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Dissertação apresentada ao
PPGHS/IFCS/UFRJ como requisito à
obtenção do grau de Mestre em História
Social. Orientador: Prof. Dr. Manoel
Luiz Lima Salgado Guimarães.
Rio de Janeiro
Agosto de 2000
7
ITAMAR FREITAS
Orientador: ________________________________________________
________________________________________________
________________________________________________
8
Agradecimentos
Em especial ao Prof. Dr. Manoel Luiz Lima Salgado Guimarães pela orientação e
incentivo.
9
Sumário
Resumo iv
Résumé v
Introdução 7
Capítulo I
A experiência da história da historiografia 11
Institutos Históricos como objeto de estudo 22
Capítulo II
Movimento intelectual nas décadas de 1910 e 1920 37
Intelectuais 41
A elite intelectual de Guaraná 45
O trabalho dos intelectuais 53
Equipamentos e formas de organização 70
Capítulo III
A experiência do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe 88
Um modelo e vários projetos 88
A ciência da fundação 101
Estrutura e funcionamento do Instituto 113
Algumas práticas acadêmicas 123
A função social do Instituto 137
Capitulo IV
A Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe 156
Da produção e circulação do periódico 156
Dos autores, textos e temáticas 159
A contribuição heurística 165
A contribuição geográfica 169
A contribuição historiográfica 185
Conclusão 213
Fontes 217
Anexos
10
Resumo
11
Résumé
12
discursos e "trabalhos litterarios” da entidade fundada em Aracaju, Capital de Sergipe
(1912). A Revista do IHGS é, portanto, o mais antigo meio de circulação (em
atividade) da produção historiográfica local e, em certas décadas, o único. Sua
trajetória conheceu três fases bem demarcadas pela dinâmica de sua circulação:
1913/1929; 1939/1966; 1978/1999. Os hiatos e fases não só indicam suspensão da
publicação mas também a reestruturação administrativa do IHGS e, sobretudo, o
desaparecimento de toda uma geração de intelectuais. Nesse trabalho, contemplarei a
fase de implantação do veículo (1913/1929), a mais produtiva (14 números, 105
artigos, 49 autores), a fase em que a instituição apropriou-se de forma direta do
aparato conceitual de alguns fundadores da chamada "geração 70", tais como Silvio
Romero e Tobias Barreto. Foi também nesse período que a Revista delineou
deliberadamente em "substratos científicos" as singularidades do Estado de Sergipe,
os pressupostos de uma "sergipanidade". A convergência de três noções
emblemáticas acerca do ambiente urbano (moderno, progresso e ciência)3 na década
de 1870 no discurso dos herdeiros da Escola do Recife também legitimam o marco
temporal inicial (1912). A instalação dos novos equipamentos urbanos na capital, a
preocupação com o saneamento é um indicador importante dessa convergência. O ano
de 1929 como marco final é justificado nem tanto pelas transformações
tradicionalmente conhecidas (Revolução de 1930), mas pelo envelhecimento e/ou
morte dos discípulos da Escola do Recife; a criação de novos centros aglutinadores de
intelectuais como a Academia Sergipana de Letras (1929); e, também, pelas
dificuldades internas do Instituto que fizeram interromper a circulação da Revista por
10 anos (1929/1939).
Esse ensaio de história da historiografia, tendo o IHGS como objeto, tem a clara
função de descrever e caracterizar a historiografia local identificando seus traços
dominantes. Tem o objetivo de perceber, a partir das práticas anunciadas pela Revista,
as tentativas de instituição de uma escrita da história e uma identidade para o
historiador e o Estado de Sergipe. Além disso, deve, inclusive, comparar a
experiência do IHGS com as práticas de sua matriz inspiradora e analisar as
apropriações do ideário cientificista difundido pelos discípulos sergipanos da Escola
do Recife. Com essa dissertação, em síntese, pretendo compreender a experiência do
IHGS como lugar de memória e produtor privilegiado de historiografia. Para tanto,
elaboro um esboço do que foi o "movimento intelectual" nas décadas de 1910 e 1920
tratando da auto-representação dos "intelectuais", seu trabalho, seus equipamentos e
formas de organização (capítulo II). A seguir exploro a experiência do Instituto
através do modelo instituído, dos projetos esboçados para a instituição, da idéia de
ciência em vigor, sua estrutura administrativa, práticas acadêmicas e função social
(capítulo III). Por fim, analiso a Revista do Instituto Histórico e Geográfico de
Sergipe enfatizando aspectos de sua produção e circulação, tratando dos autores,
textos e temáticas e das principais marcas impressas na escrita da história em Sergipe:
as contribuições, heurística, geográfica e historigráfica (capítulo IV). É importante
destacar aqui dois subprodutos da pesquisa anexados ao final desse trabalho: o
Catálogo da Revista e o Inventário das questões tematizadas durante as sessões do
IHGS no período analisado (1912/1929). O primeiro é constituído de índices
(analítico e de autores), resumos e referências completas de todos os artigos
3
Ver a respeito dessa convergência: Scwarcz, Lilia Mouritz. O Espetáculo das Raças: Cientistas,
Instituições e a questão racial no Brasil 1870-1930.São Paulo: Companhia das Letras, 1995. p. 30-35.
13
publicados entre os números 1 e 14. O segundo relaciona todas as atividades
exercidas durante as reuniões do grêmio. Ambos podem servir de importantes
subsídios a uma nova versão sobre as práticas do IHGS e a escrita da Revista. E, mais
importante, podem auxiliar na elaboração de trabalhos comparativos entre instituições
do gênero em outros lugares do Brasil (Anexos 3 e 4). Antes de conhecer a
experiência dos intelectuais, do Instituto e do periódico, passo em revista a prática da
história da historiografia através do seus clássicos estudos de síntese. Também
examino, sucintamente, as formas com que o IHGS tem sido abordado e apresento as
diretrizes teórico-metodológicas utilizadas durante a análise (capítulo I).
14
Capítulo I
É claro que, durante o século XIX, houve momentos onde a ciência histórica fez-se
objeto de si própria, mas, nessas iniciativas, circunscritas/relacionadas aos “lugares de
produção” e às “práticas disciplinares” em que foram gestadas, não estavam tão
nítidos os limites entre os diversos domínios constitutivos desse saber. Praticou-se,
então, de tudo um pouco e ao mesmo tempo. O resultado dessas análises, “esboços”,
“introduções”, “iniciações”, “noções” sobre a historiografia e historiadores do século
XIX e anteriores foi uma mescla de estudos sobre filosofia, metodologia,
epistemologia e didática que, devido à abrangência dos objetos e estratégias,
acabaram "retardando" a formação desse campo específico hoje nomeado história da
historiografia.
15
1970. Esse limite temporal aplicou-se à tradição francesa da qual os historiadores
brasileiros se serviram de forma mais intensiva.6
6
A década de 1970 é aqui tomada como referência por marcar, com o lançamento da coleção Faire de
l'histoire (1974), "uma preocupação em fazer da escrita da história e do papel do seu produtor (o
historiador) objetos de um novo olhar historiográfico." Datam também desse período os diversos
estudos de Charles Olivier Charbonell que refletiram profundamente sobre o tema e efetuaram um
balanço de obras clássicas, sugerindo todo um programa para a história da historiografia. Histoire et
historiens: une mutation idéologique des historiens français 1865-18886 representa uma tentativa de
libertar a prática da disciplina dos pontos de vista dos filósofos, críticos literários e historiadores das
ciências: uma proposta de constituição do “estudo científico da história da historiografia” sob
perspectiva especificamente historiográfica. Cf. Guimarães, M. L. L. S., Repensando os domínios de
Clio: as angústias e ansiedades de uma disciplina. Revista Catarinense de História. Florianópolis, n. 5.
p. 05-20, 1998; Charbonell, Charles-Olivier. Histoire et historiens: une mutation idéologique des
historiens français 1865-1885. Toulouse: Privat, 1976.
7
Bezerra, Alcides. Os historiadores do Brasil no século XIX: Conferência realizada no dia 5 de agosto
de 1926 no Centro de cultura Brasileira. In: Relatório do Diretor do Arquivo Nacional (1926). Rio de
Janeiro: Arquivo Nacional, 1927. p. 61-76; Holanda, Sérgio Buarque de. O pensamento histórico no
Brasil durante os últimos cinquenta anos. Correio da Manhã. Rio de Janeiro, 15 de junho, 1951.
Sobre J. H. Rodrigues, é bastante citar a bibliografia específica de história da historiografia: Rodrigues,
José Honório. Historiografia e bibliografia do domínio holandês no Brasil. Rio de Janeiro:
Departamento de Imprensa Nacional/Ministério da Educação e Saúde, 1949; Teoria da história do
Brasil: introdução metodológica. São Paulo: Instituto Progresso Editorial S. A., 1949; Conciliação e
reforma no Brasil: um desafio histórico político. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1965; História
e historiadores do Brasil. São Paulo: Fulgor, 1965; História e historiografia. Petrópolis: Vozes,
1970; História combatente. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982; Vida e história. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1966; História, corpo do tempo. São Paulo: Perspectiva, 1985 [primeira edição
em 1976]; História da história do Brasil: Historiografia Colonial. 2 ed. São Paulo: Companhia
Editora Nacional, 1979; A pesquisa histórica no Brasil. 4 ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional,
1982; História da história do Brasil: a historiografia conservadora. São Paulo: Editora Nacional;
Brasília: INL, 1988; História da história do Brasil: a metafísica do latifúndio - o ultra-reacionário
Oliveira Viana. São Paulo: Companhia Editora Nacional, [1988]. v. 2, t. 2.
16
sistemático de levantamento e crítica da historiografia produzida sobre o país (José
Roberto do Amaral Lapa, Carlos Fico e Ronald Polito, principalmente).8 A leitura dos
clássicos produzidos nesses dois "tempos" pode demonstrar que a história da
historiografia, como domínio específico, acompanhou a institucionalização da ciência
histórica tanto no que diz respeito ao espaço propriamente institucional (da
“Introdução à história” para uma disciplina curricular nos cursos de graduação)
quanto à formalização das práticas desse tipo de estudos (métodos, técnicas,
justificativas e programas). Os critérios da abstrata representatividade (não
problematizada) e das classificações por assunto, progressivamente, cederam lugar ao
exame da obra por inteiro, das relações entre o texto, condições de produção e os seus
leitores privilegiados. Esse domínio específico, contudo, não chegou a gerar "escolas"
e ainda sofre do mal de Sísifo. Além disso, a história da historiografia vive um
conflito de identidade quando incorpora funções da epistemologia e da metodologia
da ciência histórica. Seria então essa inquietação a sua maior virtude? Estou inclinado
a acreditar que sim.
17
“Estado precário.” Por isso, relaciona autores cujas obras foram produzidas a partir de
referências vivenciadas em Sergipe, assim como as iniciativas de historiar a trajetória
dos municípios sergipanos. Vladimir Carvalho não classifica e nem periodiza o
material; os comentários críticos são curtos e esparsos e de outra forma não poderia
sê-lo já que o próprio título anuncia sua função: uma “Introdução” ao estudo da
história de um município em particular (Itabaiana). Apesar de panorâmica, a
lembrança de Carvalho é meritória. Além de levantar o problema da insuficiência na
pesquisa histórica no Estado (excetuando-se os momentos em que foram produzidas a
História de Sergipe de Felisbelo Freire e os escritos sobre a questão de limites entre
Bahia e Sergipe) inclui, como estudos históricos, alguns artigos seriados, publicados
em periódicos sergipanos, trabalhos, creio eu, não suficientemente conhecidos por
aqueles que ainda se aventuravam na pesquisa no início dos anos 1970.10 Deve ser
também louvada a revisão que faz Vladimir sobre a historiografia acerca dos
municípios: o primeiro levantamento do gênero, somente suplantado pelo “Banco de
dados Histórias dos Municípios Sergipanos”, produzido pelo Departamento de
História da UFS em meados dos anos 1990.
10
Tais artigos são: “Notícia histórica e geográfica desta Província” (Correio Sergipense, 1847) de
Antônio José da Silva Travassos e “Formação do território sergipano” (Estado de Sergipe, 1916) de
Manoel dos Passos de Oliveira Telles.
11
Fontes, José Silvério Leite. Um projeto de História de Sergipe. Momento: Revista Cultural da
Gazeta de Sergipe, Aracaju, n. 2, p. 7-14, mar. 1976.
18
trajetória para a historiografia sergipana centrada nos autores que esboçaram uma
“consciência de individualidade da província”. O texto de Silvério Fontes12,
apresentado no II Encontro de professores de Introdução aos Estudos Históricos
(Campinas, 1972) não é propriamente uma análise historiográfica. Ele apenas
relaciona autores e algumas obras representativas devido a sua constituição e
abrangência. “Historiografia Sergipana” opera como uma espécie de introdução a um
tema bem mais específico que se transformou no divisor de águas da pesquisa
histórica em nível local: o projeto de “Levantamento das fontes primárias da História
de Sergipe”. Apesar da brevidade do texto, Silvério Fontes procura dar
inteligibilidade à trajetória da historiografia em/sobre Sergipe – ainda que em termos
de avanços e recuos. Nesse sentido, o autor aponta as principais temáticas e
motivações para a pesquisa (movimento republicano, implantação da República,
questões de limites com a Bahia, história artística e literária, homenagens aos
“sergipanos ilustres”); caracteriza algumas práticas do ofício em suas respectivas
épocas (ênfase nos estudos analíticos, factualismo, trabalho individual e não
especializado); pontua marcos institucionais (como a fundação do IHGS e a criação
da disciplina “Introdução aos estudos históricos”); e, também, talvez o mais
importante, esboça uma periodização para essa historiografia (surgimento – 1860;
surto historiográfico, a partir da apropriação das idéias estrangeiras – 1875/1925;
arrefecimento da pesquisa sobre o local – 1925/1960; e a retomada desses estudos –
1960/1970).
12
Fontes, José Silvério Leite. Levantamento das fontes primárias da História de Sergipe. Cadernos da
UFS, Aracaju, n. 1, p. 4-13, 1972.
13
Calazans, José. Introdução ao estudo da historiografia sergipana. In: Aracaju e outros temas
sergipanos: esparsos de José Calazans Brandão da Silva. Aracaju: Governo de Sergipe – FUNDESC,
1992.
14
O Discurso (Aracaju, 14/04/1874) do Deputado provincial Silvio Romero (na época, Silvio Ramos)
é talvez a primeira reivindicação por uma historiografia cientificista (ao modo das ciências naturais)
em nosso país. Nele Romero esboça as críticas sobre os historiadores brasileiros (consolidadas em sua
História da Literatura Brasileira - 1888) e estabelece diretrizes gerais sobre o concurso que
selecionaria o mais científico trabalho sobre a história de Sergipe apresentado no prazo de seis anos.
"(...) é mister que se viva completamente estranho a esta ordem de estudos para desconhecer que o
socialismo, digamos-lhe o nome sem receio de ruido, o socialismo, em suas mais robustas
manifestações, a de S. Simon e sobretudo a de Proudhon; a critica religiosa, em todos os seus ramos,
estudando as mytologias ou as religiões propriamente ditas; a philologia, com seus últimos avanços; o
positivismo, este ultimo mais que todos, vieram desenvolvendo e preparando uma nova intuição da
historia, nos ultimos trinta annos, intuição que acaba de ter um formal apoio das sciencias naturaes
pelas vistas de Darwin e seus discípulos (...) Queremos ter o direito de esperar, senhores, que esta
19
descrição desse esforço (empreendido na mesma década de 1870) é constituída
através do arrolamento de autores e obras agrupadas nos vários ramos cultivados no
período de um século: historiografia dos municípios, historiografia política, didática,
obras gerais e biografias. Há segmentos do texto que privilegiam três autores
representativos devido à profundeza da pesquisa (Felisbelo Freire, Carvalho Lima
Júnior e Felte Bezerra) e dois relativos a um tema e uma referência capital para a
historiografia local: a questão dos limites com a Bahia e a influência da Escola do
Recife. A análise desses segmentos fundamenta o estabelecimento de cinco fases na
história da historiografia sergipana que dialogam com a periodização esboçada um
ano antes por Silvério Fontes. Na primeira fase, à obra de Silva Travassos, José
Calazans acrescenta o trabalho de Marco Antônio Souza e os escritos de cronistas que
não necessariamente vivenciaram a história local, como Frei Vicente Salvador,
Barlaeus e Rocha Pita. Na segunda, intitulada por Silvério Fontes como “surto
historiográfico”, Calazans estabelece a publicação de História de Sergipe de Felisbelo
Freire como marco inicial. Daí em diante, as duas periodizações se distanciam.
Calazans vai estabelecer o IHGS como o fundador de uma nova fase que se extingue
em 1929 quando a Revista do grêmio deixa de circular. A última fase, que
compreende as décadas de 1940/50 e 1960, é marcada pela retomada dos estudos
sobre Sergipe no IHGS, no Departamento de História da Faculdade de Filosofia o
lançamento da Revista de Aracaju e da “Coleção de Estudos Sergipanos”.
assembleia votará pela proposta. Queremos ter o direito de suppor que a provincia em breve possuirá,
não a historia inanida e sem convicções, pallida e sem entusiasmo, mas a historia em que sua vida
preterita resurja limpida e vigorosa; a historia que ensina, porque é certa; que anima, porque é santa;
aquella em cujas paginas sente-se o aroma são das eternas leis do pensamento e a visinhança respeitosa
de um conviva severo: - a sciencia. Romero, Silvio. Discurso. Annaes da Assembléa Provincial de
Sergipe do Ao de 1874. Aracaju, p. 93-96, 1875.
20
especificidade dos recortes temporais, espaciais e temáticos, liberdade interpretativa,
problematização do objeto, e interdisciplinaridade – principalmente no que diz
respeito a teorias e métodos. Esta nova orientação resulta das mudanças do perfil do
profissional que tem sido operadas ao longo dos últimos 20 anos no Departamento de
História da Universidade Federal de Sergipe. Hoje, em sua maioria, os professores
são egressos dos cursos de pós-graduação em Universidades Federais de Pernambuco,
Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília o que tem garantido o intercâmbio
com os mais importantes centros dos estudos históricos do país. Os frutos dessa
historiografia universitária para uma história da historiografia de/em Sergipe já
podem ser visualizados nos trabalhos do professor Francisco José Alves
(principalmente a tese de doutorado sobre o historiador Felisbelo Freire), das
monografias de graduação e pesquisas de iniciação científica de Noberto Oliveira,
Itamar Freitas, Péricles Júnior, Elissandra Silva que enfocaram tanto o trabalho de um
autor (Maria Thétis Nunes, Sebrão Sobrinho), quanto a historiografia produzida
sobre uma região – “histórias dos municípios sergipanos”. Graças à maturidade da
reflexão da historiografia sobre o seu próprio saber nos últimos dez anos no ambiente
universitário, esta pesquisa, centrada no IHGS, pôde tomar corpo e transformar-se em
trabalho de pós-graduação.15
15
Alves, Francisco José. “A marcha da civilização”: uma leitura da historiografia de Felisbelo Freire.
Rio de Janeiro, 1998. Tese (Doutorado em História Social) – Programa de Pós-Graduação em História
Social/Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, Universidade Federal do Rio de Janeiro; Oliveira,
Noberto Rocha. Maria Thétis Nunes: uma contribuição à historiografia sergipana. São Cristóvão,
1997. Monografia (Licenciatura em História) – Departamento de História, Universidade Federal de
Sergipe; Freitas, Itamar. A escrita histórica de Sebrão Sobrinho; uma análise de Laudas da História de
Aracaju. São Cristóvão, 1996. Monografia (Graduação em história) – Departamento de história,
Universidade Federal de Sergipe; Freitas, Itamar; Andrade, Péricles de Morais Júnior; Santos,
Elissandra Silva. Histórias dos municípios sergipanos: uma análise historiográfica. São Cristóvão,
1995-1997. Relatório de iniciação científica (Graduação em história) – Departamento de
História/COPES-POSGRAP/CNPq – Universidade Federal de Sergipe
21
Institutos Históricos como objeto da história da historiografia
16
O termo "representação" será utilizado em seu caráter epistemológico. "Representar pressupõe uma
atividade ou faculdade da consciência cognitiva em relação ao mundo exterior: representar uma
presença (sensorial, perceptiva) ou fazer presente alguma coisa ausente, isto é , re-apresentar como
presente algo que não é dado diretamente aos sentidos." Falcon, Francisco J. Calazans. História e
representação. Rio de Janeiro: Pontifícia Universidade Católica, 1998. p. 5, mimeo.
17
Uma relação dos mais importantes estudos conhecidos sobre o IHGB está inserida no terceiro
capítulo desse trabalho.
18
Calazans, José. Aracaju... op. cit.
22
anunciei o lugar ocupado pelo IHGS – delimitador de uma fase bastante produtiva da
historiografia sergipana, o institucionalizador da pesquisa histórica coletiva, o
desaguadouro dos entusiastas da Escola do Recife etc.. Resta agora indicar como os
raros esboços da história do movimento intelectual em Sergipe nas décadas de 1920 e
1930 trataram a Instituição e a sua Revista.
Penso ser bastante oportuno iniciar essa revisão com um texto do próprio fundador do
IHGS, o sociólogo Florentino Menezes que, em 1932, fora do período em análise,
portanto, enfatizava um aspecto "original" da sociedade sergipana: os "vôos
iluminados" da sua inteligência, a tendência de produzir "iluminados gênios." À tese
da pequenez territorial de Sergipe, em vigor nesse período, Florentino acrescentava a
impossibilidade de se manter uma força bélica como o Estado de São Paulo, uma
grande população como Minas Gerais e conclui: "somente pela inteligência ele
[Sergipe] poderá vencer e se tornar digno dos seus irmãos da Federação."19 De fato,
os "Aspectos Sociaes" de Florentino Menezes tratam justamente desta vocação de
Sergipe e do "surto de progresso intelectual" (iniciado possivelmente com Tobias
Barreto e Silvio Romero, passando por Fausto Cardoso no início do Século XX e se
estendendo até os dias atuais - 1932). A continuidade dessa virtude é comemorada
pelo autor que percebia, àquela altura, uma certa efervescência intelectual nos
colégios secundários de Aracaju..." as livrarias derramam, como nunca, os seus livros
pela população ávida de leitura (...) os jornais publicados, pelos alunos do curso
secundário, mostram que a mocidade estudiosa orienta-se atualmente para uma vida
superior, mais intelectual e mais artística."20
19
Menezes, Florentino. Aspectos Sociaes. Revista da Academia Sergipana de Letras, Aracaju, n. 5, p.
34, fev. 1932. (p.31-35)
20
ibid., p. 32.
23
poesia atual uma literatura do protesto")21, e o tom polêmico e agressivo dos seus
discursos. O texto é estruturado sobre uma cronologia progressiva; o seu objeto
oscila entre a primeira metade do século XIX e a segunda do XX e interessa ao autor
captar a Expressão cultural de Sergipe percebida através dos vários domínios
literários: da poesia consoladora22 de Pedro Calasans, Bittencourt Sampaio, Elizeário
Pinto e José Maria Gomes de Souza; das historiografias política de João Ribeiro e
literária de Silvio Romero; nos "ensaios" de Manoel Bomfim, Jackson de Figueiredo
e Gilberto Amado; nos estudos jurídicos dos ministros Oliveira Ribeiro, Coelho e
Campos, Heitor de Souza, Aníbal Freire, dos professores Rogério de Faria, Alvino
Lima, Alberto Deodato, e os grandes juristas Martinho Garcez, Gumercido Bessa e
Tobias Barreto. O artigo do prof. Gonçalo tem o mérito de justificar a inclusão de
cada um dos nomes aqui citados, comentando a atuação, relacionando obras, etc.,
mas peca pela omissão de nomes significativos a sua época como Felisbelo Freire e
Fausto Cardoso, pela falta de referências completas em seus abonamentos e,
principalmente, pelo reducionismo da interpretação/conlcusão a qual chega: como a
maioria dos citados autores era bacharel em Direito o autor sente-se à vontade para
concluir pela existência do primado do Direito na cultura sergipana.23 A tese do prof.
Gonçalo abre um questão importante: que lugar ocupavam então os padres, médicos e
jornalistas do período e outros tantos criadores/mediadores da “cultura letrada” da
época?
24
organização administrativa) e algumas de suas realizações, como a instalação de
bustos homenageando sergipanos ilustres. Há também dados sobre a construção da
sede própria em 1939, o número atual [1940] de sócios e os títulos de utilidade
pública do IHGS. Fica excluído, portanto, o próprio “produto intelectual” da
instituição (as letras e ciências). Devo retificar também alguns pequenos equívocos
cometidos pelo autor quanto à data do início dos trabalhos "científicos", "literários",
"intelectuais" e "cívicos", discriminados e iniciados com o Estatuto de 1912 e não em
1919, assim como a data do lançamento das bases da biblioteca e da Revista que
aconteceram a partir da fundação do Instituto em 1912 e 1913 respectivamente. Tais
incorreções não retiram o mérito da obra que até o estágio atual dessa pesquisa, em
relação ao estudo das Instituições, permanecem iniciativa pioneira.
Mas quem são estes intelectuais e o que teriam produzido em favor de Sergipe? Para
Calazans, cinco são os tipos: os bacharéis em Direito formados no Recife, discípulos
de Tobias Barreto que atuaram na magistratura, advocacia e na política partidária; os
médicos formados na Bahia e Rio de Janeiro, os engenheiros formados em Ouro Preto
e na Bahia, homens de letras que conectaram Sergipe aos grandes centros do país; os
ex-alunos da Escola Militar da Praia Vermelha que atuaram como professores em
Aracaju; os padres formadores e formados pelo Seminário do Sagrado Coração de
26
Calazans, José. O desenvolvimento cultural de Sergipe na primeira metade do século XX:
Conferência realizada pelo Dr. José Calazans Brandão da Silva, convidado especial na sessão solene
comemorativa do jubileu do Instituto Histórico a 6 de agôsto de 1962. Revista do Instituto Histórico e
Geográfico de Sergipe, Aracaju, n. 26 B, v. 21, p. 48, 1965.
25
Jesus a partir de 1913; e os poetas de Aracaju aglutinados no bairro Santo Antônio em
torno do carismático poeta Garcia Rosa, que cantaram as belezas da terra sergipana.
O tópico inicial da matéria relativa ao IHGS faz referência ao IHGB no século XIX,
conduzindo o leitor para a fundação do grêmio sergipano. O artigo traz dados básicos
como data da inauguração, localização das sedes, primeira diretoria, constituição dos
Estatutos, e os títulos "de utilidade pública". A segmentação do capítulo é temática,
abordando aspectos da construção e inauguração da sede própria e dos produtos
oferecidos pela entidade: biblioteca, hemeroteca, os administradores e as condições
gerais de funcionamento do Instituto no período em que os artigos foram produzidos.
27
Santos, Pedrinho. Instituições culturais de Sergipe. Aracaju. mimeo, 1984. v. 1.
28
ibid., p. 2 e 5.
26
Dez anos depois, o IHGS foi tema de trabalho de monografia dos alunos do curso de
Comunicação Social da Universidade Tiradentes. Instituto Histórico e Geográfico de
Sergipe: Centro de preservação da informação cultural procurou divulgar o esforço da
Instituição na preservação da memória sergipana. A experiência da casa não é
problematizada. Os autores contentam-se em apresentar e comentar a importância do
acervo da biblioteca, pinacoteca, hemeroteca, arquivo e museu. A Revista tem
ressaltados o objetivo, periodicidade e os lançamentos mais próximos (números 30 e
31). Trata-se, portanto, de um inventário geral do acervo para a sua posterior
divulgação à comunidade.29
29
Costa, Raimundo Nonato et al. Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe: centro de preservação da
informação cultural. Aracaju, 1992.Trabalho Acadêmico (Graduação em Comunicação Social) -
Faculdade de Comunicação Social, Universidade Tiradentes.
30
Barreto, Roseane Guimarães Santos. O Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe e a idéia de
Centro Cultural. São Cristóvão, 1996. Monografia (Licenciatura em História) (Departamento de
História, Universidade Federal de Sergipe.
27
intelectualidade e da sociedade sergipana". Quem eram a sociedade e a
intelectualidade sergipana e como chegou a tal constatação são questões que Roseane
deixou em aberto no seu trabalho.
***
28
“historiográfica” que procura afastar-se das práticas ainda vigentes importadas da
história da literatura e da história da ciência. Uma abordagem que busca sedimentar a
história da historiografia como um campo específico de estudos dentro de um saber
mais amplo – a ciência histórica.33
33
Ver Lapa, J. R. A. História e historiografia pós-64... op. Cit., p. 49-51; e Charbonell, C-O. Histoire
et historiens... op. Cit., p. 45-57.
34
Le Goff. Jacques. História e Memória. 2 ed. Campinas: Unicamp, 1992. p. 424 e 473; Nora, Pierre.
Entre a memória e história: a problemática dos lugares. Projeto História, São Paulo, n. 10, dez. 1993.
p. 7-28.
35
Id., p. 423.
36
Novais, Sylvia Caiyuby. Jogo de espelhos: imagens da representação de si através dos outros São
Paulo: Edusp, [198-]. p. 23.
29
perfis já podem ser visualizados no capítulo que se segue onde trato dos principais
agentes constituintes do movimento intelectual sergipano entre 1910 e 1930.
30
Capítulo II
Mas deste ponto de vista subectivo é que, porem, se me antolham, desde o primeiro lanço, as
grandes responsabilidades do Instituto, cujo fim á esta hora do seculo, não é de aclarar
pontos obscuros ou recantos crepusculares, porventura ainda existentes nos devãos do nosso
Theatro e História para falar com Ratzel, mas crear o estudo da Anthropo-geographia
sergipana á luz do moderno critério da Sciencia Social porque é no apparentemente simples
estudo da dependencia do homem para com a terra, onde se colhe o exacto systhema do
equilibrio resultante da lucta das forças mezologicas e ethnicas, e do qual se deriva mais
clara visão da coexistecia social sujeita, por toda a parte a variedade de condições vitaes
que lhe são particulares.37
***
A fundação do Instituto Historico e Geographico se Sergipe não pode ser por mais tempo
adiada.(...)
Sergipe não tem um Instituto ou uma associação scientifica com que distinga os seus grandes
homens.
Dahi o marasmo, a falta de estimulo que existe em nossa terra, não porque nos faltem
genios, mas porque estes se apagariam sem reflexo, victimas do meio como a voz se extingue
nas planicies desertas, aos poucos, sem echo.(....)
37
Sampaio, Prado. Palavras de início. Revista do IHGS, Aracaju, n. 1, p. 24-25, 1913.
38
Menezes, Florentino. Discurso pronunciado pelo acadêmico Florentino Telles por ocasião da
fundação do “Instituto Histórico e Geographico de Sergipe”. Revista do IHGS, Aracaju, n. 1, p. 09-13,
1913.
31
Quando Prado Sampaio anunciava um novo tempo para a intelectualidade sergipana,
ele dava mais um sopro de vida ao movimento inaugurado por Tobias Barreto e
Silvio Romero que já parecia esgotado no Recife desde 1906. O tobiático Sampaio
ainda utilizava combativos argumentos de parte da “geração 70”, empenhada na
crítica ao clericalismo e na luta pela renovação dos estudos filosóficos no Brasil. Mas
o discurso de Prado Sampaio também revelava indícios de que, pela primeira vez, de
forma coletiva, os intelectuais de Sergipe, mormente da capital, experimentavam um
momento de reflexão, uma tomada de consciência sobre a aceleração da história,
percebida através dos desdobramentos da revolução industrial, do desmoronamento
dos últimos pilares do regime político anterior, como também das concepções e
modos de pensar a filosofia e praticar ciência.
39
As obras de abastecimento d’água e esgoto foram iniciadas em 1909 e concluídas em 1914; em maio
de 1911 foi inaugurada a primeira estação telefônica da cidade; os bondes da empresa “Carris
Urbanos” inauguravam uma nova forma de lazer em 1910; em dezembro de 1913 os aracajuanos
comemoraram a chegada do serviço de luz elétrica e em menos de dois anos estavam ligados por
estrada de ferro até a fronteira com Alagoas. Mendonça, Corinto. Contribuição ao Centenário do
Aracaju: Realizações dos Governadores em prol da Cidade (1892/1954). Aracaju: [ASI, 1954]. p. 27-
37; Cabral, Mário. Roteiro de Aracaju. Aracaju: Regina, 1955. p. 168; Especificamente sobre as linhas
de bondes ver o jornal O Estado de Sergipe em suas edições de: 6 set. 1908. p. 2-3; 27 out. 1908. p. 2;
16 e 18 jul. 1909. p. 2; e 1 mar. 1909. p.2.
40
O termo "civilização", no discurso dos membros do IHGS, guardam os mesmos sentidos presentes
na obra de Felisbelo Freire: ação/processo e estado. Salvo conotação expressa pela estrutura do
parágrafo, "civilização" deverá ser considerado em seu segundo sentido: "um determinado estágio de
desenvolvimento. Civilização é o ápice do desenvolvimento de um povo. É a realização de uma
sociedade, em condições desejáveis, caminhando rumo à civilização que neste caso se confunde com
uma meta da evolução. Civilização é o destino de todos os povos. [Cf. Alves, Francisco José. “A
marcha da civilização”... op. cit. p. 174-175.] Quando acompanhado do termo "progresso",
"civilização" refere-se ao padrão superior das atividades do "espírito" (ciência, arte, constumes etc.)
enquanto "progresso" está relacionado às questões "materiais" como o desenvolvimento da economia e
da tecnologia.
32
Hoje, comparando fragmentos literários dos dois autores, pode-se perceber que tanto
o discurso de Prado Sampaio quanto o de Florentino Menezes apresentam curiosas
semelhanças, além do fato de terem sido pronunciados na fundação do Instituto
Histórico e Geográfico de Sergipe (1912) e no lançamento do primeiro número de sua
Revista (1913). Ambos fornecem indícios de uma tomada de consciência – da
emergência da ocidentalização -, uma instância de reflexão sobre o tempo presente,
sentidos que contemporaneamente são expressos pelo conceito de modernidade.
Ambos também representam a tomada de consciência do intelectual acerca do seu
papel nos destinos da sociedade a que pertencem.
33
Intelectuais
Com essa abordagem tentarei apresentar uma possível resposta a questões como:
quem eram e o que faziam os intelectuais das décadas de 1910/20, período que
envolve a consolidação do IHGS. E ainda, de forma mais breve, como se
organizavam, que tipo de relações mantinham e quais as possíveis implicações dessa
rede de influências na tecedura de uma determinada escrita da história.
Essa ausência de limites sobre o que poderia ser chamado grupo intelectual nas
décadas de 1910/20 esconde, paradoxalmente, algumas características que podem
facilitar a abordagem desse tema. Está claro que a homogeneidade também não é
característica do conceito nos tempos atuais entretanto, nesse trabalho, o “intelectual”
poderá ser genericamente caracterizado como “os sujeitos a quem se atribui de fato
ou de direito a tarefa específica de elaborar e transmitir conhecimentos, teorias,
doutrinas, ideologias, concepções o mundo ou simples opiniões, que acabam por
constituir as idéias ou os sistemas de idéias de uma determinada época e de uma
41
As cidades de Estância e Laranjeiras foram líderes nesse sentido durante a segunda metade do século
XIX. A primeira, entreposto comercial de vulto, ponto de exportação fluvial, local de implantação da
imprensa em Sergipe. Motivos idênticos transformaram Laranjeiras em rival de Estância. No entender
de M. P. de Oliveira Telles, Estância é pátria da música, e Laranjeiras a mestra de Sergipe, a
propagadora das idéias republicanas, abolicionistas e das teorias cientificistas. Teles, Manoel dos
Passos de Oliveira. Sergipenses: escriptos diversos. Aracaju: Tipografia de “O Estado de Sergipe”,
1903. p. 83-84.
42
Sirinelli, Jean-François. Os intelectuais. In: Rémond, Por uma História Política. Rio de Janeiro:
UFRJ/FGV, 1996. p. 237.
34
determinada sociedade.”43 Recortando mais ainda o objeto, e continuando com as
palavras de Norberto Bóbbio, é importante enfatizar que a caracterização do
intelectual enquanto tal não está diretamente determinada ao trabalho que exerce, mas
a sua função: “um operário que também desenvolva obra de propaganda sindical ou
política pode ser considerado um intelectual, ou pelo menos os problemas éticos e
cognoscitivos da sua obra de agitador são os mesmos que caracterizam o papel do
intelectual.”44
Por esses critérios são enquadrados como intelectuais nas décadas de 1910-1920 não
apenas os bacharéis em direito e medicina, engenheiros, militares graduados e
oficiais, jornalistas militantes, padres, mas também os professores do ensino
secundário, funcionários públicos responsáveis por bibliotecas, serviço de instrução,
diretores de sociedades multualistas, comerciantes e uma série de outras categorias a
quem se atribui o papel de difusor cultural ou formador de opinião.
43
Bobbio, Norberto. Os Intelectuais e o Poder: Dúvidas e opções dos homens de cultura na sociedade
contemporânea. São Paulo: Unesp, 1997. p. 110.
44
Ibid. p. 115.
45
Sirinelli, J-F. op. Cit. , p. 242.
46
Guaraná, Armindo. Diccionario Bio-bibliographico Sergipano. Rio de Janeiro: [Governo do Estado
de Sergipe], 1925.
47
Guaraná, A.. op. Cit. p. xvii.
35
informações sobre climas, crenças e opiniões constitutivos da rede de sociabilidade
dos intelectuais em Sergipe.
36
A elite intelectual de Guaraná 48
A elite eleita por Guaraná é constituída por gerações de nascidos entre 1840 e 1900.
Nada menos que 73,4 % dos biografados têm origem nesse período e mantiveram-se
ativos na política e na atividade literária até o final da década de 1920. Mas nem
todos contribuíram com a mesma intensidade ou partilharam experiências no Estado
natal.49 Da mesma forma, somente alguns viveram o suficiente para vislumbrar
vitórias de Sergipe como unidade autônoma: o reconhecimento de seus homens de
letras, a reivindicação dos limites territoriais, a instalação de representações locais da
esfera jurídica e religiosa ou ainda, a inserção da capital no ansiado “estado de
civilização”. Os eleitos por Guaraná, que participaram desse “nascimento cultural”
das décadas de 1910 e 1920, não contabilizam muito além de uma centena de
indivíduos.
37
políticos, grêmios, e nos cargos-chave da administração pública.50 Pelo fatalismo da
conservação das fontes ou – mais responsavelmente afirmando – pela forma com que
a sociedade estava estruturada no período, os cumpridores do papel de intelectual
compõem uma centena de homens e mulheres que no período alvo desse estudo –
1910/1930 alcançavam idade variável entre 35 e 65 anos.
50
Os intelectuais assinalados nesse trabalho pertencem à “classe média” local, no sentido do termo
ironicamente empregado por Silvio Romero ainda em 1895: “é o mundo dos médicos sem clínica, dos
advogados sem clientela, dos padres sem vigararias, dos engenheiros sem empresas e sem obras, dos
professores sem discípulos, dos escritores, dos jornalistas, dos literatos sem leitores, dos artistas sem
público, dos magistrados sem juizados ou até com eles, dos funcionários públicos mal remunerados.
Eis a nossa riquíssima classe média...”. Romero, Silvio. Doutrina contra doutrina: o evolucionismo e o
positivismo no Brasil. Rio de Janeiro: Alves e Cia., 1895. p. xlix.
51
Dentro do recorte temporal especificado para esse trabalho.
52
Lacerda, Nobre. O Diário de Chica Chaves. .... p. 8
53
Maria da Conceção P. Ferraz, Guiomar Calasans Gonçalves, Ítala Silva de Oliveira, Silvia de
Oliveira Ribeiro e Antônia Angelina de Figueiredo Sá.
54
Nunes, Maria Thétis. História da Educação em Sergipe... P. 255-256.
55
A respeito dessa marca, Manuel dos Passos de Oliveira Telles afirmava em 1903 que “esse ímpeto
para longe dos filhos de Sergipe nunca foi contrabalançado por ímpeto para cá dos filhos de outros
Estados. (...) Realmente, quem havia de querer vir para uma terra de onde ausentam-se moços e
velhos? ... De tempos para cá o exodo tomou proporções deploraveis, e a sahida dos moços obedeceu,
por assim dizer, aos acontecimentos políticos do derradeiro quinquênio.” Para Prado Sampaio “nós, os
sergipanos, como os nossos irmãos os cearences, temos no sangue algo de israelitas. É que a falta de
patria nos tornamos errantes e nômades.” [Telles, Manoel dos Passos de Oliveira. Sergipenses.
Maruim, ... 1903. p. 151-152; Sampaio, Prado. Sergipe. Maruim: Imprensa Econômica, 1906. p. 70].
Em recente estudo, Josué Modesto dos Passos Subrinho afirma que a imprensa local tentou justificar
forte emigração sergipana para a Amazônia e cidades de São Paulo e região Sul da Bahia
caracterizando o espírito do povo como aventureiro, desgarrado e inconstante. A ausência de
38
Transitaram do interior para a capital do Estado, de Aracaju para Pernambuco, Bahia,
Rio de Janeiro e desses para outros Estados e países em busca de fortuna financeira,
política, ou de reconhecimento como literatos.
oportunidades de emprego e a estrutura fundiária do Estado também foram causas aventadas. Havia
consenso, porém, entre "as elites locais quanto aos prejuízos que ela causaria ao desenvolvimento
econômico do Estado. (...) Foi este o Estado que mais sofreu, em termos relativos, emigração líquida
de brasileiros natos para outros Estados, entre 1900 e 1920." Passos Subrinho, Josué Modesto dos.
Reordenamento do trabalho: trabalho escravo e trabalho livre no Nordeste Açucareiro - Sergipe
(1850/1930). Campinas, 1994. Tese (Doutorado em História Econômica) Universidade Estadual de
Campinas.
56
“De Alfredo de Siqueira Montes, que começou funcionário público burocrático e acabou diretor de
colégio e catedrático de inglês do Ateneu, o ‘Parthenon’, também conhecido como Ginásio Sergipense,
ou simplesmente Colégio de Alfredo Montes, era situado precariamente em três casas adaptadas, na
antiga Praça José de Faro, entre o palacete da Assembléia e a Biblioteca de hoje, que foi o Ateneu
naquele tempo. O colégio tinha fama e resumia o que havia de melhor no gênero. Fôra fundado pelo
Dr. Ascendino Reis em 02/02/1879....O estudo era duro e aprendia-se tudo o que se estuda hoje com
outros nomes. A ordem das matérias podia ser escolhida pelos alunos, exceto o Português,
obrigatoriamente a primeira e a Matemática que devia preceder as Ciências Naturais. O ensino de
línguas se fazia de maneira deficiente....Alfredo Montes era em tudo um homem respeitável: de média
estatura, magro, cabeça grande, fisionomia serena, usava um bem tratado cavanhaque, que êle
acariciava enquanto lia em aula os exercícios de Abílio Cesar Borges, ou capítulos das ‘Lectures
Choisies’, da Estrada Suave, ou de ‘History of England. Gostava de dar bôlos e andava de botinas com
rangedeira para dar tempo ao pessoal se ajeitar, enquanto êle como passo firme e vagaroso se
aproximava (...) No Parthenon não se ensinavam tôdas as matérias do curso médio e os pensionistas
tinham permissão de sair para outros cursos, especialmente no Ateneu, que era do Govêrno e ficava
defronte, mas foi durante alguns anos transferido para um prédio inadequado nos fundos do antigo
Quartel de Polícia. No meu último ano tirei lá, Física e Química com o Dr. José Moreira Magalhães e
História Natural com Teixeira de Faria.” Campos, Edilberto. O Parthenon Sergipense. In: Crônicas da
passagem do século. [Aracaju: s.n.], 1967. p. 5-8. v. 2. [O período do relato situa-se aproximadamente
em 1896].
39
Aqueles que terminavam o curso secundário e por qualquer motivo não prosseguiam
nos estudos formais enquadravam-se nas ocupações disponíveis à época, de acordo
com as relações familiares que possuíam ou a vocação para adequar-se às conjunturas
políticas do Estado. Trabalharam na imprensa como jornalistas, redatores, revisores,
tipógrafos; montaram o próprio negócio na área de ensino, vendas ou ainda; iniciaram
carreira militar como praça. Foram também funcionários públicos nas funções de
contínuos, escriturários, amanuenses, guarda-livros, arquivistas, inspetores, auxiliares
de administração em repartições públicas das áreas de saúde, educação, obras,
fazenda e segurança.
A segunda migração dos futuros intelectuais também foi motivada pela ausência de
instrumentos que permitissem a educação integral dos filhos das “elites”. Em geral,
seguiam em busca dos títulos de bacharel os filhos de militares de alta patente, de
médicos, advogados, desembargadores e, em menor proporção, de professores
destacados por seu saber e clientela. Os pais eram participantes ativos na política
local e quase sempre proprietários de engenho. Algumas das famílias foram
fundadoras ou mantenedoras de prestígio em suas cidades de origem como os
Carvalho, os Fontes, em Itabaiana; Oliveira Ribeiro, Faro, em Laranjeiras; Cruz,
Amado, Cardoso, em Estância; Sobral em Japaratuba; Dória em Propriá; Brito em
Porto da Folha, e ainda, os Barreto, os Telles de Menezes, e os Rolemberg, dispersos
por vários municípios sergipanos.
Na primeira década do século XX, ocorre uma sensível mudança nesse pêndulo entre
a influência baiana e pernambucana na formação dos bacharéis. Uma nova tendência
é esboçada na década de 1910 quando cresce a participação de estudantes sergipanos
nos cursos de Direito da Bahia e mais ainda, do Rio de Janeiro. A ocorrência dessa
mudança – ainda no período 1880/1900 foi detectada por Thétis Nunes. Essa autora
afirmou que o número de formados, oito em 1892, passou a apenas um, dez anos
40
depois.57 Sobre a transferência de orientação dos intelectuais sergipanos submetidos
às duas zonas de influência – Pernambuco/Bahia –, José Calazans inaugurou uma
interpretação original. Para esse historiador, os principais agentes dessa mudança
foram o estabelecimento de comunicação regular Aracaju-Salvador-Rio de Janeiro,
através da Estrada de Ferro e da recepção diária dos jornais baianos, a morte dos
bacharéis formados no Recife, e a nova formação dos estudantes sergipanos na
Faculdade de Direito da Bahia.58
57
“A partir da fundação da Faculdade Livre de Direito da Bahia em 1891, foi diminuindo a presença
do estudante sergipano na Faculdade de Direito do Recife, onde, em 1890, colaram grau 5 estudantes,
em 1891, 8, em 1892, 4, em 1893, 1 e em 1894, 5, em 1895, 3, 1896, 1; já nos anos de 1897, 98 e 99
nenhum, enquanto em 1900, 1901, 1902 apenas 1.”Nunes, Maria Thétis. História da Educação em
Sergipe... p. 210 n.
58
Calazans, José. O desenvolvimento cultural de Sergipe na primeira metade do século XX:
conferência realizada pelo Dr. José Calazans Brandão da Silva, convidado especial na sessão solene
comemorativa do jubileu do Instituto Histórico a 6 de agosto de 1962. Revista do IHGS, Aracaju, n. 26
B, v. 21, p.46-57, 1965.
41
O trabalho dos intelectuais
Das falas, restaram apenas os títulos e convites, pouco valiosos, portanto, para os
antiquários, mas suficientemente indiciários sobre práticas dos intelectuais e suas
estratégias de consagração. Os títulos e convites registrados nos jornais,
principalmente de Aracaju, indicam a conferência como um dos gêneros mais
praticados. Contabilizei uma centena aproximadamente, mas esse número pode
quadruplicar se examinadas de perto o cotidiano de cada associação fundada no
período.
Por volta de 1921, havia quem afirmasse que “a espécie oratória das conferências, na
maior parte fúteis e insignificantes” já estava completamente desacreditada.60
Bacharelice ou não, o certo é que foram constantes e funcionaram como instrumentos
para difusão de opiniões, atualização de conhecimentos, “verniz social”, reforço da
auto estima local. Esses freqüentes encontros entre homens de letras e platéia
ocorreram pelos mais variados motivos: festas beneficentes em prol de uma escola,
associação ou Revista, as comemorações referentes à tomada da Bastilha, assinatura
da Lei Áurea, a Independência do Brasil, a Emancipação de Sergipe. Entre os locais
mais freqüentes, além das sedes das diversas organizações, estavam o salão da
Biblioteca Pública e do Palácio do Governo, a Escola Normal e os cine-teatros Royal,
Carlos Gomes, Universal e Guarani.
59
É de se lamentar a exiguidade de informações produzidas sobre a experiência dos colégios
secundários em Sergipe. Sabe-se pouco sobre os quadros docente e discente, e muito menos sobre
polêmicas, disputas por cadeiras, defesas de tese, e atividades associativas dos alunos.
60
Ribeiro, João. Braz do Amaral: discursos e conferências. O Imparcial, [Rio de Janeiro], 6 dez. 1921.
In: Leão, Múcio (org.).Obras de João Ribeiro: Crítica - Historiadores. Rio de Janeiro: Academia
Brasileira de Letras, 1961. p. 293-297.
61
Registros sobre o costume de reunir-se em calçadas nos finais de tarde em Aracaju estão em:
Campos, Edilberto. Crônicas ... p. 68, v. 2.
62
Rocha, Antônio de Oliveira. Aracaju rediviva: conferência pronunciada no Centro Sergipano em 4
de julho de 1963. Rio de Janeiro: [s.n., 196--]. p. 14 e 22.
42
discutia-se de filosofia a literatura, iniciavam-se os vários admiradores do professor
nas leituras de Machado de Assis, Taunay, Raul Pompeia, Joaquim Nabuco, Graça
Aranha, Euclides da Cunha, Olavo Bilac e de alguns clássicos estrangeiros como
Verlaine, Musset, Lamartine, Baudelaire, Montaigne, Rousseau, Antero de Quental,
Stendhal, Crocce, Taine e Renan. O poeta foi um verdadeiro guru para várias
gerações. Entre os seus tutelados estiveram nada menos que os escritores Amando
Fontes, Jackson de Figueiredo, Gilberto Amado, Hermes fontes, Alfredo Cabral,
Passos Cabral e o artista plástico Jordão de Oliveira.63 Também as tertúlias da casa do
Cel. Vicente Ribeiro, próspero “capitalista” local, serviam como forte elemento de
sociabilidade para um grupo de intelectuais que tencionava destacar-se como a
inteligentzia do Estado. Os encontros no sobrado do coronel no principal logradouro
da capital eram regados à música e récita e agregavam tanto os produtores locais
como artistas e escritores em visita à capital. Não esqueçamos, como esclarece
Silvério Fontes, que a essa época, Aracaju “era uma cidade provinciana, obscura, de
olhos voltados para as metrópoles distantes, aguardando delas a palavra de ordem
sobre os nomes e as idéias a admirar e a seguir.”64
Quanto a outras cidades no interior do Estado, não há muitos registros sobre reuniões
familiares voltadas para a prática da leitura mas é possível que estas não se
distanciem muito da experiência do desembargador Gervásio Prata (1886/1968) que
costumava reunir-se com outros bacharéis da cidade de Lagarto onde trabalhou como
juiz. A "mansão" ou o "gabinete" eram o local das palestras. O movimento da feira
próxima completava o cenário. Rememorando a década de 1910, Gervásio Prata
afirmava que discutiam-se os mais variados assuntos, "dos reservados ou triviais aos
da ciência nos livros e revistas chegados da França"... Os livros de ciência, continua o
desembargador, "perfaziam o tempo sem ter melhor. Possuía catálogos de algumas
livrarias, na França e por eles escolhia as minhas preferências... Assinava
L'Ilustration e a Révue philosophique. Entre o pedido e a recepção, o prazo não
excedia dois meses." Isolado dos grandes centros urbanos e de suas instituições os
intelectuais faziam da leitura sobre filosofia e ciência, portanto, uma prática
confessadamente amadorística.65
63
Ver traços da influência de Garcia Rosa na formação de jovens intelectuais em: Figueiredo, Jackson.
Garcia Rosa. Rio de Janeiro: Tipografia da Revista dos Tribunaes, 1915; Oliveira, Jordão. Caminhos
perdidos. Rio de Janeiro: Gráfica Ouvidor, 1975. p. 63-66; Rocha, Antônio de Oliveira. Aracaju
rediviva: conferência pronunciada no Centro Sergipano em 4 de julho de 1963. Rio de Janeiro: [S.l.:
s.n.]. p. 27 e 30; Fontes, José Silvério Leite. Razão e fé em Jackson de Figueiredo. Aracaju: Editora da
Universidade Federal de Sergipe, 1998. p. 40-41, 118 e 139-140. Fontes, Amando. Os Corumbas... p.
vi.; Freire, Ofenísia Soares. Discurso comemorando o centenário de nascimento do escritor Amando
Fontes. In: Nascimento, José Anderson (Coord.). O Sodalício. Aracaju: J. Andrade, 1999. p. 135.
Guaraná, Armindo. Dicionário... p. 21-22; Amado, Gilberto. História da minha infância. Aracaju:
Edufs/Fundação Oviedo Teixeira, 1988. p. 192-197; Calazans, José. Entrevista concedida à Maria
Marlene Alves Calumby. Arcaju, 1993. (Programa Videoteca Aperipê Memória).
64
Fontes, S. Razão e fé... p. 33.
65
"O correio itinerava em lombo de burro, de Aracaju, via Estância, Boquim, Lagarto, Simão Dias,
conduzido pelo prestante caboclo Severo, armado de chuço pontiagudo, símbolo de sua missão de
estafeta solitário onde andava.
Quando se avizinhava o tempo, eu ia dando de aparecer na Agência à hora das malas postais. Não se
descreve a satisfação toda vez que a funcionária D. ascendina denunciava, meio risonha, visando a me
contentar: 'Dr. Gervásio, tem registrado para o senhor.' Saía com o pacote ou os pacotes para os
desembrulhar em casa.
43
Outro ponto de convergência dos intelectuais, local de trocas entre iniciantes e
veteranos em assuntos literários, científicos e políticos, eram as redações dos jornais.
Nesse tipo específico de periódico registravam-se os convites, o resumo das falas, as
críticas e réplicas das conferências. Era, portanto, o veículo por excelência de
divulgação e a principal instância de consagração dos intelectuais até meados da
década de1910, pelo menos até a fundação do IHGS em 1912. Para Gilberto Amado
“a importância que tinham as ‘letras’ em Sergipe [na primeira década desse século]
era considerável. Fazer versos, publicar versos, aparecer nos jornais, constituía
preocupação de muitos, velhos e moços. O autor ao atravessar a rua era apontado: –
Publicou hoje um artigo”.66
No início dos anos vinte, eram raros os livros de autores nativos e o movimento
editorial, incipiente. Mesmo em cidades como Rio de Janeiro e São Paulo o “surto
editorial” só aconteceria nos anos 1930 após a fusão de várias editoras,
transformações no maquinário, nas formas de investimento, especialização da mão-
de-obra e mudanças no sistema de ensino.67 Em Aracaju, as opções para a publicação
de livros esgotavam-se nas próprias oficinas dos periódicos. Tolhidos pelas
deficiências técnicas, grande parte dos que se aventuraram a publicar os seus escritos,
fossem eles de qualquer natureza, o fizeram através das principais casas editoras do
Rio de Janeiro como a Laemert & Cia., Francisco Alves e as tipografias de O Estado
de São Paulo, Jornal do Brasil e Jornal do Comércio.
Um outro fator para a escassa produção de livros, obras orgânicas, bem mais
significativo por sinal, era a própria identidade polígrafa dos homens de então. Ainda
é cedo para relacioná-los aos “anatolianos” de Sérgio Miceli. Não se pode afirmar que
os escritores sergipanos “se esforçavam por satisfazer a todo tipo de demandas que
lhes faziam a grande imprensa, as revistas mundanas, os dirigentes e mandatários
políticos da oligarquia, sob a forma de críticas, rodapés, crônicas, discursos, elogios,
artigos de fundo, editoriais, etc.”.68 Mas certo é que tanto “o grau incipiente de
diferenciação do mercado cultural”, a produção em horas de folga, como a formação
bacharelesca da maioria fizeram com que esses intelectuais exercitassem variados
gêneros ao mesmo tempo e em poucas oportunidades se detivessem em trabalhos de
grande fôlego.
Lançava uma vista superficial pelos índices e fechava os livros um por um; separava-os todo eufórico.
Entregava-me a aprender em mestres que divulgavam conhecimentos científicos para o mundo, as
novas descobertas e as interpretações dos sábios mais eminentes do começo do século: Henri e Lucien
Poincaré, Ed. Poirier, F. Le Dantec, T. Huxley, Ch Darwin, F. Topinard e mais expressivos
representantes da cultura e da Filosofia científica, cujas obras formavam a base da minha biblioteca,
recentes, depois dos meus livros de Direito vindos comigo da Academia." Lima, J. Fraga (org.).
Memórias do Desembargador Gervásio Prata. Aracaju: Governo do Estado de Sergipe/Secretaria de
Estado da Educação e Cultura/Fundação Estadual de Cultura, 1886. p. 42.
66
Amado, Gilberto. História ... p. 192-193.
67
Miceli, Sérgio. Intelectuais e classe dirigente no Brasil: 1920-1945. Rio de Janeiro: Difel, 1979. p.
69, 75 e 78.
68
Miceli, Sérgio. Intelectuais e classe dirigente no Brasil.... p. 131-132.
44
uma espécie de embrião sobre “direito autoral”. Todavia, a efetivação do mecenato
estatal em matéria de publicações somente será legitimada em 1904 com a lei que
autoriza a impressão anual de uma obra de autor sergipano residente no Estado. Esse
dispositivo previa o julgamento dos trabalhos através de uma comissão composta de
cinco membros. Ao vencedor caberiam quinhentos exemplares seis meses após
finalizado o concurso.69
Os resultados dessa iniciativa são ainda desconhecidos. Sabe-se apenas que três anos
depois, 1907, a Assembléia Legislativa autorizou o governo a imprimir as obras
didáticas e literárias do professor, escritor e também parlamentar Severiano Cardoso
(1840-1907). Talvez a intimidade do autor com várias instâncias do poder (camarista
em Aracaju, Deputado por duas legislaturas, oficial de Gabinete do presidente Pelino
Nobre) e o valor estético da sua obra que abrangia teatro, poesia e biografia tenham
sido determinantes para esse ato, até mais que as próprias intenções de aplicação da
lei do mecenato.70
69
Coleção de Leis e Decretos de 1902. Aracaju: Tipografia do Estado de Sergipe, 1903; Coleção de
Leis e Decretos de 1904. Aracaju: Tipografia do Estado de Sergipe, 1905.
70
Coleção de Leis e Decretos de 1907. Aracaju: Tipografia do Estado de Sergipe, 1919. Ver também
Guaraná, Armindo. Dicionário... p. 259-259.
71
Nunes, Thétis. História da educação... p. 254-255.
72
As Obras foram publicadas em 1923. Ver Cardoso, Maurício Gracho. Mensagem apresentada à
Assembléia Legislativa, em 7 de setembro de 1923, ao instalar-se a 1ª sessão ordinária da 15ª
legislatura. Aracaju: Imprensa Oficial, 1923.
73
O Decreto n. 690, de 18 de julho de 1919 abre crédito de oito contos de réis para o pagamento dessa
obra que foi publicada no ano anterior.
74
Lobo, Joaquim Pereira. Mensagem apresentada à Assembléia Legislativa, em 07 de setembro de
1919, ao instalar-se a 1ª sessão ordinária da 14ª legislatura. Aracaju: Imprensa Oficial, 1919.
45
esse número pode chegar a vinte obras. A maior parte dessas foi composta e impressa
nas oficinas da Imprensa Oficial, ou da Tipografia de O Estado de Sergipe. Pelo
menos 40% foram produzidas entre 1916 e 1922. A questão dos limites com a Bahia
e o centenário da emancipação do Estado, mais uma vez, foram a tônica das pesquisas
e publicações.
Muitos desses jornais tiveram vida efêmera e/ou circulação irregular. A maior parte
autodenominava-se noticioso, comercial e político (com inversões nessa ordem). No
período 1910/1920 contam-se cinco os jornais classistas e quantidade idêntica para os
“literários”. Esses últimos, majoritariamente hebdomadários, foram fundados entre
1915 e 1919 (excetuando-se o Diário da Manhã, político, literário e noticioso
originado em 1911). Declararam-se, portanto, “órgãos literários” O Século XX
(1916/20/27), A Alvorada (1915), O Hélio e O Paladino ambos em 1919. Deve-se
acrescentar ainda O Acadêmico (1928) embora seja O Século XX o mais
representativo da categoria tanto pela quantidade de matérias, perenidade dos temas
quanto pela especificidade dos intelectuais que contribuíram para sobrevivência desse
periódico.
A despeito do reduzido número de folhas com tais características, pode-se notar que
as expressões literárias stricto sensu estavam distribuídas em periódicos de toda
espécie e principalmente nos jornais de cunho “político”, os mais regulares das
décadas em estudo. O uso dos diários para a divulgação de produtos estritamente
literários tem justificativas óbvias. Para José Ibarê da Costa Dantas, talvez o
pesquisador de maior intimidade com os periódicos do período republicano, “o jornal
se apresentava como um dos meios mais efetivos para exercer influência”.
Certamente, estão nos jornais os registros mais significativos: os produtos que
permitem esboçar um rápido panorama da reflexão sobre filosofia, sociologia,
literatura, história e geografia em Sergipe.
75
Silva, Clodomir. Imprensa. In: Álbum de Sergipe: 1820-1920. São Paulo: Secção de obras de “O
Estado de São Paulo”, 1920. p. 99-105. Para as demais localidades do Estado o autor contabiliza vinte
e nove títulos, no mesmo período. Das cidades citadas, Capela, Estância, Maruim, Laranjeiras,
Propriá, Santa Luzia, e Vila Nova, apenas as três primeiras possuem títulos especificamente “literário”,
dois cada uma.
76
Dantas, José Ibarê da Costa. O Tenentismo em Sergipe. Petrópolis: Vozes, 1974. p. 66.
46
mor, Tobias Barreto, e cultivada por Silvio Romero, a sociologia parece não ter
encontrado terreno fértil em ambiente dominado por alunos e admiradores do
fundador da Escola do Recife. Seja essa a hipótese mais provável ou não, o fato é que
nos periódicos da época, apenas os artigos de Florentino Menezes assumem a rubrica,
tratando de problemas relativos à divisão territorial do país, os motivos do seu atraso
e veiculando propostas para um desenvolvimento material e intelectual do povo
brasileiro. Artigos, inclusive, que geraram livros de reconhecimento do exterior como
o Estudo Corográfico e Social do Brasil (1912) e Leis de Sociologia Aplicadas ao
Brasil (1913) premiados pela Academia Latina de Ciências, Artes e Letras de Paris.77
77
Silva, Adriana Elias Magno. Florentino Menezes: um sociólogo brasileiro esquecido. São Paulo,
1997. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. p.
9.
78
Ver Lima, Jackson da Silva. Os estudos antropológicos, etnográficos e folclóricos em Sergipe.
Aracaju: Governo do Estado de Sergipe/Secretaria de Estado da Educação e Cultura/Subsecretaria de
Cultura e Arte, 1984. p. 17-19.
79
Calazans, José. Clodomir Silva e o folclore sergipano: conferência proferida no I Encontro Cultural
de Laranjeiras, em 1976. Caderno de cultura do estudante, São Cristóvão, n. 9, p. 59-65, 1992.
80
Diário da Manhã, Aracaju, 10-14 set. 1913.
81
O Estado de Sergipe, 29 nov. 1916.
82
Estado de Sergipe, 27 out. 1906 a 16 jan. 1907.
47
Os textos assumidamente historiográficos têm Sergipe como espaço privilegiado e
particularmente as cidades de Aracaju, Campos, Vila Nova, Propriá, São Cristóvão e
Anápolis. Os jornalistas historiadores quase sempre estiveram envoltos em questões
do Império ou do período de transição Império/República. Pouco avançaram sobre o
seu próprio tempo ou fizeram recuos até à colônia. Foi o passado recente que os
interessou.
48
primeiros modernistas de verdade, deferindo os golpes iniciais as cidadelas de
marfim. Nesse mesmo ano, aglutinam-se os da velha guarda na 'Hora Literária', donde
três anos mais tarde, nasceria a Academia Sergipana de Letras.”84
A “velha guarda” a que se refere Jackson Lima, reúne principalmente os nascidos nas
décadas de 1850/60 a exemplo de Justiniano de Mello e Silva, João Pereira Barreto,
Deodato Maia, Joaquim do Prado Sampaio, Manoel dos Passos de Oliveira Telles e
Francisco A. de Lima Júnior. Quanto aos debutantes de 1880/1890, como Florentino
Menezes, Gilberto Amado, Clodomir Silva, Sebrão Sobrinho, Jackson de Figueiredo,
o traço que vai prevalecer na sua produção em verso é majoritariamente a experiência
simbolista que se estende de 1896 até o final da década de 1920. Os moços, os
modernistas de 1928, pelo menos em nível de trânsito, honrarias pode-se afirmar que
pouca e/ou reduzidíssimas foram as suas influências e repercussão na grande média
do período.85
O mote principal para esse debate foi uma herança das últimas décadas do século
XIX. Para Jackson da Silva Lima,86 o espiritualismo (católico ortodoxo) se estruturou
em Aracaju (1871) com um ex-aluno do Frei Itaparica, o professor Brício Cardoso.
Pouco tempo depois, em 1876, o médico Guedes Cabral, recém-chegado da Bahia,
propagava teses materialistas, sustentando polêmicas com religiosos em Laranjeiras.
Outra forte herança, ainda no século XIX, tem origem na proeminente posição
alcançada por Tobias Barreto no início da década de 1880 entre jovens estudantes das
faculdades de Medicina da Bahia e de Direito do Recife. “A publicação de A filosofia
no Brasil (1878), de Silvio Romero, e o destaque dado à obra tobiática nessa área de
estudos, possibilitou a Ernesto Haeckel, em carta ao seu conterrâneo e amigo Karl
von Koseritz, residente no Rio Grande do Sul, manifestar-se de maneira entusiástica
sobre a figura intelectual de Tobias Barreto (...) A notícia ganhou logo as ruas e o fato
tornou-se lenda.”87
84
Lima, Jackson da Silva. História da Literatura Sergipana. ... p. 66 e 89. v. 1.
85
Ver a esse respeito: Romero, Silvio. Parnaso Sergipano. Aracaju: Tipografia de “O Estado de
Sergipe”, 1904; Araújo, Acrísio Tôrres. Literatura Sergipana. 2 ed. Brasília: Senado Federal, 1976.
86
Lima, Jackson da Silva. Os estudos filosóficos em Sergipe. Aracaju: Sociedade Editorial de Sergipe,
1995.
87
Lima, Jackson da Silva. Os estudos filosóficos em Sergipe... p. 71-72. Ver também, do mesmo autor:
Ernesto Haeckel e a fama de Tobias Barreto (1879-1882). Revista do IHGS, Aracaju, n. 30, p. 73-77,
1989.
88
Lima, Jackson da Silva. Os estudos filosóficos em Sergipe... p. 98.
49
As querelas de Ávila Lima, citadas por Jackson da Silva Lima, tematizaram
principalmente a distinção entre ciência e filosofia, a defesa do monismo haekeliano
(1909/1910) e as concepções teórico-metodológicas sobre pedagogia (1914). As
disputas e comentários mais comuns, freqüentemente produzidas sob pseudônimos,89
envolveram alguns membros do discipulato da geração 1870: Rodrigues Dória,
Helvécio de Andrade, Gumercindo Bessa, Manoel dos Passos de Oliveira Telles,
Prado Sampaio, Florentino Menezes, Ávila Lima e Costa Filho – entre os
cientificistas, e Francisco Antônio de Carvalho Lima Júnior, João de Matos Freire de
Carvalho e João Pereira Barreto, pelo lado espiritualista. O monismo de Haeckel, as
doutrinas de Lamark e Darwin foram freqüentemente avaliados, elogiados e/ou
contestados através de várias séries de artigos. O ponto central dessas questões
(fé/ciência; Deus/natureza) apenas modificou-se, formalmente, com a emergência da
propaganda socialista em 1918 (Centro socialista/Diocese de Aracaju) e dos conflitos
intrareligiosos, envolvendo periódicos oficiais dos católicos e dos protestantes (A
Cruzada/O Cristão).
O cepticismo inicial de Prado Sampaio aponta indícios de que o papel dos periódicos,
a “influência” científico-literária dos jornais, mencionada parágrafos atrás, vai além
da estratégia de consagração literária. Ela é especificamente político-partidária. Esse
89
O uso de pseudônimos, costume freqüente nas Arcádias do século XVIII, foi prática comum nas
primeiras décadas desse século. A esse respeito é significativo o depoimento do cronista Nobre de
Lacerda registrado em meados da década de 1920: “O pseudônimo foi a melhor e maior invenção do
mundo. (...) Fosse eu apadrinhar com o meu nome verdadeiro o que tenho escrito e as minhas
elocubrações perderiam cinqüenta por cento de seu valor. Pelo menos enquanto me oculto não corro o
risco de ouvir o ne, sutor, ultra crepidam.” Lacerda, Nobre de. Diário de Chica Chaves. Brasília:
Senado Federal, [19--]. p. 28.
90
Sampaio, Prado. A literatura sergipana. Maruim, Imprensa Econômica, 1908. p. 74.
91
Sampaio, Prado. Sergipe, artístico, literário e scientifico. Aracaju: Imprensa Oficial, 1928. p. 85-86.
50
poder de “influenciar seus leitores no calor da hora”92 forneceu ao historiador Ibarê
Dantas a possibilidade de identificar três fases distintas na imprensa sergipana:
“Durante o período de 1900 a 1911, os jornais refletiram divergências das principais
forças políticas do Estado, envolvendo grande parcela da população nas polêmicas
exacerbadas.(...) a da segunda década foi marcada pelo acordo incondicional e pelo
governismo (...) de 1911 a 1920 predominou o elogio fácil e estéril ou, quando muito,
a indiferença tácita.”93 No início da década de vinte, apesar da renovação dos grupos
diretores, os jornais permanecem governistas em sua maioria.94 Não sem razão
encontram-se nas redações dos jornais os dois tipos comuns de animadores culturais
do período: o mecenas e experto; o dono do jornal e o ágil redator em busca de
prestígio entre os grandes mandatários. Os mesmos personagens que consagrar-se-ão
no IHGS nos anos 1910 e 1920.
Os jornais também abriram amplos espaços para temas cotidianos como o custo de
vida, as deficiências dos serviços básicos de saneamento, problemas da instrução
pública e particularmente do analfabetismo. O combate ao analfabetismo era um tema
estrutural, ligado a uma necessidade superior: uma busca frenética pelo
desenvolvimento econômico. Esse último, sendo o legitimador do lugar de Sergipe
entre os “povos” civilizados.96 A idéia de progresso estava disseminada entre os
intelectuais do período. E não nascera de ontem. Fora herdada do final do século
XIX e incorporada paralelamente ao surto industrial no Estado no início desse século.
O próprio Prado Sampaio, afirmou que os sergipanos estavam “condenados à
civilização, e o dilema [era] este, o comum a todos os grupos ethno-psychologicos: ou
progredimos ou desapareceremos.”97 Outra preocupação estrutural, veiculada pelos
periódicos, foi a reorganização do Estado brasileiro, as reivindicações por maior
92
Calazans, José. Um livro sergipano. In: Tôrres, Acrísio. Pó dos arquivos. Brasília: Thesaurus,
1999. p.9.
93
Dantas, José Ibarê da Costa. O Tenentismo em Sergipe. Petrópolis: Vozes, 1974. p. 55-56. O
mesmo entendimento expressa Thétis Nunes: os jornais da década de 1910 “são marcados pelo
aulicismo, os elogios ao governo, ou transcrevem notícias favoráveis à administração” do período.
Nunes, Thétis. História da Educação em Sergipe. Rio de Janeiro: Paz e Terra; Aracaju: Secretaria de
Educação e Cultura do Estado de Sergipe/Universidade Federal de Sergipe, 1984. p. 221
94
Dantas, José Ibarê da Costa. O Tenentismo em Sergipe. Petrópolis: Vozes, 1974. p. 56.
95
Dantas, José Ibarê da Costa. O Tenentismo em Sergipe... p. 61, 62, 65. Os partidos políticos em
Sergipe: 1889-1964. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1989. p. 73-87.
96
Frederico Romão também percebeu a relevância da educação no conteúdo dos jornais operários em
Sergipe. Para o autor, “a preocupação com a educação não teria apenas um caráter pedagógico ou
cultural, estaria associado diretamente à possibilidade de sua libertação enquanto classe.” Romão,
Frederico Lisbôa. O movimento sindical têxtil de Aracaju no governo Augusto Maynard:1930/1935.
São Cristóvão, 1999. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) – Programa de Pós-Graduação e
Pesquisa em Ciências Sociais, Universidade Federal de Sergipe. p. 41.
97
Sampaio, Prado. A literatura sergipana. Maruim: Imprensa Econômica, 1908. p. 76.
51
representatividade – o conflito entre o velho centralismo do Império e a quimera
federalista da República Velha, entre uma “pátria nacional” e uma “pátria local”.
Algumas dessas questões, deflagradas na produção da imprensa, podem ser melhor
visualizadas nos mais importantes testemunhos de organização dos intelectuais, nos
pilares das instituições fundadas entre as décadas de 1910 e 1930.
52
Equipamentos e formas de organização dos intelectuais
98
Armindo Guaraná aponta o bacharel Manuel Luiz Azevedo de Araújo como o instituidor das
primeiras conferências literárias de Aracaju. Fato provavelmente situado entre 1869 e 1875 quando
exerceu as funções de professor de História do Brasil, Deputado provincial, diretor da Biblioteca
Provincial, diretor Geral da Instrução Pública. Dicionário... op. cit. p. 212.
99
Talvez deva se tratar do mesmo Gabinete Literário Sergipano que teve como um dos fundadores e
primeiro presidente o bacharel Pelino Nobre em 1870 e como membros, Justiniano de Melo e Silva e
Etelvino José de Barros (oradores em 1872 e 1874, respectivamente) e o Barão de Propriá (sócio
benemérito em 1875). Ver Jornal de Aracaju, 05 out. 1872; Dória, Epifânio. Pelino Nobre: Revista do
IHGS, Aracaju, v. 3, n. 6, p. 191, 1917; Relatório de Manoel ... (Diretor do Atheneu) ao Barão de
Propriá em 31/12/1873, apud. Sebrão Sobrinho. Laudas da história de Aracaju... p. 435.
100
"É provável que esse calor bibliotecófilo que reinava na Côrte e nas províncias do Império
contribuísse de algum modo para fazer recrudescer o entusiasmo que lavrava em Sergipe, sendo
forçoso acentuar que em todas as campanhas contra o obscurantismo Sergipe sempre marchou na
vanguarda, com sobranceria das maiores e mais ricas províncias do Império. (...) O livro, este 'mestre
mudo da ciência', foi sempre objeto de culto para o sergipano." Dória, Epifânio. A Biblioteca
Provincial de Sergipe: elementos para a sua história. Revista do IHGS, Aracaju, v. 11, n. 16, p. 87,
1940.
101
O Clube Esperanto foi instalado em setembro de 1907 nos salões da Escola Normal. Participaram
desse ato como palestrante os senhores Manoel dos Passos de Oliveira Teles, Costa Pinto, Leôncio
Fontes e Artur Fortes. A Trombeta: Revista humorística, literária, crítica e ilustrada, Aracaju, n.7, p.2,
set. 1907. Em 1924 o “Club” já é considerado extinto assim como a sociedade “Tobias Barreto”.
Guaraná, A. Dicionário... p. 39.
102
Correio de Aracaju, 12 jun. 1914.
103
Apenas para efeito de futuras reflexões é oportuno anotar que o maior vigor associativo nas
atividades recreativas, instrutivas e literárias acompanha também uma possível periodização das
associações de trabalhadores no Estado. Frederico Lisbôa Romão afirma que as primeiras
53
A primeira dessas sociedades intitulou-se Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe.
Fundado em 1912, sob a tutela de desembargadores e capitalistas de peso, a primeira
instituição assumidamente científica do Estado arvorou-se na missão de coletar e
divulgar fontes bibliográficas, manuscritas, arqueológicas e etnográficas que
subsidiassem a historiografia sobre Sergipe. Seus estatutos prescreviam a finalidade
de organizar um “museu de história” e uma biblioteca, escrever biografias e publicar
uma Revista. Era, portanto, uma instituição preocupada com a memória e o registro
escrito da experiência dos sergipanos habitantes do espaço territorial reconhecido
como Sergipe.104
Os trabalhos literários stricto sensu, a prosa amena, o cultivo da poesia tinham outro
endereço: eram as “horas”, “centros” e “grêmios” que se encarregavam de tais
práticas. E foram tão numerosas quanto efêmeras. Jordão de Oliveira cita pelo menos
quatro agremiações com as quais colaborou aos domingos, provavelmente entre 1916
e 1920: as horas literárias “Silvio Romero”, “Tobias Barreto”, “Fausto Cardoso” e
“Gumercindo Bessa.”105 As agências que possuíram uma existência relativamente
duradoura e onde o testemunho textual permitiu algum esboço frutificaram
principalmente no período 1919/1929.106 Entre esses anos, por exemplo, situaram-se
as experiências da Academia Literária Santo Tomás de Aquino e a Hora Literária
General Calazans, coincidentemente com origem no mesmo ano de 1919.
Silva Ribeiro Filho, um dos seus principais freqüentadores, informou que a Hora
Literária “possuía biblioteca, fichários, pequenino museu de arte sacra e profana”.108
Esse mesmo membro afirma que a sociedade passou por duas fases: “a do centro da
cidade e a da colina que domina o rio Sergipe.” No primeiro período, estava sediada
organizações trabalhadoras surgem a partir de 1871 e até 1910 mantêm caráter mutualista. De 1910 a
1930, apesar de diminutas, as entidades trabalhadoras são “de cunho mais reivindicatório e de
resistência, e menos mutualista". Nesse último período são altamente relevantes as intervenções dos
“intelectuais” no movimento obreiro. Seja na arregimentação de quadros, na condução de conferências
ou mesmo na defesa dos trabalhadores em juízo. Romão, Frederico Lisbôa. O movimento sindical
têxtil de Aracaju no governo Augusto Maynard... op. cit.
104
Por ser um dos objetos específicos desse trabalho discutiremos a experiência do IHGS em separado
no capítulo seguinte.
105
Oliveira, Jordão. Caminhos... op. cit. p. 60.
106
A primeira mobilização em torno da idéia de fundação de uma academia de letras em Sergipe coube
a Prado Sampaio por volta de 1904. Sergipe Jornal, Aracaju, 22 mar. 1924. p.1; Via Lucis, Aracaju,27
mar.1904. apud Torres, Acrísio. A imprensa em Sergipe. Brasília: Centro Gráfico do Senado Federal,
1982. p. 149, v. 1.
107
Estatutos da “Hora Literária”. Diário Oficial do Estado de Sergipe. Aracaju, 28 jul. 1929.
108
Ribeiro Filho, Silva. Hora Literária. In: Nascimento, J. Anderson. e Nascimento, José Amado. O
Sodalício. Aracaju: J. Andrade, 1999. p. 9.e 14.
54
na residência do Coronel José da Silva Ribeiro, à rua Japaratuba – hoje João Pessoa.
Nesse local, ocorreram muitas das mais importantes reuniões lítero-musicais da
capital. As poucas informações encontradas a esse respeito somente se referem á
segunda fase da instituição. Mas talvez não diferenciem muito da época de fundação.
As práticas abrangiam as récitas, recepções de novos sócios, inauguração de retratos,
homenagens a visitantes ilustres da cidade – escritores e artistas.109
Na segunda fase, a entidade mudou o nome para “Hora Literária Santo Antônio”.
Desse período há notas sobre o seu empenho em comemorar fatos como o centenário
do Uruguai e o martírio de Tiradentes. Também há informações sobre a composição
social. Seus membros constituíram-se nos mais representativos poetas das décadas de
1910 e 1920 como: Garcia Rosa, Helvécio de Andrade, João Cabral, Clodomir Silva,
Manoel dos Passos de Oliveira Telles, Prado Sampaio e Pires Wynne. Padres,
parlamentares e profissionais liberais formavam o perfil da sociedade que mais tarde
se transformaria na Academia Sergipana de Letras.
Uma das características que mais chamam a atenção na formação do quadro social é a
forte participação feminina nos destinos da instituição. Na eleição de 1926, por
exemplo, o efetivo de mulheres somava 10 entre os 23 membros da diretoria. Elas
estavam presentes nas comissões de “Orçamento e finanças” e “Donativos e
interesses externos”. Também exerciam funções de 1ª secretária, tesoureira e
bibliotecária. Coincidência ou não, os postos da “comissão de sindicância”, uma
espécie de “controle de qualidade” das aquisições para sócios, dos trabalhos a serem
publicados ou lidos na “Hora Literária”, eram dominados por homens (pelo menos
em 1926/1927) como o farmacêutico Silvério Fontes, o “capitalista” Thales Ferraz e o
almirante Amynthas Jorge.110
109
As atividades literárias no Estado não eram estimuladas apenas pela experiência da própria terra. Os
nativos acompanhavam com certa freqüência o movimento dos escritores em outros centros do país.
Os informes sobre mudanças e principalmente a participação de sergipanos como João Ribeiro,
Laudelino Freire na Academia Brasileira de Letras eram reproduzidos com júbilo pela imprensa local.
Funcionavam como um incentivo a mais para a fundação de entidades similares no próprio berço
desses homens, àquela época, nacionalmente consagrados. Assim, não foram raras as reivindicações
por uma Academia Sergipana de Letras. Mas a tão sonhada Academia ao modelo da “casa de
Machado” apenas seria criada em 1929 através do empenho do poeta Garcia Rosa e de intelectuais
como José Magalhães Carneiro, Cleomenes Campos, José Augusto da Rocha Lima e Clodomir Silva.
A ASL, sucederia a “Hora Literária Santo Antônio”. A respeito do tema ver: Nascimento, José
Anderson e Nascimento, José Amado. O Sodalício. Aracaju: J. Andrade, 1999. p. 9.; Sergipe Jornal,
Aracaju, 22 mar. 1924. p.1.
110
A Cruzada. Aracaju, 23 mai. 1926. p. 2.
55
A primeira reunião ocorreu em 20 de abril111 e a instalação definitiva em 1º de junho
do mesmo ano. A academia mantinha sede no Seminário Episcopal e as reuniões
festivas no Salão Bento XV à rua Itabaiana (1922). Ao julgar pela programação de
posse da diretoria em 1928, suas atividades rotineiras constituíam-se de apresentações
de poesias, monólogos, discursos e conferências que contribuíssem com o
“desenvolvimento intelectual, moral e social dos jovens” que a compunham. Esse
“desenvolvimento intelectual” foi estimulado principalmente com a “fundação” de
uma biblioteca dotada de gabinete de leitura acessível a todos os alunos do Seminário.
Além do cultivo das letras, a Academia empregava parte da sua rotina na
comemoração de datas cívicas locais como o 24 de outubro, 8 de julho – referentes à
emancipação política de Sergipe – e nacionais – o 7 de setembro e o 13 de maio.112
O primeiro grupo diretor da Academia Santo Tomás de Aquino era composto por
pessoas que se destacariam depois na sociedade sergipana como: os futuros cônegos
Domingos Fonseca de Almeida e Carlos Camélio Costa, o futuro padre de Porto da
Folha, Antônio de Freitas e os egressos do próprio Seminário José Olino de Lima
Neto e Porfírio de Brito. Conta um articulista que a instituição esteve em franca
atividade entre 1919 e 1925. Com a saída de uns doze dos seus sócios para “ganhar
almas para Deus” o ritmo foi diminuindo sensivelmente. Em 1929, quando o
Seminário estava sob a responsabilidade do citado Carlos Camélio Costa, a Academia
estava “marchando francamente pela estrada do Progresso” e a sua diretoria, sempre
presidida por um clérigo, compunha-se dos seguintes nomes: Edgard Brito, Antônio
Padilha, Augusto Melo, Luiz Medeiros, José Machado, Geraldo Barbosa e Gervásio
Feitosa.113
111
A Cruzada, Aracaju, 4 mai. 1919. p. 3.
112
A Cruzada, Aracaju, 14 nov. 1919. p. 2 e 18 set. 1921; Sergipe Jornal, Aracaju, 2 set. 1922.;
Sergipe Jornal, Aracaju, 6 set. 1928. p. 2.
113
O Acadêmico, Aracaju, 7 set. 1928. p. 2; Sergipe Jornal, Aracaju, 6 set. 1928. p. 2.
114
O Acadêmico, Aracaju, 7 set. 1928. p. 1.
56
sido o reaparelhamento da Biblioteca Pública Estadual a mais relevante contribuição
estatal para o movimento intelectual da terra.
115
Criada por iniciativa do Deputado Martinho de Freitas Garcez através da lei 233, sancionada pelo
presidente Zacarias de Góes e Vasconcelos em de 16 de junho de 1848. A Biblioteca foi instalada em 2
de julho de 1851 na antiga capital São Cristóvão. Pedrinho Santos relaciona a idéia de criação da
Biblioteca ao entusiasmo de Martinho Garcez pelo progresso intelectual de Olinda-PE onde havia
concluído o bacharelado em Direito nove anos antes. Ver Santos, Pedrinho. Instituições... p. 26; Lima
Júnior, F. C. Memória sobre o Poder Legislativo em Sergipe (I) - 1824 a 1889: apontamentos para a
História. Revista do IHGS, Aracaju, v. 4, n.8, p. 1-176, 1919.
116
O edifício onde funcionou o Atheneu foi remodelado para uso da Biblioteca Pública e inaugurado
em 14 jul. 1914 após a entrega ao público das linhas de bondes elétricos da capital. [Santos, Pedrinho.
op. cit. p. 29.] Durante o ato, distribuíram-se postais com os retratos do Presidente do Estado Siqueira
de Menezes, do Coronel Francino Menezes, um dos responsáveis pelas reformas no edifício, do diretor
da instituição, Epifânio Dória e da planta do edifício recém-inaugurado. Também foram distribuídas
medalhas de ouro para os Generais Hermes da Fonseca e Siqueira de Menezes, de prata, para Epifânio
Dória e de bronze para as autoridades, sociedades científicas e literárias e representantes da imprensa.
Lanche e baile completaram essa solenidade. Correio de Aracaju, 16 jul. 1914. p. 2.
117
As doações tornaram-se mais freqüentes a partir de 1913 e 1914 mas no período 1919 até 1930
podem ser encontradas, no Diário Oficial do Estado de Sergipe, mais de quatrocentos registros de
transferência de obras de particulares para a instituição reformada.
118
Lei n. 702 de 15 de julho de 1916; Decreto de 26 de fevereiro de 1917; Valadão, Manuel Prisciliano
de Oliveira. Mensagem apresentada à Assembléia Legislativa de Sergipe, em 07 de setembro de 1916,
ao instalar-se a 3ª sessão ordinária da 12ª legislatura. Aracaju: Imprensa Oficial, 1915.
119
Lei n.633 de 26 de setembro de 1914. apud. Santos, Pedrinho. Instituições... p. 30.
120
Lei n. 746 de 16 do novembro de 1917; Lei n. 755 de 21 de outubro de 1918; Lobo, Joaquim
Pereira. Mensagem apresentada à Assembléia Legislativa, em 07 de setembro de 1919, ao instalar-se a
3ª sessão ordinária da 13ª legislatura. Aracaju: Imprensa Oficial, 1919.
57
significavam 1,1% em relação à Instrução pública foram aumentando
progressivamente até atingir 4,5% em 1929.121 A partir de 1917 a legislação também
já autorizava a subvenção estatal a algumas sociedades de caráter científico e literário
como o IHGS. Cinco anos depois, seis sociedades já eram contempladas com o
mesmo benefício. Estavam fixados como despesas as subvenções ao IHGS, Liga
Sergipense contra o Analfabetismo, Centro Sergipano (RJ), Centro Operário, Clube
Literário Silvio Romero, e o Gabinete de Leitura de Maruim. Apesar da
“concorrência”, os gastos com a Biblioteca Pública superaram todas as dotações
estabelecidas para o conjunto dessas associações. Isso vale para todos os anos em que
essa comparação é permitida.
121
Despesa do Governo do Estado de Sergipe
Fixação de despesas com subvenções para instituições culturais do Estado através de lei
Instituições 1916 1917 1919 1920 1921 1922 1923 1924 1925 1926 1927 1928 1929 1930
IHGS 2,400 2,400 2,400 2,400 2,400 2,400 2,400 2,400 2,400 3,600 3,600 3,600 3,600
Centro Operário 0,600 3,200 1,200 1,200 1,200 1,200 2,000 2,000 2,000 2,000
Liga S. Analf. 0,300 3,000 2,400 2,400 2,400 2,400 3,600 3,600 3,600
C. Sergipano 2,400 2,400 0,600 0,600 2,400 2400 3,000 3,000 3,000 3,000
Gab. L. Maruim 0,600 0,600 0,600 0,600 0,600 0,600 0,600 1,200 1,200
Club S. Romero 0,300 0,300 0,300 1,200 0,300
Valores em contos de réis. Fonte: Leis e Decretos do Estado de Sergipe.
122
É preciso notar que fazia parte da estrutura da Biblioteca, desde a sua fundação, uma seção de
Arquivo “destinada ao recolhimento de documentação administrativa, histórica, científica e geográfica
produzida no Estado. Mas, somente em 1926 ganha regimento e poucos meses depois volta à
condição de seção da Biblioteca.
123
Sergipe Jornal, Aracaju, 25 set. 1924. p. 2.
124
Ibid. Ibdem.
58
Mas o afã colecionista orientado à prática da pesquisa histórica através de "fontes
primárias" parece ter interessado apenas a uns poucos abnegados como o próprio
Epifânio. É certo que o movimento dos leitores da Biblioteca ainda não foi alvo de
estudos e que os livros de registro pouco expressam sobre práticas de leituras. Mas é
certo também que a insuficiência da perquirição durante a década de 1910 prossegue
como hipótese bastante plausível acerca dos diferentes destinos tomados pela
Biblioteca e pela Seção de Arquivo dessa instituição. Além de não funcionar como
coletora sistemática da documentação administrativa produzida pelo governo, a
referida seção, que ganhou foros de independente em 1926 para voltar meses depois à
condição de agregado à Biblioteca Pública, só viria a possuir uma política arquivística
no início da década de 1970 após a intervenção dos professores do Departamento de
Filosofia e História da UFS e da Secretaria Estadual de Educação.125
125
Ver sobre essas questões: Arquivo Público Estadual. Dimensões da Arquivologia Sergipana ontem
e hoje. Aracaju: Arquivo Público Estadual de Sergipe, 1988; Fontes, José Silvério. Fontes primárias....
Cadernos UFS...Santos, Pedrinho. Instituições Culturais de Sergipe. op. cit.
126
Os jornais das décadas 1910 e 20 também fornecem dados sobre a atuação de outros grêmios
[ligados a estabelecimentos industriais] como o Tomás Cruz (1918) e o Centro Cívico Amintas Jorge
(1918), ambos promotores de conferências comemorativas. O Centro Cívico Amintas Jorge estava
voltado para a instrução das “classes pobres e laboriosas”. Era o progresso de Sergipe que estava em
questão assim como o fortalecimento das instituições nacionais. Por isso, junto à campanha contra o
analfabetismo veiculada pelo Centro, eram ministradas aulas de civismo através de conferências
comemorativas nas chamadas datas máximas da nação. Para um apologista desse Centro, o sentimento
patriótico, que deveria ser consumido com o “colostro maternal”, só se desenvolve e clarifica "na
comunhão da escola, onde os espíritos se plasmão e definem, resultando mais tarde na formação
completa dos caracteres”. Século XX, Aracaju, 15 set. 1918. p. 1.
127
Sergipe Jornal, Aracaju, 03 out. 1923; Diário da Manhã, Aracaju, 28 mar. 1918; Silva, Clodomir.
Álbum... p.
59
(Boquim, 1905)128, Clube Literário Silvio Romero em São Paulo (atual Frei
Paulo),129 e os Gabinetes de Leitura das cidades de Riachuelo,130 Capela e Maruim.
A Casa do Livro também nasceu tencionando criar uma escola noturna. Tanto é que
no mesmo mês de sua fundação já pedia o auxílio de “escritores, jornalistas e amantes
da letras, propugnadores pertinazes da extinção do analphabetismo em nossa patria”
visando a formação do seu patrimonio litero-social.”133 A instrução pública era tema
eleito como prioritário além do comércio e lavoura quando da promoção de
conferências. Os estatutos prescreviam que a diretoria estaria obrigada “moralmente”
a comemorar “os dias de maior culto, nacionais – 7 de setembro, 15 de novembro – e
estadual, o 24 de outubro.
128
Dória, Epifânio. A biblioteca Provincial de Sergipe...p.87.
129
Fundado pelo bacharel, jornalista e sócio do IHGS Josias Ferreira Nunes (1895/?) em 25/04/1918
“tinha como finalidade debater assuntos do mundo literário, principalmente aqueles voltados para o
interesse do nosso Estado e do município.” Josias fundou também uma escola intitulada “Liga
Paulistana contra o Analfabetismo em 26/08/1928. Matos Neto. Antônio Porfírio de. História de Frei
Paulo: história, política, religião, seca, cangaço e estatística. Aracaju: J. Andrade, 1999. p. 117 e 207.
130
Sergipe Jornal, Aracaju, 18 nov. 1927, p. 01
131
Estado de Sergipe, Aracaju, 24 maio 1929. p. 6-9.
132
Estado de Sergipe, Aracaju, 24 maio 1929. p. 6-9.
133
Sergipe Jornal, Aracaju, 28 set. 1928. p. 2.
60
O Gabinete de Leitura de Maruim possuía estrutura já consolidada desde 19 de agosto
1877 e era uma das últimas instituições votadas à tarefa de animador cultural
fundadas durante o Império. Em Maruim, apesar das mudanças de quadro e do fim de
um período de prosperidade econômica, o Gabinete de Leitura permaneceu em
atividade pelo menos entre 1907 e 1926, ano da última referência coletada nos
periódicos134. Em discurso comemorativo ao trigésimo sexto aniversário dessa
instituição, Enock Santiago o anunciava como o melhor equipado de todo o Estado.135
A sua diretoria incluía (1919/26), além do presidente, secretário, tesoureiro e orador,
os cargos de bibliotecário, de vogais, e uma comissão de contas.136 A sociedade,
reconhecida como de utilidade pública em 1919, também parece ter sido administrada
e financiada, ainda na década de 1920, pelos comerciantes mais prósperos do lugar
como os proprietários das firmas A. Fonseca e Alcebiades & Irmãos, e o banqueiro,
depois industrial, Josias Vieira Dantas (1890/1971)137.
Das suas práticas nas décadas de 1910 e 1920, além das comemorações de aniversário
da instituição, há poucas notícias. Sabe-se que no início, ainda no século XIX, vários
juristas, padres, políticos, pensadores e poetas utilizavam o Gabinete para a exposição
de trabalhos literários e principalmente consultas ao acervo bibliográfico. Em 1890
manteve por oito meses a Revista Literária, periódico que divulgava a produção local.
A instrução também fora seu objetivo inicial. Um projeto realizado somente em 1918
com a inauguração da escola José Quintiliano da Fonseca.138 É importante notar a
relação prosperidade comercial com interesse pela atividade literária e por instrução
básica em massa. O mesmo incentivador do Gabinete, o negociante José Thomaz
Cruz, já havia construído em 1913, com recursos próprios, um edifício destinado à
instrução da população maruinense.
134
Dados sobre as atividades do Gabinete de Leitura de Maruim na primeira década desse século
podem ser colhidas em A Trombeta: Revista humorística, literária, crítica e ilustrada, Aracaju, n.4, p.4,
1907.
135
O Estado de Sergipe, Aracaju, 7 set. 1913. p. 2.
136
Século XX, Aracaju, 21 set. 1919. p. 3; A Cruzada, Aracaju, 4 ago. 1926. p. 1; Sergipe Jornal,
Aracaju, 19 ago. 1922. p. 2.
137
Cruz e Silva, Maria Lúcia Marques. Inventário Cultural de Maruim: Edição comemorativa dos 140
anos de Emancipação Política da cidade. Aracaju: Secretaria Especial da Cultura, 1994. p. 292.
138
Talvez deva se tratar do mesmo curso noturno (de português, aritmética e escrituração mercantil)
anunciado em periódicos no ano 1918. Aguiar, Joel. Escorço Histórico do Gabinete de Leitura de
Maruim. Aracaju: Gráfica Gutemberg, 1929; Século XX, Aracaju, 16 jun. 1918. p. 3.
139
Vida, Aracaju, n. 1, p. 5, set. 1930. Segundo Tito Lívio de Castro, Geonísio Curvelo de Mendonça
chegou a ser chefe da Igreja Positivista no Rio de Janeiro. Sant’Ana, Tito Lívio. Os produbrutantes:
memórias. Rio de Janeiro: Olímpica, 1979. p. 79.
61
conhecido militante Teixeira Mendes, também faria parte da "Casa do Livro" de
Capela no final da mesma década.140
Com formação mais sólida, o “Centro Sergipano”, sediado no Rio de Janeiro, era uma
espécie de posto avançado. Um ponto de convergência entre a “cultura” e a política,
um fator de atualização dos que por aqui ficavam acerca das idéias vigorantes na
capital federal em termos de literatura, ciência e filosofia.
Diferente das instituições citadas até aqui, o Centro Sergipano era estruturado
administrativamente sobre uma extensa diretoria: presidente, vice-presidente, 1º
secretário, 2º secretário, orador oficial, diretor comercial, bibliotecário, diretor de
publicidade, tesoureiro, procurador e um conselho fiscal formado por doze membros.
Suas atividades centravam-se na comemoração das “grandes datas do Estado”, na
imortalização de seus “grandes homens”. Tais eventos eram mantidos pelos sócios –
do Rio de Janeiro e de Sergipe - e, possivelmente, por auxílios enviados à capital
federal pelos Governadores do Estado. O Centro mantinha estreito contato com o
Estado através da remessa dos periódicos locais. Os seus membros possuíam tal
notoriedade na sociedade local que pelo menos três dos sócios diretores já haviam
sido Governadores do Estado no momento de sua fundação; Siqueira de Menezes,
José Rodrigues da Costa Dória e Josino Menezes.143 Essa instituição144 parece ter
140
Diário Oficial do Estado de Sergipe. Aracaju, 2 set. 1930. p. 5.
141
A Cruzada, Aracaju, 27 ago. 1919. p. 3 e 19 out. 1924. p. 3.
142
Sergipe Jornal, Aracaju, 12 jan. 1922. p. 2. Dentre as várias sociedades de que participou, o
professor ocupou a vice-presidência da Sociedade Brasileira de Cultura Alemã. Guaraná, A.
Dicionário...p. 158.
143
Sergipe Jornal, Aracaju, 24 nov. 1921. p. 1; Século XX, Aracaju, 7 dez. 1919. p. 1; A Cruzada,
Aracaju, 19 out. 1924. p. 3.
144
Em 1936 o Centro lançou o primeiro número do seu periódico oficial Sergipe. Nessa época ainda
mantinha a missão de louvar os filhos emigrados que faziam sucesso na capital federal. Em artigo
intitulado “Estatística das atividades dos sergipanos no Brasil” são apontados, entre os vários
destaques, a participação de Geonísio Curvelo de Mendonça na Igreja Positivista, de Moreira
Guimarães como líder da Maçonaria no Brasil e de Laudelino Freire, à época, presidente da ABL.
Sergipe: periódico do Centro Sergipano. Rio de Janeiro, n. 1, fev. 1936 [páginas não numeradas].
62
operado também como sociedade de auxílios mútuos. O Centro Sergipano propôs-se
amparar os conterrâneos em um tempo onde todos os Estados da federação
mantinham colônias no Rio de Janeiro e procuravam manter os laços de afetividade
com a terra natal, afirmando-se perante os demais membros da federação.
***
63
homem. Nesse programa/contexto, as associações constituem-se no meio e no fim do
processo civilizatório. O IHGS, como uma das agências do período, nasce dentro, e
para servir a esse projeto. O espírito é cientificista, a ciência deve redimir a sociedade
de todos os seus males. Em vista do exposto, é preciso então, estudar a instituição
fomentadora da “ciência” no Estado e verificar o seu papel dentro desse processo
civilizatório; estudar a sua organização, produção e as estratégias de legitimação, e
consagração de determinados autores, discursos e saberes.
64
Capítulo III
145
Para saber mais sobre o IHGB, além das auto-referências contidas em sua Revista, ver: Lacombe,
Américo Jacobina. Introdução ao estudo da História do Brasil. São Paulo: Edusp, 1973. p. 134-136;
Serrano, Jonathas. História do Brasil. 2 ed. Rio de Janeiro: F. Briguiet, 1968. p. 21; Rodrigues, José
Honório. O Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. In: A pesquisa histórica no Brasil. 4 ed. São
Paulo: Companhia Editora Nacional, 1982. p. 37-40; Wehling, Arno. (Org.). Origens do Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro: idéias filosóficas e sociais e estruturas de poder no Segundo
Reinado. Rio de Janeiro: Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, 1989; Guimarães, Manoel Luís
Salgado. Nação e Civilização nos trópicos: O Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e o projeto de
uma História nacional. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, n. 1, p. 5-27, 1988. Guimarães, Lúcia Maria
Paschoal. Debaixo da imediata proteção de Sua Majestade Imperial: o Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro (1838-1889). São Paulo, 1995. Tese (Doutorado em História) Faculdade de Filosofia, Letras
e Ciências Humanas - Universidade de São Paulo; Campos, Pedro Moacyr. Esboço da historiografia
brasileira nos séculos XIX e XX. In: Glénisson, Jean. Iniciação aos estudos históricos. 6 ed. Rio de
Janeiro: Bertrand Brasil, 1991. p. 255-665. Diehl, Astor Antônio. O Instituto Histórico Geográfico
Brasileiro e a Ilustração: In: A cultura historiográfica brasileira: do IHGB aos anos 1930. Passo
Fundo: Editora da Universidade de Passo Fundo, 1990. p. 23-36; Schwarcz, Lilia Moritz. Os institutos
históricos e geográficos: “Guardiões da história oficial”. In: O espetáculo das raças: cientistas,
instituições e questão racial no Brasil – 1870/1930. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. p. 99-140;
146
Pinheiro, José Feliciano Fernandes. Revista do IHGS, Rio de Janeiro, n. 1, v. 2, p. 77-86, abr./jun.
1839. apud. Guimarães, Manoel Luís Salgado. Nação e Civilização nos trópicos: O Instituto Histórico
e Geográfico Brasileiro... p. 24. Para João Ribeiro, tanto o IHGS quanto a ABL seriam os
representantes mais regenerados e recentes das antigas arcádias e academias que floresceram em
Portugal no século XVIII: “Tem, um e a outras, alguma coisa dos Seletos, dos Felizes e dos
Esquecidos, ‘inpartibus’ e por não negar de todo, a linhagem avoenga.” Ribeiro, João. Max Fleiuss:
páginas brasileiras. In: Leão, Múcio (Org.). Obras de João Ribeiro: Crítica – historiadores. Rio de
Janeiro: Academia Brasileira de Letras, 1961. p. 127.
147
Sociedades fundadas no Brasil desde os tempos coloniais até o começo do atual reinado: memória
lida nas seções do Instituto Histórico em 1884. Revista do IHGB, Rio de Janeiro, v. 71, n. 48, p. 265-
332, 1885; Sobre as origens dos Institutos Históricos. Revista do IHGB, Rio de Janeiro, n. 317, p. 211-
213, out./dez. 1997.
65
adotada é o “esclarecimento, em primeiro lugar, daqueles que ocupam o topo da
pirâmide social, que por sua vez encarregar-se-ão do esclarecimento do resto da
sociedade.” A herança iluminista também esteve presente na concepção de história
adotada pelos fundadores do IHGB: uma escrita da história linear e hegemonicamente
marcada pela idéia de progresso148 e uma historiografia marcada pela tradição
clássica – a história como mestra da vida – que procurava abrir caminhos para o
processo de ocidentalização do Brasil recém-nascido, em vigor desde o projeto inicial
da instituição até os últimos anos do Império.149
O modelo adotado pelo IHGB também prescrevia a adoção de uma ética não oficial e,
por isso mesmo, neutra em relação a disputas de natureza político partidárias. Os
marcos desse modelo (parâmetros iluministas, experiência sócio-institucional
oriunda do Institut Historique de Paris) e as relações estreitas entre o seu quadro
social e o aparato burocrático do Estado forçosamente orientariam as práticas
desenvolvidas pelo IHGB. A partir desses elementos, constituiu-se um projeto
institucional (científico) estreitamente ligado a um projeto político imperial que
procurou “dar conta de uma gênese da Nação brasileira, inserindo-a, contudo, numa
tradição de civilização e progresso.” As principais diretrizes para o desenvolvimento
dos trabalhos do IHGB em seu período inicial foram “a coleta e publicação de
documentos relevantes para a história do Brasil e o incentivo, ao ensino público, de
estudos de natureza histórica.” 150
148
Guimarães, Manoel Luís Salgado. Nação e Civilização.... op. cit. p. 6 e 11.
149
Guimarães, Manoel Luís Salgado. O Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro... op. cit. p. 14. Ver
também ecos da tradição clássica ainda no século XX em Meira, Silvio. A nobre missão dos Institutos
Históricos. Revista do IHGB, Rio de Janeiro, n. 357, p. 213, jan./mar., 1982.
150
Guimarães, Manoel Luís Salgado. Nação e Civilização.... op. cit. p. 8 e 9.
66
Uma outra razão para a fundação da instituição estaria ligada a uma espécie de
“complexo de inferioridade”, econômica e, sobretudo, territorial que acompanhou os
discursos sobre o local desde a sua emancipação administrativa. O pequenino Estado
via-se em desvantagem mesmo em relação a outros Estados de porte semelhante
como Alagoas, Paraíba e Rio Grande do Norte. Os três já possuíam Institutos e por
que não Sergipe, já que enfrentava as mesmas adversidades dos três citados?
151
Menezes, Florentino. Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe. Revista do IHGS, Aracaju, v. 1, n.
1, p. 9-12, 1913.
152
Ver discurso de Florentino Menezes em sessão do IHGS em 30 de julho de 1917. 2º Livro de Actas
do IHGS: 1917-1931.
153
Melo, João da Silva. Discurso proferido pelo Ex. Sr. Desembargador João da Silva Mello na sessão
solene de 6 de agosto de 1913. Revista do IHGS, Aracaju, v. 2, n. 3, p. 78, 1914.
154
Ibid.
67
função, adianta o autor, estiveram os Institutos sempre a festejar o que de melhor a
civilização tinha produzido: a caridade, o trabalho assalariado, a liberdade (o fim do
trabalho escravo) e a paz.
A história deveria também ser renovada na opinião de Prado Sampaio. Não poderia
mais constituir-se em “uma infinda comemoração de batalhas, ao desfile secular de
dinastias sepultas (...) o que o esse estudo está no momento a compreender, é todo o
evoluir das ciências, das letras, das artes, das indústrias, das religiões, que são as
criações fundamentais da humanidade.” 156 Essa história estaria dentro do projeto da
Antropogeografia, preparatório ao estudo da sociopsicologia dos povos (o povo
sergipano em particular) “chamada a dar a última palavra sobre a solução do
problema da adaptabilidade de certas raças aos elementos especiais do solo.”157
155
Sampaio, Prado. Palavras de início. Revista do IHGS, Aracaju, v. 1, n. 1, p. 24-25, 1913.
156
Sampaio, Prado. Palavras de início. Revista do IHGS, Aracaju, v. 1, n. 1, p. 25, 1913.
157
Ibid.
68
Se se pode pensar o IHGB como inspirador do modelo iluminista projetado para o
IHGS, não se pode deixar de constatar que o lugar social, completamente
diferenciado, vai influir decididamente nas práticas institucionais e na consolidação
(ou não) dos projetos pensados de início para o grêmio sergipano. Um dos mais
evidentes distanciamentos entre as duas associações esteve ligado aos referenciais
teóricos e às novas concepções de história e geografia adotadas pelo grêmio local.
Como foi explicitado nos parágrafos anteriores, o modelo institucional francês,
adotado no IHGS, já estava embebido de influências comteanas (em sua vertente
religiosa) e do cientificismo alemão, configurado nas teses de Haeckel e Ratzel,
enquanto que o IHGB entrava no século XX um pouco reticente quanto ao emprego
de teorias e métodos “naturalistas” na sua tarefa de recolher e narrar a experiência da
“nação brasileira”.
69
O outro ponto a ser evidenciado decorre dos motivos da fundação do grêmio local. O
projeto inicial do IHGB estava plenamente sintonizado com a política estabilizadora e
centralista das primeiras décadas do Império brasileiro. Previa-se a implantação de
uma rede de instituições em todas as províncias que serviriam como coletores de
fontes a serem enviadas ao Rio de Janeiro. Ao IHGB caberia a escrita da história
nacional.158 A ausência da província de Sergipe nessa teia instituída no século XIX
não é tão fácil de justificar e não me aventuro a por um fim à questão. Fica por
enquanto estabelecida a hipótese da subordinação econômico-administrativa de
Sergipe à Bahia (e por isso, da insuficiência do movimento intelectual) e do caráter
migrante dos seus filhos letrados. Apesar dessa hipótese, a presença do IHGS na
primeira década do século XX no circuito dos demais Institutos brasileiros não deve
ser encarada como participação retardatária no plano inicial do IHGB já que esse
mesmo projeto se havia enfraquecido com a vitória do novo regime em 1889. O
nascimento do IHGS deve ser encarado como um projeto da periferia em relação ao
centro, um esforço de reafirmação da identidade dos pequenos Estados no bojo da
experiência federativa: o IHGS é, pois, um projeto republicano, diametralmente
oposto à estratégia inicial do IHGB.
Isso pode ser evidenciado desde a composição do quadro social do grêmio até as
tarefas em que se atreveu a entabular para a construção da representação chamada
Sergipe (trabalhos de organização da memória e de pesquisa em torno da afirmação
da soberania local, onde o nacional tem grande relevo, embora, como a soma de
“pátrias” autônomas trabalhando em reciprocidade).
Sergipe, no momento da fundação do grêmio, era uma das muitas “pátrias” que
experimentava a função de satélite na “República oligárquica”. Premido pela
dependência econômica em relação aos capitalistas cariocas e baianos, pela
incapacidade de modernização inerentes à estrutura fundiária e à fragilidade de sua
atividade industrial,159 e pela fraca representatividade política (população pouco
alfabetizada, reduzido número de eleitores e de parlamentares), o Estado gravitava,
com outros menores, em torno de lideranças como Pinheiro Machado, para contrapor-
se aos interesses dos fortes Estados cafeicultores e minimizar os problemas advindos
do federalismo.
158
“À idéia de transformar o IHGB em centro autorizado para a produção de um discurso sobre o
Brasil, articulam-se inúmeras medidas tomadas no interior da instituição, tais como a sugestão feita e
reunião realizada em 1842 de transformar sua biblioteca em depósito central obrigatório das obras
publicadas no Brasil; o pedido aos presidentes de província do envio de seus relatórios anuais,
interferindo assim na esfera de competência do Arquivo Nacional, criado no mesmo ao de 1838; ou
ainda o plano de Januário da Cunha Barbosa de transformar o IHGB numa central de dados de
natureza estatística, levantados nas diferentes províncias. Guimarães, Manoel Luís Salgado. Nação e
Civilização... op. cit. p. 16. Ver também, do mesmo autor, A Revista do Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro e os temas de sua historiografia – 1839/1857: fazendo a história nacional. In:
Wehling, Arno. (Org.). Origens do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro: idéias filosóficas e
sociais e estruturas de poder no Segundo Reinado. Rio de Janeiro: Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro, 1989. p. 36.
159
Passos Subrinho, Josué Modesto dos. História Econômica de Sergipe (1850-1930). São Cristóvão:
Universidade Federal de Sergipe, 1987. p. 96-97.
70
A obediência ao poder central e os acordos de cúpula160, alicerçados no coronelismo,
marcaram a sucessão dos governadores e a eleição dos representantes sergipanos.
Outra característica do período foi a vigência do monopartidarismo. Conta Ibarê
Dantas que os próprios partidos políticos eram orientados muito mais em torno de
lideranças que propriamente de doutrinas.161 “Parece ter havido, no período
1905/1920, uma certa estagnação institucional. Sem a participação de concorrentes ou
quaisquer outros estímulos, tanto as convenções como as eleições se tornaram
práticas meramente formais com o Presidente do Estado (ou chefe político que
controlava os quadros de representação), ocupando a direção do ritual.”162
160
Dantas, Ibarê da Costa. O Tenentismo... p. 28-28.
161
Dantas, José Ibarê da Costa. Os partidos políticos em Sergipe: 1889/1964. Rio de Janeiro: Tempo
Brasileiro, 1989. p. 62.
162
Dantas, Ibarê da Costa. O Tenentismo... p. 30-31.
163
Oliva, Terezinha Alves de. Os pequenos Estados na República oligárquica. In: Impasses do
federalismo brasileiro: Sergipe e a Revolta de Fausto Cardoso. Rio de Janeiro: Paz e Terra; São
Cristóvão: Universidade Federal de Sergipe, 1985. p. 17-26; Dantas, José Ibarê Costa. Estrutura de
poder na primeira República. In: Revolução de 1930 em Sergipe: dos tenentes aos coronéis. São Paulo:
Cortêz; São Cristóvão: Universidade Federal de Sergipe, 1983. p. 19-24.
164
Um exemplo claro é registrado por Edilberto Campos que explicita o gosto do presidente Guilherme
Campos “em ajudar os colegas jovens que o procuravam... Receberam atenções especiais Aníbal
Freire, Gilberto Amado, Pedro de Oliveira Sobrinho, Francisco de Freitas Garcez, José Cupertino
Dória, Armando Mesquita, Oscar Prata, Ávila Lima e outros contemporâneos de seu período
governamental. Em 1907, Gilberto Amado, farmacêutico estudando Direito, foi até seu hóspede
durante alguns meses no Palácio, antes de ir para Recife. Foi nomeado Fiscal do Banco de Sergipe,
com ordenado de desembargador... Havia na administração duas classes que exigiam muito tato dos
governantes: eram a das professôras e o contigente policial das cidades e vilas. Ai do presidente que
tocasse numa delas sem ouvir o chefe local." [Campos, Edilberto. Dificuldades da política na aldeia.
In: Crônicas... p. 73-74. v.5]. Ainda sobre os favores dos governantes é oportuno citar o trabalho dos
dois "mecenas” do período republicano em Sergipe, registrado por Acrísio Torres: Martinho Garcez
(governador em 1896/1899) protetor do poeta Hermes Fontes, e Olímpio Campos que tutelou Mendes
de Aguiar (latinista maruinense e depois professor do Pedro II) e Gilberto Amado. Araújo, Acrísio
Torres. Mecenas em Sergipe. Pó dos arquivos. Brasília: Thesaurus, 1999. p. 20-21.
165
Oliva, op. cit. p. 48.
71
Sergipe (melhoria dos costumes, renovação na atividade política e literária, etc.).
Entre estes contam-se principalmente pessoas de renome como Felisbelo Freire,
Silvio Romero, João Ribeiro, inicialmente e, depois, Gilberto Amado e Carvalho
Neto. A eles, pode-se aplicar com propriedade o exposto por Terezinha Oliva a
respeito de Fausto Cardoso: “aos que não se acomodavam ao jogo da política local,
restava a aventura de tentar projetar-se fora da terra e impor-se então como
candidatos à representação sergipana no Congresso.”166
72
verdade.”171 Compuseram a diretoria do Centro de Propaganda pelo voto secreto
(1923), além do próprio Florentino, alguns sócios fundadores do IHGS como Manuel
dos Passos de Oliveira Teles (juiz de Direito de Aracaju), Alcebíades Correia Paes
(médico, diretor do Ateneu) e os sócios efetivos Amintas José Jorge, Clodomir Silva
e Édson de Oliveira Ribeiro.
171
Dantas, Ibarê. Os partidos... p. 78.
172
Dantas, Ibarê. O tenentismo... p. 137 e 207.
73
A “ciência” da fundação
Mas falar em projeto republicano não significa reduzir a prática acadêmica – reflexão
sobre o novo caráter (científico) da história e da geografia – ao plano político das
oligarquias em voga. Um não foi, e não poderia ter sido somente, espelho do outro.
Se há um desejo de poder, (sobrevivendo, fazendo valer a sua opinião sobre a dos
outros, livrando-se das decadências de status e econômica), há também uma demanda
pelo saber. E é justamente esse "recuo" do político em provimento do “científico”
operado no seio do IHGS que vai permitir uma reflexão dos intelectuais locais sobre a
organização das formas de conhecer.
O projeto científico esboçado para o IHGS no momento de sua fundação foi, pelas
várias razões anteriormente citadas, tributário da Escola do Recife. Esse movimento,
jocosamente nomeado como Escola teuto sergipana,173 liderado por Tobias Barreto e
Silvio Romero, tentou dotar o país de um pensamento filosófico e introduzir o estudo
da sociedade brasileira em bases científicas. O “componente essencial da doutrina”
filosófica da Escola do Recife centrou-se em três pontos: a crítica ao ecletismo
espiritualista, corrente dominante no período 1840/1875; a crítica à filosofia católica
– em sua primeira fase, 1850/1870, denominada por Silvio Romero de reação
católica; e a crítica à face ortodoxa do positivismo.174
Quanto à orientação teórica impressa, variou com os ciclos da Escola e estes, por sua
vez, foram condicionados à contribuição individual dos líderes do movimento.
Limitando-me somente à contribuição dos dois mais importantes membros, posso –
correndo os riscos de todo o reducionismo, é claro – afirmar que Tobias Barreto
rompeu com o ecletismo espiritualista em 1868, aderindo parcialmente ao positivismo
de Comte; superou o comtismo com o monismo de Haeckel em 1880 e a este
reformou através das idéias de Noiré em 1884. Silvio Romero passou do
espiritualismo de Jouffroy ao positivismo em 1868; marcando diferenças com Tobias
Barreto por volta de 1875, aproximou-se do materialismo de Büchner e Vogt e do
transformismo de Haeckel, e por meio destes, chegou ao transformismo de Darwin,
não se afastando porém do positivismo de Comte – classificação das ciências e da
filosofia da história. Entre 1876 e 1885 Silvio Romero aplicou-se na transformação
do positivismo, ainda sem rejeitá-lo totalmente, ampliando o transformismo de
Darwin e Haeckel; em 1888 já é spenceriano convicto, e em 1909 trabalha com as
teses de Le Play, H. de Tourville, Edmond Demolins, P. Rousiers, A. de Preville, P.
Bureau.175
Este esboço das trajetórias é útil para que se tenha uma noção da variedade de autores
e da profusão de “ismos” que deve ter suscitado a Escola em todos os lugares
173
Para Cruz Costa, a troca de amabilidades está relacionada a uma espécie de conflito Sul/Norte,
católicos/infiéis. Essa disputa “vem desde os 70 quando o jornalista católico Carlos Laet, chamou à
propaganda germanista dos dois sergipanos, de escola ‘teuto sergipana’. Em represália, estes últimos
diriam que os intelectuais sulistas, presos à influência francesa, constituíam, por sua vez uma escola
‘galo-fluminense’ ”. Costa, Cruz. Um representante do “germanismo” no Brasil”: Tobias Barreto.
Separata da Revista Filosófica, n. 15, p. 5, [19--].
174
Paim, Antonio. A Filosofia da Escola do Recife. 2 ed. São Paulo: Convívio, 1981. p. 111-134.
175
Paim, Antonio. A Filosofia... op. cit. , págs. 8, 10, 33-34, 36, 40, 41- 42, 46, 47, 135, 139 e 140.
74
atingidos por sua influência. Através dos bacharéis formados na Faculdade de Direito
do Recife ou simplesmente pelo acompanhamento das querelas que provocou, as
idéias da Escola migraram para a Bahia, Ceará, Rio de Janeiro e Sergipe. Na
Faculdade de Medicina da Bahia, o médico Guedes Cabral, em 1876, já incorporava
teorias materialistas de Darwin, Huxley, Broca, Longet, Büchner e Moleschott em sua
tese Funções do cérebro. Mas foi na Faculdade de Direito que as idéias de Tobias
Barreto foram adotadas, através do spenceriano Almáchio Diniz. No Ceará os ex-
alunos do Recife empenharam-se na crítica literária e em suas conferências já citavam
Comte, Buckle, Taine, Spencer. Deste grupo de discussão participavam Araripe
Júnior, Amaro Cavalcante Melo e João Lopes. Fundada a Faculdade de Direito do
Ceará, os dois discípulos do Recife, Antonio Adolfo Coelho de Arruda e Manuel
Soriano de Albuquerque, consolidaram essa influência. No Rio de Janeiro
destacaram-se Fausto Cardoso e Graça Aranha junto com Silvio Romero, emigrado
desde 1876.176
Em Sergipe não foi diferente. As doutrinas da Escola formaram uma geração inteira
de bacharéis e com dois agravantes. Primeiro, o Estado localizava-se entre os pólos
disseminadores de conhecimento, usufruindo, portanto, das faculdades de Recife e
Salvador. Os bacharéis tanto em medicina quanto em direito acabaram se
apropriando das idéias em graus diferenciados, é claro, dos dois centros ao mesmo
tempo.177 Depois, o fato de pelo menos quatro dos dez líderes da Escola do Recife
terem nascido em Sergipe: Tobias Barreto, Silvio Romero, Fausto Cardoso e
Gumersindo Bessa. Além desses, podem ser citados como sergipanos componentes
do “segundo escalão” da escola Tito Lívio de Castro, Felisbelo Freire, Manuel dos
Passos de Oliveira Teles, Joaquim do Prado Sampaio e João da Silva Melo.178
Portanto, não fica difícil compreender como e por que o IHGS, fundado por 18
titulados em direito e medicina,179 alguns dos quais ex-alunos de Tobias Barreto e/ou
amigos pessoais de Silvio Romero, tenha herdado e prosseguido com os referenciais
teóricos disseminados pela Escola. Mais que uma defesa de posição, havia a luta pela
176
id., ibid., p. 68-72.
177
“A primeira leva de discípulos sergipanos de Tobias Barreto veio da Faculdade de Medicina da
Bahia, a partir de meados do ano de 1880, entre os quais se destacam cronologicamente Joviniano
Romero e Felisbelo Freire... É por demais significativa a dedicatória do livro Estudos Alemães, em sua
primeira edição: ‘Aos moços sergipanos que cursaram a Faculdade de Medicina da Bahia no ano
próximo findo oferece o autor’ – datada de 1º de janeiro de 1883. No ano anterior os acadêmicos
comprovincianos haviam homenageado Tobias Barreto com um mimo, tendo o mestre agradecido em
carta de 5 de dezembro desse mesmo ano (1882)”. [Entre os tobiáticos da Faculdade de Medicina da
Bahia também estão Rodrigues Dória e Helvécio de Andrade, ainda estudantes em 1882]. (...) “Já em
1881, Tobias é homenageado pela colônia sergipana de estudantes de Recife, quando esteve prestes a
voltar para a terra natal, chegando a ser inclusive nomeado pelo Presidente da Província, Inglês de
Souza, professor de língua e gramática alemã. Com a sua triunfal entrada na Faculdade de Direito, em
1882, cresceu o grupo de admiradores conterrâneos, dentre os quais sobressaíram Fausto Cardoso,
Prado Sampaio, Gumercindo Bessa e Manoel dos Passos de Oliveira Teles.” Lima, Jackson da Silva.
Os estudos... op. cit. p. 73, 74, 77.
178
Mercadante, Paulo. Prefácio. In: Freire, Felisbelo. História de Sergipe. 2 ed. Petrópolis: Vozes;
Aracaju: Governo do Estado de Sergipe, 1977. p. 11-18.
179
São 24 o número total de sócios entre os quais: 18 bacharéis de direito e medicina, e 3 militares de
alta patente.
75
memória dos sergipanos ilustres, um trunfo identitário em relação aos demais
Estados.
A apropriação das idéias cientificistas por parte dos bacharéis sergipanos não se deu
pari passu às transformações do pensamento de Tobias Barreto e Silvio Romero. Os
referenciais teóricos que enformariam as discussões sobre filosofia e ciência
circunscreveram-se ao período 1870/1890. Não foi tanto o combate à ortodoxia
positivista, mas a postura anticlerical que ocupou a seara intelectual no início do
século XX em Sergipe. Assim, de todo o ideário cientificista da Escola do Recife, os
bacharéis fundadores do IHGS apropriaram-se com maior vigor da obra Ernest
Haeckel180, Herbert Spencer e F. Ratzel. O sucesso desses autores no final da década
de 1910 em Sergipe denunciou a efetiva influência que o pensamento renovado
brasileiro dos anos 1870 recebeu da França e da Alemanha. Segundo Tobias Barreto,
na Alemanha, após a crise da metafísica desencadeada com a morte de Hegel,
assistiu-se à “um notável surto das ciências naturais”. Por volta de 1860, iniciou-se
um movimento conciliador entre as ciências naturais e a filosofia principalmente com
as publicações de Haeckel, Helmholtz, Zeller, entre outros.181 Para Cruz Costa, esses
ilustres representantes do “materialismo vulgar” praticavam “uma espécie de idolatria
pela ciência desprovida do necessário senso crítico (...). Esperavam todos, parece,
nessa época, encontrar na ciência um instrumento que congregasse os homens como
os unira no passado a religião.” O próprio Haeckel foi considerado um notável
vulgarizador. Sua obra Enigmas do universo (1899) que, segundo Cruz Costa, teria
grande repercussão em público desprovido de erudição histórico-filosófica,182 foi um
documento-chave para a compreensão da “filosofia empírica” ou do “empirismo
filosófico” esboçado no período. Mas em que consistiria esse “materialismo vulgar”
difundido pelo naturalista alemão?
180
Sobre Ernest Haeckel (1834/?) é bastante elucidativa essa apresentação inserida na tradução
portuguesa de um dos textos que lhe deram fama, Os enigmas do universo. “A sua obra principal é a
História da criação dos seres organizados. Vem, a seguir, pela ordem da importância científica, a
Antropogenia e a Filogenia sistemática. É aí que se condensa a sua teoria biológica. Mas os seus
trabalhos mais conhecidos são os da vulgarização científica, Os enigmas do Universo em que o autor
se propõe resolver as questões principais e o mundo mental e moral, o Monismo, Origem do Homem,
Religião e Evolução e Maravilhas da Vida onde Haeckel continua o trabalho iniciado nos Enigmas.
Nestes últimos trabalhos, Haeckel é o propagandista tenaz do livre-pensamento, um dos maiores
combatentes dos erros e dos preconceitos doutrinários da Religião Católica.” Haeckel, Ernesto.
Maravilhas da Vida. Porto: Chardron; Rio de Janeiro: Francisco Alves, [19--].
181
Ver Barreto, Tobias. Recordações de Kant [?] apud. Paim, Antônio. A filosofia da Escola do Recife.
2 ed. São Paulo: Convívio, 1981. p. 122.
182
Além de Haeckel são considerados como pertencentes à mesma tendência materialista os princípios
difundidos por Karl Vogt – Fé no carvoeiro e a ciência – 1852, Jacob Moleschott, A circulação da
vida – 1852, e Luis Büchner, Força e matéria. Costa, João Cruz. Contribuição à história das idéias
no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1967. p. 282.
76
Haeckel foi, ao mesmo tempo, uma teoria do conhecimento e uma filosofia. Uma
teoria fundada no paradigma biológico (lei da conservação da matéria e da energia e
lei da substância) na descoberta que o conhecimento da verdade, “fim de toda a
ciência, é um fenômeno natural fisiológico” adquirido a posteriori através da
experiência. É também uma filosofia no sentido de sistematizadora dos todos
conhecimentos obtidos a partir de estudos especializados. Uma espécie de rainha das
ciências. Ciência e filosofia compartilharam, portanto, os mesmos objetivos – a busca
da verdade, e métodos – experiência/especulação, análise/síntese, indução/dedução.
Filosofia e ciência também conservaram permanente combate a um só inimigo – o
dualismo expresso pela metafísica kanteana e os seus sub-produtos: conhecimentos a
priori, sentimento, fé e revelação. Por isso, a máxima continuamente repetida nas
obras de Haeckel: “toda ciência da natureza é filosofia e toda a filosofia verdadeira é
uma ciência natural.”
183
Teoria da descendência ou transformismo – Na Filosofia zoológica – 1806 “se encontrava explicada
pela primeira vez a formação natural de inumeráveis formas orgânicas, classificadas com o nome de
espécies. Lamarck concebia como determinada por duas funções fisiológicas: a adaptação e a
hereditariedade.” Haeckel, Ernest. As maravilhas da vida. Porto: Livraria Chardron; Rio de Janeiro:
Francisco Alves, [19--]. p. 349.
184
A teoria de Lamarck foi completada pela idéia de seleção natural proposta por Darwin em 1859.
185
Haeckel, E. apud. Cardoso, Fausto. Concepção monística do universo. Rio de Janeiro: Cia
Tipográfica do Brasil, [19--]. p. 1 e 73.
186
Spencer, Herbert. Do progresso: sua lei e sua causa. Lisboa: Editorial Inquérito, 1939. p. 52; Ver
também, do mesmo autor, Classificação das ciências. São Paulo: Cultura Moderna, [19--]. p. 93.
187
Haeckel, Ernest. Maravilhas... op. cit. p. 85.
188
Spencer, Herbert. Do progresso... op. cit. p. 28.
77
parte do plano ratzeliano para a Geografia (as demais eram a Geografia física e a
Biogeografia). Um empreendimento interdisciplinar, criador de uma teoria da
história (o progresso da humanidade vinculado à relação trabalho humano/fertilidade
do solo). A Antropogeografia mereceu maior atenção de Ratzel e foi também o
produto que lhe deu notoriedade. Publicada nos anos 1882 e 1891, elegeu as
influências das condições naturais sobre o homem como principal objeto. A este,
prioritariamente relativista, estava subordinado o estudo da distribuição das
sociedades sobre a terra e da formação de territórios. O método, centrado no modelo
das ciências naturais, entendia a geografia como ciência da observação e da indução.
Havia, portanto, entre a formulação do objeto e do estabelecimento do método um
complexo problema: a antropogeografia “visava realizar um projeto teórico
romântico” – a idéia de progresso, a interação homem/meio de Herder e Ritter, “com
um instrumental positivista” – a unicidade metodológica, o objetivismo comteano, o
evolucionismo de Lamarck e Darwin, o ecologismo de Haeckel.189
A despeito da relativa atualização com algumas teorias em voga na Europa, não foi
especificamente a discussão epistemológica sobre sociologia, biologia ou geografia
que predominou nos debates promovidos pelos intelectuais em Sergipe. As querelas
restritas ao campo científico propriamente ditas, como explicitado por Jackson da
Silva Lima, tematizaram principalmente a distinção entre ciência e filosofia e a
defesa do monismo haeckeliano (1909/1910). Os principais debates foram
proporcionados pelas disputas entre o Padre João de Matos Freire de Carvalho e o
bacharel Ávila Lima, entre este e o bacharel Ascendino Argolo. Um e outro
reviveram confrontos ocorridos na Europa entre partidários das explicações
naturalista e cristã sobre os grandes problemas da filosofia, agora da ciência. Aqui
como lá, estavam em jogo a metafísica x ciência experimental, origem x evolução,
Moisés x Haeckel. Não é tanto a ciência que é contestada mas a ciência de caráter
ateu. Tanto o é, que em uma dessas polêmicas, o Padre João de Matos utilizou-se das
afirmações do pensador Rousseau, do astrônomo Hervé Faie, do matemático Augusto
Cauchy, Corneille Racine, La Bruguére, Bossuet, Bourdalon, Fenelon, e Ampere.
Até mesmo a constituição majoritariamente católica da "Academia Francesa" foi
utilizada como argumento contrário ao naturalismo ateu.191 O ponto central dessas
189
Moraes, Antônio Carlos Robert de. (Org.). Ratzel: Geografia. São Paulo: Ática, 1990. p. 23.
190
Silva, Adriana Elias Magno da. Florentino Menezes: um sociólogo brasileiro esquecido. São Paulo,
1997. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. p.
64, 68.
191
Ver principalmente o artigo “Deus na Evolução” de João de Matos Freire de Carvalho em O Estado
de Sergipe nos dias 20, 22 e 26 de outubro de 1909. Para João de Matos os naturalistas não fundaram a
78
discussões (fé/ciência) somente seria modificado formalmente com o conflito teórico-
metodológico envolvendo a Pedagogia (1914) e a emergência da propaganda
socialista (1918).
ciência. A “ciência não pára e nem encalha na nebulosa: voa além, passa o infinito, pouza no Eterno e
de lá exclama com os sábios pela vocação do ilustre naturalista sueco Lineu.” Estado de Sergipe,
Aracaju, 20 out. 1909.
192
Oliva, T. A. Impasses... p. 118.
193
Cardoso, Fausto. Taxinomia social: ensaios. Rio de Janeiro: Moraes, 1898. p. 70, apud Oliva, T. A.
Impasses... p. 118.
194
Silva, Adriana Elias Magno. Florentino Menezes: um sociólogo brasileiro esquecido... p. 65. É
importante assinalar que o materialismo haekeliano já vinha sendo propagandeado desde a última
década do XIX como narra Francisco Alves a respeito de Felisbelo Freire: "...ao diplomar-se em
medicina em 1882, ruma para Laranjeiras e lá se forma um divulgador entusiasta do evolucionismo e
do republicanismo, fundando jornais e realizando conferências. Naquela cidade, formou um grupo de
intelectuais pautado pela adesão às novas idéias.". Alves, Francisco José. Introdução ao pensamento
histórico de Felisbelo Freire. São Cristóvão, 1993. p. 5 (mimeo). Ver também do mesmo autor: A
divulgação do evolucionismo no Brasil: aspectos do pensamento de Felisbelo Freire. Cadernos UFS -
História, São Cristóvão, v. 1, n. 3, p. 49-59.
79
tempo do físico e do moral”,195 demonstram os subprodutos do credo cientificista: a
demarcação do ofício (a especialização do conhecimento) e a disputa pela cura da
sociedade,196 para os médicos, especialmente, entendida como um organismo. Os
médicos, farmacêuticos e dentistas ainda contavam um fator à frente dos bacharéis: a
natureza do seu trabalho fornecia uma das poucas possibilidades de aplicação, por
excelência, dos supostos pregados pelo cientificismo, a única atividade que permitia a
prática de pesquisa em laboratório.
195
Revista médica de Sergipe, Aracaju, v. 1, p. 3-4, maio, 1911. Além de Helvecio de Andrade,
diplomado na Bahia, compunham a equipe de redação desse periódico o médico Augusto Leite, o
farmacêutico Francisco Travassos, formado em medicina e odontologia pelo Rio de Janeiro e Ouro
Preto, respectivamente e o dentista Magalhães Carneiro, formado pela Faculdade de Medicina da
Bahia.
196
"A sociedade civil, tal qual é hoje, difere muito em seus elementos predominantes, em suas
tendências e aspirações, e em seus processos de aperfeiçoamento, daquela que encerrou o seu ciclo
evolutivo com a mudança das instituições políticas do nosso país”. Andrade, Helvecio. Revista médica
de Sergipe, Aracaju, n. 1, p. 3, maio, 1911.
197
Em Tobias Barreto, estimulado pela idéia de evolução, a historiografia já cumpria papel
fundamental. O Mestre “assumia o postulado de que só há ciência do que é passageiro. A ciência não
tem, por assim dizer, objetos perenes. O homem, a natureza, o universo, tudo enfim que pode ser
conhecido pela ciência somente pode ser compreendido na visão do nosso autor como fenômeno em
transição permanente, continuamente, passando de uma condição a outra condição.” Nascimento, Jorge
Carvalho. A cultura ocultada ou a influência alemã na cultura brasileira durante a Segunda metadedo
século XIX. Londrina: UEL, 1999. p.174.
80
Estrutura e funcionamento do Instituto
Na verdade, não foi o modelo em si, mas a sua execução que marcou diferenças entre
os Institutos. As diferenças entre o “dito” e o “feito” apontaram o conflito entre os
vários projetos em jogo. Cito, por hora, apenas um exemplo: um dos objetos do
conhecimento sobre o qual deveria atuar a heurística eram os indígenas. Ao lado das
efemérides, distribuição geográfica, “curiosidades arqueológicas” e o folclore, a
etnografia e as línguas indígenas seriam objetos de interesse imediato do Instituto. Os
“usos e costumes” dos indígenas, também objetos de arte e arqueologia estavam
inseridos como monumentos representativos da história de Sergipe e dignos de
pertencerem ao museu a ser criado.199 Entretanto, por um erro tipográfico, talvez, o
198
O dinamismo de Florentino Menezes não implica em um total desapego às questões acadêmicas
entre os intelectuais locais, mormente relativas à história e geografia. O próprio fundador afirmara em
seu discurso inicial que era comum o reconhecimento do mérito intelectual de vários sergipanos por
academias de outros Estados e países. Além disso, o constante fluxo dos políticos e artistas locais entre
o Distrito Federal e Aracaju estreitava as relações entre instituições como o IHGB e a ABL. Antes da
Fundação da "casa de Sergipe" Felisbelo Feire foi reconhecido pelo IHGB (1888) e Silvio Romero e
João Ribeiro, da mesma forma, pela Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro (1911). O próprio
sócio-fundador Armindo Guaraná já havia publicado o seu "Catálogo de Jornais" na Revista do IHGB
em 1908. Uma evidência de que as relações com o IHGB são anteriores à fundação do IHGS está na
escolha de Guaraná e do Desembargador Evangelino Faro (também futuro sócio-fundador da casa)
como membros da Comissão preparatório do 1º Congresso de História Nacional presidido por Ramiz
Galvão. Ver Alves, Francisco José. A marcha da civilização... p. 77; Nunes, V. M. N., Freitas, I. e
Cruz, G. Z. Q. Catálogo do acervo documental Museu da Casa de Cultura de João Ribeiro.
Laranjeiras: Prefeitura Municipal de Laranjeiras, 1999; Ata da terceira sessão preparatória da
Comissão executiva do 1º Congresso de história Nacional - 27/06/1913. Revista do IHGB, Rio de
Janeiro, primeira parte do tomo especial p. 7.
199
Estatutos do IHGS. Revista do IHGS, Aracaju, v. 1, n. 1, p. 13-15, 1913.
81
segundo número da Revista do IHGS omitiu a etnografia e as línguas indígenas do
capítulo primeiro do Estatuto. O número três do mesmo periódico, além de manter o
erro anterior, exclui a cultura indígena do futuro museu e ambos, as fontes sobre os
índios e os registros tornados monumentos, deixam de configurar (juntamente com as
curiosidades arqueológicas, etnografia e o folclore) objeto e objetivo do IHGS após a
reforma estatutária de 1917.
Os novos estatutos (1917) são mais sintéticos e menos descritivos quanto aos
objetivos. Transformaram em atividade-meio a organização de museu e biblioteca e a
publicação de uma revista. A nova casa estabeleceu-se, estatutariamente, numa
agência de civismo integrada ao processo desenvolvimentista dominante na sociedade
da época. Com essa plasticidade, o Instituto parecia estar distanciando-se de uma
espécie de saber erudito (recolher, organizar, publicar) “desinteressado” próximo das
sociedades científicas dos séculos XVIII e XIX. O IHGS afastava-se um pouco mais
do papel atribuído à “Sessão de Arquivo” da Biblioteca Provincial – a guarda de
originais ou cópias de mapas e relações estatísticas, notícia de descobertas de
produtos da história natural, mineralogia, e botânica” – mas não perdia o interesse
pelo “aumento e progresso da agricultura, comércio, indústria, navegação ciência e
artes”, estabelecidas para a mesma instituição do século passado.200 Os novos fins
projetavam uma instituição mais “ecumênica” (quanto aos estatutos disciplinares),
cumprindo a função efetiva de instrumento de progresso e civilização da pátria local,
atribuição que permanece nos estatutos até a década de 1990. Em suma, ao IHGS, em
1917 cabe “promover o estudo, animar o desenvolvimento intelectual e cívico do
povo sergipano, o conhecimento da geografia e da história em todos os seus ramos e
aplicações à vida social, política e econômica do país, especializando seus trabalhos
concernentes ao Estado de Sergipe.”201
200
Sobre a sessão de Arquivo da Biblioteca Provincial ver a Lei 233 sancionada pelo presidente da
Província em 16 de junho de 1848.
201
Estatutos do IHGS. Revista do IHGS, Aracaju, n. 7, p. 125, 1917.
82
Clóvis Beviláqua, Liberato Bitencourt, Manoel Bonfim e Olavo Bilac.202 Em 1917 o
título de sócio honorário ficou ainda mais restrito, sendo pré-requisito a assinatura de
pelo menos vinte sócios efetivos, mas a brecha do "ou" ainda permanecia aberta
tornando a honraria um valorizado ato da política. Assim, com essa relativa
flexibilidade no critério para a admissão, predominou, tanto entre os sócios
fundadores quanto entre sócios efetivos, a presença dos bacharéis (49%)203 e de
grandes negociantes chamados à época de coronéis (19%). Esses eram seguidos de
perto pelos militares de alta patente (15%), os que provavelmente possuíam o
magistério como atividade única (5%) e os sacerdotes católicos (5%).204
202
Mais de 50% dos sócios honorários registrados em 1915 eram compostos por sergipanos.
203
Incluindo-se os desembargadores (6%).
204
Não há informações sobre a formação de 7% dos sócios desse período. Revista do IHGS, Aracaju,
n. 1, v. 1, 1913. p. 51-55. É importante salientar que não havia impedimento estatutário à participação
de mulheres mas até 1915 apenas Ítala Silva de Oliveira e Leonor Teles de Menezes freqüentam a lista
de sócios efetivos do IHGS.
205
Tôrres, Acrísio. Crimes... p. 66.
206
Rocha, Antônio de Oliveira. Aracaju... p. 25.
207
Correio de Aracaju, 16 jul. 1914. p. 2.
208
Ver Santos, Maria Nely. Associação Comercial de Sergipe: uma instituição centenária – 1872/1993.
Aracaju: Associação Comercial de Sergipe, 1996. p. 70-73.
209
Dantas, Ibarê. O Tenentismo... p. 45.
83
A essa categoria, sócios fundadores, pertenceram vinte dois ou vinte e quatro homens,
os que supostamente teriam participado da primeira reunião no salão do Tribunal da
Relação. As controvérsias sobre o número, bem como sobre os participantes da lista
oferecem indícios de uma troca de sócios após lavrada a ata de fundação. Os nomes
de Alexandre Lobão e Gentil Tavares210 foram deliberadamente omitidos em
detrimento de Francino de Andrade Melo e do professor de Geografia Geral e de
Corografia do Brasil do Atheneu (1912) o também médico José Moreira de
Magalhães. Essa prestigiosa categoria, de participação tão disputada, foi extinta com
as reformas de 1917, mesmo antes do desaparecimento físico dos seus ocupantes.211
210
Gentil Tavares da Motta tinha apenas 20 anos quando participou dessa reunião. Provavelmente não
havia ainda ingressado na Escola Politécnica da Bahia onde formou-se em 1917. Ver Guaraná, A.
Dicionário... p. 104.
211
Florentino Menezes voltou a discursar no IHGS em 31/07/1917, cinco anos depois da fundação,
para protestar contra a omissão dos sócios fundadores no estatuto reformado (1917). Alexandre Lobão
e Gentil Tavares também protestaram contra a exclusão de suas assinaturas na Ata de Fundação do
IHGS e na lista dos sócios fundadores. De acordo com a Assembléia ficou decidido que os reclamantes
poderiam assinar a respectiva ata. Em 1920, seus nomes são incluídos na lista de sócios fundadores
publicada no n. 9 da Revista.
212
Estatutos de 1917.
213
Para ser sócio correspondente bastava apenas a indicação de um sócio efetivo para que a proposta
fosse encaminhada.
214
Barreto Neto, Manuel Caldas. Relatório dos trabalhos e ocorrências do período social de 1915 a
1916. Revista do IHGS, Aracaju, v. 4, n. 8, p. 279, 1919.
215
Artigo 10º do Estatuto de 1912.
84
O presidente efetivamente liderava a diretoria. Longe de ser apenas um cargo
decorativo, o seu ocupante nomeava sócios e/ou comissões para representar o
Instituto em congressos científicos, sugeria matérias para a discussão e organizava a
pauta dos trabalhos. Figurativo era o cargo de Presidente honorário do Instituto,
pertencente ao presidente do Estado. Ao secretário geral, entre outras atribuições,
cabia a direção, fiscalização e execução dos serviços de catalogação e inventário da
biblioteca, arquivo e museu. Desses dois últimos encarregava-se diretamente o
segundo secretário. Compunham ainda a diretoria um tesoureiro e o orador,
responsável pelos discursos de recepção dos novos sócios, da condução das sessões
aniversárias e pelo elogio dos sócios falecidos. Outros cargos, como o de
bibliotecário, completavam o quadro administrativo do Instituto. Para este não havia
eleição. Um funcionário remunerado encarregava-se dos trabalhos com a
biblioteca.216
85
anos 1917 e 1920. Mas se tomadas como base as diversas leis de fixação de despesas,
subvencionando entidades congêneres, verificar-se-á que os valores estipulados para
o IHGS variaram de 20 a 40% anuais, sendo restante do orçamento reservado para
cinco outras instituições. No conjunto dos valores, no período 1921/1930, se
considerada como efetivamente cumprida a lei, o rateio seria o seguinte: IHGS –
33%; Liga Sergipense contra o Analfabetismo – 22%; Centro Sergipano (RJ) – 21%;
Centro Operário – 15%; Gabinete de Leitura de Maruim – 6% e Clube Literário
Silvio Romero – 2%. Essas taxas podem indicar o IHGS como um grande
privilegiado, mas é importante esclarecer que todas as subvenções juntas (de todas as
entidades beneficiadas) até 1930 pouco ultrapassavam à metade da verba liberada
para o custeio da Biblioteca Pública no mesmo período. E note-se que a verba da
Biblioteca nunca ultrapassou os 4% dos gastos com a Instrução Pública no Estado no
período 1917/1929.
Havia, no entanto, outros modos de financiar a instituição que não somente através do
auxílio em dinheiro. A mesma lei estadual que estabelecia subvenção também
garantia a impressão da Revista Trimensal do Instituto por meio da Tipografia
Oficial. E mais ainda, dotava a instituição de “um prédio apropriado para o seu
funcionamento”. A lei também previa que, enquanto não se providenciasse a compra
do prédio, o Instituto funcionaria em edifício designado pelo Governo. No final dos
anos vinte, os próprios membros seguiram em caravanas pelos vários municípios do
Estado em busca de donativos para a construção da sede218 e parecem ter conseguido
apoio em Laranjeiras, Maroim, Estância, Riachuelo. As Atas do Instituto indicam a
que houve tentativas de angariar recursos financeiros e até um terreno para a
construção da sede junto ao Governo Federal e a Intendência de Aracaju.219 Outro
tipo de doação, livros e objetos diversos, esses bem mais freqüentes, era provido
pelos próprios sócios e simpatizantes para a constituição do arquivo, museu e
biblioteca da instituição.
218
Ver Atas do IHGS referentes a 06/01/ e 06/06/1928.
219
Ver Atas do IHGS referentes a 16/11/1926, 06/01/1928 e 30/07/1931.
86
Algumas práticas acadêmicas
A freqüência com que os sócios se reuniam pode ser representada por um linha que
inicia a ascendência em 1912 apontando momentos de intensa atividade em 1915 e
1916 decaindo lentamente até o seu ponto mais crítico em 1924, quando foram
registradas apenas seis sessões. Os sintomas de "decadência" foram denunciados por
Moreira Guimarães que do Rio de Janeiro felicitava o Almirante Amintas Jorge por
ter assumido a direção da casa: "tem almirante no leme, e almirante de verdade. De
maneira que Sergipe há de ver o seu Instituto à altura que lhe cabe."220 Mas não era
somente um problema de direção administrativa. O próprio Prado Sampaio, entusiasta
da candidatura de Amintas Jorge, depositava no caráter sergipano, "refratário ao
espírito de associação" os motivos do arrefecimento dos trabalhos da instituição. "O
favor público", justificava Sampaio, "quasi só tem brilhado pela ausencia. É de ver
quão pequena tem sido a comparência pública às suas sessões, realizadas em
homenagem a datas nacionaes ou do Estado."221 O certo é que após esse período e
com a administração liderada pelo Almirante Amintas Jorge, o número de sessões
voltou a crescer. Em 1925, o IHGS marcou sua fase mais intensa, chegando a
promover 27 reuniões, mas logo voltou a decair progressivamente até 1930 quando
reuniram-se apenas em quatro ocasiões.
220
Guimarães, Moreira. Carta remetida à Amintas Jorge. Rio de Janeiro, 11, maio 1925. Publicada na
Revista do IHGS, Aracaju, n. 10, p. 13-14, 1925.
221
[Sampaio, Prado]. Advertência prévia. Revista do IHGS, Aracaju, v. 6, n. 10, p. 7. 1925.
222
"Quando entramos para a Diretoria do Instituto [1926], estava o sodalício sem casa, a despeito dos
seus 14 anos devida e de existir uma lei estadual autorizando o Governo do Estado a dotá-lo de um
87
Uma das poucas informações que pode ser gerada sobre o público dessas reuniões
está nos jornais. Quando comentada a afluência das pessoas aos eventos do grêmio,
havia uma preocupação clássica dos redatores em indicar a presença de pessoas de
"todas as classes sociais", um clichê certamente. Citado nominalmente, esse público
restringe-se aos representantes máximos dos poderes políticos em voga: o presidente
do Estado, o bispo, o intendente, o delegado e ainda, dependendo do regime político
da ocasião, o interventor, o chefe do estado de sítio, o comandante da representação
local do Exército. Mas algumas atas, principalmente as das sessões comemorativas,
indicaram também a presença constante de um outro tipo de público. Voluntária ou
por compulsoriamente, não se sabe ao certo. Mas um publico fiel a esse tipo de
evento era formado por estudantes da Escola Normal, do Colégio Tobias Barreto, da
Liga Sergipense contra o Analfabetismo e de Grupos escolares, instituições com
localização relativamente próximas ao IHGS. Os alunos eram trazidos pelos mestres
que também eram sócios do Instituto. A presença desses estudantes nas sessões
comemorativas era anunciada; principalmente, quando o tema em foco versava sobre
datas maiores do Estado de Sergipe: o 14 de Julho e o 24 de Outubro. O evento que
comemorou 14 de julho de 1913 dá uma amostra bastante representativa do perfil de
assistentes desse tipo de sessão e da forma hierárquica vigente na sociedade do
período. Além dos sócios que ao IHGS compareceram, foram citados em ata os
representantes do Presidente da república, do Presidente do Senado Federal,
Deputados federais, militares de alta patente, e os representante dos periódicos locais.
Em síntese, governo, igreja, escola, e imprensa são o público genérico das sessões
comemorativas tanto ordinárias quanto extraordinárias do IHGS.
prédio apropriado para o seu funcionamento (...) O pequeno acervo do Instituto fôra atirado a um
recanto soturno da Biblioteca Pública do Estado, cujo edifício já era considerado insuficiente para
guardar com segurança e bôa ordem o imenso cabedal bibliográfico, que sob nossa direção, já tinha
adquirido a mesma Biblioteca. "Dória, Epifânio. Nosso atrazo. Revista do IHGS... v. 16, n. 21, p. 3-4,
1954.
223
Ver capítulo VII dos Estatutos do IHGS aprovados em 27 de agosto de 1912.
224
Capítulo V dos Estatutos do IHGS, aprovados em 26 de fevereiro de [1917].
88
negócios literários ou científicos do Instituto, discutindo-se e votando-se os pareceres
das comissões.”225 Através do exame dos seus conteúdos, expressos nas atas do
Instituto, pude extrair um protocolo de funcionamento onde cada sessão seguia mais
ou menos essa ordem: 1ª parte – fala do presidente anunciando os motivos da reunião;
leitura da correspondência recebida; leitura da listagem de publicações, iconografia e
peças tridimencionais doadas à Instituição; 2ª parte – votação de pareceres das
Comissões; apresentação de propostas para novos sócios. Para as reuniões
extraordinárias era mantida a seqüência da primeira parte enquanto a última,
reservada aos discursos: discursos de posse de um novo sócio, de recepção a um
visitante “ilustre” – geralmente um militar, um político, um intelectual; ou uma
conferência alusiva à data comemorativa.
Verticalizando um pouco mais o estudo dessas práticas, pude extrair, através dos
trabalhos desenvolvidos na segunda parte das reuniões, algumas das principais
rotinas/produtos da Instituição: a formação de comissões, os discursos, e as
conferências. O trabalho nas Comissões Permanentes já foi tratado em tópico
anterior. Mas são as comissões não estatutárias, formadas a partir das demandas
ordinárias da Instituição que ofereceram os indícios mais representativos acerca do
trabalho coletivo na “casa da sciência”. Essas comissões, quase 50 ao todo, possuíam
vida efêmera e originaram-se dos mais diversos motivos diluídos ao longo dos 18
anos em estudo. Desde a necessidade de produção de textos para a história de
Sergipe até a recepção de uma autoridade política na estação ferroviária da Capital,
tudo eram razões para a formação de uma comissão.
225
Ibid.
89
Congresso Internacional de Americanistas (1919) ou os Congressos nacionais de
Geografia (1915, 1916, 1919, 1922).226
226
A participação do Instituto nos congressos nacionais de Geografia é comentada no capítulo IV.
227
O referido mapa foi aprovado pela Comissão do IHGS e pelo Conselho Superior de Instrução
Pública do Estado em 1919.
228
Ver Atas do IHGS de 06/10/1917, 06/02/1918, e 06/03/18. Ver também Barreto Neto, Caldas.
Relatório...Revista do IHGS, Aracaju, v. 5, n. 9, p. 220, 1920.
229
Livro de Atas do IHGS. n. 1, p. 179 v.
230
Calazans, José. Introdução ao estudo da historiografia sergipana: Trabalho apresentado ao V
Simpósio de História do Nordeste – Aracaju, agosto de 1973. In: Aracaju e outros temas sergipanos:
esparsos de José Calazans Brandão da Silva. Aracaju: governo de Sergipe/Secretaria de Estado da
Educação e Cultura/Fundação Estadual de Cultura, 1992. p. 21.
231
Lima Júnior, Francisco Antônio Carvalho. Município e cidade de Simão dias: Notas Históricas.
Revista do IHGS, Aracaju, v. 7, n. 12, p. 9-33, 1927; Olino, Vicente. História do Município de Santa
Luzia. Revista do IHGS, Aracaju, v. 9, n. 14, p. 93-101, 1929.
90
Menezes e Costa Filho, juntamente com a Comissão Permanente de História seriam
encarregados de escrever a História e Geografia de Sergipe. Desse trabalho não colhi
nenhuma notícia.
Discursar era a atividade básica em uma sessão. Uma tarefa protocolar. Além disso,
constituía o ofício de parte significativa dos dirigentes do Instituto, os bacharéis em
Direito. Era, portanto, esperado que um terço dessa produção estivesse voltada para
os agradecimentos por eleição da diretoria, aceitação da proposta de associação na
entidade, na homenagem aos mortos, e ainda, no rotineiro trabalho de recepcionar
novos sócios e visitantes ilustres. Com essa função ocupavam a tribuna com maior
freqüência os presidentes e oradores oficiais da instituição. Entre os primeiros é
notável a participação dos presidentes Amintas Jorge e Caldas Barreto como 10 e 12
atuações. Os oradores Prado Sampaio, Edson Ribeiro, Clodomir Silva e Hunald
Cardoso vem em seguida com 10, 8, 8, e 7 discursos respectivamente. Não
necessariamente ligados à tarefa de recepção aos sócios também tiveram eco as falas
de Manoel do Passos de Oliveira Teles e de Francisco Carneiro Nobre de Lacerda.
Todos esses foram responsáveis por mais de um terço dos discursos nas sessões do
IHGS. O restante engrossou a tarefa protocolar do agradecimento efetuado pelos
recém-associados.
Os nomes citados são mesmo campeões da oratória no IHGS mas não chegam a
ofuscar o brilho do presidente de honra da Instituição Manoel Joaquim Pereira Lobo
que no espaço de 4 anos (1919/1922) realizou aproximadamente 13 intervenções,
configurando-se como o mais ativo presidente de honra do período em foco e, por
conseguinte, o mais presente dos governantes do Estado às reuniões do grêmio.
91
peregrinação."232 Assim, proferidos tanto nas sessões ordinárias quanto nas solenes,
tais peças configuraram um produto voltado para os elogios às personalidades dignas
de nota: governantes nacionais como Washington Luiz, Pinheiro Machado, Pedro II;
governantes locais e ao mesmo tempo presidentes de honra da Instituição - Siqueira
de Menezes e Manoel Valadão; intelectuais como Rui Barbosa, Silvio Romero, o
pintor Horácio Hora e o poeta Hermes Fontes. Os próprios sócios do Instituto,
falecidos ou não, eram também tematizados durante tais homenagens. Os maiores
alvos de discursos, membros do IHGS, tiveram uma produção destacada durante as
duas primeira décadas desse século. São os casos de Ivo do Prado, Manoel dos Passos
de Oliveira Teles, Felisbelo Freire e Armindo Guaraná. Lá também figuraram os
administradores da casa como Amintas Jorge, Caldas Barreto e Barreto Neto.
92
significa Cristo para o Brasil" enfocou a decadência da religião, da falta de educação
religiosa inclusive no Brasil (1926) e Braz do Amaral defendeu interesses baianos na
questão de limites com Sergipe. As conferências do cientista austríaco Ludwig
Shwennhagen circunscreveram-se no périplo realizado nas décadas de 1910 e 1920
por vários Estados do Nordeste em defesa do "mito fenício" como explicação para a
pré-história brasileira.233 Em Aracaju o autor divulgou a tese de que o "descobrimento
do Brasil" ocorrera em 1100 A.C. e a colonização fora obra de uma associação entre
povos fenícios e tupis. A tese, certamente, não era desconhecida dos membros do
IHGS. Vários curiosos e eruditos já haviam manifestado interesse pela experiência
dos homens que antecederam à chegada dos europeus. Institutos históricos como os
do Ceará, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte, e Alagoas já publicavam no
mesmo período alguns trabalhos sobre "raças pré-históricas", índios, registros
rupestres, língua, cerâmica, cemitérios, cultos, mitos e lendas indígenas. No IHGS,
como se constatará no próximo capítulo, a temática da pré-história ou mesmo dos
índios pós-cabralinos é quase inexistente.234 E mesmo as teses de Shwennhagen (ou
notas tomadas por algum assistente) que ocuparam duas noites no Instituto Histórico
não foram publicadas na Revista. Entre os sócios do IHGS Ludwig Shwennhagen só
ganhará um adepto declarado na década de 1950, o historiador Sebrão Sobrinho. Está
em Laudas da história do Aracaju a tese de que a capital de Sergipe fora colonizada
por fenícios. Para Sobrinho as provas que fenícios e "engenheiros egípcios" haviam
fundado Aracaju estão na existência dos "longos aterros para deter as águas do mar" e
nas fusões entre línguas clássicas e o tupi que deram origem a alguns vocábulos de
emprego local.235
233
O "mito fenício", uma das primeiras explicações sobre a origem do homem na América, "sempre foi
claro à fase mitológica da Pré-história brasileira, particularmente no Nordeste, por uma curiosa série de
coincidências. Para isso contribuíram a famosa e apócrifa inscrição fenícia da Paraíba, supostamente
achada em 1872, e o deslumbramento com a cultura fenícia do alagoano Ladislau Netto, ao voltar dos
seus estudos em Paris como discípulo de Ernest Renan, autoridade à época em arqueologia púnica. A
inscrição a que me refiro foi achada no inexistente lugar de 'Pouzo Alto' no vale do Paraíba, por um
também inexistente Joaquim Alves da Costa e que teria dela enviado uma cópia ao Marquês de
Sapucahy, presidente do Instituto Histórico, Geográfico e Etnográfico do Brasil." Martin, Gabriela.
história da pré-história no Nordeste. In: Pré-história do Nordeste do Brasil. 3 ed. Recife: Editora da
UFPE, 1999. p. 23-47.
234
O interesse pelo tema nem sempre movimentou a pena dos historiadores locais. O próprio fundador
da historiografia científica sobre Sergipe via com reservas os resultados das pesquisa sobre a pré-
história no Brasil. Em sua História de Sergipe (1891) há somente duas conclusões sobre a pré-história:
a população “brasílica” era mestiça (fruto do cruzamento de populações autóctones e extra-americanas)
e, provavelmente, teria origem antidiluviana. "Em Sergipe, sempre infrutiferamente, procuramos
alguns tumuli ou sambaquis, a fim de apreciarmos o grau de civilização da tribo indígena." [Freire,
Felisbelo. História de Sergipe... op. cit., p. 20-24 e 38]. Na última década do século XIX, o interesse
pela pré-história podia ser notado de maneira esparsa em Manuel dos Passos de Oliveira Teles que
levantava a hipótese das margens do rio Poxim serem um repositório privilegiado de vestígios
"megalithicos". [Teles, Manoel dos Passos de Oliveira. Sergipenses: escritos diversos. Aracaju:
Antônio Xavier de Assis, 1903]. Na Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe a pré-
história continuou na obscuridade. O grêmio local não encarou o passado indígena como experiência
relevante para a invenção da “sergipanidade”. A excessão fica por conta de Emygdio Caldas, tratando
sumariamente da origem dos homens sulamericano, brasileiro e sergipano. Caldas, Emygdio. Discurso.
Revista do IHGS, Aracaju, v. 2, n. 4, p. 109-114, 1914.
235
Sobrinho, Sebrão. Laudas da história do Aracaju. Aracaju: Regina, 1955. p. 65 e 480.
93
Claro que outros visitantes ilustres diretamente ligados à produção historiográfica
tiveram passagem pelo Estado. Os historiadores Homem de Melo,236 Rocha Pombo237
estiveram presentes às sessões, foram homenageados e ensaiaram falas no Instituto,
mas parece que tais visitas não interferiram nos projetos locais. Ao contrário, os
discursos de recepção reafirmam as concepções cientificistas em curso na
interpretação da experiência local. As visitas serviram muito mais como atestados de
consagração do grêmio, perante as instituições congêneres, como legítimo “templo da
ciência”. Assim, embora as conferências pudessem ser caracterizadas como produtos
especificamente voltados para uma espécie de atividade-fim do instituto (discussão,
disseminação de conhecimento), os conferencistas não fugiram aos temas
privilegiados pelos discursos, freqüentes nas sessões ordinárias. Por isso, os agentes
destacados na política como Sebastião Gaspar de Almeida Boto, Inácio Barbosa,
Fausto Cardoso, Pedro II; os intelectuais Rui Barbosa, Tobias Barreto e Silvio
Romero, o herói de guerra Francisco Camerino ,e o “cientista” Muniz de Souza
continuaram sendo alvo de estudos biobibliográficos expostos nas conferências.
236
Homem de Melo, historiador e geógrafo, esteve em Aracaju entre 10 e 13 de março de 1917. Além
de receber título de sócio honorário do IHGS foi homenageado pelos professores do Ateneu e da
Escola Normal, visitou gente da imprensa, capitalistas, instituições beneficentes e esportivas e o
Hospital Santa Isabel. No IHGS palestrou sobre atuação parlamentar de Inácio Barbosa e
provavelmente esclareceu dúvidas acerca do mapa de Sergipe. Notícias da imprensa sobre as
homenagens prestadas ao Barão Homem de Mello. Revista do IHGS, Aracaju, n. 7, p. 91-110, 1917.
237
Rocha Pombo chegou a Sergipe em 10 de agosto de 1917 para uma visita de 22 dias. Conheceu
autoridades, imprensa, visitou São Cristóvão e levou boas impressão dos intelectuais da terra: “a
intelectualidade de Sergipe não se ressente muito da emigração de seus representantes mais notáveis...
Ainda ficam por ali [em Sergipe] talentos muito dignos de fazerem honra à sua terra... Muitos desses,
em meio mais vasto, far-se-iam figuras de primeiro plano”. Por toda a sua estada esteve acompanhado
dos sócios Costa Filho e Carvalho Lima Júnior mas distribuiu elogios para Prado Sampaio, Manoel dos
Passos de Oliveira Teles, Elias Montalvão, Armindo Guaraná e principalmente para o poeta Garcia
Rosa. Ver Tôrres, Acrísio. Rocha Pombo em Sergipe. In: Pó dos arquivos. Brasília: Thesaurus, 1999.
p. 222-225.
94
A função social do Instituto
Tema residual, tanto nos discursos quanto nas conferências não quer dizer sem
relevância, haja vista que o resultado do exame estatístico relativo às conferências
não reflete o conjunto das atividades do Instituto e omite o engajamento da instituição
em sua função social mais significativa: ser “a voz dos sergipanos”, traduzir o
“sentimento” destes nos diferentes momentos de sua experiência como “povo”
autônomo. Logo, temas residuais não dizem muito sobre a tarefa do grêmio na
construção da representação chamada Sergipe, seja assegurando o espaço (luta pelo
território), organizando uma memória comum (estátuas, datas, símbolos pátrios) ou,
ainda, desencadeando e estimulando o poderoso e “inevitável” processo civilizatório:
campanhas pela instrução pública e estímulo às atividades científico-literárias
(instrumentalização através da montagem da biblioteca, arquivo, museu e revista).
Demarcar o território
A questão de limites territoriais entre Bahia e Sergipe data do início do século XVIII,
estando em disputa vasta porção de terra localizada a oeste e ao sul do Estado de
Sergipe. Segundo Carvalho Lima Júnior, não se trata de conflito de limites
geográficos, sobre os quais não há contestação do legítimo direito de Sergipe,
principalmente, quanto às terras localizadas entre os rios Real e Itapicuru. A questão
envolveu sempre problemas de jurisdição eclesiástica e jurídica. As contendas
ocorreram quase sempre em virtude das conveniências pessoais dos párocos
sertanejos ou foram provocadas pelos ouvidores da Bahia, com apoio do Vice-Rei em
benefício da comodidade dos povoadores da zona litigiosa.238 A questão desenrolou-
se durante os períodos colonial e imperial, gerando farta documentação entre
Representações da Assembléia Provincial e Assembléia Geral, correspondência entre
os presidentes de Sergipe e Bahia, e reclamações ao Ministério do Império.
238
“Efetivamente, isentos da sujeição sergipana, os fazendeiros e grandes proprietários exerciam
impunemente o poderio de que gozavam como ‘caciques’ na sua ‘tribo’ ou senhores feudais, cada um
dominando a sua ‘gleba’, sem responder a ninguém, a nenhuma autoridade, pelos atos criminosos, que
praticavam”. Era natural, explica Lima Júnior, “a preferência dada por aqueles povos à dominação da
Bahia, que, muito mais longe do que Sergipe, não podia a tempo e a hora levar a justiça e a lei àquelas
paragens em uma época em que viviam a vida quase primitiva, onde os pequenos se haviam
acostumado ao regimen de escravidão, e os grandes, acercados de malfeitores temiam naturalmente a
ação do juiz na punição de seus crimes.” Lima Júnior, Carvalho. Limites entre Sergipe e Bahia: estudo
histórico. Revista do IHGS, Aracaju, v. 2, n. 3, p. 41 e 10, 1914.
239
Incumbido pelo presidente Manuel da Cunha Galvão.
95
sinoptica da província de Sergipe (1860), do coronel José Zacarias de Carvalho
(artigos no Correio Sergipense,1861), e do Dr. Joaquim José de Oliveira240, Memória
(1864). É importante registrar que no mesmo ano em que veio a lume a Descrição
sinoptica.. de Martinho Freitas Garcêz (1860) a Assembléia Provincial anunciava
autorização para "quando a Província estivesse desobrigada de compromissos, dar
4:000$000 a quem no prazo de dez anos, apresentasse a mais completa História de
Sergipe, a juizo do Instituto Histórico do Rio de Janeiro."241
Fundado o IHGS, a luta pelas terras apossadas pela Bahia ganhou novo fôlego e teve
reforçado o seu caráter de questão patriótica. No mesmo período, o presidente de
Sergipe, general Siqueira de Menezes, em gesto extremo, ocupou as localidades de
Saco e Apertado de Pedras até então sob o domínio baiano. Siqueira de Menezes
obteve voto de congratulação do Instituto pela forma com que encarou a questão e na
mesma sessão (07/10/1913) o presidente da casa, desembargador Caldas Barreto
Neto, sacramentou a participação do grêmio na contenda com a formação de
comissão específica para estudar o caso. Em 1916, esse mesmo presidente apelou ao
general Oliveira Valadão para pôr em execução a Lei 672, de 10 de novembro de
1914 que permitiria o financiamento da pesquisa sobre a questão em arquivos
portugueses. Valadão também se engajou na luta designando o sócio Carvalho Lima
240
Incumbido pelo presidente Antônio Dias Coelho e Melo (depois Barão de Estância).
241
Lei de 20 de abril de 1860. Ver Lima Júnior, Francisco Antônio de Carvalho Lima. Memória sobre
o Poder Legislativo em Sergipe. Revista do IHGS, Aracaju, v. 4, n. 8, p. 142, 1919.
242
Guibernau, Montserrat. Nacionalismos: o Estado nacional e o nacionalismo no século XX. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar, 19... p. 56.; Smith, Antony. Identidade nacional. Porto: Gradiva, 19... p. 21-28.
243
Carvalho, João de Matos Freire de. Sergipe e Bahia: questão de limites. Aracaju: O Estado de
Sergipe, 1905.
96
Júnior para pesquisar documentos comprobatórios dos direitos de Sergipe nos
próprios Arquivos públicos da Bahia.244
A questão dos limites esteve em pauta no IHGS nos anos 1913, 1914, 1916, 1917,
1918 e 1920. Foi um dos raríssimos temas a gerar polêmica no cotidiano da casa. Não
entre baianos e sergipanos, já que durante a conferência do representante oficial da
Bahia (o historiador Brás do Amaral) a platéia praticamente emudeceu pois estava
desaparelhada para criticar os documentos apresentados pelo visitante.245 A polêmica
em causa foi motivada pela conferência (21/04/1918) do sócio Ávila Lima,
defendendo o rio Real como o verdadeiro limite sul com a Bahia, posição tomada
anteriormente por Felisbelo Freire em História de Sergipe (1891).246 Esse fato gerou
protestos e contra-protestos, ganhou a imprensa e motivou mais pesquisas sobre o
tema, cujas conclusões foram apresentadas em seguida pelo também sócio Elias
Montalvão.
244
Barreto Neto, Manuel Caldas. Relatório...Revista do IHGS, Aracaju, v. 4, n. 8, p. 290, 1919.
245
O silêncio do público durante a conferência de Brás do Amaral, representante e advogado da Bahia
na questão, foi assim interpretado por Prado Sampaio: “... antes de tudo seria bom notar que o público
para ela [a conferência] convidado não se encontrava preparado para responder ao sr. Dr. Amaral sobre
a autenticidade dos documentos apresentados nem resolver sobre a questão.” Oliveira Teles concorda
com Prado Sampaio e lança um desafio ao conferencista: “...não quero negar-lhes a autenticidade [dos
documentos apresentados], pois será mesmo descortesia para com o ilustre cavalheiro. Entendo, sim,
que em questão de tal natureza abundante documentação pode degenerar e, no caso, é lícito anexar-se
uma glosa ao ditado: cada documento terá suas nove faces. Toda questão consiste em serem eles
oportunamente submetidos ao exame e à crítica perante o grande público. Porque os não publica o
excelentísimo Dr. Amaral? Encontrará competentes nesta terra que possam discuti-los com critério...”.
Sampaio, Prado e Teles, Manuel dos Passos de Oliveira. Questão de limites Bahia-Sergipe. Revista do
IHGS, Aracaju, v. 2 n. 3, p. 77-79, 1914.
246
Esse critério praticamente sacramentava a posse baiana sobre o território em litígio (fronteira
meridional). O rio Real é até hoje o limite entre os dois Estados. É importante notar que mesmo depois
de revisado em 1934 o mapa produzido por Ávila Lima e aprovado pelo IHGS em 1918 ainda
contempla no lado oeste o "território contestado pela Bahia" incluindo no lado sergipano algumas
cidades de relativa importância regional como Bom Conselho e Geremoabo.
247
Costa Filho, Luiz José. Reminiscências e impressões do 5º Congresso Brasileiro de Geografia.
Revista do IHGS, Aracaju, v. n. 7, p. 123, 1917.
248
Lima Júnior, Francisco Antônio de Carvalho. História dos limites entre Sergipe e Bahia. Aracaju:
Imprensa Oficial, 1918.
249
Respectivamente, Decreto n. 690 de 18/07/1919 e Lei n. 790 de 14/11/1919. Coleção de Leis e
Decretos de 1919. Aracaju: Imprensa Oficial, 1920.
97
General Ivo do Prado representar Sergipe em uma conferência sobre limites
interestaduais convocada pelo Ministério da justiça.250 Durante todos esses eventos a
supremacia política da Bahia, tanto nos congressos científicos quanto nos
parlamentos, determinou o adiamento de uma solução definitiva para a questão.
A tarefa do IHGS, em relação ao caso dos limites estendeu-se para além do período
em estudo. Quando no Sudeste do país, já se repensava a viabilidade do modelo
federativo251 diante da efervescência política nacional e da tentativa de destruição das
velhas oligarquias que dominaram a República Velha, o Instituto insistia no
cumprimento de um dos seus projetos iniciais. Acreditava-se que aquele seria o
momento ideal, pois não deveria, a Bahia, utilizar-se do seu poderio em nível
legislativo, as Câmaras estavam fechadas. Em 1931, uma reunião do grêmio
especificamente destinada a colher subsídios para o encaminhamento de soluções,
lamentava a lentidão do “governo revolucionário” em resolver o caso e colhia dos
sócios duas importantes sugestões: a ocupação do território em litígio através da
nomeação de autoridades policiais, administrativas e judiciais, proposta por Prado
Sampaio; e a saída pacífica (o arbitramento por exemplo), mediada pelo “governo
provisório da República”, idéia apresentada pelo desembargador Gervásio Prata.252
Vencida a segunda, tratou o Instituto de autorizar ao proponente a elaboração de um
Memorial, contendo todas as provas e justificativas do pleito sergipano e, com a
assinatura da diretoria do grêmio, encaminhar o referido documento ao interventor
federal tenente Augusto Maynard Gomes253. Essa tentativa também fracassou.
Segundo Fraga Lima, não era interesse de Getúlio Vargas indispor-se com o
interventor da Bahia que muito lhe havia auxiliado com tropas durante a Revolução
Constitucionalista de 1932. "Foi posta uma pedra em cima indicando que o destino
era nada resolver."254
250
Ver Atas do IHGS relativos aos dias 12/08/1918 e 06/05/1920. Para Ivo do Prado, Sergipe possuía
112.000 km2 em 1845 e 23.250 km2 em 1908. No mesmo período a Bahia subiu de 426.425 km2
(1845) para 585.587 km2 (1908). A Bahia deteve o território sergipano não entregando o que foi
determinado por D. João VI através de decreto em 08/07/1820 (confirmado pelo regente por Carta
Régia de 05/12/1822) e anexando parte do que entregou durante o Império (entregou apenas dois
terços do que deveria). Prado, Ivo. A Capitania de Sergipe e suas ouvidorias: memória sobre a questão
de limites (Congresso de Belo Horizonte). Rio de Janeiro: Papelaria Brasil, 1919. pp. 239, 247-248.
251
Andrade aponta entre adeptos da estrutura federalista os intelectuais Maurício de Lacerda, Leônidas
Rezende, Hermes Lima, Anísio Teixeira, Gilberto Freire, Caio Prado Júnior, Almaquio Diniz; entre os
centralistas são listados Everardo Beckhauser, Amadeu Amaral, Plínio Salgado, Gustavo Barroso,
Cassiano Ricardo, Monte Arrais e Azevedo Amaral. Andrade, Manuel Correia de; Andrade, Sandra
Maria Correia de. A Federação brasileira: uma análise geopolítica e geo-social. São Paulo: Contexto,
1999. p. 57.
252
Ver Ata do IHGS relativa ao dia 28/04/1931.
253
Coincidentemente, o interventor era irmão do sócio fundador e também Secretário Geral da
interventoria, desembargador João Maynard. O desembargador Gervásio Prata foi um dos principais
coronéis entusiastas do regime de intervenção. Ver Dantas, Ibarê. Revolução de 1930 em Sergipe... p.
50 e 58.
254
Lima, Fraga. Memórias do Desembargador Gervásio Prata... p. 151.
98
resultados das investigações não foram suficientes para reaver as terras, serviram para
preencher lacunas sobre a vivência de “sergipanos”, principalmente relativa ao
período colonial, e fizeram valer/notar a importância dos estudos históricos como
saber especializado para a sociedade de então.255
Lima Júnior era contrário à comemoração do 24 de outubro e pelo menos por duas
vezes (1918 e 1919) antes do Centenário manifestou sua opinião. "É um erro da
tradição apanhado em 1836 quando pela primeira vez solenizou-se esta data em São
Cristóvão, pregando ao púlpito o célebre orador sacro, músico, poeta e filósofo, Frei
Santa Cecília, dizendo-se ser aniversário da emancipação de Sergipe. Nada existe que
confirme esta suposição. Um artigo publicado há muitos anos por Mundim Pestana,
255
O mais atualizado exame sobre a questão de limites encontra-se em Nunes, Maria Thetis. Sergipe
colonial II. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1996. p. 30-75.
256
A estatuomania sergipana teve início com a homenagem aos dois mais importantes líderes políticos
da República Velha: Fausto Cardoso (1912) e Olímpio Campos (na praça Benjamin Constant em
26/07/1916). Prosseguiu com o fundador da capital Aracaju, Inácio Barbosa (no Jardim Olímpio
Campos, entre as antigas sedes do palácio do governo e da Assembléia em 17/03/1917) e o maior
símbolo da inteligência sergipana, Tobias Barreto (na Praça Pinheiro Machado em 24 de outubro de
1920).
257
Ver sobre a Bandeira: Revista do IHGS, v. 5, n. 9, p. 222; Correio de Aracaju, 26 out. 1920;
Discurso de Manoel Dias Lima. Proferido da sacada do Edifício da Caixa Escolar Gracho Cardoso.
Correio de Aracaju, 31 mai. 1921. Sobre o brasão: Araripe, Tristão. Brasões do Brasil. Revista do
IHGB, Rio de Janeiro, v. 54, 1891.
258
Lei da Assembléia Provincial de 9/02/1839. Lima Júnior, Francisco Antônio de Carvalho. Memória
do Poder... p. 32; Barreto Neto, Manuel Caldas. Discurso. Revista do IHGS, Aracaju, v. 5, n. 9, p. 32,
1920.
99
declara ter sido a data em que chegou a São Cristóvão, a notícia da emancipação." A
defesa da verdade histórica fundada em testemunhos documentais o motivou a sugerir
que fosse festejado o "8 de julho, data do decreto de 1820, ou o 5 de março que foi
mais proveitoso, posse do 1º Presidente da Província, Brigadeiro Manoel Fernandes
Silveira."259
Se a posição crítica de Lima Júnior não gerou polêmicas que merecessem registros o
mesmo não aconteceu em relação ao conterrâneo João Ribeiro. O renomado
historiador também não via fundamentação histórica no 24 de outubro. Considerava-o
"um acontecimento nocivo" já que a Bahia deu-lhe a independência – igual àquela
que os senhores de escravos 'convieram em dar aos velhos de mais de 60 anos'... Essa
independência que apenas deu [a Sergipe] esta glória: 'a de ser o menor, o anão da
irmandade republicana'.260 Comentando o fato, Múcio Leão analisou a repercussão
das afirmações de João Ribeiro entre os sergipanos, inclusive os que habitavam no
Rio de Janeiro. "Pareceu-lhes, a eles, fanáticos de sua terra, que havia em João
Ribeiro um iconoclasta da pior espécie. Apareceram artigos de jornal, violentos ou
desabusados. João Ribeiro foi chamado de besta do apocalipse (sem o apocalipse –
diz ele – para tirar o impropério a graça bíblica). O Instituto Histórico e Geográfico
de Aracaju redigiu um protesto e pô-lo em ofício no correio. João Ribeiro recebe o
ofício, ouve os doestos. E, com bom-humor, redige uma palinodia, para consolar a
imaginação ardente de seus patrícios. Mas ele bem sabe, no íntimo, que a razão está
consigo."261
Um ano depois desse infeliz acontecimento, a autonomia do Estado foi posta à prova.
O Governo central indicou dois nomes completamente ausentes do movimento
político de Sergipe para assumirem as vagas de governador e senador.262 João Ribeiro
foi à forra. Denunciou, nas entrelinhas, os vícios da oligarquia e do coronelismo e
desdenhou do suposto projeto de reforço da autoestima efetivado pelo IHGS.
– Tupã, Caramuru!
Esse Deus, com um bacamarte de pederneira apanhado nos desvãos do Catête, e com um
barril de pólvora escapo ao naufrágio, é bem o Júpiter mandado à fábula coaxante das rãs,
sequiosas de um rei novo.
259
Lima Júnior, Francisco Antônio de Carvalho. Memória sobre o poder... p. 114.
260
Leão, Múcio. João Ribeiro: estudos críticos. Rio de Janeiro: Editorial Alba, 1934. p. 233-234.
261
Ibid. p. 234. Grifos do autor.
262
O Presidente da República Artur Bernardes influiu diretamente na indicação de Ciro Franklin de
Azevedo e do maranhense Augusto Cesar Lopes Gonçalves. Ambos foram eleitos. O diplomata Ciro
de Azevedo, com votação inédita, faleceu antes de encerrar o mandato (24/10/1926 a 16/01/1927) e o
maranhense Augusto Cesar Lopes Gonçalves permaneceu no Senado entre 1924 e 1930. Ver Dantas,
Ibarê. Os partidos... p. 67-68 e 316; O Tenentismo... p. 28-29. Figueiredo, Ariosvaldo. História política
de Sergipe. Aracaju: ?, 1986. p. 459.
100
Se lhes faltar algum papel para a bucha dos foguetes e das girandolas festivas, cá está o
ofício do Instituto, que recambiarei patrioticamente para maior lustre das festas da minha
santa e amada terrinha.
Eu seu que há virtudes excelsas, como sejam o patriotismo e outros males sergipanos. Sei
igualmente que Ciro de Azevedo não merece os doestos que vão atribuir a minha pena, que
antes rabiscaria elogios ao homem, ao cidadão, ao intelectual e ao artista.
Não lamento os seus propósitos de salvar a pátria do bom General Lobo, celebrado
injustamente por certos aspectos aritméticos da sua popularidade.
Lamento só o Instituto Histórico, que teve língua solta para me xingar e agora está entalado,
engasgadíssimo com o bacamarte soberano.
Meu admirável Instituto do Cotinguiba, não lasque mais protestos nem gaste papel com
ofícios.
Coma socegado, engula com paciência mas não vomite na praça pública.
Civilizar a sociedade
101
IHGS em um irradiador dos saberes básicos, responsáveis por retirar as “massas
humanas” do pântano da ignorância. Foi com esse último objetivo que o grêmio
engajou-se na fundação e desenvolvimento da Liga Sergipense contra o
Analfabetismo.264
264
O IHGS também foi o responsável pela fundação da Cruz Vermelha em Sergipe (22/03/1918). A
direção da sociedade era composta por homens e mulheres de posições destacadas no clero, política e
economia local. A sociedade foi trazida a Sergipe pela baronesa Homem de Melo.
265
Atas do IHGS de 24/09 e 06/10/1916; Barreto Neto, M. C. Relatório... Revista do IHGS, Aracaju, v.
4 n. 8, p. 295, 1919.
266
Guimarães, Moreira. Liga Sergipense contra o Analfabetismo. Revista do IHGS, Aracaju, v. 4, n. 8,
p. 53-55, 1919.
267
Lima, Ávila. Liga Sergipense contra o Analfabetismo. Revista do IHGS, Aracaju, v. 4, n. 8, p. 269-
276, 1919.
268
Dória, José Rodrigues da Costa. Conferência lida no IHGS em noite de 23 de setembro de 1917.
Revista do IHGS, Aracaju, v.4, n. 8, p. 213-250, 1919.
102
Essas e outras justificativas, impulsionadas por um certo "entusiasmo pela
educação",269 fizeram com que os sócios da casa se engajassem no progresso da nova
instituição que ganhou grande impulso no meio social. Os intelectuais mobilizaram-se
através da promoção de festas e em busca de subvenções estatais.270 Foram também
seus principais dirigentes durante muitos anos como o presidente do IHGS, Almirante
Amintas Jorge, Ítala Silva de Oliveira responsável pelos trabalhos da primeira sala
aberta sob o teto do próprio IHGS (1ª secretária da Liga), major João Esteves da
Silveira e Enock Santiago. Os “capitalistas” engajaram-se na campanha, patrocinando
a abertura de salas em vários bairros de Aracaju. Três anos após a fundação da Liga já
circulava o seu periódico oficial intitulado Pela Pátria. A Liga ganhou respaldo tanto
da sociedade quanto dos poderes constituídos o que permitiu a ampliação dos
trabalhos para cidades do interior do Estado como Santo Amaro, Barra dos Coqueiros
e Estância. Por volta de 1921 a Liga inaugurou a sua décima segunda escola
homenageando o professor Severiano Cardoso.
269
"A partir de 1915 surpreende-se uma ampla campanha e uma multiplicidade de realizações
configurando um novo momento significativo: o do entusiasmo pela educação. São idéias, planos e
soluções oferecidos... Trata-se de um movimento de 'republicanização da República' pela difusão do
processo educacional - movimento tipicamente estadual, de matiz nacionalista e principalmente
voltado para a escola primária, a escola popular. (...)
Em síntese, os quadros do pensamento apresentam a seguinte formulacão: a ignorância reinante é a
causa de todas as crises; a educação do povo é a base da organização social, portanto, o primeiro
problema nacional; a difusão da instrução é a chave para a solução de todos os problemas políticos e
outros." Nagle, Jorge. A Educação na primeira República. In: Fausto, Boris (org.) História Geral da
civilização Brasileira: o Brasil republicano - sociedade e instituições (19889/1930). 5 ed. Rio de
Janeiro: Bertrand Brasil, 1997. p. 262-263.
270
Século XX, Aracaju, 14/07, 03, 10, 17 e 31/08, 28/09/1919.
103
A distinção entre objetos de museu e de arquivo não parece muito clara. A quantidade
de “autógrafos” (originais) em base papel é mínima, comparada às doações de
fotografias e medalhas. Alguns mapas e plantas ajudaram a compor o acervo de uma
unidade esvaziada, sobretudo pela existência de um outro equipamento oficialmente
destinado para tal fim: a Sessão de Arquivo da Biblioteca Pública. Não esqueçamos
que esse setor do governo estadual era gerenciado pelo também sócio do IHGS,
Epifânio da Fonseca Dória. E, ainda, foi da Sessão de Arquivo da Biblioteca que
partiu a maior parte dos manuscritos publicados na Revista do Instituto.
104
grande prestígio na França por volta de 1900 também fizeram parte da Biblioteca da
casa. Os jornais foram outro tipo de doação freqüente. A hemeroteca do IHGS guarda
precioso acervo, principalmente da imprensa sergipana do século XIX e até relíquias
como um exemplar do primeiro periódico que circulou no Estado. Os dicionários,
almanaques e manuais, utilizados nos cursos de direito e medicina no início desse
século foram também incorporados ao acervo por cessão de alguns dos seus ilustrados
sócios.
273
Revista do IHGS, Aracaju, v. n. 8, p. 386 e 391 1919.
274
Mozart Soares assim explica a importância dos mortos para a religião positivista: “Reconhecendo a
crescente influência do passado sobre o presente, como exemplo das gerações pretéritas sobre as
vindouras, Comte estabeleceu a máxima a ser gravada no pórtico dos futuros templos da Religião do
Amor Universal: ‘Os vivos serão sempre, cada vez mais necessariamente, governados pelos mortos.
Observa-se que não há, nesta divisa, nenhum sentido sobrenatural; apenas a lembrança dos melhores
exemplos que devemos consagrar e recolher, para com eles criar o futuro.” [Soares, Mozart Pereira. O
Positivismo no Brasil: 200 anos de Augusto Comte. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 1998. p. 79].
Para Augusto Comte “a Humanidade se compõe essencialmente dos mortos dignos de sobreviver, seus
templos devem ser colocados no meio dos túmulos de elite.” Comte, Augusto. 5ª Conferência do
Catecismo Positivista. São Paulo: Nova Cultural, 1991. p. 133. (Col. Os Pensadores).
275
Santiago, Enock. Discurso. Revista do IHGS, Aracaju, v. n. 7, p. 45, 1917.
276
Sampaio, Prado. Discurso. Revista do IHGS, Aracaju, v. n. 7, p. 41, 1917.
105
também alvo imortalizações no bronze, gesso ou no granizo o governador general
Manoel Prisciliano de Oliveira Valadão (1916), as figuras intelectuais de Silvio
Romero (1916), Tobias Barreto (1920), general Ivo do Prado Montes Pires da França
(1925) e o artista plástico Horário Hora (1927). No período estudado, o Barão do Rio
Branco foi o único não sergipano selecionado para fazer residir permanentemente no
ambiente do Instituto em forma de busto.
***
277
Entre os artistas que trabalharam diretamente com a produção memorialística do IHGS foram
anunciados Rodolfo Bernardelli, para as esculturas e Guttman Bicho, para os retratos pintados.
106
Capítulo IV
Capítulo IV
278
Estatutos do IHGS. Revista do IHGS, Aracaju, n.7, p. 125-135, 1917.
279
Estatutos do IHGS. Aracaju: Imprensa Oficial, 1950. p. 3; Estatutos do IHGS. Diário de Aracaju,
30 abr. 1991.
280
Houve pequenas variações em 1917/1919 como Revista do IHGS.
107
Os únicos testemunhos colhidos sobre a tiragem indicam uma média de 300
exemplares, do número 1 ao 8; 200 (menor tiragem) para o número 9; 281 400 para os
números 15 a 18; e 500 (maior tiragem) para o número 25.282 O que se deduz que
eram suficientes para a distribuição entre os sócios, a permuta com os demais
Institutos do Brasil e agremiações congêneres, e ainda para uma reserva visando
eventuais permutas283. Sobre a venda de exemplares nada colhi. Epifânio Dória
informou, porém, de que a produção dos números de 1 a 9 ou seja de 1913 a 1920
fora custeada pelo Governo do Estado. A partir dessa data, incomodados com as
dificuldades de fazer valer a lei que determinava a impressão da Revista na Imprensa
Oficial do Estado, o presidente Amintas Jorge e o próprio Dória contrataram os
serviços da tipografia de A Cruzada (número 10, publicado em 1925) e o
estabelecimento de José Lins de Carvalho (números 11, 12, 13 e 14, publicados em
1926/1929). Todos estes localizavam-se em Aracaju.284
281
Revista do Instituto Histórico e Geográfico, Aracaju, v. 11, n. 16, p. 210, 1926.
282
Ibid.. v. 16, n. 19, p. 242-243, 1945.
283
Em 1942 somente o n. 13 estava esgotado. Ibid., v. 11, n. 16, p. 210, 1926.
284
Epifânio afirmava que conseguir a ordem de impressão da Revista na Tipografia Oficial "era coisa
difícil, e se o presidente do sodalício não fôsse pessoa bastante prestigiada junto à situação, o problema
era então insolúvel. Havia ainda uma circunstância desanimadora a influir contra a saída normal da
Revista, - as preterições na Imprensa Oficial, provavelmente rasoáveis, pois o montante da matéria
oficial do Estado havia de ser grande, não admitindo delongas na sua divulgação. Dória, Epifânio.
Ritmo normal. Revista do IHGS... v.23, n. 23, p. 3-4, 1959.
285
Este último só participou dos números 2 e 3.
286
cf. Estatutos do IHGS... 1950, op. cit. p. 11; Estatutos do IHGS...1991 op. cit. p. 11.
108
Dos autores, textos e temáticas
Nem sempre quem trabalhou como redator escreveu para o periódico. E foram muitos
os casos. Mas certamente, alguns dos organizadores da Revista despontaram como
seus mais ativos contribuintes. Prado Sampaio foi exemplo disso. Em um conjunto de
41 autores e 105 trabalhos, ele foi o que mais publicou no periódico (16 trabalhos),
seguido por Costa Filho (10), Lima Júnior (7), Oliveira Teles e Elias Montalvão (6),
Armindo Guaraná e Manoel Caldas Barreto (5). Constata-se, então, que esse grupo, já
bastante citado nos capítulos anteriores, foi responsável por mais de 50% de todos os
trabalhos assinados da Revista.287
A segunda hipótese, que à primeira vista poderia parecer ingênua, está relacionada a
sua forma de pensar os lugares de produção da ciência. Diplomaticamente,
(ironicamente ou não), Florentino concebia o Instituto como um "templo" (em sua
versão positivista): templo da ciência, "onde os ânimos são calmos, as paixões
desaparecem" onde os ódios dão lugar "à expressão poderosa do pensamento e à ação
livre e moralizadora de justiça."288 Como seus textos tematizavam questões
contemporâneas de forte apelo revolucionário e que exigiam respostas imediatas, a
Revista não seria um eficiente instrumento de veiculação.
287
Apenas três trabalhos (excluindo-se as listagens e transcrições) não tiveram seus autores
identificados. não assinados: dois discursos e uma sinopse biográfica.
288
Menezes, Florentino. Discurso pronunciado no IHGS em 30/07/1917. Ver Livro de Atas do IHGS.
v.2.
109
peças despontaram as transcrições, listagens e discursos, mas quando examinados o
espaço ocupado em número de páginas fica claro que os redatores deram muita ênfase
à divulgação das memórias e conferências produzidas para o Instituto. Minoritários
foram os poemas e o necrológio do tipo clássico (dissertando sobre as glórias do
falecido). Foi também através do critério do espaço ocupado que pude constatar uma
ligeira predominância dos trabalhos relativos à atividade-meio sobre os de atividade-
fim. Essa distinção pode parecer anacrônica mas ela própria já estava prescrita nos
primeiros anúncios sobre a função da Revista: por um lado divulgar as atas, discursos
(o expediente do IHGS), por outro, publicar os "trabalhos literários referentes aos fins
do Instituto". Assim, a partir da análise de conteúdo não foi difícil constatar que 52%
do espaço do periódico foram destinados às reportagens sobre as cerimônias, o retrato
de autoridades do executivo, intelectuais e diretoria, relatórios, correspondência e
discursos de recepção aos sócios e visitantes ilustres, enquanto que os 48% restantes
divulgaram conferências, biografias, "memórias", a maior parte do artigos e os
"documentos inéditos".
110
basta caracterizar os tipos dominantes que ocuparam 52% do espaço da revista como:
discursos de posse, agradecimento ou recepção aos novos sócios e visitantes;
discursos e conferências proferidos durante a ereção de bustos ou em comemoração
às datas cívicas estabelecidas pela República (o 14 de julho, 13 de maio, 7 de
setembro etc.); informes sobre o andamento dos trabalhos, esclarecimentos sobre a
publicação da Revista; listagens de membros da diretoria e de comissões de trabalho,
de donativos recebidos, dos sócios ativos e falecidos; elogios aos intelectuais, aos
governantes do executivo nacional; correspondência entre sócios, reportagens sobre
festividades promovidas pela casa; retratos; estatutos e transcrições sobre leis que
beneficiaram o Instituto. A tônica desse material foi basicamente informativa. A
missão era manter os sócios atualizados sobre as novas conquistas e tarefas do
Instituto. O objetivo era também evidenciar a relevância social da instituição,
propagandear o prestígio adquirido junto às esferas dominantes no poder político-
econômico através de ações de civismo e patriotismo. Firmar um rito acadêmico e
cimentar uma memória institucional através do auto-elogio e da promoção dos seus
principais dirigentes foi, talvez, o principal legado desse tipo de trabalho.289
289
Para uma visão detalhada de todo o conteúdo da Revista ver o anexo I o inventário de todos os
duzentos e quatro trabalhos publicados entre os números 1 e 14.
290
A esse respeito ver: Falcon, Francisco J. C. A identidade do historiador. Estudos Históricos, Rio de
Janeiro, n. 17, p. 7-29, 1996.
111
A contribuição heurística
112
trabalhos realizados pela administração pública; ato do ouvidor-geral, estabelecendo
os limites entre a freguesia de Santo Antonio do Urubu de Baixo e Vila Nova;
testamentos dos 2º e 3º presidentes da Província, José Vicente da Fonseca e Manoel
Clemente Cavalcante de Albuquerque (falecidos respectivamente em 1830 e 1826);
Carta régia e portaria de Dom Joan de Alencastro (13/07/1696) sobre a criação de
ouvidorias em Sergipe e na Bahia.
294
Para uma diferenciação entre crônica e história aplicada ao século XIX ver Rodrigues, José
Honório. História da história do Brasil: historiografia colonial. São Paulo: 2 ed. Companhia Editora
Nacional,1979. p. XVII.
295
Informação sobre a Província de Sergipe. Revista do IHGS, Aracaju, v. 1, n. 1, p. 46-50.
296
Jaboatam, Antonio de Santa Maria. Novo Orbe Seráfico Brasileiro ou Crônica dos frades menores
da Província do Brasil, por frei Antonio de Santa Maria Jaboatam, impressa em Lisbôa em 1761
[capítulos VIII e XIII relativos à Capitania de Sergipe]. Revista do IHGS, Aracaju, v. 2, n. 3, p. 49-58.
1914.
297
Travassos, Antônio José da Silva. Apontamentos históricos e topográficos sobre a Província de
Sergipe. Revista do IHGS, Aracaju, v. 3, n. 6, p. 84, 1916.
113
em S. Cristóvão, a igreja matriz, os conventos do Carmo e São Francisco, bem como
a igreja e a casa da Misericórdia, acrescentando que no frontispício da matriz
achavam-se as armas dos holandeses, raspadas por ocasião da independência do
Brasil".298 Outra deficiência do texto, apontada por Calazans e pelos historiadores que
o têm consultado, é a falta de referências sobre as fontes utilizadas, principalmente,
no que diz respeito ao período anterior à conquista, aos nomes, domínios e destinos
dos grupos e chefes indígenas dos primeiros habitantes do lugar.
298
Calazans, José. Introdução ao estudo da historiografia sergipana. In: Aracaju e outros temas... p. 13.
114
A contribuição geográfica
O Segundo congresso de História Nacional demorou 16 anos para ocorrer (e está fora
do nosso recorte cronológico), mas essa lacuna não significou desenlace dos membros
do IHGS com a "comunidade científica nacional" (acadêmicos, legisladores, alto
escalão dos executivos federal e estadual). Os congressos de geografia ocorridos
entre 1915 e 1922 tiveram efetiva participação do Instituto, inclusive, através da
apresentação de monografias. Esses congressos reuniam personalidades de renome
tanto das instituições ligadas à geografia quanto à história, como: José Artur
Boiteaux, Barão do Rio Branco, Marquês de Paranaguá, Teodoro Sampaio, Barão
Homem de Melo, entre outros. Nesses encontros, Institutos históricos, Sociedades e
Comissões de geografia discutiam e aprovavam trabalhos de pesquisa e relato de
299
O critério de escolha dos trabalhos foi o mesmo utilizado para a análise de historiografia: a intenção
(dos autores) e o reconhecimento (de seus pares).
300
Costa Filho, Luiz José da. Memória sobre a serra de Itabaiana. Revista do IHGB: Primeiro
Congresso de História Nacional, Rio de Janeiro, v. 1, p. 813-818, 1915. (parte 1)
115
atividades que depois eram repassados aos governos como sugestões para o
desenvolvimento de políticas específicas (saneamento, exploração mineral, educação
etc.).
No sexto congresso (Belo Horizonte, 1919) novamente Costa Filho foi escolhido
representante oficial do IHGS apresentando sua "Geografia militar: uma necessidade
entre nós". Sua participação parece ter sido ofuscada pela memória de Ivo do Prado
(também sócio do Instituto) sobre os limites Sergipe-Bahia.303 O general foi
encarregado pelo Governo do Estado de produzir pesquisa que esclarecesse, por fim,
os direitos territoriais de Sergipe e apresentá-la no Congresso de Belo Horizonte:
principal foro para dirimir pendências sobre limites territoriais, envolvendo vários
Estados da Federação. O depoimento de Ivo do Prado deu mostras da importância
política desse tipo de evento ao lamentar a manobra dos representantes baianos,
impedindo a correta apreciação da sua monografia.
[No Congresso de Geografia] venceram os diplomatas, pondo abaixo de uma vez, o ideal que
nos chamou. É, pelo menos, o que significa a deliberação tomada a 5 de agosto, segundo a
qual não era permitido o estudo, no plenário, de questões inerentes a limites.
301
Costa Filho não foi o primeiro sergipano a participar desses certames. Coube a Bernardino José de
Souza o privilégio de participar da primeira edição do Congresso Brasileiro de Geografia (Rio de
Janeiro, 1909). Nasceu em Vila Cristina (1855) e radicou-se na Bahia após cursar a Faculdade Livre de
Direito. Era sócio do IGBA, IHGSP, IHGMG e da Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro. Tornou-
se professor de geografia e publicou entre outros trabalhos: "Ensino de geografia", "Nomenclatura
geográfica", "Leituras Geográficas" (memórias apresentadas no referido congresso) e Corografia do
Estado do Piauí (1913). Guaraná, Armindo. Dicionário... p. 48-48.
302
Costa Filho, Luiz José da. Reminiscência e impressões do 5 º congresso Brasileiro de Geografia.
Revista do IHGS, Aracaju, n. 7, p. 113-124, 1917.
303
Há também registros da indicação do sócio Manuel dos Passos de Oliveira Teles como
representante oficial de Sergipe no referido congresso.
116
Aprovada esta medida nunca mais se levantou o congresso. Foi um golpe mortal. Ficou
estabelecido que os Estados fariam, amorosamente, seus acordos, ...(sic) sem os bons ofícios
de terceiros. Ora, tais e bons ofícios vinham ser, precisamente, aquilo que de novo, original e
útil, o Congresso nos traria; 304
A grande questão perseguida pelo bacharel Prado Sampaio foi talvez a única
preocupação durante a sua permanência no IHGS, a unidade "etno-meso-psicológica"
304
Prado, Ivo do. A Capitania de Sergipe e suas ouvidorias: memória sobre a questão de limites
(Congresso de Belo Horizonte). Rio de Janeiro: Papelaria Brasil, 1919. p. 440. [Grifos do autor].
305
Atas do IHGS de 06/02/1921; 06/05/1922; 06/04/1924; e 27/01/1925.
306
É importante citar que o IHGS aprovou indicação de Luiz José da Costa Filho para interceder junto
ao poder "Legislativo e o Executivo deste estado, no sentido de ... estabelecer um curso prático de
Geografia Física do Brasil e países limítrofes no quartel do Corpo de Polícia, deste Estado, com caráter
obrigatório para os sub-oficiais e praças." Essa iniciativa atendia a um voto aprovado pelo 5º
Congresso Brasileiro de Geografia. Revista do IHGS, Aracaju, v. 4, n. 8, p. 338.
307
Carvalho Neto, Antônio Manuel de. Pela História: um trecho do Sergipe ocidental. Revista do
IHGS, Aracaju, v. 8, n.13, p. 13-66, 1929.
308
Diário da Manhã, Aracaju, 21-29 ago.; 02-09 out. 1912. A preocupação com a seca está no artigo
"Sombrias perspectivas." A iminência da seca. Diário da Manhã, Aracaju, 30 jan.- 06 fev. 1913.
309
Ibid. p. 14.
117
do povo sergipano. A afirmação da identidade local e a delimitação de suas fases
formadoras foram motivos principais do artigo intitulado "Etno-psicologia e
geografia social sergipana". Nesse trabalho, Prado Sampaio se propôs a explicar o
processo que levou o povo sergipano a diferenciar-se dos demais da nação, bem como
apontar-lhes os traços homogêneos. A despeito da inspiração antropogeográfica (as
relações homem/natureza, a história como drama e o meio como cenário), e do
anúncio do método filogenético (Haeckel), Prado Sampaio não deu mostras de
domínio teórico e da adequação da metodologia anunciada às questões e evidências
locais. Certamente, queixou-se da ausência de estudos antropológicos e sobre a
craneologia do "tipo sergipano". Queixou-se também da insuficiência de trabalhos
sobre o povoamento do território, mas esses problemas não atenuam deficiências do
texto que são inerentes à sua própria forma de escrever. Alonga-se demasiadamente
nas revisões de literatura, no esforço de relacionar o geral ao particular; utiliza-se do
conhecimento de terceiros sobre temas de livre acesso até então; e a mais nociva
dessas deficiências, anuncia várias vezes a sua tese e pouco se esforça para
comprová-la.
310
id., ibid., p. 162.
118
terras em litígio foi promovida sobre condicionantes geológicos (a busca das minas de
prata e salitre por Belchior Dias Morea), geográficos (os entraves impostos pelas
serras, rios e sertões) e étnicos (o perfeito fusionamento das raças formadoras do povo
sergipano: portuguesa, negra e indígena). Em relação ao apelo afetivo, lamentava o
autor a infelicidade do Estado de Sergipe que já possuía um povo, mas carecia de
território, logo esse Estado que tanto defendera a integridade do solo nacional
(iniciando a expulsão dos holandeses, posicionando-se contrário aos ideais
revolucionários de 1817, deixando mártires na Guerra do Paraguai e ajudando a
povoar extensas regiões do país como Amazonas e Acre).311
311
Sampaio, Joaquim do Prado. Causas da expansão territorial sergipana e seus consectarios jurídico-
sociais. Revista do IHGS, Aracaju, v. 4, n. 8, p. 251 e 268, 1919.
312
Guaraná, Armindo. Glossário etimológico dos nomes da língua Tupi na Geografia do Estado de
Sergipe. Revista do IHGS, Aracaju, v. 2, n.5, p. 297-326, 1916.
313
Montalvão, Elias do Rosário. Rio Real. Revista do IHGS, Aracaju, v. 1, n. 2, p. 43-45, 1913.
314
Montalvão, Elias do Rosário. Qual o rio que banha a cidade. Revista do IHGS, Aracaju, v. 6, n.10,
p. 31-35, 1925; Teles, Manuel dos Passos de Oliveira. Parecer n. 1: palavras a propósito da Memória
de Elias Montalvão. Revista do IHGS, Aracaju, v. 6, n.10, p. 37-39, 1925; Silva, Clodomir. Parecer n.
2: A Cotinguiba. Revista do IHGS, Aracaju, v. 6, n.10, p. 41-81, 1925; Rio Sergipe. Revista do IHGS,
Aracaju, v. 6, n. 11, 1926. p. 9-12;
119
sancionada em 10/11/1925 que estabeleceu a denominação de rio Sergipe ao rio que
banha Aracaju.
Deve-se registrar que, apesar do apelo científico, ainda havia espaço no instituto para
viajantes e suas descrições apaixonadas. Esse foi o caso do General Aníbal Amorim
que através de conferência proferida no IHGS em 21/02/1929, narrou sua viagem de
Maceió a Paulo Afonso ocorrida entre [01 e 08/02/1929].315 Desta, descreveu
principalmente a Cachoeira de Paulo Afonso, a fauna, a flora, o relevo e a povoações
do Baixo São Francisco. Uma descrição assistemática cujo objeto oscilava de acordo
com a ênfase de sua impressão e as condições de observação. Aqui a flora, o drama
da seca, ali, o patrimônio edificado, o empreendedorismo de Delmiro Gouveia, o
vigor das águas da Cachoeira etc. Vigorou o prazer da aventura, o espírito de
explorador. O General Amorim reafirmou o discurso do aproveitamento dos recursos
do São Francisco em benefício da nação. Encerrou o trabalho com uma mensagem
otimista acerca do papel do Brasil perante as demais nações, privilegiado que fôra
pela quantidade e variedade de recursos naturais à sua disposição.
***
315
Amorim, Aníbal. De Penedo á Cachoeira de Paulo Afonso: impressões do baixo São Francisco - o
homem e a natureza do Nordeste. Revista do IHGS, Aracaju, v. 9, n.14, p. 7-27, 1929.
316
Teles, Manoel dos Passos de Oliveira. Discurso. Revista do IHGS, Aracaju, n. 7, p. 70, 1917.
120
Hart, E. Liais, O. Derby, Ch. A. White317 e nos trabalhos historiográficos de F.
Freire, J. Travassos, Oliveira Teles. Partindo desses instrumentos e fontes, o fazer
geográfico foi motivado, sobretudo, pela correção de fatos (nomes de rios), busca de
provas que auxiliassem na luta pela restituição do território e consolidassem uma
identidade sergipana. Procurou-se também imprimir maior reconhecimento ao
território, estudando áreas inexploradas pelas incursões geológicas estrangeiras do
século XIX. Nesse sentido, trabalhou Carvalho Neto, interessado que estava na
exploração econômica de recursos naturais. O conhecimento sobre o "sertão" (região
oriental do Estado) proposto pelo autor era também motivado por problemas críticos
do período como a seca e a degradação ambiental, provocada pelo próprio habitante
do lugar.
121
corografia de Sergipe (1916) e História e corografia de Maruim (1921) de Elias
Montalvão. Também não destoaram do produto da Revista as traduções, resenhas e
comentários sobre a pesquisa geológica e a corografia do Estado (Laudelino Freire,
1899 e Oliveira Teles, 1899 e 1903). O que se poderia classificar como desvio
relevante foi a ausência do calor da polêmica e a inexistência da crítica aos trabalhos
lançados. Essa atividade ficou por conta dos periódicos diários de grande circulação.
Ao encerrar essa análise, é preciso tecer algumas considerações sobre o que foi,
talvez, a única, tentativa de efetivar um projeto cientificista de caráter interpretativo
para a geografia, encetado por Prado Sampaio. Não se quer aqui ingenuamente
estabelecer analogias entre os projetos de Ratzel-Bismarck na Alemanha e de Prado
Sampaio-Oliveira Valadão (governador do Estado) em Sergipe, mesmo porque o
próprio Ratzel, como bem coloca Moraes318, não pode ser considerado um ideólogo
direto das teses de Bismarck e em Sergipe não se sabe ainda de onde partiu a
iniciativa de revolver a questão dos limites nos anos iniciais do IHGS. Se em nível
do instituído a comparação não rende frutos, no plano das idéias ela é perfeitamente
oportuna. Em seus textos, Prado Sampaio costumava transpor as estratégias de estudo
do nacional para o local (Sergipe) e estas, apropriadas do projeto ratzeliano, podem
ser percebidas tanto no recorte do objeto quanto na forma de abordá-lo. A instituição
de uma nova ciência é uma das primeiras “contribuições” do naturalista alemão para
o estudo do processo civilizatório do povo sergipano bem como da comprovação da
sua autonomia. Sampaio comunga com Ratzel a mesma idéia sobre a história e a
geografia. O ofício do historiador não é somente o estudo dos fatos e a geografia não
é só a descrição do meio físico. Os fatos precisam de um teatro - espaço, território -
para se desenvolverem e a descrição de qualquer recorte geográfico depende do
conhecimento das diversas transformações sofridas pelo mesmo, ou seja, do
conhecimento do passado. “Ao sopro demolidor e reconstrutor das sciencias
naturaes”,319 o IHGS conjuga as duas disciplinas, que isoladas pouco produzem,
incorporando o objeto - as relações entre as condições naturais e os homens - e a
função da ciência antropogeográfica.
A sociedade como um corpo constituído por órgãos vitais presente nos textos de
Comte a Ratzel fundamenta o estudo de Prado Sampaio acerca do povo sergipano.
318
id., ibid., p. 20.
319
Ratzel, F. Antropogeografia. In: Moraes, Antonio Carlos Robert de. (Org.). Ratzel: Geografia.
São Paulo: Ática, 1990. p. 33.
320
id., ibid., págs. 70 e 81.
122
Sociedades e territórios também evoluem, ou seja, “vivem sofrem, progridem e
envelhecem” 321 e este processo evolutivo é tenso. Neste ponto Prado Sampaio
denuncia uma outra estratégia ratzeliana: a idéia de conflito entre os órgãos. A
naturalidade dos conflitos entre Estados de uma determinada aliança de países
(pregada por Ratzel) encontra-se na explicação de Sampaio sobre a tensão entre o
Estado brasileiro e uma das suas unidades federativas, a tensão exteriorizada entre a
política centralizadora da Colônia à República e o desejo de autonomia política de
Sergipe.
321
id., ibid., p. 100.
322
É no jogo deste dualismo que se encontram as mais fortes incongruências onde Prado Sampaio
oscila entre o relativismo e o determinismo, entre a influência direta dos elementos etnicos e a
determinação do meio físico na formulação do povo sergipano.
323
Moraes, Antonio Carlos Robert de. (Org.). Ratzel: Geografia. São Paulo: Ática, 1990. p. 25.
123
ou seja, uma espécie de oligarquia.”324 Em suma, conquistar para quem, é a pergunta
que ficou sem resposta nos textos de Prado Sampaio.
324
Ratzel, F. Antropogeografia. In: Moraes, Antonio Carlos Robert de. (Org.). Ratzel: Geografia.
São Paulo: Ática, 1990. págs. 73, 74 e 79.
124
A contribuição historiográfica
Biografias
Em 1931, final do período em análise, portanto, João Ribeiro afirmava que estávamos
em maré de biografias.” Devia-se, essa moda, à repercussão que os livros de Murois e
Emidio Ludwig e outros, vindos do exterior, havia despertado no Brasil o movimento
pela esquecida história dos homens ilustres.” 325 Esse esquecimento, superado na
década de 1930, talvez estivesse relacionado ao declínio da prática na Revista do
IHGB. O veículo que chegou a publicar 115 trabalhos no período 1840/1890
praticamente extinguiu a biografia a partir dos primeiros anos desse século.326
Justamente no período em que decai no IHGB, a biografia ganha fôlego na casa
recém-criada.
Foram em sua maioria produzidas pelos sócios mais ativos do IHGS como Costa
Filho, Lima Júnior e Armindo Guaraná. As exceções ficaram por conta da
autobiografia de José Pinto de Carvalho e da biografia de João Dantas Martins dos
Reis. É de se estranhar os motivos que levaram à publicação do trabalho sobre José
Pinto de Carvalho, português, residente em Sergipe, que mobilizou forças locais para
a derrubada do 1º presidente eleito desse Estado, Carlos Cesar Burlamaque. Esse
acontecimento é considerado até hoje uma das mais lamentáveis tentativas de
recolonização baiana do território sergipano. O segundo, a biografia de João Dantas
dos Reis, é uma transcrição do livro, até então inédito, Genealogia da família Dantas.
E mais, denota a intenção de rebater afirmações de Tobias Barreto sobre a vida do
biografado. O autor, João Dantas Martins dos Reis (trineto do ofendido), além de
ressaltar as virtudes públicas (políticas e militares), apresenta documentos
desmentindo a idéia de que o seu trisavô teria participado do julgamento e arremate
das propriedades de um santo, o Santo Antônio das Queimadas.
325
Ribeiro, João. O tigre da abolição. In: Leão, Múcio (org.). Obras de João Ribeiro... p. 262-263.
326
Ver Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Rio de Janeiro, a. 159, n. 400, p. 905-
912, jul./set. 1998.
327
Barreto Neto, Manoel Caldas. Homero de Oliveira. Revista do IHGS, Aracaju, v. 1, n. 2, p. 79-87,
1913; Monteiro, Libério de Souza & Silva, Alvaro Fontes. Sebastião Gaspar de Almeida Boto. Revista
do IHGS, Aracaju, v. 5, n. 9, p. 75, 1920; Costa Filho, Luiz José da. Dr. Tobias Barreto: retrato.
Revista do IHGS, Aracaju, v. 5, n. 9, p. 140-142, 1920; Leão, Hermenegildo. Manoel Joaquim de
Oliveira Campos. Revista do IHGS, Aracaju, v. 5, n. 9, p. 89-93, 1920.
328
Sampaio, Prado. Silvio Romero: o crítico. Revista do IHGS, Aracaju, v. 2, n. 4, p. 103-108, 1914.
125
levantadas por Silvio Romero, resultando, o artigo, em duas fases
temático/cronológicas: a que discute o "sentimento de autonomia intelectual da
nação" e a que estuda o "Brasil sob o ponto de vista social".
O último biografado por Guaraná tem sua vida valorizada pelos dotes físicos e de
bravura. José Pereira Filgueiras foi defensor da independência do Brasil e solidário
com o movimento Confederação do Equador (24/07/1824). O retratado foi o
proclamador da República no Ceará ainda no mesmo ano, regime que sobreviveu de
26 de agosto a 18 de outubro de 1824. Guaraná desmente o padre Theberg, autor de
Esboço histórico (sobre a província do Ceará) que afirmou ser o biografado
“destituído de inteligência”. A idéia do autor foi principalmente glorificar o bravo
sergipano nascido em Santo Amaro das Brotas.331
329
Guaraná, Armindo. Antônio Muniz de Souza. Revista do IHGS, Aracaju, v. 2, n. 6, p. 167-181,
1916.
330
Guaraná, Armindo. Manuel Fernandes da Silveira. Revista do IHGS, Aracaju, v. 1, n. 2, p. 37-41,
1913. De modo inverso, um texto intitulado “O Governo de Sergipe”, listou as principais
características morais (políticas) do presidente Gracho Cardoso: honestidade, espírito de tolerância e
de justiça empreendedorismo, audácia, crença no progresso etc. Foi um dos raros depoimentos
tematizando o presente imediato de Sergipe veiculados na Revista (além dos discursos e relatórios
institucionais). Presente já anunciado (para o futuro) como um passado glorioso da história
administrativa de Sergipe. Ver [s.n.]. Gracho Cardoso. Revista do IHGS, Aracaju, v. 6, n. 10, p. 85-89,
1925.
331
Guaraná, Armindo. José Pereira Filgueiras. Revista do IHGS, Aracaju, v. 5, n. 9, p. 59-64, 1920.
126
Epifânio Dória não chegou a produzir biografia. Escrevendo sobre Pelino Nobre,
conforma-se em rotular o trabalho de "subsídios".332 Os tais subsídios nada mais são
do que a apresentação de testemunhos escritos (de adversários principalmente) sobre
a moral ilibada do biografado, sobre as suas principais realizações, sobre a
experiência política (nas hostes conservadoras), administrativa e literária, junto aos
conceitos sobre ele emitidos pelo próprio Dória: "o Dr. Pelino Nobre teve dois
grandes defeitos para os olhos de um egoísta – a grande modéstia que ofuscou-lhe o
brilho do talento e um grande desinteresse que só lhe trouxe desilusões e
injustiças."333 É interessante notar o enredamento entre os biografados e os biógrafos.
Epifânio Dória biografa o sogro de dois confrades do IHGS: respectivamente os
sócios fundadores Francisco Carneiro Nobre de Lacerda e o Desembargador Manoel
Caldas Barreto Neto.
Em Costa Filho, o biografado foi escolhido por seu perfil abolicionista, rebelde e
liberal. Tratou do professor Antônio Félix da Costa que viveu em Propriá em meados
do século XIX, um defensor das causas dos “escravos e dos desvalidos”.337 Nesse
texto, pode-se encontrar um dos raros indícios ou hipóteses de aplicação das teorias
cientificistas. Claro que o autor não chegou a estabelecer relação entre as funções
intelectuais do biografado e a conformação do seu crânio (dada a brevidade do
trabalho). Contudo, a descrição de Félix da Costa como “homem esbelto, de regular
estatura, olhos vivaces e pequenos, defeituoso um, nariz comprido e ligeiramente
aquilino, crânio braquicéfalo, fronte larga, cabelos castanhos e finos, bigode aloirado
e cheio, sempre risonho mostrando uns dentes largos e amarelecidos e sãos”338 não
deve ser ingenuamente encarada como uma tentativa de reproduzir a imagem de um
homem que não foi fotografado em vida.
A orientação cientificista foi expressa enfaticamente por Ávila Lima quando tratou de
Tobias Barreto. O caráter do crítico sergipano foi descrito à luz da teoria haeckeliana.
332
Dória, Epifânio. Pelino Nobre. Revista do IHGS, Aracaju, v. 3, n. 6, p. 183-205, 1916.
333
Ibid. p. 196.
334
Lima Júnior, Francisco Antônio Carvalho. Revista do IHGS, Aracaju, v. 2, n. 3, p. 59-63, 1914.
335
Lima Júnior, Francisco Antônio Carvalho. Revista do IHGS, Aracaju, v. 5, n. 9, p. 79-87, 1920.
336
Ibid. p. 80-81. [Texto produzido em 1918].
337
Costa Filho, Luiz José da. Teotônio Félix da Costa. Revista do IHGS, Aracaju, v. 2, n. 4, p. 153-
155, 1914.
338
Ibid. p. 154.
127
Um raro momento onde são evocadas as leis de hereditariedade e de adaptação para
assinalar as heranças do pai zombeteiro, satírico e inteligentíssimo e da mãe
sentimental, demasiadamente afetuosa, resignada e melancólica. Até a própria morte
do pensador foi encarada de maneira cientificista.339 Nesse texto, a inteligência e o
trabalho permaneceram como os traços característicos da Sergipanidade. Outra
constante repetida foi a defesa intransigente da imagem que os literatos faziam do
Estado. A defesa de Sergipe foi feita de maneira ardorosa até mesmo diante de outro
sergipano ilustre como João Ribeiro. Uma das poucas explicações fornecidas para o
esquecimento do Estado foi apresentada também por Costa Filho: devia-se ao
desprestígio das “coisas do espírito”. A ciência e literatura não eram encaradas como
atividades relevantes no período monárquico tampouco no início da República. Daí o
desfavorecimento dos valores sergipanos.
***
Por outro lado, procurou-se resgatar algumas histórias de vida para servirem como
exemplo à geração nascida após a proclamação da República. Exemplos de bravura
339
"Morreu às esmolas o grande sábio e filósofo brasileiro...mas não devemos jamais esquecer, à luz
da ciência, que, apesar de trágica, lúgubre, horrível, a morte é uma espécie de santelmo da eternidade e
da vida. Ela é apenas uma da infinitas modalidades da matéria, uma transformação da força, que
domina os mundos, um novo modo de ser do movimento universal e eterno. (...) Foi-se-lhe o corpo
pelos abismos da matéria; foi-se-lhe a matéria pelos abismos do nada. LIMA, [Adolpho] Avila.
Psicologia de um super-homem. Revista do IHGS, Aracaju, v. 3, n. 6, p. 232, 1916.
340
Costa Filho, Luiz José da. O fundador da imprensa sergipana. Revista do IHGS, Aracaju, v. 5, n. 9,
p. 67-68, 1920; Dantas Júnior, J. C. Pinto. Cap. mor d'Antas dos Imperiaes Itapicuru. Revista do IHGS,
Aracaju, v. 9, n.14, p. 83-90, 1929.
128
antidespótica em favor da liberdade do cidadão e de amor à nação. Exemplos de
obstinação pelos estudos, de luta em favor da civilização dos costumes. Timidamente
surgiram as primeiras tentativas de mistificar precursores republicanos, abolicionistas
e nacionalistas. Os exemplos foram buscados no século XIX e raramente a
“psicologia” desses homenageados foi “extraída” através de instrumentos
cientificistas. Outra constatação acerca desses trabalhos é que apesar das tentativas de
Armindo Guaraná e Lima Júnior em contextualizar as ações narradas, em geral, a
experiência de cada biografado findou por iluminar o ambiente que o cercava. Com
isso, implicitamente demonstravam que, apesar das tendências gerais (o
conservadorismo, o escravismo, o despotismo e violência que caracterizaram o
"espírito" de determinadas épocas da história sergipana), havia "uma considerável
margem de liberdade" individual. E, ainda, mesmo quando essas tendências
despontavam como instituidoras de normas sociais (determinantes históricos), foi
necessário um grande gênio para pô-las em execução.341 Essa forma imperante de
biografar mais que denunciar as práticas e idéias vigentes legitimava o modo-padrão
de ser e de atuar politicamente dentro da estrutura oligárquica.
341
Ver sobre as conseqüências desses deslocamentos para a epistemologia e metodologia históricas:
Meinecke, Friedrich. Leopoldo von Ranke: discurso commemorativo pronunciado el 23 de enero de
1936 en la Academia de Ciencias Prusiana. In: El historicismo y su génesis. México: Fondo de Cultura
Económica, 1943. p. 487-511; Levi, Giovani. Usos da biografia... op. cit.
129
Memórias
Esse último trabalho tem aspecto de relatório: um elenco de nomes datas e locais
dispostas em pequenos blocos de texto relativos às cidades-alvo da prática evangélica
no Estado. A idéia de Pedro Machado era narrar a trajetória do evangelismo no Brasil
e em Sergipe, relacionando as missões, pregadores, templos dos presbiterianos e
batistas na capital e no interior do Estado entre 1863 e 1920.343 O autor foi presbítero
e essa condição lhe permitiu trabalhar apenas a partir da sua própria vivência.
342
Esse número da Revista foi composta, em sua maior parte, por sinopses da vida política,
administrativa, intelectual e religiosa da província, biografias retratos e as costumeiras transcrições.
343
Machado, Pedro. Um século de evangelismo em Sergipe. Revista do IHGS, Aracaju, v. 5 n. 9, p.
207-214, 1920.
344
Dantas, Niceu. A cirurgia dentária em Sergipe em um século. Revista do IHGS, Aracaju, v. 5, n. 9
p. 160-131, 1920.
345
Andrade, Helvecio Ferreira de. A Medicina em Sergipe durante um século. Revista do IHGS,
Aracaju, v.5, n. 9, p. 99-117, 1920.
130
presente e ao futuro. Esse presente era a situação de penúria das "classes laboriosas" e
da população de todo o Estado. Niceu Dantas viu em sua narrativa a oportunidade
para reivindicar maior ação do Estado na extensão da higiene bucal à população
carente. Em Helvecio de Andrade foi flagrante o apelo ao melhoramento da "raça
sergipana" já bastante fragilizada em sua saúde.346 O projeto futuro apontado seria,
para esse autor, a introdução de um novo sangue, "um cruzamento, um caldeamento
inteligente com outras raças mais vigorosas e ativas, que lhe [trouxessem] orientação
mais scientifica da vida, novos habitos, novos costumes." A imigração seria
duplamente vantajosa para Sergipe: traria à "nossa lavoura e indústria os
conhecimentos práticos e o método que a distinguem e para a nossa estrutura orgânica
a seiva nova do esforço inteligente e do sangue robusto e são." 347
346
O meio físico e o clima são também os outros elementos que contribuem, em maior ou menor grau,
para essa fragilização. Ibid. p. 100.
347
Ibid. p. 106.
348
Lima Júnior. Francisco Antônio Carvalho. Revolução de Santo Amaro: Sergipe - 1836. Revista do
IHGS, Aracaju, v. 2, n. 5, p. 251-296, 1916.
349
Além da honraria como sócio benemérito, Felisbelo viu seu nome intitulando o salão de leitura da
Biblioteca Pública, inaugurado em 14 de julho de 1914.
350
Entre os principais trabalhos de Felisbelo destacam-se: História de Sergipe (1891); História
Constitucional da República dos Estados Unidos do Brasil (1894); História da revolta de 6 de
setembro (1895); História da Cidade do Rio de Janeiro - 1500/1900 (1899); História Territorial do
Brasil (1906). Ver a respeito a tese de doutorado do prof. Francisco José Alves dos Santos já citada
nesse trabalho.
351
Freire, Felisbelo Firmo de Oliveira. A antiga vila de Santo Amaro de Brotas: o seu passado. Revista
do IHGS, Aracaju, v.2, n. 5, p. 187-249, 1916.
131
Júnior (propositadamente?) o que torna a comparação entre as duas versões
inevitável.
Além de Santo Amaro, Lima Júnior voltou seus estudos para os municípios de
Itabaiana, sua terra natal e Simão Dias. Da primeira dissertou sobre o povoamento,
população, costumes, produção, transporte, sobre a trajetória jurídica, política e
religiosa entre 1590 e 1889. Tratou das práticas artísticas, da educação, das epidemias
e da passagem de Tobias Barreto pelo município.352 Quanto à Simão Dias, foram
enfocados a ocupação do solo, limites, primeiros donatários e a fundação da cidade.
Nesse último texto, recebeu atenção especial a trajetória do vaqueiro que deu nome à
sede e ao município.353 Para Lima Júnior, narrar a história de um município era
discorrer sobre as causas do progresso ou atraso econômico/político/demográfico do
lugar. Isso não é tão explícito no texto sobre Simão Dias que teve sua experiência
intimamente ligada à aventura de um vaqueiro, mas é sobretudo o caso de Itabaiana.
Há também nesse autor uma forte preocupação em preservar a memória local
(circulante através da oralidade). Em Lima Júnior o registro da "tradição" não
somente era importante como fonte histórica sobre o fato contado, mas,
principalmente, como testemunho da época em que ele construía a sua narrativa. Era
o registro da sua vivência (composto de críticas e tomadas de posição) que também
importava imprimir aos textos.
Os últimos trabalhos que tratam de municípios foram produzidos por Manuel dos
Passos de Oliveira Teles e Vicente Olino. Para este último, importava exaltar o
caráter "industrioso" da população local, a amenidade do clima, a prosperidade
econômica e o pendor legalista dos líderes políticos que habitaram o local. Seu texto
tratou da "História do Município de Santa Luzia". Uma região conhecida através da
literatura historiográfica como possível local das primeiras tentativas de conquista aos
indígenas ainda no século XVI e como forte reduto oposicionista às tentativas de
emancipação do Estado. O texto de Vicente Olino informa sobre os primeiros colonos
e os conflitos com os indígenas, localização, população, produção, finanças, trajetória
jurídica, política e administrativa do município no período 1573-1924.
Manuel dos Passos de Oliveira Teles mantinha preocupação de caráter mais geral: a
identificação do local da batalha ocorrida entre os índios e o exército de Cristóvão de
Barros (01/01/1590),354 evento que resultou na "conquista de Sergipe". Para esse
sancristovense era importante preencher as lacunas deixadas por historiadores como
Varnhagem e Frei Vicente do Salvador. Uma dessas indagações pertinentes a Sergipe
foi situar a região onde se desenrolou o combate final da referida conquista.
Importava também identificar o nome do local, o que Oliveira Teles acabou
fazendo355. Nesse texto, alguns mitos bastante conhecidos da historiografia brasileira
352
Lima Júnior. Francisco Antônio Carvalho. Monografia histórica do Município de Itabaiana. Revista
do IHGS, Aracaju, v. 2, n. 4, p. 128-149, 1914.
353
Lima Júnior. Francisco Antônio Carvalho. Município e cidade de Simão Dias: notas históricas.
Revista do IHGS, Aracaju, v. 7, n. 12, p. 9-33, 1927.
354
Teles, Manuel dos Passos de Oliveira. Do campo de uma batalha. Revista do IHGS, Aracaju, v. 6, n.
11, p. 89-92, 1926.
355
A batalha entre portugueses e indígenas da noite de 01/01/1590 aconteceu na "planura que se
extende do logarejo 'Merem' ou 'Mirim' em São Cristovão, ou, querendo encurtar a distancia, do
povoado Miranda ao Rio Comprido". Ibid. p. 90.
132
encontram-se encrustados, como o caráter "inteligente" do branco, a "indolência" do
índio e a "pusilanimidade" do "negro servil".356 Em "Aracaju: suas prováveis
origens, seu provável futuro", Oliveira Teles empenhou-se nas busca das origens do
povo sergipano, embora concordasse que o resultado da pesquisa em nada abalaria o
mito das três raças fundadoras do Brasil. Essa ressalva, porém, não o impede de
lançar-se a um exercício contrafactual: teriam os franceses um futuro de celebridades,
caso assegurassem o domínio sobre o território sergipano? A questão o motiva a
levantar duas hipóteses acerca da história de Aracaju: a) a localidade foi inicialmente
uma feitoria francesa; 357 b) o seu abandono se deveu ao interesse dos colonos pelas
minas e terras para o plantio da cana, encontrados no interior do território sergipano.
O problema dos limites também foi alvo dos trabalhos de Elias do Rosário
Montalvão. Membro constante das Comissões de História, Geografia e Manuscritos e
autógrafos, Montalvão empenhou-se na apresentação de provas documentais sobre os
direitos sergipanos, pesquisando em cartórios de São Cristóvão, Lagarto e Simão
Dias, efetivando crítica de erudição, revisando cartas de sesmarias, legislação e
correspondência oficial da colônia. Com essa missão, Montalvão desmentiu Brás do
Amaral, criticou afirmações dos irmãos Laudelino e Felisbelo Freire e apontou
lacunas na principal obra deste último (História de Sergipe) sobre a história político-
administrativa do Estado360. No mesmo rol entraram os historiadores Handelman e
356
Ibid. p. 91.
357
Calazans afirma que Manuel dos Passos teria sido "possivelmente influenciado pelas informações
de Gabriel Soares e outros escritores do Brasil Colonial". Entretanto, não descarta a hipótese do
bacharel já que "os traficantes de ibirapitanga, em verdade, só deixaram de freqüentar a barra do rio
Sergipe, depois que Cristóvão de Barros venceu os índios de Baepeba e fundou... a cidadela de São
Cristóvão em 1590". Calazans, José. Aracaju: contribuição...op. cit. p. 55.
358
Lima Júnior, Francisco Antônio Carvalho. Limites entre Sergipe e Bahia: estudo histórico. Revista
do IHGS, Aracaju, v. 1, n. 3, p. 11-48, 1914.
359
ibid. p. 48.
360
Felisbelo afirmara que Sergipe fora comarca da Bahia e não soube informar as razões da primeira
transferência da Capital São Cristóvão. Sobre a Segunda questão, deficiência apontada também na
"monografia sobre São Cristóvão" de Manuel dos Passos de Oliveira Teles (1907), Montalvão
responde ser inconveniente o primeiro local para a prática do comércio. A explicação o autor foi
buscar no Dicionário Histórico e Geográfico Miliet de Saint Adolphe (Paris, 1845).
133
Varnhagem por afirmarem que Sergipe havia sido comarca da Bahia, ao que responde
Montalvão nunca ter ocorrido esse fato.361
Mas finalmente, o que vinha a ser "história" na palavra autorizada de quem escreveu
para a Revista? Para o próprio Moreira Guimarães, a "história" era uma espécie de
conhecimento configurado não somente no registro de fatos (crônica), mas no estudo
e relação dos fatos entre si. Do seu estado dependem a ciência, a arte, a literatura e a
religião. Todas essas atividades são explicadas (e se desenvolvem) através do
conhecimento histórico. Em contrapartida, a "história", que a tudo explica, de tudo
necessita: da geologia, da arqueologia, da antropologia, da economia política e das
ciências naturais. 364
361
Montalvão, Raphael Arcanjo. Bahia-Sergipe: A questão de limites. Revista do IHGS, Aracaju, v. 2,
n. 4, p. 115-127, 1914; Pelo direito e pela história de Sergipe. Revista do IHGS, Aracaju, v. 3, n. 6, p.
123-146, 1916.
362
Lima Júnior, Francisco Antônio Carvalho. Memória sobre o Poder Legislativo em Sergipe (I) –
1824 a 1889: apontamentos para a sua história. Revista do IHGS, Aracaju, v. 4, n. 8, p. 1-176, 1919.
363
O artigo em foco foi produzido quando o autor já havia sido reformado da atividade militar. Além
de ter estudado "matemática e ciências físicas e naturais", medicina, o que lhe dava um certo domínio
em áreas distintas do conhecimento, o autor estava envolvido com vários associações voltadas para o
estudo da história (IHGB, IHGSP, IHGPB, IHGS, Sociedade Acadêmica de Paris), da Geografia (Rio
de Janeiro, Lisboa, Tóquio, Peru) e era sócio fundador do Instituto Varnhagem no Rio de Janeiro. Ver
Guaraná, Armindo. Dicionário... p. 176-178.
364
Guimarães, José Moreira. O que é História? Revista do IHGS, Aracaju, v. 6, n. 10, p. 9-14, 1925.
134
Moreira Guimarães também adiantou as condições de possibilidade dessa espécie de
saber. Afirmou que a "história" não se constitui do exame de todos os fatos. Historiar
é escolher. Mas o historiador precisaria ser justo e imparcial. Não lhe caberia
trabalhar apenas com a psicologia social (revelar a alma dos povos), a fisiologia ou a
anatomia da sociedade, mas com as três abordagens em conjunto. O objeto clássico
da "história" não poderia ser somente o povo e nem tão pouco o governo. A variedade
de condições também se estende às linhas de interpretação dos fatos colhidos. Não se
deveria descrever o passado à luz de histórias individuais, do resultado das batalhas,
dos caminhos da política e da administração. Os historiadores deveriam levar em
conta todos os elementos da formação do povo. No breviário desse autor, a
historiografia se encaminharia, enfim, pelos ditames de uma filosofia da história
universalista expressa através de leis naturais.
135
de "história". Isso pode ser percebido através do enunciado dos próprios títulos:
"esboço histórico", "resumo histórico", "memória", "narração histórica", etc. História
e crônica estavam embebidas do mesmo significado. Correspondente tratamento era
empregado para identificar o agente do conhecimento. Distante do que afirmou
Moreira Guimarães, "historiador" e "cronista" eram utilizados sem distinção. Não há
defesa explícita da "história" como ciência, mas não se duvida do seu papel de
detentora da verdade. E a "verdade" é a realidade dos fatos. Mas o que buscar no
passado?
Como foi mostrado no tópico anterior, o objeto por excelência foi a experiência de
grupos humanos, fossem eles circunscritos a uma atividade profissional ou a um
município específico. Diminuto foi o interesse (pelo menos a efetivação desse
interesse) em resolver questões por caprichos ou manias de erudição (corrigir uma
data, um nome etc.). O "epicurismo intelectual", essa "benigna micrologia" pelas
quais viviam todas as sociedades sábias e respeitáveis,366 não vingou nos textos
historiográficos do IHGS. O objeto preponderante foi o "povo" do lugar. O povo, a
exceção das classes profissionais (médicos, dentistas), geralmente descrito como uma
massa liderada por personalidades da política, chefes da Guarda Nacional, juízes,
grandes proprietários de terra, enfim, os reais mandatários nos períodos da Colônia e
do Império.
366
Ribeiro, João. O Barão do Rio Branco. In: Leão, Múcio (org.). Obras de João Ribeiro... p. 61.
136
Para a maioria dos autores vigorou uma espécie de verdade clássica calcada na
máxima "vale o que está escrito”. E o escrito foi principalmente a documentação
oficial (correspondência, legislação) e a historiografia disponível que tratava do local
(basicamente os textos de Felisbelo Freire, Travassos, e Marco Antônio Souza). Para
Lima Júnior, entretanto, a verdade ganha um sentido moderno já que outros
procedimentos seriam fundamentais: a crítica documental é um exemplo. A
comparação entre manuscritos, legislação e historiografia o levou em muitos textos a
desautorizar Felisbelo Freire e em pelo menos uma ocasião a considerar o (até hoje
desconhecido) professor Joaquim de Oliveira como o maior cronista do século XIX
(período em que atuou o próprio Felisbelo).
Em Lima Júnior o documento único podia ser considerado mas não valeria como
resposta definitiva. Dever-se-ia recorrer, sempre que possível, ao depoimento de
contemporâneos, às fontes conservadas pela “tradição” e até a vivência do próprio
historiador com o acontecimento estudado. Mas a fonte que predominou no conjunto
dos seus textos (e dos demais historiadores) foi também o documento escrito de
caráter oficial. Essa dependência levou os colaboradores da revista a denunciarem o
descaso com as fontes arquivísticas e a depositarem nesse tipo de problema as causas
do profundo desconhecimento sobre o passado sergipano. Essa denúncia foi geral. A
falta de fontes implicava em diminuta produção historiográfica e esta em
desconhecimento sobre as ações de heroísmo, de valor cívico e moral; sobre as
atividades liberais; sobre os homens de saber e arte; sobre a origem das cidades; sobre
a demarcação do espaço territorial do Estado, etc. O próprio Lima Júnior denunciou
aquilo que considerava como os maiores crimes contra a historiografia local: o
empobrecimento dos arquivos públicos pelos incêndios provocados no período de
dominação holandesa, o desleixo dos administradores e os extravios ocorridos ainda
no século XIX durante a transferência da Capital.367
Além da crítica documental ensaiada por Lima Júnior, merece destaque a específica
forma de trabalhar do sócio Oliveira Teles. Para este era importante o exame da
toponímia local, o que tornava necessário o estudo exaustivo da língua dos indígenas.
Nesse sentido, ao conjunto de fontes eram incorporados os trabalhos de Teodoro
Sampaio e qualquer outro interessado nos estudos etnográficos. Aspectos físicos
como o relevo e a hidrografia também eram importantes. Oliveira Teles entendia que
o acesso ao passado, além de mediado pela existência ou não de fontes documentais,
dependia das hipóteses formuladas pelo historiador através do cruzamento de vários
tipos de fonte e das conclusões sobre a geografia do local.
367
Lima Júnior, Francisco Antônio de Carvalho. Memória sobre o Poder Legislativo...p. 74.
137
Sergipe” em preparo. Até hoje não se tem notícias desses manuscritos. O próprio
Instituto, como já afirmei no capítulo anterior, programou-se duas vezes para escrever
uma obra de síntese, propostas que ficaram apenas nas atas da casa.
Apesar da ênfase no testemunho oficial, no uso das Cartas de sesmarias, os textos não
incorporaram muitas transcrições. Em geral procurou-se enunciar o fato referenciando
a fonte. Nesse particular Lima Júnior também deve ser destacado. Seus textos estão
repletos de notas de pé de página, esclarecendo o parágrafo e indicando a fonte. A
sua escrita é clara, concisa e coerente. As informações são dispostas de maneira
equilibrada contendo aqui e ali um resumo, uma conclusão. Esse já não foi o caso de
Vicente Olino que justapôs fragmentos nem sempre ligados por afinidade temática.
Da mesma forma, como já foi comentado, especificamente na contribuição para a
Revista, produzir historiografia para Felisbelo Freire seria ordenar e transcrever
evidências provantes. Outra forma não rara de exposição assemelhou-se à defesa de
uma determinada tese em recinto forense. Esse foi o caso dos textos de Elias
Montalvão.368 Em geral, tratando agora de todos os autores, não se fez uso dos
circunlóquios, da ênfase, do vocabulário rebuscado nos textos historiográficos e isso
marca uma importante diferença entre esses e o produto das conferências proferidas
no Instituto por muitos dos autores aqui analisados.
***
368
O que se explica facilmente dado o texto (Pelo direito e pela história de Sergipe) ser oriundo de uma
conferência.
138
Instituto praticamente estacionou, dependendo das indicações dos seus presidentes e
à espera da colaboração espontânea de um ou outro sócio abnegado pelas questões
científicas. Ou mesmo, deixou correr à margem o produto mais criativo do
pensamento do período e o exemplo marcante desse "desperdício" é a expressiva
literatura de Florentino Menezes.
O grau de generalidade da produção dos intelectuais da casa, voltados para todo tipo
de literatura e a dispersão do seu tempo entre atividades díspares como a clínica, a
magistratura, a política inibiram uma maior especialização em/de determinados
saberes incluindo-se nesses a história. Além disso, freqüentes abalos no movimento
político partidário, os constantes conflitos de cunho eleitoral, e uma série de
movimentos questionadores das práticas oligárquicas durante as décadas de 1910 e
1920 dificultaram o convívio mais duradouro entre alguns intelectuais militantes na
mesma seara do conhecimento. Se observadas as trajetórias de três produtores
importantes, como Felisbelo Freire, João Ribeiro e Carvalho Lima Júnior, será fácil
perceber que nem sempre estiveram no mesmo palanque o que, não raramente,
acabou em rupturas com bastante prejuízo para produção coletiva.
139
maioria seguiu simplesmente uma cronologia estatista sem preocupar-se em
caracterizar fases ou interrelacionar períodos distintos.
369
Dantas, Ibarê. O Tenentismo... p. 28-29; Revolução de 1930... p. 21; Oliva, Terezinha. Impasses do
federalismo... p. 17-26.
140
Conclusão
O resultado desses lugares e interesses foi uma produção dividida entre a atividade
memorialística e historiadora propriamente dita. Cerca de 52% do espaço da Revista
dedicados à atualização do estoque de lembranças do próprio Instituto e do Estado de
141
Sergipe. Com essa função identitária, o IHGS manteve ligação estreita com o Estado,
recebendo subsídios financeiros e garantindo a presidência honorária da Instituição
para todos os governadores. De forma efetiva, colaborou na descoberta, preservação e
rememoração dos eventos fundadores de Sergipe e participou ativamente do
reconhecimento e defesa do território sempre que solicitado. À medida que cumpria
tais tarefas, o IHGS acabou por identificar os maiores problemas da sociedade local,
como: o desprezo dos sucessivos governos do "centro", a falta de solidariedade, a
ignorância e a ausência do espírito de iniciativa. Por fim, as práticas da instituição,
configuradas em suas reuniões semanais e nas páginas da Revista forjaram uma
"sergipanidade" sintetizada na bravura dos soldados e políticos, na visão progressista
de alguns dos governadores do Estado e, sobretudo, na inteligência dos seus laureados
poetas e pensadores.
142
possibilidades da escritura da geografia e da história e do trabalho heurístico em
Sergipe no período 1913/1929. Por outro lado, comparando-se o antes e o depois,
pode-se afirmar que a contribuição da "casa" se assentaria em nível de temáticas
acrescentadas (o local) e dos corretivos aplicados sobre a obra mestra (História de
Sergipe - 1891). Metodologicamente, a historiografia do Instituto significaria um
certo recrudescimento da historiografia varnhageneana em seus aspectos biográficos,
em sua narrativa de cunho político-administrativo (não em relação à questão nacional
"brasileira). O IHGS capitulou nas tentativas de escrever uma história ao modo
cientificista, enquanto Freire ainda tentou fazê-la, pelo menos nos primeiros
capítulos. Todavia, especificamente para o historiador contemporâneo, a grande
contribuição da Revista, em sua primeira fase está justamente no anúncio do projeto
identitário gestado na/para as décadas anos 1910/1920 em relação ao ofício do
historiador e no repositório de fontes (crônicas e historiografia) sobre o período
monárquico e republicano colocados à nossa disposição. E ainda: a demonstração de
que a ausência da crítica, do debate, de reflexão sobre o próprio fazer historiográfico
e a prática do trabalho atomizado não contribui em nada para o fortalecimento da
ciência histórica, apesar de todo avanço nos sistemas de comunicação e informática.
***
Além de ter recuperado as conclusões parciais, espero que a leitura aqui empreendida,
a incorporação de alguns recursos técnicos mais recentes à pesquisa e a
problematização sobre o ponto de vista teórico-metodológico possam ter contribuído
para demonstrar a relevância da história da historiografia tanto para estudo da
construção da memória da ciência histórica (e daí a reflexão sobre a possibilidade de
novas formas de fazer historiografia) quanto para o inventário das identidades
sergipanas (dessacralizando auto-imagens e sugerindo identidades mais próximas de
outros segmentos da sociedade).
143
Fontes370
Periódicos (jornais)
Periódicos (revistas)
370
Aqui estão relacionadas todas as fontes consultadas e utilizadas nesses trabalho. Em relação aos
periódicos, originais manuscritos e impressos, os números entre barras referem-se às datas limites.
144
Legislação, mensagens e relatórios
145
Originais (manuscritos)
Depoimento oral
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146
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