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ITAMAR FREITAS

Dissertação apresentada ao
PPGHS/IFCS/UFRJ como requisito à
obtenção do grau de Mestre em História
Social. Orientador: Prof. Dr. Manoel
Luiz Lima Salgado Guimarães.

Rio de Janeiro
Agosto de 2000

7
ITAMAR FREITAS

A "Casa de Sergipe": historiografia e identidade na Revista


do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe (1913/1929)

Dissertação aprovada como requisito para obtenção do grau de Mestre no Programa


de Pós-Graduação em História Social da Universidade Federal do Rio de janeiro, pela
Comissão formada por:

Orientador: ________________________________________________

________________________________________________

________________________________________________

Rio de Janeiro, 15 de agosto de 2000

8
Agradecimentos

Em especial ao Prof. Dr. Manoel Luiz Lima Salgado Guimarães pela orientação e
incentivo.

A todos aqueles que contribuíram diretamente para a execução desse trabalho


financiando, comentando o projeto, levantando dados, lendo e revisando o resultado
final: Adriana Lima de Farias, Afonso Nascimento, Alexandre M. de Almeida, Aline
Magalhães, Amara Silva Rocha, Antônio Neto, Celeste Zenha, Christianne de
Menezes Gally, Carlos Alberto Costa, Cláudia Nunes, Cristiane Vitório de Souza,
Ednalva Freire Caetano, Elizabeth S. Rabello, Fábio Muruci, Francisco José Alves,
José Afonso do Nascimento, José Fernandes de Lima, Josué Modesto dos Passos
Subrinho, Maria Manuela R. de Souza e Silva, Marieta de Morais Ferreira, Neuza
Góis, Pablo Canano, Péricles de Moraes Júnior, Silvio de Almeida Carvalho,
Terezinha Alves de Oliva.

9
Sumário

Resumo iv

Résumé v

Introdução 7

Capítulo I
A experiência da história da historiografia 11
Institutos Históricos como objeto de estudo 22

Capítulo II
Movimento intelectual nas décadas de 1910 e 1920 37
Intelectuais 41
A elite intelectual de Guaraná 45
O trabalho dos intelectuais 53
Equipamentos e formas de organização 70

Capítulo III
A experiência do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe 88
Um modelo e vários projetos 88
A ciência da fundação 101
Estrutura e funcionamento do Instituto 113
Algumas práticas acadêmicas 123
A função social do Instituto 137

Capitulo IV
A Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe 156
Da produção e circulação do periódico 156
Dos autores, textos e temáticas 159
A contribuição heurística 165
A contribuição geográfica 169
A contribuição historiográfica 185

Conclusão 213

Fontes 217

Referências bibliográficas 224

Anexos

10
Resumo

Esse trabalho tematiza a história da historiografia sergipana produzida no período


1912/1929 veiculada na Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe.
Descreve o movimento intelectual do Estado entre 1900 e 1930 enfocando os
homens, as atividades, os equipamentos e as formas de organização. Também analisa
a idéia de ciência em vigor, a estrutura administrativa, as práticas acadêmicas, a
função social do Instituto e a sua tarefa como organizador de memória e produtor de
identidades sobre o ofício do historiador, sobre a própria instituição e o Estado de
Sergipe.

11
Résumé

Ce travail porte sur l'histoire de l'historiographie produite pendant la période


1912/1926 et publiée par la Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe. Il
décrit le mouvement intellectuel de l'Etat de Sergipe entre 1900 et 1930, mettant en
lumière les hommes, leurs activités, leurs équipements et leurs formes d'organisation.
En outre, il analise l'idée de science en vigueur, la structure administrative, les
pratiques académiques, la fonction sociale de l'Instituto Histórico e Geográfico de
Sergipe et son rôle d'organisateur de la mémoire et producteur d'identités sur le métier
d'historien, sur son instituition elle même et sur l'Etat de Sergipe.
Introdução

A história da historiografia é um dos instrumentos mais eficazes da reflexão do


historiador sobre o seu saber. Ela descreve, problematiza e reorienta as práticas, a
função, enfim, o produto da ciência histórica. Mas essa atividade (historiar o trabalho
produzido pelos homens do ofício) não se efetiva a partir de, e sobre, uma utopia1. A
história da historiografia, tanto em relação a sua prática quanto ao seu objeto, leva em
conta os “lugares” (sociais, econômicos, culturais) e “práticas” profissionais
específicos e limitados segundo os parâmetros de quem a executa. Por isso, um dos
mais legítimos e relevantes recortes diz respeito ao exame das representações que
envolvem o religioso ato do Regere fines,2 ou seja, a demarcação de fronteiras
espaciais e sócioculturais entre os homens; o estudo da historiografia sobre “regiões”
que recria e enforma a experiência das pessoas circunscritas em um país, Estado ou
cidade. Essa é, portanto, a orientação contida neste trabalho. Ele atua sobre a
historiografia sergipana, produzida nos limites de uma instituição (Instituto Histórico
e Geográfico de Sergipe - 1912/1929) onde, pela primeira vez, de forma coletiva no
Estado, os intelectuais tentaram esboçar algumas regras do “fazer” histórico e,
partindo dessas, reivindicaram um território e inventaram uma memória, tentando
disciplinar o presente daqueles que habitavam a região chamada Sergipe nas duas
primeiras décadas desse século.

A historiografia produzida pelo IHGS está registrada no seu principal veículo de


divulgação: a Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe. O periódico foi
instituído em 27/08/1912 com a finalidade de publicar as atas, os nomes dos sócios,
1
No sentido de “em lugar algum”.
2
Bourdieu, Pierre. A identidade e a representação: elementos para uma reflexão crítica sobre a idéia
de região. In: O poder simbólico. Lisboa: Difel, 1984. p. 113-114.

12
discursos e "trabalhos litterarios” da entidade fundada em Aracaju, Capital de Sergipe
(1912). A Revista do IHGS é, portanto, o mais antigo meio de circulação (em
atividade) da produção historiográfica local e, em certas décadas, o único. Sua
trajetória conheceu três fases bem demarcadas pela dinâmica de sua circulação:
1913/1929; 1939/1966; 1978/1999. Os hiatos e fases não só indicam suspensão da
publicação mas também a reestruturação administrativa do IHGS e, sobretudo, o
desaparecimento de toda uma geração de intelectuais. Nesse trabalho, contemplarei a
fase de implantação do veículo (1913/1929), a mais produtiva (14 números, 105
artigos, 49 autores), a fase em que a instituição apropriou-se de forma direta do
aparato conceitual de alguns fundadores da chamada "geração 70", tais como Silvio
Romero e Tobias Barreto. Foi também nesse período que a Revista delineou
deliberadamente em "substratos científicos" as singularidades do Estado de Sergipe,
os pressupostos de uma "sergipanidade". A convergência de três noções
emblemáticas acerca do ambiente urbano (moderno, progresso e ciência)3 na década
de 1870 no discurso dos herdeiros da Escola do Recife também legitimam o marco
temporal inicial (1912). A instalação dos novos equipamentos urbanos na capital, a
preocupação com o saneamento é um indicador importante dessa convergência. O ano
de 1929 como marco final é justificado nem tanto pelas transformações
tradicionalmente conhecidas (Revolução de 1930), mas pelo envelhecimento e/ou
morte dos discípulos da Escola do Recife; a criação de novos centros aglutinadores de
intelectuais como a Academia Sergipana de Letras (1929); e, também, pelas
dificuldades internas do Instituto que fizeram interromper a circulação da Revista por
10 anos (1929/1939).

Esse ensaio de história da historiografia, tendo o IHGS como objeto, tem a clara
função de descrever e caracterizar a historiografia local identificando seus traços
dominantes. Tem o objetivo de perceber, a partir das práticas anunciadas pela Revista,
as tentativas de instituição de uma escrita da história e uma identidade para o
historiador e o Estado de Sergipe. Além disso, deve, inclusive, comparar a
experiência do IHGS com as práticas de sua matriz inspiradora e analisar as
apropriações do ideário cientificista difundido pelos discípulos sergipanos da Escola
do Recife. Com essa dissertação, em síntese, pretendo compreender a experiência do
IHGS como lugar de memória e produtor privilegiado de historiografia. Para tanto,
elaboro um esboço do que foi o "movimento intelectual" nas décadas de 1910 e 1920
tratando da auto-representação dos "intelectuais", seu trabalho, seus equipamentos e
formas de organização (capítulo II). A seguir exploro a experiência do Instituto
através do modelo instituído, dos projetos esboçados para a instituição, da idéia de
ciência em vigor, sua estrutura administrativa, práticas acadêmicas e função social
(capítulo III). Por fim, analiso a Revista do Instituto Histórico e Geográfico de
Sergipe enfatizando aspectos de sua produção e circulação, tratando dos autores,
textos e temáticas e das principais marcas impressas na escrita da história em Sergipe:
as contribuições, heurística, geográfica e historigráfica (capítulo IV). É importante
destacar aqui dois subprodutos da pesquisa anexados ao final desse trabalho: o
Catálogo da Revista e o Inventário das questões tematizadas durante as sessões do
IHGS no período analisado (1912/1929). O primeiro é constituído de índices
(analítico e de autores), resumos e referências completas de todos os artigos
3
Ver a respeito dessa convergência: Scwarcz, Lilia Mouritz. O Espetáculo das Raças: Cientistas,
Instituições e a questão racial no Brasil 1870-1930.São Paulo: Companhia das Letras, 1995. p. 30-35.

13
publicados entre os números 1 e 14. O segundo relaciona todas as atividades
exercidas durante as reuniões do grêmio. Ambos podem servir de importantes
subsídios a uma nova versão sobre as práticas do IHGS e a escrita da Revista. E, mais
importante, podem auxiliar na elaboração de trabalhos comparativos entre instituições
do gênero em outros lugares do Brasil (Anexos 3 e 4). Antes de conhecer a
experiência dos intelectuais, do Instituto e do periódico, passo em revista a prática da
história da historiografia através do seus clássicos estudos de síntese. Também
examino, sucintamente, as formas com que o IHGS tem sido abordado e apresento as
diretrizes teórico-metodológicas utilizadas durante a análise (capítulo I).

14
Capítulo I

A experiência da história da historiografia

A "Casa de Sergipe": historiografia e identidade na Revista do Instituto Histórico e


Geográfico de Sergipe (1913/1929) (2) - A experiência da história da historiografia

A história da historiografia como domínio específico é uma prática recente. Mesmo


em lugares onde a ciência histórica4 estabeleceu-se desde o século XIX, como a
Alemanha e a França, esse campo de estudos custou a se constituir, e somente nesse
século as características de uma disciplina que se ocupa do desenvolvimento do
próprio saber a que está vinculada (a ciência histórica) começaram a ser esboçadas.

É claro que, durante o século XIX, houve momentos onde a ciência histórica fez-se
objeto de si própria, mas, nessas iniciativas, circunscritas/relacionadas aos “lugares de
produção” e às “práticas disciplinares” em que foram gestadas, não estavam tão
nítidos os limites entre os diversos domínios constitutivos desse saber. Praticou-se,
então, de tudo um pouco e ao mesmo tempo. O resultado dessas análises, “esboços”,
“introduções”, “iniciações”, “noções” sobre a historiografia e historiadores do século
XIX e anteriores foi uma mescla de estudos sobre filosofia, metodologia,
epistemologia e didática que, devido à abrangência dos objetos e estratégias,
acabaram "retardando" a formação desse campo específico hoje nomeado história da
historiografia.

No século XX, em grande medida pelo vigoroso empreendimento dos discípulos de


Ranke e da Escola Metódica5, o trabalho do historiador tornou-se complexo e
hierarquizou-se de tal maneira que o interesse pelo método, teoria, didática e, mais
recentemente, a epistemologia acabou por transformá-los em domínios específicos da
ciência histórica. Quanto à história da historiografia, por motivos que vão do
desinteresse dos historiadores pelas questões teóricas ao desdém pela trajetória do seu
próprio saber, ela só sedimentaria o seu status de disciplina específica na década de
4
Utilizo as expressões história, historiografia e ciência histórica com os respectivos sentidos de:
passado conhecido da humanidade; escrita da história, obra de história ou ainda aquilo que expõe e
contém o resultado desse conhecimento; área de conhecimento constituída de método e ofício,
destinada a conhecer o passado. O emprego da expressão “ciência histórica” tem caráter meramente
instrumental. Está fora dos limites desse trabalho a discussão – pouco frutífera, por sinal – sobre a
cientificidade da disciplina e o modelo de ciência em que ela pode ser enquadrada.
5
Para conhecer a contribuição da Escola Metódica ver, sobretudo: Charbonell, Charles-Olivier. La
naissance de la Revue historique: une revue de combat (1876-1885). Revue Historique, [Paris], n. 518,
p. 337-338, 1976; Proust, Antoine. Seignobos revisité. In: Vintiéme siècle Revue d'Histoire, Paris, n.
43, jul.-set., p. 100-118, 1994; Keilor, William R. Academy and community: fondation of the french
historical profession. Cambridge: Havard University Press, 1975; Rebérioux, Madeleine. Le débat de
1903: historiens et sociologues. In: Charbonnell, Charles-Olivier e Livet, Georges (org.). Au berceau
des Annales: Le milieu strasbourgeois - L'histoire en France au début du XXe siècle. Toulouse: Presses
de l'IEP,1983. p. 219-230; Charles, Christophe. L'historie entre science et politique: Seignobos. In:
Paris fin de siècle: culture et politique. Paris: Seuil, 1998. p. 140-144; Noiriel, Gerárd. Sur la "crise"
de l'histoire. Paris: Belin, 1996; Noiriel, Gérard. Naissance do métier d'historien. Dossier, [Paris], p.
58-85, 1990; Caire-Jabinet, Marie-Paule. Introduction à l'historiographie. Paris: Nathan, 1994; Nader,
Pedro Eduardo Portilho de. Os fatos que contam: saberes e historiadores de uma história à outra. São
Paulo, 1994. Dissertação (Mestrado em Filosofia) - FFLCH, Universidade de São Paulo.

15
1970. Esse limite temporal aplicou-se à tradição francesa da qual os historiadores
brasileiros se serviram de forma mais intensiva.6

No Brasil, a exemplo do que aconteceu na França (matriz majoritária dos nossos


estudos históricos desde meados do século XIX), a história da historiografia tem se
refugiado principalmente nas "histórias da literatura", nos estudos dos brasilianistas,
nas revisões/levantamentos bibliográficos sobre temas, períodos, espaço geopolítico,
metodológico e numa extensa e fragmentária série de produtos, tais como: resenhas
de lançamentos bibliográficos, revisões de literatura de trabalhos de pós-graduação,
homenagens, centenários de instituições (Associações ou Revistas), centenários da
nação/região, necrológios, efemérides, etc.

Levando-se em conta somente as obras de síntese de historiadores brasileiros que


refletiram sobre a possibilidade da história da historiografia como domínio específico,
poder-se-ia subdividi-los em dois blocos de estudos: o tempo dos pioneiros e o tempo
da Universidade. O primeiro tempo reúne os trabalhos de Alcides Bezerra, Sérgio
Buarque de Holanda e José Honório Rodrigues.7 Não é tanto a “formação” dos
autores que os caracteriza como pioneiros, e sim a experiência das
iniciativas/empreendimentos, o atomismo da pesquisa e o esforço em esboçar
parâmetros tipicamente historiográficos como questões de teoria e método,
contribuição da obra para o esclarecimento do passado brasileiro e para o
fortalecimento do próprio saber, entre outros. O segundo tempo é marcado pela
formação superior em história, a pesquisa dentro da Universidade, o trabalho

6
A década de 1970 é aqui tomada como referência por marcar, com o lançamento da coleção Faire de
l'histoire (1974), "uma preocupação em fazer da escrita da história e do papel do seu produtor (o
historiador) objetos de um novo olhar historiográfico." Datam também desse período os diversos
estudos de Charles Olivier Charbonell que refletiram profundamente sobre o tema e efetuaram um
balanço de obras clássicas, sugerindo todo um programa para a história da historiografia. Histoire et
historiens: une mutation idéologique des historiens français 1865-18886 representa uma tentativa de
libertar a prática da disciplina dos pontos de vista dos filósofos, críticos literários e historiadores das
ciências: uma proposta de constituição do “estudo científico da história da historiografia” sob
perspectiva especificamente historiográfica. Cf. Guimarães, M. L. L. S., Repensando os domínios de
Clio: as angústias e ansiedades de uma disciplina. Revista Catarinense de História. Florianópolis, n. 5.
p. 05-20, 1998; Charbonell, Charles-Olivier. Histoire et historiens: une mutation idéologique des
historiens français 1865-1885. Toulouse: Privat, 1976.
7
Bezerra, Alcides. Os historiadores do Brasil no século XIX: Conferência realizada no dia 5 de agosto
de 1926 no Centro de cultura Brasileira. In: Relatório do Diretor do Arquivo Nacional (1926). Rio de
Janeiro: Arquivo Nacional, 1927. p. 61-76; Holanda, Sérgio Buarque de. O pensamento histórico no
Brasil durante os últimos cinquenta anos. Correio da Manhã. Rio de Janeiro, 15 de junho, 1951.
Sobre J. H. Rodrigues, é bastante citar a bibliografia específica de história da historiografia: Rodrigues,
José Honório. Historiografia e bibliografia do domínio holandês no Brasil. Rio de Janeiro:
Departamento de Imprensa Nacional/Ministério da Educação e Saúde, 1949; Teoria da história do
Brasil: introdução metodológica. São Paulo: Instituto Progresso Editorial S. A., 1949; Conciliação e
reforma no Brasil: um desafio histórico político. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1965; História
e historiadores do Brasil. São Paulo: Fulgor, 1965; História e historiografia. Petrópolis: Vozes,
1970; História combatente. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982; Vida e história. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1966; História, corpo do tempo. São Paulo: Perspectiva, 1985 [primeira edição
em 1976]; História da história do Brasil: Historiografia Colonial. 2 ed. São Paulo: Companhia
Editora Nacional, 1979; A pesquisa histórica no Brasil. 4 ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional,
1982; História da história do Brasil: a historiografia conservadora. São Paulo: Editora Nacional;
Brasília: INL, 1988; História da história do Brasil: a metafísica do latifúndio - o ultra-reacionário
Oliveira Viana. São Paulo: Companhia Editora Nacional, [1988]. v. 2, t. 2.

16
sistemático de levantamento e crítica da historiografia produzida sobre o país (José
Roberto do Amaral Lapa, Carlos Fico e Ronald Polito, principalmente).8 A leitura dos
clássicos produzidos nesses dois "tempos" pode demonstrar que a história da
historiografia, como domínio específico, acompanhou a institucionalização da ciência
histórica tanto no que diz respeito ao espaço propriamente institucional (da
“Introdução à história” para uma disciplina curricular nos cursos de graduação)
quanto à formalização das práticas desse tipo de estudos (métodos, técnicas,
justificativas e programas). Os critérios da abstrata representatividade (não
problematizada) e das classificações por assunto, progressivamente, cederam lugar ao
exame da obra por inteiro, das relações entre o texto, condições de produção e os seus
leitores privilegiados. Esse domínio específico, contudo, não chegou a gerar "escolas"
e ainda sofre do mal de Sísifo. Além disso, a história da historiografia vive um
conflito de identidade quando incorpora funções da epistemologia e da metodologia
da ciência histórica. Seria então essa inquietação a sua maior virtude? Estou inclinado
a acreditar que sim.

Em Sergipe, a história da historiografia também (e somente) viria a despertar


interesse com a consolidação da Universidade a partir dos anos 1970. Apesar disso, e
sem prejuízo das suas práticas, as raras iniciativas nesse sentido são alicerçadas nos
trabalhos de José Honório Rodrigues e na crítica demolidora que a historiografia
francesa dos anos 50 efetuou acerca da Escola Metódica dos finais do século XIX.
Ainda assim, poucos são os estudos dedicados à história da historiografia. Como
acontece em outros espaços de produção historiográfica, é na "revisão de literatura"
que também se refugia esse domínio. Esse é o caso da “Introdução” de Santas almas
de Itabaiana Grande de Vladimir Carvalho de Souza.9 Aliás, seria injusto até
classificar esse texto como uma simples revisão em busca de narrativas sobre os
municípios, pois o título que abre o tópico – “A História em/de Sergipe” – já sinaliza
também uma preocupação em historiar a prática da ciência histórica no Estado. O
interesse de Vladimir é duplo: demonstrar que a “história [conhecimento sobre] de
Sergipe encontra-se incompleta” e, ainda, que as histórias dos municípios estão em
8
Do segundo bloco são referências obrigatórias as seguintes obras: Lapa, José Roberto do Amaral. A
história em questão: historiografia brasileira contemporânea. Petrópolis: Vozes, 1976; Lapa, José
Roberto do Amaral. História e Historiografia Brasil pós-64. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985;
Campos, Pedro Moacyr. In.: Glénisson, Jean. Iniciação aos estudos históricos. 6 ed. Rio de Janeiro:
Bertrand Brasil, 1991. p. 250-293; Matos, Odilon Nogueira. Valor propedêutico da história da
historiografia e sua colocação entre os temas de Introdução aos Estudos Históricos. In: 1º Encontro
Brasileiro sobre Introdução ao Estudo da História. (1970: Niterói) Anais... Niterói: Universidade
Federal Fluminense, Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, 1970. p. 103-115; Canabrava, Alice
Piffer. Roteiro sucinto do desenvolvimento da historiografia brasileira. In: Encontro Internacional de
Estudos Brasileiros... p. 4-9; Mauro, Fréderic. Comentários. In: Encontro Internacional de Estudos
Brasileiros... p. 18-21; Iglésias, Francisco. Comentários. In: Encontro Internacional de Estudos
Brasileiros... p. 21-34; Westphalen, Maria Cecília. Comentários. In: Encontro Internacional de
Estudos Brasileiros... p. 36-39; Mota, Carlos Guilherme. Marcos na historiografia geral do Brasil. In:
Ideologia da cultura brasileira (1933/1974): pontos de partida para uma revisão histórica. 6 ed. São
Paulo: Ática, 1990. p. 22-47 [o livro tem origem na tese de livre-docência defendida em 1975];
Iglésias, Francisco. A história no Brasil. In: Feri, Mário G.; Motoyama, Shozo (orgs.).História das
ciências no Brasil. São Paulo: EPU/EDUSP, 1979. p. 265-301; Fico, Carlos e Polito, Ronald. A
história no Brasil (1980-1989): elementos para uma avaliação historiográfica. Ouro Preto: UFOP,
1992. v. 1. O volume 2, “série de dados” foi publicado em 1994;
9
Souza, Vladimir Carvalho de. Santas almas de Itabaiana grande. Itabaiana: O Serrano, 1973. p. 11-
23.

17
“Estado precário.” Por isso, relaciona autores cujas obras foram produzidas a partir de
referências vivenciadas em Sergipe, assim como as iniciativas de historiar a trajetória
dos municípios sergipanos. Vladimir Carvalho não classifica e nem periodiza o
material; os comentários críticos são curtos e esparsos e de outra forma não poderia
sê-lo já que o próprio título anuncia sua função: uma “Introdução” ao estudo da
história de um município em particular (Itabaiana). Apesar de panorâmica, a
lembrança de Carvalho é meritória. Além de levantar o problema da insuficiência na
pesquisa histórica no Estado (excetuando-se os momentos em que foram produzidas a
História de Sergipe de Felisbelo Freire e os escritos sobre a questão de limites entre
Bahia e Sergipe) inclui, como estudos históricos, alguns artigos seriados, publicados
em periódicos sergipanos, trabalhos, creio eu, não suficientemente conhecidos por
aqueles que ainda se aventuravam na pesquisa no início dos anos 1970.10 Deve ser
também louvada a revisão que faz Vladimir sobre a historiografia acerca dos
municípios: o primeiro levantamento do gênero, somente suplantado pelo “Banco de
dados Histórias dos Municípios Sergipanos”, produzido pelo Departamento de
História da UFS em meados dos anos 1990.

Um outro refúgio da história da historiografia, ainda como revisão, está nas


justificativas de José Silvério Leite Fontes para esboçar “Um projeto de História de
Sergipe”.11 No intento de fazer apenas um "retrospecto crítico" do que se publicou
sobre “História Geral de Sergipe”, esboça também um protótipo de análise
historiográfica. Com alguns fragmentos do pensamento dos Annales e outros da
Escola Metódica do século XIX, o autor vai abordando questões que ainda
permanecem na ordem do dia, tais como: a caracterização do trabalho de
historiografia (diante do escrito geográfico, por exemplo); a distinção entre um
escritor “e um verdadeiro historiador”; e a afirmação do caráter “científico” da
história. Assim, nas entrelinhas do seu “retrospecto” e nas “diretrizes” do projeto,
Silvério Fontes vai delineando um modelo ideal para a escrita da história,
sedimentando esse “fazer” nas quatro clássicas etapas da produção desse
conhecimento: reunir, criticar, interpretar e expor. Daí a cobrança enfática em
relação ao esforço e originalidade da pesquisa, a crítica interna e externa dos
testemunhos, organização das fontes, emprego de teorias na interpretação, lógica da
periodização e bom desempenho do “fluxo narrativo”. O texto de Silvério Fontes é
uma mostra do novo padrão imposto pelo curso superior de história aos estudos do
gênero no Estado. É o período do diálogo [pelo menos entre Silvério Fontes e José
Calazans] e da quebra do isolacionismo de Sergipe em relação às discussões teórico-
metodológicas incrementadas a partir dos anos 1960 e 1970 com a mobilização dos
professores dos cursos superiores de história no Brasil.

Maiores evidências dessa reintegração dos autores sergipanos às discussões sobre o


ofício do historiador e sobre o relevo que a história da historiografia viria tomar estão
nas participações do próprio Silvério Fontes e de José Calazans nos encontros
nacionais de professores universitários de história. O primeiro estabelece uma

10
Tais artigos são: “Notícia histórica e geográfica desta Província” (Correio Sergipense, 1847) de
Antônio José da Silva Travassos e “Formação do território sergipano” (Estado de Sergipe, 1916) de
Manoel dos Passos de Oliveira Telles.
11
Fontes, José Silvério Leite. Um projeto de História de Sergipe. Momento: Revista Cultural da
Gazeta de Sergipe, Aracaju, n. 2, p. 7-14, mar. 1976.

18
trajetória para a historiografia sergipana centrada nos autores que esboçaram uma
“consciência de individualidade da província”. O texto de Silvério Fontes12,
apresentado no II Encontro de professores de Introdução aos Estudos Históricos
(Campinas, 1972) não é propriamente uma análise historiográfica. Ele apenas
relaciona autores e algumas obras representativas devido a sua constituição e
abrangência. “Historiografia Sergipana” opera como uma espécie de introdução a um
tema bem mais específico que se transformou no divisor de águas da pesquisa
histórica em nível local: o projeto de “Levantamento das fontes primárias da História
de Sergipe”. Apesar da brevidade do texto, Silvério Fontes procura dar
inteligibilidade à trajetória da historiografia em/sobre Sergipe – ainda que em termos
de avanços e recuos. Nesse sentido, o autor aponta as principais temáticas e
motivações para a pesquisa (movimento republicano, implantação da República,
questões de limites com a Bahia, história artística e literária, homenagens aos
“sergipanos ilustres”); caracteriza algumas práticas do ofício em suas respectivas
épocas (ênfase nos estudos analíticos, factualismo, trabalho individual e não
especializado); pontua marcos institucionais (como a fundação do IHGS e a criação
da disciplina “Introdução aos estudos históricos”); e, também, talvez o mais
importante, esboça uma periodização para essa historiografia (surgimento – 1860;
surto historiográfico, a partir da apropriação das idéias estrangeiras – 1875/1925;
arrefecimento da pesquisa sobre o local – 1925/1960; e a retomada desses estudos –
1960/1970).

O segundo trabalho que se ocupa da trajetória da historiografia sergipana, constituído


também no bojo da participação de sergipanos em eventos nacionais, é a “Introdução
à historiografia sergipana” de José Calazans.13 Esse texto, apresentado ao “V
Simpósio de História do Nordeste (Aracaju -1973) é considerado pelos historiadores
locais como o principal estudo sobre o “desenvolvimento da nossa historiografia” a
tentativa de sistematização, o comentário crítico equilibrado e a detecção de pontos
problemáticos na prática do ofício dão o tom louvável da comunicação.

Para introduzir-se no estudo da historiografia sergipana, José Calazans foi buscar no


discurso de Silvio Romero (1873), 100 anos antes dessa comunicação, os indícios da
tentativa de produzir-se no Estado uma escrita da história em bases “científicas”.14 A

12
Fontes, José Silvério Leite. Levantamento das fontes primárias da História de Sergipe. Cadernos da
UFS, Aracaju, n. 1, p. 4-13, 1972.
13
Calazans, José. Introdução ao estudo da historiografia sergipana. In: Aracaju e outros temas
sergipanos: esparsos de José Calazans Brandão da Silva. Aracaju: Governo de Sergipe – FUNDESC,
1992.
14
O Discurso (Aracaju, 14/04/1874) do Deputado provincial Silvio Romero (na época, Silvio Ramos)
é talvez a primeira reivindicação por uma historiografia cientificista (ao modo das ciências naturais)
em nosso país. Nele Romero esboça as críticas sobre os historiadores brasileiros (consolidadas em sua
História da Literatura Brasileira - 1888) e estabelece diretrizes gerais sobre o concurso que
selecionaria o mais científico trabalho sobre a história de Sergipe apresentado no prazo de seis anos.
"(...) é mister que se viva completamente estranho a esta ordem de estudos para desconhecer que o
socialismo, digamos-lhe o nome sem receio de ruido, o socialismo, em suas mais robustas
manifestações, a de S. Simon e sobretudo a de Proudhon; a critica religiosa, em todos os seus ramos,
estudando as mytologias ou as religiões propriamente ditas; a philologia, com seus últimos avanços; o
positivismo, este ultimo mais que todos, vieram desenvolvendo e preparando uma nova intuição da
historia, nos ultimos trinta annos, intuição que acaba de ter um formal apoio das sciencias naturaes
pelas vistas de Darwin e seus discípulos (...) Queremos ter o direito de esperar, senhores, que esta

19
descrição desse esforço (empreendido na mesma década de 1870) é constituída
através do arrolamento de autores e obras agrupadas nos vários ramos cultivados no
período de um século: historiografia dos municípios, historiografia política, didática,
obras gerais e biografias. Há segmentos do texto que privilegiam três autores
representativos devido à profundeza da pesquisa (Felisbelo Freire, Carvalho Lima
Júnior e Felte Bezerra) e dois relativos a um tema e uma referência capital para a
historiografia local: a questão dos limites com a Bahia e a influência da Escola do
Recife. A análise desses segmentos fundamenta o estabelecimento de cinco fases na
história da historiografia sergipana que dialogam com a periodização esboçada um
ano antes por Silvério Fontes. Na primeira fase, à obra de Silva Travassos, José
Calazans acrescenta o trabalho de Marco Antônio Souza e os escritos de cronistas que
não necessariamente vivenciaram a história local, como Frei Vicente Salvador,
Barlaeus e Rocha Pita. Na segunda, intitulada por Silvério Fontes como “surto
historiográfico”, Calazans estabelece a publicação de História de Sergipe de Felisbelo
Freire como marco inicial. Daí em diante, as duas periodizações se distanciam.
Calazans vai estabelecer o IHGS como o fundador de uma nova fase que se extingue
em 1929 quando a Revista do grêmio deixa de circular. A última fase, que
compreende as décadas de 1940/50 e 1960, é marcada pela retomada dos estudos
sobre Sergipe no IHGS, no Departamento de História da Faculdade de Filosofia o
lançamento da Revista de Aracaju e da “Coleção de Estudos Sergipanos”.

O texto de Calazans não é somente um “guia” temático para os que se aventuram a


produzir historiografia. Ele também exemplifica uma possível forma de narrar a
história desse saber, verificando o lugar sócio-econômico e cultural de produção e
julgando, indicando e corrigindo algumas práticas do ofício. Assim, a história do
Estado – política, intelectual – é relacionada à historiografia através da exposição dos
grandes temas motivadores, ao mesmo tempo em que essa historiografia é valorizada
pela relevância das informações transmitidas, o uso de fontes primárias, a intimidade
com a pesquisa arquivística, o emprego da crítica histórica e do equilibrado
julgamento sobre os agentes e os acontecimentos estudados.

A “Introdução” é também um importante documento para a contínua reavaliação que


a comunidade local de historiadores deve fazer da sua prática. Uma rápida leitura das
lacunas apontadas por Calazans é suficiente para constatar como avançamos em
relação à historiografia política, econômica e quanto estamos a dever acerca da
historiografia social, do trabalho de divulgação didática e, principalmente, de uma
história da historiografia.

A comunicação de Calazans, como texto de síntese, continua atualíssima e tem


servido de ponto inicial aos poucos trabalhos que refletem sobre a historiografia
do/no Estado. Estes, por sua vez, tem se pautado pela incorporação das regras do
ofício em vigor: o trabalho orientado, financiamento da pesquisa, maior

assembleia votará pela proposta. Queremos ter o direito de suppor que a provincia em breve possuirá,
não a historia inanida e sem convicções, pallida e sem entusiasmo, mas a historia em que sua vida
preterita resurja limpida e vigorosa; a historia que ensina, porque é certa; que anima, porque é santa;
aquella em cujas paginas sente-se o aroma são das eternas leis do pensamento e a visinhança respeitosa
de um conviva severo: - a sciencia. Romero, Silvio. Discurso. Annaes da Assembléa Provincial de
Sergipe do Ao de 1874. Aracaju, p. 93-96, 1875.

20
especificidade dos recortes temporais, espaciais e temáticos, liberdade interpretativa,
problematização do objeto, e interdisciplinaridade – principalmente no que diz
respeito a teorias e métodos. Esta nova orientação resulta das mudanças do perfil do
profissional que tem sido operadas ao longo dos últimos 20 anos no Departamento de
História da Universidade Federal de Sergipe. Hoje, em sua maioria, os professores
são egressos dos cursos de pós-graduação em Universidades Federais de Pernambuco,
Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília o que tem garantido o intercâmbio
com os mais importantes centros dos estudos históricos do país. Os frutos dessa
historiografia universitária para uma história da historiografia de/em Sergipe já
podem ser visualizados nos trabalhos do professor Francisco José Alves
(principalmente a tese de doutorado sobre o historiador Felisbelo Freire), das
monografias de graduação e pesquisas de iniciação científica de Noberto Oliveira,
Itamar Freitas, Péricles Júnior, Elissandra Silva que enfocaram tanto o trabalho de um
autor (Maria Thétis Nunes, Sebrão Sobrinho), quanto a historiografia produzida
sobre uma região – “histórias dos municípios sergipanos”. Graças à maturidade da
reflexão da historiografia sobre o seu próprio saber nos últimos dez anos no ambiente
universitário, esta pesquisa, centrada no IHGS, pôde tomar corpo e transformar-se em
trabalho de pós-graduação.15

15
Alves, Francisco José. “A marcha da civilização”: uma leitura da historiografia de Felisbelo Freire.
Rio de Janeiro, 1998. Tese (Doutorado em História Social) – Programa de Pós-Graduação em História
Social/Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, Universidade Federal do Rio de Janeiro; Oliveira,
Noberto Rocha. Maria Thétis Nunes: uma contribuição à historiografia sergipana. São Cristóvão,
1997. Monografia (Licenciatura em História) – Departamento de História, Universidade Federal de
Sergipe; Freitas, Itamar. A escrita histórica de Sebrão Sobrinho; uma análise de Laudas da História de
Aracaju. São Cristóvão, 1996. Monografia (Graduação em história) – Departamento de história,
Universidade Federal de Sergipe; Freitas, Itamar; Andrade, Péricles de Morais Júnior; Santos,
Elissandra Silva. Histórias dos municípios sergipanos: uma análise historiográfica. São Cristóvão,
1995-1997. Relatório de iniciação científica (Graduação em história) – Departamento de
História/COPES-POSGRAP/CNPq – Universidade Federal de Sergipe

21
Institutos Históricos como objeto da história da historiografia

Não há dúvidas sobre a importância dos Institutos Históricos como organizadores de


memória e produtores de historiografia sobre o local onde estão instalados. Pode-se
até não concordar com as suas práticas, a sua constituição, quadros de referências,
objetos, critérios e resultados da sua atividade memorialística. Pode-se até mesmo
abominar os seus modelos de escrita, mas não há como bani-los da história do país já
que foram, ao mesmo tempo, produtores e veículos dessa representação16 chamada
Brasil. Seguem assim, os Institutos Históricos como marcos temporais, institucionais,
monumentais, de muita iniciativa séria que se propõe estudar a trajetória das ciências
sociais e humanas, a historiografia política que contempla as formas do Estado, o
território, a atividade literária stricto sensu, etc..

Apesar dessa relevância, não são muitos os trabalhos que se dedicaram


especificamente a esse tipo de instituição. A matriz inicial, o Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro é, com certeza, a que mais tem sido objeto de estudo por parte
de historiadores e cientistas sociais. Ainda assim, talvez devido à longevidade da
instituição e da sua Revista – com 400 números publicados – e à diversidade de
questões que o grêmio suscita em relação ao debate político-intelectual do Brasil, o
IHGB tem sido um desafio para trabalhos de síntese. Tem-se procurado abordá-lo
por suas relações com o aparato estatal, o seu lugar na institucionalização das ciências
no Brasil, as características e funções da sua historiografia, o seu papel no processo
civilizatório brasileiro, a sua primazia na pesquisa histórica pública no país, etc.17.
Quanto aos Institutos estaduais, principalmente aqueles que não possuem a
prerrogativa de terem introduzido a pesquisa histórica em seus espaços de influência,
os que foram fundados no período republicano, e esse é o caso do grêmio sergipano, a
quantidade de trabalhos que deles se ocupam, mesmo que tangencialmente, é ainda
mais reduzida.

Em parte, a ausência de trabalhos sobre o IHGS advém de um certo preconceito


(teórico-metodológico) reinante até os tempos atuais entre os historiadores,
autoditadas ou não, em relação à historiografia contemporânea (ou pelo menos à
historiografia do século XX). Preconceito e precaução quanto aos eventuais
comprometimentos políticos em um Estado onde a maioria dos intelectuais está
enredada por compromissos familiares. Outro motivo diz respeito ao próprio objeto
privilegiado pelos historiadores até os anos 1970. Se nesse período, como apontou
Calazans18, não havíamos avançado em relação à historiografia política, econômica e
social, não se poderia esperar muito acerca de uma historia da historiografia ou de
uma historiografia intelectual, já que essas últimas só viriam ganhar espaço, mesmo
fora do Brasil, em meados desse século. Em relação à historia da historiografia já

16
O termo "representação" será utilizado em seu caráter epistemológico. "Representar pressupõe uma
atividade ou faculdade da consciência cognitiva em relação ao mundo exterior: representar uma
presença (sensorial, perceptiva) ou fazer presente alguma coisa ausente, isto é , re-apresentar como
presente algo que não é dado diretamente aos sentidos." Falcon, Francisco J. Calazans. História e
representação. Rio de Janeiro: Pontifícia Universidade Católica, 1998. p. 5, mimeo.
17
Uma relação dos mais importantes estudos conhecidos sobre o IHGB está inserida no terceiro
capítulo desse trabalho.
18
Calazans, José. Aracaju... op. cit.

22
anunciei o lugar ocupado pelo IHGS – delimitador de uma fase bastante produtiva da
historiografia sergipana, o institucionalizador da pesquisa histórica coletiva, o
desaguadouro dos entusiastas da Escola do Recife etc.. Resta agora indicar como os
raros esboços da história do movimento intelectual em Sergipe nas décadas de 1920 e
1930 trataram a Instituição e a sua Revista.

Penso ser bastante oportuno iniciar essa revisão com um texto do próprio fundador do
IHGS, o sociólogo Florentino Menezes que, em 1932, fora do período em análise,
portanto, enfatizava um aspecto "original" da sociedade sergipana: os "vôos
iluminados" da sua inteligência, a tendência de produzir "iluminados gênios." À tese
da pequenez territorial de Sergipe, em vigor nesse período, Florentino acrescentava a
impossibilidade de se manter uma força bélica como o Estado de São Paulo, uma
grande população como Minas Gerais e conclui: "somente pela inteligência ele
[Sergipe] poderá vencer e se tornar digno dos seus irmãos da Federação."19 De fato,
os "Aspectos Sociaes" de Florentino Menezes tratam justamente desta vocação de
Sergipe e do "surto de progresso intelectual" (iniciado possivelmente com Tobias
Barreto e Silvio Romero, passando por Fausto Cardoso no início do Século XX e se
estendendo até os dias atuais - 1932). A continuidade dessa virtude é comemorada
pelo autor que percebia, àquela altura, uma certa efervescência intelectual nos
colégios secundários de Aracaju..." as livrarias derramam, como nunca, os seus livros
pela população ávida de leitura (...) os jornais publicados, pelos alunos do curso
secundário, mostram que a mocidade estudiosa orienta-se atualmente para uma vida
superior, mais intelectual e mais artística."20

Idealismo exacerbado ou não, Florentino era professor de Sociologia do colégio


secundário (Atheneu) e deveria entender sobre o que estava escrevendo. Para o autor,
alfabetizar e instruir somente não bastavam. O futuro do Estado dependeria mais do
cultivo da grande cultura (literária e científica - "favorecendo assim o aparecimento
da inteligência sobre-humana e dos gênios luminosos”) e menos da exportação de
produtos extrativos (sal, algodão). É para essa tarefa que Florentino Menezes
convoca a Academia Sergipana de Letras e, curiosamente, apesar de escrever para a
Revista da ASL, omite a responsabilidade de uma outra Academia que ele mesmo
liderara a fundação 30 anos antes: o IHGS.

As teses da pequenez territorial e do celeiro de talentos como representação do Estado


de Sergipe também são retomadas por Gonçalo Rollemberg Leite. Em um artigo na
Revista da Faculdade de Direito de Sergipe, esse autor tece comentários sobre a
relação meio/homem na formação da identidade cultural, descrevendo o relevo do
Estado, apontando as "matrizes étnicas" dos sergipanos e alguns problemas que
emperravam o desenvolvimento sócio-econômico de Sergipe. Não sem antes disparar
sofríveis "flaches da história sergipana a refletir na tela da história nacional," Gonçalo
Rollemberg Leite, professor de História e de Direito, aponta dois elementos que
caracterizam os literatos sergipanos: o pendor pelas causas sociais ("quase fazendo da

19
Menezes, Florentino. Aspectos Sociaes. Revista da Academia Sergipana de Letras, Aracaju, n. 5, p.
34, fev. 1932. (p.31-35)
20
ibid., p. 32.

23
poesia atual uma literatura do protesto")21, e o tom polêmico e agressivo dos seus
discursos. O texto é estruturado sobre uma cronologia progressiva; o seu objeto
oscila entre a primeira metade do século XIX e a segunda do XX e interessa ao autor
captar a Expressão cultural de Sergipe percebida através dos vários domínios
literários: da poesia consoladora22 de Pedro Calasans, Bittencourt Sampaio, Elizeário
Pinto e José Maria Gomes de Souza; das historiografias política de João Ribeiro e
literária de Silvio Romero; nos "ensaios" de Manoel Bomfim, Jackson de Figueiredo
e Gilberto Amado; nos estudos jurídicos dos ministros Oliveira Ribeiro, Coelho e
Campos, Heitor de Souza, Aníbal Freire, dos professores Rogério de Faria, Alvino
Lima, Alberto Deodato, e os grandes juristas Martinho Garcez, Gumercido Bessa e
Tobias Barreto. O artigo do prof. Gonçalo tem o mérito de justificar a inclusão de
cada um dos nomes aqui citados, comentando a atuação, relacionando obras, etc.,
mas peca pela omissão de nomes significativos a sua época como Felisbelo Freire e
Fausto Cardoso, pela falta de referências completas em seus abonamentos e,
principalmente, pelo reducionismo da interpretação/conlcusão a qual chega: como a
maioria dos citados autores era bacharel em Direito o autor sente-se à vontade para
concluir pela existência do primado do Direito na cultura sergipana.23 A tese do prof.
Gonçalo abre um questão importante: que lugar ocupavam então os padres, médicos e
jornalistas do período e outros tantos criadores/mediadores da “cultura letrada” da
época?

Em um dos raros esforços para oferecer um "Panorama intelectual de Sergipe" na


primeira metade do século XX, Magalhães Carneiro afasta-se do critério operacional
[autores e obras], optando por fazer "um estudo circunstanciado das instituições
culturais de Sergipe e de seus órgãos de controle intelectual."24 A noção de intelectual
está ligada à produção nas ciências [história e geografia] e letras [conto, romance,
poesia]. Assim, a intenção de Carneiro com a sua "Memória" das entidades é
"mostrar o modo pelo qual é mantida, incrementada e difundida a cultura entre os
sergipanos."25 Curioso notar que entre as instituições selecionadas (ASL, IHGS,
Biblioteca Pública, Imprensa periódica) o autor tenha incluído o Departamento de
Propaganda e Divulgação do Estado (DPDE) e a este dedicado 40% de suas 30
páginas (tendo inclusive publicado na íntegra o primeiro Boletim mensal desse órgão
- julho de 1940).

O trabalho de Magalhães Carneiro ressente-se de uma síntese (apesar de propor um


"panorama") e/ou ainda uma conclusão que avaliasse a produção dos intelectuais em
Sergipe em 1940 relacionando-a às chamadas "florações" científica, poética e
romanesca do século XIX e início do XX, apontadas pelo próprio autor na
"introdução" do trabalho. O "estudo circunstanciado" sobre o IHGS, por exemplo,
apenas fornece dados da fundação (primeiros sócios, funções estatutárias,
21
Leite, Gonçalo Rollemberg. Expressão cultural de Sergipe. Separata de: Revista da Faculdade de
Direito de Sergipe, Aracaju, n. 12, p.18, 1970.
22
"...terra pequena e pobre, sem perspectivas de um risonho futuro para seus filhos, êstes parecem
encontrar na poesia, uma libertação". ibid., p. 19.
23
ibid., p. 23.
24
Carneiro, Magalhães. Panorama intelectual de Sergipe: memória apresentada pelo Governo do
Estado de Sergipe sob a administração do Exmo. Sr. Dr. Eronides Ferreira de Carvalho á Exposição-
Feira do Brasil, em Buenos Aires. Aracaju: Imprensa Oficial, 1940.
25
ibid. p. 1.

24
organização administrativa) e algumas de suas realizações, como a instalação de
bustos homenageando sergipanos ilustres. Há também dados sobre a construção da
sede própria em 1939, o número atual [1940] de sócios e os títulos de utilidade
pública do IHGS. Fica excluído, portanto, o próprio “produto intelectual” da
instituição (as letras e ciências). Devo retificar também alguns pequenos equívocos
cometidos pelo autor quanto à data do início dos trabalhos "científicos", "literários",
"intelectuais" e "cívicos", discriminados e iniciados com o Estatuto de 1912 e não em
1919, assim como a data do lançamento das bases da biblioteca e da Revista que
aconteceram a partir da fundação do Instituto em 1912 e 1913 respectivamente. Tais
incorreções não retiram o mérito da obra que até o estágio atual dessa pesquisa, em
relação ao estudo das Instituições, permanecem iniciativa pioneira.

Pouco pretensioso quanto aos objetivos e anunciando apenas "um depoimento


pessoal" sobre "o desenvolvimento cultural de Sergipe na primeira metade do século
XX", o historiador José Calazans parece inaugurar uma historiografia intelectual de
Sergipe, tendo como agentes principais os próprios "intelectuais" e o IHGS. O
Instituto era, no momento do seu 50º aniversário, para José Calazans, o arauto,
defensor e guia do "bom sergipanismo." Este, caracterizado pela "inteligência" do
seu povo e pelo amor ao trabalho, era a própria representação do Estado perante os
demais e, por isso, tal tradição (exportador de talentos intelectuais) deveria ser
conservada e revigorada pelo IHGS "como condição mesma da nossa existência de
povo."26

O IHGS, através de sua Revista, em seu trabalho de difusão cultural, de coletador de


registros históricos e etnográficos, segundo Calazans, preenche o papel da
Universidade [que só seria instalada seis anos depois dessa conferência em 1968]. O
Instituto, continua o autor, é fruto da "mentalidade recifense", seus fundadores eram
discípulos diretos de Tobias Barreto e Silvio Romero e daí a vocação pela defesa e
propagação do "bom sergipanismo." Destes dois intelectuais produziu-se a síntese
perfeita entre o universal e o local, entre o pensamento filosófico europeu e o
interesse pela pesquisa sobre o folclore, a história e a geografia de Sergipe. A
"mentalidade recifense” é vista como o responsável pela construção do objeto, das
estratégias de investigação e objetivos institucionais do IHGS. Fundado então pelos
discípulos das mais brilhantes inteligências da terra, o IHGS transformou-se no pólo
aglutinador e gerador de intelectuais e entre estes o próprio José Calazans anuncia-se
como exemplo.

Mas quem são estes intelectuais e o que teriam produzido em favor de Sergipe? Para
Calazans, cinco são os tipos: os bacharéis em Direito formados no Recife, discípulos
de Tobias Barreto que atuaram na magistratura, advocacia e na política partidária; os
médicos formados na Bahia e Rio de Janeiro, os engenheiros formados em Ouro Preto
e na Bahia, homens de letras que conectaram Sergipe aos grandes centros do país; os
ex-alunos da Escola Militar da Praia Vermelha que atuaram como professores em
Aracaju; os padres formadores e formados pelo Seminário do Sagrado Coração de

26
Calazans, José. O desenvolvimento cultural de Sergipe na primeira metade do século XX:
Conferência realizada pelo Dr. José Calazans Brandão da Silva, convidado especial na sessão solene
comemorativa do jubileu do Instituto Histórico a 6 de agôsto de 1962. Revista do Instituto Histórico e
Geográfico de Sergipe, Aracaju, n. 26 B, v. 21, p. 48, 1965.

25
Jesus a partir de 1913; e os poetas de Aracaju aglutinados no bairro Santo Antônio em
torno do carismático poeta Garcia Rosa, que cantaram as belezas da terra sergipana.

O depoimento de Calazans mantém o argumento do Sergipe minúsculo e esquecido,


como um grande exportador de talentos (embora acrescente a este o caráter de grande
trabalhador). Seu texto desbota a idéia do predomínio dos bacharéis sobre a produção
científico-literária de Sergipe (eram importantes mais não os únicos) estabelecendo
como subproduto uma tipologia dos intelectuais do período 1900/1950. Calazans vai
mais além. Ele disserta sobre as zonas de formação, informação – Pernambuco/Bahia
–, dos processos de retroalimentação da intelectualidade sergipana.

Em 1984, um trabalho de Pedrinho Santos contempla o IHGS com um capítulo


independente, e este, junto a outros dedicados à Biblioteca Pública Epifânio Dória, ao
Arquivo Público do Estado de Sergipe, aos Museus de Sergipe e de Arte Sacra,
constituem o volume I das Instituições culturais de Sergipe27. O autor não anuncia
uma historiografia intelectual ou dos intelectuais de Sergipe. O trabalho nada mais é
que a reunião de "artigos jornalísticos feitos para o entendimento popular" publicados
pela Gazeta de Sergipe (1984/1985) em uma seção sobre "fatos e homens que
marcaram a história de Sergipe" cujo título, bastante sugestivo, teria sido inicialmente
"Descubra seu lugar".28

O tópico inicial da matéria relativa ao IHGS faz referência ao IHGB no século XIX,
conduzindo o leitor para a fundação do grêmio sergipano. O artigo traz dados básicos
como data da inauguração, localização das sedes, primeira diretoria, constituição dos
Estatutos, e os títulos "de utilidade pública". A segmentação do capítulo é temática,
abordando aspectos da construção e inauguração da sede própria e dos produtos
oferecidos pela entidade: biblioteca, hemeroteca, os administradores e as condições
gerais de funcionamento do Instituto no período em que os artigos foram produzidos.

Apesar de modesto na forma e nos objetivos, o trabalho de Pedrinho Santos relativo à


reconstituição da memória das instituições, além do seu conteúdo informativo e
acessível aos leigos, tem o mérito de indicar as fontes e esboçar uma periodização
para a história da Instituição. Sintetizando as informações do autor, poder-se-ia
concluir que em uma primeira fase (décadas de 1920/1930) o IHGS dedicou-se à
tarefa memorialista (palestras e erguimento de bustos homenageando intelectuais e
políticos sergipanos); uma segunda de 1934 a 1939, "seu mais auspicioso momento"
relativa à construção e inauguração da sede própria; e o período "atual" que vai da
década de 1940 até 1984. O trabalho também oferece pistas importantes para futuros
estudos sobre o movimento intelectual do período da primeira República, e mesmo
para a história do IHGS, principalmente se cruzados os capítulos relativos ao
Arquivo, Biblioteca e Instituto Histórico. Há porém uma quase que imperdoável
ausência no capítulo relativo ao IHGS: não há uma só referência acerca da Revista do
Instituto, um dos seus mais relevantes produtos (que àquela época já circulava em seu
número 29).

27
Santos, Pedrinho. Instituições culturais de Sergipe. Aracaju. mimeo, 1984. v. 1.
28
ibid., p. 2 e 5.

26
Dez anos depois, o IHGS foi tema de trabalho de monografia dos alunos do curso de
Comunicação Social da Universidade Tiradentes. Instituto Histórico e Geográfico de
Sergipe: Centro de preservação da informação cultural procurou divulgar o esforço da
Instituição na preservação da memória sergipana. A experiência da casa não é
problematizada. Os autores contentam-se em apresentar e comentar a importância do
acervo da biblioteca, pinacoteca, hemeroteca, arquivo e museu. A Revista tem
ressaltados o objetivo, periodicidade e os lançamentos mais próximos (números 30 e
31). Trata-se, portanto, de um inventário geral do acervo para a sua posterior
divulgação à comunidade.29

A monografia de Roseane Barreto30 já é fruto da historiografia universitária,


caracterizada pelo trabalho metódico orientado, desenvolvido a partir de 1996
(quando da adoção da disciplina "Prática de pesquisa" como requisito obrigatório à
licenciatura em História). O trabalho é composto por três capítulos e tem por objetivo
identificar as razões da criação do IHGS e caracterizá-lo como um "centro cultural" –
na moderna acepção de Luís Milanese. No início a autora aborda a relação IHGB-
identidade nacional. Está nesse tópico mais uma mostra dos frutos da Universidade,
onde, além da orientação metodológica, há tentativas de interpretação da experiência
do Instituto através do uso de conceitos como "memória" e "identidade". O segundo
capítulo trata especificamente do IHGS. Há porém, na passagem do anterior para este
capítulo, uma certa desconexão. Ao não estabelecer relações entre o IHGB e o IHGS,
a autora deixa subentendido que esta Instituição era o espelho daquela, uma sugestão
que não é reforçada por sua própria pesquisa. Esse mesmo capítulo fornece as
informações triviais (dados sobre a fundação, influências recebidas pelos fundadores,
dados biobibliográficos sobre Florentino Menezes, objetivos e quadro de sócios). Há
também sub-tópicos relativos à construção da sede, "espaços culturais" (biblioteca,
museu, pinacoteca, hemeroteca, arquivo) e a Revista.

É louvável a iniciativa, talvez a primeira, de estudar a Revista do IHGS. Embora não


indique os critérios utilizados, Roseane chega a esboçar uma classificação dos temas
abordados pelo periódico. Ainda assim, não há definição de "artigos" e nem do
critério para selecioná-los, sendo, portanto, difícil saber como a autora chegou a
exígua soma de 69 artigos para os 15 números publicados (1913-1939). E depois, o
que significariam temas classificados como "História milenar" ou "Assuntos gerais".
Há também um equívoco que merece reparo: a Revista caracterizou-se, inicialmente,
por sua circulação "trimensal" e não bienal como afirma Roseane. Estes pequenos
deslizes não comprometem a obra já que o seu objetivo está centrado na
caracterização do IHGS como "Centro Cultural" e não para o exame da Revista.
Contudo, algumas ressalvas de fundo, quanto a este objetivo central, devem ser feitas.
Estas referem-se às "considerações finais" às quais chegou Roseane: "os intelectuais
buscaram na pesquisa teórica os elementos que contribuíram para a construção da
história de Sergipe", e o IHGS funcionou como "ponto de convergência da

29
Costa, Raimundo Nonato et al. Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe: centro de preservação da
informação cultural. Aracaju, 1992.Trabalho Acadêmico (Graduação em Comunicação Social) -
Faculdade de Comunicação Social, Universidade Tiradentes.
30
Barreto, Roseane Guimarães Santos. O Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe e a idéia de
Centro Cultural. São Cristóvão, 1996. Monografia (Licenciatura em História) (Departamento de
História, Universidade Federal de Sergipe.

27
intelectualidade e da sociedade sergipana". Quem eram a sociedade e a
intelectualidade sergipana e como chegou a tal constatação são questões que Roseane
deixou em aberto no seu trabalho.

***

Os textos que trataram do IHGS apresentam, direta ou tangencialmente, algumas


características em comum, tanto em relação ao olhar do historiador, às opções
teórico-metodológicas, quanto nas lacunas denunciadas, o que não será repetido nesse
trabalho. Esta pesquisa não se contenta, portanto, com o silêncio do sociólogo
Florentino Menezes acerca da agremiação da qual foi fundador; não é um comentário
sobre o cultural (artes, ciências e letras) centrado em homens e idéias atomizados sem
visualizar as instituições e práticas associativas; não faz uso de uma abordagem
tipicamente "memorialista", enfatizando a função memorialista da instituição (ereção
de bustos, palestras em honra aos intelectuais sergipanos e políticos); não se constitui
somente em uma memória do IHGS construída a partir da justaposição de
informações que se encerram em si mesmas (dados da fundação, local da sede,
funções estatutárias); não estabelece analogias IHGB/IHGS sem levar em conta as
diferenças entre os dois "lugares" de produção; e ainda, não deve e não reforça a tese
do "Sergipe pequenino e esquecido".

A pesquisa está orientada no sentido de perceber o IHGS como instituição não


descolada do seu lugar sócio-econômico e cultural, verificando seu papel de
organizador de memória e produtor de historiografia, e empregar as mais recentes
conquistas do ofício do historiador tanto no nível técnico quanto na afirmação da
especificidade da história da historiografia. A contribuição desse trabalho para essa
reflexão é justamente a tentativa de incorporação dos atributos mais lúcidos deixados
pelos historiadores até aqui citados. Trata-se então de exercitar uma história da
historiografia arrolando acervos, organizando fontes, examinando o lugar social e
institucional do objeto em questão e estudando a apropriação e consumo das idéias.
Trata-se, também de levantar problemas, temáticas, as funções da narrativa e do
autor; de questionar o que é "história" (experiência e narrativa da experiência
humana), como, e porque se produz historiografia.

A história da historiografia aqui posta em prática, a exemplo do exposto acima sobre


as concepções de ciência histórica e de historiografia, é compreendida como
operação31 relacionada a tempo e lugar presentes. Em outras palavras, a história da
historiografia é uma área específica do saber que se ocupa da autocompreensão do
historiador sobre o seu produto (e conseqüentemente da disciplina), centrando o seu
interesse nas questões epistemológicas e metodológicas e na relação dos produtores
com o público anunciado em seus textos. Esse objeto, configurado em texto impresso
em seus mais diferentes formatos, gêneros, níveis de elaboração, é selecionado a
partir das autoclassificações – da intenção expressa pelos seus autores – e da
legitimação32 chancelada pela instituição em análise. Esta é, pois, uma abordagem
31
Certeau, M. A operação historiográfica. A escrita da história. Rio de Janeiro: Forense-Universitária,
1982.
32
Falcon, Francisco J. C. A identidade do historiador. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, n. 17, p. 7-
30, 1996.

28
“historiográfica” que procura afastar-se das práticas ainda vigentes importadas da
história da literatura e da história da ciência. Uma abordagem que busca sedimentar a
história da historiografia como um campo específico de estudos dentro de um saber
mais amplo – a ciência histórica.33

Mas a história da historiografia, antes de ser uma autocompreensão sobre a ciência


histórica, antes de representar um espaço privilegiado para se “repensar os domínios
de Clio” e inventar "novas possibilidades de representar o passado e construir o
presente", é também (e ambiguamente), além de escrita da história, um espaço de
memória (da prática historiográfica em Sergipe) e de problematização desse mesmo
fenômeno (efetivado nas ações do IHGS). Assim, o fenômeno da memória, resultante
de “sistemas dinâmicos de organização e reconstituição" gestados em seus mais
diversos locais – topográficos, monumentais, simbólicos e funcionais,34 é aqui
entendido inicialmente como “um conjunto de funções psíquicas graças as quais o
homem pode atualizar impressões ou informações passadas, ou que ele representa
como passadas.”35 Um instrumento de conquista, um instrumento de poder.

A pesquisa também está instrumentalizada, além do conceito de memória, e atrelado a


esse, com a idéia de identidade – um recurso de auto-referência essencial aos homens,
embora virtual. Um fenômeno que se manifesta em nível de linguagem sendo o plano
do discurso o ambiente tanto de evocação quanto o local privilegiado para o seu
estudo.36 Memória e identidade são, portanto, cenceitos-chave para o exame da
criação de um "nós", de um grupo praticante de historiografia e de um lugar
geopolítico e simbólico chamado Sergipe.

Seguindo os dois eixos de discussão – o IHGS como lugar de memória e de


historiografia – a pesquisa articula a cada questão proposta, um instrumento
compatível de acordo com o tipo de fonte disponível: a) pesquisa bibliográfica – para
o conhecimento da experiência dos intelectuais; b) pesquisa documental – para o
exame da estrutura administrativa do Instituto, a caracterização dos sócios e o estudo
das relações entre a agremiação e entidades públicas ou privadas; c) análise textual –
do conteúdo da Revista, e das publicações auto consideradas como historiografia,
centrada nos temas, conceitos-chave, marcos temporais, delimitação espacial,
caracterização dos atores, formas argumentativas entre outros; d) estatística – através
da montagem de bancos de dados que permitam uma imagem particular e ao mesmo
tempo genérica das práticas cotidianas do IHGS (banco de dados sobre as atas do
período), da representatividade da agremiação, dos laços com os outros setores da
sociedade do movimento intelectual em geral (banco de dados sobre os fichamentos
dos principais periódicos que circularam entre 1910 e 1930) e do perfil dos
associados (tabelas de caráter prosopográfico). Os resultados desses levantamentos e

33
Ver Lapa, J. R. A. História e historiografia pós-64... op. Cit., p. 49-51; e Charbonell, C-O. Histoire
et historiens... op. Cit., p. 45-57.
34
Le Goff. Jacques. História e Memória. 2 ed. Campinas: Unicamp, 1992. p. 424 e 473; Nora, Pierre.
Entre a memória e história: a problemática dos lugares. Projeto História, São Paulo, n. 10, dez. 1993.
p. 7-28.
35
Id., p. 423.
36
Novais, Sylvia Caiyuby. Jogo de espelhos: imagens da representação de si através dos outros São
Paulo: Edusp, [198-]. p. 23.

29
perfis já podem ser visualizados no capítulo que se segue onde trato dos principais
agentes constituintes do movimento intelectual sergipano entre 1910 e 1930.

30
Capítulo II

Movimento intelectual nas décadas 1910 e 1920

A "Casa de Sergipe": historiografia e identidade na Revista do Instituto Histórico e Geográfico


de Sergipe (1913/1929) (3) – Movimento intelectual nas décadas de 1910 e 1920

A fundação do Instituto Histórico e Geographico de Sergipe importa inconcusso documento


de florescencia intellectual sergipana, e nos fica a assignalar o momento em que a nossa
inteligencia se julgou apta a collaborar no grande problema da correlação existencial entre
a natureza e o homem.

Mas deste ponto de vista subectivo é que, porem, se me antolham, desde o primeiro lanço, as
grandes responsabilidades do Instituto, cujo fim á esta hora do seculo, não é de aclarar
pontos obscuros ou recantos crepusculares, porventura ainda existentes nos devãos do nosso
Theatro e História para falar com Ratzel, mas crear o estudo da Anthropo-geographia
sergipana á luz do moderno critério da Sciencia Social porque é no apparentemente simples
estudo da dependencia do homem para com a terra, onde se colhe o exacto systhema do
equilibrio resultante da lucta das forças mezologicas e ethnicas, e do qual se deriva mais
clara visão da coexistecia social sujeita, por toda a parte a variedade de condições vitaes
que lhe são particulares.37

***

A fundação do Instituto Historico e Geographico se Sergipe não pode ser por mais tempo
adiada.(...)

Sergipe não tem um Instituto ou uma associação scientifica com que distinga os seus grandes
homens.

Todos os nossos talentos são condecorados pelas sociedades estrangeiras ou de outros


Estados.

Dahi o marasmo, a falta de estimulo que existe em nossa terra, não porque nos faltem
genios, mas porque estes se apagariam sem reflexo, victimas do meio como a voz se extingue
nas planicies desertas, aos poucos, sem echo.(....)

A nova epocha em que entrou em vespera dos notaveis melhoramentos materiaes e


intelectuaes projectados pelo reformador de nosso Estado, o exmo. Sr. Presidente do Estado
General dr. José de Siqueira Menezes, despertou em mim a lembrança da fundação do
instituto de que ora me occupo.38

37
Sampaio, Prado. Palavras de início. Revista do IHGS, Aracaju, n. 1, p. 24-25, 1913.
38
Menezes, Florentino. Discurso pronunciado pelo acadêmico Florentino Telles por ocasião da
fundação do “Instituto Histórico e Geographico de Sergipe”. Revista do IHGS, Aracaju, n. 1, p. 09-13,
1913.

31
Quando Prado Sampaio anunciava um novo tempo para a intelectualidade sergipana,
ele dava mais um sopro de vida ao movimento inaugurado por Tobias Barreto e
Silvio Romero que já parecia esgotado no Recife desde 1906. O tobiático Sampaio
ainda utilizava combativos argumentos de parte da “geração 70”, empenhada na
crítica ao clericalismo e na luta pela renovação dos estudos filosóficos no Brasil. Mas
o discurso de Prado Sampaio também revelava indícios de que, pela primeira vez, de
forma coletiva, os intelectuais de Sergipe, mormente da capital, experimentavam um
momento de reflexão, uma tomada de consciência sobre a aceleração da história,
percebida através dos desdobramentos da revolução industrial, do desmoronamento
dos últimos pilares do regime político anterior, como também das concepções e
modos de pensar a filosofia e praticar ciência.

Instantes de reflexão, como os citados acima, têm sido alvo de estudos


interdisciplinares que procuram examinar de perto os discursos de ruptura com o
passado, de formação de utopias para com o futuro; discursos que repensam e até
vêem com suspeição o seu presente e, por vezes, tentam radicalmente introduzir
novos parâmetros de conduta na política – democracia representativa –, arte –
modernismo – e ciência – racionalismo, materialismo. Esses instantes de reflexão tem
sido chamamos de modernidade.

Quando Florentino Menezes falava em “notáveis melhoramentos materiais”, referia-


se claramente ao período em que as conquistas tecnológicas do velho mundo
começavam a "respingar" sobre os sergipanos, principalmente sobre os habitantes
alfabetizados da capital. Era o tempo da luz elétrica, do saneamento básico, do
combate às febres, da introdução do primeiro automóvel, ferrovia e dos telefones em
Sergipe.39 Ao enfatizar a “utilidade” da história e da geografia e reivindicar uma
instituição para a guarda das tradições locais, Florentino Menezes denunciava uma
tendência dos intelectuais engajados que, dentro da emergência do nacional,
procurava fundar uma identidade para o Estado de Sergipe, constituída por elementos
locais, entretanto sob os modelos das sociedades que, a seu ver, já tinham alcançado
características do supremo estágio de civilização.40

39
As obras de abastecimento d’água e esgoto foram iniciadas em 1909 e concluídas em 1914; em maio
de 1911 foi inaugurada a primeira estação telefônica da cidade; os bondes da empresa “Carris
Urbanos” inauguravam uma nova forma de lazer em 1910; em dezembro de 1913 os aracajuanos
comemoraram a chegada do serviço de luz elétrica e em menos de dois anos estavam ligados por
estrada de ferro até a fronteira com Alagoas. Mendonça, Corinto. Contribuição ao Centenário do
Aracaju: Realizações dos Governadores em prol da Cidade (1892/1954). Aracaju: [ASI, 1954]. p. 27-
37; Cabral, Mário. Roteiro de Aracaju. Aracaju: Regina, 1955. p. 168; Especificamente sobre as linhas
de bondes ver o jornal O Estado de Sergipe em suas edições de: 6 set. 1908. p. 2-3; 27 out. 1908. p. 2;
16 e 18 jul. 1909. p. 2; e 1 mar. 1909. p.2.
40
O termo "civilização", no discurso dos membros do IHGS, guardam os mesmos sentidos presentes
na obra de Felisbelo Freire: ação/processo e estado. Salvo conotação expressa pela estrutura do
parágrafo, "civilização" deverá ser considerado em seu segundo sentido: "um determinado estágio de
desenvolvimento. Civilização é o ápice do desenvolvimento de um povo. É a realização de uma
sociedade, em condições desejáveis, caminhando rumo à civilização que neste caso se confunde com
uma meta da evolução. Civilização é o destino de todos os povos. [Cf. Alves, Francisco José. “A
marcha da civilização”... op. cit. p. 174-175.] Quando acompanhado do termo "progresso",
"civilização" refere-se ao padrão superior das atividades do "espírito" (ciência, arte, constumes etc.)
enquanto "progresso" está relacionado às questões "materiais" como o desenvolvimento da economia e
da tecnologia.

32
Hoje, comparando fragmentos literários dos dois autores, pode-se perceber que tanto
o discurso de Prado Sampaio quanto o de Florentino Menezes apresentam curiosas
semelhanças, além do fato de terem sido pronunciados na fundação do Instituto
Histórico e Geográfico de Sergipe (1912) e no lançamento do primeiro número de sua
Revista (1913). Ambos fornecem indícios de uma tomada de consciência – da
emergência da ocidentalização -, uma instância de reflexão sobre o tempo presente,
sentidos que contemporaneamente são expressos pelo conceito de modernidade.
Ambos também representam a tomada de consciência do intelectual acerca do seu
papel nos destinos da sociedade a que pertencem.

Essa tomada de consciência dos intelectuais exprime-se principalmente na fundação


de instituições culturais e estas, através do seu papel fundador, orientador e
disciplinar, vão auxiliar na construção de um Sergipe moderno, consequentemente,
preparando-o para a sua inserção no mundo civilizado. Assim, com essa missão e
nesse contexto eram iniciadas em 6 de agosto de 1912 as atividades do Instituto
Histórico e Geográfico de Sergipe, a primeira instituição assumidamente científica do
Estado.

33
Intelectuais

A fundação do IHGS é apenas um entre os vários acontecimentos que marcaram a


experiência intelectual de uma pequena parte dos sergipanos nascidos entre 1840 e
1900, bem como a maturidade cultural da Capital Aracaju ante os centros produtores
como Estância, Laranjeiras e Maruim. O dinamismo das atividades literária e
científica é um dos indícios da consolidação da liderança da nova capital41
desacreditada pelos problemas infraestruturais que enfrentou desde a sua instalação
em 1855. Mesmo sabendo que os intelectuais têm relativo papel na elaboração da
cultura política42 e no resultado final das políticas públicas, é importante estudá-los
sob os aspectos da organização e auto-identificação. Essa tarefa lança luzes sobre o
processo de institucionalização das ciências sociais no Estado e dimensiona o poder
de intervenção desses grupos no cotidiano da sociedade sergipana.

Com essa abordagem tentarei apresentar uma possível resposta a questões como:
quem eram e o que faziam os intelectuais das décadas de 1910/20, período que
envolve a consolidação do IHGS. E ainda, de forma mais breve, como se
organizavam, que tipo de relações mantinham e quais as possíveis implicações dessa
rede de influências na tecedura de uma determinada escrita da história.

Certamente, “intelectual” não é uma categoria homogênea. Os próprios articulistas


do período estudado se auto-reconheciam pelas funções desempenhadas –
jornalismo, literatura stricto sensu (contistas, poetas, dramaturgos), magistério,
magistratura – e/ou titulação adquirida através de cursos superiores. Por esse segundo
critério – “a cultura literária” os “dotes da inteligência” – recebiam o nome de
intelectuais todos os engenheiros, militares de alta patente, bacharéis em direito e
medicina que manifestassem a sua opinião oralmente ou tivessem publicado algum
trabalho relacionado às suas respectivas áreas de atuação profissional.

Essa ausência de limites sobre o que poderia ser chamado grupo intelectual nas
décadas de 1910/20 esconde, paradoxalmente, algumas características que podem
facilitar a abordagem desse tema. Está claro que a homogeneidade também não é
característica do conceito nos tempos atuais entretanto, nesse trabalho, o “intelectual”
poderá ser genericamente caracterizado como “os sujeitos a quem se atribui de fato
ou de direito a tarefa específica de elaborar e transmitir conhecimentos, teorias,
doutrinas, ideologias, concepções o mundo ou simples opiniões, que acabam por
constituir as idéias ou os sistemas de idéias de uma determinada época e de uma

41
As cidades de Estância e Laranjeiras foram líderes nesse sentido durante a segunda metade do século
XIX. A primeira, entreposto comercial de vulto, ponto de exportação fluvial, local de implantação da
imprensa em Sergipe. Motivos idênticos transformaram Laranjeiras em rival de Estância. No entender
de M. P. de Oliveira Telles, Estância é pátria da música, e Laranjeiras a mestra de Sergipe, a
propagadora das idéias republicanas, abolicionistas e das teorias cientificistas. Teles, Manoel dos
Passos de Oliveira. Sergipenses: escriptos diversos. Aracaju: Tipografia de “O Estado de Sergipe”,
1903. p. 83-84.
42
Sirinelli, Jean-François. Os intelectuais. In: Rémond, Por uma História Política. Rio de Janeiro:
UFRJ/FGV, 1996. p. 237.

34
determinada sociedade.”43 Recortando mais ainda o objeto, e continuando com as
palavras de Norberto Bóbbio, é importante enfatizar que a caracterização do
intelectual enquanto tal não está diretamente determinada ao trabalho que exerce, mas
a sua função: “um operário que também desenvolva obra de propaganda sindical ou
política pode ser considerado um intelectual, ou pelo menos os problemas éticos e
cognoscitivos da sua obra de agitador são os mesmos que caracterizam o papel do
intelectual.”44

Essa definição é suficiente para suprimir a equivocada dicotomia entre trabalho


intelectual e trabalho manual, bem como as confusões entre esse mesmo trabalho
intelectual (com função adjetiva) e o intelectual (com função substantiva). Penso
ainda que essa definição e caracterização dão conta do problema atual que é descrever
os “criadores”, “mediadores” (numa acepção mais larga)45, e até mesmo os agentes
“engajados” (numa acepção mais estreita) em tentativas de produção literária e
científica no solo sergipano.

Por esses critérios são enquadrados como intelectuais nas décadas de 1910-1920 não
apenas os bacharéis em direito e medicina, engenheiros, militares graduados e
oficiais, jornalistas militantes, padres, mas também os professores do ensino
secundário, funcionários públicos responsáveis por bibliotecas, serviço de instrução,
diretores de sociedades multualistas, comerciantes e uma série de outras categorias a
quem se atribui o papel de difusor cultural ou formador de opinião.

Esse entendimento do intelectual como criador ou mediador, independente das


especificidades do seu trabalho, apresenta, à primeira vista, devido a sua abrangência,
inúmeras dificuldades para o desenvolvimento da pesquisa. Mas, dispensando o
anseio de visualizar a totalidade, de inventariar todos os intelectuais do período,
adotando uma determinada amostra tão representativa quanto qualquer “amostra”,
pode-se incorporar, para responder às questões inicialmente propostas, uma das mais
primorosas fontes impressas existentes no Brasil sobre o tema: Dicionário Bio-
Bibliográfico Sergipano46. Essa obra reúne 586 verbetes sobre a experiência de
sergipanos nascidos entre 1648 e 1908 que contribuíram e tiveram, segundo os
critérios do seu autor, Armindo Guaraná, ação destacada na sociedade sergipana e na
“cultura intellectual do paiz.”47 No prefácio, Guraraná reconhece que o Dicionário
não terá serventia “para espíritos superiores, versados nos achados das sciencias
particulares e busca de uma concepção geral”. Esse juízo era, aliás, um sintoma do
clima cientificista reinante nas discussões de alguns intelectuais no período quando à
busca por leis gerais se constituía numa das mais nobres tarefas do “scientista”. Para
nós, entretanto, a narração dos “fatos mais ou menos interessantes” dos “pro-homens”
de Sergipe, colhidos através da oralidade, da pesquisa em periódicos ou nos
compêndios biobibliográficos é simplesmente um grande achado, um manancial de

43
Bobbio, Norberto. Os Intelectuais e o Poder: Dúvidas e opções dos homens de cultura na sociedade
contemporânea. São Paulo: Unesp, 1997. p. 110.
44
Ibid. p. 115.
45
Sirinelli, J-F. op. Cit. , p. 242.
46
Guaraná, Armindo. Diccionario Bio-bibliographico Sergipano. Rio de Janeiro: [Governo do Estado
de Sergipe], 1925.
47
Guaraná, A.. op. Cit. p. xvii.

35
informações sobre climas, crenças e opiniões constitutivos da rede de sociabilidade
dos intelectuais em Sergipe.

Manuel Armindo Cordeiro Guaraná (1848/1924) formou-se em Direito pela


Faculdade de Recife e exerceu funções públicas inerentes à sua titulação – advogado,
promotor, chefe de polícia, juiz e desembargador. Depois de aposentado (1905),
dedicou-se às atividades associativas de caráter beneficente, religioso e
principalmente literário. Dentre essas últimas, mantinha ligações com a Société
Academique d’Histoire de Paris (1912). Foi membro dos Institutos Históricos do
Ceará (1907) e de Sergipe (1913) e presidente da sub-comissão de bibliografia da
Academia Brasileira de Letras no Estado (1922). Essa trajetória do público para o
privado, da carreira de Estado para dedicação exclusiva às atividades “acadêmicas”
parece ter sido uma constante entre os elementos daquilo que pode ser chamado, em
sentido amplo, de elite intelectual sergipana, constatado nas páginas do seu
Dicionário. O autor é, pois, um dos "tipos intelectuais" dominantes do período.

36
A elite intelectual de Guaraná 48

A elite eleita por Guaraná é constituída por gerações de nascidos entre 1840 e 1900.
Nada menos que 73,4 % dos biografados têm origem nesse período e mantiveram-se
ativos na política e na atividade literária até o final da década de 1920. Mas nem
todos contribuíram com a mesma intensidade ou partilharam experiências no Estado
natal.49 Da mesma forma, somente alguns viveram o suficiente para vislumbrar
vitórias de Sergipe como unidade autônoma: o reconhecimento de seus homens de
letras, a reivindicação dos limites territoriais, a instalação de representações locais da
esfera jurídica e religiosa ou ainda, a inserção da capital no ansiado “estado de
civilização”. Os eleitos por Guaraná, que participaram desse “nascimento cultural”
das décadas de 1910 e 1920, não contabilizam muito além de uma centena de
indivíduos.

Levando-se em consideração a faixa etária, pode-se distribuir esses homens e


mulheres em dois grandes grupos: os nascidos nas décadas de 1850/60 e 1880/90. O
primeiro grupo, minoritário, tem a existência marcada por eventos fundadores como a
patriótica Guerra do Paraguai e a experiência institucional do Segundo Império, as
campanhas abolicionistas e republicanas e a tragédia de Canudos (marcos
deflagradores de solidariedade e também de revisões na conduta política). As
gerações de 1880/90 herdaram marcos fundadores diferenciados que estimularam a
discussão de questões estratégicas para o desenvolvimento “moral” e econômico do
local. Fomentou-se a construção do nacional em nível científico e, junto a esses, a
possibilidade de construir em bases [atualizadas] uma nova ordem política e social
tanto em nível de Brasil quanto de Sergipe. As últimas gerações são marcadas,
sobretudo, pela crise de auto-estima provocadas pelas intervenções do governo
central no processo eleitoral, pelo assassinato das mais importantes lideranças da
virada para o século XX, a experiência da 1º Guerra Mundial e pela necessidade de
produtos trazidos com o surto industrial.

Apesar das relativas diferenças etárias e de perspectivas, os elementos


caracterizadores desses indivíduos como intelectuais não variam muito. Em geral,
entre os eleitos de Guaraná, essas pessoas foram selecionadas por sua militância
jornalística, pela dedicação à atividade literária – em sentido estreito ou aplicada a
suas respectivas áreas profissionais – por serem agentes formadores de opinião nas
atividades religiosas, em sala de aula, sociedades de auxílios mútuos, partidos
48
Apesar dos senões apontados por Giovanni Levi ("a característica interstical da liberdade individual
e a questão da racionalidade limitada"), examino as biografias de Guaraná sob a forma prosopográfica
onde "os elementos biográficos só são considerados historicamente reveladores quando têm alcance
geral". as outras formas mais comuns de uso da biografia para ao conhecimento histórico citadas por
Levi são a vida pessoal explicada à luz do contexto e a biografia dos casos extremos. Esta última é
usada especificamente para esclarecer o contexto. Levi, Giovanni. Usos da biografia. In: Ferreira,
Marieta de Moraes e Amado, Janaina (orgs.) Usos e abusos da história oral. Rio de Janeiro: Fundação
Getúlio Vargas, 1996. p. 167-182.
49
Sob esse aspecto alinho-me à acertada opção de Jackson da Silva Lima quando escreveu sobre os
estudos filosóficos em Sergipe: “Os autores excluídos atuaram fora do nosso ‘espaço-cultural’,
identificados com outras realidades sócio-culturais, longe, portanto, do dia-a-dia provinciano terrantês.
Lima, Jackson da Silva. Os estudos filosóficos em Sergipe. Aracaju: Sociedade Editorial de Sergipe,
1995. p. 14.

37
políticos, grêmios, e nos cargos-chave da administração pública.50 Pelo fatalismo da
conservação das fontes ou – mais responsavelmente afirmando – pela forma com que
a sociedade estava estruturada no período, os cumpridores do papel de intelectual
compõem uma centena de homens e mulheres que no período alvo desse estudo –
1910/1930 alcançavam idade variável entre 35 e 65 anos.

São majoritariamente do sexo masculino, 119 ao todo. As mulheres biografadas por


Guaraná51 contam apenas cinco. Para o cronista Nobre de Lacerda, que escrevia
pouco antes da publicação do Dicionário (1924), não eram comuns em Sergipe
“mulheres distintas pelos predicados da inteligência produtiva. Tanto assim que
através da nossa já um tanto longa existência de povo definitivamente constituído,
poucas se apontam cultoras das letras. Das diversas manifestações do pensamento só
a poesia tem tido em nosso meio representantes do sexo frágil.”52 A opinião e o
panorama traçados por Nobre de Lacerda parecem um pouco exageradas e refletem,
aliás, a postura dominante no código social do período acerca das questões de gênero.
De maneira inversa, pensou a profª. Maria Thetis Nunes quando realçou a
participação feminina nas lides intelectuais através do jornalismo e atuação dessas
como profissionais liberais. Além das biografadas por Guaraná53, Thetis Nunes
aponta a participação da professora e poetisa Etelvina Amália, das professoras Leonor
Telles de Menezes e Penélope Magalhães dos Santos, da farmacêutica Cesartina
Régis, as dentistas Laura Amazonas, Ester Aranha, Mary Firpo, Maria Anita de
Carvalho Leite, Dulce Menezes, Francisca Marsillac, e as advogadas Alice Cardoso e
Maria Rita Soares de Andrade.54 Mesmo se consideradas todas as citadas como
intelectuais, triplicando-se tal número para abranger as que não foram registradas, a
desproporção em relação ao gênero masculino é simplesmente gritante.

Os intelectuais são migrantes no sentido literal da palavra55. Uma característica


incorporada positivamente pelos homens de letras durante a passagem do século.

50
Os intelectuais assinalados nesse trabalho pertencem à “classe média” local, no sentido do termo
ironicamente empregado por Silvio Romero ainda em 1895: “é o mundo dos médicos sem clínica, dos
advogados sem clientela, dos padres sem vigararias, dos engenheiros sem empresas e sem obras, dos
professores sem discípulos, dos escritores, dos jornalistas, dos literatos sem leitores, dos artistas sem
público, dos magistrados sem juizados ou até com eles, dos funcionários públicos mal remunerados.
Eis a nossa riquíssima classe média...”. Romero, Silvio. Doutrina contra doutrina: o evolucionismo e o
positivismo no Brasil. Rio de Janeiro: Alves e Cia., 1895. p. xlix.
51
Dentro do recorte temporal especificado para esse trabalho.
52
Lacerda, Nobre. O Diário de Chica Chaves. .... p. 8
53
Maria da Conceção P. Ferraz, Guiomar Calasans Gonçalves, Ítala Silva de Oliveira, Silvia de
Oliveira Ribeiro e Antônia Angelina de Figueiredo Sá.
54
Nunes, Maria Thétis. História da Educação em Sergipe... P. 255-256.
55
A respeito dessa marca, Manuel dos Passos de Oliveira Telles afirmava em 1903 que “esse ímpeto
para longe dos filhos de Sergipe nunca foi contrabalançado por ímpeto para cá dos filhos de outros
Estados. (...) Realmente, quem havia de querer vir para uma terra de onde ausentam-se moços e
velhos? ... De tempos para cá o exodo tomou proporções deploraveis, e a sahida dos moços obedeceu,
por assim dizer, aos acontecimentos políticos do derradeiro quinquênio.” Para Prado Sampaio “nós, os
sergipanos, como os nossos irmãos os cearences, temos no sangue algo de israelitas. É que a falta de
patria nos tornamos errantes e nômades.” [Telles, Manoel dos Passos de Oliveira. Sergipenses.
Maruim, ... 1903. p. 151-152; Sampaio, Prado. Sergipe. Maruim: Imprensa Econômica, 1906. p. 70].
Em recente estudo, Josué Modesto dos Passos Subrinho afirma que a imprensa local tentou justificar
forte emigração sergipana para a Amazônia e cidades de São Paulo e região Sul da Bahia
caracterizando o espírito do povo como aventureiro, desgarrado e inconstante. A ausência de

38
Transitaram do interior para a capital do Estado, de Aracaju para Pernambuco, Bahia,
Rio de Janeiro e desses para outros Estados e países em busca de fortuna financeira,
política, ou de reconhecimento como literatos.

O esboço do percurso interior-capital fornece indícios da configuração econômico-


política de lugares e famílias constituintes da província de Sergipe na segunda metade
do século XIX. Na elite de Guaraná estão representadas vinte e sete cidades com
predominância para Aracaju, Laranjeiras e Estância. Em posição pouco mais distante
aparecem São Cristóvão, Capela, Lagarto, Maruim e Itabaiana. A freqüência desses
nascimentos também é diferenciada. Enquanto Laranjeiras e Estância “produzem
intelectuais” por todo o período – 1850/1900 – Aracaju e Maruim vão contribuir
intensamente entre 1870 e 1890. Inversamente, São Cristóvão e Capela fornecem
muito mais intelectuais nas décadas de 1850 e 1870.

A primeira “migração” é justificada pelas deficiências do aparelho educacional. É


certo que a maioria dos intelectuais recebeu o “ensino das primeiras letras” nas
próprias localidades onde nasceram. O caminho foi quase sempre o professor
particular, o padre, o pai ou o irmão mais velho. Mas para os estudos do secundário a
opção viável era mesmo a saída para Aracaju. Pelo menos um terço dos examinados
fizeram esse trajeto, e esse contingente tornou-se expressivo após a fundação do
Atheneu Sergipense em 1870. O Partenon Sergipense (1879), escola privada sob a
direção do professor Alfredo Montes56, foi a segunda opção mais freqüente dos
estudantes em Aracaju. Para os nascidos entre 1850 e 1860, ou simplesmente para os
melhor aquinhoados, caminho seguro para o curso secundário foram as escolas de
Salvador ou mesmo o Colégio Pedro II no Rio de Janeiro.

oportunidades de emprego e a estrutura fundiária do Estado também foram causas aventadas. Havia
consenso, porém, entre "as elites locais quanto aos prejuízos que ela causaria ao desenvolvimento
econômico do Estado. (...) Foi este o Estado que mais sofreu, em termos relativos, emigração líquida
de brasileiros natos para outros Estados, entre 1900 e 1920." Passos Subrinho, Josué Modesto dos.
Reordenamento do trabalho: trabalho escravo e trabalho livre no Nordeste Açucareiro - Sergipe
(1850/1930). Campinas, 1994. Tese (Doutorado em História Econômica) Universidade Estadual de
Campinas.
56
“De Alfredo de Siqueira Montes, que começou funcionário público burocrático e acabou diretor de
colégio e catedrático de inglês do Ateneu, o ‘Parthenon’, também conhecido como Ginásio Sergipense,
ou simplesmente Colégio de Alfredo Montes, era situado precariamente em três casas adaptadas, na
antiga Praça José de Faro, entre o palacete da Assembléia e a Biblioteca de hoje, que foi o Ateneu
naquele tempo. O colégio tinha fama e resumia o que havia de melhor no gênero. Fôra fundado pelo
Dr. Ascendino Reis em 02/02/1879....O estudo era duro e aprendia-se tudo o que se estuda hoje com
outros nomes. A ordem das matérias podia ser escolhida pelos alunos, exceto o Português,
obrigatoriamente a primeira e a Matemática que devia preceder as Ciências Naturais. O ensino de
línguas se fazia de maneira deficiente....Alfredo Montes era em tudo um homem respeitável: de média
estatura, magro, cabeça grande, fisionomia serena, usava um bem tratado cavanhaque, que êle
acariciava enquanto lia em aula os exercícios de Abílio Cesar Borges, ou capítulos das ‘Lectures
Choisies’, da Estrada Suave, ou de ‘History of England. Gostava de dar bôlos e andava de botinas com
rangedeira para dar tempo ao pessoal se ajeitar, enquanto êle como passo firme e vagaroso se
aproximava (...) No Parthenon não se ensinavam tôdas as matérias do curso médio e os pensionistas
tinham permissão de sair para outros cursos, especialmente no Ateneu, que era do Govêrno e ficava
defronte, mas foi durante alguns anos transferido para um prédio inadequado nos fundos do antigo
Quartel de Polícia. No meu último ano tirei lá, Física e Química com o Dr. José Moreira Magalhães e
História Natural com Teixeira de Faria.” Campos, Edilberto. O Parthenon Sergipense. In: Crônicas da
passagem do século. [Aracaju: s.n.], 1967. p. 5-8. v. 2. [O período do relato situa-se aproximadamente
em 1896].

39
Aqueles que terminavam o curso secundário e por qualquer motivo não prosseguiam
nos estudos formais enquadravam-se nas ocupações disponíveis à época, de acordo
com as relações familiares que possuíam ou a vocação para adequar-se às conjunturas
políticas do Estado. Trabalharam na imprensa como jornalistas, redatores, revisores,
tipógrafos; montaram o próprio negócio na área de ensino, vendas ou ainda; iniciaram
carreira militar como praça. Foram também funcionários públicos nas funções de
contínuos, escriturários, amanuenses, guarda-livros, arquivistas, inspetores, auxiliares
de administração em repartições públicas das áreas de saúde, educação, obras,
fazenda e segurança.

A segunda migração dos futuros intelectuais também foi motivada pela ausência de
instrumentos que permitissem a educação integral dos filhos das “elites”. Em geral,
seguiam em busca dos títulos de bacharel os filhos de militares de alta patente, de
médicos, advogados, desembargadores e, em menor proporção, de professores
destacados por seu saber e clientela. Os pais eram participantes ativos na política
local e quase sempre proprietários de engenho. Algumas das famílias foram
fundadoras ou mantenedoras de prestígio em suas cidades de origem como os
Carvalho, os Fontes, em Itabaiana; Oliveira Ribeiro, Faro, em Laranjeiras; Cruz,
Amado, Cardoso, em Estância; Sobral em Japaratuba; Dória em Propriá; Brito em
Porto da Folha, e ainda, os Barreto, os Telles de Menezes, e os Rolemberg, dispersos
por vários municípios sergipanos.

Estimulados a dar seqüência às atividades dos pais – médico/médico,


desembargador/advogado -, ou simplesmente melhorar o status social da família –
militar/médico ou advogado, os candidatos ao bacharelado terminavam muito cedo os
seus estudos. Mais da metade concluiu pelo menos um curso superior até os vinte e
quatro anos e apenas seis dos citados adquiriram o título de bacharel depois dos vinte
e nove, havendo casos, inclusive, de formação superior aos dezenove anos de idade.
Os cursos escolhidas foram majoritariamente Direito (39) e Medicina (29). Em menor
proporção seguiram os sergipanos para os seminários (6), as escolas politécnicas (5) e
militares (8).

No início, as opções mais freqüentes, desde as primeiras formações (1870) foram as


Faculdades de Medicina da Bahia e a Faculdade de Direito de Recife com leve
proeminência da primeira. Os formados nos cursos de Ciências Jurídicas e Sociais,
apesar da recorrência predominante da Faculdade do Recife, estudaram também nas
Faculdades de Direito do Rio de Janeiro, Fortaleza, Porto Alegre, São Paulo. Quanto
aos pretendentes à carreira de médico, a tendência foi mesmo seguir para a Bahia.
Entre esses, a clínica foi a habilitação pretendida em detrimentos de odontologia e
farmácia. Os dedicados à teologia estudaram na Bahia, em Maceió e na Universidade
Gregoriana de Roma, e os militares, na Escola Militar do Rio de Janeiro.

Na primeira década do século XX, ocorre uma sensível mudança nesse pêndulo entre
a influência baiana e pernambucana na formação dos bacharéis. Uma nova tendência
é esboçada na década de 1910 quando cresce a participação de estudantes sergipanos
nos cursos de Direito da Bahia e mais ainda, do Rio de Janeiro. A ocorrência dessa
mudança – ainda no período 1880/1900 foi detectada por Thétis Nunes. Essa autora
afirmou que o número de formados, oito em 1892, passou a apenas um, dez anos

40
depois.57 Sobre a transferência de orientação dos intelectuais sergipanos submetidos
às duas zonas de influência – Pernambuco/Bahia –, José Calazans inaugurou uma
interpretação original. Para esse historiador, os principais agentes dessa mudança
foram o estabelecimento de comunicação regular Aracaju-Salvador-Rio de Janeiro,
através da Estrada de Ferro e da recepção diária dos jornais baianos, a morte dos
bacharéis formados no Recife, e a nova formação dos estudantes sergipanos na
Faculdade de Direito da Bahia.58

A vinculação à terra natal, a reflexão sobre questões locais e, em conseqüência disso,


a iniciação à atividade intelectual de muitos desses homens começavam ainda na
faculdade através da participação na imprensa seja por meio de artigos relacionados à
sua futura atividade profissional, opinando sobre os rumos da política nativa, ou
ainda, manifestando pendores literários produzindo poemas e relatos de viagem. Mas
a produção efetiva só acontecia depois que esses jovens estudantes voltavam a
Sergipe com o título, em sua maioria, de bacharel. Os médicos iniciavam carreira na
própria área de formação atuando, de forma autônoma, como clínicos, dentistas e
farmacêuticos. Freqüentemente disputavam os cargos de comissários, inspetores e
delegados de órgãos do governo ligados à saúde pública. Os bacharéis em Direito, em
sua maioria, eram logo nomeados promotores públicos em localidades do interior do
Estado e, com o tempo, galgavam os postos de juiz municipal e de órfãos, e juiz de
Direito. Outros atuavam como advogados. Os militares cumpriam a escalada
hierárquica de sua área. Normalmente serviam em vários Estados brasileiros e
somente se fixavam em Sergipe após terem sido “reformados”.

57
“A partir da fundação da Faculdade Livre de Direito da Bahia em 1891, foi diminuindo a presença
do estudante sergipano na Faculdade de Direito do Recife, onde, em 1890, colaram grau 5 estudantes,
em 1891, 8, em 1892, 4, em 1893, 1 e em 1894, 5, em 1895, 3, 1896, 1; já nos anos de 1897, 98 e 99
nenhum, enquanto em 1900, 1901, 1902 apenas 1.”Nunes, Maria Thétis. História da Educação em
Sergipe... p. 210 n.
58
Calazans, José. O desenvolvimento cultural de Sergipe na primeira metade do século XX:
conferência realizada pelo Dr. José Calazans Brandão da Silva, convidado especial na sessão solene
comemorativa do jubileu do Instituto Histórico a 6 de agosto de 1962. Revista do IHGS, Aracaju, n. 26
B, v. 21, p.46-57, 1965.

41
O trabalho dos intelectuais

O que há de comum entre todas essas trajetórias, além da militância partidária, da


disputa por cargos no executivo, e a atuação no magistério59 é o crescente cultivo de
práticas artístico-literárias seja através das falas, do bate-papo, recital, discursos e
conferências, seja através da escrita veiculada em periódicos e livros.

Das falas, restaram apenas os títulos e convites, pouco valiosos, portanto, para os
antiquários, mas suficientemente indiciários sobre práticas dos intelectuais e suas
estratégias de consagração. Os títulos e convites registrados nos jornais,
principalmente de Aracaju, indicam a conferência como um dos gêneros mais
praticados. Contabilizei uma centena aproximadamente, mas esse número pode
quadruplicar se examinadas de perto o cotidiano de cada associação fundada no
período.

Por volta de 1921, havia quem afirmasse que “a espécie oratória das conferências, na
maior parte fúteis e insignificantes” já estava completamente desacreditada.60
Bacharelice ou não, o certo é que foram constantes e funcionaram como instrumentos
para difusão de opiniões, atualização de conhecimentos, “verniz social”, reforço da
auto estima local. Esses freqüentes encontros entre homens de letras e platéia
ocorreram pelos mais variados motivos: festas beneficentes em prol de uma escola,
associação ou Revista, as comemorações referentes à tomada da Bastilha, assinatura
da Lei Áurea, a Independência do Brasil, a Emancipação de Sergipe. Entre os locais
mais freqüentes, além das sedes das diversas organizações, estavam o salão da
Biblioteca Pública e do Palácio do Governo, a Escola Normal e os cine-teatros Royal,
Carlos Gomes, Universal e Guarani.

Nesse mesmo período, de maneira menos sistemática, poderia se "tocar dedos de


prosa", na Praça Fausto Cardoso, um “refúgio a céu aberto, manto tutelar [dos] jovens
literatos... parecendo pombos-correio airosamente pousados na Praça de São Marcos,
em Veneza”. As reuniões nas calçadas, em fim de tarde, um costume provinciano em
vigor até a década de 1950 em Aracaju, eram, provavelmente, momento privilegiado
para o comentários sobre novidades literárias mesclados com os temas últimos da
política local.61 Podia-se ainda, como narrou o próprio Oliveira Rocha, usufruir “ao
entardecer, debaixo dos galhos da figueira em frente à casa do Desembargador
Antônio Teixeira Fontes” das tertúlias dos magistrados, advogados, médicos,
engenheiros, jornalistas, políticos e professores.62 A residência do poeta Garcia Rosa
era outro reduto de intelectuais e/ou aspirantes. Na casa ou no sítio do velho mestre,

59
É de se lamentar a exiguidade de informações produzidas sobre a experiência dos colégios
secundários em Sergipe. Sabe-se pouco sobre os quadros docente e discente, e muito menos sobre
polêmicas, disputas por cadeiras, defesas de tese, e atividades associativas dos alunos.
60
Ribeiro, João. Braz do Amaral: discursos e conferências. O Imparcial, [Rio de Janeiro], 6 dez. 1921.
In: Leão, Múcio (org.).Obras de João Ribeiro: Crítica - Historiadores. Rio de Janeiro: Academia
Brasileira de Letras, 1961. p. 293-297.
61
Registros sobre o costume de reunir-se em calçadas nos finais de tarde em Aracaju estão em:
Campos, Edilberto. Crônicas ... p. 68, v. 2.
62
Rocha, Antônio de Oliveira. Aracaju rediviva: conferência pronunciada no Centro Sergipano em 4
de julho de 1963. Rio de Janeiro: [s.n., 196--]. p. 14 e 22.

42
discutia-se de filosofia a literatura, iniciavam-se os vários admiradores do professor
nas leituras de Machado de Assis, Taunay, Raul Pompeia, Joaquim Nabuco, Graça
Aranha, Euclides da Cunha, Olavo Bilac e de alguns clássicos estrangeiros como
Verlaine, Musset, Lamartine, Baudelaire, Montaigne, Rousseau, Antero de Quental,
Stendhal, Crocce, Taine e Renan. O poeta foi um verdadeiro guru para várias
gerações. Entre os seus tutelados estiveram nada menos que os escritores Amando
Fontes, Jackson de Figueiredo, Gilberto Amado, Hermes fontes, Alfredo Cabral,
Passos Cabral e o artista plástico Jordão de Oliveira.63 Também as tertúlias da casa do
Cel. Vicente Ribeiro, próspero “capitalista” local, serviam como forte elemento de
sociabilidade para um grupo de intelectuais que tencionava destacar-se como a
inteligentzia do Estado. Os encontros no sobrado do coronel no principal logradouro
da capital eram regados à música e récita e agregavam tanto os produtores locais
como artistas e escritores em visita à capital. Não esqueçamos, como esclarece
Silvério Fontes, que a essa época, Aracaju “era uma cidade provinciana, obscura, de
olhos voltados para as metrópoles distantes, aguardando delas a palavra de ordem
sobre os nomes e as idéias a admirar e a seguir.”64

Quanto a outras cidades no interior do Estado, não há muitos registros sobre reuniões
familiares voltadas para a prática da leitura mas é possível que estas não se
distanciem muito da experiência do desembargador Gervásio Prata (1886/1968) que
costumava reunir-se com outros bacharéis da cidade de Lagarto onde trabalhou como
juiz. A "mansão" ou o "gabinete" eram o local das palestras. O movimento da feira
próxima completava o cenário. Rememorando a década de 1910, Gervásio Prata
afirmava que discutiam-se os mais variados assuntos, "dos reservados ou triviais aos
da ciência nos livros e revistas chegados da França"... Os livros de ciência, continua o
desembargador, "perfaziam o tempo sem ter melhor. Possuía catálogos de algumas
livrarias, na França e por eles escolhia as minhas preferências... Assinava
L'Ilustration e a Révue philosophique. Entre o pedido e a recepção, o prazo não
excedia dois meses." Isolado dos grandes centros urbanos e de suas instituições os
intelectuais faziam da leitura sobre filosofia e ciência, portanto, uma prática
confessadamente amadorística.65

63
Ver traços da influência de Garcia Rosa na formação de jovens intelectuais em: Figueiredo, Jackson.
Garcia Rosa. Rio de Janeiro: Tipografia da Revista dos Tribunaes, 1915; Oliveira, Jordão. Caminhos
perdidos. Rio de Janeiro: Gráfica Ouvidor, 1975. p. 63-66; Rocha, Antônio de Oliveira. Aracaju
rediviva: conferência pronunciada no Centro Sergipano em 4 de julho de 1963. Rio de Janeiro: [S.l.:
s.n.]. p. 27 e 30; Fontes, José Silvério Leite. Razão e fé em Jackson de Figueiredo. Aracaju: Editora da
Universidade Federal de Sergipe, 1998. p. 40-41, 118 e 139-140. Fontes, Amando. Os Corumbas... p.
vi.; Freire, Ofenísia Soares. Discurso comemorando o centenário de nascimento do escritor Amando
Fontes. In: Nascimento, José Anderson (Coord.). O Sodalício. Aracaju: J. Andrade, 1999. p. 135.
Guaraná, Armindo. Dicionário... p. 21-22; Amado, Gilberto. História da minha infância. Aracaju:
Edufs/Fundação Oviedo Teixeira, 1988. p. 192-197; Calazans, José. Entrevista concedida à Maria
Marlene Alves Calumby. Arcaju, 1993. (Programa Videoteca Aperipê Memória).
64
Fontes, S. Razão e fé... p. 33.
65
"O correio itinerava em lombo de burro, de Aracaju, via Estância, Boquim, Lagarto, Simão Dias,
conduzido pelo prestante caboclo Severo, armado de chuço pontiagudo, símbolo de sua missão de
estafeta solitário onde andava.
Quando se avizinhava o tempo, eu ia dando de aparecer na Agência à hora das malas postais. Não se
descreve a satisfação toda vez que a funcionária D. ascendina denunciava, meio risonha, visando a me
contentar: 'Dr. Gervásio, tem registrado para o senhor.' Saía com o pacote ou os pacotes para os
desembrulhar em casa.

43
Outro ponto de convergência dos intelectuais, local de trocas entre iniciantes e
veteranos em assuntos literários, científicos e políticos, eram as redações dos jornais.
Nesse tipo específico de periódico registravam-se os convites, o resumo das falas, as
críticas e réplicas das conferências. Era, portanto, o veículo por excelência de
divulgação e a principal instância de consagração dos intelectuais até meados da
década de1910, pelo menos até a fundação do IHGS em 1912. Para Gilberto Amado
“a importância que tinham as ‘letras’ em Sergipe [na primeira década desse século]
era considerável. Fazer versos, publicar versos, aparecer nos jornais, constituía
preocupação de muitos, velhos e moços. O autor ao atravessar a rua era apontado: –
Publicou hoje um artigo”.66

No início dos anos vinte, eram raros os livros de autores nativos e o movimento
editorial, incipiente. Mesmo em cidades como Rio de Janeiro e São Paulo o “surto
editorial” só aconteceria nos anos 1930 após a fusão de várias editoras,
transformações no maquinário, nas formas de investimento, especialização da mão-
de-obra e mudanças no sistema de ensino.67 Em Aracaju, as opções para a publicação
de livros esgotavam-se nas próprias oficinas dos periódicos. Tolhidos pelas
deficiências técnicas, grande parte dos que se aventuraram a publicar os seus escritos,
fossem eles de qualquer natureza, o fizeram através das principais casas editoras do
Rio de Janeiro como a Laemert & Cia., Francisco Alves e as tipografias de O Estado
de São Paulo, Jornal do Brasil e Jornal do Comércio.

Um outro fator para a escassa produção de livros, obras orgânicas, bem mais
significativo por sinal, era a própria identidade polígrafa dos homens de então. Ainda
é cedo para relacioná-los aos “anatolianos” de Sérgio Miceli. Não se pode afirmar que
os escritores sergipanos “se esforçavam por satisfazer a todo tipo de demandas que
lhes faziam a grande imprensa, as revistas mundanas, os dirigentes e mandatários
políticos da oligarquia, sob a forma de críticas, rodapés, crônicas, discursos, elogios,
artigos de fundo, editoriais, etc.”.68 Mas certo é que tanto “o grau incipiente de
diferenciação do mercado cultural”, a produção em horas de folga, como a formação
bacharelesca da maioria fizeram com que esses intelectuais exercitassem variados
gêneros ao mesmo tempo e em poucas oportunidades se detivessem em trabalhos de
grande fôlego.

Apesar dessas insuficiências pode-se observar que já no início do novo regime, em


Sergipe, há preocupações em incentivar a produção “literária” e “científica” local. A
Constituição Estadual, promulgada em 18 de maio de 1892, contém, em seu artigo 83,

Lançava uma vista superficial pelos índices e fechava os livros um por um; separava-os todo eufórico.
Entregava-me a aprender em mestres que divulgavam conhecimentos científicos para o mundo, as
novas descobertas e as interpretações dos sábios mais eminentes do começo do século: Henri e Lucien
Poincaré, Ed. Poirier, F. Le Dantec, T. Huxley, Ch Darwin, F. Topinard e mais expressivos
representantes da cultura e da Filosofia científica, cujas obras formavam a base da minha biblioteca,
recentes, depois dos meus livros de Direito vindos comigo da Academia." Lima, J. Fraga (org.).
Memórias do Desembargador Gervásio Prata. Aracaju: Governo do Estado de Sergipe/Secretaria de
Estado da Educação e Cultura/Fundação Estadual de Cultura, 1886. p. 42.
66
Amado, Gilberto. História ... p. 192-193.
67
Miceli, Sérgio. Intelectuais e classe dirigente no Brasil: 1920-1945. Rio de Janeiro: Difel, 1979. p.
69, 75 e 78.
68
Miceli, Sérgio. Intelectuais e classe dirigente no Brasil.... p. 131-132.

44
uma espécie de embrião sobre “direito autoral”. Todavia, a efetivação do mecenato
estatal em matéria de publicações somente será legitimada em 1904 com a lei que
autoriza a impressão anual de uma obra de autor sergipano residente no Estado. Esse
dispositivo previa o julgamento dos trabalhos através de uma comissão composta de
cinco membros. Ao vencedor caberiam quinhentos exemplares seis meses após
finalizado o concurso.69

Os resultados dessa iniciativa são ainda desconhecidos. Sabe-se apenas que três anos
depois, 1907, a Assembléia Legislativa autorizou o governo a imprimir as obras
didáticas e literárias do professor, escritor e também parlamentar Severiano Cardoso
(1840-1907). Talvez a intimidade do autor com várias instâncias do poder (camarista
em Aracaju, Deputado por duas legislaturas, oficial de Gabinete do presidente Pelino
Nobre) e o valor estético da sua obra que abrangia teatro, poesia e biografia tenham
sido determinantes para esse ato, até mais que as próprias intenções de aplicação da
lei do mecenato.70

Na segunda década desse século, os incentivos do governo estadual tornaram-se mais


freqüentes principalmente nas ocasiões em que o “espírito patriótico” envolveu o
movimento intelectual configurado nas comemorações do centenário de emancipação
política do Estado (1920) e na questão de limites com a Bahia. Se tal “espírito”
espraiou-se por vários setores da sociedade, é preciso também não omitir que esse
“sentimento” foi, em vários momentos, construído pela ação individual de
administradores “ilustrados” e Gracho Cardoso é o exemplo mais apropriado. Era sua
intenção que o Estado dispusesse de uma bibliografia sergipana, reunindo títulos
esgotados de autores como Coelho e Campos, Pedro Calazans, Fausto Cardoso,
Felisbelo Freire, Manuel Curvelo de Mendonça e Ivo do Prado.71 Marcando esse
período, entre as vésperas do Centenário e o final da administração Gracho Cardoso,
estão a publicação das Obras completas de Tobias Barreto,72 organizadas por Manoel
dos Passos de Oliveira Telles, Pela imprensa e pelo povo, do jurista Gumersindo
Bessa, Minha gente e Álbum de Sergipe, de Clodomir Silva, História dos Limites
entre Sergipe e Bahia, de Francisco Carvalho de Lima Júnior (1859/1929)73 e o já
citado Dicionário biobibliográfico sergipano74.

Especificamente sob a rubrica de historiografia, além das três últimas obras


relacionadas no parágrafo anterior e tornadas clássicas para a historiografia sergipana,
em Aracaju, pouco mais de uma dezena de livros foi editada até 1930.
Acrescentando-se os trabalhos mesclados história/geografia, sociologia/geografia,

69
Coleção de Leis e Decretos de 1902. Aracaju: Tipografia do Estado de Sergipe, 1903; Coleção de
Leis e Decretos de 1904. Aracaju: Tipografia do Estado de Sergipe, 1905.
70
Coleção de Leis e Decretos de 1907. Aracaju: Tipografia do Estado de Sergipe, 1919. Ver também
Guaraná, Armindo. Dicionário... p. 259-259.
71
Nunes, Thétis. História da educação... p. 254-255.
72
As Obras foram publicadas em 1923. Ver Cardoso, Maurício Gracho. Mensagem apresentada à
Assembléia Legislativa, em 7 de setembro de 1923, ao instalar-se a 1ª sessão ordinária da 15ª
legislatura. Aracaju: Imprensa Oficial, 1923.
73
O Decreto n. 690, de 18 de julho de 1919 abre crédito de oito contos de réis para o pagamento dessa
obra que foi publicada no ano anterior.
74
Lobo, Joaquim Pereira. Mensagem apresentada à Assembléia Legislativa, em 07 de setembro de
1919, ao instalar-se a 1ª sessão ordinária da 14ª legislatura. Aracaju: Imprensa Oficial, 1919.

45
esse número pode chegar a vinte obras. A maior parte dessas foi composta e impressa
nas oficinas da Imprensa Oficial, ou da Tipografia de O Estado de Sergipe. Pelo
menos 40% foram produzidas entre 1916 e 1922. A questão dos limites com a Bahia
e o centenário da emancipação do Estado, mais uma vez, foram a tônica das pesquisas
e publicações.

Quanto aos jornais da capital, entre 1910 e 1919 circularam aproximadamente 72


veículos com funções e público diverso: comercial, literário, artístico, noticioso,
recreativo e principalmente político; vespertinos, hebdomadários, mensais e
quinzenais. Observando-se o inventário produzido por Clodomir Silva,75 pode-se
concluir que da primeira para a segunda década não há alteração no número de
títulos, mas verifica-se maior longevidade e aumenta o número de folhas diárias. Na
década de 1920 esse panorama começa a ser alterado. A atividade jornalística se
dinamiza e chegam a circular na capital, somente em 1924, treze títulos diferentes,
entre esses, quatro jornais diários. Melhorias na qualidade técnica e um maior poder
de comunicação das matérias também marcam os periódicos desse período.76

Muitos desses jornais tiveram vida efêmera e/ou circulação irregular. A maior parte
autodenominava-se noticioso, comercial e político (com inversões nessa ordem). No
período 1910/1920 contam-se cinco os jornais classistas e quantidade idêntica para os
“literários”. Esses últimos, majoritariamente hebdomadários, foram fundados entre
1915 e 1919 (excetuando-se o Diário da Manhã, político, literário e noticioso
originado em 1911). Declararam-se, portanto, “órgãos literários” O Século XX
(1916/20/27), A Alvorada (1915), O Hélio e O Paladino ambos em 1919. Deve-se
acrescentar ainda O Acadêmico (1928) embora seja O Século XX o mais
representativo da categoria tanto pela quantidade de matérias, perenidade dos temas
quanto pela especificidade dos intelectuais que contribuíram para sobrevivência desse
periódico.

A despeito do reduzido número de folhas com tais características, pode-se notar que
as expressões literárias stricto sensu estavam distribuídas em periódicos de toda
espécie e principalmente nos jornais de cunho “político”, os mais regulares das
décadas em estudo. O uso dos diários para a divulgação de produtos estritamente
literários tem justificativas óbvias. Para José Ibarê da Costa Dantas, talvez o
pesquisador de maior intimidade com os periódicos do período republicano, “o jornal
se apresentava como um dos meios mais efetivos para exercer influência”.
Certamente, estão nos jornais os registros mais significativos: os produtos que
permitem esboçar um rápido panorama da reflexão sobre filosofia, sociologia,
literatura, história e geografia em Sergipe.

A sociologia, até o momento da pesquisa, aparenta contar apenas com um


representante: o acadêmico de Medicina Florentino Menezes. Odiada pelo intelectual-

75
Silva, Clodomir. Imprensa. In: Álbum de Sergipe: 1820-1920. São Paulo: Secção de obras de “O
Estado de São Paulo”, 1920. p. 99-105. Para as demais localidades do Estado o autor contabiliza vinte
e nove títulos, no mesmo período. Das cidades citadas, Capela, Estância, Maruim, Laranjeiras,
Propriá, Santa Luzia, e Vila Nova, apenas as três primeiras possuem títulos especificamente “literário”,
dois cada uma.
76
Dantas, José Ibarê da Costa. O Tenentismo em Sergipe. Petrópolis: Vozes, 1974. p. 66.

46
mor, Tobias Barreto, e cultivada por Silvio Romero, a sociologia parece não ter
encontrado terreno fértil em ambiente dominado por alunos e admiradores do
fundador da Escola do Recife. Seja essa a hipótese mais provável ou não, o fato é que
nos periódicos da época, apenas os artigos de Florentino Menezes assumem a rubrica,
tratando de problemas relativos à divisão territorial do país, os motivos do seu atraso
e veiculando propostas para um desenvolvimento material e intelectual do povo
brasileiro. Artigos, inclusive, que geraram livros de reconhecimento do exterior como
o Estudo Corográfico e Social do Brasil (1912) e Leis de Sociologia Aplicadas ao
Brasil (1913) premiados pela Academia Latina de Ciências, Artes e Letras de Paris.77

Através dos estudos etnológicos ou antropológicos fizeram incursões Manoel dos


Passos de Oliveira Teles (1859/1935) com as monografias Ao romper do século XX: o
município de São Cristóvão (1907) e O território sergipense e a sua função histórica
(1916) e Prado Sampaio (1865/1932) principalmente em A literatura em Sergipe:
estudo etnopsicológico (1908). Ambos os autores, influenciados pelo trabalho de
Silvio Romero, abordaram a matéria como forma subsidiária ao estudo da história e
literatura sergipanas, respectivamente.78 Para José Calazans, na década de 1920, não
houve quem tenha investigado com mais vigor a “poranduba” sergipana que o
pesquisador Clodomir Silva (1892/1932). Minha gente (1926) foi sua obra de
destaque. Nesse trabalho estão recolhidos exemplares da poesia e da linguagem
popular cultivados pelo sergipano. Discípulo confesso do folclorista cearence
Leonardo Mota, Clodomir trabalhava através da coleta direta e apresentação dos
resultados em conferências. Além dos autores já citados, Calazans aponta ainda como
divulgadores da “cultura de folk” em Sergipe os coletores de lendas, professor
Severiano Cardoso (1840-1907), cantigas e expressões, Alberto Deodato (Senzalas –
1919 e Canaviais – 1922) e, por fim, o manuscrito inédito de Serafim Santiago,
Anuário Cristovense.79

Os trabalhos que enfocaram Sergipe sob perspectiva especificamente geográfica,


excetuando-se os artigos sobre limites Sergipe/Bahia, podem ser encontrados nos
jornais sergipanos em um reduzido número de textos assinados pelos mesmos autores
anteriormente citados: Joaquim do Prado Sampaio, Geografia Social Sergipana80,
Francisco Soares de Brito Travassos, “Japaratuba: notícia geográfica”81 e Manuel dos
Passos de Oliveira Telles com os comentários acerca de Geografia Clássica de I. F.
Tozer82. Cabe lembrar que esse último é citado por Guaraná como tradutor da
Geografia Física de George Gore e de outra obra homônima produzida por Archibal
Geikie.

77
Silva, Adriana Elias Magno. Florentino Menezes: um sociólogo brasileiro esquecido. São Paulo,
1997. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. p.
9.
78
Ver Lima, Jackson da Silva. Os estudos antropológicos, etnográficos e folclóricos em Sergipe.
Aracaju: Governo do Estado de Sergipe/Secretaria de Estado da Educação e Cultura/Subsecretaria de
Cultura e Arte, 1984. p. 17-19.
79
Calazans, José. Clodomir Silva e o folclore sergipano: conferência proferida no I Encontro Cultural
de Laranjeiras, em 1976. Caderno de cultura do estudante, São Cristóvão, n. 9, p. 59-65, 1992.
80
Diário da Manhã, Aracaju, 10-14 set. 1913.
81
O Estado de Sergipe, 29 nov. 1916.
82
Estado de Sergipe, 27 out. 1906 a 16 jan. 1907.

47
Os textos assumidamente historiográficos têm Sergipe como espaço privilegiado e
particularmente as cidades de Aracaju, Campos, Vila Nova, Propriá, São Cristóvão e
Anápolis. Os jornalistas historiadores quase sempre estiveram envoltos em questões
do Império ou do período de transição Império/República. Pouco avançaram sobre o
seu próprio tempo ou fizeram recuos até à colônia. Foi o passado recente que os
interessou.

Um passado recente onde o motor da experiência humana continuou sendo a ética de


indivíduos exemplares. Essa idéia está representada no quantitativo sobre os gêneros
praticados. Nesse sentido, como expressão majoritária, a biografia segue tipo
imbatível. Para completar a equação cientificista em voga, recorreu-se
freqüentemente a uma história da formação, uso e posse dos espaços e o exemplo por
demais citado é a história dos limites entre Sergipe e Bahia. Também, e sobretudo nos
jornais, o tema do espaço sobrepõe-se às questões religiosas, literárias,
administrativas e militares.

A historiografia é um tema destacado nesses artigos. Mas a despeito de igualar-se em


quantidade aos textos sobre a experiência do político, não aparenta ser prática geral
entre os articulistas a auto-reflexão sobre o fazer historiográfico. Apenas um autor
demorou-se em divulgar e dar como exemplos-padrão de narrativa as obras de
historiadores tornados clássicos como Vico, Niebhur, Momsem e Buckle. A "História
universal", publicada em sete partes entre abril/maio de 1910, é o esboço de uma
memória que seria apresentada à congregação do Ateneu. Os artigos de Alfredo
Cabral ganham mais importância ainda pelo esforço em narrar a trajetória da
disciplina desde a Antiguidade até o século XIX, abordando questões-chave como o
objeto, a idéia de tempo histórico, o avanço do método, os fins e os projetos
cientificistas em voga aplicados à historiografia.83

Além de Alfredo Cabral, entre as três dezenas de autores localizados, os destaques


pela declarada preocupação com o ofício do historiador ficam por conta de Francisco
Antônio de Carvalho Lima Júnior, Manuel dos Passos de Oliveira Telles, Joaquim do
Prado Sampaio, Rafael Arcanjo Montalvão e Elias Rosário Montalvão. São esses
historiadores os que mais publicaram no período. Aqueles de quem se vai também
ouvir falar muito em termos de produção em verso e na reflexão filosófica no Estado.
O período em que floresce esse tipo de atividade localiza-se entre os anos 1912 e
1919, fase onde foram produzidos dois terços de todos os títulos coletados entre 1902
e 1924. É também o período de expansão da imprensa sergipana ainda que no todo,
apenas os grandes periódicos, os diários de caráter político, noticioso, tivessem
abrigado a maior parte dos artigos. Esse foi o caso de O Estado de Sergipe, periódico
oficial que abriu espaço para diversos autores entre 1902 e 1916, e, principalmente na
década de 1920, os jornais Correio de Aracaju e o Diário da Manhã.

Também nos jornais os intelectuais se revelaram poetas e prosadores, “viveram em


contatos uns com os outros, criando tradições literárias definidas.” A produção do
período foi classificada por Jackson da Silva Lima como de orientação neo-
parnasiana estendendo-se essa fase de 1910 à 1928. Na época, “entram na liça os
83
Cabral, Alfredo. A História universal. O Estado de Sergipe, Aracaju, 10, 13, 14, 15, 26, 28 abr. e 01
mai. 1910.

48
primeiros modernistas de verdade, deferindo os golpes iniciais as cidadelas de
marfim. Nesse mesmo ano, aglutinam-se os da velha guarda na 'Hora Literária', donde
três anos mais tarde, nasceria a Academia Sergipana de Letras.”84

A “velha guarda” a que se refere Jackson Lima, reúne principalmente os nascidos nas
décadas de 1850/60 a exemplo de Justiniano de Mello e Silva, João Pereira Barreto,
Deodato Maia, Joaquim do Prado Sampaio, Manoel dos Passos de Oliveira Telles e
Francisco A. de Lima Júnior. Quanto aos debutantes de 1880/1890, como Florentino
Menezes, Gilberto Amado, Clodomir Silva, Sebrão Sobrinho, Jackson de Figueiredo,
o traço que vai prevalecer na sua produção em verso é majoritariamente a experiência
simbolista que se estende de 1896 até o final da década de 1920. Os moços, os
modernistas de 1928, pelo menos em nível de trânsito, honrarias pode-se afirmar que
pouca e/ou reduzidíssimas foram as suas influências e repercussão na grande média
do período.85

A “velha guarda” também foi responsável pelos estudos filosóficos no Estado. Ao


longo das três primeiras décadas desse século ela esteve quase sempre dividida entre
manifestações cientificistas e espiritualistas, embora houvesse casos de mudança de
posição e até fusão das duas propostas.

O mote principal para esse debate foi uma herança das últimas décadas do século
XIX. Para Jackson da Silva Lima,86 o espiritualismo (católico ortodoxo) se estruturou
em Aracaju (1871) com um ex-aluno do Frei Itaparica, o professor Brício Cardoso.
Pouco tempo depois, em 1876, o médico Guedes Cabral, recém-chegado da Bahia,
propagava teses materialistas, sustentando polêmicas com religiosos em Laranjeiras.
Outra forte herança, ainda no século XIX, tem origem na proeminente posição
alcançada por Tobias Barreto no início da década de 1880 entre jovens estudantes das
faculdades de Medicina da Bahia e de Direito do Recife. “A publicação de A filosofia
no Brasil (1878), de Silvio Romero, e o destaque dado à obra tobiática nessa área de
estudos, possibilitou a Ernesto Haeckel, em carta ao seu conterrâneo e amigo Karl
von Koseritz, residente no Rio Grande do Sul, manifestar-se de maneira entusiástica
sobre a figura intelectual de Tobias Barreto (...) A notícia ganhou logo as ruas e o fato
tornou-se lenda.”87

Assim, Fé e ciência deram rumos ao debate filosófico no período em estudo.


Excetuando-se as duas polêmicas provocadas por Ávila Lima, “que se restringiram ao
campo científico propriamente dito... as demais trazem a marca da religiosidade,
antepondo-se à crença espiritual, retrógrada por natureza, ao conhecimento científico,
de essência progressista.”88

84
Lima, Jackson da Silva. História da Literatura Sergipana. ... p. 66 e 89. v. 1.
85
Ver a esse respeito: Romero, Silvio. Parnaso Sergipano. Aracaju: Tipografia de “O Estado de
Sergipe”, 1904; Araújo, Acrísio Tôrres. Literatura Sergipana. 2 ed. Brasília: Senado Federal, 1976.
86
Lima, Jackson da Silva. Os estudos filosóficos em Sergipe. Aracaju: Sociedade Editorial de Sergipe,
1995.
87
Lima, Jackson da Silva. Os estudos filosóficos em Sergipe... p. 71-72. Ver também, do mesmo autor:
Ernesto Haeckel e a fama de Tobias Barreto (1879-1882). Revista do IHGS, Aracaju, n. 30, p. 73-77,
1989.
88
Lima, Jackson da Silva. Os estudos filosóficos em Sergipe... p. 98.

49
As querelas de Ávila Lima, citadas por Jackson da Silva Lima, tematizaram
principalmente a distinção entre ciência e filosofia, a defesa do monismo haekeliano
(1909/1910) e as concepções teórico-metodológicas sobre pedagogia (1914). As
disputas e comentários mais comuns, freqüentemente produzidas sob pseudônimos,89
envolveram alguns membros do discipulato da geração 1870: Rodrigues Dória,
Helvécio de Andrade, Gumercindo Bessa, Manoel dos Passos de Oliveira Telles,
Prado Sampaio, Florentino Menezes, Ávila Lima e Costa Filho – entre os
cientificistas, e Francisco Antônio de Carvalho Lima Júnior, João de Matos Freire de
Carvalho e João Pereira Barreto, pelo lado espiritualista. O monismo de Haeckel, as
doutrinas de Lamark e Darwin foram freqüentemente avaliados, elogiados e/ou
contestados através de várias séries de artigos. O ponto central dessas questões
(fé/ciência; Deus/natureza) apenas modificou-se, formalmente, com a emergência da
propaganda socialista em 1918 (Centro socialista/Diocese de Aracaju) e dos conflitos
intrareligiosos, envolvendo periódicos oficiais dos católicos e dos protestantes (A
Cruzada/O Cristão).

Apesar dessa variada produção, da discussão sobre filosofia, das experiências


simbolistas, parnasianas e neo-parnasianas, há quem considere a qualidade do produto
veiculado nos jornais sergipanos bastante incipiente. Em 1908, traçando um
panorama da vida intelectual em Sergipe, Prado Sampaio chegou a afirmar que
“quem vive entre nós em regra escreve para nós (...) A jornalística indígena não se fez
um órgão de expansão, nem adquiriu ainda a força intensiva de que há mister para
apresentar ao espirito nacional o vibrante documento do espirito sergipano.”90 O autor
mostrava-se àquela época, bastante céptico em relação à imprensa sergipana que
insistia em não assumir o seu papel de estimuladora do progresso sócio-econômico do
Estado. A atividade jornalística estava dividida entre o partidarismo exacerbado e a
completa falta de opinião em questões relevantes para a sociedade no final da
primeira década dos novecentos. Vinte anos depois, portanto, a situação parece ter
mudado e a avaliação do autor tornou-se positiva. Considera que a imprensa “vae-se
tornando uma força de expansão no intercâmbio das ideias. E o jornal, o livro e as
revistas surgem em melhores condições como atestados da nossa actividade
intellectual. Junto à estruturação da Biblioteca Pública, o incremento da educação
primária e a introdução do ensino técnico, anuncia Prado Sampaio uma nova fase “de
alentado revigoramento e largas esperanças.”91

O cepticismo inicial de Prado Sampaio aponta indícios de que o papel dos periódicos,
a “influência” científico-literária dos jornais, mencionada parágrafos atrás, vai além
da estratégia de consagração literária. Ela é especificamente político-partidária. Esse

89
O uso de pseudônimos, costume freqüente nas Arcádias do século XVIII, foi prática comum nas
primeiras décadas desse século. A esse respeito é significativo o depoimento do cronista Nobre de
Lacerda registrado em meados da década de 1920: “O pseudônimo foi a melhor e maior invenção do
mundo. (...) Fosse eu apadrinhar com o meu nome verdadeiro o que tenho escrito e as minhas
elocubrações perderiam cinqüenta por cento de seu valor. Pelo menos enquanto me oculto não corro o
risco de ouvir o ne, sutor, ultra crepidam.” Lacerda, Nobre de. Diário de Chica Chaves. Brasília:
Senado Federal, [19--]. p. 28.
90
Sampaio, Prado. A literatura sergipana. Maruim, Imprensa Econômica, 1908. p. 74.
91
Sampaio, Prado. Sergipe, artístico, literário e scientifico. Aracaju: Imprensa Oficial, 1928. p. 85-86.

50
poder de “influenciar seus leitores no calor da hora”92 forneceu ao historiador Ibarê
Dantas a possibilidade de identificar três fases distintas na imprensa sergipana:
“Durante o período de 1900 a 1911, os jornais refletiram divergências das principais
forças políticas do Estado, envolvendo grande parcela da população nas polêmicas
exacerbadas.(...) a da segunda década foi marcada pelo acordo incondicional e pelo
governismo (...) de 1911 a 1920 predominou o elogio fácil e estéril ou, quando muito,
a indiferença tácita.”93 No início da década de vinte, apesar da renovação dos grupos
diretores, os jornais permanecem governistas em sua maioria.94 Não sem razão
encontram-se nas redações dos jornais os dois tipos comuns de animadores culturais
do período: o mecenas e experto; o dono do jornal e o ágil redator em busca de
prestígio entre os grandes mandatários. Os mesmos personagens que consagrar-se-ão
no IHGS nos anos 1910 e 1920.

Além de veículo político-partidário e literário a imprensa cumpria importante papel


transmitindo informações de fatos externos a exemplo das notícias sobre a Primeira
Guerra Mundial e a revolução bolchevista. Para Ibarê Dantas, essa prática “introduzia
novas idéias que, uma vez assimiladas, fomentavam tomadas de posição.” Assim
foram difundidas a propaganda socialista, a campanha civilista (pró Rui Barbosa), o
movimento operário pela redução das horas de trabalho (1918/1919), e a propaganda
pelo voto secreto (1923).95

Os jornais também abriram amplos espaços para temas cotidianos como o custo de
vida, as deficiências dos serviços básicos de saneamento, problemas da instrução
pública e particularmente do analfabetismo. O combate ao analfabetismo era um tema
estrutural, ligado a uma necessidade superior: uma busca frenética pelo
desenvolvimento econômico. Esse último, sendo o legitimador do lugar de Sergipe
entre os “povos” civilizados.96 A idéia de progresso estava disseminada entre os
intelectuais do período. E não nascera de ontem. Fora herdada do final do século
XIX e incorporada paralelamente ao surto industrial no Estado no início desse século.
O próprio Prado Sampaio, afirmou que os sergipanos estavam “condenados à
civilização, e o dilema [era] este, o comum a todos os grupos ethno-psychologicos: ou
progredimos ou desapareceremos.”97 Outra preocupação estrutural, veiculada pelos
periódicos, foi a reorganização do Estado brasileiro, as reivindicações por maior

92
Calazans, José. Um livro sergipano. In: Tôrres, Acrísio. Pó dos arquivos. Brasília: Thesaurus,
1999. p.9.
93
Dantas, José Ibarê da Costa. O Tenentismo em Sergipe. Petrópolis: Vozes, 1974. p. 55-56. O
mesmo entendimento expressa Thétis Nunes: os jornais da década de 1910 “são marcados pelo
aulicismo, os elogios ao governo, ou transcrevem notícias favoráveis à administração” do período.
Nunes, Thétis. História da Educação em Sergipe. Rio de Janeiro: Paz e Terra; Aracaju: Secretaria de
Educação e Cultura do Estado de Sergipe/Universidade Federal de Sergipe, 1984. p. 221
94
Dantas, José Ibarê da Costa. O Tenentismo em Sergipe. Petrópolis: Vozes, 1974. p. 56.
95
Dantas, José Ibarê da Costa. O Tenentismo em Sergipe... p. 61, 62, 65. Os partidos políticos em
Sergipe: 1889-1964. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1989. p. 73-87.
96
Frederico Romão também percebeu a relevância da educação no conteúdo dos jornais operários em
Sergipe. Para o autor, “a preocupação com a educação não teria apenas um caráter pedagógico ou
cultural, estaria associado diretamente à possibilidade de sua libertação enquanto classe.” Romão,
Frederico Lisbôa. O movimento sindical têxtil de Aracaju no governo Augusto Maynard:1930/1935.
São Cristóvão, 1999. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) – Programa de Pós-Graduação e
Pesquisa em Ciências Sociais, Universidade Federal de Sergipe. p. 41.
97
Sampaio, Prado. A literatura sergipana. Maruim: Imprensa Econômica, 1908. p. 76.

51
representatividade – o conflito entre o velho centralismo do Império e a quimera
federalista da República Velha, entre uma “pátria nacional” e uma “pátria local”.
Algumas dessas questões, deflagradas na produção da imprensa, podem ser melhor
visualizadas nos mais importantes testemunhos de organização dos intelectuais, nos
pilares das instituições fundadas entre as décadas de 1910 e 1930.

52
Equipamentos e formas de organização dos intelectuais

Os indícios das falas e o exame da produção jornalística desse período demonstram


que o espírito “socialista” foi progressivamente cultivado nas duas últimas décadas da
República Velha no Estado de Sergipe. Partindo da colaboração em periódicos,
pequenos experimentos em ambiente familiar, nas tertúlias vespertinas e em eventos
cívicos, os intelectuais agruparam-se aos poucos, segundo circunstâncias familiares
ou político-partidárias, em agências de cunho recreativo (teatrais, filarmônicas,
esportivas), beneficente (fraternais, mutualistas), político (partidos, clubes) ou de
instrução (educação, científico-literárias).

Especificamente sobre essa última espécie de agremiações, as científico-literárias,


pode-se afirmar que não foram prerrogativas do início desse século. Desde as
primeiras conferências públicas, instituídas em Aracaju98 que a capital vinha
conhecendo as experiências do Gabinete Literário Sergipano (1871),99 Gabinete
Literário Tobias Barreto (1889), e do Clube Literário 24 de Julho (1898), presidida
pelo jovem Laudelino Freire. Epifânio Dória chegou a falar em "calor bibliotecófilo"
para justificar a proliferação desse tipo de equipamento no terceiro quartel do século
XIX.100 No início do XX o entusiasmo das "campanhas contra o obscurantismo"
continuaram com a instalação do Clube Esperanto (1907),101 do Centro Literário
Educativo (1914)102 além de outras instituições das quais não se têm notícia sobre o
início dos trabalhos como Gabinete Literário de Aracaju e a Sociedade Ensaios
Literários. Entretanto, não é difícil perceber que ao se aproximar o final da década de
1910 as atividades associativas na capital foram se tornando cada vez mais intensas e
especializadas.103

98
Armindo Guaraná aponta o bacharel Manuel Luiz Azevedo de Araújo como o instituidor das
primeiras conferências literárias de Aracaju. Fato provavelmente situado entre 1869 e 1875 quando
exerceu as funções de professor de História do Brasil, Deputado provincial, diretor da Biblioteca
Provincial, diretor Geral da Instrução Pública. Dicionário... op. cit. p. 212.
99
Talvez deva se tratar do mesmo Gabinete Literário Sergipano que teve como um dos fundadores e
primeiro presidente o bacharel Pelino Nobre em 1870 e como membros, Justiniano de Melo e Silva e
Etelvino José de Barros (oradores em 1872 e 1874, respectivamente) e o Barão de Propriá (sócio
benemérito em 1875). Ver Jornal de Aracaju, 05 out. 1872; Dória, Epifânio. Pelino Nobre: Revista do
IHGS, Aracaju, v. 3, n. 6, p. 191, 1917; Relatório de Manoel ... (Diretor do Atheneu) ao Barão de
Propriá em 31/12/1873, apud. Sebrão Sobrinho. Laudas da história de Aracaju... p. 435.
100
"É provável que esse calor bibliotecófilo que reinava na Côrte e nas províncias do Império
contribuísse de algum modo para fazer recrudescer o entusiasmo que lavrava em Sergipe, sendo
forçoso acentuar que em todas as campanhas contra o obscurantismo Sergipe sempre marchou na
vanguarda, com sobranceria das maiores e mais ricas províncias do Império. (...) O livro, este 'mestre
mudo da ciência', foi sempre objeto de culto para o sergipano." Dória, Epifânio. A Biblioteca
Provincial de Sergipe: elementos para a sua história. Revista do IHGS, Aracaju, v. 11, n. 16, p. 87,
1940.
101
O Clube Esperanto foi instalado em setembro de 1907 nos salões da Escola Normal. Participaram
desse ato como palestrante os senhores Manoel dos Passos de Oliveira Teles, Costa Pinto, Leôncio
Fontes e Artur Fortes. A Trombeta: Revista humorística, literária, crítica e ilustrada, Aracaju, n.7, p.2,
set. 1907. Em 1924 o “Club” já é considerado extinto assim como a sociedade “Tobias Barreto”.
Guaraná, A. Dicionário... p. 39.
102
Correio de Aracaju, 12 jun. 1914.
103
Apenas para efeito de futuras reflexões é oportuno anotar que o maior vigor associativo nas
atividades recreativas, instrutivas e literárias acompanha também uma possível periodização das
associações de trabalhadores no Estado. Frederico Lisbôa Romão afirma que as primeiras

53
A primeira dessas sociedades intitulou-se Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe.
Fundado em 1912, sob a tutela de desembargadores e capitalistas de peso, a primeira
instituição assumidamente científica do Estado arvorou-se na missão de coletar e
divulgar fontes bibliográficas, manuscritas, arqueológicas e etnográficas que
subsidiassem a historiografia sobre Sergipe. Seus estatutos prescreviam a finalidade
de organizar um “museu de história” e uma biblioteca, escrever biografias e publicar
uma Revista. Era, portanto, uma instituição preocupada com a memória e o registro
escrito da experiência dos sergipanos habitantes do espaço territorial reconhecido
como Sergipe.104

Os trabalhos literários stricto sensu, a prosa amena, o cultivo da poesia tinham outro
endereço: eram as “horas”, “centros” e “grêmios” que se encarregavam de tais
práticas. E foram tão numerosas quanto efêmeras. Jordão de Oliveira cita pelo menos
quatro agremiações com as quais colaborou aos domingos, provavelmente entre 1916
e 1920: as horas literárias “Silvio Romero”, “Tobias Barreto”, “Fausto Cardoso” e
“Gumercindo Bessa.”105 As agências que possuíram uma existência relativamente
duradoura e onde o testemunho textual permitiu algum esboço frutificaram
principalmente no período 1919/1929.106 Entre esses anos, por exemplo, situaram-se
as experiências da Academia Literária Santo Tomás de Aquino e a Hora Literária
General Calazans, coincidentemente com origem no mesmo ano de 1919.

A Hora Literária General Calazans, fundada em 1º de abril, incluía nos estatutos,


como desiderato principal, a promoção e o “cultivo da língua pátria” e a luta pelo
“desenvolvimento literário e artístico de Sergipe.”107 Essa sociedade, que planejava
atuar através de palestras, preleções sobre língua portuguesa e intercâmbio com
outros centros literários do Estado, nasceu sob a marca do mecenato do “capitalista”
José da Silva Ribeiro. O nome escolhido para a instituição, homenageia o
“republicano histórico” José Calazans (1863/1948), primeiro presidente
constitucional do Estado no novo regime.

Silva Ribeiro Filho, um dos seus principais freqüentadores, informou que a Hora
Literária “possuía biblioteca, fichários, pequenino museu de arte sacra e profana”.108
Esse mesmo membro afirma que a sociedade passou por duas fases: “a do centro da
cidade e a da colina que domina o rio Sergipe.” No primeiro período, estava sediada

organizações trabalhadoras surgem a partir de 1871 e até 1910 mantêm caráter mutualista. De 1910 a
1930, apesar de diminutas, as entidades trabalhadoras são “de cunho mais reivindicatório e de
resistência, e menos mutualista". Nesse último período são altamente relevantes as intervenções dos
“intelectuais” no movimento obreiro. Seja na arregimentação de quadros, na condução de conferências
ou mesmo na defesa dos trabalhadores em juízo. Romão, Frederico Lisbôa. O movimento sindical
têxtil de Aracaju no governo Augusto Maynard... op. cit.
104
Por ser um dos objetos específicos desse trabalho discutiremos a experiência do IHGS em separado
no capítulo seguinte.
105
Oliveira, Jordão. Caminhos... op. cit. p. 60.
106
A primeira mobilização em torno da idéia de fundação de uma academia de letras em Sergipe coube
a Prado Sampaio por volta de 1904. Sergipe Jornal, Aracaju, 22 mar. 1924. p.1; Via Lucis, Aracaju,27
mar.1904. apud Torres, Acrísio. A imprensa em Sergipe. Brasília: Centro Gráfico do Senado Federal,
1982. p. 149, v. 1.
107
Estatutos da “Hora Literária”. Diário Oficial do Estado de Sergipe. Aracaju, 28 jul. 1929.
108
Ribeiro Filho, Silva. Hora Literária. In: Nascimento, J. Anderson. e Nascimento, José Amado. O
Sodalício. Aracaju: J. Andrade, 1999. p. 9.e 14.

54
na residência do Coronel José da Silva Ribeiro, à rua Japaratuba – hoje João Pessoa.
Nesse local, ocorreram muitas das mais importantes reuniões lítero-musicais da
capital. As poucas informações encontradas a esse respeito somente se referem á
segunda fase da instituição. Mas talvez não diferenciem muito da época de fundação.
As práticas abrangiam as récitas, recepções de novos sócios, inauguração de retratos,
homenagens a visitantes ilustres da cidade – escritores e artistas.109

Na segunda fase, a entidade mudou o nome para “Hora Literária Santo Antônio”.
Desse período há notas sobre o seu empenho em comemorar fatos como o centenário
do Uruguai e o martírio de Tiradentes. Também há informações sobre a composição
social. Seus membros constituíram-se nos mais representativos poetas das décadas de
1910 e 1920 como: Garcia Rosa, Helvécio de Andrade, João Cabral, Clodomir Silva,
Manoel dos Passos de Oliveira Telles, Prado Sampaio e Pires Wynne. Padres,
parlamentares e profissionais liberais formavam o perfil da sociedade que mais tarde
se transformaria na Academia Sergipana de Letras.

Uma das características que mais chamam a atenção na formação do quadro social é a
forte participação feminina nos destinos da instituição. Na eleição de 1926, por
exemplo, o efetivo de mulheres somava 10 entre os 23 membros da diretoria. Elas
estavam presentes nas comissões de “Orçamento e finanças” e “Donativos e
interesses externos”. Também exerciam funções de 1ª secretária, tesoureira e
bibliotecária. Coincidência ou não, os postos da “comissão de sindicância”, uma
espécie de “controle de qualidade” das aquisições para sócios, dos trabalhos a serem
publicados ou lidos na “Hora Literária”, eram dominados por homens (pelo menos
em 1926/1927) como o farmacêutico Silvério Fontes, o “capitalista” Thales Ferraz e o
almirante Amynthas Jorge.110

De modo inverso, em reduto totalmente masculino, instalou-se, em 1919, o “Grêmio


Literário de Santo Tomás de Aquino. Ainda no mesmo ano, o “Grêmio” recebeu
regimento e passou a intitular-se “Academia.” Para a sua criação foi determinante a
participação do Monsenhor Adalberto Sobral, Reitor do Seminário Diocesano do
Sagrado Coração de Jesus, que estimulou vários clérigos e seminaristas a construírem
uma instituição destinada ao cultivo das letras, mas secundados pela ética da Igreja
Católica em Sergipe.

109
As atividades literárias no Estado não eram estimuladas apenas pela experiência da própria terra. Os
nativos acompanhavam com certa freqüência o movimento dos escritores em outros centros do país.
Os informes sobre mudanças e principalmente a participação de sergipanos como João Ribeiro,
Laudelino Freire na Academia Brasileira de Letras eram reproduzidos com júbilo pela imprensa local.
Funcionavam como um incentivo a mais para a fundação de entidades similares no próprio berço
desses homens, àquela época, nacionalmente consagrados. Assim, não foram raras as reivindicações
por uma Academia Sergipana de Letras. Mas a tão sonhada Academia ao modelo da “casa de
Machado” apenas seria criada em 1929 através do empenho do poeta Garcia Rosa e de intelectuais
como José Magalhães Carneiro, Cleomenes Campos, José Augusto da Rocha Lima e Clodomir Silva.
A ASL, sucederia a “Hora Literária Santo Antônio”. A respeito do tema ver: Nascimento, José
Anderson e Nascimento, José Amado. O Sodalício. Aracaju: J. Andrade, 1999. p. 9.; Sergipe Jornal,
Aracaju, 22 mar. 1924. p.1.
110
A Cruzada. Aracaju, 23 mai. 1926. p. 2.

55
A primeira reunião ocorreu em 20 de abril111 e a instalação definitiva em 1º de junho
do mesmo ano. A academia mantinha sede no Seminário Episcopal e as reuniões
festivas no Salão Bento XV à rua Itabaiana (1922). Ao julgar pela programação de
posse da diretoria em 1928, suas atividades rotineiras constituíam-se de apresentações
de poesias, monólogos, discursos e conferências que contribuíssem com o
“desenvolvimento intelectual, moral e social dos jovens” que a compunham. Esse
“desenvolvimento intelectual” foi estimulado principalmente com a “fundação” de
uma biblioteca dotada de gabinete de leitura acessível a todos os alunos do Seminário.
Além do cultivo das letras, a Academia empregava parte da sua rotina na
comemoração de datas cívicas locais como o 24 de outubro, 8 de julho – referentes à
emancipação política de Sergipe – e nacionais – o 7 de setembro e o 13 de maio.112

O primeiro grupo diretor da Academia Santo Tomás de Aquino era composto por
pessoas que se destacariam depois na sociedade sergipana como: os futuros cônegos
Domingos Fonseca de Almeida e Carlos Camélio Costa, o futuro padre de Porto da
Folha, Antônio de Freitas e os egressos do próprio Seminário José Olino de Lima
Neto e Porfírio de Brito. Conta um articulista que a instituição esteve em franca
atividade entre 1919 e 1925. Com a saída de uns doze dos seus sócios para “ganhar
almas para Deus” o ritmo foi diminuindo sensivelmente. Em 1929, quando o
Seminário estava sob a responsabilidade do citado Carlos Camélio Costa, a Academia
estava “marchando francamente pela estrada do Progresso” e a sua diretoria, sempre
presidida por um clérigo, compunha-se dos seguintes nomes: Edgard Brito, Antônio
Padilha, Augusto Melo, Luiz Medeiros, José Machado, Geraldo Barbosa e Gervásio
Feitosa.113

O esforço para dinamizar as atividades da Academia em 1928 fez ressurgir também o


seu órgão de divulgação O Acadêmico. O mesmo objetivo do grêmio católico – a
formação moral e intelectual – estava expresso nas páginas desse jornal: “luctar
contra todos aqueles que cerrando os ouvidos aos ensinamentos santos e sublimes da
sã e confortadora sciencia, enchafurdaram-se no lamaçal pútrido do crime, da
ignorância, do erro e do analphabetismo, e em uma palavra, propugnar e difundir a
virtude, o bem e o bello.”114

O espírito associativo e o esforço dos intelectuais em participar do movimento


incessante do progresso estimularam o governo a apoiar a “atividade intelectual” e
reduzir os baixos níveis de instrução da população em geral. Essas demandas sociais,
aliadas a alguns casos de afinidade entre intelectuais e administradores, ou à
participação de políticos “ilustrados” nos cargos majoritários, fez com que o governo
atacasse o problema do “atraso cultural” em duas frentes: para a massa da população
construiu escolas de ensino elementares. À classe média foi prometida a
reestruturação de equipamentos essenciais para a produção científico-literária como
biblioteca, teatro e museu. De todas as realizações no período 1900/1930, parece ter

111
A Cruzada, Aracaju, 4 mai. 1919. p. 3.
112
A Cruzada, Aracaju, 14 nov. 1919. p. 2 e 18 set. 1921; Sergipe Jornal, Aracaju, 2 set. 1922.;
Sergipe Jornal, Aracaju, 6 set. 1928. p. 2.
113
O Acadêmico, Aracaju, 7 set. 1928. p. 2; Sergipe Jornal, Aracaju, 6 set. 1928. p. 2.
114
O Acadêmico, Aracaju, 7 set. 1928. p. 1.

56
sido o reaparelhamento da Biblioteca Pública Estadual a mais relevante contribuição
estatal para o movimento intelectual da terra.

A Biblioteca já havia sido instalada115 em 1851, na antiga capital São Cristóvão,


juntamente com uma seção de Arquivo. À instituição, além da guarda e serviço do
acervo bibliográfico, foi atribuída a esclarecida missão de recolher informações sobre
a história, o desenvolvimento econômico e administrativo de Sergipe. Mas o efetivo e
estratégico papel de instrumento civilizador foi somente adquirido com o governo
republicano, encarnado pelo historiador Felisbelo Freire. Em sua administração
(1889/1890), a reorganização da Biblioteca ficou a cargo dos intelectuais Antônio
Carvalho Lima Júnior e Josino Menezes. Ambos contribuíram para o dinamismo da
instituição, providenciando a confecção de catálogo e o aumento do número de
títulos. Assim, a instituição foi ganhando maior importância no circuito intelectual do
período. De 872 leitores/ano em 1890 atingiu a marca de 6.186 em 1912. Em 1913 a
instituição tornou-se independente da Secretaria de Governo, foi reorganizada
administrativamente e ganhou novo prédio (1914).116 Nesse mesmo ano, o acervo,
que já contabilizava quinze mil volumes, recebeu substancial aumento com as
centenas de doações efetuadas pelos intelectuais sergipanos moradores ou não do
Estado.117 A ampliação do acervo se deu principalmente através do investimento
público com a aquisição das bibliotecas do historiador Felisbelo Freire
(1914/1917),118 dos juristas Gumersindo Bessa (1915) e Dionísio Teles de Menezes119
e de obras da biblioteca de Silvio Romero (1919).120

A Biblioteca Pública apresentava-se como uma espécie inicial de uma “política


cultural” para o Estado. Sua dotação orçamentária estava destacada da rubrica
“Instrução pública”, desde 1918. Os gastos com a instituição, que em 1917

115
Criada por iniciativa do Deputado Martinho de Freitas Garcez através da lei 233, sancionada pelo
presidente Zacarias de Góes e Vasconcelos em de 16 de junho de 1848. A Biblioteca foi instalada em 2
de julho de 1851 na antiga capital São Cristóvão. Pedrinho Santos relaciona a idéia de criação da
Biblioteca ao entusiasmo de Martinho Garcez pelo progresso intelectual de Olinda-PE onde havia
concluído o bacharelado em Direito nove anos antes. Ver Santos, Pedrinho. Instituições... p. 26; Lima
Júnior, F. C. Memória sobre o Poder Legislativo em Sergipe (I) - 1824 a 1889: apontamentos para a
História. Revista do IHGS, Aracaju, v. 4, n.8, p. 1-176, 1919.
116
O edifício onde funcionou o Atheneu foi remodelado para uso da Biblioteca Pública e inaugurado
em 14 jul. 1914 após a entrega ao público das linhas de bondes elétricos da capital. [Santos, Pedrinho.
op. cit. p. 29.] Durante o ato, distribuíram-se postais com os retratos do Presidente do Estado Siqueira
de Menezes, do Coronel Francino Menezes, um dos responsáveis pelas reformas no edifício, do diretor
da instituição, Epifânio Dória e da planta do edifício recém-inaugurado. Também foram distribuídas
medalhas de ouro para os Generais Hermes da Fonseca e Siqueira de Menezes, de prata, para Epifânio
Dória e de bronze para as autoridades, sociedades científicas e literárias e representantes da imprensa.
Lanche e baile completaram essa solenidade. Correio de Aracaju, 16 jul. 1914. p. 2.
117
As doações tornaram-se mais freqüentes a partir de 1913 e 1914 mas no período 1919 até 1930
podem ser encontradas, no Diário Oficial do Estado de Sergipe, mais de quatrocentos registros de
transferência de obras de particulares para a instituição reformada.
118
Lei n. 702 de 15 de julho de 1916; Decreto de 26 de fevereiro de 1917; Valadão, Manuel Prisciliano
de Oliveira. Mensagem apresentada à Assembléia Legislativa de Sergipe, em 07 de setembro de 1916,
ao instalar-se a 3ª sessão ordinária da 12ª legislatura. Aracaju: Imprensa Oficial, 1915.
119
Lei n.633 de 26 de setembro de 1914. apud. Santos, Pedrinho. Instituições... p. 30.
120
Lei n. 746 de 16 do novembro de 1917; Lei n. 755 de 21 de outubro de 1918; Lobo, Joaquim
Pereira. Mensagem apresentada à Assembléia Legislativa, em 07 de setembro de 1919, ao instalar-se a
3ª sessão ordinária da 13ª legislatura. Aracaju: Imprensa Oficial, 1919.

57
significavam 1,1% em relação à Instrução pública foram aumentando
progressivamente até atingir 4,5% em 1929.121 A partir de 1917 a legislação também
já autorizava a subvenção estatal a algumas sociedades de caráter científico e literário
como o IHGS. Cinco anos depois, seis sociedades já eram contempladas com o
mesmo benefício. Estavam fixados como despesas as subvenções ao IHGS, Liga
Sergipense contra o Analfabetismo, Centro Sergipano (RJ), Centro Operário, Clube
Literário Silvio Romero, e o Gabinete de Leitura de Maruim. Apesar da
“concorrência”, os gastos com a Biblioteca Pública superaram todas as dotações
estabelecidas para o conjunto dessas associações. Isso vale para todos os anos em que
essa comparação é permitida.

Os investimentos aplicados na Biblioteca não decorreram somente do crescimento do


número de leitores e do surto modernizador verificado na capital por toda a década de
1910. A longeva administração de Epifânio da Fonseca Dória também foi
responsável pela transferência de recursos e pela manutenção do acervo organizado e
relativamente atualizado. Além do prestígio junto à comunidade letrada, que rendeu
muitos frutos à Biblioteca, o interesse colecionista do Diretor e a sua preocupação
com a memória do Estado acabaram por refletir-se no perfil da instituição122. Para
Epifânio Dória “as bibliotecas de caráter geral como a nossa, que não fazem seleção
de autores nem de leitores na missão a que se votaram, devem colecionar tudo que
sair dos prelos ou da pena dos escritores. (...) É ouro de raro quilate que se armazena
para as gerações que nos sucedem séculos adiante. Agora que celebramos o nosso
primeiro centenário de vida autônoma é que estamos observando quão pouco fizeram
neste sentido os nossos antepassados.”123 Assim, procedia Epifânio, colecionando
tanto os clássicos da literatura como os periódicos de “mero reclamo comercial”
(Revistas Brasil e Souza Cruz, Almanaques Bristol ou Ayer).124

121
Despesa do Governo do Estado de Sergipe

Instituições 1917 1918 1919 ? 1921 1922 1926 1927 1929


Biblioteca 5,940 8,240 11,590 12,300 16,234 15,826 75,595 55,841 19,568
Instrução Pública 517,339 486,677 638,611 681,668 700,760 696,674 3.132,958 1.468,728 432,755
Atheneu 562 96,628
IHGS 1,200
Arquivo Público 23,568
Dados em contos de réis. Fonte: Mensagens dos presidentes do Estado.

Fixação de despesas com subvenções para instituições culturais do Estado através de lei
Instituições 1916 1917 1919 1920 1921 1922 1923 1924 1925 1926 1927 1928 1929 1930
IHGS 2,400 2,400 2,400 2,400 2,400 2,400 2,400 2,400 2,400 3,600 3,600 3,600 3,600
Centro Operário 0,600 3,200 1,200 1,200 1,200 1,200 2,000 2,000 2,000 2,000
Liga S. Analf. 0,300 3,000 2,400 2,400 2,400 2,400 3,600 3,600 3,600
C. Sergipano 2,400 2,400 0,600 0,600 2,400 2400 3,000 3,000 3,000 3,000
Gab. L. Maruim 0,600 0,600 0,600 0,600 0,600 0,600 0,600 1,200 1,200
Club S. Romero 0,300 0,300 0,300 1,200 0,300
Valores em contos de réis. Fonte: Leis e Decretos do Estado de Sergipe.
122
É preciso notar que fazia parte da estrutura da Biblioteca, desde a sua fundação, uma seção de
Arquivo “destinada ao recolhimento de documentação administrativa, histórica, científica e geográfica
produzida no Estado. Mas, somente em 1926 ganha regimento e poucos meses depois volta à
condição de seção da Biblioteca.
123
Sergipe Jornal, Aracaju, 25 set. 1924. p. 2.
124
Ibid. Ibdem.

58
Mas o afã colecionista orientado à prática da pesquisa histórica através de "fontes
primárias" parece ter interessado apenas a uns poucos abnegados como o próprio
Epifânio. É certo que o movimento dos leitores da Biblioteca ainda não foi alvo de
estudos e que os livros de registro pouco expressam sobre práticas de leituras. Mas é
certo também que a insuficiência da perquirição durante a década de 1910 prossegue
como hipótese bastante plausível acerca dos diferentes destinos tomados pela
Biblioteca e pela Seção de Arquivo dessa instituição. Além de não funcionar como
coletora sistemática da documentação administrativa produzida pelo governo, a
referida seção, que ganhou foros de independente em 1926 para voltar meses depois à
condição de agregado à Biblioteca Pública, só viria a possuir uma política arquivística
no início da década de 1970 após a intervenção dos professores do Departamento de
Filosofia e História da UFS e da Secretaria Estadual de Educação.125

Todavia, se não chegou mesmo a dinamizar a pesquisa histórica no Estado, a


Biblioteca foi um importante “instrumento civilizador” no período em estudo. Além
das atividades de estímulo à leitura e à preservação de bens culturais móveis, a
instituição funcionou como palco principal dos eventos ligados ao civismo e à
instrução pública. Para o seu salão convergiu, principalmente entre 1918 e 1922,
numeroso público freqüentador de conferências sobre temas de grande relevância no
período, como: educação pública, doenças, segurança nacional. Tais eventos foram
promovidos por escolas, ligas ou outras instituições desprovidas de sede própria. O
salão da Biblioteca, localizada no segundo pavimento do prédio onde hoje funciona a
Câmara Municipal de Aracaju, era também bastante requisitado para recitais e
concertos, bastante comuns no período em foco.126 Anunciado por Clodomir Silva
como o maior do Brasil, o salão foi também o local escolhido para a instalação de
outras instituições como o Centro de Propaganda do "Voto Secreto" e o Centro
Socialista Sergipano.127

Longe da capital, Aracaju, tanto as opções associativas como os equipamentos


públicos de leitura eram reduzidíssimos. Têm-se notícias esparsas sobre instituições
dedicadas à leitura como o Clube Literário de Itabaiana (1875), Clube Literário
Estanciano (1884), Clube Caixeiral (Estância, 1900), Clube Comercial (Estância,
1901), Gabinete Literário Laranjeirense (1886), Clube Literário Progressista

125
Ver sobre essas questões: Arquivo Público Estadual. Dimensões da Arquivologia Sergipana ontem
e hoje. Aracaju: Arquivo Público Estadual de Sergipe, 1988; Fontes, José Silvério. Fontes primárias....
Cadernos UFS...Santos, Pedrinho. Instituições Culturais de Sergipe. op. cit.
126
Os jornais das décadas 1910 e 20 também fornecem dados sobre a atuação de outros grêmios
[ligados a estabelecimentos industriais] como o Tomás Cruz (1918) e o Centro Cívico Amintas Jorge
(1918), ambos promotores de conferências comemorativas. O Centro Cívico Amintas Jorge estava
voltado para a instrução das “classes pobres e laboriosas”. Era o progresso de Sergipe que estava em
questão assim como o fortalecimento das instituições nacionais. Por isso, junto à campanha contra o
analfabetismo veiculada pelo Centro, eram ministradas aulas de civismo através de conferências
comemorativas nas chamadas datas máximas da nação. Para um apologista desse Centro, o sentimento
patriótico, que deveria ser consumido com o “colostro maternal”, só se desenvolve e clarifica "na
comunhão da escola, onde os espíritos se plasmão e definem, resultando mais tarde na formação
completa dos caracteres”. Século XX, Aracaju, 15 set. 1918. p. 1.
127
Sergipe Jornal, Aracaju, 03 out. 1923; Diário da Manhã, Aracaju, 28 mar. 1918; Silva, Clodomir.
Álbum... p.

59
(Boquim, 1905)128, Clube Literário Silvio Romero em São Paulo (atual Frei
Paulo),129 e os Gabinetes de Leitura das cidades de Riachuelo,130 Capela e Maruim.

A “Casa do livro” em Capela foi criada em 2 de setembro de 1928, no final do


período em foco e os seus fundadores conservam nomes conhecidos entre aqueles
selecionados por Guaraná. Essa instituição, organizou-se com feição aparentemente
educacional. Seus fins estatutários previam o desenvolvimento e a propagação da
instrução, estimulando o desenvolvimento intelectual de todos em geral,
especialmente de seus associados, sem distinção de sexo ou nacionalidade.”131 Seus
objetivos seriam alcançados através da criação e manutenção de uma biblioteca
(através do empréstimo de livros). Esse caráter de benemerência, apesar de considerar
os livros um verdadeiro patrimônio “lítero-social” era confirmado pelas principais e
únicas características requeridas dos candidatos a sócio: “Ter meio de vida honesto” e
“não estar condenado em algum crime” – contra a honra, vida, probidade e bons
costumes.132 Mas era preciso também dispender somas anuais e mensais para
pertencer à instituição. À clientela esperada – pelos estatutos -, “empregado público
ou do comércio” seria permitido o empréstimo de obras e a dispensa das taxas em
caso de desemprego.

A insistência na possibilidade de aplicação de multas, estatutariamente instituídas


como uma das atribuições do bibliotecário aos que não soubessem comportar-se
condignamente no salão da biblioteca, é bastante sintomática. As multas seriam então
um instrumento educativo para uma clientela pouco adaptada aos hábitos civilizados?
Segundo o mesmo estatuto, a biblioteca funcionaria como veículo para a “distração e
educação intelectual do público” especialmente dos sócios. O seu acervo compor-se-
ia de livros, periódicos, manuscritos e cartas geográficas entre outros elementos. Aos
sócios era permitido o empréstimo das obras e ao público em geral, liberada a leitura
no próprio salão da biblioteca.

A Casa do Livro também nasceu tencionando criar uma escola noturna. Tanto é que
no mesmo mês de sua fundação já pedia o auxílio de “escritores, jornalistas e amantes
da letras, propugnadores pertinazes da extinção do analphabetismo em nossa patria”
visando a formação do seu patrimonio litero-social.”133 A instrução pública era tema
eleito como prioritário além do comércio e lavoura quando da promoção de
conferências. Os estatutos prescreviam que a diretoria estaria obrigada “moralmente”
a comemorar “os dias de maior culto, nacionais – 7 de setembro, 15 de novembro – e
estadual, o 24 de outubro.

128
Dória, Epifânio. A biblioteca Provincial de Sergipe...p.87.
129
Fundado pelo bacharel, jornalista e sócio do IHGS Josias Ferreira Nunes (1895/?) em 25/04/1918
“tinha como finalidade debater assuntos do mundo literário, principalmente aqueles voltados para o
interesse do nosso Estado e do município.” Josias fundou também uma escola intitulada “Liga
Paulistana contra o Analfabetismo em 26/08/1928. Matos Neto. Antônio Porfírio de. História de Frei
Paulo: história, política, religião, seca, cangaço e estatística. Aracaju: J. Andrade, 1999. p. 117 e 207.
130
Sergipe Jornal, Aracaju, 18 nov. 1927, p. 01
131
Estado de Sergipe, Aracaju, 24 maio 1929. p. 6-9.
132
Estado de Sergipe, Aracaju, 24 maio 1929. p. 6-9.
133
Sergipe Jornal, Aracaju, 28 set. 1928. p. 2.

60
O Gabinete de Leitura de Maruim possuía estrutura já consolidada desde 19 de agosto
1877 e era uma das últimas instituições votadas à tarefa de animador cultural
fundadas durante o Império. Em Maruim, apesar das mudanças de quadro e do fim de
um período de prosperidade econômica, o Gabinete de Leitura permaneceu em
atividade pelo menos entre 1907 e 1926, ano da última referência coletada nos
periódicos134. Em discurso comemorativo ao trigésimo sexto aniversário dessa
instituição, Enock Santiago o anunciava como o melhor equipado de todo o Estado.135
A sua diretoria incluía (1919/26), além do presidente, secretário, tesoureiro e orador,
os cargos de bibliotecário, de vogais, e uma comissão de contas.136 A sociedade,
reconhecida como de utilidade pública em 1919, também parece ter sido administrada
e financiada, ainda na década de 1920, pelos comerciantes mais prósperos do lugar
como os proprietários das firmas A. Fonseca e Alcebiades & Irmãos, e o banqueiro,
depois industrial, Josias Vieira Dantas (1890/1971)137.

Das suas práticas nas décadas de 1910 e 1920, além das comemorações de aniversário
da instituição, há poucas notícias. Sabe-se que no início, ainda no século XIX, vários
juristas, padres, políticos, pensadores e poetas utilizavam o Gabinete para a exposição
de trabalhos literários e principalmente consultas ao acervo bibliográfico. Em 1890
manteve por oito meses a Revista Literária, periódico que divulgava a produção local.
A instrução também fora seu objetivo inicial. Um projeto realizado somente em 1918
com a inauguração da escola José Quintiliano da Fonseca.138 É importante notar a
relação prosperidade comercial com interesse pela atividade literária e por instrução
básica em massa. O mesmo incentivador do Gabinete, o negociante José Thomaz
Cruz, já havia construído em 1913, com recursos próprios, um edifício destinado à
instrução da população maruinense.

Fora do Estado os intelectuais emigrados também mantinham a solidariedade e a livre


troca de saberes. Ainda são insuficientes as pesquisas, mas há indícios que os
sergipanos emigrados atuavam conjuntamente em pequenos empreendimentos
intelectuais e políticos em cidades como São Paulo, Rio de Janeiro e as já citadas
Recife e Salvador. Desses agrupamentos solidários nasceu em 1922, o Centro
positivista da Bahia, fundado por Otávio Murgel de Resende e os sergipanos Geonísio
Curvelo e Zózimo Lima.139 Este último, fiel correspondente por algum tempo, do

134
Dados sobre as atividades do Gabinete de Leitura de Maruim na primeira década desse século
podem ser colhidas em A Trombeta: Revista humorística, literária, crítica e ilustrada, Aracaju, n.4, p.4,
1907.
135
O Estado de Sergipe, Aracaju, 7 set. 1913. p. 2.
136
Século XX, Aracaju, 21 set. 1919. p. 3; A Cruzada, Aracaju, 4 ago. 1926. p. 1; Sergipe Jornal,
Aracaju, 19 ago. 1922. p. 2.
137
Cruz e Silva, Maria Lúcia Marques. Inventário Cultural de Maruim: Edição comemorativa dos 140
anos de Emancipação Política da cidade. Aracaju: Secretaria Especial da Cultura, 1994. p. 292.
138
Talvez deva se tratar do mesmo curso noturno (de português, aritmética e escrituração mercantil)
anunciado em periódicos no ano 1918. Aguiar, Joel. Escorço Histórico do Gabinete de Leitura de
Maruim. Aracaju: Gráfica Gutemberg, 1929; Século XX, Aracaju, 16 jun. 1918. p. 3.
139
Vida, Aracaju, n. 1, p. 5, set. 1930. Segundo Tito Lívio de Castro, Geonísio Curvelo de Mendonça
chegou a ser chefe da Igreja Positivista no Rio de Janeiro. Sant’Ana, Tito Lívio. Os produbrutantes:
memórias. Rio de Janeiro: Olímpica, 1979. p. 79.

61
conhecido militante Teixeira Mendes, também faria parte da "Casa do Livro" de
Capela no final da mesma década.140

Com formação mais sólida, o “Centro Sergipano”, sediado no Rio de Janeiro, era uma
espécie de posto avançado. Um ponto de convergência entre a “cultura” e a política,
um fator de atualização dos que por aqui ficavam acerca das idéias vigorantes na
capital federal em termos de literatura, ciência e filosofia.

O Centro Sergipano reunia militares, políticos, jornalistas, bacharéis e estudantes


sergipanos, radicados na Capital Federal ou em passagem por cargo eletivo. A
sociedade congregava, em sua maioria, os que já haviam adquirido o reconhecimento
como intelectual, político ou alto funcionário público no Rio de Janeiro. Seus
membros eram egressos de cidades como Simão dias, Lagarto, Aracaju, Laranjeiras,
Campos, Itabaiana, Geru entre outros. Os principais propósitos dessa instituição,
fundada em 16 de novembro de 1918, eram o estímulo ao crescimento econômico e
social de Sergipe141 e o estreitamento das relações entre os sergipanos ali residentes.
Isso não impedia, muito pelo contrário, de se tornar, na prática, um importante local
de discussão sobre os destinos da política partidária no Estado. Entretanto, na palavra
de um dos seus membros, o professor da Faculdade Nacional de Medicina (RJ),
Antônio de Abreu Fialho, o Centro Sergipano seria o lugar do cultivo do
“sergipanismo” e da manutenção do “nosso temperamento de nortista”.142 Uma
miniatura de Sergipe, continua o professor, um local de divulgação de todas as
vitórias culturais e econômicas desse Estado.

Diferente das instituições citadas até aqui, o Centro Sergipano era estruturado
administrativamente sobre uma extensa diretoria: presidente, vice-presidente, 1º
secretário, 2º secretário, orador oficial, diretor comercial, bibliotecário, diretor de
publicidade, tesoureiro, procurador e um conselho fiscal formado por doze membros.
Suas atividades centravam-se na comemoração das “grandes datas do Estado”, na
imortalização de seus “grandes homens”. Tais eventos eram mantidos pelos sócios –
do Rio de Janeiro e de Sergipe - e, possivelmente, por auxílios enviados à capital
federal pelos Governadores do Estado. O Centro mantinha estreito contato com o
Estado através da remessa dos periódicos locais. Os seus membros possuíam tal
notoriedade na sociedade local que pelo menos três dos sócios diretores já haviam
sido Governadores do Estado no momento de sua fundação; Siqueira de Menezes,
José Rodrigues da Costa Dória e Josino Menezes.143 Essa instituição144 parece ter

140
Diário Oficial do Estado de Sergipe. Aracaju, 2 set. 1930. p. 5.
141
A Cruzada, Aracaju, 27 ago. 1919. p. 3 e 19 out. 1924. p. 3.
142
Sergipe Jornal, Aracaju, 12 jan. 1922. p. 2. Dentre as várias sociedades de que participou, o
professor ocupou a vice-presidência da Sociedade Brasileira de Cultura Alemã. Guaraná, A.
Dicionário...p. 158.
143
Sergipe Jornal, Aracaju, 24 nov. 1921. p. 1; Século XX, Aracaju, 7 dez. 1919. p. 1; A Cruzada,
Aracaju, 19 out. 1924. p. 3.
144
Em 1936 o Centro lançou o primeiro número do seu periódico oficial Sergipe. Nessa época ainda
mantinha a missão de louvar os filhos emigrados que faziam sucesso na capital federal. Em artigo
intitulado “Estatística das atividades dos sergipanos no Brasil” são apontados, entre os vários
destaques, a participação de Geonísio Curvelo de Mendonça na Igreja Positivista, de Moreira
Guimarães como líder da Maçonaria no Brasil e de Laudelino Freire, à época, presidente da ABL.
Sergipe: periódico do Centro Sergipano. Rio de Janeiro, n. 1, fev. 1936 [páginas não numeradas].

62
operado também como sociedade de auxílios mútuos. O Centro Sergipano propôs-se
amparar os conterrâneos em um tempo onde todos os Estados da federação
mantinham colônias no Rio de Janeiro e procuravam manter os laços de afetividade
com a terra natal, afirmando-se perante os demais membros da federação.

***

Em resumo, os intelectuais sergipanos no período 1910/1930 eram majoritariamente


bacharéis em direito e medicina, engenheiros, militares graduados, jornalistas, padres
e professores do ensino secundário, comerciantes e industriais. Ocupavam funções na
burocracia estatal, atuavam de maneira mais ou menos intensa na política partidária.
Oriundos da aristocracia rural nas décadas de 1850/1870 e de setores liberais urbanos
nos anos 1870/1890, eram migrantes e viveram experiência nos mais atualizados
centros urbanos do país. A sua produção é marcadamente diversa, abrangendo
gêneros dramáticos, narrativo, oratório e didático. Dentre as espécies mais cultivadas
estavam o artigo, discurso, conferência e biografia. Os estudos concentraram-se em
áreas de literatura, filosofia, direito, geografia e história. O veículo de difusão, foi,
por excelência, o jornal em sua vertente noticiosa e política de circulação diária.

Os intelectuais de Sergipe também mobilizaram-se no sentido de acompanhar os


caminhos seguros da "civilização" já trilhados por outras sociedades e
experimentados por eles próprios quando em viagem por outras províncias/Estados.
Para tanto, esforçaram-se na criação de instituições de caráter literário e instrutivo
que guardavam traços em comum: instrução pública, cultivo da língua pátria,
desenvolvimento das artes, mecenato estatal (livre trânsito entre o público e o
privado). Essas entidades, guardadas as proporções de finalidade estatutária e grupo
mantenedor, eram visitadas por todos. Havia um verdadeiro intercâmbio entre elas. A
impressão é que o número de intelectuais era bem reduzido para o número de
associações já que a maioria dos mais produtivos associaram-se à maior parte das
instituições.

Entretanto, alguns indicadores fornecem indícios de uma (re)tomada no


“desenvolvimento intelectual” do Estado entre o início da década de 1910 até as
comemorações do centenário de emancipação de Sergipe, período posterior à 1ª
Guerra Mundial. Alguns desses indicadores são expressos pela instalação de
equipamentos básicos que incidem diretamente sobre o aumento desse tipo de
produção como: ampliação da rede de escolas do ensino básico e de combate ao
analfabetismo; a expansão da atividade jornalística; o aparelhamento de bibliotecas;
manutenção dos gabinetes de leitura; crescimento do espírito associativo com a
instalação de academias e grêmios voltados para a apreciação estética.

Todos esses indicadores expressam um momento considerado como aceleração da


história. Um instante em que todos "correm" para a civilização. Lendo os comentários
nos periódicos do período, tem-se a impressão que Sergipe esteve prestes a ser
atropelado por esse processo. Mas civilizar-se, desejo de todos, tem vários
significados e orientações. Se há divergências sobre a função e os resultados do
processo civilizatório, a maioria dos que discutiram o assunto, encararam o "civilizar-
se" como "evoluir". O fim último desse “evoluir” seria a sociabilização plena do

63
homem. Nesse programa/contexto, as associações constituem-se no meio e no fim do
processo civilizatório. O IHGS, como uma das agências do período, nasce dentro, e
para servir a esse projeto. O espírito é cientificista, a ciência deve redimir a sociedade
de todos os seus males. Em vista do exposto, é preciso então, estudar a instituição
fomentadora da “ciência” no Estado e verificar o seu papel dentro desse processo
civilizatório; estudar a sua organização, produção e as estratégias de legitimação, e
consagração de determinados autores, discursos e saberes.

64
Capítulo III

A experiência do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe

Um modelo e vários projetos

A experiência do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe: um modelo e vários


projetos

Em linhas gerais, a instituição do IHGS não difere muito do modelo inspirador da


maioria das associações congêneres do Brasil: o Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro. A experiência do IHGB145 remete a uma representação institucional de
base iluminista que orientou a fundação de várias academias na Europa nos séculos
XVII e XVIII. Esse mesmo modelo inspirou a criação de algumas instituições
científico-literárias no século XVIII no Rio de Janeiro, Bahia e Minas Gerais146, mas
foi a partir da abdicação de Pedro I que o “espírito de sociabilidade” ganhou vigor,
sendo criadas mais de cem agremiações científicas, políticas e industriais no Brasil,
tendo como espelho o movimento academicista da França e especialmente de Paris.147

O modelo iluminista não se prendeu somente à forma “acadêmica” de organização,


mas também a uma postura em relação à manipulação do conhecimento. A estratégia

145
Para saber mais sobre o IHGB, além das auto-referências contidas em sua Revista, ver: Lacombe,
Américo Jacobina. Introdução ao estudo da História do Brasil. São Paulo: Edusp, 1973. p. 134-136;
Serrano, Jonathas. História do Brasil. 2 ed. Rio de Janeiro: F. Briguiet, 1968. p. 21; Rodrigues, José
Honório. O Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. In: A pesquisa histórica no Brasil. 4 ed. São
Paulo: Companhia Editora Nacional, 1982. p. 37-40; Wehling, Arno. (Org.). Origens do Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro: idéias filosóficas e sociais e estruturas de poder no Segundo
Reinado. Rio de Janeiro: Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, 1989; Guimarães, Manoel Luís
Salgado. Nação e Civilização nos trópicos: O Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e o projeto de
uma História nacional. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, n. 1, p. 5-27, 1988. Guimarães, Lúcia Maria
Paschoal. Debaixo da imediata proteção de Sua Majestade Imperial: o Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro (1838-1889). São Paulo, 1995. Tese (Doutorado em História) Faculdade de Filosofia, Letras
e Ciências Humanas - Universidade de São Paulo; Campos, Pedro Moacyr. Esboço da historiografia
brasileira nos séculos XIX e XX. In: Glénisson, Jean. Iniciação aos estudos históricos. 6 ed. Rio de
Janeiro: Bertrand Brasil, 1991. p. 255-665. Diehl, Astor Antônio. O Instituto Histórico Geográfico
Brasileiro e a Ilustração: In: A cultura historiográfica brasileira: do IHGB aos anos 1930. Passo
Fundo: Editora da Universidade de Passo Fundo, 1990. p. 23-36; Schwarcz, Lilia Moritz. Os institutos
históricos e geográficos: “Guardiões da história oficial”. In: O espetáculo das raças: cientistas,
instituições e questão racial no Brasil – 1870/1930. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. p. 99-140;
146
Pinheiro, José Feliciano Fernandes. Revista do IHGS, Rio de Janeiro, n. 1, v. 2, p. 77-86, abr./jun.
1839. apud. Guimarães, Manoel Luís Salgado. Nação e Civilização nos trópicos: O Instituto Histórico
e Geográfico Brasileiro... p. 24. Para João Ribeiro, tanto o IHGS quanto a ABL seriam os
representantes mais regenerados e recentes das antigas arcádias e academias que floresceram em
Portugal no século XVIII: “Tem, um e a outras, alguma coisa dos Seletos, dos Felizes e dos
Esquecidos, ‘inpartibus’ e por não negar de todo, a linhagem avoenga.” Ribeiro, João. Max Fleiuss:
páginas brasileiras. In: Leão, Múcio (Org.). Obras de João Ribeiro: Crítica – historiadores. Rio de
Janeiro: Academia Brasileira de Letras, 1961. p. 127.
147
Sociedades fundadas no Brasil desde os tempos coloniais até o começo do atual reinado: memória
lida nas seções do Instituto Histórico em 1884. Revista do IHGB, Rio de Janeiro, v. 71, n. 48, p. 265-
332, 1885; Sobre as origens dos Institutos Históricos. Revista do IHGB, Rio de Janeiro, n. 317, p. 211-
213, out./dez. 1997.

65
adotada é o “esclarecimento, em primeiro lugar, daqueles que ocupam o topo da
pirâmide social, que por sua vez encarregar-se-ão do esclarecimento do resto da
sociedade.” A herança iluminista também esteve presente na concepção de história
adotada pelos fundadores do IHGB: uma escrita da história linear e hegemonicamente
marcada pela idéia de progresso148 e uma historiografia marcada pela tradição
clássica – a história como mestra da vida – que procurava abrir caminhos para o
processo de ocidentalização do Brasil recém-nascido, em vigor desde o projeto inicial
da instituição até os últimos anos do Império.149

O modelo adotado pelo IHGB também prescrevia a adoção de uma ética não oficial e,
por isso mesmo, neutra em relação a disputas de natureza político partidárias. Os
marcos desse modelo (parâmetros iluministas, experiência sócio-institucional
oriunda do Institut Historique de Paris) e as relações estreitas entre o seu quadro
social e o aparato burocrático do Estado forçosamente orientariam as práticas
desenvolvidas pelo IHGB. A partir desses elementos, constituiu-se um projeto
institucional (científico) estreitamente ligado a um projeto político imperial que
procurou “dar conta de uma gênese da Nação brasileira, inserindo-a, contudo, numa
tradição de civilização e progresso.” As principais diretrizes para o desenvolvimento
dos trabalhos do IHGB em seu período inicial foram “a coleta e publicação de
documentos relevantes para a história do Brasil e o incentivo, ao ensino público, de
estudos de natureza histórica.” 150

Diretrizes semelhantes às do IHGB foram também estabelecidas para o IHGS. É o


que se pode abstrair dos discursos autorizados do primeiro ano de atuação do grêmio
sergipano. Não apenas um, mas três anteprojetos foram esboçados para o Instituto
recém-criado. O primeiro foi anunciado por Florentino Menezes. Partiu desse jovem
acadêmico de medicina, aos 26 anos de idade, a iniciativa de reunir no prédio do
Tribunal da Relação os 22 homens que deram origem ao IHGS. Durante a primeira
sessão, Florentino expôs as funções de uma instituição dessa natureza, o momento
propício e também esboçou que tipo de práticas orientariam o IHGS.

Segundo Florentino, a fundação do Instituto em 1912 era plenamente oportuna e


necessária. Oportuna pelo grande processo de “melhoramentos materiais e
intelectuais" pelos quais passava o Estado e principalmente a capital, Aracaju. As
evoluções material e intelectual eram intercomplementares e não havia, na
mentalidade da época, como desenvolver uma, sem o correspondente revigoramento
da segunda. Além disso, o Instituto era necessário; ele concorreria para o progresso
intelectual de Sergipe através da “distinção” dos seus grandes sábios, consagrados
somente pelas academias de outros Estados e países. Com isso, o idealizador
registrava uma das marcas do movimento intelectual sergipano: o caráter migrante e o
reconhecimento dos seus filhos por parte de sumidades e de associações literárias
tanto no Brasil quanto em países-berço da “civilização” como a Alemanha e a França.

148
Guimarães, Manoel Luís Salgado. Nação e Civilização.... op. cit. p. 6 e 11.
149
Guimarães, Manoel Luís Salgado. O Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro... op. cit. p. 14. Ver
também ecos da tradição clássica ainda no século XX em Meira, Silvio. A nobre missão dos Institutos
Históricos. Revista do IHGB, Rio de Janeiro, n. 357, p. 213, jan./mar., 1982.
150
Guimarães, Manoel Luís Salgado. Nação e Civilização.... op. cit. p. 8 e 9.

66
Uma outra razão para a fundação da instituição estaria ligada a uma espécie de
“complexo de inferioridade”, econômica e, sobretudo, territorial que acompanhou os
discursos sobre o local desde a sua emancipação administrativa. O pequenino Estado
via-se em desvantagem mesmo em relação a outros Estados de porte semelhante
como Alagoas, Paraíba e Rio Grande do Norte. Os três já possuíam Institutos e por
que não Sergipe, já que enfrentava as mesmas adversidades dos três citados?

A nova instituição, segundo Florentino, teria o papel de guardar as nossas tradições, a


“alma dos povos”, o fator que distingue uma sociedade organizada de um povo em
estado anárquico, decadente. O IHGS deveria ser a associação científica responsável
pela promoção de estudos em torno de uma história renovada e de uma geografia
utilitária. A primeira seria “não mais uma simples enumeração dos fatos do passado”
e sim “a escada por onde sobem os povos”, e a geografia, um saber indispensável nas
relações comerciais e intelectuais entre os povos.151 Cinco anos mais tarde,
protestando contra a omissão da categoria de sócio-fundador na reforma dos estatutos
da casa, Florentino reafirmou o projeto idealizado de instituição: o IHGS era ainda
entendido como o templo da história e da ciência. Um lugar isento de paixões e ódios,
o ambiente ideal para a liberdade de ação e de pensamento; o lugar da justiça, da
guarda dos mortos ilustres (intelectuais) que permaneceram dominando os vivos,
orientando as ações dos intelectuais freqüentadores da casa.152

O presidente da nova agremiação, sugerido pelo idealizador e aclamado pelos


presentes, o Desembargador João da Silva Mello, também expôs a sua idéia de
Instituto. O “templo” foi também a metáfora utilizada. A exemplo dos demais
institutos, como explicita o autor, o IHGS seria “uma escola onde se professa a lei
eterna da perfectibilidade humana, - onde ressoam as vozes proféticas desses místicos
colaboradores do progresso."153 João da Silva Mello priorizou os estudos históricos,
afirmando que a nova casa deveria reunir fontes para a historiografia do Brasil e de
Sergipe; deveria auxiliar aqueles que se dispusessem a estudar a história “em nome da
verdade e das conveniências do estado”. Mas não importa o tipo de conhecimento a
ser cultivado. Tanto faz a interpretação orientada pelas idéias lineares como circulares
acerca da experiência humana. A escrita da história poderia simplesmente configurar-
se na “biografia do gênero humano”. No Instituto, segundo o autor, não haveria lugar
para polêmicas fossem elas filosóficas ou político-partidárias.

A fundação do IHGS esteve sintonizada com os novos tempos que se anunciavam.


Era preciso não perder o bonde da história, não ser um retardatário diante da
aceleração do progresso, da ciência. A função desse tipo de associação foi, por
conseguinte, altamente estratégica. Para João da Silva Melo, os Institutos eram
instrumento de civilização. “Indicar a trajetória do progresso e da civilização dos
povos é reconhecer a ação reividicadora dos Institutos."154 Como que provando essa

151
Menezes, Florentino. Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe. Revista do IHGS, Aracaju, v. 1, n.
1, p. 9-12, 1913.
152
Ver discurso de Florentino Menezes em sessão do IHGS em 30 de julho de 1917. 2º Livro de Actas
do IHGS: 1917-1931.
153
Melo, João da Silva. Discurso proferido pelo Ex. Sr. Desembargador João da Silva Mello na sessão
solene de 6 de agosto de 1913. Revista do IHGS, Aracaju, v. 2, n. 3, p. 78, 1914.
154
Ibid.

67
função, adianta o autor, estiveram os Institutos sempre a festejar o que de melhor a
civilização tinha produzido: a caridade, o trabalho assalariado, a liberdade (o fim do
trabalho escravo) e a paz.

As “palavras de início” de Prado Sampaio divergiram um pouco dos dois discursos


anteriores. Ele foi muito mais incisivo quanto às finalidades, os novos objetos e
abordagens científicas que deveriam orientar a entidade. Em sua opinião, não era
responsabilidade do Instituto “aclarar pontos obscuros ou recantos crepusculares,
porventura ainda existentes nos desvãos do nosso Teatro e História ... mas criar o
estudo da Antropogeografia sergipana à luz do moderno critério da Sciencia
Social.”155 Foi a relação homem/meio físico que o interessou. Esta relação também
foi fruto das discussões entre as propostas das ciências naturais e humanas e o
alardeado fim da dicotomia homem/natureza. O projeto Ratzeliano, nesse movimento,
seria o referencial por excelência a ser aplicado nos trabalhos da instituição.

A história deveria também ser renovada na opinião de Prado Sampaio. Não poderia
mais constituir-se em “uma infinda comemoração de batalhas, ao desfile secular de
dinastias sepultas (...) o que o esse estudo está no momento a compreender, é todo o
evoluir das ciências, das letras, das artes, das indústrias, das religiões, que são as
criações fundamentais da humanidade.” 156 Essa história estaria dentro do projeto da
Antropogeografia, preparatório ao estudo da sociopsicologia dos povos (o povo
sergipano em particular) “chamada a dar a última palavra sobre a solução do
problema da adaptabilidade de certas raças aos elementos especiais do solo.”157

Para Sampaio, o Instituto foi fruto do nosso processo civilizatório. Uma


demonstração da nossa maturidade intelectual. A sua fundação apresentava-se como
fato expontâneo. Foi o marco do momento “em que a nossa inteligência se julgou
apta a colaborar no grande problema da correlação existencial entre a natureza e o
homem".

Os três discursos iniciais tornaram clara a presença marcante de utopias iluministas


que atravessaram todo o século XIX e alcançaram o XX, em pleno vigor. Elementos
desse modelo, apropriados pela maioria das associações científico-literárias criadas
no Brasil nos séculos XVIII e XIX, estiveram presentes desde o próprio título
(Instituto), hierarquia e estrutura interna (um grupo fixo de sócios, o trabalho em
comissões) até às “profissões de fé” que caracterizaram os mais notáveis filósofos
franceses do chamado século das luzes. Os ilustrados membros do Instituto
consideravam-se desde a fundação como os reais difusores da verdade, os principais
combatentes do preconceito. Imbuídos desse credo, anunciaram as leis da natureza
como gestoras do mundo moral, a vida social como continuação da vida orgânica e
física. Acreditaram na perfectibilidade do homem, viram na historiografia a
oportunidade de aprender com a experiência do passado e orientar a ética futura e
ainda, a mais significativa de todas essas características, acreditaram que a sociedade
sergipana, principalmente, estaria fadada ao progresso e à civilização.

155
Sampaio, Prado. Palavras de início. Revista do IHGS, Aracaju, v. 1, n. 1, p. 24-25, 1913.
156
Sampaio, Prado. Palavras de início. Revista do IHGS, Aracaju, v. 1, n. 1, p. 25, 1913.
157
Ibid.

68
Se se pode pensar o IHGB como inspirador do modelo iluminista projetado para o
IHGS, não se pode deixar de constatar que o lugar social, completamente
diferenciado, vai influir decididamente nas práticas institucionais e na consolidação
(ou não) dos projetos pensados de início para o grêmio sergipano. Um dos mais
evidentes distanciamentos entre as duas associações esteve ligado aos referenciais
teóricos e às novas concepções de história e geografia adotadas pelo grêmio local.
Como foi explicitado nos parágrafos anteriores, o modelo institucional francês,
adotado no IHGS, já estava embebido de influências comteanas (em sua vertente
religiosa) e do cientificismo alemão, configurado nas teses de Haeckel e Ratzel,
enquanto que o IHGB entrava no século XX um pouco reticente quanto ao emprego
de teorias e métodos “naturalistas” na sua tarefa de recolher e narrar a experiência da
“nação brasileira”.

69
O outro ponto a ser evidenciado decorre dos motivos da fundação do grêmio local. O
projeto inicial do IHGB estava plenamente sintonizado com a política estabilizadora e
centralista das primeiras décadas do Império brasileiro. Previa-se a implantação de
uma rede de instituições em todas as províncias que serviriam como coletores de
fontes a serem enviadas ao Rio de Janeiro. Ao IHGB caberia a escrita da história
nacional.158 A ausência da província de Sergipe nessa teia instituída no século XIX
não é tão fácil de justificar e não me aventuro a por um fim à questão. Fica por
enquanto estabelecida a hipótese da subordinação econômico-administrativa de
Sergipe à Bahia (e por isso, da insuficiência do movimento intelectual) e do caráter
migrante dos seus filhos letrados. Apesar dessa hipótese, a presença do IHGS na
primeira década do século XX no circuito dos demais Institutos brasileiros não deve
ser encarada como participação retardatária no plano inicial do IHGB já que esse
mesmo projeto se havia enfraquecido com a vitória do novo regime em 1889. O
nascimento do IHGS deve ser encarado como um projeto da periferia em relação ao
centro, um esforço de reafirmação da identidade dos pequenos Estados no bojo da
experiência federativa: o IHGS é, pois, um projeto republicano, diametralmente
oposto à estratégia inicial do IHGB.

Isso pode ser evidenciado desde a composição do quadro social do grêmio até as
tarefas em que se atreveu a entabular para a construção da representação chamada
Sergipe (trabalhos de organização da memória e de pesquisa em torno da afirmação
da soberania local, onde o nacional tem grande relevo, embora, como a soma de
“pátrias” autônomas trabalhando em reciprocidade).

Sergipe, no momento da fundação do grêmio, era uma das muitas “pátrias” que
experimentava a função de satélite na “República oligárquica”. Premido pela
dependência econômica em relação aos capitalistas cariocas e baianos, pela
incapacidade de modernização inerentes à estrutura fundiária e à fragilidade de sua
atividade industrial,159 e pela fraca representatividade política (população pouco
alfabetizada, reduzido número de eleitores e de parlamentares), o Estado gravitava,
com outros menores, em torno de lideranças como Pinheiro Machado, para contrapor-
se aos interesses dos fortes Estados cafeicultores e minimizar os problemas advindos
do federalismo.

158
“À idéia de transformar o IHGB em centro autorizado para a produção de um discurso sobre o
Brasil, articulam-se inúmeras medidas tomadas no interior da instituição, tais como a sugestão feita e
reunião realizada em 1842 de transformar sua biblioteca em depósito central obrigatório das obras
publicadas no Brasil; o pedido aos presidentes de província do envio de seus relatórios anuais,
interferindo assim na esfera de competência do Arquivo Nacional, criado no mesmo ao de 1838; ou
ainda o plano de Januário da Cunha Barbosa de transformar o IHGB numa central de dados de
natureza estatística, levantados nas diferentes províncias. Guimarães, Manoel Luís Salgado. Nação e
Civilização... op. cit. p. 16. Ver também, do mesmo autor, A Revista do Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro e os temas de sua historiografia – 1839/1857: fazendo a história nacional. In:
Wehling, Arno. (Org.). Origens do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro: idéias filosóficas e
sociais e estruturas de poder no Segundo Reinado. Rio de Janeiro: Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro, 1989. p. 36.
159
Passos Subrinho, Josué Modesto dos. História Econômica de Sergipe (1850-1930). São Cristóvão:
Universidade Federal de Sergipe, 1987. p. 96-97.

70
A obediência ao poder central e os acordos de cúpula160, alicerçados no coronelismo,
marcaram a sucessão dos governadores e a eleição dos representantes sergipanos.
Outra característica do período foi a vigência do monopartidarismo. Conta Ibarê
Dantas que os próprios partidos políticos eram orientados muito mais em torno de
lideranças que propriamente de doutrinas.161 “Parece ter havido, no período
1905/1920, uma certa estagnação institucional. Sem a participação de concorrentes ou
quaisquer outros estímulos, tanto as convenções como as eleições se tornaram
práticas meramente formais com o Presidente do Estado (ou chefe político que
controlava os quadros de representação), ocupando a direção do ritual.”162

Tais práticas resultaram na predominância de três oligarquias que, fundeadas


principalmente no tradicionalismo dos produtores de açúcar, revezaram-se no
comando do Estado por todo o período 1900/1930:163 Olímpio Campos (1899/1911);
Oliveira Valadão/Pereira Lobo/Gracho Cardoso (1911/1926); e Manoel Correia
Dantas (1927/1930). Entre estes, ao lado e/ou submissos aos grandes coronéis,
estavam os criadores/mediadores e, até mesmo, os agentes engajados em projetos de
intervenção no social, os “doutores que ficaram”, os que foram bem sucedidos nas
disputas por cargos, ajudas de custo, proteção política para escrever livremente sobre
o que pensavam, em suma os que se acomodaram164 “à fechadíssima luta da política
estadual”. Como bem explicitou Terezinha Oliva: “Aqueles que ficavam, ou se
haviam acomodado a um emprego público ou eram as cabeças pensantes dos
violentos artigos, manifestos e estratégia na luta que as hostes dissidentes
empreendiam contra o governo” estimulados pelos vários ‘expatriados’ do Rio de
Janeiro.165

Intelectuais residentes, “radicados” e “expatriados” interagiam sempre e com um


discurso marcado pela ênfase no progresso econômico, na “evolução” cultural de

160
Dantas, Ibarê da Costa. O Tenentismo... p. 28-28.
161
Dantas, José Ibarê da Costa. Os partidos políticos em Sergipe: 1889/1964. Rio de Janeiro: Tempo
Brasileiro, 1989. p. 62.
162
Dantas, Ibarê da Costa. O Tenentismo... p. 30-31.
163
Oliva, Terezinha Alves de. Os pequenos Estados na República oligárquica. In: Impasses do
federalismo brasileiro: Sergipe e a Revolta de Fausto Cardoso. Rio de Janeiro: Paz e Terra; São
Cristóvão: Universidade Federal de Sergipe, 1985. p. 17-26; Dantas, José Ibarê Costa. Estrutura de
poder na primeira República. In: Revolução de 1930 em Sergipe: dos tenentes aos coronéis. São Paulo:
Cortêz; São Cristóvão: Universidade Federal de Sergipe, 1983. p. 19-24.
164
Um exemplo claro é registrado por Edilberto Campos que explicita o gosto do presidente Guilherme
Campos “em ajudar os colegas jovens que o procuravam... Receberam atenções especiais Aníbal
Freire, Gilberto Amado, Pedro de Oliveira Sobrinho, Francisco de Freitas Garcez, José Cupertino
Dória, Armando Mesquita, Oscar Prata, Ávila Lima e outros contemporâneos de seu período
governamental. Em 1907, Gilberto Amado, farmacêutico estudando Direito, foi até seu hóspede
durante alguns meses no Palácio, antes de ir para Recife. Foi nomeado Fiscal do Banco de Sergipe,
com ordenado de desembargador... Havia na administração duas classes que exigiam muito tato dos
governantes: eram a das professôras e o contigente policial das cidades e vilas. Ai do presidente que
tocasse numa delas sem ouvir o chefe local." [Campos, Edilberto. Dificuldades da política na aldeia.
In: Crônicas... p. 73-74. v.5]. Ainda sobre os favores dos governantes é oportuno citar o trabalho dos
dois "mecenas” do período republicano em Sergipe, registrado por Acrísio Torres: Martinho Garcez
(governador em 1896/1899) protetor do poeta Hermes Fontes, e Olímpio Campos que tutelou Mendes
de Aguiar (latinista maruinense e depois professor do Pedro II) e Gilberto Amado. Araújo, Acrísio
Torres. Mecenas em Sergipe. Pó dos arquivos. Brasília: Thesaurus, 1999. p. 20-21.
165
Oliva, op. cit. p. 48.

71
Sergipe (melhoria dos costumes, renovação na atividade política e literária, etc.).
Entre estes contam-se principalmente pessoas de renome como Felisbelo Freire,
Silvio Romero, João Ribeiro, inicialmente e, depois, Gilberto Amado e Carvalho
Neto. A eles, pode-se aplicar com propriedade o exposto por Terezinha Oliva a
respeito de Fausto Cardoso: “aos que não se acomodavam ao jogo da política local,
restava a aventura de tentar projetar-se fora da terra e impor-se então como
candidatos à representação sergipana no Congresso.”166

Filhos da mesma situação, os radicados também estiveram migrando politicamente de


uma facção à outra. Parte significativa dos sócios fundadores e efetivos dos primeiros
anos do IHGS pode ser identificada com o olimpismo, como o exemplo de Francisco
Carneiro Nobre de Lacerda167, Manoel Batista Itajai (vice-Governador do Estado –
1908), Apulcro Mota168 (olimpista até 1902; vice-presidente do Estado – 1899/1902)
juízes, desembargadores representantes dos “cabaús”169. Também há muitos
exemplos de republicanos puros, faustistas como Gumersindo Bessa e Luiz José da
Costa Filho, José Maria Moreira Guimarães; valadonistas como Prado Sampaio;
republicanos “históricos” como Carvalho Lima Júnior; e regeneradores da República
como Ávila Lima.

Apesar das limitações do Estado oligárquico, os intelectuais do Instituto também


participaram dos raros movimentos que puseram em questão as práticas políticas
vigentes. Vários foram os tipos inventariados por Ibarê Dantas170. As dissidências
oligárquicas configuradas na “Revolta de Fausto Cardoso” (1906), apoiada por Luís
José da Costa Filho, e a “reação republicana” (1921) engajada na campanha de Nilo
Peçanha para presidente da República, da qual participaram os sócios efetivos
Amintas José Jorge (presidente do IHGS), Luís José da Costa Filho e o próprio grupo
familiar de Francisco Carneiro Nobre de Lacerda. Combativas foram as campanhas
pela “moralização dos costumes políticos” desencadeadas por movimentos
reformistas liberais, agregando intelectuais em torno da campanha civilista (1910 e
1919) e da propaganda pelo voto secreto (1923). Do primeiro, engajado na campanha
pró Rui Barbosa, participou o sócio efetivo Apulcro Mota. O segundo foi liderado
pelo fundador do Instituto, Florentino Menezes e ganhou expressivo apoio de
intelectuais e de toda a imprensa. “No calor da propaganda, atribuía-se ao voto
secreto muitos benefícios: acabaria com as oligarquias; evitaria a vitória dos governos
desonestos, despóticos e salvaria o país da bancarrota que se aproximava. Resolveria
o problema das forças partidárias, elevaria a moral do Brasil, faria das eleições uma
166
Oliva, op. cit. p. 121.
167
As reuniões políticas na calçada do palacete da rua de Pacatuba, propriedade de Francisco Carneiro
Nobre de Lacerda, bem como a importância política do juiz são citadas por: Amado, Gilberto. História
da minha infância. p. 198; Sant’Ana, Tito Lívio. Os produbrutantes: memórias. Rio de Janeiro:
Olímpica, 1979. p. 77; e pelo seu próprio filho – Lacerda Filho, Francisco Nobre de. Para
esclarecimento do leitor. In: Lacerda, Francisco Nobre de. História da Independência. Brasília: Gráfica
do Senado Federal, [19--]. p. 5-7 (Coleção Garimpos da História, v. 3).
168
“Líder do grupo Garcez e vice-presidente do Estado." Oliva, T. A. Impasses... p. 99.
169
“Os velhos políticos [do Partido Republicano Federal de Sergipe], muitos deles senhores de
engenho, foram denominados, juntamente com os seus adeptos, de ‘Cabaús’, do nome do mel de
engenho, enquanto os adversários tiveram o nome de ‘Pebas’ ou tatus.” Oliva, Terezinha Alves de.
Estruturas de poder. In: Diana, M. Diniz (Coord.) et al. Textos para a história de Sergipe. Aracaju:
Universidade Federal de Sergipe/Banese, p. 141.
170
Dantas, Ibarê. Os movimentos divergentes. In: Os partidos... p. 73-93.

72
verdade.”171 Compuseram a diretoria do Centro de Propaganda pelo voto secreto
(1923), além do próprio Florentino, alguns sócios fundadores do IHGS como Manuel
dos Passos de Oliveira Teles (juiz de Direito de Aracaju), Alcebíades Correia Paes
(médico, diretor do Ateneu) e os sócios efetivos Amintas José Jorge, Clodomir Silva
e Édson de Oliveira Ribeiro.

Nos movimentos reformistas autoritários, mais uma vez estiveram envolvidos os


jornalistas Costa Filho e Édison de Oliveira Ribeiro, defendendo em júri muitos dos
participantes da revolta tenentista de 1924, e Amintas Jorge e Clodomir Silva que
junto aos professores Artur Fortes e Abdias Bezerra (ex-alunos expulsos da Escola
Militar no Rio de Janeiro) engajaram-se na “Aliança Liberal” (1929).172 A mais
contundente crítica às práticas oligárquicas foi desfechada com a propaganda
socialista desencadeada a partir da fundação do Centro Socialista Sergipano (1918). A
instituição, também fundada por Florentino Menezes, simpatizava com a experiência
russa, embora pregasse um socialismo onde fossem mantidos a pátria e a família. Da
Diretoria do Centro participaram também os sócios fundadores Alcebíades Correia
Paes, Manoel dos Passos de Oliveira Teles, os sócios efetivos Epifânio da Fonseca
Dória, Francisco de Monteiro Filho.

Os estudos que tratam do movimento político da República Velha sugerem, então,


que as formas de se pensar a política e de promover intervenções no social estiveram
sempre limitadas pelo Estado oligárquico. Assim, a experiência dos
mediadores/criadores, principalmente dos sócios do IHGS, foi marcada por
tutelagens, adesões, rompimentos, acordos que resultaram em freqüentes mudanças
de facções, partidos ou grupos oligárquicos; foi, enfim, a luta pela sobrevivência
política. O projeto republicano esposado pelos sócios do IHGS visou, por assim dizer,
até o final da década de 1930, incorporar novos progressos, fossem eles políticos,
artísticos, científicos ou tecnológicos, mantendo, entretanto, o prestígio dos
mandatários do antigo regime, o “patronato rural.” O Instituto somente pôde
congregar tantos homens e opiniões em contingências tão diferenciadas por ter se
configurado em “templo” da ciência, da “neutralidade” (liberdade) político-partidária.
No período de fundação da casa e nas duas décadas seguintes, a política foi apartada
da ciência, surpreendentemente em um período de dominação cientificista.

171
Dantas, Ibarê. Os partidos... p. 78.
172
Dantas, Ibarê. O tenentismo... p. 137 e 207.

73
A “ciência” da fundação

Mas falar em projeto republicano não significa reduzir a prática acadêmica – reflexão
sobre o novo caráter (científico) da história e da geografia – ao plano político das
oligarquias em voga. Um não foi, e não poderia ter sido somente, espelho do outro.
Se há um desejo de poder, (sobrevivendo, fazendo valer a sua opinião sobre a dos
outros, livrando-se das decadências de status e econômica), há também uma demanda
pelo saber. E é justamente esse "recuo" do político em provimento do “científico”
operado no seio do IHGS que vai permitir uma reflexão dos intelectuais locais sobre a
organização das formas de conhecer.

O projeto científico esboçado para o IHGS no momento de sua fundação foi, pelas
várias razões anteriormente citadas, tributário da Escola do Recife. Esse movimento,
jocosamente nomeado como Escola teuto sergipana,173 liderado por Tobias Barreto e
Silvio Romero, tentou dotar o país de um pensamento filosófico e introduzir o estudo
da sociedade brasileira em bases científicas. O “componente essencial da doutrina”
filosófica da Escola do Recife centrou-se em três pontos: a crítica ao ecletismo
espiritualista, corrente dominante no período 1840/1875; a crítica à filosofia católica
– em sua primeira fase, 1850/1870, denominada por Silvio Romero de reação
católica; e a crítica à face ortodoxa do positivismo.174

Quanto à orientação teórica impressa, variou com os ciclos da Escola e estes, por sua
vez, foram condicionados à contribuição individual dos líderes do movimento.
Limitando-me somente à contribuição dos dois mais importantes membros, posso –
correndo os riscos de todo o reducionismo, é claro – afirmar que Tobias Barreto
rompeu com o ecletismo espiritualista em 1868, aderindo parcialmente ao positivismo
de Comte; superou o comtismo com o monismo de Haeckel em 1880 e a este
reformou através das idéias de Noiré em 1884. Silvio Romero passou do
espiritualismo de Jouffroy ao positivismo em 1868; marcando diferenças com Tobias
Barreto por volta de 1875, aproximou-se do materialismo de Büchner e Vogt e do
transformismo de Haeckel, e por meio destes, chegou ao transformismo de Darwin,
não se afastando porém do positivismo de Comte – classificação das ciências e da
filosofia da história. Entre 1876 e 1885 Silvio Romero aplicou-se na transformação
do positivismo, ainda sem rejeitá-lo totalmente, ampliando o transformismo de
Darwin e Haeckel; em 1888 já é spenceriano convicto, e em 1909 trabalha com as
teses de Le Play, H. de Tourville, Edmond Demolins, P. Rousiers, A. de Preville, P.
Bureau.175

Este esboço das trajetórias é útil para que se tenha uma noção da variedade de autores
e da profusão de “ismos” que deve ter suscitado a Escola em todos os lugares

173
Para Cruz Costa, a troca de amabilidades está relacionada a uma espécie de conflito Sul/Norte,
católicos/infiéis. Essa disputa “vem desde os 70 quando o jornalista católico Carlos Laet, chamou à
propaganda germanista dos dois sergipanos, de escola ‘teuto sergipana’. Em represália, estes últimos
diriam que os intelectuais sulistas, presos à influência francesa, constituíam, por sua vez uma escola
‘galo-fluminense’ ”. Costa, Cruz. Um representante do “germanismo” no Brasil”: Tobias Barreto.
Separata da Revista Filosófica, n. 15, p. 5, [19--].
174
Paim, Antonio. A Filosofia da Escola do Recife. 2 ed. São Paulo: Convívio, 1981. p. 111-134.
175
Paim, Antonio. A Filosofia... op. cit. , págs. 8, 10, 33-34, 36, 40, 41- 42, 46, 47, 135, 139 e 140.

74
atingidos por sua influência. Através dos bacharéis formados na Faculdade de Direito
do Recife ou simplesmente pelo acompanhamento das querelas que provocou, as
idéias da Escola migraram para a Bahia, Ceará, Rio de Janeiro e Sergipe. Na
Faculdade de Medicina da Bahia, o médico Guedes Cabral, em 1876, já incorporava
teorias materialistas de Darwin, Huxley, Broca, Longet, Büchner e Moleschott em sua
tese Funções do cérebro. Mas foi na Faculdade de Direito que as idéias de Tobias
Barreto foram adotadas, através do spenceriano Almáchio Diniz. No Ceará os ex-
alunos do Recife empenharam-se na crítica literária e em suas conferências já citavam
Comte, Buckle, Taine, Spencer. Deste grupo de discussão participavam Araripe
Júnior, Amaro Cavalcante Melo e João Lopes. Fundada a Faculdade de Direito do
Ceará, os dois discípulos do Recife, Antonio Adolfo Coelho de Arruda e Manuel
Soriano de Albuquerque, consolidaram essa influência. No Rio de Janeiro
destacaram-se Fausto Cardoso e Graça Aranha junto com Silvio Romero, emigrado
desde 1876.176

Em Sergipe não foi diferente. As doutrinas da Escola formaram uma geração inteira
de bacharéis e com dois agravantes. Primeiro, o Estado localizava-se entre os pólos
disseminadores de conhecimento, usufruindo, portanto, das faculdades de Recife e
Salvador. Os bacharéis tanto em medicina quanto em direito acabaram se
apropriando das idéias em graus diferenciados, é claro, dos dois centros ao mesmo
tempo.177 Depois, o fato de pelo menos quatro dos dez líderes da Escola do Recife
terem nascido em Sergipe: Tobias Barreto, Silvio Romero, Fausto Cardoso e
Gumersindo Bessa. Além desses, podem ser citados como sergipanos componentes
do “segundo escalão” da escola Tito Lívio de Castro, Felisbelo Freire, Manuel dos
Passos de Oliveira Teles, Joaquim do Prado Sampaio e João da Silva Melo.178

Portanto, não fica difícil compreender como e por que o IHGS, fundado por 18
titulados em direito e medicina,179 alguns dos quais ex-alunos de Tobias Barreto e/ou
amigos pessoais de Silvio Romero, tenha herdado e prosseguido com os referenciais
teóricos disseminados pela Escola. Mais que uma defesa de posição, havia a luta pela

176
id., ibid., p. 68-72.
177
“A primeira leva de discípulos sergipanos de Tobias Barreto veio da Faculdade de Medicina da
Bahia, a partir de meados do ano de 1880, entre os quais se destacam cronologicamente Joviniano
Romero e Felisbelo Freire... É por demais significativa a dedicatória do livro Estudos Alemães, em sua
primeira edição: ‘Aos moços sergipanos que cursaram a Faculdade de Medicina da Bahia no ano
próximo findo oferece o autor’ – datada de 1º de janeiro de 1883. No ano anterior os acadêmicos
comprovincianos haviam homenageado Tobias Barreto com um mimo, tendo o mestre agradecido em
carta de 5 de dezembro desse mesmo ano (1882)”. [Entre os tobiáticos da Faculdade de Medicina da
Bahia também estão Rodrigues Dória e Helvécio de Andrade, ainda estudantes em 1882]. (...) “Já em
1881, Tobias é homenageado pela colônia sergipana de estudantes de Recife, quando esteve prestes a
voltar para a terra natal, chegando a ser inclusive nomeado pelo Presidente da Província, Inglês de
Souza, professor de língua e gramática alemã. Com a sua triunfal entrada na Faculdade de Direito, em
1882, cresceu o grupo de admiradores conterrâneos, dentre os quais sobressaíram Fausto Cardoso,
Prado Sampaio, Gumercindo Bessa e Manoel dos Passos de Oliveira Teles.” Lima, Jackson da Silva.
Os estudos... op. cit. p. 73, 74, 77.
178
Mercadante, Paulo. Prefácio. In: Freire, Felisbelo. História de Sergipe. 2 ed. Petrópolis: Vozes;
Aracaju: Governo do Estado de Sergipe, 1977. p. 11-18.
179
São 24 o número total de sócios entre os quais: 18 bacharéis de direito e medicina, e 3 militares de
alta patente.

75
memória dos sergipanos ilustres, um trunfo identitário em relação aos demais
Estados.

A apropriação das idéias cientificistas por parte dos bacharéis sergipanos não se deu
pari passu às transformações do pensamento de Tobias Barreto e Silvio Romero. Os
referenciais teóricos que enformariam as discussões sobre filosofia e ciência
circunscreveram-se ao período 1870/1890. Não foi tanto o combate à ortodoxia
positivista, mas a postura anticlerical que ocupou a seara intelectual no início do
século XX em Sergipe. Assim, de todo o ideário cientificista da Escola do Recife, os
bacharéis fundadores do IHGS apropriaram-se com maior vigor da obra Ernest
Haeckel180, Herbert Spencer e F. Ratzel. O sucesso desses autores no final da década
de 1910 em Sergipe denunciou a efetiva influência que o pensamento renovado
brasileiro dos anos 1870 recebeu da França e da Alemanha. Segundo Tobias Barreto,
na Alemanha, após a crise da metafísica desencadeada com a morte de Hegel,
assistiu-se à “um notável surto das ciências naturais”. Por volta de 1860, iniciou-se
um movimento conciliador entre as ciências naturais e a filosofia principalmente com
as publicações de Haeckel, Helmholtz, Zeller, entre outros.181 Para Cruz Costa, esses
ilustres representantes do “materialismo vulgar” praticavam “uma espécie de idolatria
pela ciência desprovida do necessário senso crítico (...). Esperavam todos, parece,
nessa época, encontrar na ciência um instrumento que congregasse os homens como
os unira no passado a religião.” O próprio Haeckel foi considerado um notável
vulgarizador. Sua obra Enigmas do universo (1899) que, segundo Cruz Costa, teria
grande repercussão em público desprovido de erudição histórico-filosófica,182 foi um
documento-chave para a compreensão da “filosofia empírica” ou do “empirismo
filosófico” esboçado no período. Mas em que consistiria esse “materialismo vulgar”
difundido pelo naturalista alemão?

Haeckel não partiu inicialmente da filosofia, especializou-se nos estudos sobre


zoologia. Foi assenhorando-se dos métodos das ciências naturais, dos princípios
desenvolvidos por Lamarck183 e Darwin184, e das conquistas efetuadas pela
Paleontologia, Anatomia Comparada e Embriologia, estabelecendo, assim, as bases
do seu monismo mecanicista, ou seja, a idéia de que todo o universo é acessível aos
nossos meios de investigação: todos os fenômenos físicos ou morais, são regidos por
leis fixas e imutáveis, o universo é um todo unitário, um monon.185 O monismo de

180
Sobre Ernest Haeckel (1834/?) é bastante elucidativa essa apresentação inserida na tradução
portuguesa de um dos textos que lhe deram fama, Os enigmas do universo. “A sua obra principal é a
História da criação dos seres organizados. Vem, a seguir, pela ordem da importância científica, a
Antropogenia e a Filogenia sistemática. É aí que se condensa a sua teoria biológica. Mas os seus
trabalhos mais conhecidos são os da vulgarização científica, Os enigmas do Universo em que o autor
se propõe resolver as questões principais e o mundo mental e moral, o Monismo, Origem do Homem,
Religião e Evolução e Maravilhas da Vida onde Haeckel continua o trabalho iniciado nos Enigmas.
Nestes últimos trabalhos, Haeckel é o propagandista tenaz do livre-pensamento, um dos maiores
combatentes dos erros e dos preconceitos doutrinários da Religião Católica.” Haeckel, Ernesto.
Maravilhas da Vida. Porto: Chardron; Rio de Janeiro: Francisco Alves, [19--].
181
Ver Barreto, Tobias. Recordações de Kant [?] apud. Paim, Antônio. A filosofia da Escola do Recife.
2 ed. São Paulo: Convívio, 1981. p. 122.
182
Além de Haeckel são considerados como pertencentes à mesma tendência materialista os princípios
difundidos por Karl Vogt – Fé no carvoeiro e a ciência – 1852, Jacob Moleschott, A circulação da
vida – 1852, e Luis Büchner, Força e matéria. Costa, João Cruz. Contribuição à história das idéias
no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1967. p. 282.

76
Haeckel foi, ao mesmo tempo, uma teoria do conhecimento e uma filosofia. Uma
teoria fundada no paradigma biológico (lei da conservação da matéria e da energia e
lei da substância) na descoberta que o conhecimento da verdade, “fim de toda a
ciência, é um fenômeno natural fisiológico” adquirido a posteriori através da
experiência. É também uma filosofia no sentido de sistematizadora dos todos
conhecimentos obtidos a partir de estudos especializados. Uma espécie de rainha das
ciências. Ciência e filosofia compartilharam, portanto, os mesmos objetivos – a busca
da verdade, e métodos – experiência/especulação, análise/síntese, indução/dedução.
Filosofia e ciência também conservaram permanente combate a um só inimigo – o
dualismo expresso pela metafísica kanteana e os seus sub-produtos: conhecimentos a
priori, sentimento, fé e revelação. Por isso, a máxima continuamente repetida nas
obras de Haeckel: “toda ciência da natureza é filosofia e toda a filosofia verdadeira é
uma ciência natural.”

A segunda referência adotada no período, Herbert Spencer (1820-1903), também


partiu dos estudos da biologia, especificamente das investigações efetuadas por Wolf
e Von Baer sobre o desenvolvimento de embriões (animais e vegetais). Constatações
sobre a passagem da estrutura homogênea para a estrutura heterogênea (de sementes e
ovos) levaram Spencer a demonstrar que “a lei do desenvolvimento orgânico,
formulada pelos fisiólogos alemães, é a lei de todo o progresso.”186 A reestruturação
da biologia proporcionada pela demonstração dos princípios da descendência e da
seleção natural deram fôlego ao evolucionismo spenceriano assim como estimularam
Ernest Haeckel a propagar a chamada filosofia da natureza.187 Mas foi o empirista
inglês quem desenvolveu um modelo de análise mais apropriado à explicação dos
fenômenos sociais. Embora tenha sido empregada de forma dispersa, a teoria de
Spencer, sintetizada na idéia de um progresso determinado pelas funções orgânicas,
era bastante cara a alguns intelectuais sergipanos e, aparentemente, não contradizia o
monismo desenvolvido por Haeckel, já que do mesmo modo que ocorre na natureza
(nascimento do sistema solar, da terra) e no mundo orgânico o progresso verificava-se
também na sociedade (tribo/civilização, coletivismo/divisão social do trabalho), 188 na
linguagem (verbos e substantivos/variação de substantivos, tempos e modos verbais)
e na constituição da arte em geral (pintura/escultura-arquitetura, linguagem e
sons/música, poesia e dança).

Outra significativa referência teórica cultivada no período de fundação do IHGS,


também citada nos projetos iniciais para a instituição, foram as idéias de Friedrich
Ratzel, formuladas em torno da Antropogeografia. Essa obra constituiu a terceira

183
Teoria da descendência ou transformismo – Na Filosofia zoológica – 1806 “se encontrava explicada
pela primeira vez a formação natural de inumeráveis formas orgânicas, classificadas com o nome de
espécies. Lamarck concebia como determinada por duas funções fisiológicas: a adaptação e a
hereditariedade.” Haeckel, Ernest. As maravilhas da vida. Porto: Livraria Chardron; Rio de Janeiro:
Francisco Alves, [19--]. p. 349.
184
A teoria de Lamarck foi completada pela idéia de seleção natural proposta por Darwin em 1859.
185
Haeckel, E. apud. Cardoso, Fausto. Concepção monística do universo. Rio de Janeiro: Cia
Tipográfica do Brasil, [19--]. p. 1 e 73.
186
Spencer, Herbert. Do progresso: sua lei e sua causa. Lisboa: Editorial Inquérito, 1939. p. 52; Ver
também, do mesmo autor, Classificação das ciências. São Paulo: Cultura Moderna, [19--]. p. 93.
187
Haeckel, Ernest. Maravilhas... op. cit. p. 85.
188
Spencer, Herbert. Do progresso... op. cit. p. 28.

77
parte do plano ratzeliano para a Geografia (as demais eram a Geografia física e a
Biogeografia). Um empreendimento interdisciplinar, criador de uma teoria da
história (o progresso da humanidade vinculado à relação trabalho humano/fertilidade
do solo). A Antropogeografia mereceu maior atenção de Ratzel e foi também o
produto que lhe deu notoriedade. Publicada nos anos 1882 e 1891, elegeu as
influências das condições naturais sobre o homem como principal objeto. A este,
prioritariamente relativista, estava subordinado o estudo da distribuição das
sociedades sobre a terra e da formação de territórios. O método, centrado no modelo
das ciências naturais, entendia a geografia como ciência da observação e da indução.
Havia, portanto, entre a formulação do objeto e do estabelecimento do método um
complexo problema: a antropogeografia “visava realizar um projeto teórico
romântico” – a idéia de progresso, a interação homem/meio de Herder e Ritter, “com
um instrumental positivista” – a unicidade metodológica, o objetivismo comteano, o
evolucionismo de Lamarck e Darwin, o ecologismo de Haeckel.189

Além dos pressupostos de Haeckel, Spencer e Ratzel, as teorias sociológicas de


Tarde, Le Bom e Palante também fizeram eco no início da década de 1910. De
alcance um pouco mais restrito, ao que parece, circunscrevendo-se apenas às obras
publicadas pelo fundador do Instituto, Florentino Menezes, os estudos de G. Palante
prescreviam “leis de conservação social, unidade social, adaptação vital e
solidariedade social. Sua sociologia, entendida como psicologia social, preocupava-se
em “investigar como as inserções das consciências individuais intervinham na
formação e evolução da consciência social, e como inversamente esta consciência
social atuava nas individuais.”190

A despeito da relativa atualização com algumas teorias em voga na Europa, não foi
especificamente a discussão epistemológica sobre sociologia, biologia ou geografia
que predominou nos debates promovidos pelos intelectuais em Sergipe. As querelas
restritas ao campo científico propriamente ditas, como explicitado por Jackson da
Silva Lima, tematizaram principalmente a distinção entre ciência e filosofia e a
defesa do monismo haeckeliano (1909/1910). Os principais debates foram
proporcionados pelas disputas entre o Padre João de Matos Freire de Carvalho e o
bacharel Ávila Lima, entre este e o bacharel Ascendino Argolo. Um e outro
reviveram confrontos ocorridos na Europa entre partidários das explicações
naturalista e cristã sobre os grandes problemas da filosofia, agora da ciência. Aqui
como lá, estavam em jogo a metafísica x ciência experimental, origem x evolução,
Moisés x Haeckel. Não é tanto a ciência que é contestada mas a ciência de caráter
ateu. Tanto o é, que em uma dessas polêmicas, o Padre João de Matos utilizou-se das
afirmações do pensador Rousseau, do astrônomo Hervé Faie, do matemático Augusto
Cauchy, Corneille Racine, La Bruguére, Bossuet, Bourdalon, Fenelon, e Ampere.
Até mesmo a constituição majoritariamente católica da "Academia Francesa" foi
utilizada como argumento contrário ao naturalismo ateu.191 O ponto central dessas

189
Moraes, Antônio Carlos Robert de. (Org.). Ratzel: Geografia. São Paulo: Ática, 1990. p. 23.
190
Silva, Adriana Elias Magno da. Florentino Menezes: um sociólogo brasileiro esquecido. São Paulo,
1997. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. p.
64, 68.
191
Ver principalmente o artigo “Deus na Evolução” de João de Matos Freire de Carvalho em O Estado
de Sergipe nos dias 20, 22 e 26 de outubro de 1909. Para João de Matos os naturalistas não fundaram a

78
discussões (fé/ciência) somente seria modificado formalmente com o conflito teórico-
metodológico envolvendo a Pedagogia (1914) e a emergência da propaganda
socialista (1918).

Ainda assim, houve tentativas de desenvolver e estender as propostas cientificistas


aos domínios específicos não contemplados pelos mentores originais. Coube a Fausto
Cardoso estabelecer uma “ciência” do Direito em bases mecanicistas. Seu livro
Concepção monística do universo, além de anunciar estudos sobre o equilíbrio das
forças sociais (que constitui o Direito) a serem desenvolvidos em Cosmos do Direito
e da Moral, apresentou uma síntese das principais proposições haeckelianas. Esse
resumo didático serviu, inclusive, como iniciação à obra do alemão para alguns
intelectuais da terra. Ainda mais significativos foram os seus artigos da Revista
Brasileira, “na qual, traçando uma panorâmica da historiografia, criticou a visão
comtiana e afirmou suas esperanças na História como ciência. Acreditava que o
progresso e a conquista da liberdade eram metas da História e via na luta de classes
um componente necessário do processo histórico.”192 Partindo do monismo, Fausto
Cardoso chegou a cunhar uma “lei” cujo enunciado prescreve que “a história de cada
sociedade, seja qual for a sua posição na escala histórica em geral, é uma
recapitulação em miniatura, abreviada, das fases anteriores da história universal.”193

Outra tentativa de aplicação do materialismo de forma um tanto difusa foi posta em


prática por Prado Sampaio. Melhor mesmo fez Florentino Menezes que, através da
crítica à sociologia clássica, "procurou elaborar um modelo de sociedade para o
futuro baseado no grau de evolução social. Mesclando ideais socialistas a conceitos
positivistas e evolucionistas, imaginou uma pretensa sociedade futurista, talvez uma
Florentinópolis."194

Apesar do predomínio dos bacharéis em Direito em Sergipe, os médicos foram os


primeiros a demarcarem espaço institucional através da fundação da Revista médica
de Sergipe. O periódico representava a “classe” dos médicos, dentistas e
farmacêuticos e o seu organizador, Helvécio de Andrade, estava plenamente
consciente da principal função do veículo: “é pela fundação de revistas que se elevam
as classes científicas”. A afirmação da medicina como “ciência da vida” como
“ciência de experiências custosas e de observação meticulosa... ciência ao mesmo

ciência. A “ciência não pára e nem encalha na nebulosa: voa além, passa o infinito, pouza no Eterno e
de lá exclama com os sábios pela vocação do ilustre naturalista sueco Lineu.” Estado de Sergipe,
Aracaju, 20 out. 1909.
192
Oliva, T. A. Impasses... p. 118.
193
Cardoso, Fausto. Taxinomia social: ensaios. Rio de Janeiro: Moraes, 1898. p. 70, apud Oliva, T. A.
Impasses... p. 118.
194
Silva, Adriana Elias Magno. Florentino Menezes: um sociólogo brasileiro esquecido... p. 65. É
importante assinalar que o materialismo haekeliano já vinha sendo propagandeado desde a última
década do XIX como narra Francisco Alves a respeito de Felisbelo Freire: "...ao diplomar-se em
medicina em 1882, ruma para Laranjeiras e lá se forma um divulgador entusiasta do evolucionismo e
do republicanismo, fundando jornais e realizando conferências. Naquela cidade, formou um grupo de
intelectuais pautado pela adesão às novas idéias.". Alves, Francisco José. Introdução ao pensamento
histórico de Felisbelo Freire. São Cristóvão, 1993. p. 5 (mimeo). Ver também do mesmo autor: A
divulgação do evolucionismo no Brasil: aspectos do pensamento de Felisbelo Freire. Cadernos UFS -
História, São Cristóvão, v. 1, n. 3, p. 49-59.

79
tempo do físico e do moral”,195 demonstram os subprodutos do credo cientificista: a
demarcação do ofício (a especialização do conhecimento) e a disputa pela cura da
sociedade,196 para os médicos, especialmente, entendida como um organismo. Os
médicos, farmacêuticos e dentistas ainda contavam um fator à frente dos bacharéis: a
natureza do seu trabalho fornecia uma das poucas possibilidades de aplicação, por
excelência, dos supostos pregados pelo cientificismo, a única atividade que permitia a
prática de pesquisa em laboratório.

Seja entre os bacharéis em direito e medicina, militares, engenheiros ou autodidatas, a


idéia de ciência em voga no período de fundação do grêmio foi majoritariamente
“moderna” e positiva. Uma ciência de caráter utilitário, centrada nos métodos
hipotético-dedutivo e hipotético-indutivo, desenvolvida através da experiência e da
observação. A idéia do conseqüente sempre melhor que o antecedente, submetida à
noção de percurso contínuo, ambas sintetizadas nas expressões “evolução” e
“progresso” e a crença na perfeita representação do real e na objetividade explicitam
a “modernidade” presente nos “cientistas” do Instituto.

Em relação à ciência histórica, pretendia-se, com a emergência do evolucionismo, que


ela ganhasse uma nova dimensão197 pois só seria possível “conhecer” qualquer que
fosse o objeto em questão, através da transição do antes e depois, do antigo e o
moderno. Apesar dessa importância, limitada pelas dificuldades de operacionalização
do método naturalista, a historiografia continuou sendo produto de uma “quase
ciência” ou de uma ciência “que se faz” na opinião de dois importantes referenciais
teóricos do período (Fausto Cardoso e Silvio Romero). É interessante, agora,
freqüentar o interior do IHGS, verificar a sua estrutura administrativa, examinar suas
práticas acadêmicas e conhecer como e se foram efetivados os tais pressupostos
cientificistas em sua experiência institucional.

195
Revista médica de Sergipe, Aracaju, v. 1, p. 3-4, maio, 1911. Além de Helvecio de Andrade,
diplomado na Bahia, compunham a equipe de redação desse periódico o médico Augusto Leite, o
farmacêutico Francisco Travassos, formado em medicina e odontologia pelo Rio de Janeiro e Ouro
Preto, respectivamente e o dentista Magalhães Carneiro, formado pela Faculdade de Medicina da
Bahia.
196
"A sociedade civil, tal qual é hoje, difere muito em seus elementos predominantes, em suas
tendências e aspirações, e em seus processos de aperfeiçoamento, daquela que encerrou o seu ciclo
evolutivo com a mudança das instituições políticas do nosso país”. Andrade, Helvecio. Revista médica
de Sergipe, Aracaju, n. 1, p. 3, maio, 1911.
197
Em Tobias Barreto, estimulado pela idéia de evolução, a historiografia já cumpria papel
fundamental. O Mestre “assumia o postulado de que só há ciência do que é passageiro. A ciência não
tem, por assim dizer, objetos perenes. O homem, a natureza, o universo, tudo enfim que pode ser
conhecido pela ciência somente pode ser compreendido na visão do nosso autor como fenômeno em
transição permanente, continuamente, passando de uma condição a outra condição.” Nascimento, Jorge
Carvalho. A cultura ocultada ou a influência alemã na cultura brasileira durante a Segunda metadedo
século XIX. Londrina: UEL, 1999. p.174.

80
Estrutura e funcionamento do Instituto

A idéia de fundação do Instituto partiu do acadêmico de medicina Florentino


Menezes que providenciou o convite aos intelectuais e o espaço para a reunião, o
salão do pavimento superior do Tribunal da Relação onde funcionava o Clube
Esperanto. Florentino também indicou o primeiro presidente da instituição, o
desembargador João da Silva Melo orientado, provavelmente, pelo seu auxiliar e/ou
tutor imediato na efetivação do projeto, o também desembargador Manoel Caldas
Barreto Neto. Da mesma forma, o acadêmico compôs a comissão organizadora dos
estatutos da qual participaram Barreto Neto e o então professor de História universal
do Atheneu Sergipense, Alfredo Cabral.198

O modelo do IHGS não diferiu em muitos traços do instituído pelas agremiações


congêneres. Isso pode ser observado pelo que foi estabelecido como finalidades da
casa nos estatutos de 1912. Em primeiro lugar, uma preocupação heurística:
“verificar, coligir, arquivar e publicar”. Depois, a tarefa de construir narrativas
pedagógicas, biografias de nacionais e estrangeiros destacados pelos serviços
prestados a Sergipe. O intercâmbio com academias e sociedades literárias e
científicas, uma tarefa inerente à qualquer instituição que preze pela atualização dos
seus trabalhos, e a publicação de uma revista instituidora de uma linguagem científica
foram a terceira e quarta finalidades. Por fim instrumentalização das atividades dos
intelectuais através da organização de um museu e uma biblioteca, beneficiando,
assim, a instituição e a sociedade como um todo.

Na verdade, não foi o modelo em si, mas a sua execução que marcou diferenças entre
os Institutos. As diferenças entre o “dito” e o “feito” apontaram o conflito entre os
vários projetos em jogo. Cito, por hora, apenas um exemplo: um dos objetos do
conhecimento sobre o qual deveria atuar a heurística eram os indígenas. Ao lado das
efemérides, distribuição geográfica, “curiosidades arqueológicas” e o folclore, a
etnografia e as línguas indígenas seriam objetos de interesse imediato do Instituto. Os
“usos e costumes” dos indígenas, também objetos de arte e arqueologia estavam
inseridos como monumentos representativos da história de Sergipe e dignos de
pertencerem ao museu a ser criado.199 Entretanto, por um erro tipográfico, talvez, o
198
O dinamismo de Florentino Menezes não implica em um total desapego às questões acadêmicas
entre os intelectuais locais, mormente relativas à história e geografia. O próprio fundador afirmara em
seu discurso inicial que era comum o reconhecimento do mérito intelectual de vários sergipanos por
academias de outros Estados e países. Além disso, o constante fluxo dos políticos e artistas locais entre
o Distrito Federal e Aracaju estreitava as relações entre instituições como o IHGB e a ABL. Antes da
Fundação da "casa de Sergipe" Felisbelo Feire foi reconhecido pelo IHGB (1888) e Silvio Romero e
João Ribeiro, da mesma forma, pela Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro (1911). O próprio
sócio-fundador Armindo Guaraná já havia publicado o seu "Catálogo de Jornais" na Revista do IHGB
em 1908. Uma evidência de que as relações com o IHGB são anteriores à fundação do IHGS está na
escolha de Guaraná e do Desembargador Evangelino Faro (também futuro sócio-fundador da casa)
como membros da Comissão preparatório do 1º Congresso de História Nacional presidido por Ramiz
Galvão. Ver Alves, Francisco José. A marcha da civilização... p. 77; Nunes, V. M. N., Freitas, I. e
Cruz, G. Z. Q. Catálogo do acervo documental Museu da Casa de Cultura de João Ribeiro.
Laranjeiras: Prefeitura Municipal de Laranjeiras, 1999; Ata da terceira sessão preparatória da
Comissão executiva do 1º Congresso de história Nacional - 27/06/1913. Revista do IHGB, Rio de
Janeiro, primeira parte do tomo especial p. 7.
199
Estatutos do IHGS. Revista do IHGS, Aracaju, v. 1, n. 1, p. 13-15, 1913.

81
segundo número da Revista do IHGS omitiu a etnografia e as línguas indígenas do
capítulo primeiro do Estatuto. O número três do mesmo periódico, além de manter o
erro anterior, exclui a cultura indígena do futuro museu e ambos, as fontes sobre os
índios e os registros tornados monumentos, deixam de configurar (juntamente com as
curiosidades arqueológicas, etnografia e o folclore) objeto e objetivo do IHGS após a
reforma estatutária de 1917.

Os novos estatutos (1917) são mais sintéticos e menos descritivos quanto aos
objetivos. Transformaram em atividade-meio a organização de museu e biblioteca e a
publicação de uma revista. A nova casa estabeleceu-se, estatutariamente, numa
agência de civismo integrada ao processo desenvolvimentista dominante na sociedade
da época. Com essa plasticidade, o Instituto parecia estar distanciando-se de uma
espécie de saber erudito (recolher, organizar, publicar) “desinteressado” próximo das
sociedades científicas dos séculos XVIII e XIX. O IHGS afastava-se um pouco mais
do papel atribuído à “Sessão de Arquivo” da Biblioteca Provincial – a guarda de
originais ou cópias de mapas e relações estatísticas, notícia de descobertas de
produtos da história natural, mineralogia, e botânica” – mas não perdia o interesse
pelo “aumento e progresso da agricultura, comércio, indústria, navegação ciência e
artes”, estabelecidas para a mesma instituição do século passado.200 Os novos fins
projetavam uma instituição mais “ecumênica” (quanto aos estatutos disciplinares),
cumprindo a função efetiva de instrumento de progresso e civilização da pátria local,
atribuição que permanece nos estatutos até a década de 1990. Em suma, ao IHGS, em
1917 cabe “promover o estudo, animar o desenvolvimento intelectual e cívico do
povo sergipano, o conhecimento da geografia e da história em todos os seus ramos e
aplicações à vida social, política e econômica do país, especializando seus trabalhos
concernentes ao Estado de Sergipe.”201

As mudanças estatutárias não implicaram, todavia, em transformações significativas


no quadro social, na estrutura administrativa e nas práticas acadêmicas do IHGS. É
certo que em relação à forma de recrutamento dos futuros sócios efetivos, os que
possuíam o direito de voto e de exercerem cargos, aumentou a exigência de uma para
cinco assinaturas dos já associados. O Instituto tornou-se então mais seletivo.
Entretanto, além da maioridade de vinte e um anos e dos “títulos de recomendação
social” exigidos, os trabalhos científicos ou literários não eram condição necessária
para a admissão. A diferença entre produtores literários e não-literários poderia,
talvez, ser firmada pela existência da categoria de sócio honorário, somente acessível
às “pessoas de saber e distinta representação ou” que já tivessem publicado alguma
obra biográfica ou erudita (transcrições, inventários) de memórias ou crônicas. Para
tanto, não importava a procedência. Nos três anos iniciais da instituição foram
contemplados como sócios honorários vários intelectuais residentes em Montevidéo,
Bogotá, Costa Rica, Panamá, Arequipa e Cuzco (Peru), Buenos Aires, Oruro
(Bolívia), Santiago e La Paz. Entre os brasileiros agraciados, podem ser identificados
muitos intelectuais influentes nos estudos da história, geografia e direito, como:
Conde Afonso Celso, Barão Homem de Melo, José Artur Boiteux, Teodoro Sampaio,

200
Sobre a sessão de Arquivo da Biblioteca Provincial ver a Lei 233 sancionada pelo presidente da
Província em 16 de junho de 1848.
201
Estatutos do IHGS. Revista do IHGS, Aracaju, n. 7, p. 125, 1917.

82
Clóvis Beviláqua, Liberato Bitencourt, Manoel Bonfim e Olavo Bilac.202 Em 1917 o
título de sócio honorário ficou ainda mais restrito, sendo pré-requisito a assinatura de
pelo menos vinte sócios efetivos, mas a brecha do "ou" ainda permanecia aberta
tornando a honraria um valorizado ato da política. Assim, com essa relativa
flexibilidade no critério para a admissão, predominou, tanto entre os sócios
fundadores quanto entre sócios efetivos, a presença dos bacharéis (49%)203 e de
grandes negociantes chamados à época de coronéis (19%). Esses eram seguidos de
perto pelos militares de alta patente (15%), os que provavelmente possuíam o
magistério como atividade única (5%) e os sacerdotes católicos (5%).204

A presença dos negociantes no quadro social denuncia o grande poder simbólico


exercido pela instituição. Fazer parte da única academia científica do período era
sinal de prestígio. Um título do Instituto enobrecia o currículo dos que desejavam
destacar-se ou manter o status quo. Era uma espécie de certificado de refinamento
intelectual. Os mais influentes “capitalistas” foram sócios efetivos no período
1912/1930, a exemplo dos coronéis José Correia Paes, Gentil Tavares da Mota e
Francino de Andrade Melo. Os dois últimos foram proprietários dos jornais Diário da
Manhã. e O Imparcial, respectivamente. Francino Melo, um dos homens mais ricos
do Estado,205 esteve envolvido, inclusive, com a efetivação das obras de saneamento
da capital206, foi um dos responsáveis pelas reformas na Biblioteca Pública em
1914207, além de investir na implantação do sistema de transportes através de bondes.
Também fizeram parte dos primeiros quadros sociais do IHGS os negociantes
influentes no comércio da capital, diretores da Associação Comercial de Sergipe
(1910, 1911 e anos subsequentes): o bacharel Manuel Thomaz Gomes da Silva e os
coronéis José da Silva Ribeiro, Terêncio de Oliveira Sampaio, Jacundino Vicente de
Souza Filho e Sabino Ribeiro.208

Esse prestígio advinha também do fato de a instituição ter se transformado em reduto


de magistrados. Fizeram parte dela, como sócios fundadores, os desembargadores
Álvaro Teles de Menezes, Antônio Teixeira Fontes, João da Silva Melo, João
Maynard e os Juizes Alexandre Lobão, Joaquim do Prado Sampaio Leite e Francisco
Carneiro Nobre de Lacerda. Os demais, excetuando-se Zacarias Correia Paes e Pedro
Sotero Machado, militavam como bacharéis. A repetição de nomes sugere também no
Instituto, como no movimento econômico e fundiário,209 o intenso inter-
relacionamento familiar. As famílias Teles de Menezes (Manoel, Álvaro e Florentino)
e Correia Paes (Alcebíades, José e Zacarias) como fundadores do Instituto são um
exemplo claro dessa característica no Estado.

202
Mais de 50% dos sócios honorários registrados em 1915 eram compostos por sergipanos.
203
Incluindo-se os desembargadores (6%).
204
Não há informações sobre a formação de 7% dos sócios desse período. Revista do IHGS, Aracaju,
n. 1, v. 1, 1913. p. 51-55. É importante salientar que não havia impedimento estatutário à participação
de mulheres mas até 1915 apenas Ítala Silva de Oliveira e Leonor Teles de Menezes freqüentam a lista
de sócios efetivos do IHGS.
205
Tôrres, Acrísio. Crimes... p. 66.
206
Rocha, Antônio de Oliveira. Aracaju... p. 25.
207
Correio de Aracaju, 16 jul. 1914. p. 2.
208
Ver Santos, Maria Nely. Associação Comercial de Sergipe: uma instituição centenária – 1872/1993.
Aracaju: Associação Comercial de Sergipe, 1996. p. 70-73.
209
Dantas, Ibarê. O Tenentismo... p. 45.

83
A essa categoria, sócios fundadores, pertenceram vinte dois ou vinte e quatro homens,
os que supostamente teriam participado da primeira reunião no salão do Tribunal da
Relação. As controvérsias sobre o número, bem como sobre os participantes da lista
oferecem indícios de uma troca de sócios após lavrada a ata de fundação. Os nomes
de Alexandre Lobão e Gentil Tavares210 foram deliberadamente omitidos em
detrimento de Francino de Andrade Melo e do professor de Geografia Geral e de
Corografia do Brasil do Atheneu (1912) o também médico José Moreira de
Magalhães. Essa prestigiosa categoria, de participação tão disputada, foi extinta com
as reformas de 1917, mesmo antes do desaparecimento físico dos seus ocupantes.211

Além de fundador, efetivo ou honorário, havia a possibilidade de participar do


Instituto como sócio correspondente ou benemérito. O último era reservado aos que
prestassem “relevantíssimos serviços ao Instituto ou” que a este fizessem donativos
“de importância nunca superior a dois contos de réis.”212 À categoria de
correspondentes passariam todos os efetivos que mudassem o domicílio para outro
Estado ou país.213 E esse quadro era composto em sua maioria por sergipanos
emigrados temporariamente: parlamentares, funcionários públicos, acadêmicos,
professores, militares e comerciantes residentes no Rio de Janeiro. Dos colaboradores
não sergipanos há notas sobre as filiações, entre outros, do pensador Almachio Diniz
(BA), do historiador Braz do Hermenegildo do Amaral (BA), e do coronel Delmiro
Gouvea (AL). Em agosto de 1916, período de plena ascensão das suas atividades o
então presidente do IHGS, Caldas Barreto Neto, anunciava que o Instituto possuía
sócios "em todos os países da América do Sul, em alguns da América Central e do
Norte, e em muitos da Europa."214

As rotinas administrativas do Instituto sofreram algumas alterações com as mudanças


do estatuto de 1917. Em termos gerais, a diretoria, particularmente o presidente,
acumulou mais poderes com o alongamento do mandato (de um para dois anos) e o
fim do artigo que prescrevia a tomada de decisões somente através de maioria
absoluta de voto sobre os membros presentes.215 Por essa nova ordenação, o IHGS foi
regido todo o período através de uma diretoria, com funções eminentemente
administrativas e representativas, e por seis comissões permanentes: Fazenda e
orçamento, História, Geografia, Autógrafos e Redação da Revista.

210
Gentil Tavares da Motta tinha apenas 20 anos quando participou dessa reunião. Provavelmente não
havia ainda ingressado na Escola Politécnica da Bahia onde formou-se em 1917. Ver Guaraná, A.
Dicionário... p. 104.
211
Florentino Menezes voltou a discursar no IHGS em 31/07/1917, cinco anos depois da fundação,
para protestar contra a omissão dos sócios fundadores no estatuto reformado (1917). Alexandre Lobão
e Gentil Tavares também protestaram contra a exclusão de suas assinaturas na Ata de Fundação do
IHGS e na lista dos sócios fundadores. De acordo com a Assembléia ficou decidido que os reclamantes
poderiam assinar a respectiva ata. Em 1920, seus nomes são incluídos na lista de sócios fundadores
publicada no n. 9 da Revista.
212
Estatutos de 1917.
213
Para ser sócio correspondente bastava apenas a indicação de um sócio efetivo para que a proposta
fosse encaminhada.
214
Barreto Neto, Manuel Caldas. Relatório dos trabalhos e ocorrências do período social de 1915 a
1916. Revista do IHGS, Aracaju, v. 4, n. 8, p. 279, 1919.
215
Artigo 10º do Estatuto de 1912.

84
O presidente efetivamente liderava a diretoria. Longe de ser apenas um cargo
decorativo, o seu ocupante nomeava sócios e/ou comissões para representar o
Instituto em congressos científicos, sugeria matérias para a discussão e organizava a
pauta dos trabalhos. Figurativo era o cargo de Presidente honorário do Instituto,
pertencente ao presidente do Estado. Ao secretário geral, entre outras atribuições,
cabia a direção, fiscalização e execução dos serviços de catalogação e inventário da
biblioteca, arquivo e museu. Desses dois últimos encarregava-se diretamente o
segundo secretário. Compunham ainda a diretoria um tesoureiro e o orador,
responsável pelos discursos de recepção dos novos sócios, da condução das sessões
aniversárias e pelo elogio dos sócios falecidos. Outros cargos, como o de
bibliotecário, completavam o quadro administrativo do Instituto. Para este não havia
eleição. Um funcionário remunerado encarregava-se dos trabalhos com a
biblioteca.216

As comissões permanentes mantinham relações diferenciadas com a diretoria.


Daquelas não poderia participar nenhum membro eleito para esta última. As
comissões de fazenda e orçamento, por exemplo, exerciam papel fiscalizador em
relação ao balancete da receita e despesa da tesouraria. As comissões de História,
Geografia e Autógrafos eram pareceristas a respeito do material remetido pela
diretoria (manuscritos e publicações). A comissão de Admissão de sócios, da mesma
forma, era responsável pelos pareceres sobre as propostas de entrada de sócios. Cabia
aos membros dessa comissão a pesquisa sobre a “individualidade do candidato, de
suas condições de idoneidade e conveniência de sua aceitação”, embora, nas atas do
período não haja indícios da recusa de alguma proposta analisada. Quanto à comissão
de Redação da Revista, esta possuía poder deliberativo sobre a recolha de trabalhos
com vistas à publicação no periódico oficial da casa. Os membros de todas as
comissões permanentes eram eleitos por voto secreto dos sócios domiciliados no
Estado juntamente com os da diretoria geralmente uma semana antes do aniversário
do Instituto, seis de agosto. Em caso de vacância, o presidente tinha o poder de
nomear o substituto.

O funcionamento do Instituto era financiado em parte pelos próprios sócios através


das várias modalidades de taxas estabelecidas nos estatutos. Do sócio efetivo, a jóia
cobrada no ato de admissão, rendia 10$000, a expedição do diploma – 5$000, e a
anuidade 12$000. Cada sócio correspondente contribuía com 25$000 de jóia e o sócio
benemérito, a partir de dois contos de réis. Além da contribuição social o Instituto
usufruía do privilégio de ser reconhecido como de utilidade pública desde
09/09/1915, o que lhe valia uma subvenção estadual “nunca inferior” a 1:200$000.217
O IHGS foi a primeira instituição científico-literária privada de que se tem notícia a
ser auxiliada, declarada e oficialmente, pelo Estado. Foi o único beneficiado entre os
216
O cargo de bibliotecário foi criado em 6/01/1918. Foi ocupado entre outros por Aloísio de Costa
Barros (1918). Talvez se trate do mesmo Álvaro da Costa Barros que pediu demissão em 1927. Ver
Atas no IHGS de 06/1/1918 e 06/10/1927
217
Pelo menos em um exercício o aumento dessa verba (1:200$000 dos 2:400$000) foi destinado a
“angariar documentos relativos a Sergipe, notadamente de seus limites, dentro e fora do país.” Coleção
de Leis e Decretos de 1919. Aracaju: Imprensa Oficial, 1920. p. 47. Em outra ocasião, não se sabe
ainda o beneficiado, foi autorizada a abertura de crédito de 3:000$000 para “a aquisição de
documentos relativos à história de Sergipe, sobretudo, de seus limites.” Coleção de Leis e Decretos de
1917. Aracaju: Imprensa Oficial, 1918. p. 33.

85
anos 1917 e 1920. Mas se tomadas como base as diversas leis de fixação de despesas,
subvencionando entidades congêneres, verificar-se-á que os valores estipulados para
o IHGS variaram de 20 a 40% anuais, sendo restante do orçamento reservado para
cinco outras instituições. No conjunto dos valores, no período 1921/1930, se
considerada como efetivamente cumprida a lei, o rateio seria o seguinte: IHGS –
33%; Liga Sergipense contra o Analfabetismo – 22%; Centro Sergipano (RJ) – 21%;
Centro Operário – 15%; Gabinete de Leitura de Maruim – 6% e Clube Literário
Silvio Romero – 2%. Essas taxas podem indicar o IHGS como um grande
privilegiado, mas é importante esclarecer que todas as subvenções juntas (de todas as
entidades beneficiadas) até 1930 pouco ultrapassavam à metade da verba liberada
para o custeio da Biblioteca Pública no mesmo período. E note-se que a verba da
Biblioteca nunca ultrapassou os 4% dos gastos com a Instrução Pública no Estado no
período 1917/1929.

Havia, no entanto, outros modos de financiar a instituição que não somente através do
auxílio em dinheiro. A mesma lei estadual que estabelecia subvenção também
garantia a impressão da Revista Trimensal do Instituto por meio da Tipografia
Oficial. E mais ainda, dotava a instituição de “um prédio apropriado para o seu
funcionamento”. A lei também previa que, enquanto não se providenciasse a compra
do prédio, o Instituto funcionaria em edifício designado pelo Governo. No final dos
anos vinte, os próprios membros seguiram em caravanas pelos vários municípios do
Estado em busca de donativos para a construção da sede218 e parecem ter conseguido
apoio em Laranjeiras, Maroim, Estância, Riachuelo. As Atas do Instituto indicam a
que houve tentativas de angariar recursos financeiros e até um terreno para a
construção da sede junto ao Governo Federal e a Intendência de Aracaju.219 Outro
tipo de doação, livros e objetos diversos, esses bem mais freqüentes, era provido
pelos próprios sócios e simpatizantes para a constituição do arquivo, museu e
biblioteca da instituição.

218
Ver Atas do IHGS referentes a 06/01/ e 06/06/1928.
219
Ver Atas do IHGS referentes a 16/11/1926, 06/01/1928 e 30/07/1931.

86
Algumas práticas acadêmicas

As práticas acadêmicas efetivam-se nas sessões realizadas. Ao longo dos 18 anos


estudados, ocorreram aproximadamente 270 reuniões e a distribuição anual desses
encontros foi um importante indicador do fluxo e refluxo das atividades do grêmio.

A freqüência com que os sócios se reuniam pode ser representada por um linha que
inicia a ascendência em 1912 apontando momentos de intensa atividade em 1915 e
1916 decaindo lentamente até o seu ponto mais crítico em 1924, quando foram
registradas apenas seis sessões. Os sintomas de "decadência" foram denunciados por
Moreira Guimarães que do Rio de Janeiro felicitava o Almirante Amintas Jorge por
ter assumido a direção da casa: "tem almirante no leme, e almirante de verdade. De
maneira que Sergipe há de ver o seu Instituto à altura que lhe cabe."220 Mas não era
somente um problema de direção administrativa. O próprio Prado Sampaio, entusiasta
da candidatura de Amintas Jorge, depositava no caráter sergipano, "refratário ao
espírito de associação" os motivos do arrefecimento dos trabalhos da instituição. "O
favor público", justificava Sampaio, "quasi só tem brilhado pela ausencia. É de ver
quão pequena tem sido a comparência pública às suas sessões, realizadas em
homenagem a datas nacionaes ou do Estado."221 O certo é que após esse período e
com a administração liderada pelo Almirante Amintas Jorge, o número de sessões
voltou a crescer. Em 1925, o IHGS marcou sua fase mais intensa, chegando a
promover 27 reuniões, mas logo voltou a decair progressivamente até 1930 quando
reuniram-se apenas em quatro ocasiões.

Partindo do conteúdo das Atas da Instituição pode-se conjeturar que as sessões do


IHGS deveriam ocupar um tempo variável entre uma e até três horas.
Estatutariamente (1917) as reuniões deveriam ser mensais, mas foram comuns as
sessões da diretoria duas ou mais vezes em um mesmo mês. Entre 1912 e 1915, foi
costume reunir-se às 13 horas - algumas vezes ainda pela manhã (9 ou 12 horas). A
partir dessa data, talvez pela instalação dos serviços de luz elétrica na cidade, as
reuniões passaram a ocorrer à noite às 18, 19 ou no máximo 20 horas. As
conferências propriamente ditas não ultrapassavam os 80 minutos.

Os locais de encontro também variaram nesse período. Mas as práticas em espaços


internos dominaram o cotidiano da entidade. Raros foram os momentos de exposição
externa, descontando-se aqui as inaugurações de prédios públicos e levantamento de
estátuas. Em geral, as reuniões do grêmio eram sediadas nos salões cedidos pelos
próprios filiados. Assim, de 1912 a [1917] o Instituto ocupou o salão nobre do
Tribunal da Relação (hoje, Arquivo do Poder Judiciário), de 1918 a 1922 em edifício
provisório, alugado pelo Governo do Estado na Praça Fausto Cardoso (rua Maruim),
de 1923 até a inauguração da sede própria em 1939, entre a sede na rua Maruim, a
praça Coronel José do Faro e prédio da Biblioteca Pública.222

220
Guimarães, Moreira. Carta remetida à Amintas Jorge. Rio de Janeiro, 11, maio 1925. Publicada na
Revista do IHGS, Aracaju, n. 10, p. 13-14, 1925.
221
[Sampaio, Prado]. Advertência prévia. Revista do IHGS, Aracaju, v. 6, n. 10, p. 7. 1925.
222
"Quando entramos para a Diretoria do Instituto [1926], estava o sodalício sem casa, a despeito dos
seus 14 anos devida e de existir uma lei estadual autorizando o Governo do Estado a dotá-lo de um

87
Uma das poucas informações que pode ser gerada sobre o público dessas reuniões
está nos jornais. Quando comentada a afluência das pessoas aos eventos do grêmio,
havia uma preocupação clássica dos redatores em indicar a presença de pessoas de
"todas as classes sociais", um clichê certamente. Citado nominalmente, esse público
restringe-se aos representantes máximos dos poderes políticos em voga: o presidente
do Estado, o bispo, o intendente, o delegado e ainda, dependendo do regime político
da ocasião, o interventor, o chefe do estado de sítio, o comandante da representação
local do Exército. Mas algumas atas, principalmente as das sessões comemorativas,
indicaram também a presença constante de um outro tipo de público. Voluntária ou
por compulsoriamente, não se sabe ao certo. Mas um publico fiel a esse tipo de
evento era formado por estudantes da Escola Normal, do Colégio Tobias Barreto, da
Liga Sergipense contra o Analfabetismo e de Grupos escolares, instituições com
localização relativamente próximas ao IHGS. Os alunos eram trazidos pelos mestres
que também eram sócios do Instituto. A presença desses estudantes nas sessões
comemorativas era anunciada; principalmente, quando o tema em foco versava sobre
datas maiores do Estado de Sergipe: o 14 de Julho e o 24 de Outubro. O evento que
comemorou 14 de julho de 1913 dá uma amostra bastante representativa do perfil de
assistentes desse tipo de sessão e da forma hierárquica vigente na sociedade do
período. Além dos sócios que ao IHGS compareceram, foram citados em ata os
representantes do Presidente da república, do Presidente do Senado Federal,
Deputados federais, militares de alta patente, e os representante dos periódicos locais.
Em síntese, governo, igreja, escola, e imprensa são o público genérico das sessões
comemorativas tanto ordinárias quanto extraordinárias do IHGS.

Estatutariamente, vários tipos de sessão foram registrados. Nos primeiros anos as


reuniões foram classificadas como ordinárias, extraordinárias e solenes223. Essas
últimas aconteciam uma vez por ano, no dia 6 de agosto, e tinham a função de
comemorar o aniversário do Instituto. Nessa mesma sessão, previam os estatutos de
1912 que seriam realizado, o elogio aos mortos durante o ano administrativo que
findava, a exposição do relatório de atividades, e a listagem das obras ofertadas ao
Instituto e, por fim, a posse da diretoria eleita. As sessões ordinárias eram realizadas
no dia 6 de cada mês. Para que uma reunião ordinária fosse iniciada, bastava apenas
a presença do presidente, 1º e 2º secretários e alguns sócios completando corum
mínimo de oito. Com as reformas estatutárias de 1917 foram também prescritas as
sessões de assembléia geral, aniversárias e as de “comemoração de qualquer
acontecimento notável”.224 Apesar dessa modificação, o que se pôde perceber na
prática da Instituição foi o predomínio das três primeiras: as sessões de aniversário do
IHGS, as sessões ordinárias e extraordinárias.

As reuniões mais numerosas, as ordinárias e extraordinárias, funcionaram em acordo


com o estabelecido nos Estatutos de 1917. Serviram para tratar “exclusivamente os

prédio apropriado para o seu funcionamento (...) O pequeno acervo do Instituto fôra atirado a um
recanto soturno da Biblioteca Pública do Estado, cujo edifício já era considerado insuficiente para
guardar com segurança e bôa ordem o imenso cabedal bibliográfico, que sob nossa direção, já tinha
adquirido a mesma Biblioteca. "Dória, Epifânio. Nosso atrazo. Revista do IHGS... v. 16, n. 21, p. 3-4,
1954.
223
Ver capítulo VII dos Estatutos do IHGS aprovados em 27 de agosto de 1912.
224
Capítulo V dos Estatutos do IHGS, aprovados em 26 de fevereiro de [1917].

88
negócios literários ou científicos do Instituto, discutindo-se e votando-se os pareceres
das comissões.”225 Através do exame dos seus conteúdos, expressos nas atas do
Instituto, pude extrair um protocolo de funcionamento onde cada sessão seguia mais
ou menos essa ordem: 1ª parte – fala do presidente anunciando os motivos da reunião;
leitura da correspondência recebida; leitura da listagem de publicações, iconografia e
peças tridimencionais doadas à Instituição; 2ª parte – votação de pareceres das
Comissões; apresentação de propostas para novos sócios. Para as reuniões
extraordinárias era mantida a seqüência da primeira parte enquanto a última,
reservada aos discursos: discursos de posse de um novo sócio, de recepção a um
visitante “ilustre” – geralmente um militar, um político, um intelectual; ou uma
conferência alusiva à data comemorativa.

Verticalizando um pouco mais o estudo dessas práticas, pude extrair, através dos
trabalhos desenvolvidos na segunda parte das reuniões, algumas das principais
rotinas/produtos da Instituição: a formação de comissões, os discursos, e as
conferências. O trabalho nas Comissões Permanentes já foi tratado em tópico
anterior. Mas são as comissões não estatutárias, formadas a partir das demandas
ordinárias da Instituição que ofereceram os indícios mais representativos acerca do
trabalho coletivo na “casa da sciência”. Essas comissões, quase 50 ao todo, possuíam
vida efêmera e originaram-se dos mais diversos motivos diluídos ao longo dos 18
anos em estudo. Desde a necessidade de produção de textos para a história de
Sergipe até a recepção de uma autoridade política na estação ferroviária da Capital,
tudo eram razões para a formação de uma comissão.

Entre as funções mais recorrentes desses grupos temporários de trabalho estavam as


tarefas de representação da entidade. Assim, o IHGS esteve presente tanto na
inauguração de edificações públicas – início da construção do Asilo Rio Branco
(1913), na inauguração do Prédio da Biblioteca Pública (1914), quanto na posse dos
Presidentes do Estado, nas homenagens pós morte prestadas a dirigentes políticos e
intelectuais. O Instituto também elegeu comissão para representá-lo na comemoração
dos 50 anos do Gabinete de Leitura de Maruim (1927) e na posse da diretoria da
Academia Sergipana de Letras. Da mesma forma, e com empenho semelhante,
participou de homenagens promovidas pelo Estado, freqüentou funerais, transmitiu
pêsames, visitou sócios doentes, recebeu e acompanhou visitantes ou nativos recém-
chegados a Aracaju. Entre os que receberam “os votos de feliz e boa viagem”
estavam os Presidentes eleitos do Estado – Pereira Lobo (1918), Gracho Cardoso
(1922), o Governador da Bahia, J. J. Seabra (1913), os historiadores Braz do Amaral
(1914), Rocha Pombo (1917), Ivo do Prado (1917), os presidentes do próprio Instituto
– Caldas Barreto (1920) e Nobre de Lacerda (1931), e o Monsenhor Adalberto
Sobral.

O trabalho das comissões também incluía a arrecadação de fundos para o


financiamento de homenagens e, ainda, a preparação de eventos comemorativos
locais ou a representação local de eventos científicos nacionais como o XX

225
Ibid.

89
Congresso Internacional de Americanistas (1919) ou os Congressos nacionais de
Geografia (1915, 1916, 1919, 1922).226

Entretanto, em números bastante reduzidos, lastimavelmente, estavam as atividades


ligadas à produção textual. Descontando-se as comissões eleitas para a elaboração dos
Estatutos do IHGS, e ainda o exame do mapa geográfico do Estado, elaborado por
Ávila Lima (1918)227, tem-se conhecimento apenas de duas comissões para esse fim.
A primeira, tentou produzir verbetes que fariam parte do Dicionário Histórico,
Geográfico e Etnológico do Brasil, um projeto organizado por Ramiz Galvão no Rio
de Janeiro dentro das comemorações do Centenário da Independência do Brasil. As
tarefas dessa comissão foram divididos entre M. P. de Oliveira Teles (história de
Sergipe), Carvalho Lima Júnior (geografia), Prado Sampaio (etnografia), [Ávila
Lima] (biografias), todos sob a supervisão geral de Armindo Guaraná. De todos os
trabalhos, apenas têm-se notícias do texto de Prado Sampaio, apresentado em sessão
de 06/02/1918 e enviado dias depois à comissão responsável pelo Dicionário.228

Um outro produto que teria se revelado uma importante contribuição à historiografia


de/sobre Sergipe, caso fosse concluído, foi a distribuição de trabalhos para os sócios
no sentido de construir narrativas "cuja tese [era] a seguinte: Origem da fundação,
seus limites e conseqüentes desenvolvimentos de uma Cidade ou vila deste Estado,
com os seus principais acontecimentos.” Na mesma sessão, em 11/02/1917, declarou
[o presidente do IHGS] que “esses trabalhos seriam pronunciados em conferencia [e]
elaborados em forma de crônicas e ambos publicados na Revista do Instituto".229
Procurava-se, dessa forma, suprir as deficiências das sínteses conhecidas. A iniciativa
demonstrava a necessidade de produzir historiografia partindo do interior de Estado,
através de pequenas monografias. Para José Calazans, a iniciativa de estudar as
cidades e vilas do Estado fora adotada possivelmente “tendo em vista o que se
preconizava para o V Congresso de Geografia a realizar-se em Salvador, onde o
sodalício estaria representado.230 Dos 23 trabalhos projetados tem-se apenas
conhecimento da publicação de duas monografias: Município e cidade de Simão Dias
(1927) de Francisco Antônio Carvalho Lima Júnior e história do Município de Santa
Luzia (1929) de Vicente Olino.231

A última comissão encarregada da produção de textos foi efetivada em 1929 em um


período de franco refluxo das atividades da casa. Em sessão de 6 de agosto, ficou
acordado entre os presentes que os sócios Rocha Lima, Franco Freire, Florentino

226
A participação do Instituto nos congressos nacionais de Geografia é comentada no capítulo IV.
227
O referido mapa foi aprovado pela Comissão do IHGS e pelo Conselho Superior de Instrução
Pública do Estado em 1919.
228
Ver Atas do IHGS de 06/10/1917, 06/02/1918, e 06/03/18. Ver também Barreto Neto, Caldas.
Relatório...Revista do IHGS, Aracaju, v. 5, n. 9, p. 220, 1920.
229
Livro de Atas do IHGS. n. 1, p. 179 v.
230
Calazans, José. Introdução ao estudo da historiografia sergipana: Trabalho apresentado ao V
Simpósio de História do Nordeste – Aracaju, agosto de 1973. In: Aracaju e outros temas sergipanos:
esparsos de José Calazans Brandão da Silva. Aracaju: governo de Sergipe/Secretaria de Estado da
Educação e Cultura/Fundação Estadual de Cultura, 1992. p. 21.
231
Lima Júnior, Francisco Antônio Carvalho. Município e cidade de Simão dias: Notas Históricas.
Revista do IHGS, Aracaju, v. 7, n. 12, p. 9-33, 1927; Olino, Vicente. História do Município de Santa
Luzia. Revista do IHGS, Aracaju, v. 9, n. 14, p. 93-101, 1929.

90
Menezes e Costa Filho, juntamente com a Comissão Permanente de História seriam
encarregados de escrever a História e Geografia de Sergipe. Desse trabalho não colhi
nenhuma notícia.

Além das rotinas/produtos, constituídos através da formação de comissões


temporárias, as sessões do IHGS eram também o foro privilegiado de dois outros
gêneros significativos: as conferências e os discursos. A freqüência destes
acompanhou a variação da quantidade de sessões. Foram aproximadamente 150
discursos ao longo dos 18 anos estudados. Lamentavelmente, o conteúdo da grande
maioria dos discursos está perdido para sempre. Embora vários tenham sido
impressos e distribuídos entre os presentes durante as solenidades, ou remetidos aos
periódicos locais, tudo o que sobrou dessas peças só pode ser acessado através de
algumas transcrições na Revista, em pequenas notas jornalísticas, e na citação dos
próprios sócios em réplicas congratulando-se, agradecendo ou protestando. Ainda
assim, através das Atas do próprio Instituto, foi possível recuperar os títulos e os
nomes dos oradores possibilitando a construção de um perfil do que se discutia
cotidianamente nas sessões do Grêmio.

Discursar era a atividade básica em uma sessão. Uma tarefa protocolar. Além disso,
constituía o ofício de parte significativa dos dirigentes do Instituto, os bacharéis em
Direito. Era, portanto, esperado que um terço dessa produção estivesse voltada para
os agradecimentos por eleição da diretoria, aceitação da proposta de associação na
entidade, na homenagem aos mortos, e ainda, no rotineiro trabalho de recepcionar
novos sócios e visitantes ilustres. Com essa função ocupavam a tribuna com maior
freqüência os presidentes e oradores oficiais da instituição. Entre os primeiros é
notável a participação dos presidentes Amintas Jorge e Caldas Barreto como 10 e 12
atuações. Os oradores Prado Sampaio, Edson Ribeiro, Clodomir Silva e Hunald
Cardoso vem em seguida com 10, 8, 8, e 7 discursos respectivamente. Não
necessariamente ligados à tarefa de recepção aos sócios também tiveram eco as falas
de Manoel do Passos de Oliveira Teles e de Francisco Carneiro Nobre de Lacerda.
Todos esses foram responsáveis por mais de um terço dos discursos nas sessões do
IHGS. O restante engrossou a tarefa protocolar do agradecimento efetuado pelos
recém-associados.

Os nomes citados são mesmo campeões da oratória no IHGS mas não chegam a
ofuscar o brilho do presidente de honra da Instituição Manoel Joaquim Pereira Lobo
que no espaço de 4 anos (1919/1922) realizou aproximadamente 13 intervenções,
configurando-se como o mais ativo presidente de honra do período em foco e, por
conseguinte, o mais presente dos governantes do Estado às reuniões do grêmio.

Além dessa função tipicamente protocolar, o "discurso" cumpria a função literária


propriamente dita e nesse sentido confundia-se, tanto na forma quanto no conteúdo,
com outro gênero freqüente, a "conferência." Para Prado Sampaio, o discurso deveria
ser "breve e preciso, e principalmente apresentar-se à apreciação do auditório como
um trabalho de arte, deixando em relevo um traço da personalidade do seu autor, em
vibrante síntese intelectual e emotiva." A temática, pelo menos na gestão do
Desembargador João da Silva Melo, visaria, preferencialmente, homenagear "aqueles
que nos precederam na morte, deixando na vida sulco indelével de sua terrena

91
peregrinação."232 Assim, proferidos tanto nas sessões ordinárias quanto nas solenes,
tais peças configuraram um produto voltado para os elogios às personalidades dignas
de nota: governantes nacionais como Washington Luiz, Pinheiro Machado, Pedro II;
governantes locais e ao mesmo tempo presidentes de honra da Instituição - Siqueira
de Menezes e Manoel Valadão; intelectuais como Rui Barbosa, Silvio Romero, o
pintor Horácio Hora e o poeta Hermes Fontes. Os próprios sócios do Instituto,
falecidos ou não, eram também tematizados durante tais homenagens. Os maiores
alvos de discursos, membros do IHGS, tiveram uma produção destacada durante as
duas primeira décadas desse século. São os casos de Ivo do Prado, Manoel dos Passos
de Oliveira Teles, Felisbelo Freire e Armindo Guaraná. Lá também figuraram os
administradores da casa como Amintas Jorge, Caldas Barreto e Barreto Neto.

Ainda dentro dessa semelhança com a "conferência", em terceiro lugar no número de


ocorrências (10), surge o IHGS como tema. Desse são enfatizados principalmente a
função e importância no cenário intelectual sergipano. Logo a seguir, e
surpreendentemente próximo aos discursos de freqüência residual como educação
pública (4) e questão dos limites (3), encontram-se as efemérides. As sete referências
às grandes datas comemorativas tematizam a Bandeira Nacional, o descobrimento da
América, as Independências do Brasil e de Sergipe, e as Revoluções Francesa e
Pernambucana.

As "conferências" ocuparam aproximadamente o espaço de cinqüenta sessões. Mais


de dois terços dessas sessões foram extraordinárias, havendo uma verdadeira
preparação tanto do autor quanto da platéia para esses eventos. As conferências eram
marcadas com antecedência de meses até. Eram indicadas - conferência e
conferencista - pelo próprio presidente ou por proposta dos sócios em reunião
ordinária. Entre 1915 e 1926 são inúmeras as ocorrências em Ata de marcação de
conferência ou informe sobre a preparação das mesmas. Dela se incumbiram, em sua
maioria, os sergipanos residentes no Estado. Aqui, em relação ao produto
conferência há uma sensível mudança no perfil dos palestrantes. Saem de cena os
presidentes e oradores abrindo espaço para nomes como Ávila Lima, Enock Santiago,
Helvecio de Andrade, Moreira Guimarães, Manoel dos Passos de Oliveira Teles e os
já por demais citados Prado Sampaio e Costa Filho. É oportuno destacar que esse
grupo de sete sócios é responsável por 50% de todas as conferências sendo que as
demais (28) são proferidas por 28 oradores. Outro fato a destacar é a fertilíssima
participação do Costa Filho tanto nos discursos como na exposição de conferências.
Em termos de atuação esse jornalista representa para as sessões do IHGS o que o
advogado Prado Sampaio foi para a Revista do IHGS.

Nesse gênero, é possível notar a participação de alguns forasteiros não somente em


termos de naturalidade, mas em relação às questões tematizadas, a estranheza que
causaram tais eventos no cotidiano do Instituto. São os casos das conferências de
Edmundo Gutierres (1915); Frei Pedro Sizig (1926), Braz do Amaral (1914), e
Luduvico Schwenhagem (dezembro de 1925, janeiro de 1926). O primeiro tratou da
importância da solidariedade entre Argentina, Brasil e Chile (A. B. C.) para as demais
Repúblicas da América do Sul (1915); a conferência do Frei Pedro Sizig - "Que
232
Sampaio, Joaquim do Prado. Causas da expansão territorial sergipana e seus consectarios jurídico-
sociais. Revista do IHGS, Aracaju, v. 4, n. 8, p. 255 e 257, 1919.

92
significa Cristo para o Brasil" enfocou a decadência da religião, da falta de educação
religiosa inclusive no Brasil (1926) e Braz do Amaral defendeu interesses baianos na
questão de limites com Sergipe. As conferências do cientista austríaco Ludwig
Shwennhagen circunscreveram-se no périplo realizado nas décadas de 1910 e 1920
por vários Estados do Nordeste em defesa do "mito fenício" como explicação para a
pré-história brasileira.233 Em Aracaju o autor divulgou a tese de que o "descobrimento
do Brasil" ocorrera em 1100 A.C. e a colonização fora obra de uma associação entre
povos fenícios e tupis. A tese, certamente, não era desconhecida dos membros do
IHGS. Vários curiosos e eruditos já haviam manifestado interesse pela experiência
dos homens que antecederam à chegada dos europeus. Institutos históricos como os
do Ceará, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte, e Alagoas já publicavam no
mesmo período alguns trabalhos sobre "raças pré-históricas", índios, registros
rupestres, língua, cerâmica, cemitérios, cultos, mitos e lendas indígenas. No IHGS,
como se constatará no próximo capítulo, a temática da pré-história ou mesmo dos
índios pós-cabralinos é quase inexistente.234 E mesmo as teses de Shwennhagen (ou
notas tomadas por algum assistente) que ocuparam duas noites no Instituto Histórico
não foram publicadas na Revista. Entre os sócios do IHGS Ludwig Shwennhagen só
ganhará um adepto declarado na década de 1950, o historiador Sebrão Sobrinho. Está
em Laudas da história do Aracaju a tese de que a capital de Sergipe fora colonizada
por fenícios. Para Sobrinho as provas que fenícios e "engenheiros egípcios" haviam
fundado Aracaju estão na existência dos "longos aterros para deter as águas do mar" e
nas fusões entre línguas clássicas e o tupi que deram origem a alguns vocábulos de
emprego local.235

233
O "mito fenício", uma das primeiras explicações sobre a origem do homem na América, "sempre foi
claro à fase mitológica da Pré-história brasileira, particularmente no Nordeste, por uma curiosa série de
coincidências. Para isso contribuíram a famosa e apócrifa inscrição fenícia da Paraíba, supostamente
achada em 1872, e o deslumbramento com a cultura fenícia do alagoano Ladislau Netto, ao voltar dos
seus estudos em Paris como discípulo de Ernest Renan, autoridade à época em arqueologia púnica. A
inscrição a que me refiro foi achada no inexistente lugar de 'Pouzo Alto' no vale do Paraíba, por um
também inexistente Joaquim Alves da Costa e que teria dela enviado uma cópia ao Marquês de
Sapucahy, presidente do Instituto Histórico, Geográfico e Etnográfico do Brasil." Martin, Gabriela.
história da pré-história no Nordeste. In: Pré-história do Nordeste do Brasil. 3 ed. Recife: Editora da
UFPE, 1999. p. 23-47.
234
O interesse pelo tema nem sempre movimentou a pena dos historiadores locais. O próprio fundador
da historiografia científica sobre Sergipe via com reservas os resultados das pesquisa sobre a pré-
história no Brasil. Em sua História de Sergipe (1891) há somente duas conclusões sobre a pré-história:
a população “brasílica” era mestiça (fruto do cruzamento de populações autóctones e extra-americanas)
e, provavelmente, teria origem antidiluviana. "Em Sergipe, sempre infrutiferamente, procuramos
alguns tumuli ou sambaquis, a fim de apreciarmos o grau de civilização da tribo indígena." [Freire,
Felisbelo. História de Sergipe... op. cit., p. 20-24 e 38]. Na última década do século XIX, o interesse
pela pré-história podia ser notado de maneira esparsa em Manuel dos Passos de Oliveira Teles que
levantava a hipótese das margens do rio Poxim serem um repositório privilegiado de vestígios
"megalithicos". [Teles, Manoel dos Passos de Oliveira. Sergipenses: escritos diversos. Aracaju:
Antônio Xavier de Assis, 1903]. Na Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe a pré-
história continuou na obscuridade. O grêmio local não encarou o passado indígena como experiência
relevante para a invenção da “sergipanidade”. A excessão fica por conta de Emygdio Caldas, tratando
sumariamente da origem dos homens sulamericano, brasileiro e sergipano. Caldas, Emygdio. Discurso.
Revista do IHGS, Aracaju, v. 2, n. 4, p. 109-114, 1914.
235
Sobrinho, Sebrão. Laudas da história do Aracaju. Aracaju: Regina, 1955. p. 65 e 480.

93
Claro que outros visitantes ilustres diretamente ligados à produção historiográfica
tiveram passagem pelo Estado. Os historiadores Homem de Melo,236 Rocha Pombo237
estiveram presentes às sessões, foram homenageados e ensaiaram falas no Instituto,
mas parece que tais visitas não interferiram nos projetos locais. Ao contrário, os
discursos de recepção reafirmam as concepções cientificistas em curso na
interpretação da experiência local. As visitas serviram muito mais como atestados de
consagração do grêmio, perante as instituições congêneres, como legítimo “templo da
ciência”. Assim, embora as conferências pudessem ser caracterizadas como produtos
especificamente voltados para uma espécie de atividade-fim do instituto (discussão,
disseminação de conhecimento), os conferencistas não fugiram aos temas
privilegiados pelos discursos, freqüentes nas sessões ordinárias. Por isso, os agentes
destacados na política como Sebastião Gaspar de Almeida Boto, Inácio Barbosa,
Fausto Cardoso, Pedro II; os intelectuais Rui Barbosa, Tobias Barreto e Silvio
Romero, o herói de guerra Francisco Camerino ,e o “cientista” Muniz de Souza
continuaram sendo alvo de estudos biobibliográficos expostos nas conferências.

As efemérides ocupam 10% do total de sessões. As Revoluções Francesa e


Pernambucana, a Independência de Sergipe, a vitória do 2 de Julho na Bahia, o 21 de
abril "de Tiradentes", e a "descoberta da América" continuaram merecendo atenção.
Mas as conferências abordaram também, por interferência da direção da entidade em
um determinado período - Almirante Amintas Jorge -, as Batalhas de Tuiuti e
Riachuelo. O Estado de Sergipe, através de questões que envolveram a agricultura,
folclore, intelectuais, território, [descrições] do baixo São Francisco e Serra de
Itabaiana, foi o terceiro objeto mais freqüente (8), ficando como temas residuais a
educação pública (3), limites entre Sergipe e Bahia (3), pré-história brasileira (2),
história da homeopatia, religião, guerra e socialismo, todos com uma referência cada.

236
Homem de Melo, historiador e geógrafo, esteve em Aracaju entre 10 e 13 de março de 1917. Além
de receber título de sócio honorário do IHGS foi homenageado pelos professores do Ateneu e da
Escola Normal, visitou gente da imprensa, capitalistas, instituições beneficentes e esportivas e o
Hospital Santa Isabel. No IHGS palestrou sobre atuação parlamentar de Inácio Barbosa e
provavelmente esclareceu dúvidas acerca do mapa de Sergipe. Notícias da imprensa sobre as
homenagens prestadas ao Barão Homem de Mello. Revista do IHGS, Aracaju, n. 7, p. 91-110, 1917.
237
Rocha Pombo chegou a Sergipe em 10 de agosto de 1917 para uma visita de 22 dias. Conheceu
autoridades, imprensa, visitou São Cristóvão e levou boas impressão dos intelectuais da terra: “a
intelectualidade de Sergipe não se ressente muito da emigração de seus representantes mais notáveis...
Ainda ficam por ali [em Sergipe] talentos muito dignos de fazerem honra à sua terra... Muitos desses,
em meio mais vasto, far-se-iam figuras de primeiro plano”. Por toda a sua estada esteve acompanhado
dos sócios Costa Filho e Carvalho Lima Júnior mas distribuiu elogios para Prado Sampaio, Manoel dos
Passos de Oliveira Teles, Elias Montalvão, Armindo Guaraná e principalmente para o poeta Garcia
Rosa. Ver Tôrres, Acrísio. Rocha Pombo em Sergipe. In: Pó dos arquivos. Brasília: Thesaurus, 1999.
p. 222-225.

94
A função social do Instituto

Tema residual, tanto nos discursos quanto nas conferências não quer dizer sem
relevância, haja vista que o resultado do exame estatístico relativo às conferências
não reflete o conjunto das atividades do Instituto e omite o engajamento da instituição
em sua função social mais significativa: ser “a voz dos sergipanos”, traduzir o
“sentimento” destes nos diferentes momentos de sua experiência como “povo”
autônomo. Logo, temas residuais não dizem muito sobre a tarefa do grêmio na
construção da representação chamada Sergipe, seja assegurando o espaço (luta pelo
território), organizando uma memória comum (estátuas, datas, símbolos pátrios) ou,
ainda, desencadeando e estimulando o poderoso e “inevitável” processo civilizatório:
campanhas pela instrução pública e estímulo às atividades científico-literárias
(instrumentalização através da montagem da biblioteca, arquivo, museu e revista).

Demarcar o território

A questão de limites territoriais entre Bahia e Sergipe data do início do século XVIII,
estando em disputa vasta porção de terra localizada a oeste e ao sul do Estado de
Sergipe. Segundo Carvalho Lima Júnior, não se trata de conflito de limites
geográficos, sobre os quais não há contestação do legítimo direito de Sergipe,
principalmente, quanto às terras localizadas entre os rios Real e Itapicuru. A questão
envolveu sempre problemas de jurisdição eclesiástica e jurídica. As contendas
ocorreram quase sempre em virtude das conveniências pessoais dos párocos
sertanejos ou foram provocadas pelos ouvidores da Bahia, com apoio do Vice-Rei em
benefício da comodidade dos povoadores da zona litigiosa.238 A questão desenrolou-
se durante os períodos colonial e imperial, gerando farta documentação entre
Representações da Assembléia Provincial e Assembléia Geral, correspondência entre
os presidentes de Sergipe e Bahia, e reclamações ao Ministério do Império.

A luta pelo território requeria a eleição de instrumentos e metodologias para justificar


o melhor critério de posse. Neste sentido, os vocacionados para a pesquisa histórico-
geográfica tinham papel fundamental. Ainda durante o Império surgiram as primeiras
encomendas do Governo. Assim, o exercício da revisão bibliográfica, do estudo de
mapas, de fontes arquivísticas, do depoimento oral e o auto-relato daqueles que foram
incumbidos das pesquisas impulsionou, talvez, o nosso primeiro surto historiográfico,
resultando nos trabalhos do bacharel Martinho de Freitas Garcez,239 Descrição

238
“Efetivamente, isentos da sujeição sergipana, os fazendeiros e grandes proprietários exerciam
impunemente o poderio de que gozavam como ‘caciques’ na sua ‘tribo’ ou senhores feudais, cada um
dominando a sua ‘gleba’, sem responder a ninguém, a nenhuma autoridade, pelos atos criminosos, que
praticavam”. Era natural, explica Lima Júnior, “a preferência dada por aqueles povos à dominação da
Bahia, que, muito mais longe do que Sergipe, não podia a tempo e a hora levar a justiça e a lei àquelas
paragens em uma época em que viviam a vida quase primitiva, onde os pequenos se haviam
acostumado ao regimen de escravidão, e os grandes, acercados de malfeitores temiam naturalmente a
ação do juiz na punição de seus crimes.” Lima Júnior, Carvalho. Limites entre Sergipe e Bahia: estudo
histórico. Revista do IHGS, Aracaju, v. 2, n. 3, p. 41 e 10, 1914.
239
Incumbido pelo presidente Manuel da Cunha Galvão.

95
sinoptica da província de Sergipe (1860), do coronel José Zacarias de Carvalho
(artigos no Correio Sergipense,1861), e do Dr. Joaquim José de Oliveira240, Memória
(1864). É importante registrar que no mesmo ano em que veio a lume a Descrição
sinoptica.. de Martinho Freitas Garcêz (1860) a Assembléia Provincial anunciava
autorização para "quando a Província estivesse desobrigada de compromissos, dar
4:000$000 a quem no prazo de dez anos, apresentasse a mais completa História de
Sergipe, a juizo do Instituto Histórico do Rio de Janeiro."241

Com a instalação da República, as províncias passaram a unidades federadas e, apesar


de todas as desigualdades sócio-econômico-territoriais, ampliou-se, entre legisladores
e literatos, a possibilidade de criação de um “Estado” sergipano efetivamente
autônomo. Um Estado baseado/justificado por uma comunidade de interesses julgada
pelos intelectuais como pré-existente ao período republicano e fundada em atributos
partilhados pelos moradores do lugar, tais como: nome próprio coletivo, território ou
terra de origem, memórias históricas, produtos culturais, e projetos para o futuro.242

De todos os atributos listados, a fixação dos primevos limites territoriais era o


principal entrave à concretização da utopia “sergipense”. Contudo, apesar de a
Constituição de 1891 ter avançado na questão da descentralização política do Brasil, a
situação territorial da região não foi modificada devido ao predomínio político dos
grandes Estados. Segundo Lima Júnior, a manutenção do contraditório “direito
adquirido” em pleno momento revolucionário, desencadeado pela proclamação da
República, alegado, nesse caso em particular, pela Bahia, foi o principal motivo para
o insucesso da causa “pátria”. Mesmo assim, sucessivos governos locais continuaram
investindo em soluções pacíficas seja através do Congresso Nacional, seja em
tentativas de arbitramento ou em pesquisas locais sobre a questão. Fruto desses
esforços, teve origem, logo no início dos 1900, a monografia Sergipe e Bahia:
questão de limites, escrita pelo padre João de Matos Freire de Carvalho243.

Fundado o IHGS, a luta pelas terras apossadas pela Bahia ganhou novo fôlego e teve
reforçado o seu caráter de questão patriótica. No mesmo período, o presidente de
Sergipe, general Siqueira de Menezes, em gesto extremo, ocupou as localidades de
Saco e Apertado de Pedras até então sob o domínio baiano. Siqueira de Menezes
obteve voto de congratulação do Instituto pela forma com que encarou a questão e na
mesma sessão (07/10/1913) o presidente da casa, desembargador Caldas Barreto
Neto, sacramentou a participação do grêmio na contenda com a formação de
comissão específica para estudar o caso. Em 1916, esse mesmo presidente apelou ao
general Oliveira Valadão para pôr em execução a Lei 672, de 10 de novembro de
1914 que permitiria o financiamento da pesquisa sobre a questão em arquivos
portugueses. Valadão também se engajou na luta designando o sócio Carvalho Lima

240
Incumbido pelo presidente Antônio Dias Coelho e Melo (depois Barão de Estância).
241
Lei de 20 de abril de 1860. Ver Lima Júnior, Francisco Antônio de Carvalho Lima. Memória sobre
o Poder Legislativo em Sergipe. Revista do IHGS, Aracaju, v. 4, n. 8, p. 142, 1919.
242
Guibernau, Montserrat. Nacionalismos: o Estado nacional e o nacionalismo no século XX. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar, 19... p. 56.; Smith, Antony. Identidade nacional. Porto: Gradiva, 19... p. 21-28.
243
Carvalho, João de Matos Freire de. Sergipe e Bahia: questão de limites. Aracaju: O Estado de
Sergipe, 1905.

96
Júnior para pesquisar documentos comprobatórios dos direitos de Sergipe nos
próprios Arquivos públicos da Bahia.244

A questão dos limites esteve em pauta no IHGS nos anos 1913, 1914, 1916, 1917,
1918 e 1920. Foi um dos raríssimos temas a gerar polêmica no cotidiano da casa. Não
entre baianos e sergipanos, já que durante a conferência do representante oficial da
Bahia (o historiador Brás do Amaral) a platéia praticamente emudeceu pois estava
desaparelhada para criticar os documentos apresentados pelo visitante.245 A polêmica
em causa foi motivada pela conferência (21/04/1918) do sócio Ávila Lima,
defendendo o rio Real como o verdadeiro limite sul com a Bahia, posição tomada
anteriormente por Felisbelo Freire em História de Sergipe (1891).246 Esse fato gerou
protestos e contra-protestos, ganhou a imprensa e motivou mais pesquisas sobre o
tema, cujas conclusões foram apresentadas em seguida pelo também sócio Elias
Montalvão.

Do ambiente interno a questão de limites migrou para os Congressos científicos da


área de Geografia. Os embates passaram a se dar então entre baianos e sergipanos. O
primeiro que se tem notícia ocorreu por ocasião do 5º Congresso Brasileiro de
Geografia em Salvador. A disputa aconteceu entre José Rodrigues da Costa Dória e
Brás do Amaral motivado por uma memória, produzida pelo historiador baiano,
intitulada Município do Patrocínio do Coité.247 No Congresso Brasileiro de Geografia
e Belo Horizonte (1918), a escrita se repetiu, sendo o Estado representado dessa vez
por Manuel dos Passos de Oliveira Teles. O assunto continuou unificando governo e
intelectuais sergipanos, pois já em 1919, o governo abriu crédito de 8:000$000 para
publicação da pesquisa de Carvalho Lima Júnior sobre o tema.248 Metade da
subvenção destinada ao IHGS para o exercício do mesmo ano também esteve atrelada
à coleta de documentos sobre os limites Sergipe-Bahia.249 Em 1920 foi a vez do

244
Barreto Neto, Manuel Caldas. Relatório...Revista do IHGS, Aracaju, v. 4, n. 8, p. 290, 1919.
245
O silêncio do público durante a conferência de Brás do Amaral, representante e advogado da Bahia
na questão, foi assim interpretado por Prado Sampaio: “... antes de tudo seria bom notar que o público
para ela [a conferência] convidado não se encontrava preparado para responder ao sr. Dr. Amaral sobre
a autenticidade dos documentos apresentados nem resolver sobre a questão.” Oliveira Teles concorda
com Prado Sampaio e lança um desafio ao conferencista: “...não quero negar-lhes a autenticidade [dos
documentos apresentados], pois será mesmo descortesia para com o ilustre cavalheiro. Entendo, sim,
que em questão de tal natureza abundante documentação pode degenerar e, no caso, é lícito anexar-se
uma glosa ao ditado: cada documento terá suas nove faces. Toda questão consiste em serem eles
oportunamente submetidos ao exame e à crítica perante o grande público. Porque os não publica o
excelentísimo Dr. Amaral? Encontrará competentes nesta terra que possam discuti-los com critério...”.
Sampaio, Prado e Teles, Manuel dos Passos de Oliveira. Questão de limites Bahia-Sergipe. Revista do
IHGS, Aracaju, v. 2 n. 3, p. 77-79, 1914.
246
Esse critério praticamente sacramentava a posse baiana sobre o território em litígio (fronteira
meridional). O rio Real é até hoje o limite entre os dois Estados. É importante notar que mesmo depois
de revisado em 1934 o mapa produzido por Ávila Lima e aprovado pelo IHGS em 1918 ainda
contempla no lado oeste o "território contestado pela Bahia" incluindo no lado sergipano algumas
cidades de relativa importância regional como Bom Conselho e Geremoabo.
247
Costa Filho, Luiz José. Reminiscências e impressões do 5º Congresso Brasileiro de Geografia.
Revista do IHGS, Aracaju, v. n. 7, p. 123, 1917.
248
Lima Júnior, Francisco Antônio de Carvalho. História dos limites entre Sergipe e Bahia. Aracaju:
Imprensa Oficial, 1918.
249
Respectivamente, Decreto n. 690 de 18/07/1919 e Lei n. 790 de 14/11/1919. Coleção de Leis e
Decretos de 1919. Aracaju: Imprensa Oficial, 1920.

97
General Ivo do Prado representar Sergipe em uma conferência sobre limites
interestaduais convocada pelo Ministério da justiça.250 Durante todos esses eventos a
supremacia política da Bahia, tanto nos congressos científicos quanto nos
parlamentos, determinou o adiamento de uma solução definitiva para a questão.

A tarefa do IHGS, em relação ao caso dos limites estendeu-se para além do período
em estudo. Quando no Sudeste do país, já se repensava a viabilidade do modelo
federativo251 diante da efervescência política nacional e da tentativa de destruição das
velhas oligarquias que dominaram a República Velha, o Instituto insistia no
cumprimento de um dos seus projetos iniciais. Acreditava-se que aquele seria o
momento ideal, pois não deveria, a Bahia, utilizar-se do seu poderio em nível
legislativo, as Câmaras estavam fechadas. Em 1931, uma reunião do grêmio
especificamente destinada a colher subsídios para o encaminhamento de soluções,
lamentava a lentidão do “governo revolucionário” em resolver o caso e colhia dos
sócios duas importantes sugestões: a ocupação do território em litígio através da
nomeação de autoridades policiais, administrativas e judiciais, proposta por Prado
Sampaio; e a saída pacífica (o arbitramento por exemplo), mediada pelo “governo
provisório da República”, idéia apresentada pelo desembargador Gervásio Prata.252
Vencida a segunda, tratou o Instituto de autorizar ao proponente a elaboração de um
Memorial, contendo todas as provas e justificativas do pleito sergipano e, com a
assinatura da diretoria do grêmio, encaminhar o referido documento ao interventor
federal tenente Augusto Maynard Gomes253. Essa tentativa também fracassou.
Segundo Fraga Lima, não era interesse de Getúlio Vargas indispor-se com o
interventor da Bahia que muito lhe havia auxiliado com tropas durante a Revolução
Constitucionalista de 1932. "Foi posta uma pedra em cima indicando que o destino
era nada resolver."254

O engajamento do Instituto nessa questão durante as décadas de 1910 e 1920


envolveu seus sócios mais preocupados com a pesquisa histórica, tais como: Carvalho
Lima Júnior, Elias Montalvão, Prado Sampaio, Manuel dos Passos de Oliveira Teles,
padre João Matos Freire de Carvalho, Adolfo Ávila Lima e Ivo do Prado. Se os

250
Ver Atas do IHGS relativos aos dias 12/08/1918 e 06/05/1920. Para Ivo do Prado, Sergipe possuía
112.000 km2 em 1845 e 23.250 km2 em 1908. No mesmo período a Bahia subiu de 426.425 km2
(1845) para 585.587 km2 (1908). A Bahia deteve o território sergipano não entregando o que foi
determinado por D. João VI através de decreto em 08/07/1820 (confirmado pelo regente por Carta
Régia de 05/12/1822) e anexando parte do que entregou durante o Império (entregou apenas dois
terços do que deveria). Prado, Ivo. A Capitania de Sergipe e suas ouvidorias: memória sobre a questão
de limites (Congresso de Belo Horizonte). Rio de Janeiro: Papelaria Brasil, 1919. pp. 239, 247-248.
251
Andrade aponta entre adeptos da estrutura federalista os intelectuais Maurício de Lacerda, Leônidas
Rezende, Hermes Lima, Anísio Teixeira, Gilberto Freire, Caio Prado Júnior, Almaquio Diniz; entre os
centralistas são listados Everardo Beckhauser, Amadeu Amaral, Plínio Salgado, Gustavo Barroso,
Cassiano Ricardo, Monte Arrais e Azevedo Amaral. Andrade, Manuel Correia de; Andrade, Sandra
Maria Correia de. A Federação brasileira: uma análise geopolítica e geo-social. São Paulo: Contexto,
1999. p. 57.
252
Ver Ata do IHGS relativa ao dia 28/04/1931.
253
Coincidentemente, o interventor era irmão do sócio fundador e também Secretário Geral da
interventoria, desembargador João Maynard. O desembargador Gervásio Prata foi um dos principais
coronéis entusiastas do regime de intervenção. Ver Dantas, Ibarê. Revolução de 1930 em Sergipe... p.
50 e 58.
254
Lima, Fraga. Memórias do Desembargador Gervásio Prata... p. 151.

98
resultados das investigações não foram suficientes para reaver as terras, serviram para
preencher lacunas sobre a vivência de “sergipanos”, principalmente relativa ao
período colonial, e fizeram valer/notar a importância dos estudos históricos como
saber especializado para a sociedade de então.255

Estabelecer uma memória comum

O projeto de fundação de um Estado autônomo requereria também do IHGS algumas


propostas homogeinizadoras para a construção de uma memória comum. E isso foi
prontamente providenciado no momento em que se comemoravam os 100 anos de
emancipação política da tutela da Bahia. Ações nesse sentido foram gestadas na
"Comissão Executiva das Festas do 1º Centenário, instalada pelo Instituto em
09/02/1919. Entre os atos dessa comissão estavam a consolidação do 24 de outubro
como uma espécie de data de nascimento do Estado, a ereção de uma estátua do
"imortal" sergipano Tobias Barreto de Menezes256, publicação do Álbum Ilustrado de
Sergipe e a confecção da Bandeira Estadual.257

De todas as ações, a questão do "nascimento" do Estado em 1820 não conseguiu


unanimidade entre os sócios do IHGS. A data escolhida (24 de outubro) era
justificada como o dia em que a suposta notícia da emancipação (Decreto de D. João
VI de 08/07/1820) haveria chegado na então capital São Cristóvão. No ano do
Centenário as duas datas eram feriados instituídos pelo governo: o 24 de outubro
legitimado pela lei da Assembléia Provincial em 1839 e o 8 de Julho, por Lei de
1897.258 Para Barreto Neto a primeira data já estava legitimada pela "tradição". Data
sagrada "para o sentimento nativista dos nossos patrícios." Sua comemoração,
iniciada em 1836, somente foi possível após o abrandamento dos conflitos entre
lusitanos e antilusitanos ou ainda entre emancipacionistas e defensores da submissão
à Bahia.

Lima Júnior era contrário à comemoração do 24 de outubro e pelo menos por duas
vezes (1918 e 1919) antes do Centenário manifestou sua opinião. "É um erro da
tradição apanhado em 1836 quando pela primeira vez solenizou-se esta data em São
Cristóvão, pregando ao púlpito o célebre orador sacro, músico, poeta e filósofo, Frei
Santa Cecília, dizendo-se ser aniversário da emancipação de Sergipe. Nada existe que
confirme esta suposição. Um artigo publicado há muitos anos por Mundim Pestana,
255
O mais atualizado exame sobre a questão de limites encontra-se em Nunes, Maria Thetis. Sergipe
colonial II. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1996. p. 30-75.
256
A estatuomania sergipana teve início com a homenagem aos dois mais importantes líderes políticos
da República Velha: Fausto Cardoso (1912) e Olímpio Campos (na praça Benjamin Constant em
26/07/1916). Prosseguiu com o fundador da capital Aracaju, Inácio Barbosa (no Jardim Olímpio
Campos, entre as antigas sedes do palácio do governo e da Assembléia em 17/03/1917) e o maior
símbolo da inteligência sergipana, Tobias Barreto (na Praça Pinheiro Machado em 24 de outubro de
1920).
257
Ver sobre a Bandeira: Revista do IHGS, v. 5, n. 9, p. 222; Correio de Aracaju, 26 out. 1920;
Discurso de Manoel Dias Lima. Proferido da sacada do Edifício da Caixa Escolar Gracho Cardoso.
Correio de Aracaju, 31 mai. 1921. Sobre o brasão: Araripe, Tristão. Brasões do Brasil. Revista do
IHGB, Rio de Janeiro, v. 54, 1891.
258
Lei da Assembléia Provincial de 9/02/1839. Lima Júnior, Francisco Antônio de Carvalho. Memória
do Poder... p. 32; Barreto Neto, Manuel Caldas. Discurso. Revista do IHGS, Aracaju, v. 5, n. 9, p. 32,
1920.

99
declara ter sido a data em que chegou a São Cristóvão, a notícia da emancipação." A
defesa da verdade histórica fundada em testemunhos documentais o motivou a sugerir
que fosse festejado o "8 de julho, data do decreto de 1820, ou o 5 de março que foi
mais proveitoso, posse do 1º Presidente da Província, Brigadeiro Manoel Fernandes
Silveira."259

Se a posição crítica de Lima Júnior não gerou polêmicas que merecessem registros o
mesmo não aconteceu em relação ao conterrâneo João Ribeiro. O renomado
historiador também não via fundamentação histórica no 24 de outubro. Considerava-o
"um acontecimento nocivo" já que a Bahia deu-lhe a independência – igual àquela
que os senhores de escravos 'convieram em dar aos velhos de mais de 60 anos'... Essa
independência que apenas deu [a Sergipe] esta glória: 'a de ser o menor, o anão da
irmandade republicana'.260 Comentando o fato, Múcio Leão analisou a repercussão
das afirmações de João Ribeiro entre os sergipanos, inclusive os que habitavam no
Rio de Janeiro. "Pareceu-lhes, a eles, fanáticos de sua terra, que havia em João
Ribeiro um iconoclasta da pior espécie. Apareceram artigos de jornal, violentos ou
desabusados. João Ribeiro foi chamado de besta do apocalipse (sem o apocalipse –
diz ele – para tirar o impropério a graça bíblica). O Instituto Histórico e Geográfico
de Aracaju redigiu um protesto e pô-lo em ofício no correio. João Ribeiro recebe o
ofício, ouve os doestos. E, com bom-humor, redige uma palinodia, para consolar a
imaginação ardente de seus patrícios. Mas ele bem sabe, no íntimo, que a razão está
consigo."261

Um ano depois desse infeliz acontecimento, a autonomia do Estado foi posta à prova.
O Governo central indicou dois nomes completamente ausentes do movimento
político de Sergipe para assumirem as vagas de governador e senador.262 João Ribeiro
foi à forra. Denunciou, nas entrelinhas, os vícios da oligarquia e do coronelismo e
desdenhou do suposto projeto de reforço da autoestima efetivado pelo IHGS.

Bravos homens! Esclarecidos patrícios! Formidáveis contra um foliculário inócuo e


salamalequialmente curvados diante da magestade que lhes estoura às barbas.

– Tupã, Caramuru!

Chegou a divindade de longe, Deus ignotus, propício à gentilidade cabôcla.

Esse Deus, com um bacamarte de pederneira apanhado nos desvãos do Catête, e com um
barril de pólvora escapo ao naufrágio, é bem o Júpiter mandado à fábula coaxante das rãs,
sequiosas de um rei novo.

259
Lima Júnior, Francisco Antônio de Carvalho. Memória sobre o poder... p. 114.
260
Leão, Múcio. João Ribeiro: estudos críticos. Rio de Janeiro: Editorial Alba, 1934. p. 233-234.
261
Ibid. p. 234. Grifos do autor.
262
O Presidente da República Artur Bernardes influiu diretamente na indicação de Ciro Franklin de
Azevedo e do maranhense Augusto Cesar Lopes Gonçalves. Ambos foram eleitos. O diplomata Ciro
de Azevedo, com votação inédita, faleceu antes de encerrar o mandato (24/10/1926 a 16/01/1927) e o
maranhense Augusto Cesar Lopes Gonçalves permaneceu no Senado entre 1924 e 1930. Ver Dantas,
Ibarê. Os partidos... p. 67-68 e 316; O Tenentismo... p. 28-29. Figueiredo, Ariosvaldo. História política
de Sergipe. Aracaju: ?, 1986. p. 459.

100
Se lhes faltar algum papel para a bucha dos foguetes e das girandolas festivas, cá está o
ofício do Instituto, que recambiarei patrioticamente para maior lustre das festas da minha
santa e amada terrinha.

Eu seu que há virtudes excelsas, como sejam o patriotismo e outros males sergipanos. Sei
igualmente que Ciro de Azevedo não merece os doestos que vão atribuir a minha pena, que
antes rabiscaria elogios ao homem, ao cidadão, ao intelectual e ao artista.

Não lamento os seus propósitos de salvar a pátria do bom General Lobo, celebrado
injustamente por certos aspectos aritméticos da sua popularidade.

Lamento só o Instituto Histórico, que teve língua solta para me xingar e agora está entalado,
engasgadíssimo com o bacamarte soberano.

Eu também (desculpem a modéstia) pertenço a vários e grandes Institutos, ao do Rio, ao de


São Paulo, e ao do Ceará; esperava juntar a esses diplomas medíocres o do Instituto de
Sergipe.

Perdi, porém a partida e confesso-me entristecido.

Meu admirável Instituto do Cotinguiba, não lasque mais protestos nem gaste papel com
ofícios.

Coma socegado, engula com paciência mas não vomite na praça pública.

Não é assim que se escreve a história nem a geografia.263

Civilizar a sociedade

A terceira função social que o Instituto incorporou foi a missão de civilizar a


comunidade local, contribuindo, assim, com o processo civilizatório da nação
brasileira. Civilizar, dentro de uma perspectiva naturalista, significava distanciar o
homem de sua animalidade original. Levá-lo à perfeição. Esse processo contínuo
exigiria uma ação conjugada que contemplasse o homem em seus aspectos físicos,
intelectivos e morais. Os dois últimos estavam ao alcance dos esforços do grêmio que
trabalhou diretamente com questões de instrução e de culto aos bons exemplos,
respeito e amor à família, sociedade e à pátria. Esse verdadeiro programa humanista
foi posto em prática pelo IHGS desde a sua fundação, mas como a própria sociedade
era constituída por “estágios diferenciados”, tanto em sua “esfera” intelectiva quanto
moral, a tarefa civilizatória do Instituto foi efetivada de formas diferenciadas: a
primeira, um pouco discutida até aqui, consistia no incentivo à produção e consumo
de bens artístico-culturais elaborados. Sobre estes mantinham livre acesso os próprios
sócios e os estudantes das principais escolas da capital. A segunda transformou o
263
Ribeiro, João. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 25/07/1926. Apud. Leão, Múcio. João Ribeiro... p.
238.

101
IHGS em um irradiador dos saberes básicos, responsáveis por retirar as “massas
humanas” do pântano da ignorância. Foi com esse último objetivo que o grêmio
engajou-se na fundação e desenvolvimento da Liga Sergipense contra o
Analfabetismo.264

Ao fundar a Liga em 24/09/1916, o IHGS parece ter seguido a aclamação da proposta


do já consagrado polígrafo Teodoro Sampaio, apresentada no 5º Congresso Brasileiro
de Geografia.265 A idéia foi transmitida pelo representante sergipano no referido
congresso, Luiz José da Costa Filho, o mesmo que indicou para o primeiro presidente
da entidade o bacharel Ávila Lima. Passados alguns dias da fundação, Moreira
Guimarães saudava a iniciativa dos sergipanos em reduzir o número de “novos
escravos” às vésperas do centenário da emancipação política do Estado e da
Independência nacional.266 A situação era considerada vexatória para os ilustrados
cidadãos componentes do grêmio. O próprio Ávila Lima em seu discurso de posse
chegou a apresentar estatísticas alarmantes sobre o analfabetismo no Brasil. Cerca de
83% da população estava fora da escola o que deixava o país à frente apenas da
Bolívia e da Venezuela entre os Estados latino-americanos. A falta de escolarização
primária da maioria da população era encarada como uma verdadeira moléstia social,
a responsável pela proliferação do crime.267

Mesmo quando o debate parecia refluir diante dos acontecimentos da 1ª Guerra


Mundial, o IHGS levantou a questão do analfabetismo, promovendo conferência com
o Dr. José Rodrigues da Costa Dória, ex-governador do Estado e professor da
Faculdade de Medicina da Bahia. O conferencista "engrossou o coro" dos que
afirmavam ser o analfabetismo um problema de segurança nacional. Uma chaga que
impedia ao cidadão desde prazeres mais simplórios como degustar um romance, fazer
valer seus direitos, até mesmo a manejar armas dentro de uma guerra como a que se
desenrolava naquele momento. Entusiasta da pedagogia de Pestalozzi e Froebel,
Rodrigues Dória fez apologia às idéias desenvolvidas em universidades norte-
americanas. A sua tese afirmava que para extirpar o analfabetismo deveria se tornar
real e objetivo o ensino, isto é, preparar professores, entender os mecanismos do
desenvolvimento das crianças (aplicação da ciência pedagógica) e disseminar o
ensino por toda parte (através do concurso público para professores e da instituição
obrigatória da educação primária).268

264
O IHGS também foi o responsável pela fundação da Cruz Vermelha em Sergipe (22/03/1918). A
direção da sociedade era composta por homens e mulheres de posições destacadas no clero, política e
economia local. A sociedade foi trazida a Sergipe pela baronesa Homem de Melo.
265
Atas do IHGS de 24/09 e 06/10/1916; Barreto Neto, M. C. Relatório... Revista do IHGS, Aracaju, v.
4 n. 8, p. 295, 1919.
266
Guimarães, Moreira. Liga Sergipense contra o Analfabetismo. Revista do IHGS, Aracaju, v. 4, n. 8,
p. 53-55, 1919.
267
Lima, Ávila. Liga Sergipense contra o Analfabetismo. Revista do IHGS, Aracaju, v. 4, n. 8, p. 269-
276, 1919.
268
Dória, José Rodrigues da Costa. Conferência lida no IHGS em noite de 23 de setembro de 1917.
Revista do IHGS, Aracaju, v.4, n. 8, p. 213-250, 1919.

102
Essas e outras justificativas, impulsionadas por um certo "entusiasmo pela
educação",269 fizeram com que os sócios da casa se engajassem no progresso da nova
instituição que ganhou grande impulso no meio social. Os intelectuais mobilizaram-se
através da promoção de festas e em busca de subvenções estatais.270 Foram também
seus principais dirigentes durante muitos anos como o presidente do IHGS, Almirante
Amintas Jorge, Ítala Silva de Oliveira responsável pelos trabalhos da primeira sala
aberta sob o teto do próprio IHGS (1ª secretária da Liga), major João Esteves da
Silveira e Enock Santiago. Os “capitalistas” engajaram-se na campanha, patrocinando
a abertura de salas em vários bairros de Aracaju. Três anos após a fundação da Liga já
circulava o seu periódico oficial intitulado Pela Pátria. A Liga ganhou respaldo tanto
da sociedade quanto dos poderes constituídos o que permitiu a ampliação dos
trabalhos para cidades do interior do Estado como Santo Amaro, Barra dos Coqueiros
e Estância. Por volta de 1921 a Liga inaugurou a sua décima segunda escola
homenageando o professor Severiano Cardoso.

Desincumbiu-se o Instituto da missão civilizatória voltada para a produção e


consumo de bens culturais “melhormente elaborados”, através da instalação dos
equipamentos até então julgados como fundamentais: a formação da biblioteca,
arquivo e museu. De acordo com o organograma de 1912, o museu do IHGS
funcionaria como uma espécie de sessão da biblioteca, assim como o arquivo e da
mesma maneira como estava estruturada a Biblioteca Pública Estadual. Seu acervo
começou a ser composto através de doações dos próprios sócios, principalmente, a
partir de 1913 e, por todo o período em análise a idéia de museu esteve ligada à
formação de coleções de numismática e iconografia. As moedas foram doação
constante e o seu valor era ‘justificado’ no anúncio da doação pela antigüidade e
preciosidade. Ao lado destas, estavam as medalhas de ouro e prata, cunhadas em
eventos onde o IHGS ou seus sócios estiveram presentes como as comemorações do
Centenário da Revolução de 1817, Inconfidência mineira, Centenário da “Loja
Capitular 6 de Março”, em Pernambuco, e ainda, o XX Congresso de Americanistas.

As coleções de fotografias formaram outro grupo de doações freqüentes. Os poucos


anúncios sobre os retratados indicavam a presença de “cidadãos nacionais e
estrangeiros” e parlamentares nacionais entre as imagens a serem conservadas. A
circulação de fotografias entre os Institutos parece ter sido prática freqüente nos idos
de 1910/1920. Era comum também a distribuição de cromos, retratando
homenageados ao final de algumas sessões comemorativas.

269
"A partir de 1915 surpreende-se uma ampla campanha e uma multiplicidade de realizações
configurando um novo momento significativo: o do entusiasmo pela educação. São idéias, planos e
soluções oferecidos... Trata-se de um movimento de 'republicanização da República' pela difusão do
processo educacional - movimento tipicamente estadual, de matiz nacionalista e principalmente
voltado para a escola primária, a escola popular. (...)
Em síntese, os quadros do pensamento apresentam a seguinte formulacão: a ignorância reinante é a
causa de todas as crises; a educação do povo é a base da organização social, portanto, o primeiro
problema nacional; a difusão da instrução é a chave para a solução de todos os problemas políticos e
outros." Nagle, Jorge. A Educação na primeira República. In: Fausto, Boris (org.) História Geral da
civilização Brasileira: o Brasil republicano - sociedade e instituições (19889/1930). 5 ed. Rio de
Janeiro: Bertrand Brasil, 1997. p. 262-263.
270
Século XX, Aracaju, 14/07, 03, 10, 17 e 31/08, 28/09/1919.

103
A distinção entre objetos de museu e de arquivo não parece muito clara. A quantidade
de “autógrafos” (originais) em base papel é mínima, comparada às doações de
fotografias e medalhas. Alguns mapas e plantas ajudaram a compor o acervo de uma
unidade esvaziada, sobretudo pela existência de um outro equipamento oficialmente
destinado para tal fim: a Sessão de Arquivo da Biblioteca Pública. Não esqueçamos
que esse setor do governo estadual era gerenciado pelo também sócio do IHGS,
Epifânio da Fonseca Dória. E, ainda, foi da Sessão de Arquivo da Biblioteca que
partiu a maior parte dos manuscritos publicados na Revista do Instituto.

O único indício de mudança de concepção em termos de museu foi registrado em


1918 por Manuel dos Passos de Oliveira Teles. De acordo com proposta assinada
também por Florentino Menezes, o IHGS teria solicitado auxílio ao Governo estadual
para realizar escavações e reconstituições de fósseis de “animais antediluvianos”
encontrados nos municípios de Gararu e Aquidabã. A idéia era criar um museu de
paleontologia. Essa proposta de Florentino e Manuel dos Passos foi, provavelmente,
um desdobramento da doação “de ossos” efetuada pelo coronel Francisco Figueiredo,
morador da cidade de Aquidabã. Da citada expedição ou do museu de paleontologia
não há comentários posteriores nas Atas do IHGS.271

As mudanças estatutárias de 1917 que extinguiram a Comissão Permanente do Museu


e Biblioteca colocaram as três unidades (arquivo, museu e biblioteca) sob a
administração do Secretaria Geral, estando as duas primeiras aos cuidados do 2º
Secretário, e a terceira, diretamente ligada ao Secretário geral. A ausência de sede
própria e a própria tendência colecionista em vigor foram, talvez, os grandes
responsáveis pelas ínfimas discussões sobre as necessidades e especificidades de cada
uma dessas unidades. Arquivo, museu e biblioteca aparecem com funções idênticas:
como local de culto (consagração na memória local) e repositório de fontes tornadas
históricas (bibliográficas e manuscritas). Procurou-se então recolher toda espécie de
“troféus” e relíquia, independentemente de sua configuração plástica, para reforçar a
legitimidade da instituição como representação do sentimento pátrio: “a primeira bala
disparada pelo destroyer Sergipe, quando em manobras na Inglaterra, doação do
almirante Amintas Jorge; uma folhinha (calendário) que circulou durante o ano da
Independência do Brasil; um diploma de bacharel emitido por universidade francesa a
um sergipano em 1842; diplomas do poeta sergipano Hermes Fontes. Até pelo menos
1920 guardava-se a carabina de Francisco Camerino e a espada do Capitão Medeiro
Chaves (combatentes na Guerra do Paraguai) e um ex-voto bastante especial: a
cadeira do Bispo D. Quirino "com a inscrição do milagre com que foi ele
beneficiado."272.

O acervo da biblioteca formado por contínuas doações ao longo de 152 sessões é


também um rico testemunho do dinamismo da instituição nas duas primeiras décadas
de existência. Ele depõe sobre os laços estabelecidos com dezenas de associações
congêneres e sobre a constante troca de saberes e opiniões. Dele fazem parte coleções
inteiras das Revistas de diversos Institutos Históricos do país, dos mais importantes
museus do período, com o Museu Paulista, o Museu Histórico Nacional e de
Faculdades de Direito. Revistas de “cultura geral” como a Revue de deux mondes de
271
Ver Atas relativas aos dias: 06/01/1917 e 06/04/1918.
272
Silva, Clodomir. Álbum... p. 120.

104
grande prestígio na França por volta de 1900 também fizeram parte da Biblioteca da
casa. Os jornais foram outro tipo de doação freqüente. A hemeroteca do IHGS guarda
precioso acervo, principalmente da imprensa sergipana do século XIX e até relíquias
como um exemplar do primeiro periódico que circulou no Estado. Os dicionários,
almanaques e manuais, utilizados nos cursos de direito e medicina no início desse
século foram também incorporados ao acervo por cessão de alguns dos seus ilustrados
sócios.

Independentemente da “condição” sócio-cultural de sua comunidade alvo, o IHGS


entendia como necessária a disseminação da pedagogia do bom exemplo, do culto aos
símbolos pátrios o que, em síntese, redundava na construção de uma memória para o
Estado republicano. Políticos e intelectuais foram os personagens privilegiados tanto
na ereção de bustos, adquiridos através de subscrição popular ou doados por
particulares, quanto na aposição de retratos. Desse primeiro tipo de homenagem foi
alvo o então governador do Estado General José Siqueira de Menezes. Os atos de
bravura desse “herói republicano” em Canudos, registrados por Euclides da Cunha
em Os sertões, já seriam motivos suficientes para imortalizá-lo, mas os sócios do
IHGS viram no empenho do governante em favor do progresso material e intelectual
do Estado uma justificativa plausível para perpetuar no bronze a imagem de um
grande exemplo a ser seguido.

Inácio Barbosa, fundador da cidade de Aracaju, foi outro personagem bastante


festejado pelos sócios da casa. O ano de 1917 marcava os 62 anos da fundação da
capital e, coincidentemente, enquanto o IHGB providenciava o traslado dos restos
mortais de D. Pedro II para o Brasil, o IHGS fazia o mesmo com os restos mortais de
Inácio Barbosa e Tobias Barreto em 1916.273 É justamente nas homenagens a Barbosa
que se pode perceber similitudes das práticas do Instituto com alguns dogmas
explicitados no catecismo positivista.274 Para Enock Santiago, a própria atitude de
rememorar os mortos constitui em si uma ação pedagógica de grande valor, é um
caráter civilizatório. Isso porque “os povos cultos não deixam nunca no olvido os
seus maiores.”275 Santiago afirmou ter a “convicção espiritual” de que o
homenageado (Inácio Barbosa) o estava ouvindo no momento em que discursava. Já
Prado Sampaio acreditava que da paixão (onde a religião encontra sua raiz
antropológica) teria emergido “o sentimento da glorificação, culto dos deuses e dos
heróis, o preito de justiça que é mister tributar aos bem-feitores dos povos, e cujas
manifestações servem de pedra fundamental à religião da humanidade.”276 Foram

273
Revista do IHGS, Aracaju, v. n. 8, p. 386 e 391 1919.
274
Mozart Soares assim explica a importância dos mortos para a religião positivista: “Reconhecendo a
crescente influência do passado sobre o presente, como exemplo das gerações pretéritas sobre as
vindouras, Comte estabeleceu a máxima a ser gravada no pórtico dos futuros templos da Religião do
Amor Universal: ‘Os vivos serão sempre, cada vez mais necessariamente, governados pelos mortos.
Observa-se que não há, nesta divisa, nenhum sentido sobrenatural; apenas a lembrança dos melhores
exemplos que devemos consagrar e recolher, para com eles criar o futuro.” [Soares, Mozart Pereira. O
Positivismo no Brasil: 200 anos de Augusto Comte. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 1998. p. 79].
Para Augusto Comte “a Humanidade se compõe essencialmente dos mortos dignos de sobreviver, seus
templos devem ser colocados no meio dos túmulos de elite.” Comte, Augusto. 5ª Conferência do
Catecismo Positivista. São Paulo: Nova Cultural, 1991. p. 133. (Col. Os Pensadores).
275
Santiago, Enock. Discurso. Revista do IHGS, Aracaju, v. n. 7, p. 45, 1917.
276
Sampaio, Prado. Discurso. Revista do IHGS, Aracaju, v. n. 7, p. 41, 1917.

105
também alvo imortalizações no bronze, gesso ou no granizo o governador general
Manoel Prisciliano de Oliveira Valadão (1916), as figuras intelectuais de Silvio
Romero (1916), Tobias Barreto (1920), general Ivo do Prado Montes Pires da França
(1925) e o artista plástico Horário Hora (1927). No período estudado, o Barão do Rio
Branco foi o único não sergipano selecionado para fazer residir permanentemente no
ambiente do Instituto em forma de busto.

Descendo a hierarquia das formas de entronização, havia o costume de eternizar os


bem-feitores através da aposição de retratos no salão principal da casa. Desse rito
eram alvo os sócios do Instituto indicados pelos próprios colegas, sendo a maioria dos
retratados homenageados ainda em vida. O mérito valia pelo empenho nos trabalhos
da instituição ou mesmo pela relevância da obra literária e científica. Assim, tiveram
seus retratos inaugurados os presidentes da casa Caldas Barreto Neto (1914), Amintas
Jorge e João da Silva Melo (1917), os governadores do Estado Oliveira Valadão e
José Rodrigues da Costa Dória, o presidente Nilo Peçanha (1917), o poeta Pedro
Calazans (1917), os historiadores Rocha Pombo (1917) e Rafael Galanti (1918), o
herói da Guerra do Paraguai, Francisco Camerino (1917), os sócios fundadores
Armindo Guaraná e Manoel dos Passos de Oliveira Teles (1925). Também tiveram
inaugurados os seus retratos: Antônio Garcindo Fernandes de Sá (1919), Antônio
José da Silva Travassos (1917), Frederico Mariath (1916), Rui Barbosa e os heróis da
Revolução de 1817 (1917).277

***

Depois de tratada a formação da representação “Sergipe” em seus aspectos da luta


pelo território, organização da memória e civilização dos habitantes locais resta saber
como se desencumbiu o IHGS de sua missão mais espinhosa, a tarefa de disseminar a
“ciência” em solo pátrio. É preciso verificar, entre outras questões, qual a
contribuição do Instituto para a formação de uma linguagem científica e,
particularmente, qual o lugar da tradição cientificista para a concepção de uma escrita
da história em Sergipe no início do século XX. Algumas respostas serão apresentadas
no capítulo que se segue, partindo da análise do conjunto da produção da casa
expressa através do seu veículo oficial, a Revista do Instituto Histórico e Geográfico
de Sergipe, no intervalo compreendido entre a fundação do periódico (1913) e
primeiro grande lapso de circulação (1929).

277
Entre os artistas que trabalharam diretamente com a produção memorialística do IHGS foram
anunciados Rodolfo Bernardelli, para as esculturas e Guttman Bicho, para os retratos pintados.

106
Capítulo IV

Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe

Da produção e circulação do periódico

Capítulo IV

Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe

Sobre a produção e circulação do periódico

O título “Revista do Instituto Histórico e Geographico de Sergipe” foi instituído


oficialmente em 27/08/1912 com a publicação dos Estatutos do IHGS. A produção
de um periódico que divulgasse as "atas, os nomes dos sócios, discursos e trabalhos
litterarios” era um dos fins da entidade. Inicialmente a Revista foi programada para
circular trimensalmente, periodicidade que não chegou a ser respeitada para além do
primeiro ano. Em 1916 já surgia como fascículo único e no ano seguinte uma
determinação estatutária a transformou em veículo de circulação anual
[14/02/1917].278 Esse compromisso com a periodicidade desapareceu nos Estatutos de
1949, supressão que vigora até os dias atuais.279 A capa e a folha de rosto da
publicação continuaram porém [pelo menos até o n.º 14 editado em 1929]
apresentando o título “Revista Trimensal do Instituto Histórico e Geographico de
Sergipe280. A anualidade não foi mantida por problemas diversos entre os quais o
financiamento dos serviços gráficos e a reestruturação administrativa do IHGS,
resultando em grandes hiatos entre 1930 e 1938, 1966 e1978. As lacunas também
estabeleceram-se sobre períodos mais curtos onde a produção de alguns anos foi
condensada em um só número: 1921/1925; 1926/1927; 1941/1942; 1945/1948;
1949/1951; 1955/1958; 1962/1965; 1979/1982; 1983/1985; 1988/1989; 1990/1992.

Apesar dos percalços, o veículo do IHGS tem se apresentado o mais longevo. No


período 1912/1992 circularam 27 volumes distribuídos em 31 números, incluindo-se
as 5 edições especiais: a de 1917 dedicada ao Presidente Inácio Barbosa, fundador da
capital Aracaju; o de 1920 em homenagem ao Centenário da Emancipação do Estado
de Sergipe; a de 1934, consagrada ao Centenário de Tobias Barreto; 1960, dedicada a
vários literatos de Sergipe nascidos 100 anos antes; e o de 1992 dedicado aos 80 anos
de fundação do Instituto. A longevidade da Revista do IHGS não implicou, porém,
modificações substanciais quanto à formatação. Do primeiro ao mais recente número
conservou o formato 22,5 x 15,5 e as páginas sempre a 1 coluna. A quantidade de
páginas variou entre aproximadamente 120 e 400 pois os números das revistas
incluíram 1, 2, 3, ou 4 fascículos trimestrais e, em alguns casos, a matéria de vários
anos.

278
Estatutos do IHGS. Revista do IHGS, Aracaju, n.7, p. 125-135, 1917.
279
Estatutos do IHGS. Aracaju: Imprensa Oficial, 1950. p. 3; Estatutos do IHGS. Diário de Aracaju,
30 abr. 1991.
280
Houve pequenas variações em 1917/1919 como Revista do IHGS.

107
Os únicos testemunhos colhidos sobre a tiragem indicam uma média de 300
exemplares, do número 1 ao 8; 200 (menor tiragem) para o número 9; 281 400 para os
números 15 a 18; e 500 (maior tiragem) para o número 25.282 O que se deduz que
eram suficientes para a distribuição entre os sócios, a permuta com os demais
Institutos do Brasil e agremiações congêneres, e ainda para uma reserva visando
eventuais permutas283. Sobre a venda de exemplares nada colhi. Epifânio Dória
informou, porém, de que a produção dos números de 1 a 9 ou seja de 1913 a 1920
fora custeada pelo Governo do Estado. A partir dessa data, incomodados com as
dificuldades de fazer valer a lei que determinava a impressão da Revista na Imprensa
Oficial do Estado, o presidente Amintas Jorge e o próprio Dória contrataram os
serviços da tipografia de A Cruzada (número 10, publicado em 1925) e o
estabelecimento de José Lins de Carvalho (números 11, 12, 13 e 14, publicados em
1926/1929). Todos estes localizavam-se em Aracaju.284

A redação da Revista, mesmo em relação apenas ao período em análise (1912/1929),


ficou a cargo de vários grupos. O primeiro número, que cuidou em grande parte de
anunciar a fundação do Instituto, não apresentou os organizadores. Os números 2, 3,
4 e 5 foram redigidos por um grupo de sócios em sua maioria membros das comissões
permanentes. Compunham o corpo de redatores: Armindo Guaraná, Barreto Neto,
Oliveira Teles, Prado Sampaio e Pedro Sotero de Machado285. Para os números 6 e 7
foram mantidos os nomes de Prado Sampaio e Oliveira Teles sendo acrescentados
João Menezes, Costa Filho e Deodato Maia. Com a reforma estatutária de
04/02/1917 instituiu-se a “Comissão da Revista”. Libério Souza Monteiro, Álvaro
Fontes da Silva e Antonio Batista Bitencourt redigiram os números 8 e 9; Nobre de
Lacerda, Cláudio Gans e Epifânio Dória o 10 e 11; Ascendino Argolo, Nicanor Nunes
e Pedro Sotero de Machado 12 e 13; e João Passos Cabral, Maria Rita e Pires Wynne
o número 14. Em 1949, a Comissão da Revista deixou de existir. As suas tarefas
parecem ter sido absorvidas pela Comissão de Divulgação. Entre as atribuições desta,
foram mantidas a missão de "colligir e escolher matéria" para a publicação mas a
expressão "Revista" foi omitida, situação inalterada nos estatutos atualmente em
vigor.286

281
Revista do Instituto Histórico e Geográfico, Aracaju, v. 11, n. 16, p. 210, 1926.
282
Ibid.. v. 16, n. 19, p. 242-243, 1945.
283
Em 1942 somente o n. 13 estava esgotado. Ibid., v. 11, n. 16, p. 210, 1926.
284
Epifânio afirmava que conseguir a ordem de impressão da Revista na Tipografia Oficial "era coisa
difícil, e se o presidente do sodalício não fôsse pessoa bastante prestigiada junto à situação, o problema
era então insolúvel. Havia ainda uma circunstância desanimadora a influir contra a saída normal da
Revista, - as preterições na Imprensa Oficial, provavelmente rasoáveis, pois o montante da matéria
oficial do Estado havia de ser grande, não admitindo delongas na sua divulgação. Dória, Epifânio.
Ritmo normal. Revista do IHGS... v.23, n. 23, p. 3-4, 1959.
285
Este último só participou dos números 2 e 3.
286
cf. Estatutos do IHGS... 1950, op. cit. p. 11; Estatutos do IHGS...1991 op. cit. p. 11.

108
Dos autores, textos e temáticas

Nem sempre quem trabalhou como redator escreveu para o periódico. E foram muitos
os casos. Mas certamente, alguns dos organizadores da Revista despontaram como
seus mais ativos contribuintes. Prado Sampaio foi exemplo disso. Em um conjunto de
41 autores e 105 trabalhos, ele foi o que mais publicou no periódico (16 trabalhos),
seguido por Costa Filho (10), Lima Júnior (7), Oliveira Teles e Elias Montalvão (6),
Armindo Guaraná e Manoel Caldas Barreto (5). Constata-se, então, que esse grupo, já
bastante citado nos capítulos anteriores, foi responsável por mais de 50% de todos os
trabalhos assinados da Revista.287

O espaço do veículo também limitou a participação de forasteiros. Ficaram fora, por


exemplo, os textos de Brás do Amaral e as duas conferências do "cientista" austríaco
Ludwig Schwenhagem. Foram, sobretudo, os sergipanos, sócios e residentes no
Estado, que tiveram textos publicados (sócios fundadores como Prado Sampaio e
Oliveira Teles que sairiam de cena na década de 1930 e membros que trabalhariam
até os idos de 1970 como Epifânio Dória e Pires Wynne). É de se estranhar, porém, a
exígua participação de Florentino Menezes de quem se editou apenas o discurso
pronunciado durante a fundação do IHGS. Autodidata com leituras diversas em
geografia, história, psicologia, sociologia e matemática, estudante de medicina em
faculdades da Bahia e Rio de Janeiro, Florentino Menezes foi o pioneiro da sociologia
produzindo 14 livros e mais de 190 artigos jornalísticos no período 1911/1959 em
Aracaju. As razões da sua ausência na Revista ainda permanecem no âmbito das
hipóteses. Uma dessas seria o caráter militante da sua forma de praticar ciência.
Florentino tentou depurar o pensamento dos sociólogos estrangeiros e incorporou à
sua teoria alguns temas e problemas conflitantes com a estrutura oligárquica local.
Pregou a luta de classes, a revolução armada, a destruição do capitalismo e a
militância socialista como instrumentos adequados à construção de uma nova
realidade.

A segunda hipótese, que à primeira vista poderia parecer ingênua, está relacionada a
sua forma de pensar os lugares de produção da ciência. Diplomaticamente,
(ironicamente ou não), Florentino concebia o Instituto como um "templo" (em sua
versão positivista): templo da ciência, "onde os ânimos são calmos, as paixões
desaparecem" onde os ódios dão lugar "à expressão poderosa do pensamento e à ação
livre e moralizadora de justiça."288 Como seus textos tematizavam questões
contemporâneas de forte apelo revolucionário e que exigiam respostas imediatas, a
Revista não seria um eficiente instrumento de veiculação.

O conteúdo da Revista foi distribuído em forma padrão: elementos pré-textuais


(folhas de rosto, listagem dos membros da diretoria e comissões permanentes;
textuais (memórias, artigos, discursos, etc.); e pós-textuais (transcrição de atas do
Conselho da Província, do IHGS, listagem dos sócios e sumário). Em número de

287
Apenas três trabalhos (excluindo-se as listagens e transcrições) não tiveram seus autores
identificados. não assinados: dois discursos e uma sinopse biográfica.
288
Menezes, Florentino. Discurso pronunciado no IHGS em 30/07/1917. Ver Livro de Atas do IHGS.
v.2.

109
peças despontaram as transcrições, listagens e discursos, mas quando examinados o
espaço ocupado em número de páginas fica claro que os redatores deram muita ênfase
à divulgação das memórias e conferências produzidas para o Instituto. Minoritários
foram os poemas e o necrológio do tipo clássico (dissertando sobre as glórias do
falecido). Foi também através do critério do espaço ocupado que pude constatar uma
ligeira predominância dos trabalhos relativos à atividade-meio sobre os de atividade-
fim. Essa distinção pode parecer anacrônica mas ela própria já estava prescrita nos
primeiros anúncios sobre a função da Revista: por um lado divulgar as atas, discursos
(o expediente do IHGS), por outro, publicar os "trabalhos literários referentes aos fins
do Instituto". Assim, a partir da análise de conteúdo não foi difícil constatar que 52%
do espaço do periódico foram destinados às reportagens sobre as cerimônias, o retrato
de autoridades do executivo, intelectuais e diretoria, relatórios, correspondência e
discursos de recepção aos sócios e visitantes ilustres, enquanto que os 48% restantes
divulgaram conferências, biografias, "memórias", a maior parte do artigos e os
"documentos inéditos".

Também através dessa classificação (atividade-meio/atividade-fim), abrir-se-ia a


possibilidade de destrinçar o conteúdo da Revista e prosseguir a análise submetendo-
os ao conhecido grupo conceitual história/memória. Em tese, todo conteúdo da
Revista é memória (construto/registro monumental do passado sergipano e da
vivência da instituição), mas em caráter operatório e ciente de que a Revista continha,
além de função memorialística (acadêmica), uma função científica (instituição de
disciplinas), seria possível separar as duas "condições" (memória e história) a fim de
melhor compreender a contribuição, o modo particular de escrita histórica
adotado/permitido pelos historiadores do período. Por essa estratégia, os tipos de
trabalho publicados estariam relacionados aos dois conceitos da seguinte forma:
memória – fotografia, brasão, ata, correspondência, listagem, notícia de jornal;
historiografia – artigos de fundo, biografias, “memórias.”

Apesar de atraente, essa proposta apresenta alguns problemas metodológicos de


difícil resolução. As classificações por forma (artigo, notícia), problemática e
conteúdo (IHGS, história de Sergipe), recorte temporal (presente imediato, período
colonial) etc. são inconciliáveis e não se justapõem. Depois, as próprias
características da escritura acadêmica viciariam a análise sobre a tensão básica pela
qual se debate a ciência histórica desde o momento em que resolveu torna-se
"científica": o caráter pessoal, absoluto, sagrado da memória versus a contingência, o
constrangimento e a relatividade que marcam a atitude historiográfica. Aliado a esses
dois entraves, tem-se ainda a questão da fecundidade de sentidos e possibilidades
oferecidos pelo conceito "memória" ao estudo do produto da Revista do IHGS:
memória como "estoque" para a construção de um passado comum? Como base de
registros sobre o passado? Como forma de conhecer o passado? Como lembrança,
atitude individual dos presidentes do Instituto?

Para o exame da Revista, diluí as considerações sobre a tensão memória/história


(como o fiz desde os capítulos anteriores) nos comentários acerca dos fins propostos
pelos sócios tanto para a instituição quanto para a Revista (atividade meio/atividade
fim). Não me detive demoradamente sobre a atividade meio já que, sob esse aspecto,
o produto da revista é espelho das "práticas" analisadas no segundo capítulo. Aqui

110
basta caracterizar os tipos dominantes que ocuparam 52% do espaço da revista como:
discursos de posse, agradecimento ou recepção aos novos sócios e visitantes;
discursos e conferências proferidos durante a ereção de bustos ou em comemoração
às datas cívicas estabelecidas pela República (o 14 de julho, 13 de maio, 7 de
setembro etc.); informes sobre o andamento dos trabalhos, esclarecimentos sobre a
publicação da Revista; listagens de membros da diretoria e de comissões de trabalho,
de donativos recebidos, dos sócios ativos e falecidos; elogios aos intelectuais, aos
governantes do executivo nacional; correspondência entre sócios, reportagens sobre
festividades promovidas pela casa; retratos; estatutos e transcrições sobre leis que
beneficiaram o Instituto. A tônica desse material foi basicamente informativa. A
missão era manter os sócios atualizados sobre as novas conquistas e tarefas do
Instituto. O objetivo era também evidenciar a relevância social da instituição,
propagandear o prestígio adquirido junto às esferas dominantes no poder político-
econômico através de ações de civismo e patriotismo. Firmar um rito acadêmico e
cimentar uma memória institucional através do auto-elogio e da promoção dos seus
principais dirigentes foi, talvez, o principal legado desse tipo de trabalho.289

A respeito da atividade fim, extraí os elementos que considerei mais significativos


para efeito de análise: as contribuições heurísticas, de cunho geográfico e
historiográfico. Os textos foram buscados em sua quase totalidade nas chamadas
"memórias", nos artigos de fundo, biografias e transcrições. Como principal critério
de seleção, válido para a geografia e para a historiografia, considerei a expressão da
"identidade" do autor (historiador ou do geógrafo) e da obra (de cunho geográfico ou
historiográfico) utilizando valores contemporâneos aos textos analisados. Parte desses
valores sustentou-se na própria atitude de produzir e se auto-anunciar como aspirante
às citadas formas de conhecimento (intenção). A outra esteve relacionada às
características atribuídas pelos intelectuais e instituições do período e aqueles que
poderiam aproximar-se e até utilizar-se da rubrica de historiador e geógrafo
(reconhecimento).290

Seguindo essa tipologia, constatei que as contribuições geográfica, heurística e


historiográfica expressas na Revista não são de maneira alguma eqüitativas. A
historiografia ocupa aproximadamente 21%, a recolha de fontes 16% enquanto para a
abordagem geográfica são destinados apenas 11%. As formas de conhecer também
não geraram grupos ou mesmo um especialista. Os autores transitaram entre as várias
formas de conhecimento e, salvo raríssimas exceções, pertenceram aos quadros do
IHGS, sobretudo, ao seleto grupo de intelectuais que movimentou as lides literárias
do Estado dentro e fora do Instituto. Vejamos então os traços dominantes dessa
produção a começar pela forma mais breve e abundante: a recolha de fontes para a
história do Estado.

289
Para uma visão detalhada de todo o conteúdo da Revista ver o anexo I o inventário de todos os
duzentos e quatro trabalhos publicados entre os números 1 e 14.
290
A esse respeito ver: Falcon, Francisco J. C. A identidade do historiador. Estudos Históricos, Rio de
Janeiro, n. 17, p. 7-29, 1996.

111
A contribuição heurística

Como já afirmamos, o IHGS foi fundado com uma preocupação heurística:291


"verificar, coligir, arquivar e publicar os documentos, memórias e crônicas relativas
às datas históricas, à distribuição geográfica, às curiosidades arqueológicas, ao
folclore, à etnografia e línguas dos indígenas e tudo que possa concorrer para a
História do Brasil e especialmente de Sergipe."292 Apesar das mudanças estatutárias
ocorridas em 1917, transformando a instituição de sociedade erudita em agência de
civismo, a tarefa de formar um "estoque" de fontes sobre a história do Estado até foi
ampliada. Criou-se, inclusive, uma Comissão de "Manuscritos e Autógrafos".
Todavia, em relação à publicação, o resultado dessa "caça aos documentos"
representa muito pouco, haja vista o reduzido espaço da Revista efetivamente
ocupado com os materiais imprescindíveis à escritura da história local.

Assim, a publicação de fontes aparenta estar em descompasso com as notícias sobre a


recepção de manuscritos e o crescimentos expressivo do arquivo da instituição. A não
ser que se estivesse aguardando condições para publicá-los em separado, a explicação
para a exígua parcela divulgada no periódico pode estar no filtro imposto pelas
sucessivas comissões de redação da revista e, mais ainda, nos critérios vigentes sobre
o que deveria ou não ser objeto de lembrança fundamental por parte dos futuros
historiadores. Independentemente da existência ou não desse filtro, dois tipos de
documentos foram privilegiados na Revista: atas e legislação (do executivo e
legislativo) e as crônicas. As Atas do Conselho de Governo da Província foram
publicadas ininterruptamente até o n.º 14 da Revista e constituiram uma sessão
estável intitulada "Documentos Inéditos". As transcrições contemplaram os anos de
1824 a 1831 e eram fornecidas pelo diretor da Biblioteca Pública do Estado (também
sócio efetivo do IHGS), Epifânio da Fonseca Dória. Na primeira edição o transcritor
confessa o valor das atas iniciais: "Lavrada de próprio punho de A. Pereira Rebouças,
mais tarde do conselho de S. M. I., e sendo de uma época em que a província estava
em começo da sua vida autônoma, a aludida ata não pode deixar de ser um
documento de alto valor."293 E realmente tratava-se de material valoroso para o
conhecimento da experiência local, principalmente em suas instâncias superiores de
decisão. As atas fornecem informações variadas sobre a criação de vilas e freguesias,
abastecimento, segurança, eleições, receita e despesa, limites entre Sergipe e Bahia.
Também informam sobre terras indígenas, tentativas de insurreição escrava, ciganos,
revolução republicana, ensino para os pobres, migração estrangeira, conflitos entre
lavradores e agricultores, comércio local, algumas dessas temáticas até hoje
insuficientemente exploradas.

Dos "documentos valiosos" foram publicados: Decreto assinado por D. João VI em 8


de julho de 1820, tornando a capitania de Sergipe d'El-Rey independente da capitania
da Bahia; relatório do presidente da província Inácio Joaquim Barbosa, pronunciado
na Assembléia Legislativa Provincial em abril de 1854, informando sobre os
291
Heurística o sentido empregado por Marrou: "caça ao documento". Arte de "conhecer a existência, a
natureza, as condições de utilização das diversas categorias de fontes históricas." Marrou, H. I. Do
conhecimento histórico. 4 ed. Lisboa: Martins Fontes, [19--]. p. 65-67.
292
Capítulo primeiro do Estatutos do IHGS (1912).
293
Documentos inéditos. Revista do IHGS, Aracaju, v. 2, n. 3, p. 81, 1914.

112
trabalhos realizados pela administração pública; ato do ouvidor-geral, estabelecendo
os limites entre a freguesia de Santo Antonio do Urubu de Baixo e Vila Nova;
testamentos dos 2º e 3º presidentes da Província, José Vicente da Fonseca e Manoel
Clemente Cavalcante de Albuquerque (falecidos respectivamente em 1830 e 1826);
Carta régia e portaria de Dom Joan de Alencastro (13/07/1696) sobre a criação de
ouvidorias em Sergipe e na Bahia.

Além das provas corregedoras da historiografia sergipana, ao Instituto interessava


também a história in statu nascendi, a narrativa conjuntural, descritiva, limitada a
uma missão.294 Por isso, publicou três importantes trabalhos. O primeiro foi a
"Informação sobre a Província de Sergipe", relato feito pelo secretário José Antônio
Fernandes para o presidente Carlos Cesar Burlamaque, informando sobre limites,
população, divisão judiciária, divisão religiosa, finanças, produtos extrativos e
agropecuários, forças militares, problemas com prédios públicos, situação das barras,
e cobrança de impostos da Capitania de Sergipe.295 O segundo foi a transcrição de
dois capítulos do Novo Orbe Seráfico Brasileiro...(1761) do frei Antônio de Santa
Maria Jaboatam: "Da capitania de Sergipe Del-Rey" e "Princípio, e progressos do
convento da Cidade de Sergipe Del-Rey até o presente".296 Texto breve, apenas nove
páginas, informava sobre a conquista de Sergipe, fundação e transferência de São
Cristóvão, fundação e ocupantes do convento de Sergipe. O livro do frei Jaboatam
fora, inclusive, abonado por Felisbelo Freire em sua História de Sergipe.

De maior significado, foi a reedição do trabalho do proprietário rural e político liberal


José Antônio da Silva Travassos (1804/1872). Os "Apontamentos históricos e
topográficos sobre a Província de Sergipe" informam sobre a geografia e história de
Sergipe, enfatizando os aspectos políticos, jurídicos, religiosos e as realizações
administrativas de cada governo entre os anos 1590 e 1859. O texto foi oferecido ao
Imperador Pedro II como contribuição à ausência de informações topográficas sobre
Sergipe e de cartas sobre o território e hidrografia da Província. Era também intenção
de Travassos corrigir as descrições que os diferentes "tratados de geografia" haviam
fornecido anteriormente. O seu trabalho seria então "mais exato, devido, não só ao
conhecimento e inspeção ocular, como ao exame de documentos particulares, e
oficiais existentes nos cartórios mais antigos, e nos mais antigos arquivos das
Municipalidades da Província."297 Escrito em 1860, o texto fora publicado
inicialmente em 1875 por João José do Monte, neto do autor. Os apontamentos
permanecem ainda como referência fundamental para os estudos históricos já que
representam o primeiro grande esforço de síntese da historiografia sergipana pós
autonomia. Entretanto, para Calazans, a parte referente ao período colonial "contém
alguns equívocos como, por exemplo, a afirmação de que os holandeses edificaram,

294
Para uma diferenciação entre crônica e história aplicada ao século XIX ver Rodrigues, José
Honório. História da história do Brasil: historiografia colonial. São Paulo: 2 ed. Companhia Editora
Nacional,1979. p. XVII.
295
Informação sobre a Província de Sergipe. Revista do IHGS, Aracaju, v. 1, n. 1, p. 46-50.
296
Jaboatam, Antonio de Santa Maria. Novo Orbe Seráfico Brasileiro ou Crônica dos frades menores
da Província do Brasil, por frei Antonio de Santa Maria Jaboatam, impressa em Lisbôa em 1761
[capítulos VIII e XIII relativos à Capitania de Sergipe]. Revista do IHGS, Aracaju, v. 2, n. 3, p. 49-58.
1914.
297
Travassos, Antônio José da Silva. Apontamentos históricos e topográficos sobre a Província de
Sergipe. Revista do IHGS, Aracaju, v. 3, n. 6, p. 84, 1916.

113
em S. Cristóvão, a igreja matriz, os conventos do Carmo e São Francisco, bem como
a igreja e a casa da Misericórdia, acrescentando que no frontispício da matriz
achavam-se as armas dos holandeses, raspadas por ocasião da independência do
Brasil".298 Outra deficiência do texto, apontada por Calazans e pelos historiadores que
o têm consultado, é a falta de referências sobre as fontes utilizadas, principalmente,
no que diz respeito ao período anterior à conquista, aos nomes, domínios e destinos
dos grupos e chefes indígenas dos primeiros habitantes do lugar.

298
Calazans, José. Introdução ao estudo da historiografia sergipana. In: Aracaju e outros temas... p. 13.

114
A contribuição geográfica

A rigor não se pode falar em abordagem geográfica ou historiográfica no final do


século XIX como áreas específicas do conhecimento. Primeiro porque as duas
disciplinas no Brasil não haviam alcançado a "cidadania acadêmica" (universitária).
Tanto a história quanto a geografia estavam ancoradas em (não tão simples)
categorias como tempo/espaço, homem/natureza. Isso sem esquecer que na "árvore
do conhecimento" as duas disciplinas (em sua versão moderna) possuíam origens
paradigmáticas comuns remontando à Alemanha e à figura de E. Kant. Com a invasão
do ideário evolucionista e a busca pelo status científico, geografia e história
mesclaram-se ainda mais haja vista o estabelecimento de relações causais entre o
meio físico e a transformação das sociedades. Evidências dessas trocas podem ser
encontradas tanto em obras de síntese da historiografia sergipana, História de Sergipe
e Álbum de Sergipe quanto em clássicos gerais, como Capítulos de história colonial
de Capistrano de Abreu e Os sertões de Euclides da Cunha. Resguardando-se as
diferenças teórico-metodológicas, todas as citadas contemplam descrições geológicas
e de relevo nos seus capítulos iniciais.

A geografia no Instituto foi matéria estatutária e anunciada igualitariamente nos


discursos de fundação da casa. Entretanto, a geografia, a abordagem de cunho
confessadamente geográfico, foi produto minoritário na Revista. Dos 14 números
analisados apenas 11 trabalhos puderam ser classificados como tal.299 Mas a geografia
possuía seus leitores aplicados no IHGS como Florentino Menezes e Costa Filho.
Movidos por interesse político e por uma necessidade profissional, esses e outros
autores mantiveram-se atualizados com a matéria produzida em nível nacional,
principalmente trabalhos veiculados em congressos específicos. Sabemos, por
exemplo, que a participação do IHGS nesses eventos iniciou-se ainda em 1914 no I
Congresso de História Nacional (Rio de Janeiro, 7-16/09/1914). Nesse certame, Costa
Filho apresentou "memória" onde a serra de Itabaiana era o personagem central.
Cenário de grandes acontecimentos, a então "mais elevada das eminências do
território sergipano" deveria ocupar, segundo o autor, um capítulo inteiro de uma
possível "história completa" do Estado.300

O Segundo congresso de História Nacional demorou 16 anos para ocorrer (e está fora
do nosso recorte cronológico), mas essa lacuna não significou desenlace dos membros
do IHGS com a "comunidade científica nacional" (acadêmicos, legisladores, alto
escalão dos executivos federal e estadual). Os congressos de geografia ocorridos
entre 1915 e 1922 tiveram efetiva participação do Instituto, inclusive, através da
apresentação de monografias. Esses congressos reuniam personalidades de renome
tanto das instituições ligadas à geografia quanto à história, como: José Artur
Boiteaux, Barão do Rio Branco, Marquês de Paranaguá, Teodoro Sampaio, Barão
Homem de Melo, entre outros. Nesses encontros, Institutos históricos, Sociedades e
Comissões de geografia discutiam e aprovavam trabalhos de pesquisa e relato de

299
O critério de escolha dos trabalhos foi o mesmo utilizado para a análise de historiografia: a intenção
(dos autores) e o reconhecimento (de seus pares).
300
Costa Filho, Luiz José da. Memória sobre a serra de Itabaiana. Revista do IHGB: Primeiro
Congresso de História Nacional, Rio de Janeiro, v. 1, p. 813-818, 1915. (parte 1)

115
atividades que depois eram repassados aos governos como sugestões para o
desenvolvimento de políticas específicas (saneamento, exploração mineral, educação
etc.).

Em congressos de geografia, a participação efetiva do IHGS iniciou-se em Recife,


(1915). Prado Sampaio bem que tentou, mas a representação do Instituto no 4º
Congresso ficou a cargo dos sócios honorários Abdias Oliveira e Artur da Silva Rego.
Isso não impediu que Sampaio tivesse aprovado, no mesmo evento, o trabalho
"Geografia social sergipana". No quinto, coube a Costa Filho, por indicação do
presidente do grêmio, Barreto Neto, a representação do IHGS com a memória "A
geografia e a guerra".301 Outros quatro sergipanos também estiveram nesse congresso
em Salvador. Ítala Silva de Oliveira com o trabalho – "Necessidade do ensino de
Geografia"; Helvécio de Andrade – "Do ensino da geografia: regras e nomenclatura";
Armindo Guaraná – "Glossário etimológico dos nomes da língua Tupi na geografia
de Sergipe"; e Florentino Menezes – "A influência dos fatores geográficos na
formação da sociedade brasileira". Inexplicavelmente, o representante oficial do
IHGS omitiu a participação de Guaraná, Andrade e Florentino Menezes em suas
"Reminiscências e impressões do 5º Congresso Brasileiro de Geografia".302 Tratou
Costa filho de informar da boa acolhida do seu trabalho e da memória da professora
Ítala, além de ressaltar a defesa heróica dos interesses sergipanos (limites territoriais)
feita por José Rodrigues da Costa Dória frente à monografia de Brás do Amaral –
"Município do Patrocínio do Coité.

No sexto congresso (Belo Horizonte, 1919) novamente Costa Filho foi escolhido
representante oficial do IHGS apresentando sua "Geografia militar: uma necessidade
entre nós". Sua participação parece ter sido ofuscada pela memória de Ivo do Prado
(também sócio do Instituto) sobre os limites Sergipe-Bahia.303 O general foi
encarregado pelo Governo do Estado de produzir pesquisa que esclarecesse, por fim,
os direitos territoriais de Sergipe e apresentá-la no Congresso de Belo Horizonte:
principal foro para dirimir pendências sobre limites territoriais, envolvendo vários
Estados da Federação. O depoimento de Ivo do Prado deu mostras da importância
política desse tipo de evento ao lamentar a manobra dos representantes baianos,
impedindo a correta apreciação da sua monografia.

[No Congresso de Geografia] venceram os diplomatas, pondo abaixo de uma vez, o ideal que
nos chamou. É, pelo menos, o que significa a deliberação tomada a 5 de agosto, segundo a
qual não era permitido o estudo, no plenário, de questões inerentes a limites.

301
Costa Filho não foi o primeiro sergipano a participar desses certames. Coube a Bernardino José de
Souza o privilégio de participar da primeira edição do Congresso Brasileiro de Geografia (Rio de
Janeiro, 1909). Nasceu em Vila Cristina (1855) e radicou-se na Bahia após cursar a Faculdade Livre de
Direito. Era sócio do IGBA, IHGSP, IHGMG e da Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro. Tornou-
se professor de geografia e publicou entre outros trabalhos: "Ensino de geografia", "Nomenclatura
geográfica", "Leituras Geográficas" (memórias apresentadas no referido congresso) e Corografia do
Estado do Piauí (1913). Guaraná, Armindo. Dicionário... p. 48-48.
302
Costa Filho, Luiz José da. Reminiscência e impressões do 5 º congresso Brasileiro de Geografia.
Revista do IHGS, Aracaju, n. 7, p. 113-124, 1917.
303
Há também registros da indicação do sócio Manuel dos Passos de Oliveira Teles como
representante oficial de Sergipe no referido congresso.

116
Aprovada esta medida nunca mais se levantou o congresso. Foi um golpe mortal. Ficou
estabelecido que os Estados fariam, amorosamente, seus acordos, ...(sic) sem os bons ofícios
de terceiros. Ora, tais e bons ofícios vinham ser, precisamente, aquilo que de novo, original e
útil, o Congresso nos traria; 304

As últimas notas sobre a participação do Instituto nesse tipo de evento aparentam um


certo refluxo da instituição. O 7º Congresso (Paraíba, 1922) contou com a presença
do Desembargador Gonçalo de Aguiar Menezes, nomeado por Pereira Lobo para
representar o grêmio. Não há informes sobre monografias. Em 1925 o Instituto
também foi convidado a participar do Congresso Internacional de História e
Geografia da América (Buenos Aires, 1925).305

Os desdobramentos desse intercâmbio são um dos muitos pontos de estudo à espera


de geógrafos e historiadores contemporâneos comprometidos com o ofício de suas
respectivas áreas. Por enquanto, pode-se afirmar apenas que o vívido interesse pelos
congressos não parece ter contaminado a rotina do Instituto, mais ainda: não se
refletiu no grosso dos trabalhos publicados em sua Revista.306 Nem mesmo as
monografias do representante oficial foram veiculadas. No periódico, foram dignos de
nota, apenas, os trabalhos dos bacharéis em Direito Antônio Manoel de Carvalho
Neto, Prado Sampaio, Armindo Guaraná, Elias Montalvão e do General Aníbal
Amorim. O primeiro autor publicou um longo artigo intitulado "Pela História: Um
trecho de Sergipe ocidental".307 Não foi trabalho produzido diretamente para o IHGS.
Sua entrada na casa, logo ocupando a função de orador, apenas ocorreu em 1919. O
trabalho foi escrito entre agosto e outubro de 1912 308 e previa uma segunda parte:
"uma súmula sobre o caráter das gentes dessas bandas, temperamento, aptidões,
religião e sentimentos, etc.",309 infelizmente, não publicada na Revista. Carvalho Neto
parecia conhecer muito bem a região analisada. Era filho e neto de destacados
proprietários rurais da região que abrangia Simão Dias e Patrocínio do Coité. Além da
descrição metódica da região em seus aspectos hidrográficos, orográficos,
espeleológicos e geológicos o autor soube entremear classificações técnicas com
ligeiras notações sobre o modo de vida do habitante local: bebida, habitação, crença, e
diversões. Também denunciou práticas agrícolas contraproducentes e o perigo
oferecido ao próprio homem pela contínua devastação da fauna e da flora do lugar.

A grande questão perseguida pelo bacharel Prado Sampaio foi talvez a única
preocupação durante a sua permanência no IHGS, a unidade "etno-meso-psicológica"

304
Prado, Ivo do. A Capitania de Sergipe e suas ouvidorias: memória sobre a questão de limites
(Congresso de Belo Horizonte). Rio de Janeiro: Papelaria Brasil, 1919. p. 440. [Grifos do autor].
305
Atas do IHGS de 06/02/1921; 06/05/1922; 06/04/1924; e 27/01/1925.
306
É importante citar que o IHGS aprovou indicação de Luiz José da Costa Filho para interceder junto
ao poder "Legislativo e o Executivo deste estado, no sentido de ... estabelecer um curso prático de
Geografia Física do Brasil e países limítrofes no quartel do Corpo de Polícia, deste Estado, com caráter
obrigatório para os sub-oficiais e praças." Essa iniciativa atendia a um voto aprovado pelo 5º
Congresso Brasileiro de Geografia. Revista do IHGS, Aracaju, v. 4, n. 8, p. 338.
307
Carvalho Neto, Antônio Manuel de. Pela História: um trecho do Sergipe ocidental. Revista do
IHGS, Aracaju, v. 8, n.13, p. 13-66, 1929.
308
Diário da Manhã, Aracaju, 21-29 ago.; 02-09 out. 1912. A preocupação com a seca está no artigo
"Sombrias perspectivas." A iminência da seca. Diário da Manhã, Aracaju, 30 jan.- 06 fev. 1913.
309
Ibid. p. 14.

117
do povo sergipano. A afirmação da identidade local e a delimitação de suas fases
formadoras foram motivos principais do artigo intitulado "Etno-psicologia e
geografia social sergipana". Nesse trabalho, Prado Sampaio se propôs a explicar o
processo que levou o povo sergipano a diferenciar-se dos demais da nação, bem como
apontar-lhes os traços homogêneos. A despeito da inspiração antropogeográfica (as
relações homem/natureza, a história como drama e o meio como cenário), e do
anúncio do método filogenético (Haeckel), Prado Sampaio não deu mostras de
domínio teórico e da adequação da metodologia anunciada às questões e evidências
locais. Certamente, queixou-se da ausência de estudos antropológicos e sobre a
craneologia do "tipo sergipano". Queixou-se também da insuficiência de trabalhos
sobre o povoamento do território, mas esses problemas não atenuam deficiências do
texto que são inerentes à sua própria forma de escrever. Alonga-se demasiadamente
nas revisões de literatura, no esforço de relacionar o geral ao particular; utiliza-se do
conhecimento de terceiros sobre temas de livre acesso até então; e a mais nociva
dessas deficiências, anuncia várias vezes a sua tese e pouco se esforça para
comprová-la.

Em síntese, a argumentação sobre a existência da identidade sergipana ancorou-se


basicamente nas informações de John Branner – Geologia cretácea e terciária da
bacia do Brasil – e no diálogo com as teses sobre o povoamento de Sergipe expostas
em Sergipenses, do confrade Manuel dos Passos de Oliveira Teles. Para Sampaio, o
povo sergipano era incontestavelmente "diferente" do ponto de vista do
“fusionamento” da população nacional. Esta especificidade foi explicada a partir das
diferentes condições de sua formação geográfica e etnológica. As cidades, por
exemplo, desenvolveram-se sob a influência dos rios e da fertilidade do solo e apesar
das barreiras impostas pelo meio físico – secas, problemas com os portos –, da falta
de apoio do poder central, ainda assim, a indústria encontrava-se em estágio
promissor. O povo sergipano era também homogêneo sob o ponto de vista étnico e
isto poderia ser comprovado, segundo o autor, até pela unicidade da língua, pois o
evento da imigração estrangeira no Estado foi quase insignificante. Numa palavra, “o
povo sergipano foi, até o ano de publicação do artigo (1914), um produto do seu
próprio esforço”.310

Em 1919, a reafirmação da identidade sergipana foi subsidiada também pela tentativa


de retomar o território detido pela Bahia. Prado Sampaio, que já havia argumentado
sobre a unidade étnica, psicológica, procurava, no momento, contribuir com a causa
patriótica, fornecendo um argumento que fizesse frente às manobras dos baianos na
referida questão. A contribuição de Prado Sampaio foi o reforço do critério da posse
da terra baseado no direito de quem a coloniza. O direito do vencedor sobre o
vencido, como pregava o autor em relação à questão dos limites, fora buscado no
imperialismo romano, no colonialismo português e na ação dos bandeirantes. As
provas desse direito partiam da interpretação de Sampaio sobre a narrativa dos
historiadores locais (Travassos e Freire) e na descrição geológica do Estado efetuada
por Branner. A argumentação sobre a legitimidade do preito sergipano poderia ser
comprovada tanto com uma argumentação científica quanto por um apelo de cunho
afetivo. Primeiro, Sampaio afirmou que a expansão territorial de Sergipe sobre as

310
id., ibid., p. 162.

118
terras em litígio foi promovida sobre condicionantes geológicos (a busca das minas de
prata e salitre por Belchior Dias Morea), geográficos (os entraves impostos pelas
serras, rios e sertões) e étnicos (o perfeito fusionamento das raças formadoras do povo
sergipano: portuguesa, negra e indígena). Em relação ao apelo afetivo, lamentava o
autor a infelicidade do Estado de Sergipe que já possuía um povo, mas carecia de
território, logo esse Estado que tanto defendera a integridade do solo nacional
(iniciando a expulsão dos holandeses, posicionando-se contrário aos ideais
revolucionários de 1817, deixando mártires na Guerra do Paraguai e ajudando a
povoar extensas regiões do país como Amazonas e Acre).311

A exemplo de Instituições como a Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro, o IHGS


ocupou-se na resolução de dúvidas sobre nome de rios e marcos de fronteiras,
auxiliando ao Governo do Estado nessas importantes tarefas. Alguns desses esforços
foram registrados na Revista por Armindo Guaraná. Seu "Glossário etimológico de
termos tupis" que nomeava rios, lagoas, riachos, morros, serras, ilhas, aldeias, sítios,
fazendas, engenhos, povoados, vilas e cidades de Sergipe é um trabalho de erudição
organizado em 1886 e, na verdade, uma das raras incursões dos sócios do IHGS pela
etnografia local. Esse trabalho havia sido ampliado em 1914 e trazia a chancela
legitimadora do Visconde de Beaurepaire e do conhecido geógrafo Teodoro
Sampaio.312

Já a contribuição de Elias Montalvão veio inicialmente através do brevíssimo artigo


sobre o rio Real. O autor esclareceu as razões do nome "real", informou sobre
acontecimentos decisivos para a história do Brasil ocorridos nas suas proximidades e
descreveu nascentes, cursos, dimensões, afluentes e condições de navegabilidade do
referido rio.313 Em 1926, o mesmo autor foi convocado pelo então presidente do
Instituto, o Almirante Amintas Jorge, para esclarecer qual o verdadeiro nome do rio
que banhava a capital Aracaju. Montalvão respondeu prontamente à tarefa
empenhada e informou através de breve "memória" apresentada em 12/09/1925 que
tratava-se do rio Sergipe e não o do Cotinguiba, como até então se tinha considerado.
Os critérios que fundamentavam a afirmação incluíam a análise da extensão,
profundidade e volume dos dois rios. A memória de Elias Montalvão foi apreciada
pelos sócios Claudio Gans, Clodomir Silva e Manuel dos Passos de Oliveira Teles.
Os pareceres desses dois últimos, publicados na Revista, foram favoráveis à tese de
Montalvão e reforçaram os critérios utilizados. Clodomir Silva foi um pouco mais
extenso, revisando crônicas do período colonial e efetuando estudo etimológico sobre
os citados acidentes geográficos.314 Depois dos pareceres e do aval das Comissões de
História e Geografia, a memória foi enviada ao legislativo e subsidiou a Lei n.º 931

311
Sampaio, Joaquim do Prado. Causas da expansão territorial sergipana e seus consectarios jurídico-
sociais. Revista do IHGS, Aracaju, v. 4, n. 8, p. 251 e 268, 1919.
312
Guaraná, Armindo. Glossário etimológico dos nomes da língua Tupi na Geografia do Estado de
Sergipe. Revista do IHGS, Aracaju, v. 2, n.5, p. 297-326, 1916.
313
Montalvão, Elias do Rosário. Rio Real. Revista do IHGS, Aracaju, v. 1, n. 2, p. 43-45, 1913.
314
Montalvão, Elias do Rosário. Qual o rio que banha a cidade. Revista do IHGS, Aracaju, v. 6, n.10,
p. 31-35, 1925; Teles, Manuel dos Passos de Oliveira. Parecer n. 1: palavras a propósito da Memória
de Elias Montalvão. Revista do IHGS, Aracaju, v. 6, n.10, p. 37-39, 1925; Silva, Clodomir. Parecer n.
2: A Cotinguiba. Revista do IHGS, Aracaju, v. 6, n.10, p. 41-81, 1925; Rio Sergipe. Revista do IHGS,
Aracaju, v. 6, n. 11, 1926. p. 9-12;

119
sancionada em 10/11/1925 que estabeleceu a denominação de rio Sergipe ao rio que
banha Aracaju.

Deve-se registrar que, apesar do apelo científico, ainda havia espaço no instituto para
viajantes e suas descrições apaixonadas. Esse foi o caso do General Aníbal Amorim
que através de conferência proferida no IHGS em 21/02/1929, narrou sua viagem de
Maceió a Paulo Afonso ocorrida entre [01 e 08/02/1929].315 Desta, descreveu
principalmente a Cachoeira de Paulo Afonso, a fauna, a flora, o relevo e a povoações
do Baixo São Francisco. Uma descrição assistemática cujo objeto oscilava de acordo
com a ênfase de sua impressão e as condições de observação. Aqui a flora, o drama
da seca, ali, o patrimônio edificado, o empreendedorismo de Delmiro Gouveia, o
vigor das águas da Cachoeira etc. Vigorou o prazer da aventura, o espírito de
explorador. O General Amorim reafirmou o discurso do aproveitamento dos recursos
do São Francisco em benefício da nação. Encerrou o trabalho com uma mensagem
otimista acerca do papel do Brasil perante as demais nações, privilegiado que fôra
pela quantidade e variedade de recursos naturais à sua disposição.

***

Como vimos, no âmbito das abordagens relacionadas, não se procurou definir


geografia. Mas para os que ensaiaram conceituações (Prado Sampaio e Oliveira
Teles), história e geografia estariam intimamente ligadas e ambas eram interpretadas
através da metáfora do teatro: a geografia é a história considerada do seu ponto de
vista estático enquanto a história seria a geografia do seu ponto de vista dinâmico.
Concepção colhida, principalmente, em Ihering com forte inspiração ratzeliana.
Ambos os autores encararam essa forma de conhecer como uma ciência à moderna.
Em Sampaio está claro que a partir do estudo conjunto do solo e do povo (que nele
fez seu habitat) seria efetivado projeto monístico de ciência. Projeto diretamente
filiado à "ciência natural" de Haeckel, o mais adequado ao estudo dos "fatos sociais",
segundo Sampaio. Teles é bem mais preciso quando afirma que a geografia "é uma
história que não narra nem discursivamente expõe acontecimentos, porém descreve as
paisagens, as situações, os acidentes e formas do teatro, as cenas onde eles
ocorrem."316 É a mais antiga e a mais científica de todas as ciências, afirmou o autor.
Envolve conhecimentos vários da astronomia à sociologia; política, comércio,
indústria, agricultura, religião e arte.

Os métodos dessa ciência geográfica variaram da observação assistemática direta,


passando pela descrição minuciosa, da classificação de acidentes geográficos até à
tentativa de interpretação da relação homem/meio físico. Isso implicou também na
pluralidade do seu objeto: a configuração geológica local, a superfície terrestre e os
elementos a esta relacionados (relevo, hidrografia, flora e fauna) e a relação
homem/natureza. Portanto, foi majoritariamente uma ciência descritiva (excetuando-
se as iniciativas de Prado Sampaio) e, como tal, fundou-se principalmente na
bibliografia autorizada sobre geologia, mineralogia no Brasil de J. C. Branner, Ch.

315
Amorim, Aníbal. De Penedo á Cachoeira de Paulo Afonso: impressões do baixo São Francisco - o
homem e a natureza do Nordeste. Revista do IHGS, Aracaju, v. 9, n.14, p. 7-27, 1929.
316
Teles, Manoel dos Passos de Oliveira. Discurso. Revista do IHGS, Aracaju, n. 7, p. 70, 1917.

120
Hart, E. Liais, O. Derby, Ch. A. White317 e nos trabalhos historiográficos de F.
Freire, J. Travassos, Oliveira Teles. Partindo desses instrumentos e fontes, o fazer
geográfico foi motivado, sobretudo, pela correção de fatos (nomes de rios), busca de
provas que auxiliassem na luta pela restituição do território e consolidassem uma
identidade sergipana. Procurou-se também imprimir maior reconhecimento ao
território, estudando áreas inexploradas pelas incursões geológicas estrangeiras do
século XIX. Nesse sentido, trabalhou Carvalho Neto, interessado que estava na
exploração econômica de recursos naturais. O conhecimento sobre o "sertão" (região
oriental do Estado) proposto pelo autor era também motivado por problemas críticos
do período como a seca e a degradação ambiental, provocada pelo próprio habitante
do lugar.

A partir dessas constatações pode-se afirmar então que a tentativa de implantação do


projeto cientificista reforçou a ligação entre a geografia e a história. Esse fato
condicionou a produção local veiculada pelo periódico e ocasionou importantes
desdobramentos. Primeiro, ele obstacularizou a discussão sobre as especificidades das
duas áreas do conhecimento bem como as melhores formas de produzi-la em termos
de ciência. Assim, o conhecimento geográfico terminou, sobretudo, voltado para o
ensino secundário (pode-se notar através dos títulos das comunicações apresentadas
nos congressos). Os trabalhos de pesquisa, apesar de pragmáticos, estavam apenas
principiando e tinham caráter voluntarista. A efetivação de uma ciência geográfica
sob moldes projetados sofreu com a carência de laboratórios e de fontes. O
repositório de dados sobre o local era insuficiente. Havia-se estacionado e resumido
ao produto dos estrangeiros no Estado. A ciência moderna era tipicamente
generalizante e necessitaria desse levantamento sobre o local. Nem mesmo uma
descrição geológica integral ou uma carta atualizada havia-se produzido até meados
da segunda década desse século. Um outro entrave à efetivação desse projeto estava
na própria formação dos sócios do Instituto. Já foi explicitado que raríssimos foram
os casos de intelectuais com passagens pelas escolas politécnicas (onde se ensinava
geologia, mineralogia etc.). Assim, quando não esteve a cargo de militares o
conhecimento geográfico foi dominado por bacharéis em direito e medicina,
formações até então distanciadas desse saber específico.

Apesar da quebra de expectativas, pode-se afirmar que o produto da Revista foi


representativo acerca do "estado da arte" no período. Não estava temática ou
metodologicamente muito aquém ou além do que se produziu paralelamente ou antes
da fundação do Instituto. Fora do grêmio, os trabalhos de cunho geográfico voltaram-
se fortemenente para a questão de limites entre Sergipe e Bahia, envolvendo número
considerável de sócios e futuros sócios: Ávila Lima, Antônio Carmelo, Elias
Montalvão, Ivo do Prado, João Pereira Barreto, João de Matos Freire de Carvalho,
Prado Sampaio, e Manoel dos Passos de Oliveira Teles. A abordagem geográfica
também foi a tônica de estudos médicos (Helvécio de Andrade, 1909) e sociológicos
(Florentino Menezes, 1912 e, talvez devam ser assim classificados alguns trabalhos
de Prado Sampaio publicados em 1907, 1909, 1913 e 1915). Os trabalhos didáticos,
inaugurados no final do século XIX com as corografias de Laudelino Freire (1897) e
Silva Lisboa (1898) tiveram continuidade com Meu Sergipe: ensino de história e
317
Sobre a atividade desses autores ver: "Ciências geológicas e geográficas" In: Azevedo, Fernando
(org.). As ciências no Brasil. Rio de Janeiro: Editora da UFRJ, 1994. p. 273-452.

121
corografia de Sergipe (1916) e História e corografia de Maruim (1921) de Elias
Montalvão. Também não destoaram do produto da Revista as traduções, resenhas e
comentários sobre a pesquisa geológica e a corografia do Estado (Laudelino Freire,
1899 e Oliveira Teles, 1899 e 1903). O que se poderia classificar como desvio
relevante foi a ausência do calor da polêmica e a inexistência da crítica aos trabalhos
lançados. Essa atividade ficou por conta dos periódicos diários de grande circulação.

Ao encerrar essa análise, é preciso tecer algumas considerações sobre o que foi,
talvez, a única, tentativa de efetivar um projeto cientificista de caráter interpretativo
para a geografia, encetado por Prado Sampaio. Não se quer aqui ingenuamente
estabelecer analogias entre os projetos de Ratzel-Bismarck na Alemanha e de Prado
Sampaio-Oliveira Valadão (governador do Estado) em Sergipe, mesmo porque o
próprio Ratzel, como bem coloca Moraes318, não pode ser considerado um ideólogo
direto das teses de Bismarck e em Sergipe não se sabe ainda de onde partiu a
iniciativa de revolver a questão dos limites nos anos iniciais do IHGS. Se em nível
do instituído a comparação não rende frutos, no plano das idéias ela é perfeitamente
oportuna. Em seus textos, Prado Sampaio costumava transpor as estratégias de estudo
do nacional para o local (Sergipe) e estas, apropriadas do projeto ratzeliano, podem
ser percebidas tanto no recorte do objeto quanto na forma de abordá-lo. A instituição
de uma nova ciência é uma das primeiras “contribuições” do naturalista alemão para
o estudo do processo civilizatório do povo sergipano bem como da comprovação da
sua autonomia. Sampaio comunga com Ratzel a mesma idéia sobre a história e a
geografia. O ofício do historiador não é somente o estudo dos fatos e a geografia não
é só a descrição do meio físico. Os fatos precisam de um teatro - espaço, território -
para se desenvolverem e a descrição de qualquer recorte geográfico depende do
conhecimento das diversas transformações sofridas pelo mesmo, ou seja, do
conhecimento do passado. “Ao sopro demolidor e reconstrutor das sciencias
naturaes”,319 o IHGS conjuga as duas disciplinas, que isoladas pouco produzem,
incorporando o objeto - as relações entre as condições naturais e os homens - e a
função da ciência antropogeográfica.

A idéia de território desenvolvida por Ratzel é também privilegiada por Prado


Sampaio. Não há sociedade sem território - “teatro dos dramas humanos” - fonte de
riquezas vitais. O território pode influenciar na formação “dos heróis destinados a
sacudir o mundo e talvez mudar as condições geográficas de alguns povos”. Um
povo que se pretende autônomo deve, portanto, não só consolidar o território mas
também expandi-lo, pois a “aquisição de novas terras exerce no povo uma influência
emancipatória, impelindo-o a novo trabalho e o incitando a concepções mais
amplas.”320 São estas proposições que, apesar de não citadas literalmente nos textos
da Revista, fundamentam “cientificamente” a luta pela recuperação de quase quatro
“quintos” do território apreendido pela Bahia.

A sociedade como um corpo constituído por órgãos vitais presente nos textos de
Comte a Ratzel fundamenta o estudo de Prado Sampaio acerca do povo sergipano.

318
id., ibid., p. 20.
319
Ratzel, F. Antropogeografia. In: Moraes, Antonio Carlos Robert de. (Org.). Ratzel: Geografia.
São Paulo: Ática, 1990. p. 33.
320
id., ibid., págs. 70 e 81.

122
Sociedades e territórios também evoluem, ou seja, “vivem sofrem, progridem e
envelhecem” 321 e este processo evolutivo é tenso. Neste ponto Prado Sampaio
denuncia uma outra estratégia ratzeliana: a idéia de conflito entre os órgãos. A
naturalidade dos conflitos entre Estados de uma determinada aliança de países
(pregada por Ratzel) encontra-se na explicação de Sampaio sobre a tensão entre o
Estado brasileiro e uma das suas unidades federativas, a tensão exteriorizada entre a
política centralizadora da Colônia à República e o desejo de autonomia política de
Sergipe.

Em resumo, a importância do território e a concepção orgânica de sociedade, a ênfase


na posse e expansão do primeiro para a manutenção do segundo, provocando uma
tensão natural entre as partes do todo, levam à inevitável comparação com a teoria da
história utilizada por Ratzel. Mas é importante frisar que essa apropriação do projeto
ratzeliano não se dá por completo. Ela está marcada por “esquecimentos” e
adaptações. A mais importante destas relaciona-se ao objeto central da
antropogeografia: as relações entre as condições naturais e o homem, a importância
dos elementos estáticos (“que influenciam sobre o caráter ou as condições físicas”) e
as influências mecânicas (as condições geográficas e as migrações, formação de
Estados, possibilidades de expansão e a riqueza de produtos naturais). Embora o
autor alemão despreze os primeiros relegando-os às análises da fisiologia e
psicologia, Sampaio os situava sob o mesmo patamar e atribuía à fusão dos dois
grupos de influências (as estáticas e as dinâmicas) o poder de explicar os problemas e
as perspectivas de progresso, às possibilidades civilizatórias de Sergipe.322

Dentre os “esquecimentos” mais notáveis cometidos por Prado Sampaio, aponto os


comentários de Ratzel acerca da quase impossibilidade de civilização nos trópicos e a
superioridade da raça branco-caucasiana.323 Para alguém como Prado Sampaio que
acreditava na força do mestiço brasileiro e em uma independência intelectual
cultivada em solos íngremes do sertão, teoria e prática do pensamento germânico em
solo sergipano parecem notas dissonantes.

Um outro “esquecimento” importante diz respeito à noção de propriedade, à


discussão genérica sobre o território. Diz Ratzel, e com ele concorda Sampaio, que
“a sociedade mais simples só pode ser concebida com o território que lhe pertence”
(…) e ainda, “um povo decai quando sofre perdas territoriais”. Estes são
pressupostos fundamentais que justificam a luta renhida pelo território sergipano
apropriado pela Bahia. Mas Sampaio não comenta os efeitos da distribuição interna
deste mesmo território. Para Ratzel uma “repartição uniforme produz uma sociedade
uniforme, inclinada à democracia” enquanto que “uma repartição desigual gera uma
estratificação social que permite aos mais favorecidos a maior influência no Estado,

321
id., ibid., p. 100.
322
É no jogo deste dualismo que se encontram as mais fortes incongruências onde Prado Sampaio
oscila entre o relativismo e o determinismo, entre a influência direta dos elementos etnicos e a
determinação do meio físico na formulação do povo sergipano.
323
Moraes, Antonio Carlos Robert de. (Org.). Ratzel: Geografia. São Paulo: Ática, 1990. p. 25.

123
ou seja, uma espécie de oligarquia.”324 Em suma, conquistar para quem, é a pergunta
que ficou sem resposta nos textos de Prado Sampaio.

324
Ratzel, F. Antropogeografia. In: Moraes, Antonio Carlos Robert de. (Org.). Ratzel: Geografia.
São Paulo: Ática, 1990. págs. 73, 74 e 79.

124
A contribuição historiográfica

Biografias

Em 1931, final do período em análise, portanto, João Ribeiro afirmava que estávamos
em maré de biografias.” Devia-se, essa moda, à repercussão que os livros de Murois e
Emidio Ludwig e outros, vindos do exterior, havia despertado no Brasil o movimento
pela esquecida história dos homens ilustres.” 325 Esse esquecimento, superado na
década de 1930, talvez estivesse relacionado ao declínio da prática na Revista do
IHGB. O veículo que chegou a publicar 115 trabalhos no período 1840/1890
praticamente extinguiu a biografia a partir dos primeiros anos desse século.326
Justamente no período em que decai no IHGB, a biografia ganha fôlego na casa
recém-criada.

Foram em sua maioria produzidas pelos sócios mais ativos do IHGS como Costa
Filho, Lima Júnior e Armindo Guaraná. As exceções ficaram por conta da
autobiografia de José Pinto de Carvalho e da biografia de João Dantas Martins dos
Reis. É de se estranhar os motivos que levaram à publicação do trabalho sobre José
Pinto de Carvalho, português, residente em Sergipe, que mobilizou forças locais para
a derrubada do 1º presidente eleito desse Estado, Carlos Cesar Burlamaque. Esse
acontecimento é considerado até hoje uma das mais lamentáveis tentativas de
recolonização baiana do território sergipano. O segundo, a biografia de João Dantas
dos Reis, é uma transcrição do livro, até então inédito, Genealogia da família Dantas.
E mais, denota a intenção de rebater afirmações de Tobias Barreto sobre a vida do
biografado. O autor, João Dantas Martins dos Reis (trineto do ofendido), além de
ressaltar as virtudes públicas (políticas e militares), apresenta documentos
desmentindo a idéia de que o seu trisavô teria participado do julgamento e arremate
das propriedades de um santo, o Santo Antônio das Queimadas.

Não há padrão quanto às formas de apresentação das biografias. Os trabalhos sobre


Homero de Oliveira (de Caldas Barreto), Sebastião Gaspar de Almeida Boto, Joaquim
Martins Fontes, José Teixeira da Mata Bacelar, Manoel Joaquim de Oliveira Campos
(por Hermenegildo Leão), e Tobias Barreto (por Costa Filho) não ultrapassam a
forma de sinopse biográfica, ordenando cronologicamente, cargos, títulos e trajetória
pública dos homenageados (na política, no magistério, na magistratura, no Direito,
literatura e nas ciências)327. Já em "Silvio Romero: o crítico"328, Prado Sampaio
sumaria o conjunto da obra informando a importância desse autor como precursor do
"naturalismo crítico" e da crítica literária científica no Brasil. No trabalho foram
enfatizadas, principalmente, a orientação teórica, as temáticas e as questões

325
Ribeiro, João. O tigre da abolição. In: Leão, Múcio (org.). Obras de João Ribeiro... p. 262-263.
326
Ver Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Rio de Janeiro, a. 159, n. 400, p. 905-
912, jul./set. 1998.
327
Barreto Neto, Manoel Caldas. Homero de Oliveira. Revista do IHGS, Aracaju, v. 1, n. 2, p. 79-87,
1913; Monteiro, Libério de Souza & Silva, Alvaro Fontes. Sebastião Gaspar de Almeida Boto. Revista
do IHGS, Aracaju, v. 5, n. 9, p. 75, 1920; Costa Filho, Luiz José da. Dr. Tobias Barreto: retrato.
Revista do IHGS, Aracaju, v. 5, n. 9, p. 140-142, 1920; Leão, Hermenegildo. Manoel Joaquim de
Oliveira Campos. Revista do IHGS, Aracaju, v. 5, n. 9, p. 89-93, 1920.
328
Sampaio, Prado. Silvio Romero: o crítico. Revista do IHGS, Aracaju, v. 2, n. 4, p. 103-108, 1914.

125
levantadas por Silvio Romero, resultando, o artigo, em duas fases
temático/cronológicas: a que discute o "sentimento de autonomia intelectual da
nação" e a que estuda o "Brasil sob o ponto de vista social".

Armindo Guaraná produziu trabalho de conjunto, enfocando vida e obra de Antônio


Muniz de Souza (1782/1857) desde a infância em Campos do Rio Real (atual Tobias
Barreto) até a morte e subúrbio de Niterói/RJ.329 A excepcional "intelectualidade"
para o período e o meio em que viveu, as virtudes morais, a luta contra o despotismo,
elementos de sua "configuração psicológica" que revelam o biografado como
próximo a Tobias Barreto, foram os determinantes para transformá-lo em tema. Em
vários momentos do texto, Guaraná estabelece relações entre a vida do biografado e
os contemporâneos deste (o caráter violento da vida sergipana no início do século
XIX, por exemplo). O trabalho foi fruto de antigas pesquisas de Guaraná pelo Rio de
Janeiro, onde o autor parece ter seguido os indícios da repercussão do trabalho desse
sergipano através de jornais; dos próprios manuscritos que narraram a sua experiência
na exploração de minerais e plantas nacionais, e as suas ações como abolicionista e
catequista de índios. O cultivo do verdadeiro patriotismo e o empenho em fazer
ciência fariam de Antônio Muniz de Souza um exemplo a ser seguido pelos jovens do
início desse século. Essa seria a grande função da biografia na opinião de Armindo
Guaraná.

Guaraná também pesquisou sobre a vida de Manoel Fernandes da Silveira, fazendo


uma síntese de sua atividade como 1º presidente de Sergipe. A esse texto não se pode
atribuir um dos maiores vícios da biografia: o de substituir a história política do
Estado pelo estudo exclusivo do individual. O biografado quase serviu de pretexto
para denunciar o vigor de tendências aristocráticas e militaristas em meados da
década de 1920. 330

O último biografado por Guaraná tem sua vida valorizada pelos dotes físicos e de
bravura. José Pereira Filgueiras foi defensor da independência do Brasil e solidário
com o movimento Confederação do Equador (24/07/1824). O retratado foi o
proclamador da República no Ceará ainda no mesmo ano, regime que sobreviveu de
26 de agosto a 18 de outubro de 1824. Guaraná desmente o padre Theberg, autor de
Esboço histórico (sobre a província do Ceará) que afirmou ser o biografado
“destituído de inteligência”. A idéia do autor foi principalmente glorificar o bravo
sergipano nascido em Santo Amaro das Brotas.331

329
Guaraná, Armindo. Antônio Muniz de Souza. Revista do IHGS, Aracaju, v. 2, n. 6, p. 167-181,
1916.
330
Guaraná, Armindo. Manuel Fernandes da Silveira. Revista do IHGS, Aracaju, v. 1, n. 2, p. 37-41,
1913. De modo inverso, um texto intitulado “O Governo de Sergipe”, listou as principais
características morais (políticas) do presidente Gracho Cardoso: honestidade, espírito de tolerância e
de justiça empreendedorismo, audácia, crença no progresso etc. Foi um dos raros depoimentos
tematizando o presente imediato de Sergipe veiculados na Revista (além dos discursos e relatórios
institucionais). Presente já anunciado (para o futuro) como um passado glorioso da história
administrativa de Sergipe. Ver [s.n.]. Gracho Cardoso. Revista do IHGS, Aracaju, v. 6, n. 10, p. 85-89,
1925.
331
Guaraná, Armindo. José Pereira Filgueiras. Revista do IHGS, Aracaju, v. 5, n. 9, p. 59-64, 1920.

126
Epifânio Dória não chegou a produzir biografia. Escrevendo sobre Pelino Nobre,
conforma-se em rotular o trabalho de "subsídios".332 Os tais subsídios nada mais são
do que a apresentação de testemunhos escritos (de adversários principalmente) sobre
a moral ilibada do biografado, sobre as suas principais realizações, sobre a
experiência política (nas hostes conservadoras), administrativa e literária, junto aos
conceitos sobre ele emitidos pelo próprio Dória: "o Dr. Pelino Nobre teve dois
grandes defeitos para os olhos de um egoísta – a grande modéstia que ofuscou-lhe o
brilho do talento e um grande desinteresse que só lhe trouxe desilusões e
injustiças."333 É interessante notar o enredamento entre os biografados e os biógrafos.
Epifânio Dória biografa o sogro de dois confrades do IHGS: respectivamente os
sócios fundadores Francisco Carneiro Nobre de Lacerda e o Desembargador Manoel
Caldas Barreto Neto.

Lamentando o pouco rendimento obtido com a pesquisa arquivística, para construir


uma biografia a altura de José Inácio Acciavoli de Vasconcelos Brandão, Lima Júnior
acabou impressionando-se com a abastança desse personagem sergipano que fez fama
principalmente na Bahia. Deste, o autor destaca a sua trajetória como militar.334 Em
“Frei José de Santa Cecília”,335 Lima Júnior interessou-se em demonstrar o caráter
revolucionário e patriótico dos personagens de suas narrativas. Demarcou as
polêmicas e os interlocutores do literato e pensador Santa Cecília e, principalmente,
justificou o seu comportamento pouco ortodoxo em relação ao sexo e bebidas. Citou
trechos do seu sermão, tentando preencher lacuna deixada pelas análises de Silvio
Romero sobre a oratória sacra no Brasil. Mais uma vez denunciou a impropriedade da
efeméride 24 de outubro de 1820 como a data da chegada da notícia em São
Cristóvão da Emancipação política de Sergipe.336

Em Costa Filho, o biografado foi escolhido por seu perfil abolicionista, rebelde e
liberal. Tratou do professor Antônio Félix da Costa que viveu em Propriá em meados
do século XIX, um defensor das causas dos “escravos e dos desvalidos”.337 Nesse
texto, pode-se encontrar um dos raros indícios ou hipóteses de aplicação das teorias
cientificistas. Claro que o autor não chegou a estabelecer relação entre as funções
intelectuais do biografado e a conformação do seu crânio (dada a brevidade do
trabalho). Contudo, a descrição de Félix da Costa como “homem esbelto, de regular
estatura, olhos vivaces e pequenos, defeituoso um, nariz comprido e ligeiramente
aquilino, crânio braquicéfalo, fronte larga, cabelos castanhos e finos, bigode aloirado
e cheio, sempre risonho mostrando uns dentes largos e amarelecidos e sãos”338 não
deve ser ingenuamente encarada como uma tentativa de reproduzir a imagem de um
homem que não foi fotografado em vida.

A orientação cientificista foi expressa enfaticamente por Ávila Lima quando tratou de
Tobias Barreto. O caráter do crítico sergipano foi descrito à luz da teoria haeckeliana.
332
Dória, Epifânio. Pelino Nobre. Revista do IHGS, Aracaju, v. 3, n. 6, p. 183-205, 1916.
333
Ibid. p. 196.
334
Lima Júnior, Francisco Antônio Carvalho. Revista do IHGS, Aracaju, v. 2, n. 3, p. 59-63, 1914.
335
Lima Júnior, Francisco Antônio Carvalho. Revista do IHGS, Aracaju, v. 5, n. 9, p. 79-87, 1920.
336
Ibid. p. 80-81. [Texto produzido em 1918].
337
Costa Filho, Luiz José da. Teotônio Félix da Costa. Revista do IHGS, Aracaju, v. 2, n. 4, p. 153-
155, 1914.
338
Ibid. p. 154.

127
Um raro momento onde são evocadas as leis de hereditariedade e de adaptação para
assinalar as heranças do pai zombeteiro, satírico e inteligentíssimo e da mãe
sentimental, demasiadamente afetuosa, resignada e melancólica. Até a própria morte
do pensador foi encarada de maneira cientificista.339 Nesse texto, a inteligência e o
trabalho permaneceram como os traços característicos da Sergipanidade. Outra
constante repetida foi a defesa intransigente da imagem que os literatos faziam do
Estado. A defesa de Sergipe foi feita de maneira ardorosa até mesmo diante de outro
sergipano ilustre como João Ribeiro. Uma das poucas explicações fornecidas para o
esquecimento do Estado foi apresentada também por Costa Filho: devia-se ao
desprestígio das “coisas do espírito”. A ciência e literatura não eram encaradas como
atividades relevantes no período monárquico tampouco no início da República. Daí o
desfavorecimento dos valores sergipanos.

Nos trabalhos de Costa Filho estavam as evidências de que o individual explica o


coletivo. A política é a superposição da vontade de um gênio sobre o todo. Afirmou
que nos entornos do período regencial somente duas figuras se sobressaíram pela
personalidade e poder de influência: Monsenhor Antônio Fernandes da Silveira e o
Comendador Sebastião Gaspar de Almeida Bôto. Os acontecimentos gerados pela
“Revolução de Santo Amaro”, por exemplo, são criações de dois grandes líderes
(Manoel Joaquim Fernandes de Barros, mentor do movimento, e o próprio Silveira,
líder da reação e defesa do Governo). Para Costa Filho, percebia-se quando se lhe
estudava a “psicologia político-social”, a profunda e sugestiva influência exercida
pelo robusto e ilustre espírito de Silveira340 sobre a sociedade e administração pública
de sua época [assim como em nível geral Feijó teria salvo a nação].

***

As biografias reproduzidas pela Revista estavam em concordância com o caráter


comemorativo da instituição e os critérios estabelecidos para a escolha dos retratados
nas outras atividades memorialísticas (bustos, pinturas): estadistas, políticos, literatos,
sábios e artistas. Os políticos superaram os sábios em quantidade de homenagens,
apesar do discurso recorrente de que o traço distintivo de Sergipe seria a inteligência
(pensadores e literatos). Entretanto, não se pode afirmar que os elogios tenham ligado
a “casa de Sergipe” à legitimação dos homens de ação do novo regime. Houve uma
espécie de ecumenismo em se tratando do ideário político
(liberalismo/conservadorismo) e das formas de atuação nos eventos marcantes para a
formação do Estado sergipano.

Por outro lado, procurou-se resgatar algumas histórias de vida para servirem como
exemplo à geração nascida após a proclamação da República. Exemplos de bravura
339
"Morreu às esmolas o grande sábio e filósofo brasileiro...mas não devemos jamais esquecer, à luz
da ciência, que, apesar de trágica, lúgubre, horrível, a morte é uma espécie de santelmo da eternidade e
da vida. Ela é apenas uma da infinitas modalidades da matéria, uma transformação da força, que
domina os mundos, um novo modo de ser do movimento universal e eterno. (...) Foi-se-lhe o corpo
pelos abismos da matéria; foi-se-lhe a matéria pelos abismos do nada. LIMA, [Adolpho] Avila.
Psicologia de um super-homem. Revista do IHGS, Aracaju, v. 3, n. 6, p. 232, 1916.
340
Costa Filho, Luiz José da. O fundador da imprensa sergipana. Revista do IHGS, Aracaju, v. 5, n. 9,
p. 67-68, 1920; Dantas Júnior, J. C. Pinto. Cap. mor d'Antas dos Imperiaes Itapicuru. Revista do IHGS,
Aracaju, v. 9, n.14, p. 83-90, 1929.

128
antidespótica em favor da liberdade do cidadão e de amor à nação. Exemplos de
obstinação pelos estudos, de luta em favor da civilização dos costumes. Timidamente
surgiram as primeiras tentativas de mistificar precursores republicanos, abolicionistas
e nacionalistas. Os exemplos foram buscados no século XIX e raramente a
“psicologia” desses homenageados foi “extraída” através de instrumentos
cientificistas. Outra constatação acerca desses trabalhos é que apesar das tentativas de
Armindo Guaraná e Lima Júnior em contextualizar as ações narradas, em geral, a
experiência de cada biografado findou por iluminar o ambiente que o cercava. Com
isso, implicitamente demonstravam que, apesar das tendências gerais (o
conservadorismo, o escravismo, o despotismo e violência que caracterizaram o
"espírito" de determinadas épocas da história sergipana), havia "uma considerável
margem de liberdade" individual. E, ainda, mesmo quando essas tendências
despontavam como instituidoras de normas sociais (determinantes históricos), foi
necessário um grande gênio para pô-las em execução.341 Essa forma imperante de
biografar mais que denunciar as práticas e idéias vigentes legitimava o modo-padrão
de ser e de atuar politicamente dentro da estrutura oligárquica.

341
Ver sobre as conseqüências desses deslocamentos para a epistemologia e metodologia históricas:
Meinecke, Friedrich. Leopoldo von Ranke: discurso commemorativo pronunciado el 23 de enero de
1936 en la Academia de Ciencias Prusiana. In: El historicismo y su génesis. México: Fondo de Cultura
Económica, 1943. p. 487-511; Levi, Giovani. Usos da biografia... op. cit.

129
Memórias

Qual enunciado? Das temáticas, problemas enfocados e da função da narrativa

As memórias estão eqüitativamente distribuídas na Revista entre os números 2 e 14.


São quinze textos ao todo. O número especial, comemorativo ao Centenário da
Emancipação do Estado (08/07/1820) traz uma quantidade bem maior que os demais,
pois era intenção dos redatores produzir um fascículo inteiramente constituído por
monografias sobre a efeméride contando com a colaboração dos sócios de várias
partes do país. O resultado não parece ter sido alcançado. Apenas três artigos
ganharam a forma projetada342: são os que tratam respectivamente da "história" da
medicina, da odontologia e do evangelismo.

Esse último trabalho tem aspecto de relatório: um elenco de nomes datas e locais
dispostas em pequenos blocos de texto relativos às cidades-alvo da prática evangélica
no Estado. A idéia de Pedro Machado era narrar a trajetória do evangelismo no Brasil
e em Sergipe, relacionando as missões, pregadores, templos dos presbiterianos e
batistas na capital e no interior do Estado entre 1863 e 1920.343 O autor foi presbítero
e essa condição lhe permitiu trabalhar apenas a partir da sua própria vivência.

Os textos sobre a medicina e a odontologia, produzidos respectivamente por Niceu


Dantas e Helvecio de Andrade, representam melhor contribuição para o
conhecimento da experiência dos sergipanos. "A cirurgia dentária em Sergipe"344
forneceu um panorama do exercício da odontologia no período 1820-1920,
caracterizando e descrevendo as práticas de cada fase (barbeiros dentistas; ourives
profissionais; e fase científica) e relacionando diplomados e “práticos” que atuaram
na capital e no interior entre 1890 e 1915. O autor se propôs a fazer "esboço
histórico" das práticas de ontem e de hoje, reunindo em competente síntese valiosas
informações sobre as técnicas, os profissionais e seu público. Nesse texto, não será
difícil ao atento leitor ver-se representado como um paciente no século XIX, sofrendo
todas as agruras provocadas pelos rudimentares tratamentos dentários, tal é o realismo
com que esses foram descritos. O texto de Helvecio de Andrade, um dos fundadores
da Revista Médica de Sergipe, enfocou o exercício da medicina entre os anos 1830 e
1920, tratando dos problemas de formação profissional, das políticas de saúde
publica, das epidemias que atingiram o Estado (cólera, varíola, febre amarela,
disenteria) e relacionando os vinte e quatro médicos (alopatas, homeopatas) que
clinicaram no período.345

Os dois autores foram além da reminiscência, da informação de caráter afetivo e


descricionista. Ambos, de maneira expressiva, organizaram o passado em relação ao

342
Esse número da Revista foi composta, em sua maior parte, por sinopses da vida política,
administrativa, intelectual e religiosa da província, biografias retratos e as costumeiras transcrições.
343
Machado, Pedro. Um século de evangelismo em Sergipe. Revista do IHGS, Aracaju, v. 5 n. 9, p.
207-214, 1920.
344
Dantas, Niceu. A cirurgia dentária em Sergipe em um século. Revista do IHGS, Aracaju, v. 5, n. 9
p. 160-131, 1920.
345
Andrade, Helvecio Ferreira de. A Medicina em Sergipe durante um século. Revista do IHGS,
Aracaju, v.5, n. 9, p. 99-117, 1920.

130
presente e ao futuro. Esse presente era a situação de penúria das "classes laboriosas" e
da população de todo o Estado. Niceu Dantas viu em sua narrativa a oportunidade
para reivindicar maior ação do Estado na extensão da higiene bucal à população
carente. Em Helvecio de Andrade foi flagrante o apelo ao melhoramento da "raça
sergipana" já bastante fragilizada em sua saúde.346 O projeto futuro apontado seria,
para esse autor, a introdução de um novo sangue, "um cruzamento, um caldeamento
inteligente com outras raças mais vigorosas e ativas, que lhe [trouxessem] orientação
mais scientifica da vida, novos habitos, novos costumes." A imigração seria
duplamente vantajosa para Sergipe: traria à "nossa lavoura e indústria os
conhecimentos práticos e o método que a distinguem e para a nossa estrutura orgânica
a seiva nova do esforço inteligente e do sangue robusto e são." 347

Fora da publicação de caráter comemorativo, os trabalhos tematizaram,


principalmente, a historiografia sobre municípios sergipanos: Santo Amaro, Simão
Dias, Santa Luzia, Aracaju e Itabaiana. O primeiro teve sua vivência pesquisada por
estar atrelado a um movimento conhecido por "Revolução de Santo Amaro": um
conflito armado originado por disputas eleitorais entre rapinas (situacionistas) e
camondongos (oposição) que resultou principalmente na invasão da cidade do mesmo
nome pelo presidente da província e na fuga dos líderes oposicionistas para os
Estados da Bahia e Alagoas. Essa foi a interpretação do fato segundo Francisco
Antônio Carvalho Lima Júnior que quis marcar no tempo os momentos de luta contra
o despotismo e a corrupção.348 Para esse autor, o evento representou a vitória da
democracia, das garantias individuais e assinalou o nascimento de um partido
ideologicamente definido, o partido Liberal. A "Revolução" também marcou a estréia
e despedida de Felisbelo Freire (1858/1916) na Revista do IHGS. Em 1914, o mais
destacado historiador sergipano havia sido agraciado com o título de sócio honorário
e sentiu-se na obrigação de fazer jus à honraria colaborando com o periódico.349
Apesar de produzido em plena maturidade intelectual350 (1914), esse texto não pode
ser colocado entre os melhores da sua lavra. O exame da Revolução de Santo Amaro
(movimento desencadeado pela mudança da sede do município para Maruim)351
assemelha-se a uma longa paráfrase. Das cinqüenta e duas páginas do trabalho,
praticamente quarenta e seis são ocupadas por transcrições, cabendo ao historiador
apenas a justaposição das peças apresentadas. O abismo entre as duas abordagens
sobre o mesmo fato (Revolução de Santo Amaro) ganha amplitude devido à
disposição dos textos na Revista. O trabalho de Felisbelo é seguido pelo de Lima

346
O meio físico e o clima são também os outros elementos que contribuem, em maior ou menor grau,
para essa fragilização. Ibid. p. 100.
347
Ibid. p. 106.
348
Lima Júnior. Francisco Antônio Carvalho. Revolução de Santo Amaro: Sergipe - 1836. Revista do
IHGS, Aracaju, v. 2, n. 5, p. 251-296, 1916.
349
Além da honraria como sócio benemérito, Felisbelo viu seu nome intitulando o salão de leitura da
Biblioteca Pública, inaugurado em 14 de julho de 1914.
350
Entre os principais trabalhos de Felisbelo destacam-se: História de Sergipe (1891); História
Constitucional da República dos Estados Unidos do Brasil (1894); História da revolta de 6 de
setembro (1895); História da Cidade do Rio de Janeiro - 1500/1900 (1899); História Territorial do
Brasil (1906). Ver a respeito a tese de doutorado do prof. Francisco José Alves dos Santos já citada
nesse trabalho.
351
Freire, Felisbelo Firmo de Oliveira. A antiga vila de Santo Amaro de Brotas: o seu passado. Revista
do IHGS, Aracaju, v.2, n. 5, p. 187-249, 1916.

131
Júnior (propositadamente?) o que torna a comparação entre as duas versões
inevitável.

Além de Santo Amaro, Lima Júnior voltou seus estudos para os municípios de
Itabaiana, sua terra natal e Simão Dias. Da primeira dissertou sobre o povoamento,
população, costumes, produção, transporte, sobre a trajetória jurídica, política e
religiosa entre 1590 e 1889. Tratou das práticas artísticas, da educação, das epidemias
e da passagem de Tobias Barreto pelo município.352 Quanto à Simão Dias, foram
enfocados a ocupação do solo, limites, primeiros donatários e a fundação da cidade.
Nesse último texto, recebeu atenção especial a trajetória do vaqueiro que deu nome à
sede e ao município.353 Para Lima Júnior, narrar a história de um município era
discorrer sobre as causas do progresso ou atraso econômico/político/demográfico do
lugar. Isso não é tão explícito no texto sobre Simão Dias que teve sua experiência
intimamente ligada à aventura de um vaqueiro, mas é sobretudo o caso de Itabaiana.
Há também nesse autor uma forte preocupação em preservar a memória local
(circulante através da oralidade). Em Lima Júnior o registro da "tradição" não
somente era importante como fonte histórica sobre o fato contado, mas,
principalmente, como testemunho da época em que ele construía a sua narrativa. Era
o registro da sua vivência (composto de críticas e tomadas de posição) que também
importava imprimir aos textos.

Os últimos trabalhos que tratam de municípios foram produzidos por Manuel dos
Passos de Oliveira Teles e Vicente Olino. Para este último, importava exaltar o
caráter "industrioso" da população local, a amenidade do clima, a prosperidade
econômica e o pendor legalista dos líderes políticos que habitaram o local. Seu texto
tratou da "História do Município de Santa Luzia". Uma região conhecida através da
literatura historiográfica como possível local das primeiras tentativas de conquista aos
indígenas ainda no século XVI e como forte reduto oposicionista às tentativas de
emancipação do Estado. O texto de Vicente Olino informa sobre os primeiros colonos
e os conflitos com os indígenas, localização, população, produção, finanças, trajetória
jurídica, política e administrativa do município no período 1573-1924.

Manuel dos Passos de Oliveira Teles mantinha preocupação de caráter mais geral: a
identificação do local da batalha ocorrida entre os índios e o exército de Cristóvão de
Barros (01/01/1590),354 evento que resultou na "conquista de Sergipe". Para esse
sancristovense era importante preencher as lacunas deixadas por historiadores como
Varnhagem e Frei Vicente do Salvador. Uma dessas indagações pertinentes a Sergipe
foi situar a região onde se desenrolou o combate final da referida conquista.
Importava também identificar o nome do local, o que Oliveira Teles acabou
fazendo355. Nesse texto, alguns mitos bastante conhecidos da historiografia brasileira
352
Lima Júnior. Francisco Antônio Carvalho. Monografia histórica do Município de Itabaiana. Revista
do IHGS, Aracaju, v. 2, n. 4, p. 128-149, 1914.
353
Lima Júnior. Francisco Antônio Carvalho. Município e cidade de Simão Dias: notas históricas.
Revista do IHGS, Aracaju, v. 7, n. 12, p. 9-33, 1927.
354
Teles, Manuel dos Passos de Oliveira. Do campo de uma batalha. Revista do IHGS, Aracaju, v. 6, n.
11, p. 89-92, 1926.
355
A batalha entre portugueses e indígenas da noite de 01/01/1590 aconteceu na "planura que se
extende do logarejo 'Merem' ou 'Mirim' em São Cristovão, ou, querendo encurtar a distancia, do
povoado Miranda ao Rio Comprido". Ibid. p. 90.

132
encontram-se encrustados, como o caráter "inteligente" do branco, a "indolência" do
índio e a "pusilanimidade" do "negro servil".356 Em "Aracaju: suas prováveis
origens, seu provável futuro", Oliveira Teles empenhou-se nas busca das origens do
povo sergipano, embora concordasse que o resultado da pesquisa em nada abalaria o
mito das três raças fundadoras do Brasil. Essa ressalva, porém, não o impede de
lançar-se a um exercício contrafactual: teriam os franceses um futuro de celebridades,
caso assegurassem o domínio sobre o território sergipano? A questão o motiva a
levantar duas hipóteses acerca da história de Aracaju: a) a localidade foi inicialmente
uma feitoria francesa; 357 b) o seu abandono se deveu ao interesse dos colonos pelas
minas e terras para o plantio da cana, encontrados no interior do território sergipano.

Historiar a formação do povo sergipano era também estudar as formas de ocupação e


defender o território correspondente. Dessa tarefa se desencumbiu Carvalho Lima
Júnior, narrando a trajetória dos conflitos sobre os limites de Sergipe com a Bahia e
Alagoas do século XVII ao XX.358 No texto, mais uma vez, Lima Júnior discordou de
Felisbelo Freire quanto aos critérios da posse da terra e afirmou a legitimidade das
pretensões sergipanas relativas ao território localizado entre os rios Real e Itapicuru.
O empenho na questão de limites (tratada no capítulo anterior) tinha dupla
importância para a autonomia do Estado: dependia da posse efetiva da terra a recolha
de impostos e a ampliação da área para a agricultura, elementos que estimulariam o
desenvolvimento de Sergipe. Por outro lado, a posse também consolidaria um projeto
comunitário para essa unidade federada pois reuniria povoações com forte afinidade
de sangue, identidade de costumes e tradições familiares que, segundo o autor, seriam
as mesmas desde os primeiros colonizadores (sec. XVI) das margens esquerda e
direita do rio Real.359

O problema dos limites também foi alvo dos trabalhos de Elias do Rosário
Montalvão. Membro constante das Comissões de História, Geografia e Manuscritos e
autógrafos, Montalvão empenhou-se na apresentação de provas documentais sobre os
direitos sergipanos, pesquisando em cartórios de São Cristóvão, Lagarto e Simão
Dias, efetivando crítica de erudição, revisando cartas de sesmarias, legislação e
correspondência oficial da colônia. Com essa missão, Montalvão desmentiu Brás do
Amaral, criticou afirmações dos irmãos Laudelino e Felisbelo Freire e apontou
lacunas na principal obra deste último (História de Sergipe) sobre a história político-
administrativa do Estado360. No mesmo rol entraram os historiadores Handelman e

356
Ibid. p. 91.
357
Calazans afirma que Manuel dos Passos teria sido "possivelmente influenciado pelas informações
de Gabriel Soares e outros escritores do Brasil Colonial". Entretanto, não descarta a hipótese do
bacharel já que "os traficantes de ibirapitanga, em verdade, só deixaram de freqüentar a barra do rio
Sergipe, depois que Cristóvão de Barros venceu os índios de Baepeba e fundou... a cidadela de São
Cristóvão em 1590". Calazans, José. Aracaju: contribuição...op. cit. p. 55.
358
Lima Júnior, Francisco Antônio Carvalho. Limites entre Sergipe e Bahia: estudo histórico. Revista
do IHGS, Aracaju, v. 1, n. 3, p. 11-48, 1914.
359
ibid. p. 48.
360
Felisbelo afirmara que Sergipe fora comarca da Bahia e não soube informar as razões da primeira
transferência da Capital São Cristóvão. Sobre a Segunda questão, deficiência apontada também na
"monografia sobre São Cristóvão" de Manuel dos Passos de Oliveira Teles (1907), Montalvão
responde ser inconveniente o primeiro local para a prática do comércio. A explicação o autor foi
buscar no Dicionário Histórico e Geográfico Miliet de Saint Adolphe (Paris, 1845).

133
Varnhagem por afirmarem que Sergipe havia sido comarca da Bahia, ao que responde
Montalvão nunca ter ocorrido esse fato.361

Os textos que não explicitaram a experiência de populações locais ou de grupos


profissionais, religiosos foram produzidos por José Maria Moreira Guimarães
(1864/?) e Lima Júnior. Esse último também produziu uma “Memória sobre o Poder
Legislativo em Sergipe”362. Não era como se poderia pensar, um embrião de história
política do Estado e sim a publicação de várias notas de pesquisa sobre "temas
inéditos" na historiografia sergipana produzidas um ano antes da publicação da
História de Sergipe de Felisbelo Freire (1890). No trabalho, Lima Júnior apresentou
listagens (dos eleitos, composição das mesas diretoras), transcreveu atas e relacionou
temas discutidos durante as sessões do Conselho de Governo (1824/1828), Conselho
Geral de Província (1829/1834), e da Assembléia Provincial (1835/1889). A sua
preocupação maior foi com a preservação das informações colhidas no arquivo da
Assembléia Legislativa de Sergipe. Notas que serviriam como auxílio ao trabalho dos
“futuros historiadores”.

O General Moreira Guimarães, Laranjeirense, radicado no Rio de Janeiro há muitos


anos, discorreu sobre problemas de ordem epistemológica. Preocupou-se com as
várias concepções de ciência histórica e também com os procedimentos a serem
seguidos pelo historiador em seu ofício. Moreira Guimarães foi o autor que mais se
aprofundou em questões desse gênero. Sua intimidade com o tema e a atualizada
leitura de alguns clássicos, provavelmente, advinha do ambiente intelectual, o Rio de
Janeiro no período em que produziu o artigo (1925).363

O que é "história" ? Da relação entre a narrativa da experiência e a própria


experiência humana

Mas finalmente, o que vinha a ser "história" na palavra autorizada de quem escreveu
para a Revista? Para o próprio Moreira Guimarães, a "história" era uma espécie de
conhecimento configurado não somente no registro de fatos (crônica), mas no estudo
e relação dos fatos entre si. Do seu estado dependem a ciência, a arte, a literatura e a
religião. Todas essas atividades são explicadas (e se desenvolvem) através do
conhecimento histórico. Em contrapartida, a "história", que a tudo explica, de tudo
necessita: da geologia, da arqueologia, da antropologia, da economia política e das
ciências naturais. 364

361
Montalvão, Raphael Arcanjo. Bahia-Sergipe: A questão de limites. Revista do IHGS, Aracaju, v. 2,
n. 4, p. 115-127, 1914; Pelo direito e pela história de Sergipe. Revista do IHGS, Aracaju, v. 3, n. 6, p.
123-146, 1916.
362
Lima Júnior, Francisco Antônio Carvalho. Memória sobre o Poder Legislativo em Sergipe (I) –
1824 a 1889: apontamentos para a sua história. Revista do IHGS, Aracaju, v. 4, n. 8, p. 1-176, 1919.
363
O artigo em foco foi produzido quando o autor já havia sido reformado da atividade militar. Além
de ter estudado "matemática e ciências físicas e naturais", medicina, o que lhe dava um certo domínio
em áreas distintas do conhecimento, o autor estava envolvido com vários associações voltadas para o
estudo da história (IHGB, IHGSP, IHGPB, IHGS, Sociedade Acadêmica de Paris), da Geografia (Rio
de Janeiro, Lisboa, Tóquio, Peru) e era sócio fundador do Instituto Varnhagem no Rio de Janeiro. Ver
Guaraná, Armindo. Dicionário... p. 176-178.
364
Guimarães, José Moreira. O que é História? Revista do IHGS, Aracaju, v. 6, n. 10, p. 9-14, 1925.

134
Moreira Guimarães também adiantou as condições de possibilidade dessa espécie de
saber. Afirmou que a "história" não se constitui do exame de todos os fatos. Historiar
é escolher. Mas o historiador precisaria ser justo e imparcial. Não lhe caberia
trabalhar apenas com a psicologia social (revelar a alma dos povos), a fisiologia ou a
anatomia da sociedade, mas com as três abordagens em conjunto. O objeto clássico
da "história" não poderia ser somente o povo e nem tão pouco o governo. A variedade
de condições também se estende às linhas de interpretação dos fatos colhidos. Não se
deveria descrever o passado à luz de histórias individuais, do resultado das batalhas,
dos caminhos da política e da administração. Os historiadores deveriam levar em
conta todos os elementos da formação do povo. No breviário desse autor, a
historiografia se encaminharia, enfim, pelos ditames de uma filosofia da história
universalista expressa através de leis naturais.

Prado Sampaio não foi tão complacente em relação à pluralidade de "filosofias da


história". Em suas falas chegou a expressar o antagonismo existente entre o culto aos
"super-homens" e a "história da humanidade" orientada pelas coletividades: "a
mecânica social do futuro haverá de repousar sobre o sentimento coletivo, que, ao
invés de eliminar-se pelo 'processus' da seleção natural, vai dia a dia, e cada vez mais,
crescendo e se avolumando à maré montante das multidões idômitas."365 A opção
pelo coletivo, confessando seu "espírito exclusivamente dado às generalizações",
pode ser nitidamente identificada nos títulos dos seus trabalhos e no enfático emprego
da expressão "povo sergipano". Mas, além de não se autodenominar historiador
(falava em "crítico", ao modelo de Silvio Romero), entra em contradição inúmeras
vezes ao considerar como importantes fatores do desenvolvimento de Sergipe alguns
personagens ilustres como o General Valadão (governador do Estado) e Inácio
Barbosa (presidente da província e fundador de Aracaju).

As proposições de Moreira Guimarães apresentaram-se como um variado panorama


das orientações à disposição dos historiadores do início desse século. Contudo, não
devem ser entendidas como um espelho do que se processava no Estado já que a
vivência do autor foi marcada pelo contato direto com o Rio de Janeiro, centro onde a
atividade historiadora estava melhor equipada (intelectuais, instituições associativas e
de pesquisa, imprensa fortalecida, financiamento e projeção política). Outro problema
enfrentado nessa análise (válido em termos para a produção de Prado Sampaio) é a
ausência de textos do mesmo autor na Revista onde se pudesse comparar a efetiva
aplicação dos preceitos anunciados. A Revista contempla então o seguinte paradoxo:
quem refletiu epistemologicamente não deu mostras de sua virtudes de historiador e
aqueles que esboçaram algumas narrativas raramente se aventuraram em tipificar a
natureza do conhecimento histórico. Para contornar o paradoxo, a estratégia adotada
nessa análise foi comentar em bloco todos os textos citados no tópico anterior. A
eleição de um “tipo ideal” epistemológico não seria, nesse caso, excesso de
generalização.

A propriedade da ciência histórica em conhecer e descrever o real não foi, em


momento algum, contestada pelos autores. Houve sim demasiada precaução quanto à
leligitimidade em assumir o rótulo de historiador e de classificar o seu trabalho como
365
Sampaio, Joaquim do Prado. Causas da expansão territorial sergipana e seus consectarios jurídico-
sociais. Revista do IHGS, Aracaju, v. 4, n. 8, p. 255-256, 1919.

135
de "história". Isso pode ser percebido através do enunciado dos próprios títulos:
"esboço histórico", "resumo histórico", "memória", "narração histórica", etc. História
e crônica estavam embebidas do mesmo significado. Correspondente tratamento era
empregado para identificar o agente do conhecimento. Distante do que afirmou
Moreira Guimarães, "historiador" e "cronista" eram utilizados sem distinção. Não há
defesa explícita da "história" como ciência, mas não se duvida do seu papel de
detentora da verdade. E a "verdade" é a realidade dos fatos. Mas o que buscar no
passado?

Como foi mostrado no tópico anterior, o objeto por excelência foi a experiência de
grupos humanos, fossem eles circunscritos a uma atividade profissional ou a um
município específico. Diminuto foi o interesse (pelo menos a efetivação desse
interesse) em resolver questões por caprichos ou manias de erudição (corrigir uma
data, um nome etc.). O "epicurismo intelectual", essa "benigna micrologia" pelas
quais viviam todas as sociedades sábias e respeitáveis,366 não vingou nos textos
historiográficos do IHGS. O objeto preponderante foi o "povo" do lugar. O povo, a
exceção das classes profissionais (médicos, dentistas), geralmente descrito como uma
massa liderada por personalidades da política, chefes da Guarda Nacional, juízes,
grandes proprietários de terra, enfim, os reais mandatários nos períodos da Colônia e
do Império.

Os personagens centrais de cada narrativa denunciam outro traço importante da


historiografia do período. O que rege a experiência do “povo” são os vícios e virtudes
de cada líder enfocado, é a vontade humana, frequentemente manifestada como
ambição pelo poder político, empenho, corrupção, teimosia, preguiça, desleixo.
Foram esses predicados que acabaram por determinar períodos de decadência e
prosperidade para os locais estudados (e não o inverso). O motor da “história” (salvo
a sugestão de melhoramento da raça sergipana pronunciada por Helvecio de Andrade)
foi, portanto, de motivação interior: a vontade humana. Como conseqüência, os
resultados dessa reflexão sobre o curso da experiência humana (dessa filosofia
especulativa) se transferem para a escrita da história marcando tanto o método
empregado quanto às estruturas das narrativas.

Como se faz a “história”? Das melhores maneiras de se chegar à verdade

Se para os colaboradores da Revista a realidade configurava-se como um desfilar de


paixões e vontades humanas (com exceção de Moreira Guimarães), lógico é afirmar
que a verdade histórica não era de forma alguma adquirida através da “revelação” ou
por determinações universalistas. Independentemente da concepção teórico-
metodológica acerca da ciência histórica e da historiografia (biografia, conjunto de
biografias – história local, etc.) e até mesmo no único texto em que o objeto é a
prática religiosa, a “verdade histórica” (o conhecimento integral do acontecimento
considerado histórico) permaneceu mediada pelas fontes documentais, e,
majoritariamente, aquelas vazadas em suporte papel, organizadas em arquivos de
caráter oficial.

366
Ribeiro, João. O Barão do Rio Branco. In: Leão, Múcio (org.). Obras de João Ribeiro... p. 61.

136
Para a maioria dos autores vigorou uma espécie de verdade clássica calcada na
máxima "vale o que está escrito”. E o escrito foi principalmente a documentação
oficial (correspondência, legislação) e a historiografia disponível que tratava do local
(basicamente os textos de Felisbelo Freire, Travassos, e Marco Antônio Souza). Para
Lima Júnior, entretanto, a verdade ganha um sentido moderno já que outros
procedimentos seriam fundamentais: a crítica documental é um exemplo. A
comparação entre manuscritos, legislação e historiografia o levou em muitos textos a
desautorizar Felisbelo Freire e em pelo menos uma ocasião a considerar o (até hoje
desconhecido) professor Joaquim de Oliveira como o maior cronista do século XIX
(período em que atuou o próprio Felisbelo).

Em Lima Júnior o documento único podia ser considerado mas não valeria como
resposta definitiva. Dever-se-ia recorrer, sempre que possível, ao depoimento de
contemporâneos, às fontes conservadas pela “tradição” e até a vivência do próprio
historiador com o acontecimento estudado. Mas a fonte que predominou no conjunto
dos seus textos (e dos demais historiadores) foi também o documento escrito de
caráter oficial. Essa dependência levou os colaboradores da revista a denunciarem o
descaso com as fontes arquivísticas e a depositarem nesse tipo de problema as causas
do profundo desconhecimento sobre o passado sergipano. Essa denúncia foi geral. A
falta de fontes implicava em diminuta produção historiográfica e esta em
desconhecimento sobre as ações de heroísmo, de valor cívico e moral; sobre as
atividades liberais; sobre os homens de saber e arte; sobre a origem das cidades; sobre
a demarcação do espaço territorial do Estado, etc. O próprio Lima Júnior denunciou
aquilo que considerava como os maiores crimes contra a historiografia local: o
empobrecimento dos arquivos públicos pelos incêndios provocados no período de
dominação holandesa, o desleixo dos administradores e os extravios ocorridos ainda
no século XIX durante a transferência da Capital.367

Além da crítica documental ensaiada por Lima Júnior, merece destaque a específica
forma de trabalhar do sócio Oliveira Teles. Para este era importante o exame da
toponímia local, o que tornava necessário o estudo exaustivo da língua dos indígenas.
Nesse sentido, ao conjunto de fontes eram incorporados os trabalhos de Teodoro
Sampaio e qualquer outro interessado nos estudos etnográficos. Aspectos físicos
como o relevo e a hidrografia também eram importantes. Oliveira Teles entendia que
o acesso ao passado, além de mediado pela existência ou não de fontes documentais,
dependia das hipóteses formuladas pelo historiador através do cruzamento de vários
tipos de fonte e das conclusões sobre a geografia do local.

Como dispor as verdades em um texto?

Demonstrei que a tônica dos trabalhos historiográficos foi a forma monográfica. O


estudo pontual já era considerado uma grande contribuição à historiografia local.
Certamente nenhum dos colaboradores desmereceu a relevância da síntese produzida
por Felisbelo Freire ainda no final do século XIX (embora tenham-na considerado
incompleta). Há notícias, principalmente no Dicionário de Armindo Guaraná, de que
o próprio Lima Júnior [e até mesmo Oliveira Teles] possuíam uma “História de

367
Lima Júnior, Francisco Antônio de Carvalho. Memória sobre o Poder Legislativo...p. 74.

137
Sergipe” em preparo. Até hoje não se tem notícias desses manuscritos. O próprio
Instituto, como já afirmei no capítulo anterior, programou-se duas vezes para escrever
uma obra de síntese, propostas que ficaram apenas nas atas da casa.

Quando houve a necessidade de periodização, procurou-se seguir a clássica divisão


tripartite – colônia, império e república, ou seja, buscou-se enquadrar à experiência
sergipana as balizas da formação do Estado brasileiro. Essa prática era ainda mais
reforçada pelo fato de Emancipação político-administrativa de Sergipe (1820) ter
acontecido em período próximo à Independência do Brasil. Dentro da primeira grande
divisão (colônia), o tempo foi marcado ainda pelo período de dominação francesa e
holandesa no território da Capitania. O marco inicial dominante foi mesmo 1590, ano
da conquista portuguesa e do início de distribuição de sesmarias até às margens do rio
São Francisco.

Apesar da ênfase no testemunho oficial, no uso das Cartas de sesmarias, os textos não
incorporaram muitas transcrições. Em geral procurou-se enunciar o fato referenciando
a fonte. Nesse particular Lima Júnior também deve ser destacado. Seus textos estão
repletos de notas de pé de página, esclarecendo o parágrafo e indicando a fonte. A
sua escrita é clara, concisa e coerente. As informações são dispostas de maneira
equilibrada contendo aqui e ali um resumo, uma conclusão. Esse já não foi o caso de
Vicente Olino que justapôs fragmentos nem sempre ligados por afinidade temática.
Da mesma forma, como já foi comentado, especificamente na contribuição para a
Revista, produzir historiografia para Felisbelo Freire seria ordenar e transcrever
evidências provantes. Outra forma não rara de exposição assemelhou-se à defesa de
uma determinada tese em recinto forense. Esse foi o caso dos textos de Elias
Montalvão.368 Em geral, tratando agora de todos os autores, não se fez uso dos
circunlóquios, da ênfase, do vocabulário rebuscado nos textos historiográficos e isso
marca uma importante diferença entre esses e o produto das conferências proferidas
no Instituto por muitos dos autores aqui analisados.

***

Com essa exposição sintética do produto historiográfico da Revista, apresentei


subsídios para responder às primeiras questões, propostas no início desse trabalho, a
saber: os pressupostos cientificistas esboçados pelo corpo mais ativo do IHGS foram
efetivados em sua experiência institucional? Qual o lugar da tradição cientificista para
a concepção de uma escrita da história em Sergipe no início do século XX?

A resposta para ambas as indagações é negativa se considerados como fonte principal


os trabalhos historiográficos acima analisados. Primeiro porque o debate, a polêmica,
formas comuns de difusão, amadurecimento e teste (à luz da argumentação)
praticamente foram banidos do ambiente acadêmico. Ausência essa motivada por
várias razões dentre as quais o cultivo da neutralidade teórica e ideológica, uma das
características do “templo da ciência” e uma das estratégias para manter relações
amistosas com os sucessivos governos locais. Desprovido desse instrumento, o

368
O que se explica facilmente dado o texto (Pelo direito e pela história de Sergipe) ser oriundo de uma
conferência.

138
Instituto praticamente estacionou, dependendo das indicações dos seus presidentes e
à espera da colaboração espontânea de um ou outro sócio abnegado pelas questões
científicas. Ou mesmo, deixou correr à margem o produto mais criativo do
pensamento do período e o exemplo marcante desse "desperdício" é a expressiva
literatura de Florentino Menezes.

O grau de generalidade da produção dos intelectuais da casa, voltados para todo tipo
de literatura e a dispersão do seu tempo entre atividades díspares como a clínica, a
magistratura, a política inibiram uma maior especialização em/de determinados
saberes incluindo-se nesses a história. Além disso, freqüentes abalos no movimento
político partidário, os constantes conflitos de cunho eleitoral, e uma série de
movimentos questionadores das práticas oligárquicas durante as décadas de 1910 e
1920 dificultaram o convívio mais duradouro entre alguns intelectuais militantes na
mesma seara do conhecimento. Se observadas as trajetórias de três produtores
importantes, como Felisbelo Freire, João Ribeiro e Carvalho Lima Júnior, será fácil
perceber que nem sempre estiveram no mesmo palanque o que, não raramente,
acabou em rupturas com bastante prejuízo para produção coletiva.

Sendo assim, deterministas radicais e leitores confessos do materialismo de Haeckel,


por exemplo, refugiaram-se com muito mais freqüência nos discursos ligeiros e nas
conferências do que propriamente na produção de monografias. Mesmo uma síntese
sobre o passado sergipano, ensaiando interpretação semelhante ou diferenciada da de
Felisbelo Freire, sequer foi concluída.

Devem-se considerar ainda as dificuldades dos próprios autores em desenvolverem


mecanismos para a aplicação do método das ciências naturais nas ciências humanas e
particularmente na ciência histórica (ainda que tenham vislumbrado a possibilidade
desta tornar-se ciência ao modo positivo). Os discípulos da geração 70, nas duas
décadas do século XX, já estavam órfãos dos mestres-escola de uma possível história
científica (Fausto Cardoso, Silvio Romero – por morte ou mudança de rumo teórico).
Além disso, haviam-se fixado muito mais nas fases materialistas, não dando
prosseguimento ao viés culturalista adotado por Tobias Barreto em seus últimos
trabalhos.

As maiores evidências da nulidade do apelo cientificista para a ciência histórica no


Estado estão na própria concepção de “história” expressa pelos textos analisados
acima. Salvo o trabalho de Helvecio de Andrade e do General Moreira Guimarães, a
vertente cientificista desenvolvida na historiografia passou ao largo das “histórias” do
Instituto. Juntamente com eles se foram a idéia de experiência humana determinada
pelo mecanicismo naturalista ou mesmo pelo eterno transformismo de indivíduos e
sociedades. A opção adotada para periodizar a história de Sergipe também expressa
essa ausência de reflexão. Nada de determinações geográficas, biológicas ou mesmo
ciclos de prosperidade e decadência. Em geral, pouco se acrescentou ao
esquematismo político-administrativo estabelecido por Felisbelo Freire em 1891, uma
prática que remontava às orientações do IHGB na década de 1840 e ainda hoje
recorrente. Quando muito, é o caso de Carvalho Lima Júnior, efetuou-se uma
distribuição da matéria segundo temas sobre os quais abundavam as fontes. Mas a

139
maioria seguiu simplesmente uma cronologia estatista sem preocupar-se em
caracterizar fases ou interrelacionar períodos distintos.

Em síntese, ao invés do cientificismo, vigoraram alguns elementos daquilo que


poderia ser entendido como corrente historicista: idéia de que a experiência humana
longe de ser redutível a fórmulas matemáticas era condicionada pela vontade humana
e todos os vícios e virtudes advindos dessa compreensão. Daí a ênfase na biografia,
na atividade política condicionada pelos sentimentos de ambição, coragem, teimosia
etc.; a descoberta do valor do passado, a importância em buscar as raízes da
sergipanidade, a necessidade em construir os mitos fundadores de Sergipe e a
preocupação em contribuir para a consolidação do Estado nacional brasileiro
(partindo da experiência particular).

Certamente não se trata de um historicismo refinado a la Droysen, Dilthey e Simmel;


não há enunciado explicito sobre a tarefa de compreender o homem em sua
historicidade, sobre o movimento das idéias ou temáticas similares (o que seria o mais
disparatado dos anacronismos). Mas não seria absurdo aproximá-los do historicismo
daqueles que extraíram da obra de Ranke os principais instrumentos do trabalho do
historiador: a primazia das fontes primárias, a crítica documental e a possibilidade de
chegar ao real através dos repositórios de documentos textuais. Instrumentos estes,
adquiridos através da obra de Varnhagem e dos demais historiadores que lhe
seguiram no “árido trabalho em arquivos” como Rocha Pombo e o barão Homem de
Melo (ambos visitantes ilustres dos IHGS), como Capistrano de Abreu, João Ribeiro
e Felisbelo Freire. Essa guinada em direção à corrente historicista talvez possa ser
compreendida muito menos em termos de formação e prática dos intelectuais,
insuficiência teórica e inadequação epistemológica que propriamente em relação às
limitações impostas por mais uma crise de identidade entre as várias ocorridas nos
séculos XIX e XX. Uma crise gerada pelas frustradas expectativas da pátria local em
relação ao regime republicano. Não é demasiado ressaltar aqui os problemas
acarretados pelas sucessivas interferências do "centro" em relação aos governantes e
legisladores de Sergipe. Durante a República Velha a Presidência indicou, impôs,
repôs e afastou os governantes locais de acordo com suas conveniências. Alguns
desses episódios deixaram marcas indeléveis na população como o afastamento do
General José Calazans (1894) e a intervenção federal (1906) que resultou na morte
dos mais destacados líderes políticos do Estado, Fausto de Aguiar Cardoso e (como
desdobramento) do Monsenhor Olímpio Campos.369 Alie-se a isso as dúvidas sobre a
capacidade do Estado de acompanhar a "modernização" que se avizinhava (tanto em
seus aspectos "morais" quanto econômicos) e as consecutivas frustrações em relação
à questão de limites com a Bahia e encontrar-se-á, talvez, a motivação para uma crise
que forçou a reflexão sobre o (novo) projeto para o Estado de Sergipe. Uma nova
identidade manifestada no plano do discurso (principalmente) e fundada no reexame
do passado expresso através de uma (nova) historiografia. Historicismo no IHGS
significava um mergulho sobre si mesmo, uma busca das raízes, um esforço em
descobrir e marcar a "cor local" através de seus próprios teóricos, instrumentos,
projetos e preferências.

369
Dantas, Ibarê. O Tenentismo... p. 28-29; Revolução de 1930... p. 21; Oliva, Terezinha. Impasses do
federalismo... p. 17-26.

140
Conclusão

Bacharéis em medicina e direito, engenheiros, militares, professores, comerciantes e


industriais formaram o corpo de intelectuais em Sergipe no período 1910/1930. Esses
atores, acomodados sob a proteção de alguns oligarcas ocupavam, em sua maioria,
postos na burocracia local se desdobravam na produção literária em variados gêneros
e espécies literárias. A movimentação desse grupo restrito concentrava-se na capital,
Aracaju, centro político administrativo e financeiro do Estado, vitrine para as mais
recentes conquistas urbanas que o Rio de Janeiro e Paris poderiam oferecer: o
telefone, luz elétrica, água tratada, bondes, trem, e também, teatro, biblioteca e
cinema.

Os intelectuais divergiam quanto ao credo religioso, as formas de praticar a política e


as conclusões acerca da "ciência moderna", mas concordavam que as transformações
operadas nesses níveis de realidade indicavam novo rítimo a ser vivido. Era a
"civilização" que estava prestes a atropelar os sergipanos. Para que o Estado
(conquistasse, acompanhasse) se apropriasse desse novo rítimo, era preciso recuperar
o tempo perdido. Era necessário instruir operários, alfabetizar trabalhadores rurais,
fundar escolas de nível superior, inventar a solidariedade, instituir a benemerência.
Para que a vaga civilizatória não passasse ao largo, era importante incentivar a
apreciação estética e a reflexão sobre ciência. Esse entendimento estimulou a
iniciativa particular (apoiada pelo Estado) na fundação de instituições artísticas,
literárias e científicas como os Gabinetes de leitura, as Academias e Horas literárias e
o Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe. Este último, instalado em 1912,
transformou-se no mais importante centro de debates científicos que se tem notícia
durante a primeira República.

Mas o Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe, apesar de marcado pelas utopias


iluministas do IHGB, não poderia seguir os mesmos ditames da matriz carioca. Era
um outro "lugar social": republicano e cientificista. Isso implica dizer que o IHGS
manteve (em nível discursivo) uma relação se não de confronto pelo menos de crítica
em termos de poder central. O discurso era francamente federalista e as suas mais
significativas atividades estiveram voltadas para o resgate do espaço territorial
sergipano, construção de uma memória e a invenção de uma identidade para Estado.
Esse "outro lugar" também foi marcado pela apropriação das teses formuladas pelos
conterrâneos ilustres, fundadores da Escola do Recife: Tobias Barreto e Silvio
Romero. Uma ciência "moderna" e positiva, baseada na observação, experiência e na
indução. Um conhecimento com postulados extraídos da Biologia, sintetizando
esquemas nem sempre intercambiáveis como os de Spencer, Haeckel e Ratzel. Essas
(in)apropriações, por conseguinte, marcaram os projetos de escrita da história
sergipana no período, veiculados em sua Revista.

O resultado desses lugares e interesses foi uma produção dividida entre a atividade
memorialística e historiadora propriamente dita. Cerca de 52% do espaço da Revista
dedicados à atualização do estoque de lembranças do próprio Instituto e do Estado de

141
Sergipe. Com essa função identitária, o IHGS manteve ligação estreita com o Estado,
recebendo subsídios financeiros e garantindo a presidência honorária da Instituição
para todos os governadores. De forma efetiva, colaborou na descoberta, preservação e
rememoração dos eventos fundadores de Sergipe e participou ativamente do
reconhecimento e defesa do território sempre que solicitado. À medida que cumpria
tais tarefas, o IHGS acabou por identificar os maiores problemas da sociedade local,
como: o desprezo dos sucessivos governos do "centro", a falta de solidariedade, a
ignorância e a ausência do espírito de iniciativa. Por fim, as práticas da instituição,
configuradas em suas reuniões semanais e nas páginas da Revista forjaram uma
"sergipanidade" sintetizada na bravura dos soldados e políticos, na visão progressista
de alguns dos governadores do Estado e, sobretudo, na inteligência dos seus laureados
poetas e pensadores.

Como produtor de conhecimento, o IHGS dedicou 48% da Revista à escrita de


memórias geográficas e historiográficas e para a recolha de fontes sobre a história
local. Em função do "lugar social", predominou a caracterização das atas, cartas,
decretos, relatórios oficiais, relatos de proprietários, testamentos dos presidentes de
província como objetos privilegiados para a heurística fazendo supor que a
historiografia produzida pelos historiadores do futuro seria eminentemente centrada
nas ações individuais e na atividade política. Para as abordagens geográficas, pouca
reflexão conceitual, ênfase na descrição e classificação de acidentes. A intenção era
auxiliar o conhecimento do espaço geográfico para melhor defesa e aproveitamento
dos seus recursos, com vistas ao desenvolvimento econômico do Estado.

Em termos de historiografia, houve ênfase na produção de biografias de políticos,


pensadores e literatos afirmando que o maior produto do menor Estado do Brasil era
mesmo a inteligência. Além do elogio, vigorou o estudo monográfico (apesar de
programadas, as sínteses não vingaram). As "memórias" predominantes
transformaram em objeto histórico a experiência de comunidades municipais e, em
menor grau, a de grupos profissionais e religiosos. Os sócios firmaram vícios e
virtudes humanas como o motor da história e encararam a verdade clássica como
princípio axiomático do historiador. Tais resultados acabaram por contradizer os
projetos iniciais do Instituto baseados em uma "ciência moderna" e laica. A opção
historicista, mais que uma proposta espistemológica e também metodológica (não
teorizada) se impôs como uma necessidade. Era o local que teria que ser exaltado,
conhecido e reconhecido. Era uma questão de sobrevivência compreender e divulgar
a experiência sergipana a partir das informações geradas no próprio Estado.

Ao mensurar a contribuição da produção historiográfica do Instituto, há também que


avaliá-la em relação a um "outro". Esse outro, eleito pelo próprio IHGS, é o que está
à margem (ele próprio através da contribuição jornalística dos seus sócios) e o que lhe
antecedeu (a História de Sergipe de Felisbelo Freire). Sincronicamente, pode-se
concluir que a historiografia produzida à margem do IHGS não diferia em seus
aspectos epistemológicos e metodológicos do trabalho veiculado pela Revista. O grau
de reciprocidade entre os diversos equipamentos literários (associações literárias,
imprensa) e a participação efetiva de membros destacados como Prado Sampaio,
Oliveira Teles, Lima Júnior, Elias Montalvão, Epifânio Dória em outros "lugares
institucionais", fizeram da Revista do IHGS um mostruário bastante significativo das

142
possibilidades da escritura da geografia e da história e do trabalho heurístico em
Sergipe no período 1913/1929. Por outro lado, comparando-se o antes e o depois,
pode-se afirmar que a contribuição da "casa" se assentaria em nível de temáticas
acrescentadas (o local) e dos corretivos aplicados sobre a obra mestra (História de
Sergipe - 1891). Metodologicamente, a historiografia do Instituto significaria um
certo recrudescimento da historiografia varnhageneana em seus aspectos biográficos,
em sua narrativa de cunho político-administrativo (não em relação à questão nacional
"brasileira). O IHGS capitulou nas tentativas de escrever uma história ao modo
cientificista, enquanto Freire ainda tentou fazê-la, pelo menos nos primeiros
capítulos. Todavia, especificamente para o historiador contemporâneo, a grande
contribuição da Revista, em sua primeira fase está justamente no anúncio do projeto
identitário gestado na/para as décadas anos 1910/1920 em relação ao ofício do
historiador e no repositório de fontes (crônicas e historiografia) sobre o período
monárquico e republicano colocados à nossa disposição. E ainda: a demonstração de
que a ausência da crítica, do debate, de reflexão sobre o próprio fazer historiográfico
e a prática do trabalho atomizado não contribui em nada para o fortalecimento da
ciência histórica, apesar de todo avanço nos sistemas de comunicação e informática.

***

Além de ter recuperado as conclusões parciais, espero que a leitura aqui empreendida,
a incorporação de alguns recursos técnicos mais recentes à pesquisa e a
problematização sobre o ponto de vista teórico-metodológico possam ter contribuído
para demonstrar a relevância da história da historiografia tanto para estudo da
construção da memória da ciência histórica (e daí a reflexão sobre a possibilidade de
novas formas de fazer historiografia) quanto para o inventário das identidades
sergipanas (dessacralizando auto-imagens e sugerindo identidades mais próximas de
outros segmentos da sociedade).

143
Fontes370

Periódicos (jornais)

A Cruzada, Aracaju, 1919/1926.

Anais da Assembléia Provincial de Sergipe, Aracaju, 1875.

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O Acadêmico, Aracaju, 1928.

Século XX, Aracaju, 1918/1919.

Sergipe Jornal, Aracaju, 1921/1928.

Periódicos (revistas)

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Revista da Academia Sergipana de Letras, Aracaju, 1932.

Revista da Faculdade de Direito de Sergipe, Aracaju, 1970.

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Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe, Aracaju - 1913/1929.

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Sergipe, Periódico do Centro Sergipano, Rio de Janeiro, 1936.

Vida, Aracaju, 1930.

370
Aqui estão relacionadas todas as fontes consultadas e utilizadas nesses trabalho. Em relação aos
periódicos, originais manuscritos e impressos, os números entre barras referem-se às datas limites.

144
Legislação, mensagens e relatórios

Coleção de Leis e Decretos, Aracaju, 1902/1920.

Estatutos do IHGS - 1913/1917/1950/1991.

Mensagens dos presidentes de Província, Aracaju, 1919/1923.

Relatório dos presidentes de Província, Aracaju, 1919/1923.

145
Originais (manuscritos)

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Livro de Atas do IHGS - 1912/1916

Livro de Atas do IHGS - 1917/1931

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