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Revista Brasileira de Ensino de Fı́sica, vol.

39, nº 3, e3302 (2017) Artigos Gerais


www.scielo.br/rbef cb
DOI: http://dx.doi.org/10.1590/1806-9126-RBEF-2016-0254 Licença Creative Commons

Evolução dos processos fı́sicos nos modelos de dinâmica de


populações
Evolution of physical processes in models of population dynamics

Jefferson A. R. da Cunha∗1 , Ladir Cândido1 , Fernando A. Oliveira3 , André L. A. Penna2,3


1
Instituto de Fı́sica, Universidade Federal de Goiás, Campus Samambaia, Jataı́, GO, Brasil
2
Instituto de Fı́sica, Universidade de Brası́lia, Brası́lia, DF, Brasil
3
International Center for Condensed Matter Physics, Brası́lia, DF, Brasil

Recebido em 03 de Novembro, 2016. Revisado em 21 de Dezembro, 2016. Aceito em 11 de Janeiro, 2017.

Neste texto apresentamos e discutimos um breve panorama cronológico para a dinâmica de populações,
observando o ponto de vista dos autores, bem como a evolução dos principais modelos matemáticos
e sua importância histórica. Com foco na predição temporal e espacial da variação do número de
indivı́duos de uma população, analisamos como modelar matematicamente os processos fı́sicos como
crescimento, interação, difusão e fluxo de um coletivo de indivı́duos. Partimos do bem conhecido modelo
de Fibonacci e discutimos como modelos que o sucederam, a saber, o modelo Malthusiano, Lotka-Volterra
e Fisher-Kolmogorov, foram capazes de ampliar o entendimento do comportamento de uma população.
Apresentamos, nesta linha temporal sinuosa, como as interações entre uma mesma espécie e entre
espécies podem ser explicadas e modeladas. Mostramos como funciona o processo de extinção de uma
espécie predadora, o fenômeno de difusão de um coletivo devido as mais diversas exigências espaciais, as
migrações e invasões de territórios por meio de uma dinâmica convectiva nos modelos de dinâmica de
uma população e também como a não-localidade nas interações e no crescimento ampliam enormemente
nosso entendimento sobre os padrões na natureza.
Palavras-chave: Difusão, Interações, Dinâmica de populações, Formação de padrão.

In this paper we present and discuss a brief overview chronological for the population dynamics,
observing the point of view of the authors, as well as the evolution of the main mathematical models
and its historical importance. Focusing on temporal and spatial prediction of the variation in the
number of individuals in a population, we analyze how to mathematically model the physical processes
such as growth, interaction, dissemination and flow of a collective of individuals. We start from the
well-known model of Fibonacci and discussed how models who succeeded him, namely the Malthusian
model, Lotka-Volterra and Fisher-Kolmogorov were able to expand the understanding of the behavior of
a population. Here, in this winding timeline as the interactions between species and between species
can be explained and modeled. We show how the process of extinguishing a predatory species works,
the diffusion phenomenon of a collective because the most diverse space requirements, migration and
invasions of territories by means of convective momentum in dynamic models of a population as well as
non-locality in interactions and growth greatly expand our understanding of the patterns in nature.
Keywords: Diffusion, interactions, population dynamics, pattern formation.

1. Introdução quanto para as ciências sociais. Do ponto de vista


da ocupação geográfica humana, a dinâmica de uma
Dinâmica de populações é um tema muito estudado população pode ser compreendida como o estudo de-
em várias áreas cientı́ficas. Este assunto tem in- mográfico e estatı́stico da população humana e suas
teresse tanto para as ciências exatas e biológicas, mudanças em uma região. Em estudos ecológicos, o
termo dinâmica de populações costuma estar rela-

Endereço de correspondência: jeffadriany@gmail.com. cionado ao estudo de populações microscópicas ou

Copyright by Sociedade Brasileira de Fı́sica. Printed in Brazil.


e3302-2 Evolução dos processos fı́sicos nos modelos de dinâmica de populações

macroscópicas, animais ou vegetais, visando compre- 2. Leonardo de Pisa e a contagem dos


ender suas interações, crescimento e evolução espa- coelhos
cial e temporal. Este tema também é intensamente
estudado observando à dinâmica de populações no Historicamente, o estudo da dinâmica de populações
contexto da modelagem matemática em sistemas foi fundamentado de forma esparsa e episódica em
biológicos. Nesta perspectiva, preocupa-se em com- diversos trabalhos a partir do século XIII [1]. Em
preender a variação das populações de seres vivos nossa opção cronológica, dada a quantidade de pos-
de determinada espécie e o estudo das interações sibilidades de se abordar este tema, o estudo de
entre espécies, visando a procura por um modelo uma população, com foco na previsão do número
matemático apropriado e eficiente para cada sistema de indivı́duos com base em um grupo inicial, teve
e fenômeno estudado. seu surgimento com Leonardo de Pisa (1170-1250),
É usual definir uma população como sendo um também conhecido como Fibonacci. O pai de Leo-
grupo de indivı́duos de uma determinada espécie. Es- nardo era Guglielmo dei Bonacci e o termo Fibonacci
tas populações podem ser compostas por bactérias, seria como “filho de Bonacci”. No ano de 1202 em
vı́rus, vegetais ou animais. Para os estudos que sua obra, “Livro dos Ábacos”, Fibonacci propõe o fa-
serão apresentados posteriormente, sempre trata- moso problema da reprodução dos coelhos que pode
remos matematicamente estas populações isoladas e ser introduzida como: qual o número de coelhos
com interações bem definidas. Estas aproximações produzidos em um ano, a partir de um único casal?
são razoáveis, pois na natureza, determinadas po- Para solucionar o problema Fibonacci introduz as
pulações se desenvolvem completamente isoladas e seguintes condições:
também podem ser isoladas por meio de barreiras
• Considere um casal de coelhos inicialmente
artificiais impostas por um pesquisador, que pode,
não fértil;
por exemplo, estudar apenas um grupo de pulgão
• Cada casal fica fértil depois de um mês;
de uma determinada folha de couve, ou sapos de
• Cada casal de coelhos férteis gera um novo
um determinado vale. Em Fı́sica, dinâmica repre-
casal depois de um mês;
senta o estudo da relação entre as forças que atuam
• Nenhum coelho morre durante o ano.
sobre corpos e a variação do estado de movimento
destes corpos, produzido por estas forças. De forma Apesar desse algoritmo ser artificial, ele pode ser
análoga, dinâmica de populações é o estudo da va- facilmente desenvolvido, fornecendo uma sequência
riação no tempo do número ou densidade de uma do número de casais que é chamada de sequência de
determinada população, quando submetida a uma Fibonacci:
ação. Estas ações, podem ser no sentido de aumentar
ou diminuir esta população, ou mesmo uma ação re- 1, 1, 2, 3, 5, 8, 13, 21, 34, 55, 89, 144, 233, ... (1)
guladora que tente manter o tamanho da população
constate. Assim tem-se observado que essa sequência apre-
Neste trabalho, apresentamos uma análise dos senta um interessante comportamento matemático
modelos de dinâmica de populações, do ponto de que é encontrado em outros fenômenos da natureza.
vista do estudo do número de indivı́duos de uma Além de resolver o problema de encontrar o número
população ao longo do tempo. Partimos do folclórico de indivı́duos de uma população no tempo, dado um
modelo de Fibonacci, passando por Malthus, Lotka-
Volterra e Fisher-Kolmogorov e mostramos como
estes modelos podem ser usados para descrever a Tabela 1: Modelo de Fibonacci. N e F representam os
evolução temporal das populações, a competição coelhos não férteis e férteis respectivamente.
reguladora intraespecı́fica, relação presa-predador, Mês Número de Casais
fenômenos de difusão e migração de espécies e também 1 N=1
2 F=1
o fenômeno da auto-organização e formação de 3 FN=2
padrão observado também em sistemas quı́micos, 4 FFN=3
fı́sicos e sociais. 5 FFFNN=5
6 FFFFFNNN=8
7 FFFFFFFFNNNNN=13
8 FFFFFFFFFFFFFNNNNNNNN=21

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conjunto inicial, esta sequência também é um exem- uma espiral bem próxima de várias espirais obser-
plo marcante da relação da matemática e a natureza, vadas em plantas e animais na natureza.
ou mesmo como os modelos matemáticos podem des- No corpo humano podemos encontrar o número
crever o comportamento de sistemas da natureza. de ouro em várias razões: distância dos ombros até a
Para uma breve descrição destas relações, devemos ponta dos dedos pela distância do inı́cio do cotovelo
analisar melhor a sequência de Fibonacci. Em 1611 até os dedos, altura do corpo pela distância do
Johannes Kepler, o autor das leis das órbitas celestes, umbigo ao chão.
descobriu que se tomarmos um termo da sequência Observando que estas razões criam estéticas agra-
de Fibonacci e o dividirmos pelo seu antecessor en- dáveis aos olhos humanos, Leonardo Da Vinci utili-
contramos o número φ que é um valor constante e zou deste recurso para criar o Homem Vitruviano e
irracional. Para um termo n no infinito este valor é a Mona Lisa, que podem ser consideradas expressões
dado por máximas de beleza e estética humana.
A distribuição de folhas em uma árvore também
F (n + 1) obedece a distribuição de Fibonacci que permite
φ = lim = 1, 618033989... (2)
n→∞ F (n) optimizar a captação de luz solar e chuva. Com estas
informações podemos criar uma estrutura metálica
Este número recebe vários nomes na literatura:
no formato de uma árvore, mas no lugar de suas
número de ouro, proporção áurea, divina proporção,
folhas colocamos placas fotovoltaicas para captar a
entre outros. Podemos encontrar o número φ de
luz solar e converter em eletricidade. Certamente
forma variada na natureza.
esta estrutura terá uma eficiência superior ao das
Alguns biólogos sabem que a divisão do número
captações convencionais que utilizam placas planas.
de abelhas fêmeas pelo número de abelhas macho em
uma colmeia será igual ao número Φ = 1, 6180 . . .
Nas folhas de girassol, o fator de aumento do 3. Modelo Malthusiano
diâmetro de suas espirais é igual a Φ = 1, 6180 . . .
Também a espiral da folha de uma bromélia ou da No estudo de dinâmica de populações, normalmente
concha do Nautilus marinho podem ser desenhadas estamos interessados em encontrar como o número
considerando o aumento do raio destas espirais cons- ou densidade de indivı́duos, de uma determinada
tituı́dos pelos lados de quadrados proporcionais ao população, evolui ao longo do tempo. Considere u(t)
termos da sequência de Fibonacci. Como ilustrado a densidade populacional, número de indivı́duos por
na figura 1, consideramos o primeiro noventa graus área, de uma dada espécie no tempo t. Um modelo
da espiral feita com um raio proporcional ao lado de geral, que nos dá a taxa com que esta densidade
um quadrado de lado 1, depois mais noventa graus populacional evolui no tempo pode ser escrito como:
com um raio proporcional ao lado de um quadrado
du(t)
de raio 2, depois 3, 5, 8,... Com isso conseguimos = NASCIMENTOS − MORTES +
dt
+ MIGRAÇÕES − EMIGRAÇÕES. (3)

Na equação (3), os termos a direita podem ser


inseridos de acordo com a situação de interesse.
O termo NASCIMENTOS, pode ser proporcional
à população e às taxas de MORTES podem ser
proporcionais ao negativo do produto do número de
indivı́duos da população. Podemos também não ter
taxas de MIGRAÇÕES ou EMIGRAÇÕES, como
ocorre com a grande maioria dos modelos.
A situação mais simples que podemos ter para
este problema de taxa é conhecido como modelo
Figura 1: Ilustração da ocorrência da espiral de Fibonacci malthusiano, em homenagem ao economista inglês
na natureza. Adaptado de: http://www.hypeness.com. Thomas Malthus. O comportamento de crescimento
br/2014/02/a-proporcao-aurea-esta-em-tudo-na- exponencial de uma população foi primeiramente
natureza-na-vida-e-em-voce/ apresentada por Malthus no ano de 1798 em um livro

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intitulado Primeiro Ensaio [2]. Para modelar ma- modelos dinâmicos mais sofisticados. Nesta mode-
tematicamente o modelo malthusiano não levamos lagem, se compararmos com o modelo de Malthus,
em conta o termo de migração e consideramos que o podemos identificar a taxa de crescimento como
número de nascimentos e mortes, são proporcionais
u(t)
 
a densidade ou número u(t) de indivı́duos. r 1− (7)
k
du(t) ou seja, uma taxa de crescimento dependente de
= au(t) − bu(t). (4)
dt u(t). A constante k é chamada de capacidade de
Nesta equação a e b são constantes positivas, que re- desenvolvimento do sistema, que é relacionado ao
presentam as taxas de nascimentos e mortes respec- tamanho do sistema e à quantidade de suprimento
tivamente. Solucionando a equação acima teremos sustentável disponı́vel. Os estados estacionários de
equilı́brio são encontrados fazendo du(t)/dt = 0 e
u(t) = u0 e(a−b)t . (5) são u(t) = 0 e u(t) = k. A equação logı́stica de
Verhuslt pode ser integrada exatamente utilizando o
com u0 sendo a quantidade inicial de indivı́duos. Na método da separação de variáveis e frações parciais
equação(5), vemos que se a > b a população cresce como segue:
indefinidamente e se a < b a população caminhará Z Z
du
para a extinção. Como podemos notar, este modelo rdt = 
u(t)
 = (8)
u 1−
se mostra irreal para tempos muito longos, pois k
existem outros fatores além das taxas de crescimen- du du u
Z Z  
= + ln + cte. (9)
tos e mortes que determinam como será a variação u k−u k−u
do número de determinada espécie para um dado
Resolvendo para u(t) teremos
grupo inicial. Para tempos curtos o modelo Malthu-
siano mostra um bom ajuste e uma boa predição u0 k
u(t) = . (10)
futura, com valores estatı́sticos reais em diversos u0 + (k − u0 ) exp(−rt)
trabalhos da literatura especializada [1–4]. Malthus
No modelo logı́stico de Verhulst, como ilustrado
sofreu várias crı́ticas não apenas dos cientistas como
na figura 2, notamos que a capacidade de desenvol-
dos polı́ticos, mas particularmente dos socialistas.
vimento do sistema, k, é o valor limite para o cresci-
Entretanto, embora seu modelo seja limitado, ele
mento da população, o que indica uma situação mais
foi o primeiro a apontar para um crescimento expo-
realista. Esse modelo se mostra mais apropriado pois
nencial da população humana, que vem acontecendo
uma determinada população não pode crescer mais
desde a revolução industrial até o final do século
do que as condições fı́sicas e de suprimento que um
XX.
determinado meio permite.

4. Modelo Logı́stico

Em 1838, o matemático Pierre François Verhulst


propôs que um processo auto-limitante deve ope-
rar restringindo o crescimento de uma população,
quando esta se torna demasiadamente grande [2].
A equação de taxa de crescimento proposto por
Verhulst é escrita como
du(t) u(t)
 
= au(t) 1 − . (6)
dt k

Nesta equação a e k são constantes relacionadas aos


processos de crescimento e de suporte do meio. Este
processo limitante foi batizado por Verhulst como Figura 2: Solução geral da equação de Verhulst, para r =
“Crescimento Logı́stico”(pois a sua solução é uma 0.8, k = 8.0 e vários valores do número inicial de indivı́duos
função logı́stica) e é encontrado em vários outros de uma determinada população.

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A equação (6) também pode ser reescrita na Lotka-Volterra como [2]:


forma:
du(t)
= au u(t) − bu u(t)v(t) (12)
du(t) r dt
= ru(t) − [u(t) · u(t)] (11)
dt k dv(t)
= av u(t)v(t) − bv v(t) (13)
dt
Neste novo formato observamos o aspecto cen-
Neste modelo, se não existissem os predadores, a
tral no modelo logı́stico que é a descrição das in-
população de presas cresceria exponencialmente se-
terações entre os indivı́duos representada pelo pro-
gundo o modelo Malthusiano, mas este crescimento
duto u(t)·u(t). Este é o primeiro modelo matemático
é regulado pelo encontro destas com os predadores
que descreve como um elemento de um sistema popu-
dado pelo produto do número de ambos. O número
lacional interage com outro, e são estas interações ou
de predadores por sua vez, deveria decrescer ex-
competições que fazem com que uma determinada
ponencialmente em uma região sem alimentos até
concentração de indivı́duos não cresça indefinida-
atingir sua extinção, mas este decréscimo é regulado
mente. Neste formato as interações são do tipo locais
pelo produto do número de presas pelo número de
pois um ocupante de um ponto no espaço interage
predadores. Estes comportamentos são regulados pe-
com outro, apenas quando este está no mesmo ponto.
las taxas au , bu , av e bv . A constante au indica a taxa
Uma interação não-local ou de longo alcance deve
de crescimento das presas, bu a taxa de predação das
ser introduzida conhecendo primeiramente a ma-
presas. O termo av se refere à taxa de crescimento,
neira como cada indivı́duo interage com os demais
taxa de eficiência ou frequência de encontro dos pre-
a uma certa distância.
dadores com suas presas e bv é a taxa de mortes dos
predadores. Podemos encontrar uma equação que
5. Modelo de Lotka-Volterra relacione u e v e verificar como é o comportamento
de uma espécie em função da outra, para um dado
O modelo de Lotka-Volterra tem um papel muito im- tempo t. Dividindo a equação (13) pela equação (12)
portante no estudo de sistemas ecológicos, pois foi o teremos
primeiro modelo proposto para tentar compreender (au − bu v) (−bv + av u)
como duas espécies estão relacionadas na dinâmica dv = du. (14)
v u
entre presas e predadores. Em 1925 o matemático
italiano Vito Volterra desenvolveu o modelo presa- Supondo que as densidades u e v têm valores ini-
predador, ao tomar conhecimento dos trabalhos do ciais u0 e v0 , podemos integrar a equação(14) nos
jovem zoologista Umberto D’Ancona. O estudo es- intervalos [u0 , u] e [v0 , v] para encontrar a relação
tatı́stico de D’Ancona, mostrou que houve um au- v u
mento do número de predadores como tubarões e a au ln( ) − bu (v − v0 ) = −bv ln( ) + av (u − u0 ).
v0 u0
diminuição de peixes predados pelos tubarões du- (15)
rante a suspensão da pesca em determinada parte do A equação(15) pode ser escrita da seguinte forma
mar Adriático na Itália, devido à Primeira Guerra
Mundial (1914 a 1918). No mesmo ano em que Vol- v au ubv e−bu v−av u = v0au ub0v e−bu v0 −av u0 , (16)
terra tornou-se um estudioso dos problemas da eco-
logia, o americano Alfred J. Lotka publica em 1924 ou utilizando a forma compacta
seu livro intitulado “Elements of Physical Biology”.
f (au , bu , v)f (av , bv , u) = f (au , bu , v0 )f (av , bv , u0 ),
Neste texto, Lotka discute a mesma modelagem
(17)
para estudar a interação presa-predador. Como esta
onde
lei foi proposta de forma independente por Lotka
f (a, b, x) = xa e−bx . (18)
e Volterra, este conjunto de equações ficou conhe-
cido como equações de Lotka-Volterra. Definindo Observe, equação (16), que para um dado valor de
u(t) como o número (ou densidade) de presas de v, digamos v = v1 temos dois valores possı́veis de u,
uma determinada espécie e v(t) como o número (ou o mesmo ocorre com os valores fixos de u, de modo
densidade) de predadores de outra espécie, essas que os pontos (v, u) tomados desta forma, geram o
duas quantidades se relacionam nas equações de gráfico mostrado na figura 3 A.

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Figura 3: Solução do modelo presa-predador. Em A o


espaço de fase (v, u). B apresenta a variação temporal
da densidade de presas e predadores, com u0 = 2.0 e
v0 = 2.0. As taxas de crescimento, competição e mortes
valem: au = 0.5, av = 0.7, bu = 0.5 e bv = 0.5.

A equação (16) pode ser solucionada para condições


iniciais u0 e v0 , juntamente com os parâmetros de
interações bu e av , e as taxas de crescimento e mortes
au e bv , dadas.
Na figura 3, mostramos o comportamento da
equação (16), para alguns valores dos coeficientes
e uma dada condição inicial, onde podemos obser-
var a relação periódica entre as duas densidades de
espécies.
Figura 4: Em A as flutuações da densidades de presas e
predadores no tempo. Em B o espaço de fase das densidades
5.1. Extinção de espécies (w, v, u). Estes gráficos são feitos para u0 = 1.0 = v0 = 1.0
Uma aplicação muito interessante do modelo de e w0 = 0.8. As constantes de crescimento e competição
valem: au = bu = cu = bv = bw = 0.5, av = aw = 0.7
Lotka-Volterra, pode ser feito para um sistema cons-
tituı́do de três espécies, sendo que duas são predado-
ras e uma é a presa. Matematicamente, este sistema
pode ser escrito como equivale a termos o mesmo predador. Com isso as
densidades flutuam no espaço de fase retornando
du(t) sempre para o valor inicial.
= u(t) {au − bu v(t) − cu w(t)}
dt Na figura 5 apresentamos a solução numérica do
dv(t) sistema de equações (19) para outros valores das
= v(t) {av u(t) − bv }
dt taxas de eficiência dos predadores. Neste caso ob-
dw(t) servamos uma interessante situação da ecologia de
= w(t) {aw u(t) − bw } . (19)
dt populações: dois predadores não podem coexistir no
Nas equações acima, vemos que a espécie u é uma mesmo nicho ecológico.
presa das espécies v e w. Como as equações estão Analisando a figura 5, quando diminuı́mos um
escritas, percebemos que não existe interação entre pouco a eficiência aw do predador w, no encontro
as espécies predadoras. com a presa u comparado com v, observamos que
O sistema de equações (19) pode ser resolvido a densidade destes predadores se anula ao longo do
simultaneamente por um método numérico dados tempo. Para o predador v ocorre o oposto, como
condições iniciais u0 , v0 e w0 e os valores dos coefi- estes têm uma taxa de eficiência maior, com o passar
cientes destas equações, que nos indicam as taxas do tempo os encontros entre presas e predadores ele-
de crescimento, eficiência e mortes destas espécies. vam a densidade destes predadores. Este resultado
Como ilustrado na figura 4, é curioso perceber ilustra um conhecido comportamento de espécies
que podemos manter, artificialmente, a coexistência na Ecologia, onde dois predadores não podem ter
de dois predadores em um mesmo nicho ecológico o mesmo nicho ecológico. Se duas espécies preda-
mantendo os valores de suas eficiências iguais, av = doras têm as mesmas necessidades, inevitavelmente
aw = 0.7. Eficiências iguais, no encontro com pre- uma dessas espécies tenderá à extinção. Resultados
sas, para dois predadores aparentemente diferentes semelhantes podem ser encontrados também em tra-

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podemos dizer que o fluxo material J, ~ de animais,


bactérias, vı́rus, etc é proporcional ao gradiente da
densidade material em um determinado ponto,
~ r, t) = −D∇u(~r, t).
J(~ (20)

Considere uma dada espécie de densidade u(~r, t) se


difundindo em três dimensões. Vamos supor que
estes indivı́duos estão confinados em uma superfı́cie
S que encerra um volume V . Nestas condições a va-
Figura 5: Evolução temporal do modelo Lotka-Volterra riação temporal da quantidade de material biológico
para dois predadores e uma presa. As condições iniciais são pode ser escrito como:
u0 = v0 = w0 = 1.0. As taxas de crescimento, competição
e mortes valem au = av = bu = bu = bv = cu = bw = 0.5 ∂
Z
e aw = 0, 4. u(~r, t)dv. (21)
∂t V

Esta taxa decresce com o fluxo material que sai


balhos mais especı́ficos, onde outras leis da Ecologia desta superfı́cie S:
são discutidas [2, 5, 6]. Z
− ~ r, t).d~s.
J(~ (22)
S
6. Equação de Fisher-Kolmogorov e a
modelagem do fenômeno de difusão A taxa equação (21) cresce segundo a produção de
material biológico dentro do volume V e é descrita
Nos modelos descritos até aqui, não nos preocu- pelo termo:
pamos como os indivı́duos de uma dada espécie
Z
f (u, ~r, t)dv. (23)
estão distribuı́dos no espaço. Sempre supomos que V
esta população está em uma determinada região do Na equação acima a função f (u, ~r, t) é chamada
espaço interagindo com constituintes desta, ou de de suprimento de matéria, que é a quantidade de
outras espécies. Mas sabemos que as espécies se di- material biológico por unidade de volume, que pode
fundem devido ao espaço ser heterogêneo. Vários fa- ser produzido ou destruı́do no volume V , devido ao
tores podem transformar uma região homogênea nas crescimento e mortes dos indivı́duos.
direções, em heterogênea: o clima pode dar direções A equação geral de conservação de matéria biológica,
preferenciais para uma espécie, o solo pode não ser pode ser escrita como o fluxo material que atravessa
adequado para a vida em determinadas regiões, a uma superfı́cie S somado à matéria que é produzida
vegetação pode não propiciar a existência de uma neste volume:
espécie especı́fica, a existência de um rio pode alterar

Z Z Z
e canalizar o fluxo das espécies em uma dada região, u(~r, t)dv = − ~ r, t).d~s +
J(~ f (u, ~r, t)dv.
∂t
gerando inomogeneidade espacial. Desta forma um V S
(24)
V

sistema biológico nunca se encontra sempre em um Utilizando o teorema da divergência, podemos es-
determinado ponto do espaço, mas pode estar se crever
distribuindo, ou se difundindo em determinadas Z Z
direções em busca de sobrevivência ou como um ~ r, t).d~s =
J(~ ~ r, t)dv.
∇.J(~ (25)
comportamento inerente às espécies. Esse processo S V
difusivo de indivı́duos de uma espécie assemelha-se Com o teorema da divergência a equação(24) pode
à difusão de partı́culas em um gás ou de uma deter- ser escrita como
minada concentração de substância em um lı́quido.
Para um gás, esse processo difusivo obedece à lei de ∂u(~r, t)
Z  
+ ∇.J(~
~ r, t) − f (u, ~r, t) dv = 0.
Fick, que nos diz que o fluxo de matéria J~ é propor- V ∂t
cional ao gradiente da densidade desta matéria que (26)
difunde. Guardadas as devidas diferenças, podemos Como o volume V é arbitrário, teremos
considerar que um sistema biológico também pode ∂u(~r, t)
obedecer à lei de Difusão Fickiana. Por analogia, + ∇.J(~
~ r, t) − f (u, ~r, t) = 0. (27)
∂t

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Utilizando a lei de Fick encontramos 7. Difusão de espécies no modelo


∂u(~r, t) presa-predador
− ∇. {∇ [Du(~r, t)]} − f (u, ~r, t) = 0. (28)
∂t
Considerando que a constante de difusão não tenha Uma sofisticação a mais pode ser introduzida ao mo-
uma dependência espacial, chegamos na equação delo de Lotka-Volterra, quando consideramos que
cada densidade de população pode se difundir no
∂u(~r, t) meio, durante o tempo de observação. Este termo é
= f (u, ~r, t) + D∇2 u(~r, t). (29)
∂t naturalmente justificado, devido à propriedade de se
Os processos de mortes e nascimentos f (u, ~r, t) po- difundir ou se dispersar de uma determinada espécie,
dem ser dados por interações e crescimento em um seja em um nı́vel macroscópico ou microscópico.
contexto malthusiano: Este fenômeno fı́sico, presente nas populações, é res-
f (u, ~r, t) = au(~r, t). (30) ponsável por distribuir indivı́duos em determinadas
regiões à medida em que estas ficam com pontos de
Podemos ter apenas interações destrutivas: saturação, o que é bem realista do ponto de vista da
f (u, ~r, t) = −bu2 (~r, t). (31) dinâmica de populações. Introduzindo esta dinâmica
ao sistema de uma presa e dois predadores e consi-
As interações também, podem ser escritas em um
derando uma situação unidimensional, o sistema de
contexto logı́stico:
equações de Lotka-Volterra pode ser escrito como:
bu(~r, t)
 
f (u, ~r, t) = au(~r, t) 1 − . (32)
a ∂u(x, t) ∂ 2 u(x, t)
= D +
Utilizando a forma logı́stica para o suprimento de ∂t ∂x2
matéria f (u, ~r, t), encontramos a famosa equação de + u(x, t) {au − bu v(x, t) − cu w(x, t)}
Fisher-Kolmogorov [2, 7, 8] ∂v(x, t) ∂ 2 v(x, t)
= D + v(x, t) {av u(x, t) − bv }
∂u(~r, t) ∂t ∂x2
= au(~r, t) − bu2 (~r, t) + D∇2 u(~r, t). (33) ∂w(x, t) ∂ 2 w(x, t)
∂t = D
Nesta formulação a constante a é chamada de taxa ∂t ∂x2
de crescimento e b a taxa de interação. Em com- + w(x, t) {aw u(x, t) − bw } (35)
paração com o modelo logı́stico de Verhust a capaci-
Neste conjunto de equações, a constantes D repre-
dade de suporte do sistema é dada por a/b e a taxa
senta a difusão das densidades populacionais u(x, t),
de crescimento logı́stica é dada por
v(x, t) e w(x, t), respectivamente. As constantes au ,
u(~r, t)
 
a 1− . (34) av e aw são taxas de crescimento ou eficiência da
a/b presa e dos predadores e os parâmetros bu , bv , bw
A equação de Fisher-Kolmogorov é a equação mais e cu são as taxas de competição entre uma mesma
simples que descreve um processo de difusão, cresci- espécie e entre espécies.
mento e auto-interação de uma espécie. Esta equação Na figura 6 temos a evolução do conjunto de
faz parte de um conjunto de equações muito conhe- equações de três espécies com termo de difusão.
cidas na quı́mica, chamadas equações de reação- Notamos como três distribuições de espécies se di-
difusão. Fisher sugeriu esta equação como um mo- fundem no espaço e interagem. Nos três painéis
delo determinı́stico para descrever como um gene da esquerda iniciamos com distribuições gaussia-
favorecido se difunde em uma população [7]. De nas simetricamente localizadas no espaço, no tempo
forma independente, em 1937 Kolmogorov estudou t = 0. Evoluı́mos estas equações, considerando to-
esta equação matematicamente com foco nos casos dos os coeficientes iguais, ou seja, consideramos as
em que f (u, ~r, t) tem raı́zes u = 0 e u = 1 [9,10], lem- eficiências dos predadores iguais e as taxas de cres-
brando que os estudos de Fisher são de 1936. Esta cimento e mortes iguais. Vemos que nesta estreita
equação também é muito útil na descrição de vários faixa de valores conseguimos a coexistência das três
outros fenômenos, como propagação de chamas [11], espécies em um harmonioso equilı́brio. À medida
descrição de fluxos de nêutrons em reatores nucle- que o tempo passa, paines da esquerda com t = 50 e
ares, dinâmica de defeitos em cristais lı́quidos [12], t = 300, as presas tendem a se distribuir procurando
ou mesmo o estudo do efeito do transporte com regiões de baixa densidade de predadores e a distri-
memória em sistemas difusivos [13]. buição de predadores cresce em regiões com maior

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Cunha e cols. e3302-9

Kolmogorov Convectiva. Esta equação pode mo-


delar vários processos de migração de populações e
fluxo material de bactérias. Podemos simular, por
exemplo em um sistema unidimensional, como uma
densidade populacional de predadores w(x, t), mi-
grando de um ponto para outro do espaço, com
velocidade v, interage com uma densidade de presas
u(x, t) estática. Nesta dinâmica teremos a invasão do
espaço destas presas pelos predadores, em um deter-
minado tempo de simulação e a evasão deste grupo
no final. Considerando uma taxa de difusão baixa,
comparado ao fluxo dos constituintes, as equações
que descrevem este processo são escritas como:

∂w(x, t) ∂w(x, t)
= −v + aw w(x, t)u(x, t)
∂t ∂x
Figura 6: Presa-predador no modelo Fisher-Kolmogorov − bw w(x, t),
para dois predadores e uma presa, considerando mobilidades
iguais, D = 1×10−4 . Do lado esquerdo a evolução temporal ∂u(x, t)
= au u(x, t) − bu u(x, t)w(x, t). (37)
para au = bu = cu = av = bv = aw = bw = 0.1. No lado ∂t
direito a evolução para au = bu = cu = av = bv = aw =
bw = 0.1 e aw = 0.07. As distribuições iniciais u(x), v(x) Na simulação ilustrada pela figura 7, vemos que
e w(x) são gaussianas. os predadores w migram da esquerda para a direita
com uma velocidade v = 0.05. Observe que devido
a competição intraespecı́fica sua densidade diminui
concetração de presas. Nos painéis da direita, reali- gradativametne, do painel t = 0, t = 2 e t = 4.
zamos a mesma evolução, mas agora considerando Em t = 6 os predadores encontram a colônia de
a eficiência do predador w(x) inferior à do predador presas u, que é seu suprimento, e começam a crescer
v(x), aw = 0.07 e av = 0.1. Nesta condição, teremos
a eliminação do predador w(x) tendo sua densidade
final anulada.

8. Fluxo e migração de espécies na


dinâmica de populações

Existem comportamentos difusivos em populações


que podem vir acompanhados de uma dinâmica de
fluxo, i.e, o fluxo associado às migrações de um
grupo de indivı́duos se deslocando de uma região
para outra buscando melhores condições para so-
brevivência. Levando-se em conta que a variação
espaço-temporal da densidade populacional ∂u(~ r,t)
∂t
pode ter uma componente de fluxo com velocidade
v, a equação de Fisher-Kolmogorov pode ser escrita
como:
∂u(~r, t) ∂u(~r, t) Figura 7: Presa-predador no modelo Fisher-Kolmogorov
= −v + D∇2 u(~r, t)
∂t ∂r Convectiva para uma presa estática e um predador que
+ au(~r, t) − bu2 (~r, t). (36) se move em sua direção. Os termos de crescimento são:
au = 0.3 e aw = 0.5, as constantes de competição valem:
Nesta formulação, equação (36), a equação bu = 0.5 e bw = 0.1 e a velocidade do fluxo convectivo w
de Fisher-Kolmogorov recebe o nome de Fisher- é v = 0.05.

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e3302-10 Evolução dos processos fı́sicos nos modelos de dinâmica de populações

exponencialmente, tendo este crescimento interrom- de vista de um elemento da população, quando um


pido após sair da região das presas em t = 15 e segundo indivı́duo entrar no raio de interação β este
t = 26. Observando a evolução temporal das presas, já o perceberá e, dependendo da escolha do peso
painel t = 0, t = 2 e t = 4, estas tem sua densidade f , esta interação será intensa ou não. Esta é uma
crescente ao longo do tempo até que seu espaço é descrição equivalente ao que ocorre nas interações de
invadido pelos predadores, painel t = 6, quando longo alcance de elétrons, bactérias, peixes, pássaros
sua densidade decresce drasticamente até o tempo e outros animais na natureza distribuı́das coletiva-
t = 15. Após a passagem dos predadores, t = 15 e mente, que apresentam forte necessidade em ficar
t = 26, as presas conseguem novamente estabelecer equidistantes dos demais vizinhos formando estrutu-
um rı́timo de crescimento que será indefinitivo caso ras regulares no espaço-tempo, as conhecidas figuras
não tenham seu território invadido por outra colônia de padrão [31].
de predadores. A equação de Fisher-Kolmogorov para interações
não-locais é escrita como:
9. Extensão do modelo de interação de ∂u(x, t) ∂ 2 u(x, t)
=D + au(x, t) +
Verhust: não-localidade nas interações ∂t Z ∂x
2
e o surgimento dos padrões −bu(x, t) fβ (x − x0 )u(x0 , t)dx0 . (40)
L
No âmbito da discussão sobre as possibilidades de
Mesmo sendo um modelo extremamente sofisticado,
aplicação da equação de Fisher-Kolmogorov, é inte-
equação (40), e que amplia enormemente as possibi-
ressante destacar a modelagem do fenômeno auto-
lidades de descrição das interações e a compreensão
organização e formação de padrão. Este comporta-
do mecanismo de formação dos padrões [25–31], a se-
mento da natureza se caracteriza pelo surgimento de
guir mostramos que com o uso de uma matemática
estruturas regulares espaciais e temporais que se for-
adequada é possı́vel subir mais um degrau nesta
mam por meio da auto-organização de constituintes
escalada da evolução dos modelos de dinâmica de
de um sistema [14]. A auto-organização e formação
populações e ampliar um pouco mais o entendimento
de padrão pode ser observado em inúmeros siste-
sobre sobre este tema.
mas: fı́sicos, quı́micos, biológicos e sociais [14–24].
Como proposto em [29], considere a seguinte equa-
Também pode ser estudado em diversas perspecti-
ção:
vas: experimentais, numéricas, analı́ticas e por si-
mulações e em vários nı́veis de aprofundamento [25– ∂u(x, t)
Z
=a gα (x − x0 )u(x0 , t)dx0 +
31]. Na perspectiva da Equação de Fisher-Kolmogorov ∂t LZ
normal em uma dimensão, −bu(x, t) fβ (x − x0 )u(x0 , t)dx0 . (41)
L
∂u(x, t) ∂ 2 u(x, t)
=D + au(x, t) − bu2 (x, t), (38) Nesta expressão é realizando uma aplicação da não-
∂t ∂x2 localidade também no termo de crescimento:
o ponto central da modelagem do fenômeno padrão é
Z
au(x, t) −→ a gα (x − x0 )u(x0 , t)dx0 . (42)
escrever as interações em um formato não-local [31], L
Com isso a população crescerá não mais com a con-
tribuição de u(x, t) apenas no ponto x, mas também
−bu(x, t) × u(x, t) −→ −bu(x, t)
Z devido a distribuição desta função em um alcance α
× fβ (x − x0 )u(x0 , t)dx0 . (39) pesada pela função de distribuição g(x − x0 ). Esta
L
proposta, equação (41), é uma generalização da
A não-localidade nas interações, equação (39), sig- equação (40) e como tal é capaz de resgatar a for-
nifica irmos além na descrição das interações pro- mulação anterior, equação (40) e também a equação
postas por Verhust. Nesta formulação não-local os de Fisher-Kolmogorov normal equação (38).
constituintes de um coletivo interagem com os de- A equação logı́stica de Verhust pode ser obtida
mais indivı́duos não apenas quando estão no mesmo considerando fβ (x − x0 ) = gα (x − x0 ) = δ(x − x0 ) na
ponto, x, do espaço, u(x, t) × u(x, t), mas interagem equação (41),
também com seus vizinhos a uma distância β pesa- ∂u(x, t)
das pela função de distribuição f (x − x0 ). Do ponto = au(x, t) − bu2 (x, t). (43)
∂t

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Cunha e cols. e3302-11

Para uma distribuição gα (x − x0 ) com um alcance


α finito, realizando a seguinte mudança de variável
y = x − x0 e expandindo u(x − y, t) em uma série
de Taylos em torno de y = 0, teremos

ay 2m ∂ 2m
Z
gα (x − x0 )u(x0 , t)dx0 =
X
a u(x, t) ,
L m=0
(2m)! ∂x2m
(44)
sendo os momentos y k escritos como
Z
yk = y k gα (y)dy. (45)

Fazendo fβ (y) = δ(y) e mantendo os dois primiros


termos na equação (44) encontramos a equação de
Fisher-Komogorov normal:

∂u(x, t) ∂ 2 u(x, t)
=D + au(x, t) − bu2 (x, t). (46)
∂t ∂x2
Agora a constante D obedece a relação: Figura 8: Estados estacionários, u(x), solucionando nu-
mericamente a equação (41) para alguns valores de β e
y2 α considerando gα e fβ funções constantes. As taxas de
D= a. (47)
2 crescimento e competição valem a = b = 1.

É importante observar, equação (47), que por meio


da não-localidade no crescimento a difusão D no Nesta figura observamos o mesmo comportamento
sistema pode ser conectada a taxa de crescimento para dois valores de β distintos. As estruturas de
a. Este resultado é extremamente importante e não padrões se formam e esvanecem a medida que a
pode ser observado em nenhum outro modelo. Mos- mobilidade aumenta, pois esta pressiona a população
tra que populações com elevada taxa de crescimento para uma difusividade maior no meio.
tem uma grande difusão no espaço. Podemos ci-
tar como exemplo os ratos e pequenos roedores, 10. Conclusão
tem elevados D e a, em comparação com animais
maiores como elefantes, pequenos valores de D e a. No presente texto discutimos os principais modelos
Espécies com elevado a criam uma certa onda de utilizados na literatura para descrever a dinâmica
pressão no espaço que é proporcional ao gradiente de uma população. Desenhamos uma trajetória no
de concentração D ∂x∂
u(x, t), gerando uma alta di- tempo tentando conectar as contribuições dos fenô-
fusividade destes indivı́duos no meio. Existe uma menos fı́sicos e aspectos matemáticos, segundo o
analogia interessante deste resultado com a difusão ponto de vista de nossa investigação, na aborda-
normal quando relacionamos a difusão D com tem- gem do problema da variação espaço-temporal do
peratura T do meio por: D ∝ T . A temperatura tem número de constituintes de uma população. Par-
um papel semelhante a taxa de crescimento: quanto tindo do simples modelos de Fibonacci discutimos
maior a temperatura do meio maior a difusão no como esta, a princı́pio artificial modelagem, pode
sistema. A intensidade das interações, b, pode ser conter uma infinidade de relações com a natureza.
análogo a viscosidade de um meio: atua para manter Avançamos um pouco e investigamos como os proces-
as estruturas de padrão ao longo do tempo, sendo a sos de crescimento exponenciais podem ser descritos
viscosidade inversamente proporcional a difusão. no modelo Malthusiano e posteriormente, segundo a
Para ilustrar o comportamento das soluções da abordem de Lotka e Volterra, como estes devem ser
equação (41), na figura 8 mostramos os estados regulados devido a incessante luta entre indivı́duos
estacionários destas soluções para tempo grande que chamamos de competição. Analisamos que a
e analisamos como é a dinâmica das interações e modelagem de Lotka-Volterra, mesmo sendo precur-
crescimento nos padrões observados nesta equação. sor no entendimento deste mecanismo e existindo

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e3302-12 Evolução dos processos fı́sicos nos modelos de dinâmica de populações

outras possibilidades, descreve vários comportamen- [6] A. Morozov, S. Petrovskii and B.-L. Li, J. Theor.
tos como a regulação do tamanho de uma colônia Biol. 238, 18 (2006).
e a extinção de uma presa não adaptada ao seu [7] R.A. Fisher, Ann. Eugen. 7, 355 (1936).
nicho. Mostramos os passos de como chegar ao fa- [8] M.E. Solomon, Dinâmica de Populações (E.P.U Edi-
tora Pedagógica e Univesitária Ltda, São Paulo,
moso modelo de Fisher-Kolmogorov que contém em
1976).
sua essência a possibilidade de explicar qual é o [9] C. Borzi, H.L. Frisch, R. Gianotti and J.K. Percus,
mecanismo responsável pela difusão de uma espécie J. Phys. A 23, 4823 (1990).
no espaço. Resolvemos um sistema de equações de [10] A. Kolmogorov, I. Petrovskii and N. Piskunov, Mos-
presa e predador com difusão, na perspectiva de cow Unio. Bull. Math. 1, 1 (1937).
Fisher-Kolmogorov, e pudemos compreender que [11] W. van Saarloos, Phys. Rev. A 37, 211 (1988).
a difusão faz com que as presas busquem regiões [12] J. Canosa, J. Math. Phys. 10, 1862 (1969).
[13] G. Abramson, A.R. Bishop and V.M. Kenkre, Phys.
com baixa densidade de predadores. Os predadores,
Rev. E 64 , 066615 (2001).
com alta mobilidade, tendem à ir para regiões com [14] M.C. Cross and P.C. Hohenberg, Rev. Mod. Phys.
maior concentração de presas e, ao contrário, os pre- 65, 851 (1993).
dadores com baixa mobilidade ou baixa eficiência, [15] P. Berge and M. Dubois, Phys. Rev. Lett. 32, 1041
tendem a extinção em um determinado tempo de (1974).
observação pois não conseguem atingir as regiões [16] D. Binks and W. van de Water, Phys. Rev. Lett.
onde estão as presas. Também realizamos uma modi- 78, 4043 (1997).
ficação na equação de Fisher-Kolmogorov trocando a [17] M.G. Clerc, D. Escaff and V.M. Kenkre, Phys. Rev.
E 72, 056217 (2005).
dinâmica difusiva por uma convectiva, tentando en-
[18] B. Legawiec and A.L. Kawczynski, J. Phys. Chem.
tender como se comporta uma colônia em um fluxo A 101, 8063 (1997).
migratório. Estudamos, matematicamente, como é a [19] P.C. Fife, J. Chem. Phys. 64, 554 (1976).
invasão de predadores em um local onde existe uma [20] T. Leppanen, M. Karttunen, R.A. Barrio and K.
distribuição gaussiana de presas. Verificamos que os Kaski, Braz. J. Phys. 34, 368 (2004).
predadores tendem a extinção antes de chegar ao lo- [21] S. Genieys, V. Volpert and P. Auger, Mathematical
cal das presas e crescem exponencialmente quando Modelling of Natural Phenomena 1, 65 (2006).
[22] K.A. Dahmen, D.R. Nelson and N.M. Shnerb, Jour-
alcançam este espaço. Para as presas ocorrem o
nal of Mathematical Biology 41, 1 (2000).
contrário com sua distribuição, sendo quase extintas [23] T. Leppanen, M. Kartunen, K. Kaski, R. Barrio and
com a passagem do fluxo de predadores e retornando L. Zhang, Phys. D 168, 35 (2002).
a crescer após a passagem dos mesmos. Nosso último [24] R. Hoyle, Pattern Formation an Introduction to
degrau nesta escalada infinita foi apresentar a ge- Methods (Cambridge University Press, New York,
neralização da Fisher-Kolmogorov incluindo termos 2006).
não-locais na interação e crescimento. Discutimos [25] M.A. Fuentes, M.N. Kuperman and V.M. Kenkre,
como esse último estudo nos possibilita obter uma J. Phys. Chem. B 108, 10505 (2004).
[26] V.M. Kenkre and M.N. Kuperman, Phys. Rev. E
relação entre a difusão e taxa de crescimento, D ∝ a,
67, 051921 (2003).
em uma população, em analogia com a difusão e [27] J.A.R. da Cunha, G.R. Resende, A.L.A. Penna, R.
temperatura, D ∝ T , em sistemas fı́sicos. Morgado and F.A. Oliveira, Act. Phys. Pol. B 40,
1473 (2009).
[28] J.A.R. Cunha, A.L.A. Penna, M.H. Vainstein, R.
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(Springer-Verlag, Berlin, 2002). Phys. Rev. E 83, 015201 (2011).
[2] J.D. Murray, Mathematical Biology I: An Introduc- [30] J.A.R. Cunha, A.L.A. Penna and F.A. Oliveira, Acta
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[3] B.D. Seti, M. de Fátima, B. Betencourt, N.T. Oro, [31] J.A.R. Cunha, L. Cândido, A.L.A. Penna and F.A.
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Passo Fundo 7, 137 (1999). e2310 (2016).
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