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Fevista de Educação, vol.

lX, na2, 2000


Departamentode Educaçáo da F.C. da U.L.

A coNTRovERSA
AcEtrAçÃoDATEoRtADATEcroNtcA
DE PLACASA LUZ DAS IDEIASDE KUHN

ANTONIO ALMEIDA
Escola Superior de Educação de Lisboa

Ser científico é, entre outras coisas, ser objectivo e


ter espírito aberto. Provavelmentenenhum de nós
acredita que o cientista da vida real conseguena
pnitica realizar tal ideal.
Kuhn

TNTRODUçAO ciência (quase)sem História, que ignora tanto o progresso


do conhecimento científico como os seus processosde
Quando se aborda a necessidadede todas as pessoas construção.
terem uma formação científica básicapensa-sena aquisição E certo que,por vezes,surgemnos manuais,em algumas
de um conjunto de conhecimentos que, pelo seu valor unidades dos diferentes programas das várias Ciências
intrínseco, pelo seu significado na história da humanidade, Naturais, concepções e teorias ultrapassadas.Todavia, o
pela sua universalidade,se consideramessenciaispara a modo como são introduzidas e exploradas induzem à
compreensãodo mundo em que vivemos. Contudo, Hodson consideração frequente de que os nossos antecessores
(1998) defendeque a literacia científica implica não apenas sofriam de uma certa ingenuidade colectiva, já para não
uma mas três dimensõesfundamentais: aprender ciência referir situações nas quais essasteorias são apresentadas
- adquirir conceitos e conhecimentos teóricos1,fazer como claro sinal de insensatez,em que concepções
ciência - desenvolver capacidadesespecíficas inerentes desprovidas de cientificidade são contrapostas às ideias
ao processocientífico, nomeadamenteatravésdo trabalho actuais, estas sim, "científicas", verdadeirase definitivas.
prático; reflectir sobre a natureza da ciência - Outrasvezes,apontam-sepercursorespÉÌraasideiasvigentes
comprender o modo como o conhecimento científico se que são propositadamente descontextualizados,
constrói e as característicasda sua metodologia. Para este fragmentam-se e valorizam-se as partes do trabalho que
aspectoé fundamentaladquirir métodosde análisefilosófica podem ser facilmente consideradascomo contribuições do
e algum conhecimentode História da Ciência. enunciado actual, procura-se acentuar a ideia de que as
Se, em Portugal, o domínio da aquisição de teorias hoje aceitesforam objecto de uma construçãolenta
conhecimentossemprefoi o objectivo central dos diferentes mas determinada no caminho da verdade, finalmente
currículosde ciências,a segundadimensãosó veio a adquirir alcançada.Como pergunta Deléage (1993), não será este
um peso crescentea partir do início da décadade setenta. modo de olhar o passadoapenasuma forma de dar satisfação
Assim se explica a valonzação que progressivamentefoi aos critérios actuais da "boa" ciência? Ou então, como
dada à realização de actividades práticas centradas nos questiona Gould (1989), esta utilizaçáo do passado não
alunos e, por isso, implementadas com finalidade não visaráexclusivaÍnentecriar heróis paraos nossospropósitos
meramente ilustrativa. Por seu lado, a componente actuais, ignorando aiqueza do pensamentohumano ou a
epistemológica tem sido a menos desenvolvida, senão pluralidade das formas de conhecimento?
mesmo ignorada, tanto por aqueles que concebem os Pensamosque a reflexão sobre a natureza da ciência
currículos como pelos autoresde manuais escolares.Estes, é uma componente da literacia científica que importa
em geral, limitam-se a oferecer aos alunos dos diferentes valorizar. Ela deve apoiar-seem dois elementos:na história
níveis de ensino (do 1" ciclo ao superior) uma visão de dasdiferentesciênciasnaturais,a qual, também ao contrário

29

I
do que por vezes parece, raramente foi parcelar' e numa integrada, apoiados na reflexão epistemológica e na
dimensãoepistemológicaque permita tornar mais explícita compreensão do desenvolvimento histórico de teorias
a ideia de progresso do conhecimento científico, científicas que lhes são familiares.
problematizar questões relacionadascom os processos
científicos, verificar da aplicabilidadede diferentesmodelos coNcEPçÕES DE KUHN ACERCA DA CONSTRUçÃO
de compreensãoda ciência propostos por nomes tão DA CIÊNCIA
diferentescomo Popper,Kuhn, Lakatos ou Bachelard' Mas
para que tal seja possível, é necessário que, também, os Para caracterizar o emprendimento humano que
professorestenham tido alguma formação epistemológica. constitui a Ciência, Kuhn consideraas seguintesetapasque
Esperamosque este estudo possacontribuir para mostrar a se desenvolvemao longo do tempo: pré-ciência- ciência
pertinência deste tipo de abordagens na formação de normal - crise/revolução- nova ciência normal - nova crise.
professores.Abordagenstanto mais importantesquantoelas
permitirem contrariar a visão tendencialmenteindutivista crÊNcra NOVA

da construção da ciência encontrada entre os professores


pnÉ-panRucl,rÁrtcn CIÊNCIA
NORMAL
(Hodson,1998).
É nosso objectivo procedera uma aplicaçãodas teses
de Kuhn, expressasprincipalmente em Á Estrutura das
RevoluçõesCientíficas, ao domínio da Geologia, ciência
à qual este autor apenasfaz referênciaspontuais. Como crÊNcLq, REvoLUçÃO
se sabe,na exemplificação das suasideias, Kuhn recorre NORMAL
fundamentalmente às teorias da Física e da Química, TEMPO
circunstância a que não é certamente alheio o facto de
ter iniciado a sua carreira universitária como físico
teórico. Figura 1. Ideia de Kuhn acerca do modo como a Ciência
A nossaatençãocentrar-se-ána crise relacionadacom se constrói(Giere,1989,p.75).
a aceitaçãoda teoria da deriva continental propostapelo
cientista alemão Alfred Wegener (1880-1930) no início Esta perspectivadescontinuistaimplica o entendimento
do século XX e cujo desenvolvimentomodificado, após de que qualquer teoria científica é efémera, muito embora
uma acesadiscussãode cerca de meio século, estevena o peíodo de tempo durante a qual é aceite (ciência normal)
origem da posterior teoria da Tectónica de Placas. Esta possaser mais ou menos longo. Daí que, em associação
teoria, que revolucionou as ciências geológicas a partir com o conceito de ciência normal, Kuhn tenha avançado
dos anos sessenEa, altura em que foi subscritapor toda a com a noção de paradigma. "São paradigmas todas as
comunidade cieritífica, caracteriza-sepela defesa da tese realizações científi cas universalmente reconhecidas que,
da mobilidade lateral dos continentes e tem consequências durante algum tempo, fornecem problemas e soluções
na interpretação de praticamente todos os processos modelares para uma comunidade de praticantes de uma
geológicosconhecidos. ciência" (Kuhn, 1992, p. l3). Adoptado por sucessivas
Embora, como veremos, as ideias de Kuhn se mostrem geraçõesde cientistas, o paradigma é adquirido durante a
especialmentepertinentes para a compreensãodesse suaformação.E ele que fornece "as regrasdojogo, descreve
episódio recente da História da Geologia, tal não significa as peçascom que se devejogar e indica o objectivo que se
que não existam aspectos em que essa aplicabilidade se pretendealcançar" (Kuhn, 1979,p.65). Por outraspalavras,
revela discutível. um paradigmaé uma teoria explicativa, fonte de métodos e
Por último, e visto que a teoria da Tectónica de Placasé técnicas, áreasproblemáticas e padrões de solução aceites
leccionada no Ensino Secundário em "Técnicas por uma comunidade científica amadurecida'
Laboratoriais de Geologia" e em "Ciências da Terra e da Exemplos clássicos, apontadospelo próprio Kuhn, no
Vida" (se bem que de forma indirecta), e que a Filosofia da seio das várias Ciências da Natureza, são os Principia e a
Ciência domina parte do programa de "Introdução à Óptica de Newton, a Electricidade de Franklin, a Química
Filosofia", a presenteproblematizaçãotem ainda como de Lavosier ou a Geologia de Lyell. Segundo Kuhn, os
objectivo contribuir para fomentar a interdisciplinaridade paradigmas constituem uma aquisição tardia no processo
entre estas iíreas do saber, num sistema de ensino onde a de desenvolvimento científico. Na verdade, os primeiros
especializaçãose agudizae as articulaçõesentre disciplinas consensosno seio das diferentes ciências da natureza
são praticamente inexistentes.Pensamosque algumas das surgemapenasapóso Renascimento,ainda que muitos dos
dificuldades sentidas pelos alunos do Secundário em problemas científicos que eles vêm teorizar tivessem sido
consequênciada disciplinaridade estanqueque caracteriza objecto de discussãodesdea Antiguidade Clássica.
os nossoscurrículos poderiam ser ultrapassadas,visto que Desta forma, o estabelecimentodo primeiro paradigma
passariam a poder abordar alguns assuntos de forma numa determinada ciência é sempre precedido de um

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peíodo pré-paradigmático(pré-ciência), que se caractenza vislumbra uma visão holística interpretativa dos diferentes
por uma multiplicidade de escolasem competiçãoincapazes fenómenos geológicos. Todavia, porque a divulgação
todas elas de fazerem prova das suas tesese, portanto, de científica e a troca de ideias entre cientistasnão tinha então
produzirem consensos.No casoda Geologia, segundoKuhn qualquer paralelo com a actualidade e se traduzia por um
(1992) a fase pré-paradigmâtica compreende toda a muito menor número de conferências e publicações, é
Geologia Histórica antes de Hutton até ao século XVIII. A compreensível a coexistência de interpretações
constituição do primeiro paradigma fica a dever-se ao dissemelhantesdurante períodos mais prolongados. Desta
contributo de dois geólogos: JamesHutton (1726-1797) e forma parece-nosaceitável a tese de Kuhn segundo a qual
Charles Lyell (1797-1875) 9ue, embora não a aceitação das ideias de Lyell funcionou efectivamente
contemporâneos,devem ser associadospela proximidade como elemento aglutinador para a maioria dos geólogos,
e complementaridadedassuasteorizações.Na interpretação isto é, vai permitir a instauração do primeiro paradigma
do registo geológico, ambos defendem o Princípio do geológico no decurso do século XIX. A não observância
Uniformitarismo em oposição à escola catastrofista deste aspecto levaria a admitir o prolongamento da fase
dominanteque, baseadana análiseliteral da Bíblia segundo pré-paradigmâticada Geologia até depois da 2'metade do
a qual a Terra teria cerca de 6000 anos, consideravaque o século XX o que, dado o extraordinário progresso que as
planeta tinha sido sujeito a uma série de acontecimentos ciências geológicas alcançaram desde o século XIX,
catastróficos,relativamente recentes. pensamos ser inadequado. Para além disso, a luta entre
Ao propor o Uniformitarismo, Hutton afirma que o algumas das referidas escolas continua viva sem que tal
presente é a chave do passado. Grande parte do que faça verdadeiramente perigar a existência do paradigma
compreendemosacercado passadogeológico é baseadona vigente2.
observaçãodo funcionamento actual do planeta. Por essa
razãoos processosgeológicosque vemos modificar a crosta A C O N S T R U ç Ã O D O P R T M E T R OP A R A D T G M A
continental devem ter actuado da mesma forma ao longo .GEOLOGICO
do tempo geológico. Daí que, como afirma, "o caos e a
confusão não devem ser consideradoscomo explicação da Procuremos agora ver em que grandes linhas
harmonia da naturezasó porque certos factos se mostram à conceptuaisse apoia o primeiro paradigma geológico.
nossaobservaçãocomo se resultassemde desordem.Tão- No século XIX a interpretação geológica centrava-se
pouco se devem inventar causasquando se consideram na estratigrafia, considerando-seigualmente que as rochas
insuficientes as que ressaltam da nossa experiência" não obedeciam todas à mesma dinâmica de formação.
(Hutton, citado por Read, 1976, p. 22).Estamos perante Consequentemente,as rochas magmáticas tinham a sua
uma visão cíclica dos fenómenos em oposição à visão origem no interior do planeta,ao contriírio das sedimentares
sequenciale linear aceitena época(Presse Siever, 1998), que se formavam em bacias de sedimentação.
ideia que acaboupor ter ilustração naquilo a que chamamos E então que a cronologia das formaçõespara a História
actualmenteas discordânciasangularese que foram objecto da Terra é definida, tendo sido posteriormenteconsolidada
de um estudo interpretativo pormenorizado. Hutton é ainda em 1901 por uma comissãointernacional.Com base nos
recordado como pioneiro do Plutonismo, teoria que princípios fundamentais da estratigrafia (sobreposição,
estabeleciaa origem ígneaintrusiva do granito, em oposição continuidade e identidade paleontológica), o sistema
ao Neptunismo, que lhe atribuía origem sedimentar. permitiu o estabelecimentode uma cronologia relativa para
As suasideias, com reduzido impacto na comunidade formações em vários pontos do globo centradano registo
científica da altura, foram retomadase ampliadasno século fossilífero. O facto de se encontrarem fósseis idênticos de
XIX por Lyell em Principles of Geology (1830-3). Se animais e plantas terrestres em continentes afastadosfoi
Hutton pode ser legitimamente consideradocomo o pai explicado, particularmente para os primeiros seres vivos,
fundador da Geologia moderna, a verdade é que só com a pela existênciade antigoscontinentesentretantosubmersos
aceitaçãodas ideias de Lyell pela comunidade científica a e/ou pela existência de antigas pontes transcontinentais.
Geologia abandona o seu período pré-paradigmático e Assim se explicava a mobilidade inter-continental dos
conquista o seu primeiro paradigma. animais, uma vez que os processosde dispersãodas plantas
Esta perspectivanão é porém isenta de contestação. eram mais facilmente compreensíveisa partir dos agentes
Assim, para Marques (1998) é difíc1l concluir que a mais comuns.como o vento e animaisvoadores.Como se
comunidadegeológica de 1850 a 1950 estivessejá unida admitiam afundamentos de porções continentais, as
em torno de um paradigma. Especialmenteno decurso do r e g r e s s õ e se t r a n s g r e s s õ e sm a r i n h a s e r a m t a m b é m
século XIX, assiste-seainda a uma competiçãosaudável explicadas por oscilaçõesna profundidade do maq que
e n t r e e s c o l a s c o m c o n c e p ç õ e sd í s p a r e s a c e r c a d a s aumentavaquandoos continentesse afundavame diminuía
interpretaçõesdo mundo natural, tais como o Neptunismo devido à acumulaçãode sedimentosno seu fundo.
e o Diluvionismo, o Catastrofismo, o Uniformitarismo, o Admitia-se que toda a Terra sofre mudanças graduais
Plutonismo, o Fixismo e o Mobilismo, isto é, não se ao longo do tempo e, devido à isostasia,existiamobilidade
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vertical da crosta. Este processo resultava do facto de os vertical, já admitida pela isostasia). Trata-se de uma tese
continentes serem formados por rochas graníticas, ditas paraa qual Wegenerapresentauma multiplicidade de provas
ácidas,ricas em sílica e alumínio (SIAL) "flutuando" sobre as quais,segundoHallam (1985), ultrapassamlargamente
materiais mais densosde naturezabasáltica,ricos em sflica as propostas de outros cientistas que, quer antes quer na
e magnésio (SIMA). Quando a erosão ia levando ao sua época, tinham avançadouma ideia semelhante.Tal foi
desaparecimentoda camada superficial de um continente, o caso dos americanosTaylor e Baker que, exactamentena
este tinha tendência a subir por alívio de carga (Allègre, mesma data (em 1908), e de forma independente,haviam
1988). defendido ideias semelhantesàs de Wegener.Se recuarmos
A formação de montanhas era igualmente objecto de um pouco mais,podemosaindareferir os casosde Snidere
análiseinterpretativa, procurando-seexplicar processosde F i s h e r q u e , b a s e a d o sp r i n c i p a l m e n t e n a a f i n i d a d e
dobramento e falhamento em consonância com o seu seométrica das linhas de costa da América do Sul e da
interesseestratigráfico. Considerava-sea orogénesecomo Afri"u, ainda no século XIX (em 1858 e 1882,
o resultado de fenómenos de contracção decorrentes do respectivamente)defendema possibilidadede, pelo menos,
arrefecimento do planeta, o qual implicava a acomodação algunsdos continentes,terem estadounidos. Snider recorria
gradual dos materiais e originava em simultâneo enornes a ideias catastrofistasparajustificar o afastamento,fazendo
depressõesque constituíam as bacias oceânicas. Esta coincidir o decursode uma série de acontecimentosentre a
explicaçãonão eracontudo partilhadapor Lyell que, embora criação e o dilúvio com as descrições bíblicas. Fisher
não tenha dado grande desenvolvimento à orogénesena misturava concepçõesactualmente aceites com a ideia de
sua obra, explicava a formação das montanhasigualmente contracção dos continentes. É por isso. que pretender
como produto da isostasia,visto que a expansãodecorrente encontrar neles os percursoresdo novo paradigma nos
da subida da crosta seria responsávelpela compressão parece injustificado.
lateral, deslocamentoe consequenteinclinação dos estratos A ideia da mobilidade continental surgiu a'Wegener
(Gohau,1988). pela primeira vez em 1910. Ela ter-lhe-á sido inspirada
Embora marcado por algumas divergências, foi neste pela observaçãoda quebra do gelo glacial aquando da
quadro teórico que se desenvolveu, quase até meados do formação dos icebergs e motivada pela notável
século XX, um peíodo de ciência normal na Geologia. correspondência existente entre as configurações das
Como sempreacontece,esteparadigmageológico permitiu linhas costeirasde ambos os lados do Atlântico. A sua
enormesprogressos.De facto, "uma das razõespelas quais hipótese levou-o ainda a interpretar factos assinaladospor
a ciência normal piÌrece progredir tão rapidamente é a de paleontólogosda época e descritosem artigos acercada
que os seus praticantes se concentram em problemas que existênciade fósseis idênticos em continentesafastados,
somente a sua falta de engenhopode impedir de resolver" para além de outras evidênciasencontradasno seutrabalho
(Kuhn, 1992,p.60). A cumulatividadeda pesquisanormal, de campo.
que tem na sua base o pensamento convergente da Especialmenteimportante terá sido também o facto de
comunidade científica adquirido no decurso da educação Wegener ser um crítico da ideia da contracção da Terra e
científica e aeentuadopela vida profissional, "deve o seu do surgimento de enrugamentoscomo seu resultado. Ora,
sucesso à habilidade dos cientistas para seleccionar a hipótesede mobilidade continental permitia-lhe defender
regularmente fenómenos que podem ser solucionados que as montanhas que se estendem ao longo do contorno
atravésde técnicasconceptuaise instrumentaissemelhantes ocidental da América do Norte e do Sul podiam ser
às existentes"(Kuhn, 1992,p. 130).Daí serfrequenteuma explicadas como o resultado do efeito do enrugamento
novidade científica emersir simultaneamenteem vários provocado pelas deslocaçõesdestescontinentespara oeste.
laboratórios. Os Himalaias teriam resultadoda colisão da India com o
restoda Ásia em temposgeológicoscomparativamentemais
PERíODOSDE CRISE/REVOLUçÃO recentes.
Mas, para que as suasideias pudessemser aceitespela
SegundoKuhn, a crise começa com a consciênciada comunidade,Wegenerteve que apresentarum conjunto de
anomalia. Mais do que um simples quebra-cabeçastípico argumentos muito forte. Como diria Kuhn, não só a
do período de ciência normal, a anomalia tem de ser novidade em ciência emergecom dificuldade, como ainda
suficientementeforte para pôr em causa,de forma clara, as tem que enfrentar a resistência da comunidade científica
generalizaçõesfundamentaisdo paradigmavigente. O novo mergulhada numa série de compromissos e adesões
paradigma pode emergir antes que a crise esteja bem característicosda sua própria coesão.
desenvolvidaou mesmoreconhecida(Kuhn, 1992). Os principais argumentosde Wegener na defesa da
Foi precisamenteessepapel de iniciador da crise que deriva foram os seguintes(Hallam, 1985):
coubeaAlfred Wegener.Wegenercausaum impacto imenso L A análise estatísticada topografia terrestre
na comunidade científica do seu tempo ao defender a tese evidenciava dois nivelamentos predominantes,
da mobilidade horizontal dos continentes (para além da correspondentesà superfície dos continentese ao
fundo oceânico abissal.O primeiro, formado por .Ílri$ -ld;t::t:rxr
rochas mais leves de tipo granito; o segundo,de
nattJÍezabasáltica,gabroica e peridotítica, logo de
maior densidade.Assim, a subsidênciade zonas
continentais revelava-se completamente
desajustada.
2. A teoria da isostasia supunha que o substrato
subjacenteà crostaterrestreactuavacomo um fluido,
facilitador de movimentos verlicais. Desta forma,
n ã o h a v i a r a z õ e s p a r a q u e o s c o n t i n e n t e sn ã o
pudessemmover-seigualmentena horizontaldesde
que existissemforças com magnitudecapaz de os
mover.
J. Pelo recursoa observaçõesgeodésicas,e com base
na sua formação de astrónomo, Vy'egenerprocedeu
à medição, pelo método da triangulação,de
distânciasna superfície terrestre,o que lhe permitiu
demonstrar o afastamento da Gronelândia em
relaçãoà Europa.
+ , A similaridadelitológica das formaçõesde ambos
os lados do Atlântico, associadaao ajustamentode
zonasorogénicas,forneceu igualmentea Wegener
um argumento geológico de peso para a tese da
deriva dos continentes.
5. Em termospaleontológicos,Wegenerverificou que
muitos fósseis do Paleozóico superior e do
Mesozóico eram comuns aos continentes
meridionais,agoraseparados pelo oceano,o que lhe
abria caminho para refutar também a tese da
existênciade pontes transcontinentaiscomo forma
de permitir a mobilidade dos animais. Para além de
contrárias ao princípio da isostasia, as pontes
transcontinentaisrevelavam-sede aplicabilidade
nula para certos anelídeos,moluscos costeiros e Figura 2. A Evoluçãona posiçãodos continentesproposta
'Wegener
terrestrese peixesde águadoce. por respectivamente no Carbónico Superior,
6. De acordo com um último argumento,de natureza Eocénicoe início do Quaterniírio(Bower, 1992).
paleoclimática,.Wegener mostrou que, no final do
Pérmico. a América do Sul, a Africa, a India e a Uma questãose pode então definitivamente colocar:
Tendo o trabalho de Wegener alcançado uma tão elevada
A u s t r á l i a t i n h a m v i v e n c i a d o u m p r o c e s s od e
glaciaçãocomum que só podia ser explicável se os consistência,como explicar a relutância da comunidade
referidos continentes se encontrassemunidos. científica em o aceitar?
Tambémsó atravésda derivaerapossívelexplicar a O facto de se propor a mobilidade Ìateral de grandes
distribuiçãode depósitosde evaporitose gesso,que massascontinentaisnão deixade seruma ideiaespectacular.
indicam condiçõesde forrnaçãocalmasem ambiente Mas para possibilitaro movimento é necessáriauma força
árido, carvões indicadores de clima equatorial a (ou mais do que uma) que por ele possaser responsável.
subtropical,assimcomo uma sériede outrasrochas Neste sentido, Wegener avançou a ideia de que a força
sedimentares. impulsionadoradas movimentaçõesprovinha da rotação
do planeta associadaà atracção gravitacional do Sol e da
Assim, em Die Entstehungder Kontinenteund Ozeane Lua (Young, 1986), e provocava a deslocaçãodo Sial na
(1" ediçãoem 1915,com sucessivas ediçõesreformuladas), camadamais densa,o Sima. Mas Wegenertinha consciência
Wegenerpropõeuma teoria consistentecapazde explicara de que era em termos de explicaçãomecânicaque a sua
evolução nas posiçõesdos continentesdesde o final do teoria revelava maior fragilidade. Sabia que a sua teoria
Paleozóico, quando estes se encontravam unidos num ofereciaalgumaslacunasao nível do mecanismocausador
supercontinente,a Pangea,até à suafragmentaçãosucessiva da deriva. Por isso, afirmava que o Newton da deriva
até à actualidade. continentalaindanão tinha surgido.Quer isto dizer que, se
JJ
os cientistastinham aceiteo movimento orbital dos planetas em função dos processosque podem continuar a ser
em torno do Sol antesde Newton o ter explicado em termos observadosnos dias de hoje. De facto, Wegener, embora
da atracção gravítica provocada pela referida estrela, da argumentasseque a deriva se prolongava até à actualidade,
mesma maneira, a comunidade científica podia aderir às postulava um seu misterioso começo no início do
suasideias,independentementede o fenómeno se encontrar Mesozóico que havia prosseguidode forma direccional até
totalmente explicado. Mas esta adesãonão se verificou e, ao presente,o que era interpretado,por alguns geólogos,
para Íal, foi determinante a não indicação por lWegenerde como uma explicação contaminada pela perspectiva
uma força credível capaz de explicar a movimentação dos catastrofista(Bowler, 1992).
continentes.
Estamosperanteum episódio da História da Geologia DOS RESISTENTESAOS VANGUARDISTAS
que é bem explicado à luz das ideias de Kuhn para quem
a maior parte dos cientistas recusa ideias novas porque O quadro de resistênciadescrito é, para Kuhn, frequente
procura manter a concepção teórica no seio da qual tem sempreque surgemnovasideias.Esteaspectodesmistifica
exercido toda a sua actividade investigativa a qual, em algumasdascaracterísticasque vulgarmente sãoatribuídas
sua opinião, não pode ser posta em causa de forma aos cientistas, nomeadamentea sua abertura de espírito,
irresponsável.Assim se explica a fonte de resistênciaà disponibilidade para a inovação e capacidade de
novidade e acerleza (ou a esperança)de que o paradigma reconhecimentodo erro. Estavisão idealizadados cientistas
antigo acabe por resolver todos os problemas (Kuhn, ignora a dificuldade que estesmanifestam em aceitar novas
1992). ideias,esqueceque, sendoa Ciência um empreendimento
No entanto, Kuhn faz também notar que, para além das humano,há factoresde naturezasociológica,psicológica,
novas concepções teóricas apresentadas,outros aspectos política e económica que influenciam os indivíduos
de natureza psicológica podem igualmente condicionar a (Hodson, 1998). De facto, a emergênciade um novo
aceitação de um novo paradigma pela comunidade paradigma pode pôr em causao trabalho e a aprendizagem
científica.Mais uma vez,ïoi isso que se verificou na crise de uma vida, o prestígio e a própria sobrevivência
provocada por Wegener. Alguns cientistas, como por económicados praticantesda ciência normal. Se é no quadro
exemplo o paleontólogo Berry, puseram em dúvida não de um paradigma que os cientistas constroem a sua
tanto as tesesde Wegener como a sua categoria enquanto reputação,o seu abandono vem pô-la em causa, o que
investigadorevocandoa suametodologiade trabalho.Berry naturalmente induz uma enorme ngidez profissional.
vai mesmo ao ponto de afirmar: "O método de Wegeneç Muitos agÍuram-seà falta de provas,atacandoaslacunas
em minha opinião, não é científico, visto que segue a do novo paradigma, embora ignorem as lacunas do seu
trajectória de uma ideia inicial, faz uma busca selectiva próprio. Foi o que aconteceu quando a descoberta da
através da bibliografia para encontrar provas. ignora os radioactividade em 1909 veio provar que o calor produzido
aspectosopostos a esta ideia, e termina com um estadode pelo decaimento radioactivo era incompatível com a ideia
autointoxicação no qual a sua ideia subjectiva acaba por de uma Terra em arrefecimento. isto é. veio tornar
ser considerada como um facto objectivo" (citado por impossível explicar a orogénesea partir da contracção do
Hallam,p.126). planeta.Kuhn refereaindaque,mesmoquandoas anomalias
Como vemos,o método de Wegenerfoi objecto de duras se acumulam e as evidências se tornam irrecusáveis, são
críticas. Contudo, estas podem ser facilmente em geral detectadoscasos de teimosia. Como o próprio
compreendidasfape à concepçãoferozmente indutivista da Wegener, inconformado com algumas críticas, reconhece
construção do conhecimento geológico, dominante na relativamentea algunscolegas:"Se tivessemaprendidoas
comunidadecientífica do final do séculoXIX e do princípio teoriasdastranslações(dos continentes)na escola,defendê-
do século XX e que foi influenciada fortemente pelas las-iam do mesmo modo acrítico e com a mesma falta de
posições expressaspelo geólogo americano Chamberlin, compreensão com que defendem o afundamento dos
seguidor da concepçãode Bacon defendida em Novum continentesnos oceanos"(citadopor Hallam, 1985,p. 128).
Organon em 1602. Chamberlim era contra aquilo que ele No entanto, nem sempre a resistênciaé tão brutal. Por
designavapor uma teoria directiva. Assim, o geólogo vezes manifestam-se formas atenuadasde cepticismo. A
deveriair para o campo desprovidode teoriasprévias,numa este nível importa recordar as palavras de Lamplugh, um
espéciede estadode inocência,com a mente como uma dos cientistaspresentesna reuniãoda Royal Geographical
tabula rasa. Ora a construçãode Wegenerapoiava-semais Society, em 1923: "Poderá parecer surprendenteque nos
na articulação de estudos provenientes de diversas áreas dediquemosà discussãode uma teoria tão vulnerável como
do que num exaustivo trabalho de campo. a de Wegener.No entanto, quero chamar a atençãopara o
Outra objecção de naturezametodológica prendia-se facto de a ideia de os continentes poderem não estar fixos
com a compatibilidade entre a teoria da deriva e o já provocar nos geólogos alguma predilecção, apesar do
mencionado Princípio do Uniformitarismo, então fracasso demonstrado por Wegener ao tentar prová-la"
globalmenteaceite,e segundoo qual o passadoé explicado (Hallam, 1985,p.122).

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Ainda, segundoKuhn, as questõesmais pertinentessão abertos às novas ideias. Apesar de, enquanto estudantes,
aquelasque surgem no ataque aos pontos mais frágeis da raramente serem encorajadosa ler os clássicos do seu
nova teoria. Na teoria em análise,tal foi o caso das críticas campo, aspecto que Kuhn considera fundamental para a
de Jeffreys, geofísico inglês que, emThe Earth,publicado interiorização de outras maneiras de olhar que permitem
em 1924, demonstrou, através de cálculos matemáticos, a analisarproblemas,conceitos e soluçõespadronizadosque
impossibilidade de as forças apresentadaspor Wegener, a comunidade científica actual rejeitou, a sua juventude
dada a sua fraca magnitude, serem geradoras da deriva torna-osmais atentosà novidade.Nestesentido,é pertinente
continental.E, de facto, não é de estranhaÍque a comunidade recordar que Wegener tinha 30 anos quando lhe surgiu a
científica tenha mostrado o seu cepticismo, evocando em ideia da deriva continental.Acresceque a suarica formação
primeiro lugar os problemas não resolvidos que a nova e experiênciapluridisciplinareslhe davam uma flexibilidade
teoria apresentava.Que força pode ser responsável pela que muito terá contribuído para a combinação dos
deriva continental? Por que razào o supercontinente(a argumentos geofísicos, geodésicos, geológicos,
Pangea)começou a sua fragmentação?Se se consideraque paleoclimáticos e paleontológicos que apresentou.
podem surgir grandes cordilheiras como resultado da T a m b é m , s e g u n d o K u h n , s ã o " o s c i e n t i s t a sq u e
movimentação das massascontinentais, como explicar a partilham os interessese as sensibilidadesdo indíviduo que
existência de cadeias orogénicas mais antigas, como é o descobrea teoria nova que aparecemprovavelmente, ipso
caso das cinturas caledónicase apalachianas? facto, com desproporcionadafrequência,entre os primeiros
Como Kuhn afirma, com tantasperguntase dúvidas "em apoiantesdessateoria"(Kuhn, 1989,p. 392). Foi o casodo
tempos de crise, o equilíbrio entre argumento e contra- cientista sul africano Du Toit, que tinha chamado a atenção
argumento pode algumas vezes ser muito grande e com para a estreita semelhançaentre a Geologia do Paleozóico
frequênciaa balançapenderápara atradição" (Kuhn, 1992, e do Mesozóico da Africa do Sul e da parte oriental da
p. 198). O que pretendemostrar é que as teorias não cedem América do Sul. Este trabalho é referenciadopor Wegener
ao primeiro ataquepois que, setal acontecesse, era a própria na 4uedição da sua obra anteriormentecitada. Du Toit veio
ciência que estaria em risco por falta de coerência interna. efectivamente a transformar-se num importante discípulo
Se o confronto conceptualduranteos períodosde crise pode e apoiante incondicional de Wegener.Em Our Wandering
levar alguns cientistas a abandonar a ciência face à sua Continents,publicado em 1937, jâ apósa morte do cientista
inabilidade para lidar com a própria confrontação, no alemão, apresentauma completa sistematizaçãodos seus
entanto, durante os períodos de crise há também aqueles argumentosa favor da teoria da deriva dos continentes.
que defendem o novo paradigma desdeo início, apesardas O quadro de crise apresentadonão obedeceu a um
múltiplas imprecisões que este em geral apresenta.Trata- crescendoao longo do tempo na contestaçãoao paradigma
se para Kuhn de uma questãode fé, motivada, é certo, pelo vigente.A polémica foi-se atenuandoaté meadosda déçada
facto de o antigo paradigma se revelar cada vez menos de cinquenta,fruto principalmente da incapacidadeda nova
adequado.Mais uma vez, as teses de Kuhn se revelam teoria paraencontrarum mecanismogeradordo movimento
pertinentespara a análise da crise em questão. horizontal das massascontinentaisque fosseconvincente.
'A carta recebida por Wegener após a apresentaçãodas
suas ideias num congressointernacional do seu colega O NOVO PARADIGMA
Milankovitch, com o qual tinha mantido anteriores
c o n t a c t o s m o t i v a d o s p e l o i n t e r e s s ed e a m b o s p e l a Como Kuhn repetidamente refere, o paradigma
paleoclimatologia, é. eloquente: "Estou totalmente sob a condiciona toda a actividade prática dos cientistas,uma vez
influência da sua brilhante conferência. A impressão foi que o tipo de instrumentos e equipamentosespecializados
forte porque você se limitou aos factos mais importantes e a que os cientistas recorrem se encontram ao serviço da
porqueos argumentossurgiramde uma forma muito precisa. resolução de problemas da investigação normal. Todavia,
Não me preocupa absolutamentenada que nem todos os não deixa de considerar que, frequentemente,certos
detalhes geológicos encaixem na sua representação.O instrumentosdesenvolvidosnuma especialidadepodem, ao
mesmo pode aplicar-seàquelesque se dedicam a investigar seremassimiladospor uma outra áreadisciplinar, provocar
o mecanismo que existe por detrás de fenómenos naturais nestauma crise.
complexos. Quem passaa vida inteira acumulando factos, Na teoria em discussãoesta ideia revela-semais uma
é incapaz de penetrar para lá desses factos"(citado por vez adequadavisto poder constatar-seque pesquisas
Hallam, p.129). desenvolvidas com outros objectivos acabaram por
Como aspectosdeterminantespara a não aceitaçãode possibilitar um acumular de novas evidênciasque, nos anos
um novo paradigma, Kuhn destaca,parualém de factores cinquenta, vieram recuperar as ideias de Wegener.Assim,
de naturezapsicológica, a experiência anterior do cientista, apósa segundaguerramundial, investigaçõesno domínio
nomeadamentequandoo seutrabalho dependede conceitos da geofísica e do estudo da topografia submarina, ainda
e técnicas postos em causa pela nova teoria. E por essa que desenvolvidospara fins militares, transformaram o
razão que considera serem os jovens cientistas os mais nosso conhecimento do planeta. Estudos geofísicos
35
evidenciaram que a crostado oceanoera diferente da crosta técnicas radiométricas e de datação das rochas e da
continental e estudos de refracção sísmica permitiram interpretação do registo da magnetização das rochas da
determinar as respectivas espessurase, indirectamente, a crista Calberg no Índico. Neste local foram detectadas
densidade,constatando-sea inexistência de continentes rochas com magnetização, ora normal ora inversa ao
submergidos.Além disso, o desenvolvimentode sondas esperado,apresentandoestepadrãouma simetria em relação
acústicaspermitiu o estudo muito mais completo da à crista montanhosa.Ainterpretação propostapela referida
topografia submarina, pondo a descobertoa existência de dupla foi a seguinte: Se a camada principal da crosta
um sistema de cristas montanhosasem todos os oceanos, oceânica se formou como consequênciade uma corrente
como a central atlântica e a dorsal pacífica, mais ou menos convectiva ascendenteno centro de uma crista oceânica,o
quebradas,e semelhantesàs mais altas cordilheiras da terra resultado será a magnetizaçãodas rochas, ficando nelas o
firme. Posteriormente, outras investigaçõesconstatarama registo do campo magnético da Terra, ao tempo do seu
existênciade vulcanismo activo nestaszonas. arrefecimento. Com o alastramento do fundo oceânico
Assim, nos finais dos anos cinquenta,Hess,geofísico formam-se faixas laterais e simétricas à crista
americano, colocou a hipótese da expansãodos fundos correspondentesaos períodos em que o campo magnético
oceânicos,em que, nomeadamente,propunhaque o fundo foi normal e aos períodos em que foi invertido. Esta
oceânicose criava nas cristas oceânicase se estendiaaté interpretaçãofoi publicada no artigo "Magnetic anomalies
às fossasmarinhas,introduzindo-sepor debaixo delas no over oceanic ridges" na conceituada revista Nature, em
manto. Estabeleceuque nesteprocessoos continenteseram 1963. O próprio facto de ter sido aceite para publicação
transportados,numa perspectiva diferente da de Wegeneq evidencia o desgastedo paradigma vigente, constituindo o
e recuperou as ideias do seu colega britânico Holmes ponto de viragem na recuperação da teoria da deriva
segundoo qual o que provocava toda a movimentação(e continental, agora com novas evidências e numa nova
igualmente a fragmentação)era a existênciade correntes perspectiva.
de convecçãono manto. Como Hess afirma: "A crista do E a partir de 1965 que o geofísico canadiano Wilson
Atlântico central está numa posição média porque as áreas propõe, pela primeira vez, a ideia de Tectónica de Placas
continentais de cada lado se têm afastado à mesma que foi conceptualmente desenvolvida por Morgan. Este
velocidade. Isto não é bem o mesmo que a deriva dividiu a Terra em vários blocos desiguais(placas),rígidos
continental (...) uma vez que apenas são transportados e com 100 km de profundidade média e, actualmente,
passivamentesobre os materiais do manto, sendo os denominados como placas litosféricas. Desta forma, e ao
materiais desteque saem atravósdas cristase transladam contrário da ideia de Wegenerpara quem o movimento dos
lateralmente os materiaisjá formados" (citado por Hallam, continentes se processavapor cima do sima, é a litosfera
1 9 8 5 ,p . 1 4 1 ) . como um todo que semovimenta sobrea astenosfera,sendo
A hipótese de Hess viria a ser confirmada em 1963 pela os continentesmerospassageiros(Fig. 3).
dupla Vine e Matthews através do aperfeiçoamento das Estasplacas encontram-sedelimitadas por um ou mais

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Figura 3. Na Tectónicade Placasos continentessão merospassageiros,arrastadospela expansãodos fundos oceânicos


(Grovese Hunt, 1980).

36
. Êt

dos três tipos de bordo que, de seguida, se mencionam: a explicar alteraçõesclimáticas, em alguns casos
d o r s a i s o c e â n i c a s ,o n d e s e c r i a n o v a c r o s t a ; f o s s a s relacionadascom processosde regressãoe transgressão
oceânicas,onde a crosta é destruída;falhas transformantes, marinhos associadosà distribuição e acumulação de gelo
onde não existe nem destruiçãonem criação. Um princípio nos continentes,assimcomo prever a localização dejazidas
básico desta teoria é que a quantidadede crosta criada nos com elevado interesse económico, como as dos
bordos divergentes das placas deve ser igual à quantidade combustíveisfósseis.
destruída por subducção nos bordos convergentes,o que Para além destas característicasde uma "boa" teoria,
permite ainda explicar a relativa juventude da crosta Kuhn defende ainda que não são de menosprezar nem o
oceânicaquando comparada com a continental. A Pangea, poder argumentativo de quem a defende, nem factores
formada há aproximadamente 200 milhões de anos, terá estéticos,que funcionam paraele como mais um argumento.
sido o resultado da deriva de várias massascontinentais Como afirma: "nas artes,a estéticaé, por si, o objectivo do
que, colidindo, se agregaram.Para se aproximarem terão trabalho. Nas ciências é, quando muito, uma ferramenta:
outrora estado juntas num anterior supercontinente que um critério de escolha entre teorias que, noutros aspectos,
poderá ter existido há,750 M.A. e que sofreu um processo sãocomparáveis,ou um guia para a imaginação na procura
de fragmentação em tudo idêntico ao da Pangea(Press & de uma chave para a solução de um enigma técnico
Silver, 1998).Destaforma o processotenderáa sercíclico, intratável" (1989,p. 410). Por issoconsideraque há razões
em sintomia com o Uniformitarismo. que,tendo pouco a ver com a objectividadee o racionalismo,
No final dos anos sessenta,a nova teoria desenvolvida levam à aceitaçãode uma nova teoria. Relembremos a este
por Morgan, Mackenzie e Le Pichon provocou uma propósito o título com que Du Toit denominou o livro onde
verdadeiraconversãoda comunidade científica (Le Pichon defende a deriva continental, Our Wandering Continents.
foi um deles). O grupo dos defensoresdo imobilismo ficou Tal designaçãometafóricaconstitui um apelo directo à nossa
reduzido a uma minoria obstinada que recusava qualquer sensibilidade e somos quase obrigatoriamente conduzidos
nova evidência. Como diz Kuhn /199 "num determinado a uma espéciede sonho. Também Hess, em History of the
momento do processo de aprendizagemde tradução, o Oceans Basls, publicado em 1962, obra na qual propõe a
indivíduo descobre que a transição já ocorreu e que ele expansãodos fundos oceânicos,está conscientede que a
deslizou para a nova linguagem sem ter tomado qualquer sua ideia se encontravapouco fundamentadae, por isso, a
decisãoa esserespeito" (p. 250). denominoude geopoesia.
Kuhn ( 1989)defendeque uma teoria para seraceitedeve
ter as cinco característicasseguintes: Exactidão - as EM POLÉMICACOM KUHN
consequênciasdeduzíveis de uma teoria devem estar em
concordância demonstradacom os resultados das Por último, gostaríamosde chamara atençãoparao facto
experimentaçõese observaçõesexistentes',Consistência- de a Tectónicade Placaspermitir questionaras dificuldades
interna e na suarelação com outras teorias aceites;Alcance c o l o c a d a sp o r d u a s d a s t e s e s m a i s p o l é m i c a s d a
- e s t e n d e r - s em u i t o p a r a a l é m d a s o b s e r v a ç õ e s ; epistemologia de Kuhn; a incomensurabilidade dos
Simplicidade - ajudar a compreenderfenómenosque sem paradigmas e a não cumulatividade do conhecimento
ela dificilmente seriam interpretados; Fecundidade - científico.
desvendarfenómenos ou relações anteriormente não Kuhn defende que os paradigmas (antigo e novo) são
verificadas entre fenómenos conhecidos. incomensuráveisvisto envolverem ideias e concepções
Foi exactamenteisso que aconteceu com o novo distintas.Mesmo quandoutilizam os mesmostermos,estes
paradigma da Tectónica de Placas. Estudos posteriores passama ter um significado diferente. Segundo Kuhn e a
vieram reforçar a ideia de que a nova teoria oferecia aquelas suateseda incomensurabilidadedos paradigmasestaúamos
características.Sendo notória a simplicidade dos seus apenasperanteum novo modelo explicativo dos fenómenos,
conceitos,as observaçõesrevelaram-seconsistentescom novo modelo que não serianem mais nem menosverdadeiro
os seusprincípios. O seu alcanceexplicativo, fecundidade que o anteriormas apenasoutro.A consistênciaentrea teoria
e consistência permitiram incorporar fenómenos e os factos existe em todos os paradigmas antes das
aparentementetão dísparescomo: processosorogénicos - anomalias graves gerarem crises importantes. Daí Kuhn
cordilheiras montanhosase arcos insulares;distribuição de afirmar que "talvez tenhamos que abandonar a noção,
vulcões e sismose profundidadedos epicentros;variação explícita ou implícita, segundo a qual as mudanças de
do fluxo térmico em diferentes locais; extinção de espécies paradigma levam os cientistase os que com eles aprendem
e especiação numa articulação perfeita com a teoria da a uma proximidade sempremaior da verdade" (Kuhn, 1992,
evolução. O novo paradigma permitiu ainda encontrar p.213). Em aparenteconcordânciacom as tesesde Kuhn,
justificação para a formação de diferentes tipos de rochas e a Tectónica de Placas, uma vez estabelecida,passou a
minerais(algunscom interesseeconómico)em função dos fornecer um quadro interpretativo distinto para fenómenos
diversosambientesgeotectónicos.As diferentesposições e factos já conhecidos.Fenómenoscomo a presençade
dasmassascontinentaisao longo do tempo ajudam também fósseisidênticosem continentesafastados,a formação de
31
cadeias de montanhas, alteraçõesclimáticas associadasa século XX. Noções como paradigma, pré-ciência,crise-
fenómenos de regressãoe transgressão,adquiriram agora revolução, anomalia, revelaram-se na globalidade um
um novo significado, sendorelacionadoscom as diferentes modelo consistentecapaz de explicar o modo como se
posiçõesdos continentesao longo da história geológica da desenvolveram as etapas abordadas da História da
Terra. Daí a concepção de que a ciência é não cumulativa Geologia. Mais, tivemos oportunidade de verificar a
porque o novo conhecimento não substitui a ignorância. p e r t i n ê n c i a d o s o b s t á c u l o s p s i c o l o g i s t a sq u e K u h n
Ele limita-se a anular factos científicos que passama deixar reconhecepoderementravaro processodo conhecimento
de o ser. No entanto, como defender uma posição não científico. Na verdade, o reconhecimento retrospectivo de
cumulativista quando se constata que todo o sistema que as ideias de Wegenerestavamcorrectasno essencial
estratigráfico estabelecido em meados do século XIX foi leva a questionar o porquê de uma controvérsia que se
objecto de um contínuo aperfeiçoamentoao longo do século arrastou no tempo perto de 50 anos. Se é verdade que a
XX, possibilitado pela utilização de microfósseis, e sua teoria oferecia imprecisões,do exposto parecepoder
incorporado, em muitos dos seusaspectos,na dinâmica da retirar-se que aspectos intrínsecos à natureza humana e,
nova teoria? p o r i s s o , n e c e s s a r i a m e n t ep r e s e n t e sn o s c i e n t i s t a s ,
Kuhn admite que o novo paradigma leva a uma acabarampor constituir o maior obstáculoà aceitaçãoda
compreensãosempremais refinada e detalhadadanatvreza sua proposta de mobilidade continental. Efectivamente,
o que constitui uma clara alusão à existência de progresso uma visão mais personalizada da ciência passa por
científico. No entanto, contesta a ideia de que essa considerar as formas pelas quais o conhecimento, a
compreensãoobrigue a pensaro emprendimento científico experiência, os valores e aspirações dos cientistas
como um processo em direcção à verdade. Mas não será influenciam o tipo de ciência que produzem,assim como
pretensãode qualquer cientista essa aproximação?Será condicionam os seus procedimentos e atitudes. Nesse
satisfatório compreender a evolução da Ciência apenas sentido, que melhor ilustração do que a afirmação
como um processode refinamento não direccionado?Não proferida por Chamberlin, num simpósio em 1926: "Se
seria nessecaso pertinente a crtúca de Dunbar (1995) de temos de acreditar na hipótese de Wegener temos de
que as teorias científicas passariam a ser um produto da duvidar de todos os conhecimentosque aprendemosnos
cultura a que os cientistaspertencemsem qualquervalidade últimos setenta anos e começar de novo"(citado por
externa? E, como Hallam (1995) vai ao ponto de afirmar, Hallam, 1985,p. 151).
não seráque a teoria da Tectónica de Placas,devido ao seu Porém, algumas das ideias de Kuhn não deixaram de se
alcanceexplicativo, se tornou, para usar a terminologia de revelar igualmente polémicas quando consideradasna
Popper, uma teoria impossível de falsificar? Mas, colocar presente abordagem.Nesse sentido, pensamosque a
esta questão não será incorrer na cegueira da comunidade epistemologia de Kuhn só teria a ganhar se reconhecesseo
científica em relação aos fenómenos que não se ajustam valor da interdisciplinaridade na construção do
aos limites do paradigma para a qual justamente Kuhn conhecimento científico. Embora Kuhn não deixe de
alertou? Acreditar na teoria como solução definitiva não salientarque, por vezes,as descobertasnoutros campos são
serácair naquelaespéciede ilusão, conscienteou não, de responsáveispelo surgimentode situaçõesde crise em áreas
que todos os problemas se encontram efectiva e mais ou menos longínquas, a verdade é que para Kuhn é a
definitivamente resolvidos, para a qual Kuhn matriz disciplinar que invariavelmente se encontrana base
constantementechama a atenção? da comunicação profissional e da unanimidade relativa do
Como Kuhn sublinha, a comunidade acredita no juízo profissional. Não seráque a especializaçãoem ciência
paradigmaem que trabalha.Mas, simultaneÍÌmente,é nessa constitui um obstáculo à inovação e um reforço da
crença que têm origem a precisão e o alcance de um actividade rotineira que caracterizaos períodos de ciência
paradigma, aspectosque aumentam a sua sensibilidade às normal? Não seráque, embora menos comprometidos com
anomalias,ou seja, se essaé a causada sua resistênciaà o paradigma vigente, porque mais novos e portanto sem
inovação,ela é também arcíz da sua fecundidade. um percursojá feito a defender,osjovens cientistasrevelam
menor sensibilidadeinterdisciplinar em virtude do modelo
coNsrDERAçÕES FTNATS de formação escolar tendencialmente especializado que
vivenciaram? Por outras palavras, não será a consciência
N e s t e a r t i g o t e v e - s e c o m o m a i o r d e s a f i o a interdisciplinar uma determinação que se vai acentuando
demonstraçãoda aplicabilidadedas ideias de Kuhn, tanto com a experiência, o mesmo é dizer com a idade?
no modo como historicamente a Geologia surgiu como E possívelque estasduas dimensões,ajuventude dos
disciplina científica autónoma no final do século XVIII cientistas e a formação interdisciplinar, apesar de
como, e especialmente,quando relacionadascom toda a funcionarem como tendênciascontrárias,possam ser
controvérsiaassociadaà aceitaçãoda Teoria da Tectónica determinantes para o questionamento de um paradigma.
de Placas que teve como percursora a teoria da deriva Ora, o que é mais surpreendenteé que, nestecaso,Wegener,
continental propostapor Wegenerna segundadécadado o grande proponente da teoria da deriva dos continentes,é

38
^ {)l "

alguém que, simultaneamente,reuneessasduasdimensões. e da Natureza, Lisboa: Publicações Dom Quixote.


Apesar dejovem, era doutorado em astronomiae tinha uma Dunbar, R. (1995). The trouble with science. Londres: Faber &
visão alargada da ciência, o que lhe permitiu a liberdade Faber.
intelectual e a mobilidade conceptual necessáriaspara Giere, R. (1989). AnaÍureza da ciência - Uma perspectiva
conceber uma hipótese que se afastava das linhas da iluminista pós-moderna. Revista Colóquio-Ciências, 6, 72-
Geologia tradicional. Destaforma soubeincorporar estudos 84.
de outros domínios na sua proposta e criticou sempre a Gohau, G. (1988)- História da geologia. Lisboa: Publicações
parcialidade disciplinar dos seus críticos, considerando a Europa-América.
Geologia uma disciplina integrativa. Gould, S. (1989). Quando as galínhas tiverem dentes. Lisboa:
Gradiva.
Quantos outros debates igualmente estimulantes e Groves, D. G. e Hunt, L. M. (1980). Ocean World Encyclopedia.
capazesde contribuir para melhor compreendera natureza Nova lorque: Mcgraw-Hill.
da Ciência se encontram ienorados? Hallam, A. (1985). Grandes controversiasgeológicas. Barcelona:
Editoral Labor.
Notas Hodson, D. (1998). Teaching and leaming science: Towards a
personalized approach. Londres: Open University Press.
t Estavisãoé frequentee traduz-se,por exemplo,pelapublicação Kuhn, T. (1979).
A função do dogma na investigação científica.
da História da Física,a História da Biologia ou a História da In M. M. Carrilho (Ed.). História e prótica das ciências (pp.
Geologia,correspondendo na práticaa uma visão redutorada 43-75). Lisboa: Regra do Jogo.
construção do coúecimentocientíficomascompreensível faceà Kuhn, T. (1989).Atensõo essencial.Lisboa: Edições70.
organizaçãodo mesmo. Kuhn, T. (1992). A estrutura das revoluções cientfficas (3" ed.).
2A estepropósitosãode assinalarasactuaisdiscussões acercada São Paulo: Editora Perspectiva.
extinçãodosdinossáurios emqueo confrontoentrecatastrofistas Marques, L. (1998). Teoria da tectónica de placas - Contributos
e gradualistasassumeenorÍnerelevância. relativos ao seu percurso histórico. In J. Praia e L. Marques.
Didríctica da geologia e formação de professores (pp. 47-
REFERÊNCIAS 93). Aveiro: Universidade de Aveiro.
Press,F. & Siever, R. (1998). Understanding earth (2" ed.).Nova
Allègre,C. (1988).A espumada terra. Lisboa:Gradiva. Iorque: Freeman & Company.
Bower,P.J. (1992).Theenvironmental sciences.Lonües:Fontana Read, H. (1976). Geologia - Uma introdução à história da terra.
Press. Lisboa: Publicações Europa-América.
Deléage,J. P.(1993).História da ecologia.Umaciêncindo homem Young, L. B. (1986). O planeta azul.Lisboa: Editorial Presença.

39
A coNTRovERSAAcEtrAçÃoDATEoRtADATEcTóNtcADE pLAcASÀ luz DAStDEtASDE KUHN

RESUMO
Estetrabalhopretendevalorizar a dimensãoepistemológicada literacia científica, componenteem geral menosabordada
nos currículos de ciências em praticamente todos os níveis de ensino.
Nessesentido,analisa-sea pertinênciade alguns aspectosda epistemologiade Kuhn quando aplicadasà crise motivada
pela teoria da deriva continental. Propostapor Vy'egenerno início do séculoXX, estateoria, apósacesadiscussão,acabaria
por ser aceite nos anos sessentana versão reformulada da Tectónica de Placas.

Palavras-chave.' Epistemologia das Ciências; Literacia científica; Paradigmas da Geologia; Concepçõesde Kuhn;
Deriva dos continentes; Tectónica de placas.

PLATE TECTONICSCONTROVERSYANALYSED BY KUHN'S IDEAS

ABSTRACT
This article aims to emphasize the learning about science, as an element of scientific literacy, the so often least
approachedcomponent of sciencecurricula acrossthe whole educational system.
In this sense,we try to analysethe relevance of some thesesof Kuhn's epistemology when applied to the crisis raised
by the theory of continental drift. A theory which, proposed by Wegener in the beginning of the 20th century, would
finally, after strong discussion, be acceptedin the 60's by the scientific community under the reformulated version of
Plate Tectonics.

Key-words: Philosophy of Science; Scientific literacy; Paradigms of Geology; Kuhn's ideas; Continental drift; Plate
tectonics.

LA CONTROVERSEAUTOUR DE L'ACCEPTATIONDE LA THÉORIEDE LA TECTONIQUEDES PLAQUESÀ PARTIR


DE L'ÉPISTÉMOLOGIE
DE KUHN

ResuuÉ
Ce travail prétend mettre en valeur la dimension épistémologique de I'alphabétisation scientifique, I'aspect le moins
traité dans les curricula scientifiques pratiquement dans tous les niveaux d'enseignement.
Dans ce sens,on analysela pertinence de quelquesthèsesde l'épistémologie de Kuhn en les confrontant avec la crise
autour de la théorie de la dérive continentale. ProposéeparWegener au début du XXème siècle, cette théorie, aprésun vit
débat,finirait par être acceptéedans les années60 par la communautéscientifique sousle nom de Tectonique des Plaques.

Mots-clés: Épistémologie des Sciences;Alphabétisation scientifique; Paradigmesde la Géologie; Thèses de Kuhn;


Dérive des continents; Tectonique des plaques.

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