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POLÍTICA E SERVIÇO SOCIAL: RELAÇÕES CONTEMPORÂNEAS EM

DEBATE.

Fabrício Augusto Araújo Ribeiro 1

RESUMO

No presente trabalho - escrito preferencialmente para o 4º Simpósio Mineiro de Assistentes Sociais,


realizado por iniciativa do Conselho Regional de Serviço Social de Minas Gerais (CRESS-MG) -,
prossigo no debate e nos estudos da política que venho desenvolvendo, inscrito na perspectiva crítica,
buscando a formulação de novas bases e fundamentos que permitam o avanço das leituras mais críticas e
concretas da conjuntura política internacional com a qual nos deparamos atualmente, sobretudo no Brasil,
apresentando alguns resultados temporários de minhas pesquisas bibliográficas e das vivencias empíricas
experienciadas através da participação em movimentos sociais e na organização das entidades
representativas da categoria do Serviço Social no país, especialmente no Movimento Estudantil de
Serviço Social (MESS). Por meio dos estudos que venho desenvolvendo busco respostas à questões que
envolvem o objeto de pesquisa: “a relação entre a política e o Serviço Social”, destaco aqui aquela que
estará substanciando o presente debate: como se deve compreender a relação do Serviço Social com a
política e com a classe trabalhadora, atualmente no Brasil? Os trabalhos e projetos de pesquisa
desenvolvidos através de estudos bibliográficos e documentais, revisitam e recuperam o processo de
concepção da categoria do Serviço Social, as relações estabelecidas entre esta e a política no tempo
histórico, assim como a relação entre Serviço Social e a classe trabalhadora. Tal percurso tem como ponto
de partida um profundo estudo em Teoria Política Clássica, antiga e moderna. Perpassa a análise crítica
dos processos políticos e históricos de concepção e de autocrítica do Serviço Social no Brasil, buscando
compreender o estabelecimento das bases para a formação e atuação profissional, no contexto da
dinâmica do movimento histórico que sofrem a direção e os sentidos dos compromissos e
posicionamentos societários e ético-políticos da categoria.

Palavras-chave: Teoria Política Crítica – Política e Serviço Social – Serviço Social Crítico.

1
Bacharel em Serviço Social pela Universidade Federal do Triângulo Mineiro - UFTM
2

INTRODUÇÃO

O ano que marca os 80 anos do Serviço Social no Brasil é um ano de extrema


complexidade política nas sociedades brasileira e internacional. A atual crise econômica
mundial (deflagrada pela crise imobiliária estadunidense de 2007) apresenta, entre seus
reflexos práticos, a exposição de profundas contradições do sistema político
internacional, do imperialismo e dos limites da democracia burguesa frente às demandas
mais básicas das populações ao redor do mundo, o que faz com que a democracia não
mais represente algo livre de questionamentos.
Entre os elementos políticos globais em importante exposição se destacam “o
sistema internacional da dívida pública” e as políticas de austeridade, que
consubstanciam as estratégias gerais das democracias mais avançadas do globo, como
medidas para vencer a crise que elas mesmas produziram. Ambos, são políticas também
adotadas pelo atual governo brasileiro, ainda que estejam sofrendo importantes
denúncias e repúdio popular em relação à eles em diversos países, anunciadas como
“males necessários” ao enfrentamento da crise interna. No contexto mundial, por
exemplo, em países como a Grécia, os programas anticapitalistas têm conquistado o
apoio de importantes frações populares, também em países como Espanha, Portugal e
Japão, entre outros, crescentemente.
Este fenômeno se dá em razão das políticas capitalistas, que em tempos de crise
estrutural têm buscado ampliar a exploração das riquezas nacionais socialmente
produzidas, como meio de abrandar os efeitos da crise e até mesmo de extrapolar o
acúmulo privado de capital, oportunamente. O sistema político global em crise,
intervém nos Estados dependentes a fim de manter o seu poderio e/ou aproveitar-se dos
efeitos da sua própria crise para ampliar o seu contingente de lucro e poder privados.
3

O Estado brasileiro, governado à catorze anos por um “bloco de poder popular-


burguês” (RIBEIRO, 2014) 2 tem desenvolvido a cartilha imperialista, reduzindo a
presença do poder público na gestão social. Oportunizando ao capital um espaço
privilegiado de exploração socioambiental, reprodução material e acumulação privada
de riquezas, ao mesmo tempo em que desenvolve políticas que permitem a reprodução
social do capital com a consequente extrapolação dos índices de lucros das corporações
globais do capitalismo financeiro.
No entanto, isto ainda não é tudo! Se assim o fosse, poderíamos concluir que se
trata de uma reprodução histórica do modelo de desenvolvimentismo que marcou a
segunda metade do século XX no Brasil, atribuindo ao debate da conjuntura política
nacional atual, uma conotação simplista e manualesca.
O atual modelo de governança dominante no Brasil, se constitui em parceria
com setores tradicionais das elites nacionais urbanas e rurais, (por isso a denominação:
bloco popular-burguês) e apresenta como propriedade característica o compromisso
político de desenvolver com maior eficiência a cartilha capitalista, garantindo o melhor
ambiente político para tal. Realidade que se constitui num dado à ser rigorosamente
debatido pela sociedade brasileira, sobretudo pela classe trabalhadora consciente de si e
organizada (classe subalterna). Assim como também exige ao conjunto de assistentes
sociais, que se mantêm fiel ao movimento de “intenção de ruptura”, assimilar a atual
configuração da luta de classes no Brasil, inclusive no interior da categoria profissional,
em decorrência das ingerências e das influências políticas e ideológicas do referido
bloco hegemônico (atuação esta que se dá em todo o campo, político ideológico
reformista, que exerce influência sobre órgãos e movimentos que mantêm com o
governo uma relação de mútua sustentação orgânica).
O Serviço Social brasileiro precisa refletir criticamente sobre quais são os
impactos da política (neo)conservadora dos governos do Partido dos Trabalhadores,
sobretudo no que tange à conformação a) dos espaços em que o trabalho do Serviço
Social se desenvolve, b) das políticas oficiais que são postas à operacionalização destes
profissionais e c) da lógica de formação profissional característica deste modelo de
governança.

2
Termo designado para qualificar o bloco de poder que, convergindo setores populares e das burguesias
urbanas e rurais, tem governado o Brasil desde 2002.
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Assim, verifica-se a importância de se retornar às bases do pensamento social


crítico no debate ético-político no interior da categoria, de forma radical e
organicamente alinhado ao método materialista histórico dialético, buscando debater
com uma possível cumplicidade ressonante em setores da categoria profissional, ligados
historicamente ao PT. O que sugere um alinhamento de setores do Serviço Social
brasileiro com a lógica governista de desmobilização da resistência popular frente à
adoção de medidas de austeridade fiscal, medidas estas que inscrevem o Brasil no
sistema global de endividamento público, desmonte e precarização dos serviços
públicos, dos direitos sociais e das relações de trabalho.

POLÍTICA E SERVIÇO SOCIAL

A atual crise mundial expressa o colapso de um conjunto de elementos históricos


e fundantes do sistema capitalista, enquanto política de organização geral da produção
material e reprodução social global. A fundação do sistema capitalista e seu processo de
hegemonização mundial se caracterizam pela criação de mecanismos sociais de difusão
ideológica e material de suas bases concretas e abstratas.
A leitura crítica do processo de concepção do Serviço Social no Brasil permite
compreendê-lo como resultado da ação direta do Estado burguês; o que faz do Serviço
Social uma das profissões oriundas do sistema capitalista, criada no bojo da divisão
burguesa sócio-técnica do trabalho, caracterizando-se como um instrumento oficial
estratégico de difusão das bases concretas e abstratas da hegemonia burguesa junto às
populações dominadas, atuando especialmente nas expressões sociais causadas pelo
modo de produção capitalista. O Serviço Social, como um elemento político de
consolidação e conservação da dominação burguesa sobre o proletariado, de
amenização dos impactos da exploração capitalista sobre a reprodução da força de
trabalho, atua para possibilitar a reprodução social da força de trabalho necessária à
expansão e reprodução do Capital.
Atualmente, ainda que a profissão viva o processo de amadurecimento da
intenção de ruptura (NETTO, 2009) em seu interior, é inegável que permaneça como
uma profissão fortemente imbricada ao Estado burguês, e sendo assim, sofra
intensamente os rebatimentos das ações deste. Diga-se, sobretudo, das condições
5

concretas de trabalho e de formação profissional conformadas pelo modelo geral de


produção vigente.
A crise mundial ainda revela indícios mais concretos deste processo difuso que
conduz privativamente e determina a vida social global, que é a política. Tal contexto
representa um campo mais aberto para que se possa avançar nos estudos críticos sobre a
política e sua relação com o Serviço Social, o que se justifica pela ação daquela em
âmbito global e que apresenta, constantemente, rebatimentos concretos e históricos a
este, que de forma dialética vive tais determinações, preparando as bases para uma
(re)ação contra-ofensiva, no bojo do movimento brasileiro de intenção de ruptura com o
sistema burguês.
Os resultados momentâneos dos estudos desenvolvidos apresentam algumas
aproximações conclusivas, em que se compreende: a) a política como o exercício
privado do poder; b) o Estado como o instrumento central da ação política; c) identifica
a criação da profissão do Serviço Social, na fase burguesa do Estado, como elemento de
dominação política; d) compreende a organização da classe trabalhadora, no bojo da
subalternidade, da resistência, da contra-ofensiva, na construção da “contra-cultura” e
do “contra-poder”, como a “contrapolítica”; e) e analisa o deslocamento histórico da
posição classista do Serviço Social na sua relação com o Estado burguês, no âmbito do
movimento de intenção de ruptura no Brasil, apresentando a partir de então a
possibilidade do restabelecimento da profissão como um conjunto que se desloca, no
movimento dialético da história, majoritariamente à favor do projeto contra-hegemônico
anticapitalista.
Deste trabalho cientifico que venho desenvolvendo apresento aqui o conceito de
política apreendido, a partir dos estudos referentes ao Trabalho de Conclusão de Curso
(2014), denominado: “Política e Serviço Social: um ensaio teórico”, em que se pode
verificar nos seguintes fragmentos que discorrem:

Uma vez compreendido o processo de desenvolvimento primitivo da


humanidade e observado os surgimento dos domínios territoriais primitivos,
deflagra-se a identificação dos elementos fundantes da política: a posse e o
poder que dela provém. (RIBEIRO, 2014).

A posse enquanto elemento fundamental à condição humana, do homem


inscrito na realidade social em que só se é reconhecido enquanto o ser que
tem. (ARENDT, 2007, p. 78). [...] O poder que deriva da posse privada de
bens ou de meios infindos de produção se constitui portanto na riqueza. "[...]
riqueza, acesso farto aos bens necessários à vida humana e a bens supérfluos,
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(que) dá ao homem condições materiais para a dedicação de tempo para a


vida pública (à política). Disto, é essencial se destacar que "aquele que não
possui riqueza, precisa dedicar seu tempo a consecução dela e não tem tempo
para se dedicar á política, à vida humano genérica. (ARENDT, 2007, p. 79).
(Idem).

Assim, no referido ensaio teórico, os fundamentos da política são identificados


como frutos do processo de concepção da propriedade privada, que se consolida
historicamente na relação dialética entre a existência das propriedades privadas (feudos
e burgos) e a organização privada entre os sujeitos que as possuem. Tal identificação se
expressa no que segue:

O processo da condução privada do poder e do seu exercício, este processo


de encontro privativo das classes dominantes, em que se pensa como deve ser
a vida, o trabalho, a sociedade e o mundo, e dessas aspirações tem-se todo o
desencadeamento de uma gama de processos legais, jurídicos, ideológicos,
culturais, sociais e ambientais para a sua realização. (Idem).

O referente trabalho científico apreende a política como o poder, conquistado


particularmente pelas classes dominantes, de conduzir os sentidos da vida social
genérica por meio do estabelecimento projetado das condições de produção e
reprodução social, sobretudo o poder de organizar as condições gerais de trabalho e
produção, inclusive como formas necessárias à instituição e à manutenção da
dominação sobre as classes trabalhadoras ao longo da história.
Este destaque se dá pela percepção sobre a importância cientifica e ético-política
de se apontar, no desenvolvimento de um estudo crítico e concreto de Teoria Política a
centralidade do trabalho e das relações de trabalho, inclusive no estabelecimento da
política e das suas relações. Neste sentido, pode-se afirmar:

[...] que o ato de dominar o homem, representa o ato de dominar o trabalho


humano, e assim, ter sob domínio o poder universal que cria todas as outras
formas de força e de poder. Funda-se pelo domínio do trabalho dos homens o
próprio domínio sobre a humanidade, sobre a totalidade social, posto que o
que funda a totalidade social é o processo de generalização humana pelo
trabalho, [...]. (Idem).

As aproximações conclusivas a que pude chegar, se referenciam pela leitura


crítica das obras de pensadores que como Machiavel, “colocam a política como um
exercício restrito aos governantes, é o exercício da dominação”. (RIBEIRO, 2014).
Ressalta-se que as teorias políticas clássicas da antiguidade pouco ou nada se referem à
movimentos da resistência e projetos de contrapoder. As teorias políticas antigas
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compreendem a realidade política como um fato naturalizado, como um dado imutável.


As características próprias da política, são assim bem definidas e atribuídas às classes
dominantes.
Assim, o que tenho compreendido é que as modernas organizações
revolucionárias da classe trabalhadora não podem e não devem ser designadas sobre o
signo da política. A política é algo muito bem definida, historicamente construída, por
autores determinados. Sobretudo, a política é exatamente uma obra das elites
historicamente dominantes, se constitui de fundamentos, princípios, meios e objetivos
próprios. Sendo, então, incorreto atribuir à uma obra radicalmente distinta, como são as
organizações subalternas e revolucionárias, a denominação singular de “organização
política”, sendo que as mesmas se constituem de fundamentos, princípios, meios e fins
distintos, contrários e conflitantes aos da política.
Ao apresentar a idéia da contrapolítica, tenho como objetivo deixar o mais claro
possível dois princípios fundamentais. O primeiro afirma que a contrapolítica é a
organização da “classe dos que não possuem”, daqueles que vivem da venda de sua
única propriedade – sua força de trabalho, e que esta organização se dá no sentido
revolucionário. Projeta, a toda sociedade, o fim das relações de dominação e o
estabelecimento de uma ordem justa e igualitária.
Logo, então, se tem o segundo princípio, que visa demonstrar que se uma
organização se contrapõem à ordem hegemônica, por tanto se contrapõe à política e se
constitui por outros sujeitos, outra intencionalidade, que apresenta um projeto societário
diferente, que se constitui de outros princípios, se utiliza de meios próprios e que busca
alcançar outros fins, logo não pode se denominar da mesma forma, não se pode nomear
por política. Deve-se portanto denominar contrapolítica.

Outro fato é que a política dá a sustentação ao Estado, órgão este que


centraliza a repressão, a opressão e o ajuste dos sujeitos à lógica da política e
que portanto precisa ser superado, e para superá-lo é preciso se fazer definhar
a política (LÊNIN, 2009). Portanto a organização da classe trabalhadora é um
exercício de contraposição ao sistema estabelecido e seus elementos, portanto
não são políticos, mas sim anti-políticos, ou contra-políticos. A organização
contra-hegemônica pela superação do domínio político sobre a classe
subalterna. (p. 71).

A compreensão da política enquanto expressão total do poder conquistado e


exercido privativamente pelas classes dominantes ao longo de toda história; o Estado
como comitê criado como centro de elaboração estratégica e execução dos interesses
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privados das classes dominantes; as políticas sociais e econômicas, entre outras, como
efetivação concreta dos interesses e das estratégias de dominação das classes dirigentes,
apontando neste conjunto o Serviço Social também.
Estes são alguns dos apontamentos realizados em “Política e Serviço Social: um
ensaio teórico” (RIBEIRO, 2014), cujas aproximações conclusivas são frutos da
deflagração de uma pesquisa cientifica que se encontra em importante movimento.
Compreendendo o Serviço Social, não como uma espécie de evolução e/ou
profissionalização da Ação Social católica, mas sim como um instrumento criado pela
política, através do Estado, a partir da revolução burguesa, no conjunto da divisão
sócio-técnica do trabalho. Caracterizando a profissão como uma política que tem como
objetivo fundante o desenvolvimento de formas de consolidação e manutenção do
domínio burguês capitalista sobre a classe trabalhadora, agindo, especificamente, sobre
as conseqüências sociais que se desdobram do processo de produção, reprodução e
acumulação capitalista.
Assim, no presente trabalho, me referencio em dois debates, muito importantes,
desenvolvidos contemporaneamente, são eles: a) o debate sobre a lógica de governança
da educação superior no Brasil, inerente ao modo de governo do bloco de poder
popular-burguês; e b) debate com as concepções da assistente social Mariana Pfeifer
(2010), que em sua análise, profundamente crítica sobre a lógica geral do
neodesenvolvimentismo no Brasil. O presente referencial possibilita o diálogo sobre os
impactos às condições de trabalho e formação profissional no referido contexto
histórico, o que certamente consiste em uma tarefa necessária e urgente ao Serviço
Social crítico.

NEOCONSERVADORISMO NO BRASIL

Neodesenvolvimentismo é como se denomina a lógica geral de governança


estabelecida no Brasil pelos governos Lula, do PT. É objeto de estudos e debate da
pesquisadora Mariana Pfeifer (2010), assistente social que analisa a lógica das políticas
sociais dos governos do PT, alcançando inclusive as mediações com as relações
políticas estabelecidas para a sustentação de tal governança no pais.
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Em seu trabalho a referida cientista compreende que as atuais políticas


redistributivas meramente fomentam e impulsionam o consumo, realizando assim a
“inclusão social via consumo de massa”, onde o Estado apreende as políticas sociais
como fator de crescimento econômico, e não de emancipação política. Para Pfeifer
(2010) “essa plataforma da política social neodesenvolvimentista funda um novo
Estado, intitulado aqui de Estado mediador consumidor dos bens e serviços sociais
mercantilizados”. (P. 747) (grifo nosso). Neste contexto, é possível compreender que o
Estado neodesenvolvimentista apreende a desigualdade social no campo das
desigualdades “na posse dos meios de pagamento necessários à compra de bens e
serviços” (p. 752), onde se evidenciam os fundamentos conceituais e políticos que
sustentam a lógica da governança e da difusão de uma cultura política mercantilizada,
“redistribuição com base no crescimento da renda” (p. 752) individual.
A política neodesenvolvimentista estabelece grave obstáculo à uma mínima
possibilidade emancipatória dos sujeitos, ao se assentar na lógica da promoção social
mercadológica, promovendo os sujeitos excluídos do mercado em sujeitos incluídos
(temporariamente e precariamente) ao mercado. Trata-se de um direcionamento que
objetiva promover os sujeitos à seres consumidores, e não à sujeitos detentores de
direitos sociais, com liberdade e capacidade de participação “política”; apenas sujeitos
com maiores possibilidades de compra. Tal sentido dado conduz os sujeitos à
participação no baixo circuito econômico, e não ao âmbito do protagonismo e da
participação e organização política e social.
Atualmente o que se pode observar empiricamente é o consequente avanço do
conservadorismo na sociedade brasileira em decorrência da promoção de uma
“sociedade de consumidores”, inerente à lógica do mercado, para onde as políticas
sociais do neodesenvolvimentismo do Estado contemporâneo conduz os sujeitos. Aqui é
necessário resgatar que o caráter de ‘sujeito cidadão’ e ‘ser consumidor’ somente podem
ser considerados como a mesma pessoa, um ser único, na perspectiva liberal ortodoxa e
em sua real compreensão de cidadania. A compreensão de que os sujeitos somente
atingem à condição de cidadãos a partir do momento em que se tornam efetivamente
capazes de participar das relações de consumo e se tornam seres consumidores. Esta é a
compreensão de pensadores liberais variados, como Edmund Burke, Stuart Mill e
Alexis de Tocqueville (Weffort, 1991).
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Assim, Mariana Pfeifer (2010) observa “uma tendência geral no


neodesenvolvimentismo: o Estado é o grande consumidor dos bens e serviços
mercantilizados.” (p. 757). Neste tipo de Estado “o cidadão não é portador de direitos,
mas é consumidor e proprietário. (p. 758). Tais aproximações apresentadas pelos
estudos da pesquisadora brasileira dialogam com as conclusões do francês Jacques
Rancière (2014). Este cientista, ao estudar o “problema democrático”, identifica o
consumismo egoísta e indiferente dos cidadãos democráticos, como uma característica
inerente à democracia realmente existente, onde “o que conta é a identificação
solidamente estabelecida entre o homem democrático e o indivíduo consumidor” (p. 35
- 36).
A síntese do diálogo acima estabelecido, aponta para uma relação de
determinações complexas, dialéticas e mutuas entre política desenvolvida e os sujeitos
alvos e operadores da mesma. Em que o tipo de política engendrada em toda sociedade
converge com a formação de uma cultura política hegemônica, entre os seus sujeitos
alvos e operadores, que vai ao encontro dos sentidos expressos pelo elemento político,
que portanto é fundamental.
A política de mercantilização dos direitos sociais tende fortemente à desenvolver
sentidos individualistas nos sujeitos alvos e operadores das políticas sociais, pois
definem as condições materiais de produção e reprodução social. E é neste campo em
que reside um dos pontos mais importantes do debate em torno dos resultados gerais das
políticas criadas e desenvolvidas no Brasil, contemporaneamente.
Ainda que a discussão entorno da lógica de governança desenvolvida no país nos
últimos 14 anos deva sim ser atribuída ao Partido dos Trabalhadores (por ser o sujeito
central do bloco de poder hegemônico no país), no entanto não se pode recusar a
compreensão de que se trata de um governo de coalização, devendo-se observar a
composição deste bloco de poder que lhe dá sustentação.
Para Mariana Pfeifer (2010) o neodesenvolvimentista e a lógica de gestão social
que ela imprime, como o conjunto de ações políticas desenvolvidas para a manutenção
do poder, evidenciam também as condições em que se sustenta este governo, no “jogo
político de coalizões e troca de benefícios” (p. 763). A autora conclui sua arguição
afirmando que o pacto neodesenvolvimentista se caracteriza politicamente por abrigar
um amplo arco de alianças entre setores historicamente antagônicos, como uma política
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de conciliação de classes, onde apresenta-se “de forma extremamente contraditória [...].


Numa mescla de esquerda, centro-esquerda, social-democracia e direita liberal” (p.
764).
O bloco de poder popular-burguês, imprime um determinado sentido às políticas
sociais que “acaba despolitizando os processos sócio-historicos de sua conquista ao
lavá-los para dentro do projeto neodesenvolvimentista”. (PFEIFER, 2010). Tal processo
promove um tipo de cidadania invertida e mercantilizada, distorcendo o significado,
subalternamente construído, da cidadania alicerçada no dever da provisão publica,
estatal e de qualidade para todos. No mesmo movimento em que conquista o
consentimento popular, pela inação conformista inerente aos grupos que historicamente
participaram da constituição e defesa do Partido dos Trabalhadores, o que para a autora
“pode estar contribuindo para o enfraquecimento dos movimentos populares e sindicais
mais combativos.” (p. 764), pois tal lógica de governança:

promove a cultura empreendedora que responsabiliza indivíduos e famílias


pelo acesso mercantil de seu bem-estar social, trazendo novamente a questão
social para o foro privado, e tentando desvinculá-la de sua raiz estrutural
comum, isto é, do processo de produção e reprodução do capital e suas formas
de exploração e concentração. (p. 764-765).

O que se permite concluir é que a promoção da cidadania por meio da oferta de


condições temporais e precárias de acesso ao baixo mercado (com o agravante do
endividamento popular maciço), inerente ao projeto neodesenvolvimentista, serve
integralmente aos interesses do Capital, fornecendo-lhe os elementos necessários à sua
reprodução e acumulação privada, pela exploração máxima da força social de trabalho
disponível e das riquezas naturais nacionais existentes, em um ambiente político
extremamente favorável.
A governança e o tipo novo de Estado desenvolvido pelo
neodesenvolvimentismo podem ser compreendidos como expressões da política,
próprias deste contexto histórico, com a qual o referido governo se articula e se mantêm
alinhado organicamente com os fins de conquistar e manter o poder no país.
Vimos que pensadores políticos clássicos nos oferecem fundamentos para que a
leitura da realidade concreta atual possa se desenvolver profundamente em firmes bases.
Não obstante, Leonardo Boff (2010) se referência em Machiavel para apresentar sua
análise sobre a atuação política do Partido dos Trabalhadores no governo. Afirma o
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brasileiro: “passei um fim de semana lendo pela enésima vez O Príncipe de Maquiavel
no esforço de entender a atual política da Direção Nacional do PT”. E segue:

“ai encontrei as fontes que possivelmente estão inspirando o assim chamado


“Novo PT”, aquele que trocou a vontade de transformar a realidade pela
vontade de poder para compor-se com a realidade, notoriamente envenenado
com o propósito de perpetuar-se no poder.”

A analise realizada em 2010 por Leonardo Boff apresenta substancias que


dialogam com as que compõem o debate aqui proposto. Primeiro porque o autor em
questão busca em um clássico da Teoria Política, Machiavel, os fundamentos para sua
reflexão. Articula a sua compreensão sobre a obra do pensador florentino às expressões
da ação política do seu objeto de análise, a política da Direção Nacional do Partido dos
Trabalhadores. Destaca elementos políticos fundamentais como “vontade”, que
podemos compreender como sendo a vontade particular de um grupo privado que busca
manter o poder conquistado, portanto uma vontade política. Mais adiante em sua análise
Boff ainda identifica um outro elemento importante da política, que o pensamento de
Machiavel tanto tem para fundamentar, a estratégia. O que fica expresso em: “compor-
se com a realidade, notoriamente envenenada com o propósito de perpetuar-se no
poder” (grifos nossos), como também onde afirma: “sabemos como é o jeito da política
vigente, montada sobre alianças espúrias, sobre a mercantilização das relações políticas
e sobre a rapinagem do dinheiro público.”
A percepção de Leonardo Boff é de que o Partido dos Trabalhadores sofreu em
sua história uma inflexão ético-política. O “PT atual” é compreendido como um sujeito
componente da política hegemônica, alinhado aos interesses dominantes. Em termos da
compreensão política que venho estudando, pode-se compreender a possibilidade
concreta de que o PT tenha sofrido uma mudança fundamental nos sentidos de sua ação,
saindo do campo da contrapolítica (RIBEIRO, 2014) e se inserindo no âmbito da
política.
Cabe destacar que tal analise é referendada por importantes pensadores e agentes
políticos brasileiros contemporâneos, como Mauro Iasi, Heloisa Helena, Plinio de
Arruda Sampaio, entre outros. Tal condição é também identificada pelas análises que
cientistas e agentes sociais apresentam sobre a política de educação desenvolvida nestes
anos de governança petista, sobretudo no que se refere à gestão do ensino superior no
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país, cuja lógica congrega a expansão dos serviços com a crescente privatização dos
mesmos, tendo a precarização como instrumento de legitimação.
Em maio de 2009 a Associação dos professores da PUC São Paulo publicou o
35º volume da revista PUC VIVA, onde segundo Bia Abramides, se “debate sobre duas
questões centrais de um modelo de ensino privatista, aligeirado e massificado, [...]
voltado aos interesses do Capital: a mercantilização do ensino e o Ensino à Distância.”
(p. 3). Em síntese, a edição identifica, analisa e critica a) o alinhamento da governança
publica brasileira aos projetos imperialistas do capital; b) o poder particular do governo
do Partido dos Trabalhadores em imprimir a agenda neoliberal no país em um ambiente
político favorável às reformas inerentes a este projeto, a focalização das políticas
precárias de ensino superior nos seguimentos mais populares da sociedade e os reflexos
da referida lógica de educação na formulação científica e ético-política dos sujeitos
(trabalhadores e usuários e movimentos universitários e entidades de classe) envolvidos
neste contexto.
Para Rafael Limongelli, colaborador da referida edição: “a consequência de se
direcionar o ensino [...] totalmente para o mercado de trabalho é a perda no grandes três
sustentáculos do ensino superior: pesquisa, ensino e extensão” (p. 65-66). A lógica
privatista dos governos brasileiros dos últimos 25 anos se inscreve no âmbito da política
global de educação que promove “a crise da razão crítica [...] e ascensão da razão
instrumental ou razão mercadológica” (p. 65).

APROXIMAÇÕES CONCLUSIVAS

O projeto da política para a educação superior se expressa na lógica geral da


governança em vigor no país; compreendida por seu caráter massificador, aligeirador e
precarizante, trata-se de uma expansão maciça na oferta dos serviços de educação
superior meramente quantitativista, tendo como estratégias o crescimento exponencial
da oferta, nos formatos presenciais público e privado e à distância, criando assim um
vasto mercado a ser explorado pelo Capital, que se expande através das terceirizações
dos serviços básicos de manutenção e de gestão, inclusive dos hospitais universitários
federais. Entre outras estratégias de mercantilização e precarização quantificadas da
educação superior no país.
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Esta “crise da razão crítica”, à que Rafael Limongelli se refere, no âmbito da


mercantilização da gestão social central do pais é um elemento à ser profundamente
analisado pela categoria do Serviço Social brasileiro, uma vez que a profissão vive
internamente um continuo conflito histórico entre perspectivas ético-políticas
conservadoras e revolucionárias desde o Congresso da Virada, cujo conflito é
atravessado fortemente pelas determinações conjunturais das políticas econômicas e
sociais desenvolvidas no país e que conformam as condições objetivas, concretas e
históricas para a atuação e a formação profissional em Serviço Social. Com o agravante
das relações político-partidárias, que substanciam as contradições políticas no Brasil
contemporâneo, inclusive no interior do conjunto dos assistentes sociais brasileiros, que
se caracteriza como expressão de uma governança que enfraquece e desarticula os
movimentos populares no Brasil. O que nos demanda primeiramente questionar: a crise
da razão critica potencializada pela mercantilização e precarização do ensino superior e
das demais políticas sociais no Brasil, configura-se como importante obstáculo para o
avanço da perspectiva de intenção de ruptura no interior do Serviço Social brasileiro?
A inquietação deste momento se refere a conformação atual da expressão da
luta de classes e do conflito de perspectivas ético-politicas no interior da categoria do
Serviço Social brasileiro. É irrecusável concordar que a cultura política inerente à
hegemonia deste bloco de poder popular-burguês possa engendrar no interior da
profissão a constituição de uma ala neoconservadora, alinhada às teorias e projetos
reformistas do Estado neodesenvolvimentista, formuladas pela governança vigente em
acordo com a planificação das agencias imperialistas do Capital internacional, que
ressoa complacentemente entre setores populares e científicos importantes do país, por
suas relações históricas com o Partido dos Trabalhadores, inclusive do Serviço Social.
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REFERENCIAS

APROPUC. Mercantilização do ensino e ensino à distância. Revista PUC VIVA,


n.35, São Paulo, PROPUC-SP, 2009.
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MACHIAVEL, N. O Príncipe. Tradução Lívio Xavier. São Paulo: Escala, s/d.
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