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W

Tendência O câncer e o trabalho Nova legislação


você rh • REVISTAVOCERH.COM.BR

Como adotar a holocracia, conceito Os casos crescem e as companhias O RH já precisa se preparar para
que prega a extinção dos chefes devem acolher funcionários doentes a Lei Geral de Proteção aos Dados

Dossiê

geração Em 2022, os jovens


nascidos em meados da
década de 90 serão 10% da
força de trabalho global.
Mais preocupados com
questões socioambientais
e ávidos por propósito,
esses profissionais
começam a transformar
a gestão de pessoas das
organizações brasileiras

Z 2019/JAN 2020
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SUMÁRIO ARTE da capa:
otávio silveira

dezembro 2019/janeiro 2020

Rafaela Mengui, RH da Acesso Digital:


a companhia faz questão de criar
boas experiências para os jovens

Seções 22

8 | Da redação MELHORES PRÁTICAS dossiê geração z


Em breve, os jovens nascidos em meados dos anos 90
9 | Feedback 56 | Tecnologia serão 10% da força de trabalho global. Mais preocupados
O programa de empréstimo com questões ambientais e ávidos por propósito,
BOLETIM de notebooks 24 horas eles já começam a transformar as empresas
por dia do Google 36
10 | Lugares Incríveis
A Cacau Show reformou 58 | Recrutamento o câncer e o trabalho
o escritório para A Gympass diminuiu mais A doença está crescendo no Brasil,
aumentar a colaboração da metade do tempo mas ainda é tabu nas organizações
para preencher vagas 42
14 | Macro
A dificuldade de melhorar a 60 | Leis & Gestão
guardiões das informações
O impacto da Lei Geral de Proteção de
experiência dos funcionários Decreto esclarece pontos Dados na área de gestão de pessoas
sobre o trabalho temporário
16 | olhar do Presidente 46
Filipe Ferreira e a 62 | na estante de olho no futuro
transformação cultural As lições de liderança Líder do BCG Henderson Institute explica por que a
da Moove Lubrificantes do ex-executivo e tecnologia ainda será um desafio nos próximos anos
consultor Marco Fabossi
50
20 | desafio do RH
Camila Almeida conta 66 | Na real holocracia, modos de usar
como estruturou a área de Como lidar com os Conheça o modelo de gestão sem chefes e em que todos
gestão de pessoas da Azul sabotadores silenciosos os funcionários assumem responsabilidades de decisão

F O T O : A l e x a n d r e B at t i b u g l i
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DA REDAÇÃO

O que os jovens querem?

E
m 2022, 10% da força de trabalho global será exigem que as companhias pratiquem a inclusão e
formada por pessoas nascidas entre 1995 e a sustentabilidade. Para lidar e estimular essa nova
2010, de acordo com uma projeção da con- geração, as empresas precisam oferecer experiências
sultoria McKinsey. Esses jovens formam o de desenvolvimento, treinar as lideranças para ser
que apelidamos de geração Z e muitos de- o mais transparente possível e tratar a diversidade
les já estão no mercado. Mas, afinal, o que como uma questão estratégica. O RH é a ponte para
essa moçada tem de diferente e como está que tudo isso aconteça. E uma das ferramentas mais
influenciando as práticas de gestão de pessoas nas importantes para exercer esse papel é a informação.
companhias brasileiras? Foi para responder a essas Para isso, além desta edição de VOCÊ RH, há o Guia
perguntas que fizemos a reportagem de capa desta VOCÊ S/A — As Melhores Empresas para Começar
edição, assinada pela jornalista Caroline Marino. Na a Carreira de 2019, que acabou de ser lançado e é
matéria, que começa na página 22, mostramos alguns o único do mundo que se dedica, há nove anos, a
traços desse pessoal. Nativos digitais, eles cresceram analisar os anseios das novas gerações.
num mundo totalmente globalizado e que enfrenta
graves crises econômicas e políticas. Por isso, ten- P.S.: O ano de 2020 já começará com novida-
dem a ser mais pragmáticos do que a geração que os des. Em janeiro, VOCÊ S/A terá um novo site!
antecedeu, dos Y ou millenials. Tanto é que outro Ali teremos um canal exclusivamente dedica-
levantamento da McKinsey diz que a maioria deles do a VOCÊ RH, com a mais aprofundada co-
dá grande valor à estabilidade no trabalho e entende bertura sobre gestão de pessoas do país. Para
que precisa poupar para o futuro. Além disso, os Z acessar, é só usar o endereço vocesa.com.br.­
preocupam-se fortemente com questões sociais e Mande seu feedback em nossas redes sociais.

ELISA TOZZI
Editora

8 VOCÊ RH dez 2019/jan 2020


FEEDBACK
vocerh@abril.com.br @revistavocerh revista-voce-rh revistavocerh revistavocerh

Excelente abordagem! Acrescento


uma opinião: concordo que líderes
de equipes devam incentivar e
compartilhar sempre as lições
aprendidas, no entanto há que
alinhar que a cultura corporativa
segue um fluxo da alta cúpula
para os níveis gerenciais. Ou seja,
do sponsor para o nível média
gerência. (Sobre a reportagem
Humanos no centro, ed. 64)
@ orlandossaba

Há uma tendência pouco


falada sobre o fim do emprego
direto. Nexialismo é o futuro.
Os coworkings talvez nem
Depois de anos de retração, outro sinal tivessem noção da mudança que
estariam gerando no mercado de
de retomada do mercado. Vamos torcer! (Sobre trabalho. Esse dado de empregos
a reportagem Seu Salário em 2020, ed. 64) formais é temporário. Daqui a
William de Almeida Sousa uns (poucos) anos cairá sem
reversão (Sobre a reportagem
Sem clima para festa, ed. 64)
@ coach.cadugomes

Essa pesquisa ratifica a A cada nova edição, inspiração O RH trabalha com relações
necessidade do preparo e do e muito conhecimento! A humanas, qualquer formação
acompanhamento dos processos leitura da @revistavocerh é é bem-vinda. (Sobre a
de mudança de cargos e prazerosa e completa, sem reportagem Cada um no
liderança. A questão é a empresa dúvida a melhor assinatura! seu quadrado, ed. 64)
desejar e conseguir investir nesse (Sobre a edição 64) @yougestaodepessoas
processo tão delicado! (Sobre @fragatc
a nota Começo difícil, ed. 64)
Absurdo!!! Esses números
@ anajuliao.coach Acho que quanto mais mostram que estamos muito
diversidade tivermos na área, longe de resolver o problema.
Parabéns pela matéria, mais ricos ficam os processos. Vale ressaltar que ainda existem
precisamos mostrar dados reais Um grupo multidisciplinar outras violências que não estão
para mobilizar a sociedade e o permite uma visão mais relacionadas aqui. Vamos nos
poder público no enfrentamento ampla e estratégica sobre unir com o objetivo de acabar com
da violência contra a mulher. os mais diversos temas. toda em qualquer violência contra
(Sobre a reportagem (Sobre a reportagem Cada as mulheres! (Sobre a reportagem
Causa urgente, ed. 64) um no seu quadrado, ed. 64) Causa urgente, ed. 64)
@ vanessa_molinapsc Bruna Paiva @consultoria_effycenter

dez 2019/jan 2020 VOCÊ RH 9


boletim
Lugares Incríveis

cacau
show

Doce
integração
10 VOCÊ RH dez 2019/jan 2020 *E s tag i á r i a s o b s u p e r v i s ão d E E l i s a T o z z i
E
m 2018, a Cacau Show completava 30 anos. Para comemorar o marco com os cerca de 1 600 funcionários, a
fabricante de chocolates reformou sua sede administrativa, localizada no mesmo complexo da fábrica, em
Itapevi (SP). Na época, foram investidos 130 milhões de reais na nova arquitetura, desenhada para integrar
as áreas. Dois anos depois, o escritório ainda enche os olhos — e não podia ser diferente. Do lado de fora,
o maior mural em spray do mundo (de acordo com o livro dos recordes), assinado pelo grafiteiro Kobra,
recebe quem chega. Por dentro, num espaço de quase 6 000 metros quadrados, há auditório; tobogã ligando
o escritório à loja interna da Cacau Show; e uma padaria que serve pães e bolos fresquinhos. O pessoal
ainda pode pegar bicicletas para percorrer o complexo, que, no total, tem aproximadamente 109 000 metros
quadrados. Além disso, os funcionários se reúnem numa arquibancada interna para fazer reuniões e confraternizar:
durante a Copa do Mundo feminina, a escola de samba Rosas de Ouro foi animar a galera. A decoração é inspirada no
chocolate e reutiliza materiais fundamentais para a fabricação do produto, como as sacas de cacau. A ideia de revo-
lucionar o escritório surgiu depois que Alexandre Costa, o fundador da marca, visitou companhias do Vale do Silício
e percebeu que ambientes desse tipo influenciam a colaboração e melhoram os resultados. “Este espaço estimula as
pessoas a chamar outras para debater e compartilhar ideias. A proposta é promover a interação entre os funcionários e
engajá-los com os valores da empresa”, diz Gerson Cosme Santos, gerente de RH da Cacau Show. Marina Verenicz*

f o t o : g e r m a n o lü d e r s dez 2019/jan 2020 VOCÊ RH 11


boletim Notas

Sede da Sanofi, em
São Paulo: a empresa
dá seis meses de
licença parental a
todos os funcionários

Sem distinção
A
partir de janeiro, os pais e mães da Sanofi tanto para filhos biológicos quanto adotivos e para
terão mais tempo para ficar com seus filhos. relacionamentos homoafetivos e heteronormativos.
Isso porque a farmacêutica aumentou o pe- “A política de licença parental neutra é um avanço
ríodo de licença parental para seis meses. para a promoção de um ambiente mais inclusivo e
Anteriormente, o benefício era concedido plural na empresa”, diz Pedro Pittella, diretor de RH
conforme a lei: 120 dias para mulheres e da Sanofi Brasil. Além de beneficiar os genitores,
20 dias para homens. A nova regra está a ação prevê job rotation para cobrir quem entrar
disponível para os 7 900 empregados da América de licença. “Esperamos que, com o revezamento, os
Latina, distribuídos em escritórios no Brasil, na Ar- empregados desenvolvam novas habilidades e todos
gentina, na Colômbia e no México. Além disso, vale saiam ganhando”, afirma Pedro.

12 VOCÊ RH dez 2019/jan 2020 f o t o s : 1 G E R M A N O LU D E R S 2 L aura F leury i lu s t r aç ão : mar c os m ü ller


Jovens e descuidados
Pessoas de até 30 anos de idade são menos responsáveis com a segurança da informação no ambiente corporativo. foi isso
que apontou uma pesquisa realizada em novembro de 2019 pela NTT DATA Corporation, empresa japonesa de tecnologia. De
acordo com o estudo, que ouviu 2 256 empresas em 20 países — incluindo o Brasil —, 39% dos jovens preferem pagar resgate
a um hacker a investir em cibersegurança. Entre os mais velhos, esse índice cai para 30%.

Correndo perigo O uso de dispositivos pessoais Você prefere pagar resgate a um A cibersegurança é problema
no trabalho é um risco hacker porque é mais barato a da equipe de TI, e não da
sim não potencial de segurança? investir mais em segurança? empresa como um todo?

Menos de 30 anos 71% 29% 39% 61% 49% 51%

Mais de 30 anos 79% 21% 30% 70% 43% 57%

Fisgados pelo estômago Sentindo na pele


O vale-alimentação é um dos benefícios mais valori- para a Kimberly-Clark, a Black Friday, Além de ser uma

zados pelos funcionários. A conclusão é de um estudo oportunidade para alavancar as vendas, é uma chance de
treinar os funcionários. Nessa data, a multinacional, que
realizado pela fintech Zetra com 800 trabalhadores
produz itens de higiene pessoal, leva empregados da área
brasileiros. Segundo o levantamento, publicado em corporativa para passar o dia trabalhando nos pontos de
outubro de 2019, 70% dos profissionais anseiam por venda. Realizada em parceria com grandes varejistas, como
subsídios relacionados à alimentação. Por incrível Carrefour, Pão de Açúcar e Extra, a iniciativa tem como ob-
que pareça, o pagamento do 14 salário foi a opção
o jetivo mostrar para os trabalhadores todos os processos
que envolvem o negócio. “Quando voltam para suas funções,
menos escolhida, com apenas 5% das respostas.
eles estão cheios de ideias para melhorar toda a cadeia de
Do que eles gostam mais
valor”, diz Bruno Siqueira, Diretor de Trade Marketing da
Vale-Refeição / vale-Alimentação empresa. A ação
70% é voluntária e
Plano de Saúde / plano Odontológico já ocorreu dois
67% anos seguidos.
Em 2019, cerca de
Seguro de vida, casa ou carro
26% 192 funcionários
de São Paulo se
Descontos em medicamentos
c a n d i d ata r a m
24%
para participar
Convênios com Instituições de Ensino
do projeto.
23%
Acesso a linhas de crédito bancário
21%
Funcionários
Desconto em academia ou locais para prática esportiva
da Kimberly-
11% Clark: a empresa
coloca o time
Pagamento do 14o salário
corporativo para
5% atuar nas lojas
2

dez 2019/jan 2020 VOCÊ RH 13


boletim MACRO - Gartner*

o valor da EXPERIÊNCIA
P
esquisa da Gartner, feita com Ganhos para as pessoas
143 líderes de recursos huma- Funcionários totalmente satisfeitos com
nos em 2019, mostrou que só sua experiência na companhia são:
24% das organizações possui

60% 52% 69%


uma abordagem sólida para
sofisticar a expe­r iência dos
funcionários. E criar uma boa
vivência dentro do escritório é fundamen-
tal. Isso porque, ao melhorar o sentimento
dos trabalhadores, a companhia turbina
mais mais mais
a aderência à cultura, o engajamento e o aptos dispostos propensos
EVP (employment value proposition).
a manifestar a dedicar a se
intenção esforços acima tornar HiPo
de ficar na da média às (funcionário de
organização suas tarefas alto potencial)

Corrida contra o tempo


A área de RH está promovendo mudanças Ganhos para os negócios
para melhorar a experiência do funcionário?
Companhias em que as pessoas são totalmente
satisfeitas com a experiência possuem:
nível de mudança
26%

consumidores
60%
baixo ou muito baixo

satisfeitos
nulo
6%
de moderado a alto mais probabilidade
de bater metas
69% de satisfação
do cliente

Aquém do esperado
O índice de satisfação dos empregados com a experiência
no ambiente de trabalho está abaixo das expectativas
produtos
diferenciados 89%
mais chance de
alcançar metas
abaixo das expectativas
de inovação
13% menos de 70% de satisfação

parcialmente
satisfeitos

56%
21% 46% de 70% a 80% de satisfação

satisfeitos
de 80% a 90% de satisfação
credibilidade
mais propensão
20% plenamente satisfeitos a atingir as metas
mais de 90% de satisfação de reputação

14 VOCÊ RH dez 2019/jan 2020 i lu s t r aç õ e s : m a r c o s m ü l l e r


Plano de ação Nada vem de graça
Os investimentos mais comuns O impacto dos investimentos ao longo do tempo
em employee experience são:

Iniciativas de Introdução US$ 6 414


diversidade de trabalho
e inclusão Flexível
Este é o valor
médio (em dóla-
res) que se gasta
anualmente,
US$ 3 940
por empregado,
com ações para
melhorar a
19%
Us$ 2 420
experiência do
16%
funcionário, 13%
Novas como realização
Modernização ferramentas para de pesquisas de
do onboarding funcionários engajamento,
criação de um
programa de
hoje 1 ano 2 anos
diversidade e
inclusão e o Proporção de Custo com a
aumento de empregados totalmente experiência por
práticas de satisfeitos com a empregado
desenvolvimento experiência (em dólares)

Atualização das Expansão


avaliações de de ações de escalabilidade dos investimentos
desempenho desenvolvimento
alta
1 1a etapa: fundacional
aportes destinados a melhorar
questões estruturais e operacionais

2 2a etapa: aprimoramento
ações destinadas a aperfeiçoar o jeito
Retrofit do Aumento da como os profissionais trabalham
escritório licença parental
3 3a etapa: especializada
investimentos destinados a
"encantar" certos segmen-
tos de funcionários por
meio de benefícios pontuais

baixa
tempo

Um passo a mais variação da satisfação dos


Além de realizar ações que melhorem a experiência do funcionários com a experiência
empregado, a organização precisa investir na conscientização.
Ou seja, as pessoas devem compreender o objetivo das
melhorias realizadas. Para isso, é necessário moldar: Investimentos
na experiência
do funcionário

1. a expectativa 2. o dia a dia 3. a memória esforços


36%

o que os o que os como a para moldar


funcionários empregados experiência como os
podem esperar precisam sentir deve ser empregados
do ambiente de ao realizar suas lembrada ao se sentem 64%
trabalho atividades longo do tempo
0% 50% 100%

*e m p r e s a d e B e n c h m a r k i n g G l o b a l d e C a p i ta l H u m a n o. C o n tat o : r o d r i g o. m c c a l l @ g a r t n e r .c o m dez 2019/jan 2020 VOCÊ RH 15


boletim olhar do presidente

Sonho
conjunto
Os desafios de Filipe Ferreira para conduzir a transformação
cultural da Moove Lubrificantes Alexa Meirelles

H
á três anos Filipe Ferreira assumiu a cadeira de CEO da Moove Lubrificantes, do Grupo
Cosan, famosa por produzir a marca Mobil. Aos 54 anos e com experiência em diversos
segmentos — ele já passou por companhias como Mars, Gerdau e Bunge —, o executivo conduz
atualmente 600 funcionários no Brasil (e mais 500 ao redor do mundo). Todos estão em busca
de um objetivo comum: transformar a companhia na referência mundial em lubrificantes.
Para que todo mundo ficasse alinhado a essa meta, Filipe conduziu um intenso processo
de transformação cultural, que colocou os profissionais da empresa na mesma página e
trouxe transparência sobre quais são os comportamentos valorizados pela organização.
A mentalidade mais aberta para a inovação e para o trabalho em equipe já traz resultados importantes
para o negócio. Em 2018, o ebtida da Moove foi de 237 milhões de reais, um aumento de 36% em relação a 2017.

Há dois anos, a Moove mudou distribuição de lubrificantes. Assim, Mas vocês integraram outros
sua cultura organizacional. desenhamos quais seriam as três profissionais no processo ou
Como foi esse processo? prioridades da companhia: expansão isso ficou restrito à liderança?
Quando entrei, a primeira coisa que do negócio, formação de times de alta Escutamos pessoas de todos os
fizemos foi juntar a liderança para performance e criação de uma cultura níveis — operadores, analistas,
entender aonde queríamos chegar de eficiência. Hoje, se você andar aqui coordenadores, gerentes e
e em que deveríamos focar nossa pela empresa, aposto que qualquer diretores — para entender qual era
energia. Com essa turma definimos funcionário saberá qual é nossa prio- o momento atual e o que faltava
uma visão ambiciosa do negócio: ser ridade e aonde queremos chegar. Isso para chegarmos aonde queríamos.
a referência global na venda e na é a base da formação de uma cultura. Juntamos todas essas informações

16 VOCÊ RH dez 2019/jan 2020 f o t o : a l e x a n d r e b at t i b u g l i


construir junto
é sempre melhor
do que fazer
individualmente“
boletim olhar do presidente

sobre o que estava funcionando Você passou por setores muito


e o que não estava. Depois, um diferentes em sua trajetória.
grupo de dez gerentes de diferentes Precisou adaptar seu estilo de
áreas conduziu dez sessões com liderança a cada segmento?

A liderança
um facilitador para destilar toda O setor não tem muita diferença.
essa informação. Em seguida, Acredito que o papel do líder seja
analisamos o que precisava mudar formar a visão, formatar a cultura
em oito grandes grupos — como
gestão de negócios, infraestrutura
deve ter e alinhar todo mundo no mesmo
sonho. O grande ativo que você
e desenvolvimento de estratégia.
Também percebemos que havia coragem pode construir dentro de uma or-
ganização é um ambiente de con-
coisas sobre as quais as pessoas
não tinham conhecimento. para fiança plena no qual o melhor das
pessoas possa vir à tona para que

determinar
seja possível aproveitar o máximo
Entre os comportamentos que do potencial — e isso é intangível.
vocês mapearam como importantes
para a nova cultura estão a
colaboração, a inovação e qual é Um tema que tem sido muito
discutido nas companhias é o
a abertura para o novo.
Como disseminaram isso
na organização?
o foco” das novas gerações. O que os
jovens estão lhe ensinando?
Nos últimos 24 meses aprendi mui-
A comunicação interna foi impor- to sobre as novas gerações — e não
tante, ainda mais no digital. Hoje, só com a turma da empresa, mas
toda a organização comunica o com meus filhos de 23 e 19 anos.
que está acontecendo: você fica indústria. O que a gente precisava Tenho escutado os jovens para
sabendo sobre planos de traba- era se organizar melhor e definir incorporar uma série de coisas à
lho das áreas e sobre conquistas qual trilha seguiríamos e quais companhia. Neste mundo em trans-
de clientes. Isso faz com que as seriam as prioridades para não ficar formação, muita coisa que não era
­pessoas aprendam a trabalhar, de dando tiro para todos os lados. Não correta está sendo transformada
fato, em equipe. Construir junto houve resistência porque os sonhos pelas novas gerações. Criamos, por
é sempre melhor do que fazer e a visão foram construídos pelo exemplo, um escritório para atender
individualmente. Outro elemento da time. Todo mundo se sente parte. aos anseios das novas gerações,
cultura, que também falamos mui- porque ninguém mais quer traba-
to, é gostar de superar resultados. Quais são as principais competências lhar em salas fechadas. A gente vai
que um líder precisa ter? se adaptando, pois eles criam comi-
Quais foram os desafios para Além da escuta ativa, que é muito tês sem pedir permissão e simples-
engajar os funcionários nes- importante, a liderança deve ter mente vão incluindo as pessoas.
sa nova maneira de pensar? coragem para determinar qual é Hoje é sexta-feira e ninguém decre-
Não fui eu que decidi que quería- o foco. Feito isso, o líder precisa tou que não há dress code, mas o
mos ser referência de empresa de saber organizar os recursos para pessoal chega de camiseta e tênis.
lubrificantes. Essa foi uma conclu- fazer acontecer o que ele quer que As coisas nascem naturalmente,
são da liderança, dos gerentes e aconteça. É necessário ter uma e qual é o problema? Isso deixa as
dos diretores. A empresa já tinha habilidade ímpar de colocar as pessoas mais livres para criar e
uma série de processos e ferra- pessoas certas nos lugares cer- dar o melhor de si mesmas. Essa é
mentas bastante avançados para a tos. Isso é gestão de pessoas. uma geração muito interessante.

18 VOCÊ RH dez 2019/jan 2020


1244050-EXAME NACIONAL-1_1-1.indd 19 11/12/2019 13:55:48
boletim DESAFIO DO RH

Partindo
do zero
Camila Almeida conta como estruturou a diretoria de
gestão de pessoas da Azul Linhas Aéreas, companhia com mais
de 14 000 funcionários espalhados pelo Brasil e exterior

Camila Almeida,
diretora de RH da Azul:
mapeamento de todas as
práticas que a empresa
precisava desenvolver

20 VOCÊ RH dez 2019/jan 2020


A
o receber o convite na empresa”, diz a executiva. Depois empresa foi recrutada do mercado, o
para assumir a ela mapeou as ações da companhia, que acendeu o alerta da nova diretora:
diretoria de recursos com o objetivo de compreender o que era preciso desenvolver as lideran-
humanos da Azul precisava ser feito e o que poderia ser ças desde cedo. Um dos caminhos
Linhas Aéreas aproveitado. “Nós tínhamos muitas para isso passa pelo recrutamento
em 2019, Camila práticas que precisavam apenas ser de jovens potenciais. Assim, a Azul
Almeida, de 40 anos, aprimoradas”, afirma. Para ajudá- lançou, em setembro de 2019, seu
sabia que seria um -la nessa tarefa, ela conversou com primeiro programa de trainee, que foi
desafio e tanto — os gestores, que deram sugestões um sucesso: mais de 30 000 pessoas se
mesmo para alguém por meio de reuniões e workshops. inscreveram para apenas oito vagas.
com empresas como Um dos grandes problemas era o “Procuramos profissionais que tenham
Ambev e Coca-Cola no currículo. Isso processo de avaliação, que precisava vontade de crescer com a Azul. Quero
porque, mesmo uma década depois de ser redesenhado para se tornar mais ver gerentes, coordenadores, diretores
ser fundada, a companhia aérea não assertivo. “O foco é identificar os e vice-presidentes que começaram
tinha um RH estratégico para cuidar talentos em potencial da companhia. como trainees e estagiários”, explica.
de seus mais de 14 000 funcionários. E nada melhor do que os gerentes e Para tornar a área ainda mais
“O departamento era burocrático, os diretores apontarem os valores estratégica, Camila aposta também
voltado apenas para a folha de e as competências-chaves”, diz. em ações de people analytics. Há
pagamentos”, afirma. Engenheira A formação de sucessores também seis meses, ela montou uma equipe
de formação, a mineira abraçou a foi um ponto de atenção. Atualmen- de business intelligence, com três
missão de estruturar a diretoria do te, a maior parte dos executivos da especialistas no assunto. “O objetivo
zero e preparar a empresa para as é estudar, com base em métricas, as
próximas gerações. “Um dos maio- possibilidades de projetos e me-
res problemas era a ausência do lhorias.” Analisar esses dados pode
plano de sucessão, o que impediria ajudar em outro grande desafio da
a companhia de ter um crescimen- companhia: a capilaridade. A Azul está
to sustentável”, afirma Camila. presente em 105 aeroportos do Brasil
e em dez no exterior. Comissários,
O desafio
O primeiro passo de Camila foi criar
Quero ver atendentes e pilotos têm rotinas e
demandas diferentes de quem traba-
uma diretoria de recursos humanos
na Azul — hoje com 90 pessoas. Até diretores e lha no escritório. “São públicos muito
diversos, com outros problemas e
então, o departamento ficava embaixo
de um setor denominado “serviços ao vice-presidentes ritmos. É um esforço para personalizar
a gestão”, afirma. Em uma tentativa de
cliente e RH”, que também acumulava
o gerenciamento da infraestrutura, do que começaram chegar a todos os funcionários, a área
de recursos humanos tem realizado
call center e das escalas e deman-
das dos comissários de bordo e dos como trainees visitas frequentes às unidades da
empresa, que, além dos aeroportos,

e estagiários
pilotos. “Queríamos trazer mais pro- se dividem em call centers, hangares
tagonismo para a gestão de pessoas e oficinas. Marina Verenicz*

foto: L ea n dro Fonseca *E s tag i á r i a s o b s u p e r v i s ão d E El i s a T o z z i dez 2019/jan 2020 VOCÊ RH 21


Gestão
Dossiê

geração
Z
Daqui a apenas três anos, os jovens
nascidos em meados dos anos 90 serão
10% da força de trabalho global. Mais
preocupados com questões socioambientais
e ávidos por propósito, esses profissionais
já começam a transformar a gestão de
pessoas das empresas brasileiras

Caroline Marino

i lu s t r aç õ e s : dav i au g u s t o dez 2019/jan 2020 VOCÊ RH 23


Gestão

ração Y, que trouxe várias mudan- alto. Mas isso não é suficiente para
ças ao mundo dos negócios, como esses jovens. “Eles são seletivos
a necessidade de mais equilíbrio e críticos. Se perceberem, por
entre vida pessoal e profissional, exemplo, que a companhia não
uma nova leva de profissionais tem um programa de diversidade
começa a entrar nas companhias ou que não terão tempo de ficar
e promete mexer ainda mais com com a família e com os amigos,
as políticas de gestão de pessoas. vão buscar outra empresa”, diz.
Trata-se da geração Z, formada Jonah Stillman, de 20 anos,
por jovens nascidos entre 1995 especialista na geração Z e co-
e 2010 que, segundo projeção da autor do livro Gen Z @ Work:
consultoria McKinsey, serão 10% How the Next Generation Is
da força de trabalho até 2022. De Transforming the Workplace
maneira geral, eles são mais cons- (“Geração Z no trabalho: como
cientes de seu papel social, preo- essa geração está transformando
cupados com questões como diver- o ambiente de trabalho”, numa
sidade, inclusão e meio ambiente tradução livre), reforça que os
e mais pragmáticos do que os Y, profissionais Z gostam de um bom
ou millennials, a geração que salário, mas questões climáticas
os antecedeu (veja diferenças e sociais fazem parte das ex-
or muitos anos o mundo do tra- no quadro da pág. 34). “Esses pectativas. “É como se fosse um
balho foi desenhado por caixi- jovens vão mudar completamente pré-requisito; não é algo que uma
nhas bem definidas: cargos e a forma como as empresas atuam empresa poderia fazer, é algo que
funções estruturados de cima e lidam com o capital humano, toda empresa deve fazer”, diz.
para baixo, ambientes separa- pois se trata da geração do ser,
dos hierarquicamente, líderes e não do ter”, diz Cristina Kerr, Contexto social
fechados em salas, áreas com presidente da CKZ Diversidade Essas características são refle-
atuação independente e gestão e professora na Fundação Dom xos do contexto em que esses
por comando e controle. Com a Cabral. De acordo com ela, antes jovens nasceram. De acordo com
ascensão da tecnologia e com a as companhias conseguiam atrair outra pesquisa realizada pela
entrada de novas gerações no e manter talentos com a oferta McKinsey com 2 321 pessoas de
mercado, esse desenho começou de benefícios como carro, plano 14 a 64 anos, além de totalmente
a perder o sentido. Depois da ge- de saúde de alto padrão e salário inserida no mundo digital essa

24 VOCÊ RH dez 2019/jan 2020


T r ês fat or es de at enç ão
R a f ael S ou t o , pr e siden t e da P r odu t i v e , c onsul t or ia de planejamen t o e
t r ansiç ão de c ar r eir a , elenc a o s pr incipais pon t o s no s quais o R H de v e
pr e s t ar a a t enç ão quando s e t r a t a de ger aç ão Z

P r epa r a r R e v er a s Ou v ir o
os l íder e s p r át ic a s p e s so a l
O primeiro passo é fazer um A área de recursos humanos Se existe algo fundamental e
mapeamento do comportamento deve olhar para todas simples de fazer é criar canais
dos líderes: eles conhecem os as ações da companhia para escutar as pessoas. As
interesses da equipe?, conversam para checar se favorecem companhias precisam saber
frequentemente sobre carreira?, trabalhos por projetos e com o que os funcionários querem,
sabem delegar e possibilitam o equipes multidisciplinares, como veem a empresa e
protagonismo dos funcionários? movimentação de área, seu futuro. Isso é crucial
Se a gestão for baseada em protagonismo e autonomia. para estabelecer práticas
comando e controle, a área deve Se a estrutura for muito rígida, condizentes com os anseios
trabalhar para a mudança de o recomendado é iniciar projetos dos jovens. Estipular rodas
mindset, o que pode ser feito com pilotos com mais flexibilidade e de conversa envolvendo
treinamentos comportamentais, ir testando aos poucos. O uso de áreas e cargos diferentes
mentoria e coaching. metodologias ágeis pode ajudar. é uma ação interessante.

geração cresceu em um momento maioria deles acredita que ter formal e já estão no mercado de
de estresse econômico mundial, estabilidade no trabalho é mais trabalho — em período integral,
testemunhou conflitos globais importante do que ganhar dinhei- meio período ou como freelancer.
e viu o Brasil passar pela maior ro e está consciente da necessi- Ou seja, essa moçada está longe
recessão da história. Por isso, os dade de poupar para o futuro. O do estereótipo de que os jovens
Z são menos idealistas do que os estudo mostra, ainda, que 42% não querem nada com nada.
millennials. No levantamento das pessoas de 17 a 23 anos se Diante desse cenário, o RH
da McKinsey, por exemplo, a preocupam em ter um emprego precisa, desde já, criar um bom

dez 2019/jan 2020 VOCÊ RH 25


Gestão

ambiente para os Z. “É preciso


ter um propósito claro para retê-
-los”, diz Fernanda Mayol, sócia da
consultoria McKinsey. Mas essa
razão de ser deve estar alinhada
com suas necessidades pes­­so­ais.­
“Esses jovens olham o mundo e
o trabalho do ponto de vista do
lifestyle”, afirma Danilca Galdini,
diretora de pesquisa da Cia de
Talentos. Isso não quer dizer só
festa e diversão. Significa manter
atitudes, valores, preferências e
hábitos em tudo o que faz, inclu-
“ E s se s jo v e ns
sive no trabalho. “Vida pessoal
e trabalho são percebidos sob a
vã o mud a r
mesma óptica e isso vai permear comp l e ta me n t e
a decisão dos jovens de ficar ou
sair da empresa”, diz Danilca. a f or m a como a s
De maneira geral, são pro-
fissionais que pensam mais no e mp r e s a s at u a m
coletivo e fogem de rótulos. “Esse
jovem acredita que pode atuar
e l id a m com o
em diversas atividades. Rotulá-
-lo é como colocar uma borda
c a p i ta l hum a no ,
fixa em que ele não pode ser p ois se t r ata d a Rafaela Mengui,
gerente de pessoas
outra coisa.” Diferentemente das da Acesso Digital:
outras gerações, que podiam ser ger a ç ã o do ser , o processo seletivo
é feito de modo que
separadas por “tribos”, a Z preza
pela diversidade. O “nós” é maior
e n ã o do t er ” os jovens conheçam
bem a empresa
do que o “eu”. “Eles querem ir por Cristina Kerr, presidente da
inteiro às organizações. Não há CKZ Diversidade e professora na
Fundação Dom Cabral
a possibilidade, por exemplo, de
não assumir a homossexualidade
se for LGBTI+ ou de conviver com especialista global das gerações se encaixará exatamente na
piadas e comentários preconcei- X, Y e Z, o mais importante é descrição de seu signo. O mes-
tuosos no dia a dia”, diz Ricar- treinar o olhar para identificar mo acontece com as gerações.
do Sales, sócio da consultoria as diferenças. “Apesar de as Por isso, a palavra-chave é
Mais Diversidade e pesquisador separações de gerações serem personalização. “Geração não
na Universidade de São Paulo. úteis, no final do dia estamos é uma sentença de vida”, diz
falando de pessoas”, diz. Ela Ricardo. Segundo ele, indepen-
O fator personalização exemplifica com a astrologia: dentemente de quando nascemos,
Não basta implementar práticas você pode se identificar com podemos sempre aprender e
com base em estereó­tipos. De uma ou duas características de mudar comportamentos. Assim,
acordo com Alexis Abramson, Sagitário ou Leão, mas nunca é importante que as organiza-

26 VOCÊ RH dez 2019/jan 2020


Falta muit o
Pesquisa da Fundação Estudar e da consultoria a.Karta feita com 1 051 pessoas
levantou quais são os desejos da geração Z

O que mais valorizam na empresa O que esperam de um gestor

97% 96% 95% 94% 98% 97% 96%


Transparência Treinamento Propósito Respeito à Orientação Feedbacks Relações de
de informações e mentoria alinhado àquilo diversidade e ajuda bem aplicados confiança e
em que acreditam e diálogos colaboração

f o t o : A l e x a n d r e B at t i b u g l i dez 2019/jan 2020 VOCÊ RH 27


Gestão

“ O R H de v e e n t e nder que a f or ç a de
t r a b a l ho é di v er s a e que , c a d a v e z
m a is , h av e r á p úbl icos , se gme n t os e
ne ce s sid a de s dif e r e n t e s . O gr a nde
de s a f io d a á r e a é que a m a ior i a v eio
de um a er a mui t o indus t r i a l”
Christiane Berlinck, diretora de RH da IBM

ções revejam estereótipos re- cam no ambiente de trabalho e


lacionados a todas as gerações, que experiência desejam, como
como “o jovem não quer nada diá­logos abertos, pesquisas de
com nada” ou “os mais velhos satisfação e análise de dados. Por
têm dificuldade com tecnologia”. meio dessas conversas, algumas
Mas compreender o que os práticas surgiram. Uma delas é
Z — e outros grupos diversos o Summer Time, que permite
— querem é até simples: basta aos empregados sair mais cedo
perguntar a eles. Foi o que fez a às sextas-feiras durante todo o
IBM. “O RH deve entender que a verão. Outra é a nova política
força de trabalho é diversa e que, de dress code. Desde 2017, os
cada vez mais, haverá públicos, profissionais podem ir de tênis
segmentos e necessidades dife- e jeans, por exemplo. A opção
rentes. O grande desafio da área de flexibilidade já existia em
é que a maioria veio de uma era outros países em que a IBM tem
muito industrial, em que todas as escritório, principalmente no
políticas e as práticas eram volta- Hemisfério Norte, e por causa
das para uma solução para todos”, de uma demanda interna o RH
diz Christiane Berlinck, diretora adaptou-a para trazê-la ao Bra-
de RH da IBM. Ela explica que sil. “Os jovens gravaram vídeos­
a empresa aposta em alguns explicando por que queriam
pilares para entender quais são vir de bermuda e a criação da
os diversos grupos, o que bus- ação foi colaborativa”, afirma.

28 VOCÊ RH dez 2019/jan 2020 f o t o : O m a r Pa i x ão


A era da experiência
De acordo com a segunda edição
da pesquisa global de expe­riência
do empregado, feita pela Kincen-
tric com mais de 1 300 profissio-
nais de RH de 43 países, incluindo
o Brasil, criar uma boa experiên­cia
para o funcionário, aquela que
atrai e mantém o engajamento
alto é essencial para as compa-
nhias. E os jovens parecem valo-
rizar ainda mais essa tendência.
A Acesso Digital, que já nasceu
em um ambiente dominado pela
tecnologia, preocupa-se muito
com a jornada de seu quadro de
230 pessoas — composto de 64%
de funcionários da geração Z. Por
lá, existem pet day, espaço de
descompressão, com videogame e
mesa de pingue-pongue, e progra-
mas de reconhecimento. E a cria-
ção de uma boa experiên­cia co-
meça no recrutamento e seleção.
Além da entrevista formal, o can-
didato passa, na última etapa, pelo
Comitê Cultural, formado por dez
pessoas, como diretores, gerentes
e, às vezes, o próprio presidente.
Segundo Rafaela Mengui, gerente
de pessoas da Acesso Digital, a
ideia é que os dois lados se conhe-
çam melhor. Trata-se de uma via
de mão dupla. Ao mesmo tempo
que a empresa quer conhecer o
profissional além de suas compe-
tências técnicas — do que gosta,
que impacto quer gerar e quais
são seus valores —, o candidato
de hoje também quer saber mais
Christiane Berlinck,
sobre a empresa. “As pessoas têm
diretora de RH da IBM:
um poder de seleção muito gran-
por influência dos
mais novos, o dress de. Não é mais apenas a compa-
code foi eliminado nhia que escolhe”, afirma Rafaela.
na companhia Para atrair os Z, a IBM também
apostou na experiência. Em ou-

dez 2019/jan 2020 VOCÊ RH 29


Gestão

Daniela Cardim,
gerente de talent
acquisition da Schneider
Electric América do
Sul: a alta liderança
recebe mentoria
reversa da garotada

tubro deste ano, instalou um bar compartilhassem suas histórias um menu com características pro-
cenográfico no campus da Escola de carreira na empresa, explicas- fissionais e pessoais dos funcioná-
Politécnica da Universidade de sem como funciona o universo da rios da IBM que estavam lá, como
São Paulo e convidou os alunos tecnologia e como inteligência “hacker ético”, “cantor de rock” e
para um blind date com funcioná- artificial, blockchain e cloud estão “expert em IA”. Ao escolher os ad-
rios da IBM. Segundo Christiane, transformando as profissões. Ao jetivos com os quais se identifica-
a ideia era que profissionais de chegar ao espaço, os universitários va, cada estudante dava um match
diferentes idades, áreas e perfis encontraram um tablet mostrando e o primeiro encontro acontecia.

30 VOCÊ RH dez 2019/jan 2020


“ V id a p e s so a l
e t r a b a l ho
s ã o percebidos
sob a mesm a
óp tica e isso
va i p er me a r
a de cis ã o dos
jo v e ns de f ic a r
ou de s a ir
d a e mp r e s a”
Danilca Galdini, diretora de pesquisa
da Cia de Talentos

Inclusão é a palavra a grupos diferentes (ante 45% Na Oracle, que possui 8% da


de ordem das outras gerações), bem como força de trabalho com até 25 anos
De acordo com a pesquisa da movimentar-se entre eles. Fre- (num total de 6 500 empregados),
McKinsey, a geração Z é inclu- quentemente circulam por di- a aposta é alta na diversidade.
siva. Ela não faz distinção entre ferentes comunidades, depen- “A tendência sempre foi buscar
amigos, lugares e o mundo on- dendo das causas que desejam pessoas com determinado perfil
line ou offline: 52% dos jovens defender, e utilizam a tecno- e de universidades específicas.
consideram natural pertencer logia para que isso aconteça. Mas percebemos que a princi-

foto: Rogér io A l buqu erqu e dez 2019/jan 2020 VOCÊ RH 31


Gestão

pal característica para atuar na


empresa, atualmente, é a ade-
rência a valores como inovação,
compromisso com o cliente e
inclusão”, explica Alberto Brisola,
diretor de RH da Oracle América
Latina. Diante disso, a área, ao
lado de um time multidisciplinar
de executivos que chegaram à
empresa como estagiários ou
trainees, criou, em março des-
te ano, um programa de sele-
ção com entrevistas às cegas.
Batizado de Generation Oracle,
o projeto não foi orientado por
critérios tradicionais, como idade,
habilidades técnicas e fluência
em línguas, sendo necessário
apenas conhecimento básico
de inglês, e foi aberto para to-
das as idades. Os 7 000 inscritos
mandaram vídeos, cuja imagem
foi borrada e o áudio alterado,
falando sobre o que desejam e
como a TI impacta o mundo. A
ideia foi eliminar todo tipo de
preconceito relacionado à idade,
à origem e à formação. Depois
disso, os pré-selecionados pas-
saram por entrevistas às cegas,
com o uso de tecnologias como
inteligência artificial e chatbots.
“O grupo selecionado, formado
por estagiários de 18 a 40 anos,
foi escolhido não pela parte téc-
nica nem pela formação, e sim
pela aderência a nossos valores”,
diz Daniele Botaro, gerente de di-
versidade e inclusão da empresa.
Alberto Brisola,
Preparo da liderança diretor de RH (ao centro),
e Daniele Botaro
Um dos segredos para ter uma
(à dir., de preto), líder
empresa atraente e cujo ambien- de diversidade e inclusão
te seja bom para trabalhar para da Oracle: recrutamento
todas as gerações é o preparo de estagiários às cegas
da liderança. Os chefes preci-

32 VOCÊ RH dez 2019/jan 2020


“percebemos que a principal
car acterística par a atuar na
empresa atualmente é a aderência
a valores como inovação, inclusão
e compromisso com o cliente”
Alberto Brisola, diretor de RH da Oracle América Latina

sam saber gerenciar os anseios as conversas aconteceram online


e as diferenças de cada grupo. ou presencialmente”, diz. Mas,
Pensando especificamente segundo ela, para que o projeto dê
nos jovens, a Schneider Electric resultados é preciso gerenciamen-
criou, em 2018, um projeto pilo- to. A empresa acompanha todas as
to de mentoria reversa, no qual ações — admissão, turnover, en-
profissionais da geração Z ou Y gajamento — da força de trabalho
são mentores de executivos da por recortes, como o geracional.
geração X e da baby-boomer. “A mentoria [reversa ou tradi-
“Selecionamos dez jovens com cional] é um mecanismo impor-
base na avaliação de performance tante porque ajuda a superar as
para mentorar CEOs e vice-presi- diferenças”, diz a especialista em
dentes das unidades da empresa gerações Alexis. Afinal, nesses
no mundo todo”, explica Daniela momentos os mais jovens podem
Cardim, gerente de talent acqui- ensinar algo aos mais velhos; e os
sition e mobility da Schneider mais velhos, algo aos mais jovens.
Electric América do Sul. Foram Longe de estereótipos e práticas
os próprios jovens que criaram a prontas, o essencial é entender, a
pauta dos encontros, com temas fundo, o público de cada empresa.
como expectativas da liderança, E, claro, estar aberto ao novo,
ferramentas digitais e cultura pois tudo muda o tempo todo.
disruptiva. “Foi feito um match Em breve outra geração vai bater
entre os jovens e os executivos, e à porta das companhias.

f o t o : R o g é r i o A l b u q u er q u e dez 2019/jan 2020 VOCÊ RH 33


Gestão

R aio X da s ger ações


Conheça as par t icular idades de di f er en t es g r upos e t ár ios

B a b y-Boomer Ger a ç ã o X
Nascidos entre 1940 e 1959 Nascidos entre 1960 e 1979

Contex to Comportamento Contex to Comportamento


• Pós-guerra • Idealistas • Transição política • Materialistas
• Ditadura • Revolucionários • Hegemonia do capitalismo • Competitivos
• Repressão • Coletivos • Meritocracia • Individualistas

Principais car acterísticas Principais car acterísticas


• C asamento, filhos e aquisição de bens, • Querem estabilidade profissional e pessoal
(como casa e carro), são muito importantes • Boa parcela é composta de idealistas que
• Desejam Emprego estável para prover sonham em empreender ou mudar de profissão
o melhor para a família para alcançar a realização
• C arreira consolidada é sinônimo de trabalhar • Muitos têm insegurança em perder o emprego
por décadas em uma mesma empresa • Buscam a individualidade, sem deixar de
• Plano de carreira e ascensão hierárquica lado a convivência em grupo
são valorizados • A hierarquia ainda é importante, mas tratam
• a Gestão é marcada por comando e controle isso com menos rigidez
• O tempo dedicado à função vale mais do que • Para eles, a comunidade é formada por pessoas
criatividade, inovação e capacidade de empreender com a mesma origem econômica ou educacional

34 VOCÊ RH dez 2019/jan 2020


Y ou Mil l e ni a l s Ger a ç ã o Z
Nascidos entre 1980 e 1994 Nascidos entre 1995 e 2010

Contex to Comportamento Contex to Comportamento


• Globalização • Abstratos • Mobilidade e • Sem definições
• Estabilidade Econômica • Questionadores múltiplas realidades nem estereótipos
• Internet • Globais • Redes sociais • Diálogo aberto
• Nativos digitais • Realistas

Principais car acterísticas Principais car acterísticas


• A carreira é vista em capítulos de dois ou três anos • Deixam de lado as diferenças e se mobilizam em torno de causas
• Apesar de se preocuparem com o salário, em que acreditam. São inclusivos e avessos a preconceitos
consideram outras coisas mais importantes, • São superconectados e aficionados por redes sociais
como qualidade de vida e flexibilidade • Têm dificuldade de lidar com hierarquias e são colaborativos
• São imediatistas. Querem rápido desenvolvimento • A maioria cresceu achando que pode tudo e,
e recompensas antecipadas por isso, não sabe esperar
• Cresceram em meio à ascensão tecnológica, • Acostumados com as curtidas e com os comentários
o que permitiu um raciocínio mais rápido imediatos das redes sociais, têm necessidade de feedback
• Mais avessos à hierarquia, têm facilidade constante, muitas vezes a cada atividade executada
para trabalhar em grupo • Não se apegam a instituições nem a cargos e querem
• Valorizam o feedback, a troca de conhecimento e a autonomia variedade de experiências

F o n t e: M c k i n s e y (c o n t e x t o e c o m p o r ta m e n t o s) e e s p e c i a l i s ta s o u v i d o s n e s ta r e p o r tag e m ( p r i n c i pa i s c a r ac t e r í s t i c a s)

i lu s t r aç õ e s : dav i au g u s t o dez 2019/jan 2020 VOCÊ RH 35


Saúde

O câncer e o trabalho
A doença está crescendo no Brasil e os sobreviventes enfrentam
um grande desafio: a manutenção da carreira. Para isso, é preciso
mais esforço das empresas e das lideranças J u l i a n a A m é r ic o

36 VOCÊ RH dez 2019/jan 2020


E
m outubro, o câncer Mesmo sendo uma doença al- trointestinal (49%) e no aparelho
virou assunto do no- tamente fatal, o avanço da me- reprodutor feminino (49%), uma
ticiário após o pre- dicina tem aumentado o número vez que o tratamento tende a ser
feito de São Paulo, de sobreviventes. De 2010 a 2014, mais rigoroso e extenso. No Brasil
Bruno Covas (PSDB), por exemplo, a média de cura não existe uma pesquisa desse ti-
ter sido diagnostica- para o câncer de próstata foi de po, e nossa legislação também não
do com um tumor na 92%; para o de mama, de 75%; e garante estabilidade de emprego
região do estômago. para o de colo de útero, de 60%. para pacientes com câncer. Há o
Mesmo durante a in- E muitos desses pacientes que se Projeto de Lei no 8.057/2017, do
ternação e as sessões curam enfrentam um desafio que senador Eduardo Amorim (PSDB-
de quimioterapia, o vai além da saúde: a permanência -SE), que estabelece estabilidade
político optou por manter a rotina no mercado de trabalho durante de no mínimo um ano, mas está
profissional, participando de reu- e depois do tratamento — por- parado na Câmara dos Deputados.
niões e despachando do hospital. que, diferentemente de Covas,
Lidar com essa doença no mercado isso nem sempre é fácil. Falta apoio
de trabalho já é uma realidade no Uma metanálise realizada Muitas companhias, por outro
Brasil — e no mundo. em 2017 pelo Coronel Institu- lado, ainda não estão preparadas
Em 2018, o câncer foi a segun- te of O
­ ccupational Health, em para ajudar funcionários que te-
da principal doença causadora Amsterdã, na Holanda, com 36 nham doenças graves. O levanta-
de mortes no planeta, perdendo estudos e mais de 20 000 so- mento “Como as empresas lidam
apenas para os problemas car- breviventes do câncer, mostra com o câncer?”, realizado no ano
diovasculares. Segundo dados da que 34% dos pacientes curados passado pela Associação Brasilei-
Organização Mundial da Saúde não conseguem se recolocar ra de Recursos Humanos (ABRH),
(OMS), 9,6 milhões de pessoas por causa de sequelas físi­cas e em parceria com o movimento sem
morreram por causa desse mal. emocionais. Comparado com os fins lucrativos Go All, indica que,
No Brasil, a situação também é 157 ­603 participantes saudáveis do ponto de vista dos gestores, as
preocupante. No biênio 2018-2019 do grupo de controle, os enfermos preocupações mais comuns são a
surgiram 600 000 novos casos no corriam 1,37 vez mais riscos de de- dificuldade de oferecer apoio ao
país, segundo o Instituto Nacional semprego. Além disso, as taxas de funcionário enfermo (68%) e a
de Câncer (Inca), que também desocupação aumentam em casos reintegração do sobrevivente de
estima que, em dez anos, a neo- de câncer de mama (36%), gas- câncer ao local de trabalho (35%).
plasia poderá se tornar a principal
causa de mortes por aqui. Segun-
do o Observatório de Oncologia,
plataforma de análise de dados
criada pela Associação Brasileira
de Leucemia e Linfoma (Abrale),
os óbitos causados por tumores
o fantasma do desemprego
Veja a taxa de desocupação entre quem possui algum tipo de tumor
vão superar as doenças cardio- Profissionais
vasculares em 2029, com uma Doença desempregados
taxa de 115 mortes por 100 000 Tumor em geral
habitantes, ante a atual de 113 34%
Câncer de mama
por 100 000 habitantes. 36%
Câncer gastrointestinal
Daniela Grelin, diretora do
49%
Instituto Avon: assistente social Câncer no aparelho reprodutor feminino
na equipe de RH para acolher 49%
mulheres com câncer de mama F o n t e : C o r o n e l I n s t i t u t e o f Occ u pa t i o n a l H e a lt h

f o t o : omar pai x ão dez 2019/jan 2020 VOCÊ RH 37


Saúde

Embora 58% das empresas te- A importância


nham campanhas de prevenção ao da ocupação
câncer e divulguem informações Para quem está em tratamento,
sobre a doença, as práticas tendem ter o amparo da empregadora é
a ser genéricas e desarticuladas, algo fundamental. “No processo
tanto que só 9% têm ações estru- de adoecimento há uma quebra de
turadas de prevenção, acompanha- rotina. Quando esse paciente volta
mento e tratamento. Entre os 20% para o dia a dia, tem a sensação
que de fato possuem programas de controle e de continuidade”,
na área de saúde, a oferta se con- diz Julia Schmidt Maso, psicóloga
centra em serviços não diretamen- do Hospital Sírio-Libanês. “Além
te relacionados ao câncer, como disso, a doença pode deixar a
check-ups (73%) e educação para pessoa com a aparência frágil,
a saúde (72%). “A incidência de ao contrário do que ela quer mos-
câncer cresce, mas as atividades trar no trabalho. Quanto mais
preventivas e de retenção não au- a empresa tiver um olhar para
mentam na mesma proporção”, diz o funcionário, mais produtivo,
Marina Miragaia, diretora médica contente e satisfeito ele estará.”
da Saúde Concierge, companhia Outro motivo para que os pa-
de gerenciamento de saúde. “A cientes precisem do emprego é o
empresa é corresponsável pela custo financeiro de uma doença
saúde do empregado.” como essa, que demanda alto

Benefícios garantidos
Embora a Câmara dos Deputados ainda esteja analisando o projeto de lei que garante a estabilidade
dos trabalhadores com câncer, a legislação já estabelece alguns benefícios. Veja quais são:

Tratamento Auxílio-doença ria por invalidez. Aqueles


que necessitam de cuidados
Sigilo médico
A Lei Federal n o 12.732/12 Todos os celetistas que permanentes ainda têm O trabalhador que está
determina que os tenham uma incapaci- direito a um acréscimo de fazendo ou que já finali-
pacientes com câncer dade temporária para o zou o tratamento onco-
25% no valor do benefício.
podem realizar o trabalho por mais de 15 lógico não é obrigado a
tratamento completo dias têm direito a receber divulgar sua condição de
pelo Sistema Único de auxílio-doença. Nesse caso, Reabilitação saúde para o empregador
Saúde (SUS) e iniciá-lo é necessário passar pela
perícia médica do Instituto
profissional nem a falar sobre isso
em, no máximo, 60 dias
A Previdência Social em processos seletivos.
após o diagnóstico. A Nacional de Seguro Social
empresa não pode impedir (INSS). os empregados oferece aos segurados
incapacitados meios
o funcionário de pedir com diagnóstico de câncer
de reeducação
Inclusão
licença para isso. não precisam cumprir
o período de carência de ou readaptação Os profissionais que pre-
12 contribuições mensais. profissional, como cisaram retirar alguma
FGTS próteses, órteses, taxas parte do corpo em conse-
Os trabalhadores com de inscrição em cursos quência do câncer e que
neoplasia maligna
Aposentadoria profissionalizantes, ficaram com mobilidade
podem sacar o Fundo de por invalidez instrumentos de trabalho, ou sentidos comprometi-
Garantia do Tempo de Em alguns casos, o traba- implementos profissionais, dos estão enquadrados
Serviço (FGTS), assim como lhador pode entrar com auxílio-transporte e na lei de contratação de
o benefício do PIS/Pasep. um pedido de aposentado- auxílio-alimentação. pessoas com deficiência.

38 VOCÊ RH dez 2019/jan 2020


Elaine Molina,
diretora de saúde
ocupacional
da Unilever:
treinamentos
para líderes
e 0800 para
auxiliar quem
tem câncer

O que faz
investimento. Tanto que a renda esse valor da maneira que achar
de quem adoece costuma cair. melhor, sem precisar prestar

a diferença
De acordo com uma pesquisa contas para a empresa”, afirma
rea­l izada pelo Instituto Pro- José Ricardo Amaro, diretor de
vokers, a pedido da farmacêutica recursos humanos da companhia. Atitudes que as empresas
­P fizer, os ganhos de mulheres A multinacional francesa empre- adotam para ajudar
que enfrentaram o câncer de ga 2 000 pessoas no Brasil e, no empregados com a doença
mama ­d iminuíram 38% entre ano passado, registrou dez casos
as usuárias da rede pública de de funcionários com câncer. Fle xibilização das
condições de trabalho
saúde. Entre as pacientes de rede Além do auxílio financeiro, a
60%
privada a queda foi de 15%. Edenred oferece apoio psicológi- Cobertura ampliada
Para minimizar essa preocu- co 24 horas por meio da central do pl ano de saúde
pação com as finanças, a Eden- Conte Comigo; enfermeira no 46%
red Brasil, detentora da marca escritório dedicada a ajudar na Treinamento para preparar
Ticket, oferece um seguro de intermediação entre o plano de gestores para lidar com casos
de câncer na equipe
35 000 reais a todos os funcioná- saúde e o hospital para agilizar o
42%
rios que são diagnosticados com tratamento; e ambulatório para
Serviço de aconselhamento
câncer. “Há muitos gastos com exames de rotina e campanhas específico ao funcionário
medicamentos e tratamentos de prevenção. Se um funcioná- 41%
que não são cobertos pelo plano rio acionar o RH para avisar que
F o n t e : A B R H e G o A l l — o s e n t r e v i s ta d o s
de saúde. A pessoa pode usar está doente, o protocolo é o mais p o d i a m e s c o l h e r m a i s d e u m a a lt e r n a t i va

foto: L ea n dro Fonseca dez 2019/jan 2020 VOCÊ RH 39


Saúde

discreto possível em respeito ao


direito ao sigilo médico e para
que a relação com os colegas não
seja afetada. “Quando a pessoa
autoriza divulgar a situação,
a gente orienta o gestor sobre
manter um relacionamento mais
próximo, passar segurança em
relação à estabilidade profissional
e rever as demandas do dia a dia”,
explica José Ricardo.
A revisão das tarefas e da ro-
tina de quem está com câncer,
aliás, é essencial. Na pesquisa da
ABRH, quase 60% dos responden-
tes acreditam que a flexibilização
nas condições de trabalho é a
iniciativa mais importante para
quem enfrenta a doença. “Tem
de se perguntar o que a empresa
pode fazer para facilitar a vida
desse funcionário. É possível
negociar home office, jornada
flexível, retorno mais lento às ati-
vidades, e oferecer alternativas de
deslocamento e acompanhamento
psicológico”, afirma Ado de Castro
Bechelli, médico da equipe da
consultoria Willis Towers Watson.

Sensibilizando José Ricardo Amaro, diretor de RH da


Edenred Brasil: seguro de 35 000 reais
a liderança para os diagnosticados com câncer
Na pesquisa da ABRH há um dado
que chama a atenção: 42% das
organizações orientam os gestores 4 horas e outro presencial, que Programa Crescer, um projeto
para lidar com casos de câncer acontece a cada dois anos, além de apoio psicológico, jurídico,
em suas equipes. A Unilever faz de um processo de comunicação financeiro e de assistência so-
parte desse percentual. A compa- permanente com os líderes”, diz cial disponível gratuitamente
nhia realiza treinamentos com a Elaine Molina, diretora de saúde para os funcionários. “Por meio
liderança sobre temas que fogem ocupacional da Unilever. de um 0800 e um aplicativo, os
do âmbito de trabalho — entre A empresa também procura empregados e seus dependentes
eles o câncer. Nos workshops, os investir no apoio psicológico contam com atendimento espe-
chefes aprendem como devem dos empregados doentes. Todos cializado nessas áreas 24 horas
lidar com funcionários doentes aqueles que acionam a equipe de por dia, sete dias por semana,
e entendem a importância do gestão de pessoas para informar e os casos mais complexos são
respeito ao sigilo médico. “Temos sobre o diagnóstico de neopla- encaminhados para atendimento
dois treinamentos, um EAD de sia são encaminhados para o presencial”, diz Elaine.

40 VOCÊ RH dez 2019/jan 2020 f o t o : o mar pa i x ão


Questão global tuto Avon. O tema é abordado em
campanhas internas, no programa
de integração de novos funcioná-
As neoplasias mais comuns no mundo em 2018
rios e em cursos de formação de
liderança. Para incentivar a pre-

2,09 1,28 venção, a Avon leva uma carreta


para os escritórios da empresa
milhões milhão
pulmão de casos Próstata de casos durante a campanha do Outubro
Rosa para que as funcionárias
façam exames de mamografia e
2,09 1,04 ultrassonografia no horário de
milhões milhão expediente. “Na equipe de RH,
Mama de casos Pele não melanoma de casos temos uma assistente social que
acolhe mulheres com câncer de

1,8 1,03 mama que acabaram de receber


o diagnóstico”, diz Daniela. Cabe
milhão Estômago não milhão a essa profissional orientar sobre
Colorretal de casos de casos
melanoma o atendimento psicológico, jurí-
dico e financeiro e encaminhar a

no brasil paciente ao Instituto Avon. Além


disso, a multinacional oferece
Novos diagnósticos de câncer no país em 2018 e 2019 estabilidade profissional durante
o tratamento. Ainda há subsí-
dio de 100% dos medicamentos
que não são previstos pelo SUS,
complemento salarial de seis
Mama Próstata Colorretal pulmão Tireoide meses quando a funcionária está
afastada pelo INSS e isenção da
coparticipação do plano de saúde
85 620 84 992 51 783 34 511 21 470 para consultas e exames.
casos casos casos casos casos O tratamento de câncer cos-
tuma ser longo e complexo, por
isso as empresas — e o RH —
têm um papel tão importante.
Mais acolhimento Como a Avon tem um quadro E fazer isso é benéfico para os
Outra questão delicada para os de empregados e revendedores dois lados, como explica Luciana
profissionais com essa doença é majoritariamente feminino (61% Landeiro, oncologista da equipe
equilibrar a rotina de tratamento dos funcionários são mulheres), do Núcleo de Oncologia da Bahia
com o trabalho. Isso foi citado o câncer de mama é uma doença (NOB), do Grupo Oncoclínicas:
como o maior desafio numa pes- que está em seu radar desde a “O apoio do empregador é o fator
quisa sobre câncer de mama feita década de 60. “Fazemos pesqui- que mais tem impacto na volta
pelo LinkedIn em parceria com a sas com as consultoras e o câncer do paciente ao mercado de tra-
Fundação Laço Rosa. As entrevis- de mama sempre aparece como balho. E, ao mesmo tempo, se
tadas ainda apontaram as questões um tema de interesse. Por isso, a empresa não olha para essa
financeiras e a falta de políticas de investimos em ações de educa- população crescente de pessoas
apoio aos pacientes na empresa ção e conscientização”, afirma com câncer, acaba sofrendo um
como temas que exigem atenção. Daniela Grelin, diretora do Insti- impacto econômico negativo.”

dez 2019/jan 2020 VOCÊ RH 41


Legislação

Guardiões das informações


A Lei Geral de Proteção de dados deve
começar a valer em agosto de 2020 e o RH
precisa ficar atento para as adequações
N ata ly P ugl i e si

A
data de entrada em vigor da Lei Geral de Proteção
de Dados (a famosa LGPD) já está virando a esquina:
agosto de 2020. Algumas empresas ainda estão em
compasso de espera, valendo-se do projeto de lei
apresentado em outubro na Câmara dos Deputados
que pretende postergar a data de início das novas
regras para 2022. Mas especialistas alertam: regula-
mentar a proteção de dados é uma necessidade e uma
jornada sem volta para o país. Portanto, quanto antes
as adequações começarem, melhor.
A LGPD veio para regularizar a coleta, o tratamento, o armaze-
namento e o compartilhamento de dados pessoais de usuários por
empresas públicas ou privadas. O objetivo é garantir a privacidade e
a proteção, assegurando aos titulares o direito e a propriedade do que
é cedido. “A informação se tornou um dos maiores ativos das com-
panhias. Essa discussão começou a ganhar peso lá fora e repercutiu
por aqui. A lei europeia está em vigor há dois anos, e a brasileira é
inspirada nela”, diz Marcelo Furtado, fundador e CEO da Convenia,
empresa que organiza informações de RH em nuvem. Com isso, o
Brasil passou a fazer parte do rol de 100 países que possuem legislação
capaz de proteger a privacidade de dados pessoais em larga escala.

42 VOCÊ RH dez 2019/jan 2020


Uni ã o
de á r e a s
Ainda em 2018, a BRQ, empresa
de soluções digitais com mais
de 2 400 funcionários no país,
montou um Comitê de Risco,
formado por profissionais
das áreas de RH, TI e Jurídico.
Esse grupo ficou encarrega­
do de estudar os impactos
da LGPD para a empresa. Com
encontros quinzenais, o time
acompanha as movimentações
do governo e compartilha os
avanços dos planos de ação
da companhia. Além do mapea­
mento de dados sensíveis, o
pes­soal estruturou um crono­
grama de adequação e preten­
de fazer workshops sobre o
tema em todas as localidades
da companhia (São Paulo, Rio
de Janeiro, Recife e Curitiba).
“As pessoas estão questionan­
do alguns procedimentos de
acordo com as premissas da lei,
o que demonstra que os con­
ceitos já estão sendo interna­
lizados por toda a empresa”,
afirma Danielle Rego, gerente
de Administração de Pessoal.
A BRQ definiu que criará uma
área de Proteção de Dados com
profissionais dedicados a cui­
dar do tema. O atual Gerente
de TI, Alexandre Cunha, será o
responsável. “O planejamento
e a interação entre as áreas
foram imprescindíveis para já
estarmos com o processo bem
avançado”, diz Alexandre.

f o t o : A n d r é Va l e n t i m dez 2019/jan 2020 VOCÊ RH 43


Legislação

E o RH com isso? um dado, deve-se ter um fim


A área de gestão de pessoas muito específico”, afirma Renato
utiliza dados pessoais em várias Malafaia, advogado especialista

Passo a passo etapas de sua cadeia produtiva,


seja nos processos estratégicos
em direito digital e proteção de
dados pela Daniel Law.
Cinco etapas essenciais
(recrutamento e seleção, ava-
para a área de recursos
liação e desempenho, plano de Cuidado constante
humanos se adequar à LGPD
cargos e salários, treinamentos), Um ganho significativo que a lei

1 Aliados
os setores que mais se
envolvem com a LGPD (RH,
seja nos operacionais (admissão,
cálculo de folha, férias, controle
traz é o combate à discriminação,
por meio da criação do conceito
TI e Jurídico) devem se unir
de jornada, gestão de benefícios de “dados sensíveis”, que são as
para avaliar os riscos e e desligamentos). Além de adotar informações sobre origem racial
montar planos de ação. medidas e processos para cuidar ou étnica, convicções religiosas,
da proteção dessas informações, opiniões políticas, saúde e orien-

2 M a p e am e n t o
Identifique quais são as
informações dos funcionários
o departamento deve garantir
que elas não vazem. Para isso,
tação sexual. Esses registros
passam a ser mais protegidos.
que estão sob responsabilida- precisa criar ferramentas — e “Ao fazer o anúncio de empre-
de da companhia, de que forma desenvolver uma cultura — de go, a companhia precisa adotar
estão armazenadas (meios cuidado com os dados. Outra algumas cautelas. A discrimi-
digitais ou papel) e onde estão
(quais áreas têm acesso).
mudança significativa é o fato nação no processo seletivo pode
de o RH passar a ser obrigado a ser evidenciada quando a vaga

3 D e f i n i ç ão prestar contas sobre os motivos requer injustificadamente algum


As informações necessá- para a utilização de cada infor- desses requisitos”, explica Va-
rias para obrigação legal mação e sobre o tempo que vai léria. É recomendável a revisão
ou execução do contrato de
trabalho devem ser mantidas
mantê-la em seus arquivos. Isso dos contratos com prestadores
e não precisam de consen- porque a lei monitora a utilização de serviços, como operadoras de
timento. As outras têm de indevida de dados. planos de saúde, para que sejam
ser analisadas para definir
Vamos a um exemplo prático. incluídas cláusulas com as obri-
parâmetros como necessidade
dos dados, tempo de arquiva- Caso um candidato não passe em gações definidas na LGPD sobre a
mento, quem pode acessá-los e um processo de seleção, a empre- forma de tratamento e a proteção
quando ocorre a eliminação.
sa deve pedir que o profissional dos dados transferidos.
assine um termo autorizando a As multas pelo não cumpri-

4 Consentimento
As empresas terão de
criar documentos para que
companhia a manter o CV no ban-
co de talentos e informar por qual
mento da LGPD chegam a 2% do
faturamento da empresa, com
empregados e candidatos período o documento ficará arqui- limite de 50 milhões de reais por
indiquem que estão cientes vado. O candidato, é claro, tem infração. O responsável por fisca-
sobre a coleta e o tempo
de utilização dos dados.
o poder de negar. “A LGPD traz lizar essas ações será a Autoridade
princípios que empoderam o cida- Nacional de Proteção de Dados
dão a ter maior clareza de c­ omo (ANPD), cuja formação ainda não
5 E l i m i n aç ão
dados sem justificativa
precisam ser deletados. Infor-
seus dados pessoais são trata-
dos”, diz Valéria Reani R­ odrigues
foi definida pelo governo federal.
“Todas as pessoas também passam
mações de ex-funcionários,
­Garcia, advogada especialista em a exercer uma função fiscalizado-
por exemplo, que não são
necessárias para casos de direito digital e proteção e priva- ra. A empresa tem de fornecer os
processos trabalhistas ou cidade. “A pessoa precisa saber, dados e, se não souber informar, o
que já excederam o prazo para
conforme propõe a lei, qual dado requisitante pode apresentar uma
que isso acontecesse (acima
de dois anos após a data de está sendo utilizado, para que e reclamação e será instaurada uma
demissão) devem ser excluídas. por quem. Portanto, ao coletar investigação”, diz Renato.

44 VOCÊ RH dez 2019/jan 2020


Eng a j a men t o do t ime
Por ter origem sueca, a cionários, na qual explicou
­Getinge, fabricante de mate­ detalhes da lei e pontuou o A qualquer momento os donos
riais e equipamentos hospita­ papel de cada empregado para das informações podem questionar
lares, já estava por dentro o cumprimento da norma. ou solicitar a eliminação dos dados.
das diretrizes de proteção de Até agosto de 2020, a multi­ Para dar conta dessa demanda, a
dados europeia. Por isso, um nacional deverá fazer mais LGPD estipula que toda empresa
ano antes de a lei brasileira duas palestras. “Fortalecer tenha um encarregado de proteção
entrar em vigor, a compa­ essa cultura requer tempo”, de dados, que responderá à direto-
nhia começou a se mobilizar afirma Juliana Martinelli,
ria e terá autonomia para garantir
para a adequação. Um time de diretora de RH na América
o funcionamento da aplicação das
projetos multidisciplinar foi Latina. O trabalho de mapea­
normas. Suas responsabilidades
criado para tocar a missão mento e a adequação já foram
incluem monitorar o uso das infor-
internamente e a primeira concluídos em quase todas as
mações e ter uma interação direta
ação do grupo foi contratar áreas. “Tivemos de fazer uma
um escritório de advoca­ força-tarefa para colher
com a ANPD. “Dependendo do
cia externo especializado as assinaturas do termo de porte da empresa, não é necessário
no tema. Paralelamente, a consentimento de nossos que o profissional seja exclusivo pa-
equipe partiu para sensibi­ colaboradores e, agora, ra essa posição. Mas ele precisa ter
lizar os funcionários sobre adotamos um olhar minucioso um conhecimento mais profundo
a importância da LGPD. Para para as informações também da lei. Dependendo da complexi-
isso, a ­Getinge conduziu uma na entrada de novos funcio­ dade e do tamanho da companhia,
palestra para seus 100 fun­ nários”, explica Juliana. é necessária uma área”, afirma
Marcelo, da Convenia.

f o t o : R o g e r i o A l b u q u e r q u e íc o n e s : T h e N o u n P r o j e c t dez 2019/jan 2020 VOCÊ RH 45


ENTREVISTA

Pensando em inovação, há
diferenças entre os líderes
de grandes empresas e os de

De olho
companhias pequenas?
A inovação será um imperativo para
todas, pequenas ou grandes. Ao
longo desta década, vimos a ascen-
são de companhias que cresceram
rapidamente graças à inovação, e
essa tendência se fortalecerá nos

no futuro
próximos anos. Aqueles que não
investirem nisso não vão sobreviver.
Embora máquinas e algoritmos
tenham um papel cada vez mais
importante nos negócios, a inovação
continua sendo uma capacidade
essencialmente humana. Ou seja,
as organizações precisam investir
Martin Reeves, líder do BCG em seus profissionais e em como
Henderson Institute, explica vão interagir com a tecnologia. É
por que a tecnologia e a necessário desenvolver o talento

inteligência artificial continuarão interno por meio da educação. Isso


hoje é visto como uma responsa-
a ser grandes desafios para bilidade do indivíduo e do Estado,
as empresas nos próximos anos mas vai se tornar cada vez mais
J u l i a n a A m é r ic o uma função das empresas, já que o
aprendizado contínuo será funda-

O
mental para a competitividade.

perfil das organizações e a forma de fazer A inteligência artificial promete


negócio vêm se alterando drasticamente ao mudar completamente o mercado.
longo dos anos — os motivos vão desde os Como lidar com o medo que
avanços da tecnologia até as mudanças no envolve esse avanço tecnológico?
estilo de vida da população global. Martin O crescimento da inteligência
Reeves, líder do BCG Henderson Institute, artificial é algo que está gerando
grupo que se dedica a apoiar e orientar a incertezas. O surgimento da tecno-
inovação no Boston Consulting Group, e autor logia digital força a reinvenção de
do livro Your Strategy Needs a Strategy como os seres humanos poderão
(“Sua estratégia precisa de uma estratégia”, oferecer valor às organizações.
numa tradução livre), afirma que inovação e Pessoas e empresas precisam
diversidade são as chaves para que as empresas vençam adotar novas formas de trabalhar.
a próxima década e alavanquem seu lucro. O executivo As organizações devem criar ciclos
conversou com ­VOCÊ RH durante uma visita ao Brasil. de aprendizado integrados que

46 VOCÊ RH dez 2019/jan 2020 f o t o : g e r m a n o lü d e r s


Os líderes precisam se
concentrar no impacto
de suas empresas
ENTREVISTA

coletem informações dos ecossis- reinventar o modelo organiza- Você acredita que a “uberização do
temas de dados, colham insights cional. A maioria dos negócios trabalho” seja uma tendência global?
continuamente e ajam de acordo atuais — projetados para ter uma O Instituto BCG Henderson conduziu
com essas compreensões de manei- relativa estabilidade — não está uma pesquisa global com trabalha-
ra autônoma, tudo na velocidade adaptada a um ambiente dinâmico. dores e descobriu que, embora a gig
dos algoritmos. Mas não devemos economy tenha sido frequentemente
seguir apenas as escalas de tempo E como o profissional descrita como um fenômeno global
algorítmicas — também preci- deve se preparar para esse e de rápido crescimento, ela ainda
samos entender e nos posicionar mundo tão dinâmico? tem um tamanho relativamente
melhor em relação a movimentos Primeiro, deve estar atualizado so- modesto. O uso de plataformas
lentos, como mudanças sociais e bre a tecnologia e como ela afeta os de compartilhamento de trabalho
políticas, que também transfor- negócios. Além disso, será cada vez como a principal fonte de renda das
mam os negócios. Para isso, os mais difícil permanecer no mesmo pessoas ainda é pequeno, sobretudo
líderes precisarão projetar orga- emprego, ou na mesma carreira, em mercados maduros. Nos Estados
nizações que combinem sinergica- durante toda a vida. Portanto, a Unidos, na Alemanha, na Suécia, no
mente seres humanos e máquinas. reeducação constante é imperativa. Reino Unido e na Espanha, ape-
Os algoritmos devem ser confiá- Hoje a educação é algo que prio- nas de 1% a 4% dos trabalhadores
veis para reconhecer padrões nos rizamos na juventude. No futuro, citaram as plataformas de serviço
dados e agir de maneira autônoma, precisará ser um processo contínuo. como sua principal fonte de renda.
enquanto os humanos devem se
concentrar em tarefas de ordem Questões como essa são sociais.
superior, como validar algoritmos Elas também precisam estar
e imaginar novas possibilidades. na agenda das organizações?
Essa divisão do trabalho requer Com certeza. O comportamento das
repensar as interfaces homem-
-máquina para que os humanos
possam confiar na tecnologia e
Aqueles empresas na sociedade está sendo
questionado e os clientes esperam,
cada vez mais, que as companhias
interagir produtivamente com ela.
que não desempenhem um papel mais proe-
minente na abordagem dos desafios

investirem
O ciclo de vida dos negócios está sociais e ecológicos. Os líderes preci-
diminuindo. Ainda há espaço sam se concentrar no impacto de suas
para empresas centenárias? empresas. Em outras palavras, ga-
Em 2010, a expectativa de vida nos
Estados Unidos era de cerca de 80 em inovação rantir que seus negócios criem valor
social e econômico. Aqueles que não o

não vão
anos — que é mais do que o dobro fazem acabam enfrentando descon-
da idade média de falência das fiança e têm dificuldade em competir.
empresas hoje. Com os ciclos de Essa preocupação aumenta o desem-
vida dos negócios diminuindo, os
líderes precisam se preocupar não
apenas com sua competitividade
sobreviver penho financeiro no longo prazo e
fortalece o contrato social entre as
companhias e a sociedade, garantindo
mas também com sua durabi- que o relacionamento seja duradou-
lidade e capacidade de resistir ro. Essa é uma das chaves para a
a imprevistos. Para isso, devem construção de empresas longevas.

48 VOCÊ RH dez 2019/jan 2020


1244051-VIAGEM E TURISMO-1_1-1.indd 49 11/12/2019 15:04:55
Tendência

Holocracia,
modos de usar
Uma empresa sem chefe, nem diretores,
nem gerentes; com todos os funcionários
assumindo responsabilidades na gestão.
Soa como uma balbúrdia? A holocracia
mostra que não Di e g o B r aga N or t e

50 VOCÊ RH dez 2019/jan 2020


Marco Barón, sócio da
eduK: a empresa adotou
a holocracia há três anos
e procura funcionários
que se adaptem a
esse tipo de gestão

E
ra uma empresa muito
engraçada. Não tinha
chefe, não tinha nada.”
A paródia do poema
musicado A Casa, de
Vinicius de Moraes, é
uma brincadeira, claro.
Mas a holocracia é um
sistema de gestão sério
e o número de companhias que o
adotam está aumentando. E, sim,
em tal modelo de governança
não há chefes nem RH. Em uma
descrição sucinta, holocracia é
a “ausência de centralização de
poder”, define Luciana Lima, es-
pecialista em gestão de pessoas e
professora do I­ nsper. “E poder é
autoridade sobre decisões.” Ain-
da que não seja um conceito novo
— experiências de autogestão
em fábricas e minas de carvão,
pedras angulares da holocracia,
datam do início do século 19 —, o
modelo ganhou tração a partir de
2007, depois que foi “descoberto”,
entre muitas aspas, e populariza-
do pelo empresário e consultor
americano Brian Robertson.

f o t o : G erma n o Lü d er s dez 2019/jan 2020 VOCÊ RH 51


Tendência

Porém, especialistas apon- dismo na governança predomina.


tam que sua fama é justamente a Publicado em 2018 depois de
maior barreira para sua real im- consultar 99 empresas, o estu-
plantação e entendimento. Assim do analisou como é o processo
como a palavra “gourmet” foi ba- de gestão e tomada de decisões
nalizada a ponto de encontrarmos nas companhias. Conceitos mais
pastéis de feira livre vendidos com modernos vêm sendo adotados
tal classificação, toda e qualquer em muitas delas, mas sem neces-
decisão moderna de gestão vem sariamente envolver toda a orga-
sendo chamada de experiência nização. “É muito difícil ter uma
holocrática. “No Brasil, holocracia empresa 100% fordista ou 100%
mesmo só tivemos na Geek, que já holocrática. Cada uma faz o que
abandonou o sistema, e agora na é melhor para ela”, avalia João.
eduK. Muitos falam que adotam, O conceito costuma ser mais
soa bonito, moderninho, pega bem aplicado em áreas de pesquisa
com os clientes, mas são adapta- e desenvolvimento, startups e
ções”, diz Davi Gabriel, sócio da em unidades de negócio que
consultoria Target Teal e um dos requeiram agilidade de ações,
pioneiros do conceito no Brasil. mas existem casos em fábricas,
Em contrapartida, João Lins, restaurantes, salões de beleza e
professor da FGV Eaesp e espe- hotéis. “Hoje, há demanda por
cialista em gestão de pessoas, participação dos funcionários
lembra que “modelos teóricos de na tomada de decisões. Alguns
gestão são muito úteis do ponto empresários até diminuem a
de vista didático, servem de ponto margem de lucro para aumentar a
de partida, mas a realidade ba- felicidade geral dos funcionários”,
gunça com tudo”. De acordo com diz Davi, da Target Tea. A seguir,
uma pesquisa realizada por João, conheça os tópicos fundamentais
Edvalter Holz e Diego Avancine da holocracia e entenda como
(seus colegas na FGV), o hibri- aplicá-la em sua empresa.

seis pontos para


entender a holocracia
1 . Dis t r ibuiç ã o do p oder
Nas empresas tradicionais, a autoridade concentra-se nos indivíduos que ocupam cargos de chefia e há
uma hierarquia bem definida. Na holocracia, a autoridade está nos papéis (responsabilidades e atribui-
ções) que os funcionários desempenham dentro da organização, e não nas próprias pessoas. Não significa
que todos tenham o mesmo poder: ele é distribuído e há regras gerais que devem ser seguidas. Ainda
que haja uma autonomia dos papéis, todos são interdependentes e devem funcionar em harmonia para a
empresa prosperar. Existe também muita mobilidade entre os diferentes papéis dentro da companhia.

52 VOCÊ RH dez 2019/jan 2020


Davi Gabriel, sócio da Target
Teal: a holocracia é importante
porque coloca os funcionários
como protagonistas das decisões

2. Saem as áreas, entram os círculos


As organizações costumam se grande anel externo abrigando fundindo-se ou desaparecendo.
dividir em unidades de negócio, outros círculos em seu interior. Essa característica confere flexibi-
áreas, departamentos e têm orga- Todos os círculos (que são equipes lidade às empresas, que podem mu-
nogramas piramidais, com o topo multitarefas responsáveis por de- dar rapidamente para acompanhar
(presidência, conselho e diretoria) terminados objetivos) conduzem os alterações no mercado. É um erro
responsável pela gestão das demais próprios processos de governança. comum definir holocracia como um
“caixinhas” que vêm abaixo na es- Em cada um deles há pessoas que modelo sem nenhuma hierarquia.
trutura. Uma companhia holocrá- desempenham papéis de elos para A organização acontece assim: o
tica abole as compartimentações facilitar a comunicação e o fluxo de círculo maior prevalece sobre os
e adota sistemas e organograma trabalho. Os círculos estão sempre demais e a hierarquia é de objetivos
de esferas concêntricas, com um em mutação, evoluindo, crescendo, e estratégias, e não de pessoas.

f o t o : G e r m a n o Lü d e r s i lu s t r aç ão : s t u d i o s h oy u dez 2019/jan 2020 VOCÊ RH 53


Tendência

O que são os círculos


holocráticos

Diagrama papéis e círculos têm


Um propósito para expressar
papéis círculos
responsabilidades, executar
domínios de controle, além
de métricas e checklists
que dão transparência
F o n t e : h t t p s: // h o l ac r ac i a b r a s i l .c o m /

54 VOCÊ RH dez 2019/jan 2020 i lu s t r aç ão : s t u d i o s h oy u


3 . Cons t i t uiç ã o p r óp r i a 6 . Que s tã o
Empresas holocráticas seguem uma carta de princípios norteadores. A Consti-
tuição oficial, da consultoria de Brian Robertson, já está na versão 4.1, tem 35
de mindse t
páginas e está disponível na internet. O texto dá algumas diretrizes e ajuda a O mais importante para que a
começar, mas é genérico. O documento define o que são círculos e papéis, mas holocracia dê certo é o perfil das
não indica quais devem ser adotados, pois isso depende dos contextos e das pessoas que trabalham naquela
áreas de atuação de cada companhia. No Brasil, já há adaptações dessa ideia, companhia — e isso não tem a
com empresas e funcionários colocando acordos e compromissos no papel, ver com idade, setor de atuação
assinando e se comprometendo com objetivos comuns. Ainda que o contrato ou nível educacional. Funcioná-
de trabalho tradicional tenha muitas cláusulas definindo padrões de compor- rios de uma empresa holocrática
tamento ético e profissional, ele tem pouca ou nenhuma similaridade com os precisam ter disposição para
acordos holocráticos. Enquanto os contratos são impositivos, feitos apenas aprender, vontade de se rein-
pela empresa, os compromissos de inspiração holocrática são redigidos de ventar, prazer em trabalhar com
forma colaborativa, com todos os envolvidos participando do processo. Assim, autonomia e serenidade para
seu valor é mais respeitado pelas companhias e pelos profissionais. navegar num mundo sem respos-
tas prontas. Mas encontrar esse
tipo de profissional não é fácil. Na

4 . A u t oge s tã o 5 . P oder eduK, que começou a implementar


a holocracia há apenas três anos,
Essa é a base da holocracia. Nos
sistemas de governança tradicio-
n a op er a ç ã o esse ainda é um grande desafio.
“Tivemos jovens cheios de ener-
nais, os chefes delegam responsabi- A agilidade na tomada de decisões gia, que vieram de startups e não
lidades para seus subordinados e o é uma das grandes vantagens deram certo. Houve também pro-
sucesso ou o fracasso de um projeto desse tipo de gestão, segundo os fissionais gabaritados, com expe-
fica na conta do gerente da área. especialistas. Isso porque o mode- riência em grandes empresas, boa
Na holocracia, cada profissional é lo possibilita que os funcionários formação e que não se encaixa-
responsável e responsabilizado por tomem decisões — as que estão ram”, diz Marco Barón, sócio, Jedi
suas decisões, e os círculos a que a seu alcance, conforme previa- da cultura e mestre de remune-
eles pertencem devem controlar, mente acordado — sem consultar ração da eduK. Em contrapartida,
executar e auferir todo o trabalho. ninguém. Um exemplo mundial- técnicos, seguranças e atendentes
Isso quer dizer que cada papel e mente conhecido é o serviço de de telemarketing se adaptaram
cada círculo são autogeridos. Há atendimento ao cliente da Zappos, com facilidade, propondo melho-
acordos definindo as atribuições varejista online americana e o rias em seus papéis, assumindo
dos diferentes papéis e círculos, caso mais bem-sucedido de holo- novas responsabilidades e dando
mas eles têm autonomia para cracia. Nas empresas tradicionais, feedbacks relevantes. A expe-
alterar sua estrutura de forma dependendo do tipo de proble- riência da eduK mostrou que as
progressiva e contínua. Os acor- ma (financeiro ou logístico, por pessoas só mudam se entende-
dos só têm validade se estiverem exemplo), os atendentes devem rem claramente suas funções. “A
registrados na Constituição ou em seguir scripts predefinidos e antiga cisão entre quem pensa e
outro documento interno. Ninguém transferir a ligação para o setor quem executa as tarefas não faz
responde pelo que está implícito, responsável. Na Zappos, cada sentido. Ninguém sabe mais de
somente pelas diretrizes explícitas atendente tem liberdade para se- atendimento de telemarketing do
nos acordos. Isso dá uma larga guir um roteiro próprio. Durante que a pessoa que está lá na ponta
margem de ação, pois os emprega- o atendimento, eles se responsa- trabalhando diariamente com
dos não têm de convencer ninguém bilizam por várias dimensões e, se isso”, explica Marco. Assim, a ho-
para tomar decisões, precisam for o caso, podem tomar deci- locracia empodera e dá autonomia
apenas cumprir as atribuições sões diferentes para um mesmo a quem entrega resultados e tem
definidas pelos papéis que ocupam, problema se isso for necessário ideias inovadoras, independente-
da melhor forma que encontrarem. para satisfazer os clientes. mente de seu cargo na empresa.

dez 2019/jan 2020 VOCÊ RH 55


melhores práticas | Tecnologia

Suporte a qualquer hora


Como um programa para empréstimo de notebooks 24 horas por dia melhorou
a produtividade dos funcionários do Google Erica Martin

David Neto, engenheiro do Google: funcionários da empresa levavam, em média, um dia para resolver problemas com notebooks

E
m 2015, o engenheiro Como nem sempre havia notebooks técnicos, que não podiam se dedicar
de soft­wares David Neto disponíveis para empréstimo, os a projetos mais estratégicos da com-
trabalhava no balcão de empregados da multinacional tinham panhia, uma vez que ficavam parte do
atendimento do suporte de esperar, no mínimo, 1 hora e meia expediente atendendo às demandas
de TI do Google Brasil, em para conseguir um computador novo de suporte. “Onerava o nosso tempo
São Paulo, junto com dois e voltar à rotina de trabalho. Depen- e o dos demais funcionários. Além
funcionários. A área era dendo do dano, a solução levava ain- disso, o horário de atendimento era
responsável por fazer re- da mais tempo, chegando a demorar limitado, das 9 às 17 horas. Se um
paros nos computadores dos colegas dias. A dinâmica afetava diretamente problema ocorresse fora desse perío­
ou substituí-los por outras máquinas. a produtividade dos profissionais do, não daria para resolver. Era uma
Mas o modelo não era nada produtivo. da empresa — principalmente dos tarefa muito manual”, explica David.

56 VOCÊ RH dez 2019/jan 2020 f o t o : D I V U L G AÇ ãO / G O O G L E


a data em que o computador deve
SOLUÇÃO ser devolvido (que pode ser nego-
Por meio de uma conversa com ou-
tro técnico do Google, que trabalha-
ciada com os administradores), e
faz o relato de ocorrências — por
GOOGLE
va em Nova York, David descobriu exemplo, o empregado notou que Negócio:
que não era somente o escritório de o laptop retirado da prateleira É uma empresa multinacional
de serviços online e
São Paulo que enfrentava esse pro- estava danificado. “São procedi-
desenvolvimento de
blema. “Percebi que era um desafio mentos essenciais para o serviço de softwares. Possui oito
para várias unidades”, afirma David. empréstimo se manter saudável”, plataformas, com mais de
Foi aí que ele e o colega tiveram a comenta o idealizador brasileiro. 1 bilhão de usuários, que
são: Busca, Android, Chrome,
ideia de criar um programa para
empréstimo de notebooks que RESULTADO YouTube, Maps, Play Store,
Gmail e Drive. O Brasil
ficasse disponível durante 24 horas. O Google estima que cerca de 50% é um dos cinco maiores
mercados da companhia.
“Falamos com nosso chefe direto, de todos os usuários do Grab and
que levou a sugestão ao gerente Go tenham resolvido totalmente
da área. Depois disso, recebemos sozinhos problemas que, no modelo Ano de fundação:
1998 (EUA).
carta branca para implementar antigo, levariam, em média, um dia
o projeto”, explica. ­B atizada de para ser solucionados. Além disso,
Operação brasileira:
Grab and Go, a iniciativa começou a área de atendimento, que contava desde 2005.
em quatro escritórios do Google, com três funcionários, passou a ter
incluindo o brasileiro, nos quais a só um. Com a nova realidade, os de- Matriz:
empresa colocou prateleiras com mais profissionais puderam se dedi- Mountain View,
Estados Unidos.
Chromebooks (computadores com car a projetos estratégicos. Esse foi
sistema operacional do Google, o o caso de David, que foi promovido
ChromeOS), que ficam disponíveis e de técnico júnior para líder de TI
Unidades no Brasil:
Cinco escritórios
carregados para empréstimo. Como e hoje trabalha no escritório do comerciais em São Paulo
as informações são armazenadas na Google em Londres. “O impacto do (SP), além do Google
nuvem, os funcionários conseguem, projeto permitiu que eu evoluísse Campus, incubadora de
startups, e do Google Partner
em alguns minutos, ter todos os na carreira”, diz. Atualmente, o
Plex, local para receber
programas de que necessitam para Grab and Go está ativo em mais de clientes e parceiros. Há
realizar suas atividades. “É como se 75 escritórios da empresa ao redor também um centro de
engenharia em Belo
estivesse com o próprio equipamen- do mundo. Em 2018, cerca de 35 000
Horizonte (MG) e o YouTube
to. Se o usuário instalar algo novo, funcionários realizaram aproxima- Space no Rio de Janeiro (RJ).
por exemplo, o arquivo também vai damente 105 000 empréstimos por
para a máquina original”, explica meio do programa. E a iniciativa Número de
o engenheiro de softwares. Para não ficou só dentro da companhia. funcionários no Brasil:
organizar o processo, David e o Desde 2016, o Google decidiu ofere- Mais de

colega desenvolveram um sis-


tema de controle de entradas e
cer a solução para outras empresas
junto com o Google Cloud. “Ao
2 500
saídas das máquinas, totalmente visitar nossos escritórios, diversos Faturamento global da Alphabet
autônomo. Os empregados pre- parceiros viram o espaço onde (holding da qual o Google
cisam apenas informar o motivo ficam os computadores para em- faz parte) em 2018:
de necessitarem de um notebook
substituto. Além disso, o software­
préstimo e perguntaram do que se
tratava. A partir daí decidimos am-
136,8
bilhões de dólares,
emite alertas para o usuário, como pliar o serviço”, diz o engenheiro. 23% mais em relação a 2017

dez 2019/jan 2020 VOCÊ RH 57


melhores práticas | RECRUTAMENTO

Mais
rápido e
melhor
Para diminuir o tempo
de preenchimento de
vagas de 60 para 23 dias,
Caio Chedid,
a Gympass mudou o diretor global
de aquisição
processo seletivo e se de talentos
da Gympass:
aproximou de profissionais treinamento aos
recrutadores para
de tecnologia tornar a seleção
mais objetiva
Gerson Camargo

Q
uando o administrador de espalhados em 14 países e emprega e tem, entre seus clientes, gigantes
empresas César Carvalho 1 200 funcionários em 20 escritórios como Unilever e GE. Em outubro, a
e os engenheiros João no Brasil, na América Latina, nos startup recebeu um investimento de
Thayro e Vinicius Ferriani Estados Unidos e na Europa. Embora 300 milhões de dólares do SoftBank,
criaram a Gympass em um dos atrativos da plataforma conglomerado japonês de telecomu-
2012, a ideia era ajudar seja a possibilidade de ter acesso a nicações e internet, e tornou-se mais
pessoas a ter acesso a au- diversas modalidades, com planos um unicórnio brasileiro — startup
las de ginástica e práticas a partir de 69,90 reais, é no nicho que vale mais de 1 bilhão de dólares.
esportivas por meio de convênios corporativo que a companhia tem Com o investimento, pretende
com academias. Sete anos depois, a concentrado esforços. Atualmente, expandir sua operação para além
startup conta com 40 000 parceiros a Gympass atende 2 000 empresas do Ocidente e chegar a países

58 VOCÊ RH dez 2019/jan 2020 f o t o : O m a r Pa i x ão


asiáticos. Com tanto crescimento, o assertiva”, afirma Caio. Para lidar
volume de contratações na Gympass especificamente com a dificuldade
também aumentou, principalmente
na área de tecnologia. Entretanto,
de contratar na área de tecnologia,
a Gympass lançou mão de ações
GYMPASS
recrutar esses profissionais não é como os meetups: reuniões infor- Negócio:
tarefa fácil. “A aquisição de talentos mais de networking, sem vagas Plataforma que conecta, por
meio de uma mensalidade,
precisa ser vista como um investi- definidas, em que os profissionais
academias e outros
mento porque, além de processos do setor conhecem a empresa e
estabelecimentos para
seletivos prolongados serem caros, trocam experiências. “Muitas das práticas esportivas a
quando você realmente conse- contratações são fruto desses pessoas interessadas em

gue trazer as pessoas certas, isso encontros. Num mercado disputado realizar atividade física

impacta diretamente o negócio”, como o de tech, é uma oportunidade


afirma Caio Chedid, diretor global de de encontrar talentos”, diz Caio. Países em que está presente:
Brasil, México, Argentina,
aquisição de talentos da Gympass.
Chile, Estados Unidos, Espanha,

O R ESULTA DO Irlanda, Portugal, Reino


Unido, Alemanha, França,
A SOL UÇ Ã O Depois desse processo, a seleção Itália, Holanda e San Marino

Até algum tempo atrás, a Gympass da Gympass passou a ter apenas


levava 60 dias, em média, para quatro fases ou no máximo cinco, Quantidade de academias:
fechar uma vaga. Para avaliar por
que o processo demorava tanto, a
em casos de cargos de gestão. O
tempo médio para preencher uma
22 800 no Brasil

startup começou a olhar no detalhe vaga caiu para 23 dias. O executivo e40 000 no mundo

as entrevistas realizadas no final também salienta que o menor tem-


dos processos de recrutamen- po de contratação, entretanto, não Modalidades:
to e a ouvir opiniões de todos os
candidatos — mesmo os que não
é sinônimo de queda na qualidade
do recrutamento. Na verdade, de
795 , como musculação,
ioga, pole dance, pilates,
foram efetivados. “Com base nas acordo com Caio, houve o oposto. natação e lutas
respostas desses questionários “Tivemos uma redução de turno-
criamos estratégias”, afirma Caio. ver drástica, sobretudo na área de Número de funcionários:
Um dos diagnósticos que a com- tecnologia. Nosso índice de rotati-
panhia realizou foi que a seleção vidade caiu de 4% ao mês, em 2018, 1 200
da Gympass era considerada muito para 2,5% ao mês, em 2019. Tam-
demorada, levando de nove a dez bém sentimos melhora no absen- Sedes:
São Paulo (SP) e Nova York (EUA)
fases até que um candidato fosse tismo.” No entanto, Caio afirma que
contratado. “Passamos a treinar os as outras ações da área de recursos
recrutadores para fazer entrevistas humanos, que garantem um clima Projeto:
Otimizar e tornar mais assertivo
por competências, evitando que as colaborativo e informal para os o processo de recrutamento,
mesmas perguntas sejam repeti- funcionários, também contribuem que antes chegava a contar
das em outras fases do processo”, para a diminuição tão expressiva com dez etapas no total

diz o executivo. Outra iniciativa das taxas. “Um ponto fundamental


importante é a aplicação de testes é garantir que o candidato tenha Resultado:
prévios online, que ajudam a iden- a motivação certa para entrar na Diminuição do tempo para
preencher uma vaga de 60
tificar se os candidatos possuem as empresa e compartilhe de nossa
para 23 dias, além de redução
exigências mínimas. “Desse jeito, grande bandeira, que é o combate do turnover de 4% ao mês, em
a conversa com o gestor é mais ao sedentarismo”, afirma Caio. 2018, para 2,5% ao mês, em 2019

dez 2019/jan 2020 VOCÊ RH 59


Leis & gestão | Trabalho temporário

Shopping Itaquera, em São Paulo, às vésperas do Natal: com novo decreto, a expectativa é que as vagas cresçam 22% em dezembro deste ano

Por prazo determinado


Decreto publicado em outubro deixou mais claros os
critérios para a contratação de profissionais temporários
Erica Martin

C
om a aproximação das de contratar por receio de configu- do há demanda complementar de
festas de fim de ano e com rar vínculo empregatício. “Agora, serviços (como em épocas de Natal
a corrida pelos presentes de explicitamente, o texto afirma que e Páscoa) e em casos de substitui-
Natal, é comum o comércio não há relação de emprego”, explica ção transitória de pessoal, ou seja,
contratar funcionários em Renê Koerner, advogado trabalhista quando um funcionário é afastado
regime temporário. Em do escritório Urbano Vitalino. Outra por licença, por exemplo. “Restringir
outubro, três meses antes questão é a diferença entre trabalho a essas duas situações impedirá que
da data, o presidente Jair Bolsonaro temporário e terceirização. “O primei- as empresas optem por recrutar
editou um decreto que atua­lizou a ro ocorre quando uma pessoa física trabalhadores temporários em detri-
Lei n 6.019, de 3 de janeiro de 1974,
o
presta um serviço para uma empresa. mento de profissionais com contra-
que dispõe sobre a modalidade. No caso da terceirização, a relação tos fixos”, afirma Michelle Karine,
O documento não traz alterações, é entre pessoas jurídicas”, diz Renê. presidente da Associação Brasileira
mas ressalta diversos pontos e pro- O decreto também define que a do Trabalho Temporário (Asserttem).
mete dar mais segurança às empre- contratação de temporários deve Embora a atualização do decreto
sas, principalmente as que deixavam ocorrer em duas situa­ções: quan- beneficie companhias de diversos

60 VOCÊ RH dez 2019/jan 2020 foto: FOLH A PR ESS


setores com flutuação de mão de
obra, como construção civil e agro- Fique de olho
negócio, a expectativa mais alta é do Pontos que foram esclarecidos com o novo
varejo. A estimativa é que as vagas
decreto sobre trabalho temporário
cresçam 22% em dezembro em rela-
ção ao mesmo mês de 2018, segundo
1 Trabalho
temporário não
é terceirização. Um é
3 Um profissional
temporário é uma
pessoa física prestando
5 O contrato tem-
porário pode ser
rescindido por ambas
a Asserttem. “Com mais segurança quando uma pessoa serviços, ou seja, não as partes a qualquer
física presta serviço possui vínculo empre- momento e tem duração
jurídica, as empresas devem ampliar para uma companhia, gatício com a empresa. máxima de 180 dias. Pode
a oferta de vagas. Também é uma e o outro é um tipo de ser prorrogado apenas

oportunidade para os trabalhadores


contratação entre
duas empresas. 4 Contrato por prazo
determinado não é o
uma vez por mais 90 dias.

desempregados, que podem voltar


ao mercado”, afirma Michelle. 2 Os trabalhadores
temporários têm
mesmo que temporário. O
primeiro ocorre quando
um trabalhador, sob
6 Se uma empresa
quiser contratar
um trabalhador
direito a FGTS, 13 o, regime CLT, é admitido temporário, este
férias e INSS. Mas diretamente pela em- não deverá passar
O papel do RH não contam com presa. Geralmente, são por período de expe­
seguro-desemprego períodos de experiên­ riência, uma vez que se
Para atuar com esse modelo, é
nem multa de 40% em cia que antecedem o pressupõe que ele tenha
obrigatória a contratação de uma caso de demissão. contrato definitivo. passado por essa fase.
agência de trabalho temporário, que
deve ser autorizada pelo Ministério
da Economia. Essa intermediária
deverá apenas recrutar. Isso porque,
Temporários em números
Veja a projeção da contratação de profissionais sob esse
diferentemente do que ocorre na regime nos últimos quatro meses, de acordo com a Asserttem.
terceirização (na qual a subordina- Os números finais deverão ser divulgados em janeiro de 2020
ção direta é proibida), na opção de
125 588 119 084 124 340 131 666
contrato temporário, a tomadora
do serviço — ou seja, a companhia
onde o profissional vai trabalhar TOTAL

— é a responsável por delegar as 500 678


SETEMBRO OUTUBRO NOVEMBRO DEZEMBRO
atividades. “Na lei de 1974, ambas as
modalidades estavam misturadas e,
por isso, as empresas alegavam que
o texto sobre subordinação era con- de um empregado fixo. “O direito falta de pagamento, a companhia
fuso”, explica Patrícia Garcia, profes- a esses pontos também se tornou que utilizou a mão de obra é quem
sora de direito trabalhista no Ibmec. mais claro. Mesmo sem nenhuma vai arcar com esse prejuízo. É o que
Por não ser regido pela CLT, mudança legal, na prática, o decreto chamamos de responsabilidade sub-
o contrato temporário pode ser ajuda a proteger os trabalhadores sidiária”, alerta Patrícia, do Ibmec.
rescindido por ambas as partes da precarização”, afirma Renê, A tomadora do serviço também é
a qualquer momento — sem a do escritório Urbano Vitalino. responsável pela integridade física e
necessidade de aviso prévio nem Mesmo que os custos com o pro- pela segurança do trabalhador tem-
pagamento de multas. Contudo, fissional saiam do bolso da empresa, porário, como em casos de acidentes
os profissionais contratados nesse quem repassa salários e benefícios ou doenças ligadas à função. “Agora
regime possuem quase os mesmos aos empregados é a agência de está explícito que é obrigação das
direitos de um empregado com trabalho. Desse jeito, o RH precisa fi- empresas arcar com esses custos”,
carteira assinada, além de receber car atento se os valores estão sendo conclui Renê. O importante é garan-
salário e benefícios (como plano de depositados corretamente. “Se um tir os direitos dos trabalhadores —
saúde e vale-refeição) iguais aos funcionário acionar a Justiça por independentemente do contrato.

dez 2019/jan 2020 VOCÊ RH 61


na estante

Chefe de confiança
Ter um estilo de liderança que deixa as pessoas seguras impacta
os negócios. A explicação é neurocientífica: quando o cérebro é
submetido a ameaças, há menos cognição, criatividade e colaboração

C

onfiança é como o ar que respiramos: quando está e com MBA em tecnologia da informação pela Fundação
presente, quase ninguém percebe; mas, quando Getulio Vargas, o autor possui 25 anos de experiência
falta, todos sofrem.” É assim que Marco Fabossi em cargos de gestão e consultoria a empresas nacionais
inicia seu segundo livro, O Fator Confiança. Na e multinacionais. A experiência o ajudou a desenvolver
obra, ele apresenta um plano prático para os alguns dos conceitos que apresenta no novo livro, como
líderes alcançarem a confiança dos liderados. autoconfiança, confiança interpessoal e confiança rea-
Formado em administração de empresas pela FEI lizacional. Leia, a seguir, um trecho inédito.

62 VOCÊ RH dez 2019/jan 2020 i lu s t r aç ão : v ic t o r b e u r e n


trecho do livro
O cérebro precisa de previsibi- do que se imaginava antes das tureza. Esse processo de criar
lidade e, portanto, gosta de saber recentes descobertas da neuro- e ­fortalecer novos caminhos e,
“o que vem a seguir”, principal- ciência, as quais comprovam que como resultado, enfraquecer os
mente porque uma das condições o cérebro permanece mutável e ­a ntigos é a plasticidade cerebral
cognitivas mais tóxicas para o adaptável durante toda a vida, em ação. Portanto, cientifica-
cérebro ocorre quando a realida- inclusive na velhice. mente, t­ odos nós temos a capaci-
de experimentada é incompatível Ao pensar mos no cérebro dade e a h ­ abilidade de aprender
com a esperada; em outras pala- como um conjunto de caminhos e mudar, renovando nosso cé-
vras, o cérebro odeia frustrações. e conexões dinâmicas, sempre rebro, desde que haja empenho,
Esse é um dos motivos pelos que fazemos, pensamos ou sen- disciplina e constância.
quais destaquei a importância timos algo cujo caminho já é bem Vamos agora conectar esse
do alinhamento de expectativas, conhecido, a tendência é que o conhecimento básico de neuro-
porque o que frustra as pessoas cérebro o adote. É assim com ciência com liderança e confian-
não é o que acontece, mas o fato nossos hábitos, nossa maneira ça. Considerando que o cérebro
de que esses acontecimentos, natural de fazer, pensar e agir. é social e muito mais emocional
bons ou ruins, não eram espe- Quanto mais passamos por esse do que racional, pesquisadores
rados. A falta de alinhamento de caminho, mais forte e conhecido da Universidade da Califórnia em
expectativas, portanto, aumenta ele fica, reforçando a tendência Los Angeles (Ucla) concluíram
a probabilidade de as frustrações de continuar seguindo-o. Contu- que, para o cérebro humano, dor
acontecerem, e isso compromete do, quando pensamos de modo física e dor social são interpreta-
diretamente a confiança. diferente, fazemos algo diferen- das da mesma maneira. Um ato de
te ou sentimos emoções novas, rejeição, exclusão, injustiça, hu-
O cérebro é plástico criamos novos caminhos cere- milhação ou discriminação, por
Bem, depois de ler essas infor- brais; se continuarmos seguindo exemplo, para o cérebro, significa
mações sobre o cérebro, talvez nesses novos caminhos, utilizan- o mesmo que um soco no estôma-
você esteja pensando que o es- do-os com maior frequência, com go ou um tapa na cara, mas com
tabelecimento de relações de o tempo, os novos jeitos de fa- uma diferença importante: a dor
confiança é uma das tarefas mais zer, pensar ou sentir tornam-se física passa rápido; a dor social,
desafiadoras do planeta, mas não mais fortes. Ao persistirmos em não. Segundo os pesquisadores,
se desespere! Apesar de todas utilizá-los, surgem novos hábitos a dor social pode ter se desenvol-
essas características que dificul- que se incorporam à nossa na- vido em razão da importância dos
tam a construção de confiança, o
cérebro tem uma característica
fascinante e que pode ajudar a
mudar tudo isso: ele é plástico
e, portanto, educável. “A falta de alinhamento de
A plasticidade cerebral é uma
incrível propriedade do nosso sis- expectativas aumenta a probabilidade
tema nervoso central de modifi-
car a organização estrutural e o de frustrações, e isso compromete
funcionamento do cérebro. Nosso
cérebro é muito mais maleável diretamente a confiança”
dez 2019/jan 2020 VOCÊ RH 63
na estante

elos sociais para a sobrevivência considera a sobrevivência sua o da outra pessoa por meio dos
da maioria dos mamíferos. principal prioridade. Para que neurônios-espelho. Em outras pa-
(...) os líderes não sejam vistos como lavras, se um líder desconfia da
Muito bem, mas o que isso tem uma ameaça, é necessário que se pessoa com quem está falando,
a ver com liderança e confiança? mostrem confiáveis, verdadeiros, essa pessoa vai usá-lo de espelho
Tudo. Porque o líder é um dos justos e honestos. Atualmente, e desconfiar de volta. Não adianta
maiores agentes reguladores da as pessoas já não encontram se- conversar com alguém fingindo
dor social nas organizações, já gurança nas próprias organiza- que confia na pessoa, porque ela
que, como vimos, a base da li- ções, por isso a figura do líder se perceberá e também desconfiará
derança é o relacionamento, e a torna cada dia mais importante de você. Alguns chamam isso de
qualidade desse relacionamento na construção da sensação de “energia”, mas, nesse caso, é ape-
implica diretamente no nível de segurança das pessoas. E essa nas o cérebro em funcionamento.
dor social das pessoas e seu im- segurança consiste em ser ver- Neurônios-espelho são uma estru-
pacto nos resultados. O primeiro dadeiro, honesto, transparente tura cerebral que coloca o indiví-
passo, portanto, para que haja e justo com a equipe, ainda que duo em sintonia com as emoções
interações sociais saudáveis na isso possa lhe custar alguma e as reações dos outros, e foram
liderança é o estabelecimento coisa. Quando as pessoas se sen- descobertos pela equipe do neu-
de relações de confiança. Com tem inseguras, o cérebro aciona rocientista Giacomo Rizzolatti, da
base em tudo o que conversamos o estado de ameaça, diminuin- Universidade de Parma, na Itália.
até agora, quero retomar pontos do a percepção, a cognição, a Demonstre justiça: o cérebro
importantes na construção da criatividade e a colaboração e, procura por justiça e, quando se
confiança com base na neuro- consequentemente, impactando vê diante de uma situação in-
ciência. Já conversamos sobre diretamente os resultados. justa, tende a reagir com raiva e
alguns desses pontos ao longo Seja autêntico e mostre con- frustração. Nesse ponto, é muito
do livro, mas vou reforçá-los aqui. fiar nas pessoas: quando esta- importante que o líder se cons-
Ajude as pessoas a se sentirem mos com alguém, nosso cérebro cientize de que não adianta achar
seguras: lembre-se, o cérebro é ativado da mesma maneira que que está sendo justo com as
pessoas se elas não o percebem
dessa maneira. É preciso que as
cartas estejam sobre a mesa, que
não haja agendas ocultas e que
temas suscetíveis a percepções
ou sensações de injustiça sejam
“cientificamente, todos nós discutidos com transparência.
Ainda com base no cérebro
temos a capacidade e a habilidade social, David Rock, presidente
do Neuroleadership Institute,
de aprender e mudar, renovando desenvolveu um modelo de mo-
tivadores sociais que nos ajuda
nosso cérebro, desde que haja a amenizar a dor social no dia
a dia, a criar um ambiente mais
empenho, disciplina e constância” seguro psicologicamente e a re-

64 VOCÊ RH dez 2019/jan 2020


forçar as relações de confiança. a cabeça (e o pescoço), que pode recompensa do cérebro são ativa-
Esse modelo, que recebeu o nome ajudar a minimizar a exposição às dos de igual maneira para ganhos
de Scarf, baseia-se nas seguintes ameaças de um clima mais hostil. monetários e ganhos sociais. Os
premissas da neurociência: o cé- Vejamos o que significa cada di- valores também exercem grande
rebro é plástico; ninguém pensa mensão do modelo Scarf: impacto sobre o status. Se uma
igual a ninguém; pensar cansa; Status: neste caso, status não organização demonstra valorizar
nossa percepção é nossa realida- está diretamente conectado com mais os profissionais do topo da
de; criar novos hábitos é mais fá- a posição hierárquica de uma pirâmide, pode passar a sensa-
cil do que mudar hábitos antigos; pessoa, mas com sua percepção ção de desinteresse pelos outros
a parte do cérebro responsável de pertencimento aos ambientes colaboradores, ampliando a ten-
por sentir emoções pode inibir o e contextos onde vive. Pesquisas dência de resposta “de ameaça”.
funcionamento correto da parte mostram que, quando as pessoas Organizações que promovem a
responsável por encontrar solu- percebem que podem estar sendo competição entre seus colabora-
ções; o cérebro considera amea- comparadas a outras de maneira dores também reforçam a ideia de
ças e recompensas sociais com a desfavorável, o mecanismo de res- que existem dois tipos de pessoa:
mesma intensidade que ameaças posta “de ameaça” entra em cena, os vencedores e os perdedores,
e recompensas físicas; a resposta liberando cortisol e outros hor- fomentando a resposta “de ame-
“de ameaça” é muito mais inten- mônios relacionados ao estresse. aça” dos que não se sentem parte
sa e comum e, por isso, precisa Compreender o papel do status do primeiro grupo.
ser minimizada adequadamente como preocupação fundamental
nas interações sociais; e, final- para os indivíduos pode ajudar
mente, a dor física e a dor social os líderes a evitar práticas orga-
produzem respostas cerebrais nizacionais que ativem respostas
similares. O modelo Scarf nos “de ameaça”. Alguns cuidados,
ajuda a estruturar ações mais como não fazer comparações com
alinhadas com as expectativas outras pessoas, feedbacks agres-
do cérebro social, minimizando a sivos e avaliações de desempenho
resposta “de ameaça” e amplian- superficiais, podem ajudar muito.
do a “de recompensa”, trazendo A percepção de status aumenta
mais segurança e confiança quando a pessoa adquire uma
para o contexto. O acrônimo nova habilidade, quando recebe
Scarf está relacionado às cinco apoio do líder para ter uma per-
dimensões do modelo proposto formance melhor e quando aquilo
por David Rock: status [Status], que faz é reconhecido como par-
certeza [Certainty], autonomia te importante dos resultados
[Autonomy], relacionamentos/ alcançados. A meritocracia e a
conexões [Relatedness] e justi- remuneração com base em habi-
ça/equidade [Fairness]. Scarf é lidades adquiridas e entregas, e O FATOR CONFIANÇA — A BASE PARA
também um tipo de trocadilho não apenas por senioridade, são
UMA LIDERANÇA EXTRAORDINÁRIA
Autor: Marco Fabossi
ou metáfora com “echarpe”, que também uma maneira de am- Editora: Benvirá
é sua tradução para o português. pliar o status. Várias pesquisas Páginas: 264
É como um tipo de proteção para demonstram que os circuitos de Preço: 34,90 reais

dez 2019/jan 2020 VOCÊ RH 65


na real Por Vicky Bloch

Os sabotadores silenciosos

H
á décadas o RH discute a importância Eis que surge o desafio com o qual nem todos estão dis-
de identificar e eliminar os “sabotadores postos a lidar: para reduzir o número de sabotadores, as
internos” ou “sabotadores silenciosos”. organizações precisam ter interesse genuíno nas pessoas. E
Esses indivíduos carregam consigo uma não há nenhum milagre para que isso aconteça. Basta nos
mistura inconsciente de medo, insegu- atentarmos aos princípios básicos da verdadeira liderança: o
rança e resistência ao novo, e por isso respeito pelos indivíduos, a transparência na comunicação, a
fazem de tudo para manter seus velhos abertura de canais para que as conversas sejam estabeleci-
hábitos e conceitos. Eles não conseguem das, o investimento em treinamento e desenvolvimento para
— e talvez nem queiram — entender os as equipes adquirirem novas habilidades e competências
motivos e os benefícios da mudança e para lidar com o que vem pela frente.
também têm muita dificuldade em ver Por mais inseguro que seja, quando um profissional se
algo positivo para si próprios nesses processos. sente reconhecido, recompensado e valorizado por suas en-
Em geral, a maior parte de nós tem receio do novo, e isso tregas, quando ele é desafiado de forma factível e enxerga
é plenamente compreensível. Afinal, há sempre uma dúvida oportunidades de crescimento, é grande a chance de que ele
sobre o que vem pela frente quando saímos de uma zona de passe a olhar para o futuro em vez de se apegar ao passado.
conforto. A diferença, no caso dos sabotadores, é que eles têm Agora, não adianta a organização esperar esse compro-
mais dificuldade em aceitar os fatos, sentem-se prejudicados metimento se ela não dá o apoio necessário a seus colabora-
e querem manter o status quo sob qualquer hipótese. dores. Eliminar os sabotadores silenciosos, nesse caso, não
Especialistas em gestão de pessoas sabem muito bem resolverá o problema — amanhã, aqueles que inicialmente
que, nessas situações, a produtividade e o comprometi- se engajaram, mas não foram devidamente respeitados,
mento desses profissionais são muito baixos. Além disso, poderão se transformar nos próximos sabotadores.
enquanto alguns deles se escondem para não ser percebi-
dos, outros fazem questão de espalhar pelo ambiente suas
angústias, pessimismo e energia carregada.
A orientação direta de muitos especialistas é: livre-se
rapidamente deles. Mas será que não é possível rever ou
corrigir esse tipo de postura? Qual é o papel do RH e da
gestão nesse contexto? Será que as empresas também não
têm sua parcela de responsabilidade ao não conduzir cor-
retamente determinadas mudanças?
Esse tema é tratado num artigo de Inés Temple, presidente
da LHH DMB para o México e o Peru. Ela afirma que, muitas
vezes, dada a necessidade de transformar rapidamente as
Psicóloga, sócia da
Vicky Bloch Associados
organizações, o foco da gestão se detém sobre os proces- e professora nos cursos
sos e cifras, e não sobre as pessoas que precisam entregar de especialização em
os resultados. Na pressa, os colaboradores são tratados de RH da FGV-SP e da FIA
forma administrativa e numérica, e as lideranças tendem a
ter pouca empatia com seus sentimentos e emoções.

66 VOCÊ RH dez 2019/jan 2020 foto: l ea n dro fonseca


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