-
seguiu com a preocupação com a evasão dos cursistas e a busca de es-
tratégias que os auxiliassem a finalizar os trabalhos. Foi criado um sistema
de produção de relatórios mensais dos 67 professores orientadores para
medir o desempenho dos cursistas em "tempo real". Para isso, contou-se
com a colaboração, dentro da equipe de coordenação, de um pequeno nú-
cleo chamado de supervisão, constituído por três professoras, que faziam o
acompanhamento dividido por polos.
176 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume I

Ao final, 283 Trabalhos de Conclusão de Curso foram defendidos e


aprovados, o que possibilitou uma taxa de aprovação de 62,8% do total de
matriculados no curso, excluindo os reprovados.

A pesquisa do EPDS-UFC
Um dos diferenciais do EPDS foi permitir aos docentes desenvolverem
uma pesquisa em consonância com o conteúdo do curso. A equipe de pes-
quisa foi liderada pelo professor Domingos Sávio Abreu e contava com o
professor Jakson Alves de Aquino, a professora Rafaela Silveira (responsável
pela reflexão-ação do curso) e um corpo de quatro bolsistas de iniciação
científica, estudantes de graduação em Ciências Sociais.
Com isso, produziu-se um grande levantamento de dados relacionando
as famílias que cumprem as condicionalidades do Programa Bolsa Família
(PBF) e a temática da pobreza, da desigualdade social e da eficácia das polí-
ticas públicas. O objetivo da pesquisa foi identificar e mensurar os obstácu-
los que as crianças e adolescentes cearenses beneficiárias do PBF enfrentam
para alcançar o sucesso escolar.
A pesquisa começou a ser elaborada em março de 2015, em decorrência
da assinatura do termo do EPDS-UFC, e começou as atividades um ano de-
pois, em março de 2016, prosseguindo até outubro de 2017. O trabalho de
campo ocorreu em duas etapas: a primeira em junho de 2016, com entrevis-
tas de famílias que atendiam ou não a condicionalidade do PBF em mais de
90 municípios do Ceará, e a segunda em agosto e setembro de 2017, com a
aplicação dos questionários em 5 municípios, finalizando com um Seminário
de Pesquisa que contou com a apresentação dos dados parciais e discussão
sobre as temáticas propostas, inclusive com pesquisadores de outras inicia-
tivas do EPDS (no caso, da UFPR e UFMG), que ocorreu em 27 de setembro
de 2017. Em seguida, os dados foram consolidados e continuam sendo ava-
liados até a presente data, para compor publicações futuras.
Em termos metodológicos, para alcançar o objetivo proposto, a pes-
quisa foi dividida em duas etapas: uma qualitativa e outra quantitativa. A
coleta de dados qualitativos foi realizada em parceria com os cursistas du-
rante a atividade de reflexão-ação. Melhor explicando: durante o curso de
especialização houve uma disciplina voltada para a compreensão da relação
da família e o universo escolar (BRASIL, 2014). Como já dito, foi solicitado
que cada cursista fosse às casas de duas famílias beneficiárias do PBF com
Desafios Institucionais na promoção dos estudos sobre pobreza e educação: a execução da... | 177

filhos na escola, uma das quais cumpria a condicionalidade e a outra não,


para a realização de uma entrevista semiestruturada. Como o EPDS-UFC
atingiu grande parte do território cearense, a amostra foi estratificada por
municípios e bastante relevante. As entrevistas foram feitas com questões
"abertas" e gravadas em áudio, que foram utilizadas em um dos portfólios
dos cursistas e disponibilizadas à equipe de pesquisa, que as transcreveu.
As respostas foram tipificadas e classificadas quantitativamente, permi-
tindo uma análise detalhada.
O roteiro de entrevista havia sido montado e testado junto a beneficiá-
rios do município de Maracanaú, localizado na região metropolitana de For-
taleza. Os cursistas foram treinados por vídeos postados pela coordenação
e pelos tutores do curso na plataforma Solar. O vídeo mostrava como e por
que utilizar a técnica da entrevista semiestruturada, a forma de realizar a
entrevista e a importância do conteúdo de cada uma das perguntas feitas.
Mesmo que a qualidade das entrevistas em si tenha sido variável, ao
final foram consideradas 371 entrevistas, que reuniram os primeiros dados
da pesquisa.
Em seguida, veio a segunda etapa da pesquisa, com a realização de 624
questionários em cinco municípios cearenses (Fortaleza, Aracati, Tianguá e
Crateús) por um grupo de 10 estagiários de pesquisa e os três professores
pesquisadores.
Desta vez, foram analisadas como as questões domésticas influenciam
ou não na condicionalidade do PBF, abordando variados temas, desde a pre-
sença ou ausência de figura paterna (ou outra que o substitua) até o engaja-
mento materno na vida escolar dos filhos. Os resultados da pesquisa estão
sendo publicados em livros e artigos, como Abreu e Aquino (2017) e Abreu,
Aquino e Souza (2017). Outros mais estão em preparação ou em avaliação
por pareceristas de periódicos nacionais e internacionais.
No momento em que este texto é escrito, a coordenação do EPDS-UFC
está preparando uma coleção de 5 livros a serem publicados pela Editora
Pontes.
Além das publicações, a coordenação e a equipe do EPDS-UFC organi-
zaram o Seminário de Pesquisa do EPDS como uma maneira de apresentar
os dados e as análises à comunidade universitária local. O evento contava
com a presença também de pesquisadores da Iniciativa EPDS das outras
universidades brasileiras. O evento transcorreu no dia 26 de setembro de
2017 nos três turnos, começando com uma mesa de abertura realizada no
178 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume I

Auditório José Albano (no Centro de Humanidades, Área I, Campus Benfica),


com as presenças do vice-reitor Custódio Almeida, do pró-reitor Antônio
Gomes Filho, do coordenador Irapuan P. Lima Filho e do coordenador da
pesquisa, Domingos Abreu.
Às 10h ocorreu a 1a mesa, Condicionalidades educacionais do progra-
ma brasileiro de transferência de renda a famílias pobres, que contou com
o debate entre o professor Domingos Abreu e a professora Marisa Ribeiro
Teixeira Duarte, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). A 2a mesa
ocorreu no mesmo local, às 14h30, com o título A efetividade da política
educacional na garantia do direito à educação da população em situação de
pobreza, e contou com Jakson Aquino e Gabriela Schneider, da Universida-
de Federal do Paraná.
Por fim, o evento transferiu-se para o Auditório Luiz de Gonzaga (no De-
partamento de Ciências Sociais, no Centro de Humanidades, Área III), onde,
após um coffee break, se iniciou a 3a mesa, Escola para alunos do Bolsa Fa-
mília: notas sobre as condições e as disposições subjetivas da relação social,
com Domingos Abreu e Gabriela Schneider.
O Seminário de Pesquisa não foi obrigatório aos cursistas do EPDS, que
àquela altura estavam envolvidos demais com a produção de seus TCCs,
porém, um número significativo deles compareceu, juntamente aos pesqui-
sadores de outras universidades, além de professores e estudantes da UFC.

Algumas considerações finais


Garantir uma baixa evasão não é apenas a tentativa de "manter bons
índices", mas fazer bom uso do dinheiro público e, ainda, se esforçar para
o cumprimento do objetivo do curso em si, que é formar especialistas com
qualidade. Pensamos que o maior legado do EPDS-UFC é o que ele cons-
truiu por meio daqueles que participaram, entre professores e estudantes, e
o efeito (positivo e duradouro) que causou em cada um.
Porém, os números são indicativos de como esse processo foi realizado
e expressam de maneira sistemática o que conquistamos.
Com 283 cursistas diplomados, 30 reprovações (27 nas disciplinas e 3 nos
TCCs) e 136 evadidos (99 nas disciplinas e 37 nos TCCs), excluindo as repro-
vações, isso coloca a taxa de evasão do EPDS-UFC em 30,2%, um número
muito abaixo da média nacional, que é de 50%, e isso foi considerado um
Desafios Institucionais na promoção dos estudos sobre pobreza e educação: a execução da... | 179

grande feito para o projeto. Considerando os 450 ingressantes, isso dá uma


taxa de aprovação de 62,8%.
Isto só pôde ser atingido pelo trabalho constante de monitoramento dos
cursistas e pelo atendimento individual para a solução de problemas e en-
traves, nos quais atuavam diretamente tutores, supervisoras e a formadora
de formadores.
Além desse resultado, o projeto atingiu bom desempenho também na
formação ampliada de seus cursistas e da sociedade em geral, tendo em vis-
ta os grandes eventos realizados de modo associado ao curso em si, como a
aula inaugural, a aula de encerramento e o Seminário de Pesquisa, que reuni-
ram não somente a equipe do EPDS e os cursistas, mas também professores
e estudantes da UFC e interessados da sociedade em geral. Esses eventos
combinaram discussões sobre EaD, familiarização com o Solar, discussões
do projeto de pesquisa vinculado ao curso, interação presencial entre cur-
sistas, tutores e orientadores, e conferências temáticas que aprofundaram
muitos dos temas discutidos nos módulos/disciplinas.
Gostaríamos de ressaltar, ainda, que conseguimos evitar ao máximo o
desperdício de dinheiro público, de modo que economizamos no pagamen-
to das bolsas sempre que possível. Por isso, a despeito das atividades reali-
zadas e do planejamento, conseguimos que fossem pagas apenas 94,8% das
bolsas de professor formador e 98,5% das de tutor, sem nenhum prejuízo ao
curso, o que representou uma economia de 5,2% e 1,5%, respectivamente,
aos cofres públicos.
A boa articulação com o MEC foi fundamental para o bom desenvolvi-
mento do projeto, e, desde o início, a equipe da Secadi mostrou-se muito
acessível e disposta a ajudar, o que foi determinante para que o EPDS-UFC
pudesse ser instalado, a despeito dos desafios burocráticos que já aborda-
mos em outro texto (LOPES et al., 2017). Ao longo da execução procuramos
manter essa proximidade, e a competência da equipe do MEC ajudou na so-
lução de muitos problemas, enquanto também fornecia apoio aos desafios,
soluções para problemas e incentivava as boas práticas.
A presença de representantes da Secadi/MEC na aula inaugural e na
aula de encerramento foi de grande ajuda e simbolizou o envolvimento da
equipe, ao mesmo tempo em que dava aos cursistas a presença física do
Ministério e empoderava o sentimento de pertença a algo maior. A presença
também permitiu estreitar laços e promover ações mais ágeis e o esclareci-
mento de dúvidas.
180 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume I

As duas reuniões da Iniciativa EPDS em Brasília, reunindo as 15 Univer-


sidades parceiras, também foram grandes momentos que permitiram a so-
cialização entre as equipes dos estados e a troca de experiências que auxi-
liaram na criação de uma rede de pesquisadores sobre o tema da pobreza e
da educação, iniciativa que está germinando ainda, porém, já começa a dar
frutos, representados na troca de dados e difusão de pesquisas em artigos
de revistas científicas e nas coleções de livros do EPDS que começam a ser
publicados pelos projetos.
Neste momento em que o EPDS prossegue suas atividades em outro
formato, como curso de aperfeiçoamento, e no qual continuamos a desen-
volver tanto o curso quanto a pesquisa, as perspectivas tornam-se ainda
melhores. Por exemplo, no nosso caso, estreitamos os laços com a equipe
da Universidade Federal do Paraná (UFPR), na qual o professor Domingos
Abreu vem realizando um estágio pós-doutoral que amplia o aprofunda-
mento da pesquisa do curso e constrói a ponte para a nova etapa, na qual a
parceria se manterá.
Esses esforços são fundamentais não apenas para a formação de um
corpo mais qualificado de técnicos que ocupem os postos do Estado, mas
também para aprofundar o campo de pesquisa em educação e pobreza,
um cruzamento de temas que é essencial ao Brasil em vista de sua história
e dívidas com o passado. Dessa forma, podemos acreditar que o resultado
das políticas públicas que combatam a pobreza, tendo a educação como
mote, se revela promissor.

Referências
ABREU, D. S.; AQUINO, J. A. Contexto familiar e cumprimento da condicionalidade de frequência
escolar no Programa Bolsa Família no Ceará. Educar em Revista, Curitiba, v. 33, n. esp. 2, p. 55-69,
set. 2017.
ABREU, D. S.; AQUINO, J. A.; SOUZA, F. A. P. Representações sociais de beneficiárias do Programa
Bolsa Família no Ceará. In: GARCIA, A. V.; TORRI, D.; CERNY, R. Z.; OLIVEIRA, S. M. (Org.). Forma-
ção e pesquisa no âmbito da Iniciativa Educação, Pobreza e Desigualdade Social. Brasília: MEC,
2017. Coleção Educação, Pobreza e Desigualdade Social, v. 3. p. 201-242.
BRASIL. Curso de Especialização em Educação, Pobreza e Desigualdade Social: Projeto Político
Pedagógico. Brasília: MEC/Secadi: 2014.
LOPES, V.; ABREU, D. S.; LIMA FILHO, I. P.; RIOS, G. A.; AGUIAR, R. S.; SANTOS, M. L. Ações em
contextos institucionais: o caso do PNEPDS na Universidade Federal do Ceará. In: GARCIA, A.
V.; TORRI, D.; CERNY, R. Z.; OLIVEIRA, S. M. (Org.). Formação e pesquisa no âmbito da Iniciativa
Educação, Pobreza e Desigualdade Social.  Brasília: MEC, 2017. Coleção Educação, Pobrza e Desi-
gualdade Social, v. 3. p. 73-126.
9

Educação, Pobreza e Desigualdade


Social: a construção de um curso na
contramão da medicalização
Lygia de Sousa Viegas
Elaine Cristina de Oliveira
Hélio Messeder da Silva Neto

O cenário

O presente texto apresenta relato da experiência de construção do


curso de especialização em Educação, Pobreza e Desigualdade Social na
Universidade Federal da Bahia. Aqui, buscamos contemplar, no formato de
texto corrido, os seguintes aspectos: introdução, objetivos, metodologia,
discussões e conclusões. O texto compôs parte de nosso discurso na aula
de encerramento do referido curso.
A construção de um curso de especialização com esse tema – Educação,
Pobreza e Desigualdade Social (EPDS) –, e ainda mais em uma universidade
pública de um estado nordestino e pobre do país, implica nunca esquecer
que o grande desmonte nacional, "com o supremo, com tudo", atinge tam-
bém as Universidades Públicas, que têm sofrido inúmeros ataques, iniciados
antes mesmo do Golpe maior, após o qual tem se sucedido golpes diários
sobre todas nós.
Como não sentir mal-estar diante do suicídio do Reitor da Universidade
Federal de Santa Catarina, Luiz Carlos Cancellier de Olivo, no dia 02 de ou-
tubro de 2017? Sua morte, ele mesmo afirmou, foi decretada no dia de sua
prisão. Nessa triste sociedade do espetáculo, todos assistimos, menos de
um mês antes, a forma abusiva como ele foi preso, despido e algemado pela
182 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume I

Polícia Federal. A acusação para ser preso dessa forma? Obstruir a investi-
gação (TORRES, 2017). O tratamento dado a ele grita que a universidade
pública está sob ataque. Em sua memória, e em memória da maltratada uni-
versidade pública, fizemos um minuto de silêncio.
Apesar das inúmeras denúncias do abuso que foi a condenação precoce
de Olivo, a mesma Polícia Federal, poucos meses depois, conduziu coerci-
tivamente o Reitor da Universidade Federal de Minas Gerais, junto a outros
tantos professores da mesma universidade. A imagem da ação é grotesca:
professores universitários levados por policiais militares armados e trajados
para guerra. E isso, novamente, sem que os professores tivessem sido con-
vocados anteriormente a dar depoimento. Essa operação da Polícia Federal
violenta também nossa memória, já que, de forma sórdida, o nome dado a
ela, Esperança Equilibrista, faz alusão a um hino libertário de João Bosco
e Aldir Branc, compositores mineiros que, indignados, publicaram nota de
desagravo ao desrespeito vivido (JORNAL DO BRASIL, 2017).
Professores universitários sendo conduzidos por policiais vestidos e ar-
mados para guerra. A imagem choca. Em meio ao assombro, por vezes nos
esquecemos de que essa cena é cotidianamente vivida pelas classes pobres
brasileiras, para quem a ditadura militar nunca acabou. Como consequência
de nossa convivência ao longo do Curso, sabemos que todas as cursistas
viram ou viveram situações nas quais a polícia agiu de maneira abusiva com
nosso povo, tendo o racismo institucional como critério para abordar de
forma truculenta a população pobre, composta, não coincidentemente, em
sua maioria de negros. É simbólica a recente confirmação da condenação de
Rafael Braga, sem nenhuma prova contra ele.
No Brasil, de maneira dominante, os pobres são olhados, no mínimo,
como suspeitos. Historicamente, suspeita-se da capacidade cognitiva e da
conduta moral de pobres e negros (PATTO, 1990). Basta lembrar como a
grande mídia, mas também muitos de nós, de maneira geral, tratamos os
adolescentes negros e pobres moradores das periferias, dos rolezinhos aos
black blocs. E a suspeita vira prática, já que são eles que engrossam nossas
mais tristes estatísticas: do sistema carcerário, de desemprego ou subem-
prego, do fracasso escolar. O mapa da violência nos mostra que as vítimas
têm classe, raça e gênero (CERQUEIRA et al., 2018). Não há dúvida de que
impera uma verdadeira política de extermínio no Brasil.
A esse extermínio bem concreto, soma-se o extermínio simbólico, que,
embora mais sutil, é extremamente violento com quem o vive na própria
Educação, Pobreza e Desigualdade Social: a construção de um curso na contramão da... | 183

pele. Insistimos em lembrar, ao longo da formação, que, em números abso-


lutos, há mais de 1 milhão de crianças e adolescentes para quem as escolas
ainda não abriram as portas. Sabemos quem são: os mais pobres, os que
vivem em zonas rurais, os quilombolas, indígenas, os que moram nas ruas,
as dissidências de gênero, os que, além de deficientes, são pobres (VIÉGAS;
OLIVEIRA; MESSEDER NETO, 2017).
Para os que conseguiram ultrapassar a seletiva porta de entrada na es-
cola, o exercício diário é permanecer e conseguir efetivamente se beneficiar
da escolarização, sempre ameaçada por barreiras impostas pelo próprio sis-
tema. Ainda que tenhamos inúmeras críticas às avaliações em larga escala,
nunca é demais lembrar que, no caso da Bahia, apenas 20% dos alunos do
5o ano e 13% dos alunos do 9o ano têm o domínio esperado em português; e
irrisórios 16% de alunos do 5o ano e 5% do 9o ano têm aprendido matemática
(FREIRE, 2017).
É o chamado fracasso escolar, que se arrasta em nossa história, à reve-
lia da densa produção de pesquisas brasileiras, muitas das quais financia-
das com dinheiro público, a partir de sua aprovação em editais. Em outras
palavras, há mais de três décadas grupos de pesquisa têm apontado de
maneira diligente e contundente os crônicos problemas do nosso sistema
educacional. Tais pesquisas, no entanto, mesmo recebendo financiamento,
são ignoradas pelo mesmo poder público quando da construção de políti-
cas educacionais, as quais são implantadas, supostamente, para resolver os
problemas a que as pesquisas tanto se referem.
Aqui, é essencial criticarmos a censura impetrada contra pesquisadores
do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Anísio Teixeira, o INEP, que
tiveram uma publicação sobre o Sistema Nacional de Avaliação da Educação
Básica retirada do ar em novembro de 2017. Ora, o texto censurado aponta
de forma impiedosa que avaliação e melhoria da qualidade da educação
ultrapassam o limite estreito dos testes de desempenho estudantil – limite
que os empresários neorreformadores adoram apresentar como natural. A
publicação ainda recupera a função social da educação, bem como defende
uma gestão democrática, participativa e descentralizada da educação, que
valoriza os educadores e se posiciona diante da segregação de classe, raça
e gênero na escola. Agradecemos a internet livre, onde o texto pode ser lido
na íntegra (SANTOS; HORTA NETO; JUNQUEIRA, 2017).
A análise crítica de nossa educação exige a leitura de Patto (1990).
Ela desvela que as explicações supostamente científicas sobre o fracasso
184 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume I

escolar no Brasil são marcadas, de forma dominante, por preconceitos de


classe, raça, gênero. Pautadas no reducionismo biológico, tais explicações
afirmam, por exemplo, que pobres têm menos capacidade individual para
se desenvolver numa sociedade supostamente justa e igualitária. Assim, são
os pobres que não conseguem aprender, e daí decorre seu destino: desva-
lorização, subemprego, desemprego, criminalidade. A escola e a sociedade
de classes nada devem a essa condição, determinada organicamente. No
contexto atual, essa farsa científica conforma-se na medicalização.
Patto (1990) também alerta, há quase 30 anos: não é suficiente não que-
rer pensar e agir de forma preconceituosa para superarmos essa forma de
entender e tratar os pobres. A autora tensiona, inclusive, "pesquisadores
munidos de um referencial teórico-crítico", muitos dos quais se acham livres
de equívocos, desconsiderando que suas produções reforçam a "crença ge-
neralizada na incompetência das pessoas pobres":

mesmo quando voltam os olhos para a escola e o ensino numa sociedade


de classes e neles identificam inúmeras condições que podem por si só
explicar as altas taxas de reprovação e evasão, continuam a defender as
teses da teoria da carência cultural. O resultado é um discurso incoerente
que, em última instância, acaba reafirmando as deficiências da clientela
como a principal causa do fracasso escolar (PATTO, 1990, p. 76).

Exemplo recente é encontrado no trabalho de Jessé de Souza (2017),


autor da moda em parte da esquerda brasileira. Concordamos quando Ruy
Braga (2017) problematiza a tese de Souza, segundo a qual no Brasil há uma
"ralé de novos escravos politicamente passiva", composta de cobradores
de ônibus, terceirizados do setor de limpeza, garis, agentes comunitários,
por exemplo. Para Braga, faltou compreender a força histórica e política dos
subalternos no Brasil, que protagonizaram – e ainda protagonizam – muitas
lutas sociais, nas cidades e no campo.
Se não é de hoje que a educação brasileira sofre ataques, isso não nos
dispensa de falar do contexto atual, considerado grotesco, por representar
um retrocesso histórico lamentável. O que não faltam são exemplos deplo-
ráveis para citar.
Mas vamos falar de um considerado simbólico: o bizarro projeto "es-
cola sem partido", que nada mais é que a Lei da Mordaça. Embora ainda
não aprovado, sabemos o quanto ele já está instalado em nossas escolas e
universidades. Basta reconhecer as perseguições e até mesmo ameaças de
Educação, Pobreza e Desigualdade Social: a construção de um curso na contramão da... | 185

morte a vários pesquisadores e pesquisadoras que discutem nossas feridas


históricas de forma aprofundada. Tais ameaças partem sobretudo de fun-
damentalistas religiosos que ameaçam não só professores, mas a conquista
republicana da laicidade da escola. Os conservadores de plantão querem
silenciar pesquisas e criminalizar pesquisadores.
Isso num país que pratica estupros coletivos, linchamento e assassinato
de mulheres, homossexuais e pessoas trans. Daí que não é de se estranhar
que, dentro do MEC, uma das pastas mais ameaçadas é a Secretaria de Edu-
cação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão, que abriga o curso
aqui apresentado. Ora, a nossa elite nunca se interessou por alfabetizar e
educar a população pobre do Brasil, muito menos em formar para a diversi-
dade e a inclusão.

O começo
Mas se a ciência, de maneira dominante, tem produzido versos que silen-
ciam, enquadram, violentam, o EPDS foi uma aposta no reverso. Buscamos
construir e fortalecer tensão, sem a qual não conseguiremos olhar o mundo
que nos constrói, ver suas nuances e reparar seus descaminhos. Sabemos
que a mudança radical que almejamos é processo longo e tortuoso. São
muitos os obstáculos objetivos e subjetivos a serem enfrentados. Mas,
"Maria, Maria" que somos, misturamos alegria à dor e, com estranha mania,
encontramos força, raça, manha, graça, gana e sonhos sempre. Criamos es-
tratégias de resistência e enfrentamento. Com o EPDS, buscamos ser uma
forma de resistência a tantas violações.
Daí que perguntamos: em que nossa prática contribui para as violações
ou para a consolidação dos direitos humanos? Reconhecendo o caráter po-
lítico do curso, que visa a pensar a escolarização de alunos em condição de
pobreza, tivemos como mantra que deveríamos enfrentar, de forma densa
e profunda, todas as formas de preconceito e intolerância. E isso sem per-
der de vista que não poderíamos incorrer na culpabilização das cursistas
pelo fracasso escolar, pautada no mito da incompetência docente (SOUZA,
2006). Esse grande equívoco maltrata os professores, que não à toa estão
adoecendo no exercício da função. Trata-se de uma ideia, portanto, que re-
presenta um desserviço à luta pela educação pública, gratuita, laica, de qua-
lidade e socialmente referenciada para todas e todos. Repetimos de novo o
que dissemos na aula inaugural: se, por um lado, somos todos malformados,
186 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume I

por outro lado, o fracasso escolar é fenômeno complexo e não pode ser
reduzido a um aspecto isolado. Defender a valorização do professor envolve
aumento salarial, garantia de condições de trabalho, de espaços de escuta
e respiro.
A partir desse horizonte ético, demos início à construção desse curso
cheio de subversões. Inicialmente, tensionamos os papéis institucionais na
construção do trabalho. Na gestão, o que era para ser uma coordenado-
ra principal e uma adjunta, além de um supervisor, virou um trio igualitário
que durante dois anos se reuniu semanalmente. Entre músicas, risos, iras e
burocracias, tomamos cafés e decisões, sempre pautadas no caráter ético-
-político do nosso fazer. Amizade cresceu.
Para dar materialidade ao curso, o trio fez muitas escolhas. A primeira
envolveu a seleção de cursistas: considerando que a valorização do serviço
público passa também por priorizá-lo em formações gratuitas, ofertadas em
universidades públicas, priorizamos professores da rede (350 do total de 400
cursistas), a quem se somaram profissionais que atuam em serviços públicos
que atendem crianças e adolescentes em situação de pobreza. Além disso,
optamos por focar em Salvador e região metropolitana (367 cursistas), pois
sabemos que é onde se concentra a maior dificuldade em atender às condi-
cionalidades do Bolsa Família. E, estando mais perto da UFBA, poderíamos
estimular encontros presenciais. Ainda com relação ao perfil das cursistas,
cumpre destacar: são prioritariamente mulheres (347), negras (199) e pardas
(115), entre 31 e 50 anos de idade (293 cursistas).
A partir da autonomia universitária, compusemos uma equipe de for-
madores de módulo baseada na relevância de sua produção acadêmica e
científica, em uma perspectiva crítica. Os professores, então, dialogaram cri-
ticamente com o material recebido, trazendo outras referências, trabalhando
a nossa realidade específica.

O material didático-pedagógico
A discussão sobre a construção de um material didático para um curso
EaD é extensa na literatura (ROSALIN; CRUZ; MATTOS, 2017). No campo da
forma, espera-se que esse material dialogue com as diversas possibilidades
do campo digital, trabalhando com vídeos, mídias, hiperlinks e elementos
interativos, não se constituindo apenas de livros que foram escaneados ou
textos disponibilizados em plataformas digitais. Segundo alguns autores do
Educação, Pobreza e Desigualdade Social: a construção de um curso na contramão da... | 187

campo de estudo da EaD, um material bem elaborado permite o desenvolvi-


mento de uma aprendizagem não linear, motivando e dando mais autonomia
ao estudante. Seguindo essa tendência, o MEC, ao disponibilizar o material
para o curso de especialização, afirma:

O material didático do Curso de Especialização Educação Pobreza e


Desigualdade Social foi desenvolvido para ser um grande mosaico de
recursos digitais, a fim de oferecer ao(à) cursista um processo de apren-
dizagem esteticamente agradável, divertido e surpreendente, mas que
também estimule uma postura crítica, investigativa e autônoma. Dessa
forma, permite o uso didático de uma série de linguagens: vídeos, anima-
ções, sons, falas, fotos, ilustrações, infográficos, elementos interativos
etc. (BRASIL, 2015, grifo no original).

No entanto, sabemos que forma-conteúdo se constituem como uma


unidade dialética. Portanto, por mais maravilhoso que seja um material no
seu campo visual-estético, ele só poderá de fato "motivar", "desenvolver
autonomia", "formar pensamento crítico" se o conteúdo que vincula permitir
que isso ocorra. De nada adianta um material em 3D se as concepções que
ele traz forem unidimensionais, reprodutoras do status quo e com uma críti-
ca que não vai nas raízes dos problemas que pretende apresentar.
Entendemos que o material apresentado para o curso, no que tange à
forma, consegue ser impecável. Cumpre o que promete no site, apresenta,
nos cinco módulos que compõem o curso, um formato dinâmico, com alta
interatividade e excelentes qualidades gráficas. O que faremos aqui, portan-
to, é discutir, em linhas gerais, o conteúdo de cada módulo do curso para
mostrar que o que foi apresentado traz potencialidades, mas, em grande
medida, é lacunar e reproduz um discurso fraturado e contraditório que foi,
dentro dos limites, tensionado pela iniciativa EPDS da UFBA.
De acordo com o projeto político-pedagógico, o módulo introdutório
previa na sua ementa dois objetivos gerais: i) explicitar as relações entre pro-
dução social da pobreza, desigualdades sociais, étnicas, raciais, de gênero,
de espaço (urbano rural) e educação; e ii) sensibilizar os(as) profissionais da
Educação Básica sobre essas relações e as exigências trazidas por elas para
as políticas educacionais e para os currículos de formação da Educação Bá-
sica (BRASIL, 2014, p. 37).
Em grande medida, o material apresentado cumpre seu objetivo de
desnaturalizar a pobreza. Ao discutir que ser pobre não é uma condição
individual, indolência ou preguiça da população historicamente excluída, o
188 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume I

material apresenta-se como um avanço em relação ao senso comum que


ainda permeia o modo como as pessoas empobrecidas são vistas. No entan-
to, cabe destacar que nos objetivos do módulo introdutório a palavra classe,
como categoria de análise para discutir pobreza, desaparece. Ainda que se
fale em questões políticas amplas e até de medidas assistencialistas, o mó-
dulo furta-se de discutir aspectos relacionados às raízes da pobreza e a sua
necessidade de existência e recrudescimento em um contexto neoliberal.
Desse modo, trabalhamos aqui no EPDS da UFBA com textos comple-
mentares (YANNOULAS; ASSIS; MONTEIRO, 2012; ASSIS; YANNOULAS,
2012; MONTAÑO, 2012) que incorporassem a questão de classe nas discus-
sões sobre pobreza. Tínhamos clareza que isso precisava ser feito no início
e, portanto, no módulo introdutório, para que as cursistas entendessem o
cerne e a importância da relação entre os conceitos de classe e pobreza.
Desse modo, o módulo introdutório não poderia terminar sem que fosse
exaustivamente trabalhada a ideia de que:

A desigualdade no capitalismo não se resolve apenas com uma socializa-


ção parcial da riqueza, mas com a eliminação das classes e da exploração
do trabalho pelo capital, ou seja, com a superação da ordem capitalista. O
sistema capitalista é um sistema estrutural e irremediavelmente desigual:
supõe a "exploração" de uma classe por outra; apropriação pelo capi-
talista do valor produzido pelo trabalhador; subalternização das massas
pelo comando econômico/político/ideocultural do capital; expulsão de
massa de trabalhadores excedentes ou obsoletos para as necessidades
do desenvolvimento e da acumulação capitalistas (MONTAÑO, 2012, p.
285).

Para além do material oferecido pelo MEC, o módulo introdutório tam-


bém trouxe para discussão como a mídia trabalha a questão da pobreza,
mostrando como os veículos de comunicação exploram a pobreza. A discus-
são tangenciou elementos sobre o preconceito linguístico, e, concordando
com Bagno e Rangel (2005), foi defendido no curso que "todas as línguas e
todas as variedades de língua se equivalem no que diz respeito a suas com-
plexidades estruturais e a seus recursos expressivos" (BAGNO; RANGEL,
2005, p. 78). Para os autores, não existem línguas ou variedades linguísticas
"primitivas", nem línguas ou variedades linguísticas "inferiores" a outras,
supostamente mais "desenvolvidas". Nesse aspecto, foi trabalhada com as
cursistas a necessidade de respeitar as variedades linguísticas e, ao mesmo
tempo, garantir aos seus falantes o direito ao pleno conhecimento e domínio
Educação, Pobreza e Desigualdade Social: a construção de um curso na contramão da... | 189

das formas linguísticas "eleitas" como de prestígio (VIÉGAS; OLIVEIRA;


MESSEDER NETO, 2017). Durante o curso, lembramos nossas cursistas que a
língua não é um instrumento neutro, nem a língua materna que aprendemos
no cotidiano da vida, nem a língua que aprendemos na escola. A língua (e
suas variedades em conflito) é, também, instrumento de dominação e exclu-
são, preconceito e discriminação, principalmente quando se trata de uma
pessoa pobre.
No campo educativo, começamos a tensionar neste módulo a ideia de
que a escola seria capaz de resolver todos os problemas educativos. Essa
ideia foi resgatada em outros momentos do curso, mas, como tal assertiva
tem raízes firmes no ideário educacional, o professor formador resolveu que
esse tema precisava ser colocado em pauta. Uma vez que a discussão de
que a desigualdade e a pobreza são inerentes à sociedade de classe já tinha
sido feita, foi possível mostrar que o papel da escola não seria de redentora
da pobreza, que só poderia desaparecer com a superação do sistema atual.
No módulo I, intitulado Pobreza e Cidadania, mais uma vez encontramos
ideias interessantes no que tange a vários aspectos. Rompendo com a ideia
de que o programa Bolsa Família não é assistencialista e atentando para o
fato de que muitas vezes o beneficiário do programa é tratado com precon-
ceito por gestores, assistentes sociais, professores, agentes do governo, o
módulo predispõe-se a discutir cidadania de modo ampliado, mostrando
como a pobreza é multifatorial e tem impacto nas diversas formas de acesso
a informações/serviços públicos e privados das famílias empobrecidas do
país. O material toca, ainda que rapidamente, nos marcadores de raça e
gênero da pobreza e discute sobre a violência física e simbólica do Estado,
mostrando assim que a cidadania não é garantida a todos os sujeitos e tem
sido historicamente negada à classe empobrecida.
Mas, se o módulo traz nas suas linhas questões importantes de serem
debatidas, um olhar mais de perto mostra que é preciso ter cuidado com
alguns elementos apresentados no texto. Na ânsia de, por exemplo, mostrar
que os pobres não são preguiçosos ou incapazes, os autores lançam mão de
uma pesquisa de um economista sul-coreano e afirmam:

é impossível atribuir unicamente a determinadas características individu-


ais a produção de riqueza (ou de pobreza). O economista sul-coreano e
professor em Cambridge Ha-Joon Chang, no livro 23 coisas que não nos
contaram sobre o capitalismo, menciona vários fenômenos que desmen-
tem essa ideia. Um deles é o fato de que os(as) pobres muitas vezes são
190 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume I

muito mais dotados(as) de espírito empreendedor do que os membros


da classe média ou alta e, apesar disso, não conseguem sair da pobreza
por causas estruturais, ou seja, pela falta de oportunidades concretas
de trabalho em seu lugar de residência, pela falta de infraestrutura etc.
(REGO; PINZANI, 2015, p. 44).1

Assim, para justificar que a pobreza não é um problema individual, os


autores sustentam em suas pesquisas que existe um certo "espírito empre-
endedor" no pobre que não aflora por questões estruturais. Isso é naturali-
zação do capital! Isso significa atribuir uma inescapabilidade desse modo de
produção. É acreditar que, dadas as oportunidades concretas de trabalho, o
pobre poderá aplicar de maneira adequada o seu espírito capitalista inato e
assim produzir sua riqueza. Diante das considerações do módulo introdutó-
rio e o debate da categoria classe, foi discutido com as cursistas que não se
trata de achar no pobre características que o incluam no sistema excludente,
mas de tensionar via organizações sociais (sindicatos, partidos, fóruns etc.) o
próprio sistema.
Ainda nesse módulo, levando em conta a realidade da Bahia, a temá-
tica sobre o trabalho infantil e as relações complexas com a escola foram
bem debatidas. Para isso foram usados textos complementares (ALMEIDA,
2009; BORGES, 2014; BRANDÃO; PEREIRA; DALT, 2013; FATTORELLI, 2015)
que ajudaram a entender o papel do serviço social e das políticas públicas
no sentido de ajudar essa criança a não ter seu direito à infância negado,
apontando os limites desses profissionais e das próprias políticas públicas
nessa sociedade desigual.
O módulo II, Pobreza, Direitos Humanos, Justiça e Educação, foi consi-
derado no nosso curso como um módulo com uma alta precisão conceitual e
bem estruturado didaticamente. A discussão sobre a pobreza como violação
de direitos foi amplamente debatida, e a ideia de que os direitos humanos
não estão garantidos, mas que precisam ser cotidianamente reafirmados foi
uma temática central desse módulo.
Se o esqueleto desse módulo era firme, a opção do EPDS da UFBA foi
encher essa discussão de carne. Optamos, portanto, em trabalhar junto ao
módulo conceitos cruciais quando se fala de violação de direitos humanos.
Racismo estrutural e genocídio do povo negro foi um tema tratado com mui-
ta veemência nesse módulo. A prática do Estado de executar corpos negros

1 Os termos em negrito são expressões que possuíam hiperlinks no texto original, e os


termos em itálico são grifos dos autores.
Educação, Pobreza e Desigualdade Social: a construção de um curso na contramão da... | 191

e o modo racista de funcionamento institucional da polícia foram trazidos à


baila, mostrando que:

A atividade policial produz um número maior de vítimas letais do que


de feridos, envolvendo um grande número de execuções que podem
ser demonstradas pelas várias perfurações nos corpos, o direcionamento
dos disparos para áreas vitais e o excesso de casos em que há incidência
de tiro pelas costas (FLAUZINA, 2006, p. 115).

Falar de um estado racista e violador de direitos humanos significou


também uma discussão sobre como essa guerra às drogas tem se mostrado
mais um modo de extermínio de corpos negros brasileiro. Esse debate não
poderia ser omitido ou suavizado quando se trata sobre pobreza e justiça.
O módulo III apresenta problemas graves no que tange a uma perspec-
tiva crítica de educação. Apresenta um tópico chamado "Desigualdade es-
colar, cultura escolar e movimentos sociais" e dentro dele, sem fazer nenhu-
ma ressalva, traz um tópico que diz "uma escola que acolha a diversidade"
(LEITE, 2015). No discurso aparente de uma escola que precisa acolher a
diversidade, o material coloca a pobreza como algo do campo do diverso,
do diferente que precisa ser respeitado. Não questiona a origem dessa di-
ferença. No final das contas, nesse movimento, transforma desigualdade em
diversidade, cabendo ao professor, apenas ao professor, criar meios para
acolher essas pessoas que são "diferentes". Temos acordo que a escola
precisa acolher a diferença e precisa pensar como lidar com os alunos de
contexto empobrecido, mas isso não significa que a pobreza tem que ser
pensada e naturalizada como mais um elemento do campo da diferença. A
pobreza, nos tempos em que vivemos, é estrutural e precisa ser encarada
como possível de ser superada, e não apenas como um elemento que nos
torna diferentes.
O material ainda acaba defendendo uma escola centrada no cotidiano
alienado, que, no final das contas, inviabiliza a apropriação dos conhecimen-
tos que ajudem o estudante a entender o mundo para além dos limites dos
cárceres da nossa vida imediata. Ao trazer o vídeo "Quando sinto que já sei"
para o material didático, temos o reforço da defesa de uma escola centrada
nos interesses imediatos da criança e da ingênua crença de que os proble-
mas escolares são, em grande medida, metodológicos e bastaria mudarmos
a forma de organização (tirar as cadeiras, trabalhar na roda de conversa) ou
entupir o ambiente com parafernalha tecnológica (transformando a escola
192 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume I

em um ambiente mais moderno, do século XXI) que esse espaço poderia ser
enriquecedor e formador de uma suposta cidadania que torna o aluno apto
ao seu contexto social.
Não se trata de ser contra novas formas de ensinar ou mesmo o uso de
tecnologias mais modernas nos espaços educacionais. O que temos defen-
dido é que a mudança da forma não poderá sozinha resolver os problemas
educacionais. Para fazer uma prática significativa é preciso a construção de
novas formas/conteúdos que questionem a lógica do capital, e isso passa
por oferecer ao estudante um conhecimento que o ajude a tensionar o seu
cotidiano alienado e permita que ele domine aquilo que os dominantes do-
minam (SAVIANI, 2008), assim, tendo mais instrumentos culturais para fazer
valer seus direitos e caminhar em direção à sociedade emancipada.
A síntese do módulo aponta para uma pergunta: do que a escola pre-
cisa? A resposta, da autora, embora traga elementos interessantes para o
debate (território, democracia, movimento social, experiência social), furta-
-se a dizer que a escola e quaisquer outros segmentos precisam mesmo é
de uma revolução social. Sem mexermos no modo que reproduzimos nossa
existência, sem movermos a base capitalista, a educação estará impossibi-
litada de atuar no limite da sua função. Até lá, o que defendemos é que a
escola precisa ajudar na construção de uma consciência de classe do sujeito
que não se dá de modo espontâneo.
Na contramão do ideário trazido pelo módulo, trabalhamos aspectos
críticos relacionados ao cenário neoliberal e sua influência na educação, dis-
cutindo e tensionando as perspectivas que trabalham o desenvolvimento de
competências e habilidades, oferecendo para os estudantes textos críticos
de Dermeval Saviani (2008), Newton Duarte (2007, 2016), Maria Helena Souza
Patto (1990, 2005). Passamos para uma discussão sobre medicalização dos
processos escolares, defendendo que os problemas de alta complexidade
não podem ser reduzidos a questões individuais ou a grupos específicos
(família, comunidade, professores, alunos), tentando mostrar que as marcas
da pobreza escolar não se resolverão na escola (SOUZA, 2006; OLIVEIRA;
HARAYAMA; VIEGAS, 2016). No terceiro momento, foram discutidas as al-
ternativas para um trabalho escolar que não duvide da capacidade cogni-
tiva do pobre nem proponha um ensino aligeirado, mas que possa ofere-
cer ferramentas para que o sujeito possa pensar a realidade de modo não
naturalizado (DUARTE, 2016; ROSSLER, 2004; SANTOS; GOBBI; MARSIGLIA,
2015). A reforma do Ensino Médio e o projeto "Escola sem Partido" foram
Educação, Pobreza e Desigualdade Social: a construção de um curso na contramão da... | 193

amplamente debatidos nesse módulo, mostrando o viés liberal presente em


cada um e seus prejuízos para a classe trabalhadora (FRIGOTTO, 2017).
O módulo IV segue o mesmo princípio do módulo III. Pensando um cur-
rículo "para o pobre", o módulo mais uma vez pinta com cores vibrantes o
discurso de respeito às diferenças (a pobreza é vista nessa relação com a di-
ferença). O currículo é esvaziado, pensado a partir de contextos específicos,
para que o sujeito faça transformações da "sua" realidade (nada de uma con-
cepção de mudança geral do sistema ou uma articulação com movimento
de rompimento da sociedade de classe). A triste tese central desse módulo
revela-se, no nosso entender, no tópico 3: "o direito de saber-se pobre". Veja
que não se trata do direito do pobre ao saber, mas o direito de "saber-se
pobre". E o direito ao saber não pertence ao pobre? Ainda que com um
discurso sedutor, o módulo nega, em última instância, o direito dos sujeitos
a um conhecimento sistematizado acumulado ao longo da humanidade e
passa a defender uma concepção de conhecimento ensimesmado.
O curso assumiu outra concepção de currículo. Para isso, todo o movi-
mento de crítica do material didático deu-se com uma leitura radical sobre
teóricos que apontam para o direito do pobre ao saber. Saber sistematizado
que o ajudará não a saber-se pobre, mas a entender que a humanidade pro-
duziu riqueza e bens materiais suficientes para que a sociedade de classe
não mais existisse e a categoria pobreza não precisasse mais existir. Um cur-
rículo que assuma a necessidade de um entendimento da realidade social
global (e não, simplesmente, transformações locais) e que ajude os sujeitos
na instrumentalização para a transformação da realidade (e não, simples-
mente, da sua).
Para isso, foram trabalhadas referências de Gaudêncio Frigotto (1995,
2006), mais uma vez Dermeval Saviani (2008, 2011), Vivian Ugá (2004) e Le-
ontiev (2004), tentando mostrar elementos para pensar o currículo a partir
de um viés da luta de classe e tensionando as concepções pós-modernas
presentes no material ofertado.
No entanto, se o material fora pensado pelos professores formadores
do ponto de vista de seu conteúdo, entendemos que era preciso garantir
seu caráter pedagógico à luz do formato semipresencial. A fim disso, havia
na equipe uma professora especialista em EaD, com a função de dar apoio
pedagógico ao ambiente virtual, trabalhando em parceria com o técnico de
ambiente virtual.
194 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume I

Os tutores e o formato EaD


Foram os tutores que assumiram de maneira mais direta a relação com as
cursistas, tanto no ambiente virtual quanto nos encontros presenciais. Nos-
sa equipe de tutores foi selecionada a partir de edital público, para o qual
se candidataram 700 pessoas, para 18 vagas. Conseguimos consolidar uma
equipe de tutores, com mudanças bem pontuais. Nosso reconhecimento e
agradecimento à dedicação de boa parte dos nossos tutores. Lamentamos
que, nessa estrutura política, os tutores foram os que receberam a pior re-
muneração e, ao mesmo tempo, tiveram carga de trabalho mais pesada. Fo-
ram nossos tutores: Adriana, Antonio, Caio, Cristiane, Cristiano, Débora, Ian,
Ivson, Jamile, Lorena, Luisa, Luiz Gustavo, Maeve, Maíra, Maiara Damasceno,
Mayara Pinheiro, Ricardo, Viviane e Wagner.
Buscamos, durante o curso, assegurar a formação dos tutores antes de
cada módulo, formação preparada presencialmente pelo professor forma-
dor de módulo. Mas não só. Também ofertamos diversos cursos de exten-
são e possibilitamos, na medida do possível, a formação desses tutores em
outros espaços.
A fim de garantir mínima densidade na formação proposta, tensionamos
seu caráter semipresencial, sobretudo por termos ciência do alto índice de
evasão, que geralmente ultrapassa os 50% em cursos EaD, tendo por mo-
tivação, justamente, a distância imposta no formato. Assim, optamos por
garantir o máximo possível de encontros presenciais com as cursistas. Tais
encontros tinham a seguinte dinâmica: em um período, havia a formação
inicial do módulo, realizada pelo professor formador de módulo; e no outro
período, priorizamos um tempo para que pudéssemos trocar experiências,
falar dos problemas no chão da escola, discutir conceitos importantes e am-
pliar o olhar sobre a complexa relação entre a educação, pobreza e desigual-
dade social, realizar avaliações e autoavaliações.
Na proposta do MEC estava prevista essa articulação, mas as condições
objetivas para sua garantia eram precárias: um único professor de Ação-
-Reflexão deveria propor atividades a serem realizadas apenas no ambiente
virtual. Subvertemos. De forma negociada com o MEC, antes do Golpe,
ampliamos para nove professores, chamados por nós de Pensamento Críti-
co. Tal equipe foi composta de professores que sabíamos ser sensíveis aos
desafios que a proposta impunha.
A relação mais direta com as cursistas, tanto no ambiente virtual
quanto nos encontros presenciais, foi assumida pelos 18 tutores, que,
Educação, Pobreza e Desigualdade Social: a construção de um curso na contramão da... | 195

lamentavelmente, como já dissemos, nessa estrutura oficial, recebem pior


remuneração e têm maior carga de trabalho. Nossa equipe também foi com-
posta de dois estagiários e dois secretários. Como parte do processo de
formação da equipe, todos participamos de encontros presenciais com os
formadores de módulo para estudar e debater seu conteúdo.
É certo que nossa intenção era que os tutores, somados aos professores
de pensamento crítico, pudessem compor a equipe de orientadores de Tra-
balho de Conclusão de Curso. No entanto, o calendário imposto pelo MEC
pós-Golpe nos roubou tempo, espremendo o último módulo e atropelando
o início dos TCCs. A ordem de que o curso não poderia entrar no ano de
2018 atendia a interesses políticos de Brasília, e não à formação oferecida.
Não foi fácil para nós da coordenação, que nos vimos obrigados a montar
nova equipe, composta de 50 professores, para assumir apenas as orienta-
ções de TCC.
Ainda com relação aos TCCs, abrimos um parêntese para dizer que, cien-
tes de que as cursistas tinham pouca familiaridade com esse gênero discur-
sivo, oferecemos uma formação extracurricular, na qual foram trabalhadas
normas e outras formalidades. Sabemos que tal formação não foi suficiente
para dirimir dúvidas e tranquilizar anseios, mas de algum modo ajudou a
construção do trabalho final.
Antes de falarmos das atividades de extensão, no entanto, queremos
primeiro fazer uma crítica e, depois, uma denúncia. A crítica é à naturalização
da ideia de projetos que possuem recursos extras e que entram em outro
regime de trabalho. Na contramão dessa prática, resistimos e defendemos
uma universidade na qual os recursos são incorporados ao salário de profes-
sores, que, bem remunerados, assumem projetos de ensino, pesquisa e ex-
tensão sem disputar editais ou contar com a sorte de ter um projeto com seu
perfil e recurso disponível. A denúncia é que algumas vezes as bolsas, único
meio de sustento de alguns tutores, atrasaram. A sensação que deu é de
que a direita usurpadora sabe que não trabalhamos por valor de hora, mas
porque acreditamos no que fazemos. Somos feitos de causa e afeto. Todos,
durante o curso da EPDS, oferecemos mais horas do que o contrato, viramos
noites, adentramos domingos, já que sábado virou dia útil faz tempo.
Com relação à extensão, ao longo dos 18 meses foram tantas atividades,
em diversas modalidades, que seria impossível enumerar sem nos tornarmos
maçantes. Vale, no entanto, fazer alguns destaques. Realizamos quase 30
mesas-redondas, minicursos e debates, sobre diversos temas: medicalização,
196 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume I

saúde mental, gênero e sexualidade, racismo, infância, genocídio, só para


citar alguns. Dentre essas atividades, sem dúvida damos destaque à mesa
"Mães da Periferia: educação dos lutos às lutas", que foi conduzida de forma
impecável por Débora Maria da Silva, nossa linda mãe de maio, cujo filho foi
assassinado pelo Estado de São Paulo há 10 anos. Desde então, Débora tem
lutado com outras mães de periferia por justiça e reparação, mas também
pela desmilitarização da polícia.
Na produção das atividades de extensão, contamos com a parceria mais
do que essencial do Fórum sobre Medicalização da Educação e da Socieda-
de. A medicalização foi pauta em módulos do curso e também nas inúmeras
atividades de extensão que realizamos, com destaque para o Dia Municipal
de Luta contra a Medicalização, ação realizada na Praça do Campo Grande
com atividades culturais e conversas com pessoas, em novembro de 2017.
Assim, a Iniciativa EPDS possibilitou o estreitamento da relação entre a Bahia
e as lutas contra a medicalização da educação: pudemos participar de reuni-
ões nacionais e levar nossas discussões para Uberlândia, Curitiba, São Paulo,
Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Brasília.
Além disso, está em andamento a produção de um documentário, bem
como de publicações, todos resultantes da construção de nossa Iniciativa
na UFBA.
A Iniciativa EPDS foi gigante: 3 coordenadores, 7 professores formado-
res, 18 tutores, 9 professores de pensamento crítico, 1 professora de apoio
pedagógico ao ambiente virtual; 50 orientadores de TCC; 1 técnico de
ambiente virtual, 3 pesquisadoras, 4 pesquisadoras de iniciação científica,
2 estagiários, 2 secretários, 400 cursistas. Fomos uma equipe composta de
500 pessoas.
Além de bolsas, foi descentralizado um recurso para o custeio de al-
gumas rubricas. Esse processo todo nos levou aos labirintos da burocracia
de um sistema burguês que quer cansar a todos os que lutam contra ele. A
força da burocracia tem sido tal que chegamos a temer que ela se constitua
em outro pé da universidade: ensino, pesquisa, extensão e burocracia. Se
permitirmos, a universidade deixará de ser calcada em um tripé e passará a
ser quadrúpede! Sabemos das regras e seguimos todas! Nossa teimosia foi
importante tempero nessa luta diária.
O susto veio quando o MEC, em 2017, nos informou de que o recurso que
não fosse gasto até o final daquele ano deveria ser devolvido ao MEC, rom-
pendo, inclusive, com a ideia da Iniciativa, que envolvia o tripé universitário, e
Educação, Pobreza e Desigualdade Social: a construção de um curso na contramão da... | 197

não apenas o curso. Pautados na ética da responsabilidade no trato da coisa


pública, resistimos sistematicamente a devolver recurso para um ministério
que sabemos corrupto. Sabemos que muito provavelmente esse dinheiro
engordará outros tantos na compra de nossos políticos, para que eles apro-
vem as pautas mais conservadoras, mudando leis trabalhistas e conquistas
sociais resultantes de muitas lutas.

O encerramento
Na aula de encerramento, voltamo-nos diretamente às cursistas: sabe-
mos que não é fácil fazer uma especialização em tempos de sobrecarga de
trabalho. Por vezes, as demandas de um mundo brutal nos fazem titubear
nesta caminhada. Assim foi com parte das cursistas, algo que, como disse-
mos antes, caracteriza as formações a distância. No caso do nosso curso,
podemos ser considerados fora da curva, já que conseguimos chegar à reta
final com 257 apresentações de TCC, o que representa 64,25% do total de
cursistas matriculadas. Por isso, enfatizamos que as cursistas que consegui-
ram chegar ao final não são vencedoras, superiores, melhores. Num país tão
desigual, racista, classista, machista e LGBTfóbico, a defesa da meritocracia
é, também, violência que sobrecarrega ainda mais as que já são historica-
mente maltratadas. Torcemos para que essa formação tenha servido de ali-
mento para o nosso faminto desejo de mudança, para que possamos nutrir
outras frentes de luta, até que todas tenham condições de ir até o fim.
Ou é pra todo mundo
Ou não deve nos servir!

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10

Curso Educação, Pobreza e


Desigualdade Social na UFPR: uma
análise da implementação, perfil dos
cursistas e da avaliação do curso1
Adriana Dragone Silveira
Ana Lorena Bruel
Andrea Polena
Cristina Cardoso
Simony Rafaeli Quirino

Introdução

A implementação da iniciativa do curso de especialização em Educação,


Pobreza e Desigualdade Social, na Universidade Federal do Paraná (UFPR)
foi executada pelo Departamento de Planejamento e Administração da Edu-
cação (Deplae)/Setor de Educação, e suas ações – curso de especialização
e pesquisa – foram desenvolvidas contando com professores e alunos do
Setor de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Educação.
As autoras deste artigo participaram ativamente do planejamento,
execução e avaliação do curso, objeto desta reflexão, situação esta que se
apresenta, de um lado, como um grande desafio para todas, que precisaram

1 Partes das reflexões deste artigo foram publicadas nos capítulos "Perfil dos alunos e
os fatores de sucesso do curso de especialização em Educação, Pobreza e Desigual-
dade social", de autoria de Andrea Polena e Simony Rafaeli Quirino, e "Percepções
de estudantes, professores tutores e orientadores sobre o curso de especialização em
Educação, Pobreza e Desigualdade social", de autoria de Ana Lorena Bruel e Cristina
Cardoso, publicados na obra de Silveira, Schneider e Gonçalves (2017).
202 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume I

tomar certa distância do objeto de trabalho e ação prática a fim de construir


análises mais objetivas e, de outro, como uma grande vantagem analítica
na medida em que todas estiveram imersas tanto no processo de reflexão
quanto de realização do processo de formação continuada.
O curso de especialização teve como centralidade a formação continu-
ada de profissionais da Educação Básica e/ou de outros profissionais envol-
vidos com políticas sociais que estabelecem relações com a educação de
crianças, adolescentes e jovens que vivem em circunstâncias de pobreza ou
extrema pobreza.
Com a finalidade de socializar a experiência desenvolvida no âmbito
desta iniciativa na UFPR, este artigo visa apresentar uma análise da imple-
mentação e do desenvolvimento do curso de especialização em Educação,
Pobreza e Desigualdade Social a partir das ações adotadas nesta universida-
de, principalmente na constituição das equipes pedagógica, administrativa
e de apoio/suporte do curso, além do desenvolvimento das suas atividades.
Também apresenta o perfil dos cursistas, assim como uma análise dos evadi-
dos e da avaliação realizada pelos cursistas e professores-tutores em relação
aos módulos trabalhados ao longo do curso e dos professores-orientadores
em relação aos trabalhos de conclusão do curso. Esta avaliação dá-se em
duas dimensões igualmente importantes: a primeira relacionada às condi-
ções de oferta e oportunidades de aprendizado e a segunda relacionada
aos objetivos atingidos e resultados alcançados.
Para o desenvolvimento do curso foram constituídas na UFPR uma equi-
pe pedagógica, composta de quatro profissionais, e uma equipe administra-
tiva e de apoio/suporte, com cinco alunos do Programa de Pós-Graduação
em Educação e graduação em Pedagogia da UFPR.
O processo de divulgação e inscrição dos cursistas teve como base um
edital divulgado nas redes sociais e listas de e-mails dos núcleos regionais da
Secretaria Estadual de Educação, contando com a colaboração da Coorde-
nação Estadual do Programa Bolsa Família (PBF) na divulgação. As inscrições
foram realizadas pela internet, e os candidatos preenchiam um formulário
eletrônico, com curriculum vitae e um texto relacionado à temática do curso.
De início foram abertas 250 vagas distribuídas em 10 polos: Apucarana, Cas-
cavel, Curitiba, Guarapuava, Lapa, Laranjeiras do Sul, Londrina, Telêmaco
Borba, Umuarama e União da Vitória. A partir da segunda chamada o nú-
mero de vagas foi estendido para 300 a pedido da Secadi/MEC. Destaca-se
que a definição dos polos teve como critérios básicos a disponibilidade do
Curso “Educação, Pobreza e Desigualdade Social” na UFPR: uma análise da implementação,... | 203

município em receber o curso, ofertando instalações adequadas e suporte


para os encontros presenciais, bem como uma distribuição que privilegiasse
todas as regiões do estado do Paraná.
Em edital foi especificada aos candidatos a necessidade de formação
mínima (Ensino Superior) e de disponibilidade para os eventuais encontros
presenciais na UFPR e nos polos, além da dedicação mínima de 10 horas
semanais ao curso. Outra observação prescrita no edital referiu-se à con-
sideração da atuação profissional do candidato, priorizando a seguinte or-
dem: 1) coordenadores estaduais e municipais do Programa Bolsa Família
na educação; 2) gestores escolares de escolas que já informam a frequência
escolar vinculada ao Programa Bolsa Família; 3) agentes educacionais que
trabalham com o Programa Bolsa Família em escolas que já informam a fre-
quência escolar vinculada ao Programa Bolsa Família; 4) professores que atu-
am em escolas que já informam a frequência escolar vinculada ao Programa
Bolsa Família e 6) outros participantes das redes de proteção, Centros de
Referência da Assistência Social/Fundação de Ação Social (Cras/Fas), con-
selheiros tutelares.
No curso de especialização ofertado pela UFPR foram matriculados 292
cursistas em 10 polos, de acordo com sua classificação2 e com sua opção de
polo.3

Organização do curso e ações das equipes pedagógica,


administrativa e de apoio/suporte
O curso foi oferecido na modalidade de educação a distância, em dez
polos distribuídos em cidades de diferentes regiões do estado do Paraná,
mas com encontros presenciais nos polos e dois encontros (inicial e final,
para a apresentação do TCC) na UFPR.
O curso foi organizado em seis módulos, com um encontro presencial
entre cursistas e professores-tutores, realizado nos respectivos polos, no
início de cada módulo. O curso teve como referência o material pedagógico
e distribuído pela Secadi, com algumas alterações e adequações feitas pela
coordenação local do curso, sobretudo nas atividades propostas para reali-
zação dos cursistas e na forma de avaliação. Além dessas mudanças, houve

2 A classificação dos cursistas levou em consideração os seguintes aspectos: função;


tempo de atuação na função; e tempo de atuação na rede pública.
3 Cada aluno poderia selecionar, no momento da inscrição, até três polos.
204 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume I

a inclusão de três módulos que não estavam previstos no modelo original,


que trataram de Iniciação ao Moodle, Metodologia de Pesquisa e Orienta-
ção de Pesquisa. Portanto, estes últimos foram organizados integralmente
pela equipe local do curso no Paraná. Após a integralização dos módulos, os
cursistas propuseram seus projetos de TCC e passaram por um processo de
orientação, contando com encontros presenciais e um prazo de seis meses
para a conclusão. Os TCC foram produzidos pelos cursistas no formato de
um artigo.
Cada um dos módulos realizados contou com o acompanhamento de
um professor-formador, responsável pela discussão crítica sobre o conteúdo
e método, além de contribuir nas definições sobre o processo de avaliação
dos cursistas. Todos os professores-formadores eram professores con-
cursados e docentes do curso de Pedagogia da UFPR. Os módulos foram
precedidos por um encontro de formação entre os professores-tutores e os
professores-formadores, que permaneceram à disposição para contato ao
longo do período de realização de cada módulo. A equipe pedagógica do
curso realizou reuniões prévias com todos os professores-formadores a fim
de viabilizar a articulação e a construção de uma unidade entre os módulos,
acompanhou presencialmente os processos de formação e, virtualmente,
a realização das aulas e das atividades pedagógicas junto aos cursistas de
cada polo.
Os professores-formadores apresentaram discussões conceituais e
sugestões de encaminhamento metodológico a fim de instrumentalizar os
professores-tutores para a realização das atividades relacionadas à aula, à
orientação e ao acompanhamento das atividades de frequência e avaliação,
e à correção das tarefas. É importante ressaltar que foi garantida a auto-
nomia dos professores-tutores na elaboração de seus planos de trabalho.
Todos os professores-tutores tinham formação em mestrado ou doutorado,
o que contribuiu significativamente para a qualidade dos debates e do tra-
balho realizado.
Os professores-formadores e professores-tutores participaram dos
processos de elaboração de tutoriais para cada módulo, contendo orien-
tações gerais e específicas sobre a realização das atividades, que foram
disponibilizados no Moodle aos cursistas. Os tutoriais tiveram um importan-
te papel de fornecer elementos para fortalecer a autonomia dos cursistas,
instrumentalizando-os para a realização das leituras, reflexões, avaliações
e demais atividades, de forma mais independente. Os professores-tutores
Curso “Educação, Pobreza e Desigualdade Social” na UFPR: uma análise da implementação,... | 205

participaram, também, da elaboração e da validação do instrumento de


avaliação do curso pelos cursistas, que forneceu parte dos dados empíricos
para a elaboração deste artigo.
Os cursos de Educação a Distância (EaD) possuem peculiaridades no
que tange à implementação e às ações pedagógicas em relação ao ensi-
no tradicional, pois se utiliza de meios tecnológicos para a interação entre
professor-tutor-cursista. Dessa forma, verifica-se que há alguns fatores que
podem influenciar de maneira crucial o desempenho e a continuidade no
curso por parte dos cursistas Ainda há poucos estudos que abordam esse
tema, mas Silva, Melo e Muylder (2015) fazem um levantamento da produção
quanto aos fatores de sucesso da EaD e dentre eles verificam que, em rela-
ção aos fatores críticos de sucesso (FCS)4 da EaD, se deve manter algumas
características do ensino convencional, como:

acessibilidade, instrutores bem preparados, controle do material didático


ofertado, alto nível de interatividade entre professor e aluno, controle do
ambiente de estudo (ambiente virtual de aprendizagem – AVA, no caso
da EaD), acesso a bons recursos didáticos (aluno e professor), avaliação
do processo de aprendizagem (participação e rendimento do aluno),
espontaneidade e acompanhamento da aprendizagem (SILVA; MELO;
MUYLDER, 2015, p. 207).

Outros autores consideram a interação como a palavra-chave para o


sucesso da EaD, outros a flexibilização do programa, o suporte dado aos
cursistas (tanto tecnológico quanto pedagógico e administrativo) e ambien-
te virtual agradável, além de habilidade prévia do aluno para utilizar as tec-
nologias, dentre outras (SILVA; MELO; MUYLDER, 2015).
O acompanhamento pedagógico do curso envolveu diretamente a
equipe pedagógica, administrativa e de apoio/suporte com a supervisão
da coordenação do curso, tendo essas preocupações mencionadas como
referências para a organização e realização deste. O papel dessas equipes
compreendeu o acompanhamento dos acessos ao ambiente virtual, o su-
porte em dúvidas relacionadas ao curso e aos encontros presenciais, o esta-
belecimento de um elo de comunicação com os cursistas para informes ge-
rais, pedagógicos ou não, o contato com cursistas faltantes, o levantamento

4 Segundo Testa (2002 apud SILVA; MELO; MUYLDER, 2015), consistem em fatores essen-
ciais fundamentais para alcançar objetivos executivos, estratégicos ou táticos de uma
organização.
206 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume I

daqueles que necessitavam realizar atividades e recuperações e a orientação


quanto à reposição de aulas e conteúdos. Assim, um dos objetivos principais
dessa equipe era estar em contato constante com os cursistas que tinham
indícios de desistência, no sentido de manter a assiduidade e a motivação
para que continuassem o curso.
Algumas ações foram imprescindíveis para que os cursistas permane-
cessem no curso. A primeira foi a criação de um Módulo de Introdução ao
Ambiente Virtual de Aprendizagem (Moodle), que ocorreu durante as se-
manas iniciais do curso para que os cursistas se familiarizassem com os ins-
trumentos e tipos de atividades que seriam desenvolvidas. Esse módulo foi
apresentado e explicado na aula inaugural, e também foi criado um material
de apoio que foi disponibilizado na plataforma.
A criação de mais dois módulos, Módulo V – "Metodologia de Pesquisa"
e Módulo VI – "Orientação de Pesquisa – TCC", foi outra ação importante
para a conclusão do TCC, pois o Módulo V foi criado com o objetivo de pro-
porcionar a discussão e reflexão sobre o desenvolvimento de uma pesquisa,
bem como para auxiliar os cursistas na elaboração do TCC. O Módulo VI
foi criado com o objetivo de proporcionar o acompanhamento da escrita
do artigo científico, compreendendo a realização de atividades quinzenais
definidas pelo próprio professor-orientador, de acordo com a fase da escrita
de cada cursista.
A formação periódica dos professores-tutores e professores-orientado-
res também colaborou, de acordo com nossas análises, de forma positiva
para os resultados alcançados, análise esta corroborada pelas avaliações
dos cursistas ao final do curso.
Na primeira fase do curso (desenvolvimento das atividades até o Módulo
V), foi realizada, a cada módulo, uma formação específica que aprofundava
sua temática. Essa formação era realizada pela equipe pedagógica e pelo
professor-formador específico para cada módulo. Nessa formação, o pro-
fessor-formador destacava os tópicos que seriam abordados pelo módulo e
discutia com os professores-tutores quais seriam os mais enfatizados e quais
deveriam ser adaptados e/ou receber novas abordagens. Além disso, nesses
encontros eram discutidas as atividades que seriam aplicadas, bem como
o tutorial do cursista com todas as explicações sobre o módulo. Também
foram realizadas outras formações organizadas pela coordenação do curso
com convidados externos e que abordavam a temática da relação entre a
educação, a pobreza e a desigualdade social.
Curso “Educação, Pobreza e Desigualdade Social” na UFPR: uma análise da implementação,... | 207

Na segunda fase do curso (desenvolvimento das atividades do Módulo


VI), os cursistas foram acompanhados e orientados tanto por novos profes-
sores-tutores quanto por professores-orientadores,5 pois a maioria dos pro-
fessores-tutores, que possuíam títulos de mestrado e doutorado, se tornou
orientador de TCC, e então novos tutores foram selecionados. A principal
função dos professores-tutores passou a ser a recuperação dos cursistas
com atividades e avaliações pendentes, e a dos professores-orientadores
foi orientar a escrita do artigo científico. Para a realização dessas atividades,
ambos contaram com o apoio da equipe pedagógica, administrativa e de
apoio/suporte por meio de reuniões e formações. Além disso, os professo-
res-orientadores contaram com informações individuais sobre as trajetórias
dos cursistas, repassadas pelos professores-tutores anteriores, bem como
com o apoio dos novos professores-tutores, principalmente no que se referia
ao contato e "resgate" de cursistas com pendências.
Além da formação, outra ação importante com os professores-tutores
no período dedicado à orientação do TCC foi a participação em um dos
encontros presenciais, com o objetivo de auxiliar os cursistas com ativida-
des e avaliações pendentes. Já com os professores-orientadores, uma ação
importante foi a solicitação, aos cursistas, de atividades quinzenais que
proporcionassem o avanço da pesquisa e da escrita do artigo, assim como
a realização de dois encontros presenciais nos polos para orientação indivi-
dual. O projeto original do curso previa apenas um encontro presencial no
momento do TCC e não previa a ida ao polo dos professores-tutores nesta
segunda fase, mas avaliamos como necessária essa ação, visando melhorar
a qualidade das oportunidades de aprendizagem colaborativa e interação,
bem como diminuir o número de desistentes.

Caracterização dos cursistas


Os cursistas matriculados pertenciam a 117 municípios diferentes; des-
tes, três pertenciam ao estado de Santa Catarina, um ao estado de São Pau-
lo e os demais ao estado do Paraná.6 Os municípios que apresentaram maior

5 Esta troca de professores-tutores causou um estranhamento nos cursistas, e as equipes


tiveram que intervir para conectar os cursistas aos novos tutores. A prontidão destes em
retomar o contato foi imprescindível para o bom andamento do curso.
6 Cabe destacar que os cursistas matriculados de cidades não pertencentes ao Estado do
Paraná foram aprovados pelo fato de residirem em cidades fronteiriças com os polos.
208 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume I

número de cursistas matriculados foram Cascavel, com 33 cursistas, seguido


de Curitiba, com 18 cursistas, representando 7,9% e 6,2%, respectivamente.
No que se referia à idade dos cursistas matriculados, a maioria, 69%,
encontrava-se na faixa etária de 30 a 49 anos. Em torno de 11% encontravam-
-se na faixa etária até 29 anos, e 20% na faixa etária de 50 anos ou mais; e,
destes, cinco candidatos apresentavam idade acima de 60 anos.
No que se referia à função desempenhada pelos cursistas matriculados,
21,2% desempenhavam a função de coordenadores estaduais, municipais e
operadores do Programa Bolsa Família, 15,4% a função de gestores escola-
res, 9,6% como agentes educacionais, 33,6% eram professores, e 20,2% eram
participantes de redes de proteção.
Quanto ao tempo de experiência dos candidatos selecionados, verifi-
cou-se que a maioria, 61,3%, atuava no cargo há menos de cinco anos e 11
meses. Em torno de 21% tinham experiência no cargo de seis anos a 10 anos
e 11 meses, e 17,5% estavam no cargo há mais de 11 anos.
No que se referia à formação dos candidatos matriculados, verificou-
-se, em nível de graduação, uma grande diversificação de cursos; 72% dos
cursistas possuíam licenciatura, 24% bacharelado e o restante, 4%, curso de
tecnólogo.
Na Tabela 1, podemos verificar que os cursos com maior número de ma-
triculados são Pedagogia (34,59%) e Serviço Social (5,14%). As classificações
de bacharelado (18,49%) e licenciatura em outras áreas do conhecimento
(31,51%) não nos fornecem dados sobre os cursos para análise.
Com relação à formação dos candidatos matriculados, em nível de espe-
cialização, verificou-se que a maioria, 65%, concluiu um curso de especiali-
zação anterior, 31% ainda não possuíam especialização, e apenas 4% haviam
concluído o mestrado.
Curso “Educação, Pobreza e Desigualdade Social” na UFPR: uma análise da implementação,... | 209

Tabela 1 Cursistas matriculados por formação.

Curso Frequência %

Assistente Social 2 0,68


Biologia 1 0,34
Ciências Sociais 1 0,34
Educação Física 1 0,34
Geografia 5 1,71
Gestão 1 0,34
História 1 0,34
Letras 5 1,71
Matemática 1 0,34
Nutrição 1 0,34
Pedagogia (como única formação ou 1ª graduação) 101 34,59
Psicologia 5 1,71
Recursos Humanos 1 0,34
Serviço Social 15 5,14
Tecnologia em Gestão Pública 2 0,68
Tecnologia em Produção Sucroalcooleira 1 0,34
Tecnólogo em Recursos Humanos 1 0,34
Tecnólogo em Secretariado 1 0,34
Bacharelado (não informou a área) 54 18,49
Licenciatura em outra área do conhecimento 92 31,51
TOTAL 292 100,00

Fonte: Relatório do curso de especialização (UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ, 2017).

Sobre o perfil dos cursistas evadidos


Conforme dados do Censo EaD.BR (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE
EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA, 2016), as taxas de evasão dos cursos a distância
são maiores que nos cursos presenciais, registrando, no censo de 2015, uma
evasão de 26% a 50%, com índices maiores para os cursos oferecidos total-
mente a distância (40%).
Verifica-se, dessa forma, que o curso de especialização em Educação,
Pobreza e Desigualdade Social, oferecido pela UFPR, se destaca, visto que
apresentou taxa de evasão de apenas 25%.
São considerados desistentes aqueles que formalizaram o pedido
de afastamento. Como abandono, foram considerados os casos em que
210 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume I

cursistas deixaram de apresentar tarefas ou de acessar o curso e, na maioria


das vezes, deixaram de estabelecer contato com os professores-tutores ou
com a equipe de apoio/suporte, muitas vezes não declarando seus motivos
e não oficializando seu desligamento do curso.
Pode-se observar, no entanto, que há diferentes taxas de desistência
e abandono de acordo com o polo. O polo com maior taxa de evasão foi
Curitiba (38,7%), seguido por Umuarama e Apucarana (32,1%). A menor taxa
de evasão foi no polo de Laranjeiras do Sul (13,8%). Temos por hipótese que
o fato de os municípios do interior terem menor oferta de cursos gratuitos
incentive os cursistas na finalização para a titulação. Quanto a Curitiba, sen-
do a capital e tendo mais oportunidades, isso pode explicar a maior evasão,
inclusive esta já havia sido observada em outros cursos a distância ofereci-
dos pela UFPR.
Quando se analisa o momento da evasão, verifica-se que o maior número
de abandonos e desistências ocorreu até os primeiros três meses de curso.
Dessa forma, dos 73 cursistas evadidos, 46 deixaram o curso nesse período,
representando 63% das evasões.
Na equipe do curso constituímos um grupo que monitorava a participa-
ção dos cursistas, para além dos professores-tutores da turma, e entrava em
contato, seja pela plataforma, por e-mail e até mesmo por meio de ligações
telefônicas, para conversar e entender os motivos da não participação, pro-
curando assim evitar as evasões.
Almeida (2008) classifica os motivos para a desistência e abandono dos
alunos de educação a distância em cinco categorias: fatores situacionais;
falta de apoio acadêmico; problemas com a tecnologia; falta de apoio ad-
ministrativo; e sobrecarga de trabalho. Assim, após levantamento dos argu-
mentos dados para a desistência dos cursistas e baseados na classificação
de Almeida (2008), adaptamos uma tabela para classificação dos motivos da
evasão do curso de especialização em Educação, Pobreza e Desigualdade
Social oferecido pela UFPR.
Em relação à categoria "Falta de apoio acadêmico", verificamos que,
apesar de haver relatos de falta de feedback do professor-tutor durante o
curso, na maioria dos casos, esses cursistas permaneceram, devido à rápida
ação da coordenação e da equipe pedagógica, administrativa e de apoio/
suporte. Assim, as desistências não se deram por esse motivo ou pelo me-
nos não foram declaradas. Desse modo, alteramos os motivos "Falta de
apoio administrativo" e "Falta de apoio acadêmico", elencados por Almeida
Curso “Educação, Pobreza e Desigualdade Social” na UFPR: uma análise da implementação,... | 211

(2008), para "Problemas acadêmicos", pois se verificou que um dos fatores


de desistência, apesar do esforço de professores-tutores, professores-
-orientadores, equipe pedagógica, administrativa e de apoio/suporte, foi a
dificuldade acadêmica de alguns cursistas que não conseguiam acompanhar
o curso, levando a várias desistências, tanto no início do curso como no início
do módulo de orientação de pesquisa (20,55%).
Cabe ressaltar, no entanto, que o módulo de orientação de pesquisa
trouxe mudanças significativas no ritmo do curso, pois foram modificados os
professores-tutores dos polos e iniciaram novos professores-orientadores.
Assim, os cursistas passaram a se comunicar virtualmente com duas novas
pessoas (alguns cursistas demoraram a identificar essas novas pessoas e
ainda tiravam dúvidas com os professores-tutores anteriores). Essa situação
melhorou apenas com o encontro presencial, quando conheceram seus no-
vos professores-orientadores.
Outro motivo que se destacou e não foi detectado na pesquisa de Al-
meida (2008) foi a dificuldade de deslocamento dos cursistas para os en-
contros presenciais, por distância, falta de apoio no trabalho, reposições,
outros cursos realizados na mesma data e/ou dificuldades financeiras. Assim,
incluímos esses argumentos em "Fatores situacionais".
Além disso, incluímos na tabela o motivo "Não iniciaram o curso", pois
vários cursistas não chegaram a acessar a plataforma nem a participar de,
pelo menos, um encontro presencial (21,92%), e também o motivo "Não de-
clarado" para os cursistas que iniciaram os módulos, porém, abandonaram
o curso sem dar explicações e sem retornar os contatos (8,2%). Destaca-se
que foi realizado um trabalho intenso por parte da equipe pedagógica e de
apoio/suporte e dos professores-tutores na tentativa de contato e reinserção
destes cursistas, utilizando várias formas de contato (telefone, e-mail, plata-
forma Moodle e redes sociais), além de mantermos os módulos e atividades
abertas para além do tempo previsto.
A análise da tabela de motivos e argumentos da evasão (Tabela 2) per-
mite-nos verificar que a maioria da evasão do curso ocorreu devido a fatores
situacionais (26,03%), e destes a greve dos professores do estado do Paraná
é elencada em parte considerável dos argumentos.
Os problemas com tecnologia declarados foram de 5,48% e deveram-
-se, principalmente, à falta de acesso a computador ou à falta de internet
na cidade de origem do aluno. A "Sobrecarga de trabalho" foi o motivo
mais informado pelos cursistas que desistiram nos primeiros três meses de
212 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume I

curso (17,81%), e muitos desses nem chegaram a iniciar e apenas informaram


a desistência.
No que se referia à função exercida, verificamos que o maior percentual
de evasão ocorreu entre gestores escolares (33,3%) e professores (31,6%).
Em relação ao total dos evadidos, os maiores percentuais continuam entre
gestores (21,4%) e professores (42,5%), como se pode observar na Tabela 3.
Quanto à formação, em nível de especialização, notamos que o maior
percentual de evasão ocorreu com os cursistas que já haviam concluído cur-
so de especialização anteriormente (28,9%), seguido daqueles que não pos-
suíam especialização (18,9%). Entre os cursistas com mestrado houve apenas
uma desistência, representando 8,3%.
Curso “Educação, Pobreza e Desigualdade Social” na UFPR: uma análise da implementação,... | 213

Tabela 2 Motivos e argumentos da evasão.

Motivos Argumentos Frequência %

Problemas de saúde
Problemas familiares
Falta de apoio no trabalho
Fatores situacionais 19 26,03
Greve dos professores
(reposição)
Dificuldade no acesso ao polo

Falta de computador/de acesso


à internet
Problemas com
Falta de habilidade para o uso 4 5,48
tecnologia
das tecnologias

Dificuldade com as atividades do


Problemas curso
15 20,55
acadêmicos Dificuldade na elaboração do
TCC

Dificuldade em conciliar estudo,


trabalho e família
Sobrecarga de Falta de tempo para dedicar-se
13 17,81
trabalho ao curso
Falta de organização para o
estudo

Não iniciaram o
Sem contato com o curso 16 21,92
curso

Não informaram o motivo e/ ou


Não declarado perdemos o contato (desistentes 6 8,22
nos dois primeiros módulos)

Fonte: elaborada pelas autoras, com base nos registros administrativos do curso.
214 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume I

Tabela 3 Cursistas evadidos por função.

% em
% em relação
Função Cursistas Evadidos relação ao
à função
total
Coordenadores
estaduais, municipais e 62 10 16,1% 13,7%
operadores

Gestores escolares 45 15 33,3% 20,5%

Agentes educacionais 28 6 21,4% 8,2%

Professores 98 31 31,6% 42,5%

Participantes de redes
59 11 18,6% 15,1%
de proteção

Total 292 73 - 100

Fonte: elaborada pelas autoras, com base nos registros administrativos do curso.

No que se referia à idade, verificou-se que, proporcionalmente, a fai-


xa que obteve maior percentual de evasão foi a de "mais de 50 anos" com
33,3%, seguida da faixa "menos de 29 anos", com 27,3%.

Dos cursistas concluintes


Verifica-se, em relação aos cursistas matriculados, que 75% concluíram
o curso, conforme tabela a seguir. O polo que teve melhor desempenho,
em relação aos cursistas concluintes, foi o de Laranjeiras do Sul (86,21%),
seguido de Londrina e Telêmaco Borba (82,14%) e União da Vitória (80,65%).
Do total dos 219 cursistas concluintes, 14,45% terminaram as atividades
até o Módulo V, porém não participaram do Módulo de Orientação de
Pesquisa e fizeram jus apenas ao certificado de aperfeiçoamento, e 85,84%
concluíram o TCC e receberam o título de Especialistas.
O polo com maior número de cursistas com certificação de aperfeiçoa-
mento foi União da Vitória, com seis cursistas, seguido de Apucarana e Curi-
tiba, com cinco cursistas. O polo com o maior número de Especialistas foi La-
ranjeiras do Sul, com 23 cursistas, seguido de Guarapuava, com 22 cursistas.
Como pôde ser observado, o curso de especialização em Educação,
Pobreza e Desigualdade Social, oferecido pela UFPR, apresentou um bom
Curso “Educação, Pobreza e Desigualdade Social” na UFPR: uma análise da implementação,... | 215

índice de cursistas concluintes (75%). Tal constatação levou-nos a verificar


as ações realizadas pelas equipes pedagógica, administrativa e de apoio/
suporte que possam ter influenciado neste resultado.
Dentre as ações que trouxeram um resultado positivo podem ser elenca-
das, conforme já exposto no texto, o envolvimento de toda a equipe no res-
gate de cursistas que deixavam de participar das atividades, além de canal
direto com a coordenação do curso, no ambiente virtual toda a equipe tinha
acesso diretamente às reclamações ou dúvidas, possibilitando a resposta no
menor tempo possível.
É importante destacar que o curso não se desenvolveu sem problemas,
mas o comprometimento de todas as equipes possibilitou o retorno de boa
parte dos cursistas em vias de desistência.

Das percepções dos cursistas, professores-tutores e orientadores


sobre o curso
Para construir uma reflexão sobre o curso de especialização em Educa-
ção, Pobreza e Desigualdade Social, em relação aos aspectos pedagógicos
que envolveram sua concepção, realização e resultados alcançados, as in-
formações analisadas foram obtidas a partir de formulários de avaliação res-
pondidos pelos cursistas, professores-tutores e professores-orientadores.
Para realizar a avaliação do curso, foram construídos instrumentos on-line
para coletar informações com os sujeitos. Foram organizados questionários
diferentes para a avaliação do curso pelos cursistas, professores-tutores e
professores-orientadores de TCC, considerando as especificidades de atu-
ação de cada grupo, e, ao mesmo tempo, questões comuns sobre a realiza-
ção do curso. O questionário também foi enviado por e-mail, para garantir
ampla divulgação do instrumento.
Os questionários foram construídos com a intenção de abranger uma
ampla diversidade de questões a respeito do curso. Foram elaboradas ques-
tões fechadas e abertas, garantindo a oportunidade de manifestação dos
respondentes em relação a diferentes aspectos. A maior parte das questões
fechadas foi organizada a partir do conceito de percepção de intensidade
do respondente em relação à pergunta, com uma escala de cinco pontos, e
as opções apresentadas eram: "Muito bom", "Bom", "Indiferente", "Regular"
e "Insuficiente". Em algumas questões, foram incluídas opções de resposta
como "Não se aplica".
216 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume I

O uso de escala ordinal, em questões de avaliação, permite a análise


da percepção dos sujeitos da pesquisa em relação aos temas abordados. É
importante ressaltar que esse formato para a construção de questionários
possibilita a construção de análises a partir da percepção de intensidade,
que possui um caráter fortemente subjetivo, procurando torná-la mais ob-
jetiva na medida em que leva o respondente a refletir sobre os elementos
apresentados e realizar uma avaliação de cada um dos aspectos abordados.
As perguntas que compuseram os questionários e foram selecionadas para
a construção deste artigo serão apresentadas na medida em que forem ana-
lisadas. Procurou-se sempre considerá-las no conjunto de temas que preten-
diam ser analisados a fim de avaliar a realização do curso.
Nas respostas aos questionários foram garantidos e mantidos o sigilo e
o anonimato de todos os respondentes. Portanto, neste relatório, apresenta-
mos as análises de frequência e distribuição das respostas das questões que
se mostraram mais relevantes em cada grupo de respondentes, sem iden-
tificação individual. Considerou-se que essa estratégia foi importante para
podermos conhecer as perspectivas dos diferentes atores que trabalharam
e que estudaram nesse período. A tabela a seguir apresenta a distribuição
dos respondentes em relação ao quadro de respondentes:
Tabela 4 Descrição do número e percentual de respondente em relação ao universo
de sujeitos envolvidos na realização do curso de especialização em Educação, Pobre-
za e Desigualdade, 2016.

Sujeitos Universo Respondentes %

Cursistas 219* 124 56,6

Professores-tutores 9** 9 100

Professores-orientadores 51 34 66,7

Fonte: elaborado pelas autoras com base nos registros administrativos, 2017.
Notas: * Foram considerados apenas os cursistas que não desistiram do curso.
** Ao todo, 14 profissionais atuaram como professores-tutores e cinco destes
também atuaram como professores-orientadores. Optamos por contabilizá-los
apenas uma vez.

Ainda em relação aos aspectos metodológicos, cabe relatar que a cons-


trução dos instrumentos e sua validação realizaram-se por meio de discus-
são coletiva com os professores-tutores do curso. Optou-se pelo uso de
tecnologia, para que todos os sujeitos envolvidos pudessem participar do
processo, lançando mão de ferramenta disponível na plataforma de formu-
lário Google.
Curso “Educação, Pobreza e Desigualdade Social” na UFPR: uma análise da implementação,... | 217

É importante ressaltar que, como não houve controle sobre os respon-


dentes, a fim de assegurar seu anonimato, isso causou certo problema para
a pesquisa, tendo em vista a falta de informação sobre os não respondentes.
Os questionários foram pensados como estratégia de avaliação pedagógica
do próprio curso, para fins de avaliação e reformulação da oferta de possí-
veis novas edições do curso.
Ainda que originalmente os formulários de avaliação do curso preenchi-
dos pelos participantes tivessem um caráter organizativo em relação ao pró-
prio curso, para fins deste trabalho, as informações obtidas são analisadas a
partir de outro olhar, o acadêmico.
As avaliações dos participantes foram analisadas a partir das seguintes
categorias: condições de oferta e oportunidades de aprendizado e objetivos
atingidos e resultados alcançados. Considera-se que a primeira categoria se
refere à avaliação de processo, uma vez que atenta para aspectos que envol-
vem a relação de ensino-aprendizagem, e a segunda categoria refere-se à
avaliação de resultados, procurando conhecer as percepções dos diferentes
sujeitos da prática pedagógica.
Em relação às condições de oferta, considerou-se relevante analisar a
avaliação dos espaços utilizados como sala de aula para realização dos en-
contros presenciais em cada polo. No que tange à estrutura dos polos, 87%
dos e das cursistas consideraram como "Muito bom" ou "Bom" aspectos
como: facilidade de acesso, estrutura física, existência de recursos multimí-
dia e a qualidade dos espaços.
Os polos de Curitiba e Laranjeiras do Sul ficaram com as melhores avalia-
ções entre os cursistas, todos os consideraram "Muito bom" ou "Bom". Não
houve concentração de respostas "Regular" ou "Insuficiente" em nenhum
dos polos. Nas respostas abertas, 20 cursistas manifestaram-se, e as prin-
cipais observações referem-se à distância do polo de Cascavel em relação
ao centro e à dificuldade de acesso à internet, principalmente no polo de
Londrina.
Na questão aberta sobre aspectos gerais do curso, dois cursistas indi-
caram dificuldades para ter acesso ao polo, por falta de transporte público
entre sua residência e a escola onde se realizaram os encontros presenciais.
Foram apontadas dificuldades para os deslocamentos entre as cidades de
origem e Curitiba (para a aula inaugural e para a apresentação do TCC), ten-
do em vista que não havia recurso ou ajuda de custo para o deslocamento
dos cursistas.
218 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume I

A infraestrutura nos polos foi alvo de críticas por alguns professores-


-tutores, principalmente no que diz respeito à velocidade e à qualidade da
internet. As críticas concentraram-se mais entre os professores-orientadores
de TCC, talvez pela multiplicidade de espaços necessários para atender
toda a demanda, uma vez que foram necessários outros espaços, além dos
inicialmente planejados, para os encontros presenciais nos polos.
Os locais que seriam utilizados como polo foram inicialmente definidos
pela equipe de coordenação do curso em conjunto à Coordenação Estadual
do PBF. Ao longo da realização do curso, os endereços de alguns polos pre-
cisaram ser redefinidos, pois houve greve dos trabalhadores em educação
na rede estadual de ensino, e alguns dos espaços passaram a ser utilizados
para reposição de aulas aos finais de semana. Considerando as respostas
dos cursistas, é possível perceber que isso não afetou a avaliação da quali-
dade dos espaços utilizados.
Outros aspectos relacionados às condições de oferta são a facilidade
de acesso e a utilização dos recursos da plataforma virtual na qual o cur-
so foi hospedado, uma vez que a modalidade de oferta a distância exigiu
o uso contínuo da plataforma, de softwares para produção de texto, para
reprodução de vídeos, uso de sites de busca e outros aplicativos. Apenas
3,2% dos cursistas indicaram que as dificuldades de acesso e de utilização
da plataforma permaneceram ao longo do curso, e 1,6% afirmou ter tido
grande dificuldade. Dos cursistas respondentes, 71,8% já tinham realizado
outro curso de educação a distância, enquanto apenas 26,6% tiveram, nesse
curso, a sua primeira experiência de educação a distância. Talvez isso possa
ajudar a explicar por que 70% dos respondentes indicaram que não tiveram
dificuldades com a plataforma. Outros 25% consideraram que tiveram difi-
culdades no início, mas conseguiram se adaptar e superar as dificuldades no
decorrer do curso.
Ainda que a maior parte dos cursistas respondentes tenha indicado que
houve fácil entendimento, é possível que isso não represente, de fato, o per-
centual de cursistas que não teve dificuldades com a plataforma, pois muitos
dos que tiveram dificuldade podem não ter conseguido responder o ques-
tionário, considerando a existência de barreiras para o uso de instrumentos
como esse.
Dos 124 respondentes, 88 apresentaram observações em relação à pla-
taforma; as anotações indicam a existência de dificuldades recorrentes em
relação à indisponibilidade de acesso à plataforma, a problemas técnicos,
Curso “Educação, Pobreza e Desigualdade Social” na UFPR: uma análise da implementação,... | 219

a dificuldades para fazer uploads de arquivos com fotos, mapas e imagens,


bem como para enviar mensagens e ter acesso aos resultados das avalia-
ções. Outra observação recorrente esteve relacionada à impossibilidade e à
instabilidade de acesso, sobretudo, aos fins de semana.
Na avaliação de membros da equipe de coordenação e suporte peda-
gógico, que participaram da execução de outros cursos oferecidos na mo-
dalidade a distância, a plataforma utilizada para o curso de especialização
em Educação, Pobreza e Desigualdade Social mostrou-se menos amigável
e intuitiva do que outras versões do Moodle. Além disso, ao longo da reali-
zação do curso, foram observadas várias dificuldades técnicas em relação à
plataforma e sua hospedagem, o que impossibilitou o acesso de professo-
res-tutores e cursistas em várias ocasiões.
Dos professores-tutores que atuaram no curso, 22% consideraram que
houve dificuldades para acessar a plataforma, tanto nos dias das aulas pre-
senciais nos polos quanto em outros momentos ao longo da realização do
curso. Para a grande maioria, portanto, a plataforma foi fácil de acessar, e a
equipe técnica sempre estava disposta a auxiliar no caso de dúvidas, com
retorno imediato. De toda forma, considerando a existência de algumas difi-
culdades, alguns professores sugeriram a entrega do conteúdo dos módulos
na forma de livro, já que nem todas as cidades e polos tinham internet de
qualidade.
Entre os professores-orientadores, 52,9% tiveram algum tipo de dificul-
dade com a plataforma. Esse percentual bastante acima dos outros grupos
pode ser decorrente da não participação de alguns deles desde o início do
curso, quando foram realizadas atividades de ambientação para o uso da
plataforma, uma vez que a maior parte dos professores-orientadores iniciou
sua atuação nos últimos seis meses de curso.
Outro problema em relação à plataforma foi a inexistência de avisos por
e-mail, o que dificultou a comunicação entre professores (as) e cursistas, pois
estes não recebiam avisos sobre postagens e mensagens enviadas pelos
professores e vice-versa. A existência desse mecanismo no Moddle poderia
ter facilitado a comunicação entre os grupos de cursistas e seus professores.
Assim, essa é uma demanda apresentada pelo coletivo, para que, em novas
ofertas do curso, esse mecanismo seja disponibilizado.
220 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume I

Tabela 5 Avaliação de cursistas e professores em relação ao acesso e à utilização dos


recursos da plataforma virtual, curso EPDS, 2016.

Professores- Professores-
Cursistas
-orientadores -tutores

n % n % n %

Grande dificuldade de aces-


so e utilização dos recursos 2 1,6 1 2,9 0 0
da plataforma

Dificuldades de acesso
e utilização dos recursos
4 3,2 4 11,8 1 11,1
permaneceram ao longo do
curso

Dificuldades no início, mas


31 25 13 38,2 1 11,1
houve adaptação

Fácil entendimento 87 70,2 16 47,1 7 77,8


Total 124 100 34 100 9 100

Fonte: elaborada pelas autoras com base nos questionários on-line respondidos pelos cursis-
tas, professores-orientadores e professores-tutores, 2016.

Além das condições de acesso físico e virtual ao curso, outro aspecto


relacionado à primeira categoria de análise diz respeito às oportunidades de
aprendizagem. Nesse item, considerou-se relevante analisar o material utili-
zado como referência para realização dos módulos, os encontros presenciais
nos polos e o processo de orientação dos trabalhos de fim de curso.
Os professores avaliaram o material que fundamentou a realização dos
módulos do curso como de alta qualidade. Todos os professores-tutores
classificaram como "Muito bom" o material on-line, e, entre os professores-
-orientadores, apenas um classificou sua resposta como indiferente e dois
indicaram que não conheciam o material. Portanto, dos 43 respondentes,
93% consideraram a qualidade do material como "Muito bom" e "Bom".
É importante problematizar as três respostas que indicaram desconhe-
cimento do material de suporte utilizado ao longo dos módulos do curso ou
não apresentaram posicionamento, pois seria esperado que todos os pro-
fissionais que atuaram no curso, sobretudo na condição de docentes (ainda
Curso “Educação, Pobreza e Desigualdade Social” na UFPR: uma análise da implementação,... | 221

que como orientadores de trabalhos de pesquisa), conhecessem o material


que forneceu aporte para as discussões teórico-práticas realizadas ao longo
do curso.
Ainda em relação à qualidade do conteúdo e do encaminhamento me-
todológico do material on-line, mais de 99% dos estudantes consideraram
"Muito bom" ou "Bom". O mesmo percentual considerou como muito boa
ou boa a qualidade e quantidade das avaliações, indicando que o material
e as atividades avaliativas atingiram o objetivo de fornecer subsídios para a
realização do curso, aprofundando as reflexões sobre Educação, Pobreza e
Desigualdade Social.
Todos os módulos do curso promoveram o debate sobre educação, po-
breza e desigualdades sociais, com o objetivo de sensibilizar os diferentes
agentes sociais, operadores de direitos em diferentes instâncias (professores,
assistentes sociais, coordenadores do PBF). Para superar a discriminação e o
preconceito, para rever modelos de sociabilidade cristalizados, considera-se
fundamental retirar da invisibilidade a situação de pobreza de grande parte
das crianças e de suas famílias. Neste sentido, os módulos foram organi-
zados para provocar a revisão das práticas escolares, fomentando debates
que possibilitassem uma tomada de consciência em relação às demandas
da realidade.
As provocações de Yannoulas et al. (2012) contribuem para identificar a
importância desse debate e a necessidade de pensar estratégias interseto-
riais para a garantia do direito à educação, que exige condições de qualida-
de para o acesso, permanência e conclusão da Educação Básica.

Os alunos pobres no Brasil são a maioria: 17 milhões de beneficiários


do Programa Bolsa família em um contingente de 34 milhões, e a escola
não os enxerga! [...] Também preocupa a constatação das enormes difi-
culdades que enfrenta a infância pobre para frequentar a escola (Freitas,
2006). Com alunos em situações de severa pobreza, a escola passa por
um processo de transformação na maneira em que é "consumida" pelos
alunos, de tal maneira que por vezes a própria forma de ser do escolar
está em jogo. Os alunos muito pobres constituem um desafio para as
professoras que trabalham em inacreditáveis condições de precariedade
na maioria das escolas públicas periféricas, muitas vezes sendo esses alu-
nos "tolerados" – e não verdadeiramente incluídos – por falta de opções
para desenvolver outro tipo de trabalho pedagógico (YANNOULAS et al.,
2012, p. 345-347).
222 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume I

Além da importância da discussão conceitual, os cursistas destacaram a


interatividade do material, a qualidade gráfica, a riqueza dos vídeos e textos.
Contudo, três cursistas apresentaram críticas ao material do Módulo IV –
"Pobreza e Currículo: uma complexa articulação", ponderando que, ao se
considerarem as questões sobre pobreza e desigualdade social, o debate
apresentado não ofereceu subsídios necessários à reflexão sobre a organi-
zação do currículo escolar, sobretudo para os profissionais que não possuem
formação na área de educação.
Em relação ao item "oportunidades de aprendizagem", considerou-se
também a avaliação da realização dos encontros presenciais, tida por 95%
dos cursistas como "Muito boa" e "Boa". Tais encontros foram realizados, no
início de cada módulo, com o objetivo de apresentar o conteúdo, instigar os
cursistas para a realização das leituras e atividades, para assistir os vídeos e
procurar desenvolver as propostas apresentadas. Os encontros presenciais
também foram utilizados para a realização de debates e atividades interati-
vas, além de tirar dúvidas e realizar a avaliação de fechamento do módulo
anterior.
Esse mesmo percentual, cerca de 95% dos respondentes, avaliou como
"Muito bom" ou "Bom" os encaminhamentos pedagógicos adotados pelos
professores-tutores de seu respectivo polo, tanto durante as aulas presen-
ciais quanto nas atividades desenvolvidas a distância, bem como em relação
à solução de demandas apresentadas pelos cursistas.
Apenas quatro pessoas avaliaram os encontros presenciais, os encami-
nhamentos pedagógicos e a resolução de solicitações apresentadas como
regular ou insuficiente, num universo de 124 respondentes, o que pode ser
utilizado como um indício de que os procedimentos adotados atingiram po-
sitivamente a quase totalidade dos cursistas. Seria importante aprofundar
a análise com um levantamento dos motivos que geraram essa percepção.
Nas respostas da questão aberta sobre o trabalho dos professores-
-tutores, os participantes apontaram o profundo conhecimento sobre o
assunto e como isso foi importante para o encaminhamento dos debates
nos encontros presenciais. Assiduidade, pontualidade, disponibilidade em
explicar também foram pontos positivos apontados. Entretanto, dois cursis-
tas apontaram a demora do retorno das questões ou dúvidas enviadas na
plataforma e via e-mail.
Curso “Educação, Pobreza e Desigualdade Social” na UFPR: uma análise da implementação,... | 223

Tabela 6 Avaliação das aulas presenciais, atividades a distância e resolução de solicita-


ções apresentadas pelos cursistas aos professores-tutores, 2016.

Atividades a Solução de solicitações


Aulas presenciais
distância apresentadas
n % n % n %
Muito bom 89 71,8 87 70,2 83 66,9
Bom 29 23,4 30 24,2 36 29
Indiferente 0 0 1 0,8 0 0
Regular 3 2,4 3 2,4 3 2,4
Insuficiente 1 0,8 1 0,8 1 0,8
Sem
2 1,6 2 1,6 1 0,8
resposta
Total 124 100 124 100 124 100

Fonte: elaborada pelas autoras com base nos questionários on-line respondidos pelos cursis-
tas, 2016.

Nas respostas abertas sobre os professores-tutores, 27 dos 124 cursistas


que responderam o formulário de avaliação registraram elogios ao trabalho
desenvolvido, à competência demonstrada, à organização e ao planejamen-
to do trabalho, bem como em relação à condução das aulas (presenciais e a
distância) e à qualidade dos debates sobre educação, pobreza e desigual-
dade social.
Sobre os encontros presenciais, 29 respondentes fizeram considerações.
Apenas um cursista indicou que houve demora na resposta às demandas
apresentadas. Os demais apresentaram comentários elogiosos em relação
à qualidade dos debates, à disponibilidade e à preparação dos professores-
-tutores, ao aprofundamento de conceitos e concepções. De acordo com
todas as avaliações nessa questão, os encontros presenciais foram muito
produtivos, essenciais para a formação. As discussões trouxeram à tona os
preconceitos e as formas de pensar de cada um, e dessa forma, na con-
traposição de ideias e com a mediação do professor-tutor, preconceitos
foram desvelados e a concepção sobre a pobreza foi, em grande medida,
transformada. Uma questão recorrente foi a indicação de que os encontros
presenciais deveriam ser ampliados em quantidade e tempo de duração.
Ainda em relação às oportunidades de aprendizagem, 90% dos respon-
dentes consideraram como "Muito bom" ou "Bom" o processo de orienta-
ção do trabalho de conclusão do curso, em relação à sua articulação com os
módulos cursados. E 82% avaliaram como "Muito boa" ou "Boa" a qualidade
224 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume I

e a quantidade de encontros presenciais com os professores-orientadores.


Foram previstos pelo menos dois encontros presenciais entre professores-
-orientadores e cursistas, com deslocamento dos professores ao polo. Con-
tudo, em alguns casos não foi possível realizar os dois encontros e, em outras
situações, foram realizados mais encontros para orientação.
Tabela 7 Avaliação do processo de orientação do TCC, considerando a articulação
entre a produção do artigo e os módulos cursados, a qualidade e a quantidade de
encontros realizados, 2016.

Qualidade e quantidade
Processo de orientação
de encontros

  n % n %

Sem resposta 2 1,6 4 3,2

Muito bom 70 56,5 63 50,8

Bom 42 33,9 39 31,5

  Indiferente 5 4

Regular 6 4,8 7 5,6

Insuficiente 4 3,2 6 4,8

Total 124 100 124 100

Fonte: elaborada pelas autoras com base nos questionários on-line respondidos pelos cursis-
tas, 2016.

As respostas às questões abertas que se referem aos professores-orien-


tadores dos TCC indicam que estes foram coerentes em seus encaminha-
mentos. A grande maioria dos cursistas apontou a disponibilidade dos pro-
fessores-orientadores, e algumas poucas avaliações indicaram exatamente
o contrário. Dois dos respondentes notificaram a inexistência de encontros
presenciais. A paciência e a intervenção positiva, no sentido de direcionar e
redirecionar a pesquisa, também foram muito recorrentes nas respostas aos
questionários. A condução do trabalho acadêmico também foi uma etapa
de muita aprendizagem, segundo o relato dos cursistas, já que o processo
de escrita foi acompanhado passo a passo.
Dadas as características dos cursistas que ou não eram da área da edu-
cação ou não tinham familiaridade com a temática da especialização, fez-se
Curso “Educação, Pobreza e Desigualdade Social” na UFPR: uma análise da implementação,... | 225

necessário um acompanhamento específico. O trabalho acadêmico requer


certo habitus,7 que, muitas vezes, não é construído ao longo da vida esco-
lar, mesmo em cursos de graduação ou pós-graduação. Assim, por com-
preender que este habitus é importante, sobretudo para a construção da
autonomia necessária aos cursos a distância, a equipe procurou construir
instrumentos para incentivar habilidades acadêmicas entre os cursistas.
Nessa direção, a equipe, ao criar tutoriais explicativos, como sobre
postura em uma entrevista, roteiros de observação, entre outros materiais,
cumpriu um papel no sentido de evitar e superar dificuldades nesse quesito,
como já indicado anteriormente.
Para o encerramento do curso, foi realizado um seminário no qual todos
os cursistas apresentaram seus trabalhos e foram avaliados por uma banca
composta de três professores, sendo um deles seu orientador. Depois da
realização da banca, os cursistas tiveram um prazo para fazer as adequações
necessárias ao artigo e proceder à entrega final. Em relação ao momento de
apresentação do trabalho e aos procedimentos da banca, 86% dos respon-
dentes avaliaram como "Muito bom" ou "Bom". Nas questões abertas, as
bancas de avaliação dos trabalhos de conclusão do curso foram apontadas
como produtivas e respeitosas.
Alguns professores-tutores e professores-orientadores apresentaram
sugestões em relação a questões como: início do processo de orientação
de TCC antes do final dos módulos, a fim de articular melhor as discussões
e possibilitar maior tempo para elaboração do artigo; realização de, pelo
menos, três encontros presenciais para orientação do trabalho final com
cada um dos cursistas; e realização de encontro formal com professores para
organização dos processos de orientação.
Além dos professores-tutores e professores-orientadores e da equipe
de coordenação do curso, havia uma equipe de apoio/suporte. Neste que-
sito, 92,8% dos respondentes avaliaram os encaminhamentos adotados pela
equipe de apoio/suporte como "Muito bom" e "Bom".
Apenas quatro pessoas, dentre os 124 respondentes, nunca apresenta-
ram demandas para a equipe de apoio/suporte do curso, o que pode ser

7 Impossível explicitar o conceito a contento. Mas aqui se refere ao habitus como cate-
goria do pensamento de Bourdieu. Para o autor, pode ser entendido como a mediação
entre os condicionamentos sociais exteriores e as subjetividades dos sujeitos. Habitus
não é destino. "Habitus como uma matriz cultural que predispõe os indivíduos a faze-
rem suas escolhas" (SETTON, 2002, p. 60).
226 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume I

tomado como um indicador de que a equipe esteve presente e acompanhou


as trajetórias dos cursistas durante todo o período. Em relação ao tempo de
resposta às demandas apresentadas, a avaliação de 90% dos respondentes
indicou que também foi "Muito bom" e "Bom".
Em relação à segunda categoria de análise, que pretende discutir os
resultados do curso, foram selecionadas questões que dizem respeito à
percepção sobre a relevância da produção acadêmica e do curso como um
todo para a formação e atuação profissional dos cursistas. Foi solicitado,
também, que os sujeitos fizessem uma autoavaliação.
No que diz respeito à relevância da produção do artigo para a própria
formação e atuação profissional, 96% dos cursistas avaliaram como "Muito
boa" ou "Boa". E 98% avaliaram como "Muito boa" ou "Boa" a relevância do
curso. Apenas um respondente considerou como indiferente ou insuficiente
a relevância tanto do artigo final quanto do próprio curso.
Considerou-se relevante apresentar a transcrição de algumas das res-
postas dos cursistas à questão que envolvia a relevância do curso de espe-
cialização para a sua formação e atuação profissional:

Eu não sei sobre a continuidade ou não desse curso, porém, quero re-
gistrar o quanto ele foi importante para minha vida, tanto social quanto
profissional. Penso que seja extremamente importante para a sociedade
que muitas outras pessoas tenham a oportunidade de estudar a pobre-
za. Espero, profundamente, que haja continuidade. Espero que outros,
muitos outros, passem pela mesma experiência que passei. Conhecia a
pobreza de perto, pois pertenci a esse grupo durante muito tempo, só
não a percebia com a clareza que tenho agora, o que faz muita diferença
(Cursista, 2016).

Eu tenho hoje um outro olhar para a evasão daqueles cursistas por con-
ta dos estudos realizados no decorrer desse fantástico curso (Cursista,
2016).

O desejo de cursar o mestrado ou dar continuidade a outros cursos den-


tro desta temática apareceu como sugestão de muitos. Como já descrito
anteriormente, os cursistas indicaram grande impacto sobre a vida pessoal
e profissional e o reconhecimento dessa política de formação. Apontam a
formação como um divisor na carreira e no trabalho, pois a clareza que se
obteve, ao longo do curso, impactou positivamente no trabalho cotidiano.
Curso “Educação, Pobreza e Desigualdade Social” na UFPR: uma análise da implementação,... | 227

Foram sugeridos, ainda, mais cursos, que deveriam ser disponibilizados


aos profissionais que trabalham com pessoas que vivem em condições de
vulnerabilidade. Segundo a percepção dos cursistas, os materiais dos mó-
dulos deveriam ser utilizados também como base para formação continuada
de diversos profissionais, principalmente da educação e assistência social.
Na avaliação geral de professores e professoras, o curso permitiu a
transformação das percepções dos cursistas sobre a pobreza, o que se re-
velou na diferença de qualidade do debate realizado ao final do curso em
comparação com o período inicial. O acompanhamento e apoio da equipe
de suporte e da coordenação também foram aspectos mencionados, pelos
professores-tutores, como questões importantes para a realização do cur-
so, indicando que para eles também foi um processo de grande riqueza e
aprendizado coletivo.
Foi solicitada uma autoavaliação dos cursistas, e 91% consideraram seu
desempenho, ao longo do curso, como "Muito bom" ou "Bom". Nas respos-
tas da questão aberta sobre o desempenho ao longo do curso, foi unânime
a constatação de transformação das consciências em relação ao conceito de
pobreza e desigualdade. Para os cursistas, a identificação com o ambiente
de trabalho foi marcante, bem como a realização e a satisfação profissional
ao transformar sua visão sobre as temáticas tratadas ao longo do curso. O
aprofundamento dos estudos ao longo do processo de formação foi essen-
cial ao longo do curso.

Considerações finais
As análises permitem-nos verificar que as ações das equipes pedagógi-
ca, administrativa e de apoio/suporte foram fundamentais para o bom índice
de conclusão do curso de especialização em Educação, Pobreza e Desigual-
dade Social oferecido pela UFPR.
No entanto, para uma nova edição do curso, sugerimos algumas ações
a serem realizadas que podem melhorar ainda mais o desempenho dos cur-
sistas e das equipes. Uma delas seria que o Módulo V – "Metodologia de
Pesquisa" seja realizado em concomitância com o Módulo VI – "Orientação
de Pesquisa – TCC". Assim, não gerará acúmulo de atividades de módulos
diferentes, como ocorreu nessa versão. Além disso, contribuirá com a forma-
ção dos orientadores no que se refere ao desenvolvimento de uma pesquisa
228 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume I

(normas e procedimentos da UFPR) e facilitará a organização das atividades


que deverão ser solicitadas pelos professores-orientadores aos cursistas.
Outra sugestão seria a de não realizar a troca dos professores-tutores na
segunda fase do curso, pois a perda do vínculo, nessa etapa, prejudicou o
andamento do curso. Também sugerimos que os polos sejam formados, pre-
ferencialmente, em municípios que possuam polos da Universidade Aberta
do Brasil (UAB), pois esses estabelecimentos são mais adequados, dispondo
de salas de aulas, laboratórios de informática, equipamentos multimídia e
corpo funcional atuante aos sábados.
Após análise dos dados coletados nos instrumentos de avaliação do
curso, ficou evidenciado que este pode transformar as concepções dos cur-
sistas, contribuindo para o processo de reflexão sobre as práticas escolares
no sentido da superação de preconceitos. Durante a análise das avaliações,
percebe-se que muitos cursistas observam o processo de formação como
uma possibilidade de aprofundamento e conhecimento de novas concep-
ções de mundo, de educação, pobreza e desigualdade.
Uma característica verificada nos profissionais que atuaram no curso
como professores-tutores, professores-orientadores e como bolsistas que
compuseram a equipe de apoio/suporte foi a formação em nível de pós-
-graduação, em mestrado e doutorado. A alta qualificação dos profissionais
docentes e não docentes pode explicar a recorrente afirmação dos cursistas
sobre a profundidade das discussões nos encontros presenciais, nos proces-
sos de orientação e no suporte oferecido pela equipe de apoio.
Considera-se que essa formação possibilitou uma visão mais integrada
de toda a equipe que atuou no curso, na perspectiva da organização de um
trabalho pedagógico que tem como preocupação a garantia das oportu-
nidades de aprendizagem e apropriação dos conceitos pelos cursistas. Os
processos de formação dos professores-tutores dos polos, a cada módulo,
com a presença da equipe de apoio, e os processos de tomada de decisão
coletiva sobre encaminhamentos metodológicos, processos e critérios de
avaliação, procedimentos de recuperação de conteúdos e notas também
permitiram uma articulação entre a coordenação técnica, administrativa, pe-
dagógica, que pode ter se constituído em um elemento essencial para a uni-
dade de ação. Considera-se que tais procedimentos possibilitaram atingir o
número significativo de 75% de concluintes do curso. Ainda que a intenção
da equipe fosse garantir a formação de 100% dos ingressantes, considera-se
Curso “Educação, Pobreza e Desigualdade Social” na UFPR: uma análise da implementação,... | 229

que o percentual atingido se encontra acima da média de conclusão em


cursos de especialização a distância.
Esse quadro talvez nos dê uma pista importante para pensar tanto a
organização no ensino superior como a de especialização. É importante
superar a fragmentação do trabalho acadêmico, no sentido de articular as
oportunidades de aprendizagem para de fato oportunizar a formação de
todos os cursistas.
O curso de especialização tomou como tema central a relação entre
educação, pobreza e desigualdade social e procurou incorporar os concei-
tos centrais de inclusão, reconhecimento da alteridade, empoderamento,
autonomia, entre outros, aos encaminhamentos pedagógicos propostos.
Dessa forma, procurou-se articular teoria e prática, texto e contexto, reflexão
e ação, colocando as práticas escolares voltadas para a população pobre no
centro do debate sobre realização do direito à educação.
Uma das positividades do curso, sem dúvida, foi a multiplicidade dos
profissionais que participaram da formação, promovendo interação entre
professores, assistentes sociais, técnicos administrativos, coordenadores
do PBF em diferentes municípios, possibilitando intercâmbios importantes
entre eles. Como já destacou Yannoulas et al. (2012), faltam políticas que pro-
movam mais articulação entre profissionais que atuam em diferentes áreas.
Políticas intersetorias colocam-se, dessa maneira, como uma neces-
sidade urgente para a realização do direito à educação em todas as suas
dimensões, para a superação das tensões entre os diferentes campos da po-
lítica pública e a construção de ações mais coordenadas, não apenas entre
diferentes esferas de governo, mas também entre diferentes pastas do setor
público. Esse curso mostrou-se como uma ação importante e efetiva no sen-
tido de produzir tais encontros intersetoriais, sobretudo entre a educação e
a assistência social.

Referências
ALMEIDA, O. C. de S. de. Evasão em cursos a distância: análise dos motivos de desistência.
In: CONGRESSO INTERNACIONAL ABED DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA, 14., 2008, Santos.
Anais... Santos: Abed, 2008. Disponível em: <http://www.abed.org.br/congresso2008/cd/
artigos/552008112738PM.pdf>. Acesso em: 08 abr. 2017.
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA (Abed) (Org.). Censo EaD.BR: Relatório
Analítico da Aprendizagem a Distância no Brasil 2015. Curitiba: InterSaberes, 2016.
SILVA, M. P. D.; MELO, M. C. O. L.; MUYLDER, C. F. de. Educação a Distância em foco: um estudo
sobre a produção científica brasileira.  RAM: Revista de Administração Mackenzie, São Paulo, v.
230 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume I

16, n. 4, p. 202-230, ago. 2015.


SILVEIRA, A. D.; SCHNEIDER, G.; GONÇALVES, L. F. (Org.). Educação e Pobreza: olhares a partir de
práticas pedagógicas. Curitiba: Appris, 2017.
SETTON, M. G. J. A teoria do Habitus em Pierre Bourdieu: uma leitura contemporânea. Revista
Brasileira de Educação, n. 20, p. 60-73, 2002.
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ. Relatório final do curso de especialização em Educação,
Pobreza e Desigualdade Social. 2017.
YANNOULAS et al. Educação e pobreza: limiares de um campo em (re) definição. Revista Brasileira
de Educação, v. 17, n. 50, maio/ago. 2012.
Sobre os autores

Simone Medeiros · Prefácio · MEC

Doutora em Educação, na linha Estado, Políticas e História da Educação,


pela UFG (2012). Mestre em Educação, na área de confluência Tecnologias
na Educação, pela UnB (2003). Especialista em Educação a Distância, CEAD/
UnB (2007). Especialista em Educação e Desenvolvimento, UnB (1998). Li-
cenciada em Letras pela UFRN (1994). Atuou como professora da Educação
Básica da Secretaria Estadual do RN, e, no Ministério da Educação, desde
1997, vem atuando na formulação, acompanhamento e avaliação de políticas
de formação dos profissionais da educação básica, sobretudo, em proces-
sos formativos por meio da EAD. Principais áreas de atuação: Coordenadora
Geral de Acompanhamento da Inclusão Escolar, na SECADI/MEC (2013-
2019), Coordenadora Geral de Formação e Capacitação em EAD, SEED/
MEC (2008-2009) e Coordenadora Geral de Articulação Institucional em
EAD, SEED/MEC (2005). De 2013 a 2019 atuou como Coordenadora Geral de
Acompanhamento da Inclusão Escolar, na Diretoria de Políticas de Educação
em Direitos Humanos e Cidadania (SECADI/MEC), sendo responsável pelo
acompanhamento da condicionalidade da educação do Programa Bolsa
Família e pela concepção e implantação da Iniciativa Educação, Pobreza e
Desigualdade Social, que articula formação continuada, apoio à pesquisa
acadêmica e difusão de conhecimento. Atualmente, na Semesp/MEC, é res-
ponsável pela área da educação do Bolsa Família. [simonemedeiros@mec.
gov.br]
Maria Cecília Luiz · Prefácio · UFSCAR
Doutora em Educação Escolar, pela Universidade Estadual de São Pau-
lo – UNESP/Araraquara (2004), bolsista CAPES. Mestre em Educação, pela
Universidade Federal de São Carlos – UFSCar (1999), bolsista CAPES. Licen-
ciada em Pedagogia pela UFSCar (1987). Atua como professora associada
na UFSCar, no Departamento de Educação. Professora credenciada do Pro-
grama de Pós-graduação em Educação PPGE/UFSCar, orientando mestrado
e doutorado. Coordena o Grupo de Pesquisa em Educação, Subjetividade
e Cultura (GEPESC - https://gepesc.ufscar.br/) com foco em três pesquisas:
Programa de mentoria e cooperação em gestão escolar (2019/2020); Violên-
cias e as perspectivas de estudantes do Ensino Fundamental Anos Finais e
Ensino Médio: experimentações em ateliês (2018/2019); e Efeitos da pobreza
e desigualdade social nas escolas do estado de São Paulo: análises quantita-
tivas e qualitativas (2018/2019). [mceluiz@gmail.com]

Marli Alcântara Ferreira Morais · Capítulo 1 · UFMA


Doutora em Políticas Públicas (UFMA). Professora aposentada do De-
partamento de Serviço Social, coordenou a implantação e execução da Ini-
ciativa EPDS/UFMA no estado do Maranhão, em parceria com a UNDIME e
a Coordenação Estadual do Programa Bolsa Familia na Educação/SEDUC.
[marliferrais@gmail.com]

Silvia Fernanda Martins Dias Ribeiro · Capítulo 1 · UFMA


Mestre em Educação pela Universidade Federal do Maranhão, gradua-
da em Serviço Social e especialista nas áreas de Saúde Pública, Magistério
Superior, Informática na Educação e em Políticas Sociais e Processos Peda-
gógicos em Serviço Social, é Assistente Social da Universidade Federal do
Maranhão desde 1995. [silviafmdr@hotmail.com]
Marilena da Silva Loureiro · Capítulo 2 · UFPA
Pós-Doutoranda em Educação Ambiental e Justiça Climática conduzida
pelo GPEA/PPGE/UFMT (2019), Doutora em Desenvolvimento Sustentável
(2005). Professora do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos NAEA/UFPA e
Coordenadora do Grupo de Estudos em Educação, Cultura e meio Ambien-
te – GEAM/NAEA/UFPA. Atua na área de Educação, Gestão e Planejamento
da Educação e Desenvolvimento, Educação Ambiental, Educação e Sus-
tentabilidade Regional, Planejamento e Gestão para a Sustentabilidade do
Desenvolvimento. [marilenaloureiro@yahoo.com.br]

Rosemildo Santos Lima · Capítulo 2 · UFPA


Mestre em Geografia pela UFPA, possui graduação em Geografia pela
Universidade Federal do Pará (2003); Especialização em Formação Docente
na Amazônia, pela UFPA (2011). Atualmente é professor – Secretaria de Esta-
do de Educação do Pará e professor – Primeiro Comando Aéreo Regional.
Tem experiência na área de Geografia, com ênfase em Geografia Humana,
atuando principalmente nos seguintes temas: Geografia, Meio ambiente,
Educação Ambiental, Formação de Professores. [santoslima28@hotmail.com]

Edma Maués Franco · Capítulo 2 · UFPA


Especialista em Educação, Pobreza e Desigualdades Sociais (2016) pela
Universidade Federal do Pará. Professor de Educação Básica na Prefeitura
Municipal de Abaetetuba. [edmafranco17@ymail.com]

Adir Valdemar Garcia · Capítulo 3 · UFSC


Doutor em Sociologia Política (2005) pela Universidade Federal de Santa
Catarina – UFSC. Pós-Doutorado em Política Social (2018) pela Universidade
de Brasília – UnB. Professor do Departamento de Estudos Especializados
em Educação da UFSC. Coordena o Grupo de Pesquisa Educação, Pobreza
e Desigualdade Social da UFSC. [adir.vg@ufsc.br]
Danielle Torri · Capítulo 3 · UFPR
Doutora em Educação (2019) pela Universidade Federal de Santa Ca-
tarina. Professora da Universidade Federal do Paraná no Departamento de
Educação Física. Membro do Núcleo de Estudos e Pesquisas Educação e
Sociedade Contemporânea. [danielletorri@yahoo.com.br]

José Carlos da Silveira Freire · Capítulo 4 · UFT


Doutor em Educação, na linha de pesquisa Docência e Práticas Educa-
tivas, pela UFG. Mestre em Educação pela UFG. Professor Adjunto da Uni-
versidade Federal do Tocantins (UFT)/Campus de Palmas. Atua no Curso
de Pedagogia e no Programa Profissional de Pós-Graduação em Educação.
É membro do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Educação, Desigualdade
Social e Políticas Públicas – NEPED/UFT. Coordenou o curso de Especializa-
ção em Educação, Pobreza e Desigualdade Social (EPDS/UFT) e o curso de
Aperfeiçoamento em EPDS. [cfreire@uft.edu.br]

Juciley Silva Evangelista Freire · Capítulo 4 · UFT


Doutora em educação, na linha de pesquisa Estado, Políticas e História
da Educação, e Mestre em Educação pela Universidade Federal de Goiás –
UFG. Professora Adjunta da Universidade Federal do Tocantins (UFT)/Cam-
pus de Palmas. Atua no Curso de Pedagogia e no Programa Profissional de
Pós-Graduação em Educação – PPPGE/UFT. Coordena o Núcleo de Estudos
e Pesquisas em Educação, Desigualdade Social e Políticas Públicas – NEPED/
UFT. [jucy@uft.edu.br]

Daiani Damm Tonetto Riedner · Capítulo 5 · UFMS


Pedagoga. Doutora em Educação. Professora da Faculdade de Educa-
ção da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Líder do Grupo de
Pesquisa em Educação, Tecnologias e Formação Docentes (Edutec/UFMS).
[daiani.riedner@ufms.br]
Ana Carolina Pontes Costa · Capítulo 5 · UFMS
Doutora em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de
Janeiro – PUC-RIO . Professora adjunta da Universidade Federal de Mato
Grosso do Sul – UFMS. Líder do Grupo de Pesquisa em Pobreza, Educação e
Desempenho Escolar (GPEDE). [ana.costa@ufms.br]

Marisa R. T. Duarte · Capítulo 6 · UFMG


Professora titular do Departamento de Administração Escolar da FAE/
UFMG. Pesquisadora permanente do Programa de Pós-graduação em Edu-
cação e do Grupo de Pesquisa em Política e Administração de Sistemas
Educacionais. [mmduarte@fae.ufmg.br]

Eliana de Sousa Alencar Marques · Capítulo 7 · UFPI


Doutora em Educação. Professora do Programa de Pós-graduação em
Educação da Universidade Federal do Piaui (PPGED). Professora do Depar-
tamento de Métodos e Técnicas de Ensino da UFPI. Vice-Coordenadora do
Núcleo de Estudos e Pesquisas Histórico Criticas em Educação e Formação
Humana – NEPSH. [esalencar123@ufpi.edu.br]

Josélia Saraiva Silva · Capítulo 7 · UFPI


Doutora em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Nor-
te. Professora Associada do Departamento de Métodos e Técnicas de Ensino
da Universidade Federal do Piauí. Docente do Programa de Pós-graduação
em Geografia da UFPI. Coordenadora do Núcleo de Pesquisa e Extensão em
Ensino de Geografia (NUPEG). [joseliasaraiva@yahoo.com.br]

Rosa Lina G. do Nascimento Pereira da Silva · Capítulo 7 · UFPI


Graduação em Química pela Universidade Federal do Piauí, mestrado
em Química pela Universidade Estadual de Campinas e doutorado em Quí-
mica pela Universidade Federal de São Carlos. Atualmente é professora as-
sociado de da Universidade Federal do Piauí. Já foi Coordenadora do Curso
de Química presencial e na modalidade a distância.Tem experiência na área
de Química, com ênfase em Métodos Óticos de Análise, atuando principal-
mente nos seguintes temas: espectrofotometria, nitrito, monitoramento de
água, análise físico-química, análise de sedimentos, iodeto e corantes. Atu-
almente é a Coordenadora de Administração Acadêmica Complementar da
Pró-reitoria de Ensino de Graduação. Coordenou o curso de Especialização
em Educação Pobreza e Desigualdade Social (EPDS) e do curso de Aperfei-
çoamento em EPDS. [rosalina@ufpi.edu.br]

Irapuan Peixoto Lima Filho · Capítulo 8 · UFC


Doutor em Sociologia, professor do Departamento de Ciências Sociais e
do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal do
Ceará (UFC), coordenador local do Mestrado Profissional de Sociologia em
Rede Nacional (ProfSocio) e membro do Laboratório de Estudos em Política,
Educação e Cidade (LEPEC). [irapuan.peixoto@ufc.br]

Genilria de Almeida Rios · Capítulo 8 · UFC


Mestre em Sociologia pela Universidade Federal do Ceará (2014), bacha-
rel (2003) e licenciada (2013) em Ciências Sociais pela Universidade Federal
do Ceará (UFC). Tem experiência com educação a distância como super-
visora pedagógica, orientadora e tutoria (graduação e pós-graduação). É
pesquisadora do Laboratório de Estudos de Política e Cultura da UFC desde
2001 e membro do Grupo de Estudos do CNPq "Lideranças, representações
e práticas políticas". [genilria@hotmail.com]

Lygia de Sousa Viegas · Capítulo 9 · UFBA


Psicóloga pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo.
Mestre e Doutora em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano
pelo Instituto de PSicologia da Universidade de São Paulo. Professora da
Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia. Professora per-
manente do Programa de Pós-Graduação em Educação da FACED-UFBA.
Membro do Fórum sobre Medicalização da Educação e da Sociedade. [lyos-
viegas@gmail.com]
Elaine Cristina de Oliveira · Capítulo 9 · UFBA
Fonoaudióloga pela Universidade Estadual Paulista – UNESP, mestre em
Estudos Linguísticos pela UNESP e doutora em Linguística pela UNICAMP.
Professora da Universidade Federal da Bahia – UFBA; Professora permanente
do Programa de Pós-Graduação em Educação da FACED – UFBA; Membro
do Fórum sobre Medicalização da Educação e da Sociedade. [elaineolivei-
ra1009@gmail.com]

Hélio Messeder da Silva Neto · Capítulo 9 · UFBA


Licenciado em química, mestrado e doutorado pelo programa de Ensi-
no, Filosofia e História da Ciência – UFBA; Professor da Universidade Federal
da Bahia, Salvador; Professor permanente do programa de Ensino, Filosofia
e História das Ciências; Membro do Fórum sobre Medicalização da Educa-
ção e da Sociedade. [messeder3@gmail.com]

Adriana Dragone Silveira · Capítulo 10 · UFPR


Possui graduação em Pedagogia pela Unesp – Rio Claro (2000), mestra-
do em Educação pela Universidade de São Paulo (2006) , doutorado em Edu-
cação pela Universidade de São Paulo (2010), estágio pós-doutoral (2019) em
Teachers College, Columbia University. É professora associada da Universi-
dade Federal do Paraná e do programa de pós-graduação. Co-fundadora e
coordenadora do Laboratório de Dados Educacionais. Também é integrante
da diretoria da Associação Nacional de Pesquisadores em Financiamento da
Educação (Fineduca), diretora de projetos especiais da Associação Nacional
de Política e Administração da Educação (Anpae) e editora associada da re-
vista Educação & Sociedade. [adrianadragonesilveira@gmail.com]

Ana Lorena Bruel · Capítulo 10 · UFPR


Possui graduação em Pedagogia pela Universidade Federal do Paraná
(1995), mestrado em Educação pela Universidade Federal do Paraná (2003),
doutorado em Educação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro
(2014) e pós-doutorado na Université de Bordeaux (France). Atualmente é
professora do magistério superior na Universidade Federal do Paraná, no
Departamento de Planejamento e Administração Escolar. [analorena.bruel@
gmail.com]

Andrea Polena · Capítulo 10 · UFPR


Doutoranda em Educação pela Universidade Federal do Paraná - UFPR.
Mestre em Educação na linha de Políticas Educacionais pela UFPR (2016). Gra-
duada em Pedagogia pela Universidade Federal do Paraná (2014). Acompa-
nha o desenvolvimento do Simulador de Custo-Aluno Qualidade – SIMCAQ
e do Laboratório de Dados Educacionais que estão sendo desenvolvidos na
Universidade Federal do Paraná. [andrea.ufpr@yahoo.com.br]

Cristina Cardoso · Capítulo 10 · UFPR


Doutora e Mestre em Educação pela Universidade Federal do Paraná,
com estágio doutoral na Université de Limoges-França. Pesquisadora na
área de politicas educacionais. Atualmente atua como professora na Uni-
versidade Estadual do Paraná-Paranaguá e participa do grupo de pesquisa
Sindicalismo e Trabalho Docente. [cardosocristina2015@gmail.com]

Simony Rafaeli Quirino · Capítulo 10 · UFPR


Doutora em Educação pela Universidade Federal do Paraná (2018), com
Estágio de Pesquisa em Financiamento da Educação (Período Sanduíche) na
Universidade de Salamanca/Espanha. Possui mestrado em Educação pela
Universidade Federal do Paraná (2012), especialização em Políticas Educa-
cionais pela Universidade Federal do Paraná (2009) e graduação em Pedago-
gia pela Universidade Federal do Paraná (2007). Atualmente é professora da
rede municipal de ensino de São José dos Pinhais/Paraná. [simonyrafaeli@
hotmail.com]

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