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5 Martins & Freire

Ana Paula Vosne Martins


Maria Martha de Luna Freire
História dos cuidados com a saúde
da mulher e da criança

M ulheres e crianças têm sido consideradas integrantes de um gru-


po homogêneo e indissociável pelas ciências da vida e da medi-
cina. Esta simbiose, criada e reproduzida no interior de saberes cien-
tíficos e de práticas institucionais, se sustenta numa verdade que tam-
bém no senso comum se tornou inquestionável, ganhando o estatuto
de tabu. Afinal, crianças nascem de mulheres e estas são naturalmen-
te dotadas para gestar, parir e cuidar; tal é o teor do mantra da mater-
nidade. Criação histórica e cultural, a homogeneidade e essencialidade
do par mãe-filho, a redução da definição da feminilidade à materni-
dade, bem como a correlata vinculação das mulheres às funções do-
mésticas e aos cuidados com as crianças, estão na origem de campos
de conhecimento e especialidades médicas como a obstetrícia e a pe-
diatria — e sua derivada, a puericultura — e das práticas de assistên-
cia que a partir do final do século XIX e ao longo do século XX foram
ressignificadas como políticas públicas. A partir de então a responsa-
bilização exclusiva das mulheres mães com os cuidados das crianças
passou a ser matéria de interesse, vigilância e intervenção da medici-
na e das políticas de proteção e assistência materno-infantil e da fa-
mília. Esse processo envolveu diferentes agentes como médicos, edu-
cadores, filantropos, mulheres ligadas a obras de caridade e a correntes
feministas maternalistas, religiosos, profissionais liberais e agentes
públicos que exerceram funções políticas e administrativas nos ór-
gãos estatais voltados para a política de cuidados.
Neste capítulo analisamos o processo histórico de problemati-
zação, significação, intervenção e politização da saúde das mulheres
e das crianças no Brasil. Os cuidados com o corpo, as práticas populares
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História dos cuidados com a saúde da mulher e da criança 183

e médicas sobre saúde e doenças, bem como a crescente intervenção


médica nas práticas maternas desde finais do século XIX passaram a
ser temas investigados pela história das mulheres. Na primeira parte
do capítulo apresentamos um estado da arte da história da saúde das
mulheres e da maternidade e de suas vinculações teóricas. Na sequên-
cia trazemos para a análise a configuração do campo dos cuidados
médicos e assistenciais com a infância e seu vínculo inquebrantável
com a maternidade, enfocando particularmente a atuação dos médi-
cos pediatras brasileiros e a organização da filantropia médica. Como
desdobramento dessa experiência clínica e assistencial os cuidados
com a saúde e a assistência social às mulheres mães e às crianças
passaram paulatinamente para a esfera das políticas públicas. Na últi-
ma parte do capítulo discutimos a organização das estruturas políti-
co-administrativas voltadas para a saúde materno-infantil no Brasil a
partir das décadas de 1930 e 1940, bem como as permanências e os
enfrentamentos políticos na organização da assistência a saúde das
mulheres no contexto da transição democrática.

Cuidados com a saúde das mulheres e das crianças:


a delimitação de um problema de investigação
histórica no Brasil

Estudos históricos sobre os cuidados com a saúde das mulhe-


res e das crianças começaram a ser desenvolvidos no Brasil a partir da
década de 1980. Fortemente influenciados pelas reflexões e publica-
ções de Michel Foucault — particularmente os seus trabalhos da dé-
cada de 1970 sobre a sociedade disciplinar, o dispositivo da sexualida-
de e os aparatos discursivos e institucionais do biopoder — estes
primeiros estudos procuraram compreender a constituição de saberes,
práticas e a institucionalização dos corpos e das condutas nos marcos
da transição de uma sociedade colonial para uma sociedade disciplinar.
O livro de Jurandir Freire Costa (1979) tornou-se uma referência para
tantos outros trabalhos produzidos no Brasil na década subsequente,
particularmente os estudos sobre a medicalização da sociedade.
O encontro entre a genealogia foucaultiana e a história das mulhe-
res resultou numa produção que procurou compreender o processo de
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definição e contenção das mulheres nos marcos da família burguesa


e medicalizada a partir da valorização da maternidade e da higieniza-
ção da sexualidade (Rago, 1985; Esteves, 1989; Engel, 1989). Estes
trabalhos contribuíram para a compreensão dos mecanismos de na-
turalização das mulheres, mas igualmente iluminaram micror-
resistências de feministas, anarquistas, escritoras e das práticas cultu-
rais de pessoas comuns no seu enfrentamento com os poderes
instituídos (Soihet, 1989).
Destaca-se neste conjunto de investigações o tratamento dado
à amplitude dos saberes médicos sobre o corpo feminino, a sexualida-
de e a definição normalizada de uma feminilidade adstrita à reprodu-
ção e à maternidade, bem como seu avesso, a antifeminilidade da
esterilidade, da loucura e do sexo patológico. A partir da década de
1980 afinou-se a metodologia de análise dos discursos médicos e para
tanto foi interpelada uma documentação bastante homogênea como
as teses médicas do século XIX e começos do século XX produzidas
nas faculdades de medicina brasileiras, os relatórios, as memórias, os
diversos tipos de documentos oficiais elaborados pelos médicos, obras
ensaísticas e mesmo ficcionais, além da documentação hospitalar, esta
mais reduzida. Um dos trabalhos pioneiros com esse tipo de proble-
matização do discurso médico sobre o corpo feminino é a dissertação
de mestrado de Silvia Alexim Nunes (1982). Seu trabalho é resultado
da análise de cento e dez teses de medicina, além de outros textos
médicos escritos sobre a natureza feminina e seu limiar patológico,
abrangendo a higiene, a psiquiatria e a medicina legal para pensar o
que então passou a ser chamado de medicalização da mulher e do
corpo feminino.
Esta produção abriu espaço na historiografia brasileira para a
problematização dos processos de naturalização e de como a sexuali-
dade, particularmente a feminina, foi constituída como objeto de co-
nhecimento e verdade sobre a diferença sexual. Estudos sobre doen-
ças femininas, maternidade, práticas populares relacionadas à cura
daquelas doenças e de atendimento ao parto, cuidados com as crian-
ças, enfrentamentos entre a cultura popular e os saberes femininos
sobre doenças e curas com o saber médico, bem como sobre a consti-
tuição das especialidades médicas como a obstetrícia, a ginecologia e
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a pediatria, são alguns dos muitos temas estudados pela historiografia


das décadas de 1990 e dos anos 2000. A influência de Michel Foucault
ainda é notável, mas outros marcos teóricos começaram a ser articu-
lados nas análises, como a presença mais marcante da produção teó-
rica feminista francesa e norte-americana; as contribuições de Pierre
Bourdieu a respeito do poder simbólico e da dominação masculina; a
história das mentalidades; a história social das mulheres e principal-
mente a problematização do gênero como categoria de análise (Del
Priore, 1993; Mott, 1998; Barreto, 2000; Rohden, 2001; Marques,
2003; Martins, 2004; Freire, 2006).
A partir de então outros temas começaram a ser articulados
pelas(os) historiadoras(es) brasileiras(os) como desdobramentos das
análises anteriores sobre a medicalização do corpo feminino. Um des-
ses temas é a história da maternidade e dos cuidados com a saúde das
mulheres e das crianças.
A história da maternidade é um domínio relativamente recen-
te que tem produzido vários trabalhos individuais e coletivos na Eu-
ropa e no continente americano, especialmente nos Estados Unidos.
As abordagens são bastante diversificadas, como a história social, a
história cultural, a história política e também o recorte cronológico,
com estudos que se inserem na longa duração e outros de recorte
mais contemporâneo e conjuntural. Uma das pioneiras da história da
maternidade é Yvonne Knibiehler, cujo livro escrito em colaboração
com Catherine Fouquet (1997) é um estudo da maternidade e das
mães na longa duração. Kniebiehler também escreveu outros livros
sobre as mulheres e sobre a maternidade nos séculos XIX e XX. Sua
análise é sobre as construções ideológicas e também sobre a história
social da maternidade, investigando as transformações institucionais,
políticas e culturais referentes ao tema. Boa parte do livro que publi-
cou em 2000 é dedicada à transição do parto doméstico para o hospi-
talar na Europa e nos Estados Unidos, processo que a autora deno-
mina de revolução materna, seja pela atuação do Estado mediante
políticas natalistas, seja pelo domínio das ciências biomédicas que
transformou a experiência da maternidade para as populações fe-
mininas dos grandes centros urbanos entre as duas grandes guerras
(Knibiehler, 2000).
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A medicalização da maternidade entre o século XIX e o século


XX foi analisada pela historiadora Françoise Thébaud (1986). Seu
livro recorre aos relatos de mães, às políticas públicas, aos discursos
médicos e à organização das maternidades na França no período
entreguerras. Trata-se de uma análise bem equilibrada entre os fato-
res políticos, ideológicos e científicos, apontando para a diversidade
das experiências da maternidade e também por romper com a ima-
gem passiva das mulheres ante a medicalização e a institucionalização
da maternidade.
Outro tema bastante desenvolvido são as políticas públicas e
sociais de proteção à maternidade e sua relação com o nacionalismo,
o fascismo e a emergência dos Estados do Bem-Estar Social. São
estudos que tratam da relação entre a maternidade, a política e as
ideologias, bem como do lugar da maternidade na história do fe-
minismo.1
De maneira geral pode-se dizer que a produção historiográfica
internacional das décadas de 1980 e 1990 enfocou privilegiadamente
as relações entre a maternidade e as políticas de proteção dos Estados
de Bem-Estar Social. São relativamente escassos os trabalhos nos
quais se tem acesso às mães, especialmente às suas próprias expe-
riências, mesmo que relativamente às políticas protecionistas (Ladd-
-Taylor, 1986).
As experiências da maternidade são de uma forma ou de outra
tratadas pela história oral das mulheres, mas geralmente elas acabam
por constituir um tópico ou um momento da vida das mulheres entre-
vistadas e não constituem o objetivo das pesquisas. Alguns trabalhos,
contudo, têm dado mais atenção às experiências da maternidade, como
os de Elizabeth Roberts (1995), Angela Davis (2006) e David Ransel

1 Gisela Bock & Pat Thane (eds.). Maternidad y políticas de género. La mujer en los
estados de bienestar europeos, 1880-1950. Valença: Ediciones Cátedra, 1996; Linda Gordon.
Women, the State and Welfare. Madison: The University of Wisconsin Press, 1990 e Pitied but
not entitled: single mothers and the History of Welfare. Nova York: Free Press, 1994; Seth Koven
& Sonya Michel (eds.). Mothers of a New World. Maternalist politics and the origins of welfare
states. 1890-1945. Londres: Routledge, 1993; Molly Ladd-Taylor. Mother, work, women,
child welfare and the state. 1890-1930. Champaign: University of Illinois Press, 1993; Theda
Skopcol. Protecting soldiers and mothers. The political origins of social policy in the United States.
Cambridge: Harvard University Press, 1992.
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(2005). São estudos que procuram compreender as relações entre o


plano mais macroestrutural das ideologias e instituições com o plano
multifacetado da vida e do cotidiano das mulheres, abordando temas
como contracepção, gravidez, parto, métodos de criação de filhos, prá-
ticas culturais cotidianas com o cuidado do corpo, saúde e doenças,
bem como as representações das mulheres sobre a maternidade.
No Brasil a história da maternidade vem resultando em traba-
lhos muito promissores. O primeiro trabalho a abordar a maternidade
foi da historiadora Mary Del Priore, mas começaram a surgir já na
década de 1990 outras publicações que têm abordado os saberes e as
práticas sociais relativas ao parto, à maternidade e às profissões das
parteiras e enfermeiras, bem como o maternalismo no Brasil. São es-
tudos mais recentes que procuram entender as múltiplas experiências
da maternidade e dos cuidados, abordando temas como políticas pú-
blicas materno-infantis (Martins, 2010 e 2011); práticas e institui-
ções benemerentes (Mott, Byington & Alves, 2005; Martins, 2005c)
e os discursos e práticas de assistência médica à maternidade e à in-
fância (Freire, 2006).

O elo inquebrantável: mãe e filho

Existe um consenso historiográfico quanto ao crescente inves-


timento em ações de proteção e cuidado ao chamado “binômio mãe-
-filho” em todo o mundo ocidental, notadamente a partir de meados
do século XIX. A prioridade concedida a esse grupo social é objeto de
análises realizadas sob perspectivas diversas, incrementadas, sobretu-
do na década de 1970, na esteira do florescimento do campo da His-
tória das mulheres (Bock, 1991; Apple, 1987, 1996; Marques, 2001).
Ainda que reconhecendo a complexidade e força desse fenô-
meno, a historiografia especializada diverge quanto ao grau de im-
pacto dos diferentes elementos que teriam contribuído para a for-
matação da assistência à saúde de mulheres e crianças sob a matriz da
unidade indissociável mãe-filho. No cenário europeu a historiografia
apostou na força — real ou simbólica — do medo do despovoamento
para explicar o incentivo à natalidade e à recondução das mulheres à
sua função “natural” de mães, ocorrido, sobretudo, após a Primeira
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Guerra Mundial (Cova, 1997, 2004; Roberts, 1994; Thébaud, 1986;


Fuchs, 1995).
Dentre as vozes dissonantes à interpretação hegemônica que
associa o discurso pronatalista à obsessão demográfica, Rollet-Echalier
(1990) situa o despovoamento mais como mito do que realidade. Re-
conhece, entretanto, sua eficácia na adoção de numerosas medidas
de proteção a mães e filhos pelo Estado e pelos reformadores sociais.
A análise de Cole (1996) vai mais além, assegurando que no contexto
francês o incentivo à natalidade foi anterior à queda do número de
nascimentos. Para o autor, tratava-se de uma estratégia da sociedade
que refletiu e ao mesmo tempo capitalizou a resistência ao trabalho
feminino fora de casa.
Ocaña & Perdiguero (2006) apontam fenômeno semelhante
de “alarme demográfico” na Espanha do pós-guerra, o que teria con-
tribuído para a ampliação do campo de intervenção médica no país.
Na Inglaterra, o movimento pronatalista não teve a mesma força. A
tradição de saúde pública manteve nas mãos de organizações civis a
execução de novas formas de assistência ao grupo materno-infantil
como as visitas domiciliares, os centros de proteção infantil e as esco-
las para mães (Thane, 1991).
A priorização de ações de assistência à dupla mãe-filho foi tam-
bém associada ao maternalismo,2 movimento de caráter mundial que
preconizava a ascendência do papel de mãe para todas as mulheres, e
que ganhou renovado impulso nas primeiras décadas do século XX
(Roberts, 1994; Thébaud, 1986; Fuchs 1995). O tema integrou igual-
mente a pauta de reflexões teóricas e reivindicações práticas de grande
parte dos movimentos feministas na virada do século. Em sua análise
do Estado de Bem-Estar europeu, Bock (1991) atribuiu ao “feminis-
mo maternalista” — e o pressuposto da maternidade como condição
unificadora do sexo feminino — impacto considerável no surgimento
de leis e iniciativas de proteção social a mães e filhos.
A medicina participou desse processo de valorização e res-
significação da maternidade mediante o desenvolvimento e aplica-
ção de novos conhecimentos e tecnologias. Os florescentes campos
2 Uma discussão profunda e abrangente a respeito do maternalismo encontra-se em
Larsen (1996).
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da higiene e da eugenia fundamentaram o estabelecimento da pueri-


cultura3 como conjunto específico de saberes e área especializada de
atuação médica. Estabeleceu-se assim uma relação de aliança entre
médicos e mulheres em torno da conformação da maternidade cientí-
fica,4 com consequências transformadoras para ambos.5 (Freire, 2006).
Na América Latina as preocupações econômicas e populacio-
nais aparentemente não tiveram tanto peso no desenvolvimento das
ações assistenciais. Para Birn (2002, 2006), prevaleceu uma conjun-
ção de fatores morais e culturais, como a predisposição histórica à
proteção de mães e filhos, além de peculiaridades regionais do movi-
mento feminista latino-americano. A autora destaca o pioneirismo
do Uruguai, cujo modelo de bem-estar tornou-se exemplar não apenas
no continente, mas influenciou a agenda internacional nesse campo.
O viés demográfico também não foi o principal fator responsá-
vel pelas ações assistenciais implantadas no Brasil, mas a precária
condição sanitária, que, aliada ao clima tropical e à miscigenação da
raça, conformava a tríade explicativa hegemônica para a presumida
inviabilidade do país (Oliveira, 1990). A identificação da saúde como
problema e ao mesmo tempo solução para a “questão nacional” de-
sencadeou, sobretudo após a instauração da República, o desenvolvi-
mento de um projeto reformador de cunho higienista, capitaneado
pelas elites. O projeto de modernização “pelo alto” ganharia maior
força a partir da década de 1910, com a organização do movimento
sanitarista (Castro Santos, 1985; Hochman, 1998).

3 A puericultura pode ser definida como a parte das ciências médicas que visa à
manutenção da saúde física e emocional das crianças, acompanhando seu crescimento e
desenvolvimento. Diferentemente da pediatria, voltada para o corpo infantil doente, a
puericultura se dirige ao corpo social, dialogando em particular com as mães visando transfor-
mar comportamentos e atitudes em relação à criação dos filhos.
4 Apple (1987) definiu maternidade científica como o exercício da maternidade
fundamentado em bases científicas, objeto de práticas educativas próprias e supervisionado
por médicos.
5 Donzelot (1986) identificou, de forma pioneira, o estabelecimento de uma “aliança
privilegiada” entre os médicos e as famílias francesas ao final do século XVIII, considerando-a
elemento fundamental no enfraquecimento da autoridade paterna e na sustentação das princi-
pais correntes feministas do século XIX. Atualizando a observação de Donzelot, Rima Apple
(1995) demonstrou o crescente estabelecimento de afinidade de interesses entre mulheres e
médicos nos Estados Unidos nas primeiras décadas do século XX, especialmente no campo da
alimentação infantil.
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Tomando a modernidade como norte e a ciência como ferra-


menta de autoridade, as elites republicanas engajaram-se numa ver-
dadeira “luta contra o passado” (Oliveira, 1990; Sevcenko, 1999). Tra-
tava-se, sobretudo, de apagar as marcas de uma herança de atraso e
tradição, e substituí-la por padrões europeus de civilização, com vistas
a um futuro de ordem e progresso.
No cenário impregnado pelo ideário higienista, o “problema da
infância”, representado principalmente pela elevada mortalidade in-
fantil — supostamente resultante da falta de cuidados adequados com
as crianças — associou-se ao “problema da mulher” — decorrente da
alegada deterioração do comportamento feminino — como alvo
prioritário da proposta reformadora. As estratégias de enfrentamento
da questão não se reduziriam a ações de assistência materno-infantil,
mas também iniciativas de educação das mulheres mães visando a
criação adequada de seus filhos.
Uma das respostas da Higiene no combate ao “fantasma” da
doença foi a reorientação do papel maternal feminino. Graham (1992)
oferece uma interpretação convincente sobre o assunto. Para a auto-
ra, o desequilíbrio na dinâmica familiar provocado por mudanças nas
relações entre escravos e patrões após a abolição — em especial quando
as amas de leite saíram do ambiente supostamente protegido das ca-
sas senhoriais —, e a constatação da conexão entre as doenças e os
cortiços foram os fatores desencadeantes de uma situação de alarme
social. A ameaça de contágio por meio das amas teria fragilizado o
domínio patriarcal do espaço privado, facilitando a penetração do poder
público e a entrada de propostas médicas saneadoras no território do-
méstico. Embaralhavam-se assim as fronteiras entre a casa e a rua, o
público e o privado, refletindo a revolução cultural em curso.
Os higienistas presumiam que a reprovação aos serviços pres-
tados pelas amas pretas6 e os esforços para a recondução das mulhe-
res à função maternal, sobretudo à prática da amamentação, resolve-
riam, ao menos em parte, a questão sanitária que manchava o cenário

6 Essas amas de leite, geralmente ex-escravas, mantiveram-se em atividade nas casas


das famílias mais ricas do Rio de Janeiro até pelo menos a década de 1930. Eram elas também
que davam sustentação a instituições que acolhiam crianças órfãs ou abandonadas, como as
Rodas dos Expostos (Venâncio, 1999).
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brasileiro nos primórdios do século XX. Contribuiriam ainda para fa-


cilitar a ruptura com comportamentos e costumes vinculados ao pas-
sado colonial, em especial àa cultura escravista, e para o processo de
reformulação das relações sociais, também de gênero, mais compatí-
veis com os novos tempos republicanos. A crescente valorização da
ciência que atingiu seu apogeu na década de 1920 — e em particular
a penetração da eugenia —, garantiu ferramentas de autoridade a mé-
dicos e higienistas em sua cruzada civilizatória e fundamentou uma
redefinição da maternidade em novas bases, científicas.
Num momento histórico em que a questão nacional habitava
o centro do debate público, a maternidade foi traduzida como a ges-
tação da própria nação brasileira, o que forneceu maior força argu-
mentativa ao discurso médico. A higienização da maternidade e da
infância poderia, assim, representar a higienização da sociedade bra-
sileira como um todo e a possibilidade de materialização das transfor-
mações sociais e políticas necessárias à efetiva republicanização do
país. De outro lado, a ideia de valorização da maternidade recebeu a
adesão de mulheres das classes média e alta urbanas e de militantes
dos movimentos feministas, que enxergavam, de um lado, seu senti-
do patriótico, e de outro, seu potencial na emancipação do gênero
(Freire, 2009).7

A redescoberta da infância e a filantropia médica

Levar os bebês a consultas médicas periódicas quando eles são


pesados e examinados, administrar-lhes vacinas e vitaminas, medir a
temperatura corporal com termômetros, estimular o intelecto das
crianças por meio de jogos e brincadeiras, são práticas corriqueiras no
cotidiano atual de mães e famílias dos principais centros urbanos
brasileiros. Tais práticas foram de tal modo incorporadas por esses
grupos sociais, que na maioria das vezes não se preocupam em

7 Para Besse (1999), a reestruturação da ideologia de gênero, modelada pela exaltação


à maternidade científica, não passou de mera modernização de antigas desigualdades, mantendo-
-se inalterado o padrão de dominação masculina. Embora a autora reconheça a aderência e
contribuição dos movimentos feministas a esse processo, minimiza seu potencial transformador
para a condição feminina.
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questionar suas origens ou criticar sua pretensa adequação às suas


necessidades percebidas.
Aos olhos contemporâneos, o exercício da maternidade cientí-
fica parece ser uma evolução natural dos cuidados que supostamente
devem ser oferecidos às crianças num contexto de civilização e
modernidade. Porém, mais que isso, foi a resultante de novas concep-
ções sobre o próprio valor da infância e a maneira mais adequada de
protegê-la. Concepções subordinadas ao mesmo tempo ao contexto
social e ao discurso intelectual não apenas sobre a criança, mas tam-
bém sobre a mulher e a família.
Em sua obra clássica — História social da criança e da família
—, Philippe Ariès (1981) recorreu a elementos iconográficos para
identificar a “descoberta da infância” na Europa entre os séculos XVII
e XVIII. O novo sentimento em relação à criança e suas especi-
ficidades despertou preocupação com sua formação e gerou as pri-
meiras iniciativas de proteção, fortalecendo ainda a ideia de família
conjugal (Gélis, 1998). O corpo infantil, revalorizado, tornou-se alvo
de atenção, cuidados e mimos. A partir da segunda metade do século
XIX, o cuidado com a saúde infantil se transformaria em objeto privi-
legiado do campo da Medicina em todo o mundo ocidental (Rollet-
Echalier, 1990; De Luca, 2005).
No Brasil, o movimento de proteção à infância estava em
sintonia com as peculiaridades do cenário econômico, político e social.
Assim, no que se refere ao período colonial e escravista a criança foi
abordada pela historiografia especializada prioritariamente sob a ótica
do abandono, da ilegitimidade, da violência e do infanticídio (Marcílio,
2006; Venâncio, 1999) Ainda que coubesse às câmaras municipais a
responsabilidade pelo amparo à infância desvalida, essa tarefa foi as-
sumida em grande parte pela sociedade civil, sobretudo por meio da
adoção informal, gerando os chamados “filhos de criação”. A inter-
venção gradativa do Estado delineou o esboço de uma rede institu-
cional de assistência à infância, composta essencialmente por es-
tabelecimentos privados, de origem caritativa, mas que recebiam
subvenção pública (Ferreira & Freire, 2011).
Exemplos desses arranjos assistenciais foram os Recolhimentos
para Meninas Pobres e os Colégios de Órfãos. O modelo de instituição
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mais emblemático do período, contudo, foi a Roda dos Expostos.


Tratava-se de um dispositivo cilíndrico normalmente instalado nas
portas de hospitais, com um recipiente cuja abertura era voltada para
a rua e que, ao ser girado em torno do seu eixo, era direcionado para o
interior do estabelecimento. Esse mecanismo permitia que aí fos-
sem depositadas crianças enjeitadas sem que a identidade do depo-
sitante fosse revelada. Surgido na Idade Média na Itália, com o ob-
jetivo de acolher crianças órfãs ou abandonadas, o dispositivo da Roda
foi rapidamente reproduzido em toda a Europa. A primeira Roda —
também conhecida como Casa da Roda, Casa dos Expostos ou Roda
dos Expostos — em território brasileiro data de 1726, na cidade de
Salvador, Bahia. Chegaria ao Rio de Janeiro em 1738, por iniciati-
va do comerciante português Romão de Matos Duarte, e alojada nas
dependências da Santa Casa de Misericórdia. Equipamentos seme-
lhantes foram instalados em várias cidades brasileiras durante o sécu-
lo XIX,8 e algumas delas mantiveram-se em funcionamento até me-
ados do século seguinte (Civiletti, 1991; Venâncio, 1999).
A Roda é exemplar do modelo de base caritativa que caracteri-
zou, segundo a grade conceitual analítica proposta por Marcílio
(2006),9 a assistência à infância no Brasil até meados do século XIX.
Inspiradas por sentimentos piedosos, essas instituições visavam, so-
bretudo, impedir ou ao menos reduzir práticas que violassem os prin-
cípios da moral cristã, como o aborto e o infanticídio. A realização do
batismo imediatamente após a admissão revelava a prioridade conce-
dida ao “futuro espiritual” dos enjeitados (Venâncio, op. cit.). Não
havia uma preocupação específica em relação à saúde dessas crianças,
nem tampouco com a aplicação dos princípios da higiene ou da pe-
dagogia, já então socialmente reconhecidos (Gondra, 2004; Ferreira
& Freire, 2005). A historiografia especializada revela que a mortalida-
de entre os expostos era elevadíssima, fazendo que a entrada no cir-
cuito da Roda representasse praticamente uma condenação à morte.

8 Foram elas: Salvador, Rio de Janeiro, Recife, São Paulo, Porto Alegre, Rio Grande,
Pelotas, Desterro, Campos, Cuiabá, Vitória, Cachoeira, Olinda, São João del-Rei e São
Luís.
9 Marcílio (2006) dividiu conceitualmente a história da institucionalização da assistên-
cia à infância no Brasil em três fases: caritativa, filantrópica e de bem-estar social.
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Outro tipo de “abandono” de crianças era o caso dos filhos de


mulheres operárias, que eram deixados em casa com os irmãos ou
vizinhas. Para resolver esse problema, muito frequente ao final do
século XIX, os médicos defendiam a criação de creches. Esses esta-
belecimentos, de caráter beneficente, se destinariam a acolher crian-
ças de até dois anos cujas mães fossem reconhecidamente pobres e
de boa conduta, durante seu horário de trabalho (Civiletti, 1991). Sua
clientela potencial seriam as escravas libertas que se empregavam como
amas; ou seja, o mesmo público que alimentava a Roda. As creches
só seriam efetivamente instaladas no período republicano, como es-
tratégia para reduzir os danos sobre a prole supostamente causados
pela inserção das mulheres no trabalho fora de casa, sobretudo nos
setores de indústria e serviços (Vieira, 1988).
A crítica ao modo de funcionamento de instituições caritativas
como a Roda, em particular às suas condições sanitárias, caracterizou
a fase seguinte da assistência à infância, que se estenderia até meados
do século XX (Marcílio, 2006). Essa fase distinguiu-se pela proposição
de práticas assistenciais baseadas nos princípios da higiene, realizadas
em novas instituições, de base filantrópica, e sob crescente orientação
e controle do Estado. A combinação desses três elementos — ciência,
filantropia e intervenção pública —, adotada no terreno da assistência
como um todo, se consolidaria como protótipo da rede de cuidado ma-
terno-infantil e políticas públicas desenvolvidas no país a partir de 1930.
Teve destaque nesse período o papel dos médicos higienistas,
que se mobilizaram na criação de novos estabelecimentos de assis-
tência, de caráter filantrópico, onde a saúde das crianças ocuparia lu-
gar central.10 Inspirados pelo ideário nacionalista, e sintonizados com
as discussões que dominavam os fóruns acadêmicos nacionais e in-
ternacionais (Birn, 2002, 2006; Guy, 1998), esses médicos empreen-
deram um amplo e diversificado conjunto de ações visando o comba-
te à mortalidade infantil. Convencidos de que a principal causa de
morte das crianças eram os transtornos decorrentes da precariedade e
erros na alimentação, os médicos higienistas dirigiram suas críticas

10 Médicos e higienistas participaram também da construção do aparato jurídico


institucional voltado para a delinquência infantojuvenil, como a criação, em 1923, do Juizado
dos Menores do Rio de Janeiro e, em 1927, do Primeiro Código de Menores.
História dos cuidados com a saúde da mulher e da criança 195

prioritariamente às amas de leite (ou criadeiras, como eram chamadas


as nutrizes mercenárias que prestavam serviço nos asilos e recolhi-
mentos). Além de medidas como a higienização e controle das amas,
eles propunham a utilização de leite de origem animal de procedên-
cia idônea, e adequadamente esterilizado. Porém essas medidas não
seriam suficientes para resolver tão grave questão.
Os médicos se empenhariam também em campanhas visando
a educação das mulheres para o exercício cientificamente informado
da maternidade, especialmente os cuidados com a alimentação e o as-
seio dos filhos. A imprensa periódica e, mais tarde, as revistas femininas
foram aliadas fundamentais no processo de vulgarização dos princípios
da puericultura entre as mulheres das camadas média e alta urbanas
(Freire, 2009). Eles reivindicavam ainda a participação efetiva do Estado
no processo mais amplo de transformação cultural dos cuidados com a
infância, sobretudo nas famílias das camadas populares, e nas práticas
de instituições escolares, asilares e correcionais, as quais consideravam
bárbaras e “pré-científicas”. Finalmente, além de viabilizar ações mo-
dernas de assistência, as novas instituições contribuiriam também para
fixar a pediatria e a puericultura como áreas médicas especializadas
na saúde da infância (embora com distinções entre si, já apontadas).
Dentre os médicos filantropos, há que se ressaltar o Dr. Artur
Moncorvo Filho (1871-1944), o qual formulou um modelo ideológico
e institucional de assistência à infância exemplar no que se refere à per-
cepção dos médicos da época sobre a criança e a maneira mais adequa-
da de protegê-la.11 Suas ideias foram materializadas no Instituto de
Proteção e Assistência à Infância (Ipai), criado por ele no Rio de Janei-
ro em 1899. Com instalações e objetivos igualmente ambiciosos, o Ipai
pode ser considerado um marco na renovação institucional da proteção
à infância, tanto no estabelecimento de uma nova consciência social
em relação às crianças quanto no deslocamento do âmbito tradicional
da caridade para o da prática filantrópica de fundamentação científica.12
11 Seu pai, Carlos Artur Moncorvo de Figueiredo (1846-1901) foi um dos fundadores
da Policlínica Geral do Rio de Janeiro, onde instalou e dirigiu a primeira Clínica de Crianças do
país, e estabeleceu, em 1881, um curso pioneiro de pediatria (Carneiro, 2000).
12 Para maiores informações sobre Moncorvo Filho e o Ipai, conferir: Wadsworth,
1999; Marko, 2004; Freire & Leony, 2011. Sobre os aspectos arquitetônicos do Instituto, ver
o verbete específico em Porto, 2008.
196 Martins & Freire

Moncorvo Filho usava a Roda dos Expostos como contraexem-


plo em sua argumentação por uma maneira científica de cuidar das
crianças. Caracterizava as instituições asilares tradicionais como bárbaras
e retrógradas, verdadeiros matadouros de inocentes que perpetuavam
a atitude de abandono. Propunha, ao contrário, em seu Instituto, a
aplicação das regras de higiene e cuidados médicos preconizados pelos
expoentes da pediatria mundial, com auxílio das mais modernas tec-
nologias, por pessoal qualificado e em edificações erguidas segundo os
novos padrões arquitetônicos. Seguindo o modelo das Gouttes de Lait13
francesas, preconizava uma atuação firmada no tripé consulta + distri-
buição de leite + conselho, com especial ênfase nas ações de pedagogia
materna. Assim como outros médicos filantropos, Moncorvo atribuía
à puericultura uma função social primordial, pois além de proteger a
vida das crianças, servia à causa da Pátria (Moncorvo Filho, 1914).

Visita da Sr.a Darcy Vargas ao Dispensário Moncorvo Filho. Acervo Casa de Oswaldo Cruz/
Fiocruz (doado por Ana Lúcia Moncorvo de Mattos).

13 As Gouttes de Lait (Gotas de Leite) foram criadas pelo Dr. Léon Dufour em 1894,
na Normandia, com o objetivo de fornecer leite esterilizado e de boa qualidade às crianças
pobres. As consultas de lactentes realizadas na Goutte de Lait de Belleville pelo obstetra Pierre
Budin ganharam enorme fama e foram rapidamente espalhadas pelo território francês pelas
mãos do Dr. Gaston Variot (Rothschild, 1902).
História dos cuidados com a saúde da mulher e da criança 197

O Ipai acabou por transformar-se em referência para uma ampla


rede de instituições congêneres, criadas depois no país.14 Foi também
o alicerce do Departamento da Criança, órgão criado por Moncorvo
Filho em 1919 com a objetivo de centralizar informações sobre a
situação da infância brasileira, e que funcionou como base para o De-
partamento Nacional da Criança, criado em 1940 no Governo Vargas.
Os médicos reconheciam as limitações de suas ações filantró-
picas, reivindicando a participação mais ativa do poder público. No
1.o Congresso Nacional dos Práticos, realizado em 1922 no Rio de
Janeiro, como parte da comemoração do centenário da Independên-
cia, Moncorvo Filho conclamou o Estado a assumir a tarefa de co-
ordenação e organização da assistência pública. Em sua concepção,
deveria haver um sistema de assistência de âmbito nacional que in-
corporasse todas as instituições filantrópicas do país, em acordo com
os estados e as municipalidades. Essas instituições seriam ampliadas,
reformadas e aparelhadas e mantidas sob uma administração centra-
lizada e patrimônio único, de forma que melhorasse sua eficácia
(Moncorvo Filho, 1922). Moncorvo insistia em que a infância pobre
e desamparada fosse o alvo privilegiado da assistência pública, que
concentraria também informações relevantes e variadas a respeito
tanto das entidades como das crianças asiladas. Seus esforços lhe va-
leram o reconhecimento como um dos precursores das políticas de
proteção à infância no Brasil.
Embora o mais influente, o Ipai não foi o único modelo insti-
tucional de assistência infantil existente no país nas primeiras décadas
do século XX. A Liga Baiana contra a Mortalidade Infantil (LBCMI),
criada em 1923, em Salvador, sob a liderança do médico Joaquim
Martagão Gesteira, representou outra iniciativa importante.15 Em vez

14 Vinte anos após a criação da matriz carioca, já havia filiais do Ipai em dezessete
estados brasileiros; em 1929 o número de filiais chegou a vinte e dois, e metade dessas dispunham
de creche (Kuhlman Jr., 1991).
15 Embora a cidade baiana dispusesse desde 1903 de uma filial do Ipai (Ferreira &
Freire, 2011) — onde Martagão Gesteira atuou como chefe do Serviço Clínico —, a LBCMI
distinguiu-se por privilegiar ações de base curativa sobre as preventivas. Além disso, como
Martagão Gesteira ocupava à época o cargo de inspetor de Higiene Infantil na Bahia, a
vinculação entre a LBCMI e os órgãos públicos de assistência possivelmente ampliou seu
poder político e alcance social (Ribeiro, 2011).
198 Martins & Freire

de inventar uma nova instituição, a Liga promoveu uma transforma-


ção radical nas práticas assistenciais do Asilo Nossa Senhora da Mi-
sericórdia, entidade que substituiu a Roda dos Expostos anteriormente
localizada no Hospital Santa Isabel. A extinção do sistema da Roda,
do uso de amas de leite externas, melhorias nas condições sanitárias e
alimentares, foram algumas das medidas aplicadas pela Liga nessa
instituição durante a segunda metade da década de 1920. Em 1930 o
Asilo foi associado à Faculdade de Medicina da Bahia e tornou-se
campo de prática e ensino de Clínica Pediátrica. As ações da LBCMI
tinham como base os coeficientes de mortalidade infantil e seu pro-
grama puericultor englobava ações de assistência, campanhas sanitá-
rias e educação maternal.

Sala de espera de um dos postos de atendimento às mães e às crianças mantidos pelo Depar-
tamento da Criança da Bahia, criado em 1935. Acervo da Liga Baiana Contra a Mortalidade
Infantil/Memorial Álvaro Bahia/Hospital Martagão Gesteira.
História dos cuidados com a saúde da mulher e da criança 199

Sala de espera de um Posto de Puericultura em Salvador na década de 1930. Acervo da Liga


Baiana Contra a Mortalidade Infantil/Memorial Álvaro Bahia/Hospital Martagão Gesteira.

A puericultura acionava dispositivos da chamada eugenia posi-


tiva, que, fundamentada na teoria neolamarckista, afirmava a possibili-
dade de modificações de caracteres hereditários por meio de estímulos
externos, o que animava a comunidade médica e justificava o investi-
mento das instituições assistenciais em medidas higiênico-educativas.
Como assinalado por Stepan (2004), a eugenia brasileira surgiu tanto
como resposta à questão social e à situação racial, uma dimensão do
entusiasmo pela ciência como signo de modernidade, e uma possibi-
lidade de regeneração nacional e de inserção do país no cenário inter-
nacional.16 A identificação da eugenia com as ciências sanitárias trans-
formou-a quase em um ramo da higiene, gerando a máxima: “sanear
é eugenizar”. No entanto em São Paulo,17 conforme Mota & Schraiber

16 Seguindo a influência francesa, o Brasil rejeitou o determinismo genético da


corrente mendeliana de eugenia, e aderiu aos pressupostos de Lamarck (1744-1829) sobre a
herança das características adquiridas, conferindo uma dimensão otimista, positiva, à eugenia.
17 São Paulo sediou a criação da primeira Sociedade Eugênica no Brasil, por Renato
Kehl, que realizou sua primeira reunião em 15 de janeiro de 1918 (Stepan, 2004, p. 340).
200 Martins & Freire

(2009), a representação política e simbólica de “superioridade racial”


dos paulistas inspirou projetos médico-sanitários independentes e a
permanência até a década de 1930 de discursos condizentes com a
eugenia mendeliana e a ideia de aperfeiçoamento dos melhores e
anulação dos piores (op. cit., p. 209).
Cabe ainda citar a Policlínica de Botafogo, criada no Rio de
Janeiro em finais de 1899 e vinculada tanto à assistência pública mu-
nicipal, uma vez que seu fundador, Dr. Luís Pedro Barbosa (1870-
-1949), exerceu a direção da Saúde Pública do Distrito Federal, como
à cátedra de pediatria da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro,
que utilizou suas enfermarias para aulas práticas até 1940 (Sanglard
& Ferreira, 2010). Também na capital, o pediatra Antônio Fernandes
Figueira (1863-1928) fundou em 1910 a Policlínica de Crianças da
Santa Casa de Misericórdia,18 que transformou em afamada escola
de pediatria. Distintamente de Moncorvo Filho e outros contempo-
râneos, Fernandes Figueira teve importante atuação no campo da
Saúde Pública durante a administração de Oswaldo Cruz, tendo diri-
gido a enfermaria infantil do Hospital São Sebastião (Carneiro,
2000).19 Nesse mesmo ano Fernandes Figueira presidiu, na condi-
ção de idealizador e sócio fundador, a cerimônia de instalação da So-
ciedade Brasileira de Pediatria (SBP),20 associação científica volta-
da para o estudo dos problemas e doenças infantis, a qual presidiu
até 1927.
Em que pese as diferenças entre as trajetórias profissionais e os
modelos institucionais propostos pelos médicos higienistas, havia
consenso em torno da prioridade a ser conferida ao combate à morta-
lidade infantil, cuja gravidade denunciavam em congressos e encon-
tros acadêmico-científicos. Nesses eventos, médicos como os brasi-
leiros Artur Moncorvo Filho e Fernandes Figueira, o argentino Eliseo
Cantón e o uruguaio Luis Morquio reivindicavam que os Estados

18 Outro hospital infantil, o São Zacarias, criado em 1914, também era vinculado à
Santa Casa do Rio de Janeiro.
19 Nessa enfermaria, instituiria de forma pioneira a prática da internação das mães
junto com seus filhos.
20 Sobre a história da SBP, ver Carneiro (2000). Outras entidades criadas no período,
com ações dirigidas à saúde infantil, foram a Sociedade Eugênica de São Paulo e a Sociedade
Científica Protetora da Infância.
História dos cuidados com a saúde da mulher e da criança 201

assumissem sua presumida responsabilidade pelas ações de proteção


à maternidade e à infância. No Primeiro Congresso Brasileiro de Pro-
teção à Infância, realizado em 1922 no Rio de Janeiro e presidido por
Moncorvo Filho, o médico conclamava a sociedade a lutar contra os
flagelos que dizimavam a infância:

Sirvam todos esses elementos preciosos, conquistados através


desta iniciativa, para que, de agora em diante, com a necessária
perseverança e empenho, se estabeleça, sem descontinuidade,
a verdadeira campanha a salvar a criança patrícia, são os votos
que alentadamente nutrem os fundadores dos Congressos Bra-
sileiros de Proteção à Infância, convictos achando-se ainda de
que o Governo da República, ante um momento tão propício,
deles se valha para enfrentar o grave problema, representando,
sob o ponto de vista sociológico, pedagógico, moral e higiêni-
co, dos que devem, com o mais desvelado interesse, ser tratados
pelos poderes públicos (Moncorvo Filho, 1923, p. 128).

Eles concordavam também quanto à solução, por meio de me-


didas de higienização da maternidade e da infância, contribuindo para
a construção da indissociabilidade do par mãe–filho no que tange às
ações de assistência. Processo que atinge seu grau mais elevado du-
rante a chamada Era Vargas.

Políticas públicas de assistência materno-infantil

Alimento a esperança, tenho mesmo a certeza de que dentro


em pouco, de todos os recantos do nosso território se levanta-
rão vozes de apoio e se organizarão esforços, formando um
movimento de edificante solidariedade capaz de assegurar com-
pleto êxito à campanha destinada a amparar a maternidade e a
oferecer à Pátria gerações vigorosas (Getúlio Vargas, 1939).

O discurso de Natal do presidente da República transmitido


pelo rádio e publicado nos principais jornais do Rio de Janeiro no dia
25 de dezembro de 1939 dava o tom das decisões técnicas e políticas
202 Martins & Freire

do governo federal sobre os cuidados e a assistência que a maternida-


de e a infância vinham recebendo desde o começo da década de 1930.
Desde o início da chamada Era Vargas delineou-se um vigoro-
so movimento político de centralização e de intervenção social num
cenário marcado desde há muito tempo pelos regionalismos, man-
donismos locais e uma forte tendência à dispersão dos poderes políti-
cos, tanto no período imperial quanto no contexto republicano. A
ascensão de Vargas ao poder a partir de 1930 e de seu projeto
personalista e centralizador enfrentou forte oposição, tanto à esquer-
da quanto à direita no espectro político ideológico, pelo menos até
1937 com o fechamento do regime e a criação da nova Constituição.
A partir de então se instauraram as condições políticas para a execu-
ção daquele movimento de centralização e personalização do poder,
consoante a outros regimes de natureza totalitária com forte apelo
paternalista especialmente na Itália, na Espanha e em Portugal
(Velloso, Oliveira & Gomes, 1982; Lenharo, 1986; Maio & Cytry-
nowicz, 2003; Vianna, 2003).
Nesses países, bem como no Brasil, são coincidentes o estilo
paternalista de exercer o poder político e conquistar a adesão das clas-
ses trabalhadoras, mas especialmente a elaboração de um discurso de
forte teor conservador assentado na família e na sua proteção espe-
cial de um Estado corporativo. Outra coincidência coerente com esse
apelo de conservação da ordem é a elaboração de um discurso prote-
tor à maternidade e à infância, que já vinha se delineando desde fi-
nais do século XIX, mas encontrava uma série de obstáculos para a
sua efetivação, com resultados ainda muito restritos e dependentes da
boa vontade dos corações benevolentes e da ação caritativo-filantró-
pica. A proteção especial do Estado à família passava necessariamen-
te por uma visão política marcada pelo gênero, ou seja, a ordem social
somente seria garantida se na família, célula básica e fundamental,
seus integrantes exercessem suas funções harmoniosamente. Mari-
dos trabalhadores e provedores, esposas cuidadoras do lar e crianças
viáveis e saudáveis compunham um ideal de família que deveria ser
não só protegida, mas principalmente divulgada pelos agentes públi-
cos e políticos, entre eles os médicos, cujo papel no contexto anterior
à Era Vargas, mas especialmente a partir de então, foi extremamente
História dos cuidados com a saúde da mulher e da criança 203

valorizado e politicamente relevante para o desenho e a execução de


políticas públicas para a maternidade e a infância no Brasil.
Apesar das muitas perorações, dos discursos inflamados e das
ações idealistas e isoladas em favor da maternidade e da infância não
se pode efetivamente falar em assistência nem em políticas públicas
para mães e crianças no Brasil antes das décadas de 1930 e 1940.
Como vimos, até então os médicos e as associações femininas de
caridade e de filantropia sobressaíam no atendimento às crianças doen-
tes ou abandonadas e às mulheres pobres que não contavam com
nenhum tipo de amparo para dar à luz ou para manter seus filhos
recém-nascidos, o que levava muitas delas ao abandono das crianças
ou à colocação em instituições de caridade geralmente muito criticadas
pelos médicos em razão das péssimas condições sanitárias. Boa parte
dos médicos envolvidos com esta questão era composta por obstetras
e pediatras convictos da necessidade de uma ação conjunta entre a
medicina higienista e o poder público.
Médicos como Moncorvo Filho, Fernandes Figueira, Martagão
Gesteira, Olinto de Oliveira e Fernando Magalhães eram alguns dos
mais destacados representantes de um grupo crescente desses profis-
sionais que defendiam a organização pública dos serviços de saúde
materno-infantil e do que eles então chamavam de assistência à
maternidade, um conjunto de políticas sociais de amparo envolvendo
a legislação protetora, abonos e instituições prestadoras de serviços
de saúde e de assistência social. Os médicos brasileiros estavam bem
informados sobre a organização desses serviços públicos nos países
europeus e especialmente nos países vizinhos da América Latina, ten-
do em vista sua participação numa rede importante de produção e
divulgação de conhecimentos, bem como de interlocução e intercâm-
bios de experiências relativas à proteção materno-infantil que foi o
pan-americanismo representado neste caso pelos Congressos Pan-
-Americanos da Criança, que começaram a ocorrer a partir de 1916
(Guy, 1998b).
A participação ativa dos médicos brasileiros neste movimento
pan-americano em defesa da infância e da maternidade, bem como a
experiência clínica advinda dos atendimentos nos hospitais de cari-
dade e nas escassas instituições mantidas pela filantropia, os colocava
204 Martins & Freire

na dianteira de um discurso cada vez mais favorável à organização de


um serviço público de saúde e de assistência materno-infantil:

Não há talvez no momento assunto mais palpitante a ser venti-


lado aqui do que o da organização da nossa Assistência Pública
[. . .] É forçoso que não se retarde o aparelhamento tão perfeito
quanto possível da Assistência Pública extensiva a todo o Brasil,
com especial carinho envidando os melhores esforços para a dis-
seminação dos socorros da Puericultura, da mais cerrada propa-
ganda da higiene infantil, convergindo para atenuação da doença
e da morte, para o preparo de uma gente sadia, enfim de tudo
levado a efeito no sentido da eugenia do povo, ao qual também
se proporcionará o conforto moral pela certeza do amparo. E
tudo isso é uma obra a ser realizada por um governo patriótico
com o valioso concurso dos médicos. Os médicos, disse com ver-
dade o grande cientista portenho [Gregorio] Alfaro, são os colabo-
radores eficientes, verdadeiros dirigentes na luta pelo engrande-
cimento material e moral do país (Moncorvo Filho, 1922, p. 3).

O discurso de Moncorvo Filho não caiu no esquecimento, pelo


contrário, já nos anos 1920 se pode observar a intensificação deste
ideário médico-político em favor da maternidade e da infância com a
criação do Departamento Nacional de Saúde Pública (DNSP) em
1920 durante o governo de Epitácio Pessoa. Este primeiro movimen-
to nacional voltado para a questão sanitária e social tão bem analisa-
do por Labra (1985) e Hochman (1998) também incluiu os cuidados
com a saúde e a assistência materno-infantil criando a Inspetoria de
Higiene Infantil. O Regulamento do DNSP previa uma série de ser-
viços de higiene e de saúde pública, sendo atribuição da Inspetoria de
Higiene Infantil “promover iniciativas e orientar providência que tanto
no Distrito Federal quanto em outras regiões do país atendam aos
interesses da vida e da saúde das primeiras idades”.21
As inspetorias ficavam subordinadas à Diretoria-Geral do DNSP,
tendo muitas atribuições fiscalizadoras. A Inspetoria de Higiene

21 Decreto 16.300 de 31 de dezembro de 1923, art. 317, parágrafo 1.o.


História dos cuidados com a saúde da mulher e da criança 205

Infantil foi resultado da pressão médica sobre as autoridades republi-


canas e se pode dizer que representou um primeiro passo na direção
de um programa nacional de proteção à infância e, por extensão, à
maternidade. No entanto, observando com mais atenção as atribui-
ções dessa inspetoria nota-se uma mudança importante.
Até o final do século XIX coube à medicina da mulher (obste-
trícia e ginecologia) a produção de saberes sobre a sua diferença e
especificidade reprodutiva, organizando espaços hospitalares como
enfermarias especiais para as mulheres. É importante lembrar que o
atendimento às mulheres pobres nos hospitais de caridade era bas-
tante limitado até as décadas de 1880 e 1890 no Brasil, sendo vários
os relatos médicos denunciando a precariedade dos serviços e a pro-
miscuidade. A organização de serviços de atendimento médico às
mulheres deu-se, portanto, a partir da definição da sua especificidade
reprodutiva com a organização das enfermarias obstétricas ou das
maternidades; ou então a partir de uma definição sexual fortemente
marcada pela condição patológica, sobressaindo o atendimento gine-
cológico isoladamente ou em associação com outras especialidades,
como foi o caso da psiquiatria (Barreto, 2005; Martins, 2004; 2010).
O primeiro serviço público de atendimento à saúde tinha como
objetivo principal atender aos interesses da vida e da saúde das primei-
ras idades, ou seja, os cuidados médicos às mulheres ficaram subsu-
midos à saúde e assistência infantil. Defendemos, portanto que foi a
partir desse momento que a organização dos serviços públicos de saúde
no Brasil criou e fortaleceu uma visão muito reduzida e particular de
“saúde da mulher”, ou seja, um conjunto de ações médicas e assis-
tenciais recortadas especificamente para as mulheres grávidas, partu-
rientes e puérperas, bem como para as mães de crianças pequenas.
Podemos dizer que se delineou com a Inspetoria de Higiene Infantil
uma noção de saúde da mãe e mesmo assim secundariamente à saú-
de e ao bem-estar das crianças, noção essa de longa e permanente
história na saúde pública brasileira.
O resultado desta delimitação do binômio mãe–filho se pode
verificar com os serviços prestados pela Inspetoria na cidade do Rio
de Janeiro até 1934, quando então foi criada outra estrutura voltada
para a saúde e assistência materno-infantil nos quadros do Ministério
206 Martins & Freire

da Educação e da Saúde. É importante destacar que as mudanças


técnico-administrativas na gestão da saúde e assistência materno-
-infantil ocorridas a partir de então, faziam parte da política de refor-
mas do Ministério sob o comando de Gustavo Capanema, conforme
analisadas por Hochman & Fonseca (2000, p. 176):

As referências à estrutura administrativa que o MESP apre-


sentava até então apontavam, segundo o ministro, para a ne-
cessidade de reformá-la no sentido de dar-lhe um formato mais
coordenado, uniformizado e harmônico, buscando a centrali-
zação como solução.

Por um período de dez anos os médicos e as enfermeiras da


Inspetoria procuraram pôr em prática o programa higienista preconi-
zado pela Puericultura. Para tanto contaram com uma estrutura ainda
pequena e mais restrita ao Distrito Federal, mas significativa e atuan-
te, se compararmos com a época em que o Ipai era um dos únicos
espaços de atendimento e de assistência materno-infantil. Atendi-
mento pré-natal e pediátrico nos consultórios populares criados em
vários bairros mais pobres do Rio de Janeiro; distribuição de leite hu-
mano ou de outra origem esterilizado nos lactários; atendimento
pediátrico no Hospital Artur Bernardes; manutenção de uma creche;
fiscalização das maternidades e dos locais que empregavam mulheres
na indústria e no comércio a fim de verificar se as trabalhadoras grá-
vidas e puérperas tinham direito à licença maternidade de trinta dias
e a um lugar para amamentar seus filhos recém-nascidos. Estas eram
as muitas atribuições e os serviços da Inspetoria, envolvendo médicos
obstetras, pediatras e enfermeiras (Martins, 2005a).
No entanto, percebe-se pela documentação produzida pela
Inspetoria, especialmente as cartas do médico Olinto de Oliveira
endereçadas ao ministro Gustavo Capanema e ao presidente Vargas,
e alguns trabalhos escritos por médicos como Clóvis Correia da Cos-
ta que também atuou na Inspetoria, que essa estrutura não conseguia
atingir seus objetivos porque contava com pessoal reduzido e verbas
escassas. Seria necessário criar uma estrutura administrativa que fosse
responsável pela elaboração de políticas de saúde e assistência mater-
História dos cuidados com a saúde da mulher e da criança 207

no-infantil, mas que também gerenciasse diretamente os recursos


públicos, algo que não ocorria na Inspetoria, tendo em vista estar su-
bordinada a uma estrutura maior que era o DNSP.
Olinto de Oliveira, médico formado pela escola higienista e
sanitarista, demonstrava em seus escritos estar consciente da neces-
sidade de se organizar um sistema nacional de saúde pública, com o
qual colaborou diretamente. Mas ele também era um médico profun-
damente envolvido com outra dimensão da saúde pública que era a
atenção à saúde e à assistência materno-infantil. Em seus discursos
se cruzam o sanitarismo, a eugenia e a puericultura, e sua militância
no interior da Inspetoria e depois nas outras estruturas criadas após
1934 foi de grande relevância quando das mudanças da política do
Governo Vargas voltada para a saúde e a assistência da maternidade e
da infância, resultando na criação do Departamento Nacional da
Criança em 1940. A experiência de Olinto de Oliveira no DNSP e
na Inspetoria de Higiene Infantil o levou cada vez mais para a defesa
da autonomia da assistência médica materno-infantil, tendo em vista
a especificidade desses serviços que segundo ele não conseguiam aten-
der a um número maior de pessoas porque estavam subordinados às
urgências e particularidades da saúde pública e dos problemas sanitá-
rios. São várias as cartas escritas por Oliveira em defesa da autonomia
destes serviços:

[. . .] devo dizer que se de fato a proteção à infância compre-


ende os serviços de higiene, não são estes os mais importantes.
Sobrexcedem-os, principalmente em nosso país os de assistên-
cia a todas as categorias e que os próprios higienistas conside-
ram com razão assunto alheio às cogitações da Saúde Pública.
Na própria Conferência Nacional de Proteção à Infância [1933]
ficou assentado que o problema de maior urgência da infância
brasileira é o da alimentação deficiente em quantidade e qualida-
de e que a continuar como vai comprometerá consideravelmente
o futuro da nossa raça. Avultam ainda grandemente, ao lado
destes, outros problemas de assistência que nada têm a ver com
as repartições de higiene pública — a assistência às mães neces-
sitadas, sobretudo por ocasião do parto e da criação dos filhos,
208 Martins & Freire

o asilamento dos órfãos e abandonados, a fundação de hospi-


tais e enfermarias para crianças, tão escassos entre nós e a de
colônias e recreatórios ao ar livre, o melhor preventivo da tu-
berculose. Estas providências exigem uma colaboração íntima,
constante e permanente com as associações de caridade e uma
propaganda constante e convincente, que só podem ser aten-
didas por órgãos especialmente encarregados de tais serviços.22

A necessidade de uma estrutura própria voltada para a elaboração


e execução de políticas públicas para a infância e a maternidade encon-
trou obstáculos de duas ordens pelo que se observa na documentação
produzida pela Inspetoria e pelas estruturas que a substituíram a partir
de 1934. O primeiro tipo de obstáculo é visivelmente político, especial-
mente no interior do Ministério e do DNSP. Olinto de Oliveira de-
monstra preocupação com o que considera incompreensão das neces-
sidades e especificidades da assistência materno-infantil no interior
de uma estrutura voltada para a saúde pública como era o DNSP. O
outro obstáculo era financeiro. Desde a criação do Ministério da Edu-
cação e da Saúde em 1930 as limitações orçamentárias eram notórias,
mas a escassez se mostrava mais intensa para a Inspetoria de Higiene
Infantil, afinal ela não era uma prioridade do DNSP conforme bem
sabia seu inspetor mais atuante, Olinto de Oliveira. Assim, a autono-
mia da assistência materno-infantil em relação à Saúde Pública tor-
nou-se uma causa política para Oliveira e seus outros colegas que
atuavam não só no Rio de Janeiro, mas em outros estados e que con-
cordavam com essa mudança, como foi o caso de Martagão Gesteira,
que na década de 1940 veio de Salvador para o Rio de Janeiro assumir
o importante cargo de diretor do Instituto Nacional de Puericultura.
Em maio de 1934, antes de Gustavo Capanema assumir a pas-
ta do Ministério da Educação e Saúde, extingui-se a Inspetoria da
Higiene Infantil e criou-se a Diretoria de Proteção à Maternidade e à
Infância, nos moldes autonomistas defendidos pelo seu diretor, Olinto
de Oliveira. O objetivo da Diretoria era elaborar, executar e fiscalizar
as ações voltadas para o bem-estar infantil em todo o território nacio-
22 Carta de Olinto de Oliveira ao ministro da Educação e da Saúde, de 16 de fevereiro
de 1934. Arquivo Nacional. Secretaria da Presidência da República, Lata 33.
História dos cuidados com a saúde da mulher e da criança 209

nal, mas o que é notável nesta mudança administrativa é a extensão


política de suas atribuições, bem como uma atenção maior aos cuida-
dos com as mulheres.23 Nessa direção foram criadas duas inspetorias
técnicas, a de Higiene Pré-Natal e a de Higiene e Assistência à Crian-
ça. A inspetoria de Higiene Pré-Natal cuidava dos registros, exames
obstétricos, do acompanhamento médico às mulheres grávidas, espe-
cialmente às que tivessem alguma enfermidade, estivessem malnu-
tridas ou vivessem na indigência. Era igualmente responsável pela
fiscalização das parteiras e licenciadas e pela profilaxia das infecções
puerperais. Tinha também uma secção de Assistência ao Parto, reali-
zada nos hospitais e maternidades do Distrito Federal, mas também
mediante um sistema de atendimento obstétrico domiciliar, algo muito
defendido pelos obstetras brasileiros desde o final do século XIX.
Outro aspecto relevante a ser considerado com a criação da
Diretoria de Proteção à Maternidade e à Infância é a articulação entre
estruturas governamentais e o associativismo filantrópico na execução
de políticas públicas materno-infantis no Brasil. Dificilmente o Go-
verno Vargas e os que o sucederam poderiam manter hospitais, centros
de saúde, creches, postos de puericultura e tantas outras estruturas
assistenciais à maternidade e à infância criadas a partir de então sem
o apoio de pessoal e de gestão fornecido pelas instituições assistenciais
sem fins lucrativos que se multiplicaram por todo o país. Desde asso-
ciações mais modestas, geralmente formadas exclusivamente por
mulheres, até associações maiores ligadas quase sempre a hospitais
mais antigos, igrejas ou aos grupos de interesses diversos voltados
para a filantropia, todos acabaram por se integrar à política governa-
mental de assistência social e à saúde das mães pobres e dos seus
filhos, fosse com subsídios temporários — para construir uma creche,
por exemplo — fosse por meio dos convênios firmados com o governo

23 A Diretoria deveria articular diferentes esferas do poder público e instituições


privadas benemerentes no país, como serviços públicos de saúde pública, juizados de menores,
serviço de instrução pública e de registro civil e as associações civis de proteção à maternidade
e à infância. Comparando com as atribuições mais restritas da Inspetoria de Higiene Infantil é
de se considerar que a Diretoria nascia com uma tarefa gigantesca pela frente, mas consoante
às concepções vigentes no meio médico sobre a questão da assistência materno-infantil, que
extrapolava os cuidados médicos, envolvendo um conjunto de ações preventivas, educativas e
principalmente assistenciais. Decreto 24.278 de 22 de maio de 1934.
210 Martins & Freire

federal por intermédio da Diretoria ou da estrutura que a substituiu, o


Departamento Nacional da Criança, garantindo a manutenção e a
continuidade de programas, projetos e serviços médicos e assistenciais.
O contexto político turbulento e tenso que se descortina entre
1934 e 1937 contribui para o enfraquecimento da Diretoria, ficando
novamente à mercê de um novo órgão criado com a Reforma Capa-
nema em 1937, o Departamento Nacional de Saúde (DNS). A Direto-
ria perde este estatuto e se transforma numa Divisão do DNS, a Di-
visão de Amparo à Maternidade e à Infância, para desgosto de Olinto
de Oliveira. No entanto, os ventos pareciam soprar a seu favor e da
sua ideia autonomista da assistência materno-infantil. Com o Estado
Novo e o realinhamento político conservador e personalista, se esta-
beleceu a partir de 1938 e 1939 um cenário bastante favorável aos
projetos de assistência e proteção à maternidade e à infância. Tal co-
incidência de interesses é notável nos discursos de Vargas e também
na clara orientação de uma política de proteção especial à família com
a formulação do Estatuto da Família por Gustavo Capanema em 1938
e a publicação do Decreto-Lei 3.200 de 1941 que dispõe sobre a or-
ganização e a proteção da família (Martins, 2008).
É neste contexto que finalmente Olinto de Oliveira e seus cole-
gas conseguem, com o apoio do ministro Capanema, que se crie uma
estrutura autônoma, diretamente subordinada ao ministro da Educa-
ção e da Saúde, o Departamento Nacional da Criança, de longa dura-
ção, permanecendo na condução das políticas de saúde e de assistên-
cia materno-infantil até a década de 1970. O que já havia sido ensaiado
com a antiga Diretoria de Proteção à Maternidade e à Infância pas-
sou a contar com infraestrutura, subsídios e recursos humanos, esta-
belecendo o modelo de políticas públicas para a maternidade e a in-
fância a partir de então em âmbito nacional.
As atribuições do DNCR eram muitas e delas há trabalhos que
analisam sua estrutura e ações (Fonseca, 2007; Pereira, 1992; Martins,
2005a). Gostaríamos de sublinhar tão somente que a partir da criação
do DNCR se consolida definitivamente uma concepção instrumen-
tal da mulher mãe que já vinha se esboçando desde o começo do
século XX no Brasil. Pensar em cuidados com a saúde da mulher
remete à organização de todo um sistema de proteção e atendimento
História dos cuidados com a saúde da mulher e da criança 211

público e privado para mulheres em idade reprodutiva. A saúde que


importava primordialmente era a saúde da mulher grávida, da puérpera
e da mãe de família, a ser poupada do trabalho assalariado para per-
manecer no lar desempenhando sua função de esposa e mãe. No caso
das trabalhadoras — os médicos reconheciam que o trabalho feminino
era um mal necessário e temporário — é interessante notar que tanto
a legislação trabalhista quanto os serviços de atendimento médico e
assistencial se voltavam para as grávidas e puérperas novamente, ga-
rantindo as condições para que elas pudessem gestar, dar à luz e ama-
mentar os recém-nascidos, como as licenças, os abonos, as creches e
os horários especiais para a amamentação nos locais de trabalho.
Se o século XIX foi considerado como o século da família e da
mulher a partir da configuração de um conjunto de saberes e de prá-
ticas normalizadoras como bem analisou a historiografia comentada
na abertura deste capítulo, o século XX foi, sem dúvida, o século da
criança. No Brasil as políticas públicas foram mais tardias se compara-
mos com os países vizinhos da América do Sul, iniciando na década
de 1920 e se consolidando a partir das duas décadas seguintes. Nesse
processo cabe ressaltar que as mulheres não tiveram em nenhum mo-
mento acesso aos serviços públicos de saúde que não fosse na condição
de mães. Doenças ginecológicas, doenças decorrentes das condições
de trabalho ou de ordem psicossomática eram tratadas em hospitais
de caridade ou nos primeiros hospitais públicos que começaram a ser
organizados no século XX, geralmente para atender trabalhadoras ou
esposas e filhas de trabalhadores.
Num contexto de hipervalorização política e ideológica da infân-
cia as mulheres foram tratadas como aliadas dos médicos que precisavam
de atenção, proteção, amparo e cuidados a fim de bem desempenha-
rem a função maternal. Certamente que o ideário médico higienista
que presidiu à organização das políticas públicas materno-infantis no
Brasil contribuiu para a melhoria das condições de vida e da experiên-
cia materna de um número significativo de mulheres, particularmente
se olharmos para o passado e para a ausência de qualquer intervenção
dos poderes públicos na saúde e na assistência social (Martins, 2005b).
No entanto, observando de um ponto de vista político aquele
contexto no qual parte do discurso feminista brasileiro também se
212 Martins & Freire

aliou ao mesmo ideário maternalista em defesa das mulheres pobres e


das trabalhadoras, os desdobramentos dessa concepção instrumental
das mulheres mães não podem ser negligenciados. Vamos destacar
somente dois. Um deles é o impacto na experiência social e cultural
das mulheres, formadas desde a família e a escola e depois por dife-
rentes instituições públicas e privadas para se reconhecerem somente
a partir da maternidade e de uma responsabilidade exclusiva com os
cuidados dispensados aos filhos. A educação e a propaganda patroci-
nada pelos agentes públicos (professores, médicos, juízes, enfermei-
ras e assistentes sociais) e pelos agentes ligados à filantropia quando
pensamos nas classes populares, reforçou a importância da materni-
dade como missão natural e social exclusiva das mulheres, o que limi-
tou para algumas gerações de mulheres outras ambições e projetos
que não passavam pela experiência materna.
O outro desdobramento é mais problemático porque diz res-
peito ao imaginário e à constituição das subjetividades. A maternida-
de é uma possibilidade para as mulheres e grande parte delas deseja
passar por essa experiência. Contudo, desde o século XIX muitas fe-
ministas mais libertárias vinham alertando para as armadilhas do dis-
curso determinista dos médicos e dos religiosos que não concebiam
outras possibilidades de subjetivação para as mulheres, mesmo que
elas quisessem ser mães, ou seja, só havia um destino e este era a
maternidade, física ou espiritual. Afirmar que ser mulher é ser mãe é
algo não só limitador, pois nem todas as mulheres podem ou querem
ser mães, mas é uma enunciação que do ponto de vista político res-
tringe as possibilidades de ação para as mulheres, bem como de sua
identificação, que é secundária, subsidiária ou sempre relativa ao fi-
lho. Por tais razões os cuidados com a saúde das mulheres formulados
no interior de um discurso médico e político conservador e naciona-
lista, como o que se configurou no Brasil da primeira metade do sécu-
lo XX, foram muito limitados.
Tais limitações clínicas e da oferta de serviços públicos de saúde
são mais bem visualizadas quando pensamos na polêmica e controversa
questão da saúde reprodutiva ou, nos termos das décadas de 1960 e
1970, do controle da natalidade. No Brasil a discussão e a pesquisa
em torno da reprodução humana (fertilidade/infertilidade) começam
História dos cuidados com a saúde da mulher e da criança 213

a ser desenvolvidas nas universidades por volta da década de 1960.


Médicos ginecologistas brasileiros passaram a ter acesso às pesquisas
sobre hormônios sintéticos em franco desenvolvimento nos Estados
Unidos, Reino Unido e em alguns países europeus, como a França,
bem como a participar dos congressos internacionais e redes de pes-
quisa, boa parte financiada pelos laboratórios farmacêuticos e centros
de pesquisa sobre crescimento populacional e suas interfaces com o
desenvolvimento econômico nos países que no contexto da Guerra
Fria eram então denominados de “países do Terceiro Mundo”.
Do ponto de vista das políticas públicas nenhuma ação foi de-
finida em relação à saúde reprodutiva das mulheres, deixando, o Esta-
do brasileiro, terreno aberto para que as organizações civis interna-
cionais passassem a atuar no atendimento às mulheres, especialmente
as das classes mais desfavorecidas dos meios urbanos. O debate inter-
nacional em torno das ameaças representadas pelo crescimento demo-
gráfico descontrolado dos países do Terceiro Mundo afetou o meio
médico e político institucional brasileiro de maneira bastante ambí-
gua e contraditória. Conforme explica Joana Maria Pedro (2003), os
governos militares não tomaram uma posição clara e definida em re-
lação ao controle da natalidade; os militares dividiam-se entre contro-
listas e anticontrolistas, sendo os últimos apoiados pela Igreja Católica.
Entre as décadas de 1960 e 1980 organizações internacionais
como a IPPF (International Planning Parenthood Federation) ali-
nhadas com políticas internacionais de controle da natalidade em
países do Terceiro Mundo passaram a atuar livremente no Brasil, fi-
nanciando organismos como a Sociedade Civil Bem-Estar Familiar
(Benfam), no país desde 1965, e o Centro de Assistência Integrada à
Mulher e à Infância (Cepaimc), a partir de 1975, esta mais presente
nos estados do Norte e Nordeste.
A primeira manifestação oficial dos governos militares ocorreu
por ocasião da I Conferência Mundial de População em Bucareste,
em 1974, dando o tom da atitude ambígua a qual comentamos e que
prevalece até o início da década de 1980, com o último general presi-
dente, João Batista Figueiredo. Os documentos elaborados para a par-
ticipação brasileira na Conferência de Bucareste sublinhavam os se-
guintes princípios: defesa da soberania brasileira em relação à política
214 Martins & Freire

demográfica; atribuição ao núcleo familiar das decisões sobre o con-


trole da natalidade; defesa de que o acesso ao controle da natalidade
deveria ser extensivo às famílias com menores recursos e não exclu-
sivos às mais abastadas; comprometimento com a redução da morta-
lidade infantil; equilíbrio do desenvolvimento entre as diferentes re-
giões; povoar e desenvolver as regiões caracterizadas pelos militares
como “vazios demográficos” (Ministério da Saúde, 1986a, p. 125; Ber-
quó, 1987).
Como resultado dessa posição ambígua do Estado brasileiro e
ao mesmo tempo da ausência de políticas públicas, a saúde reprodutiva
das mulheres, especialmente as das classes populares, ficou restrita ao
atendimento da Benfam e do Cepaimc, francamente controlistas, dis-
seminando o uso de contraceptivos orais (pílulas) e dos dispositivos
intrauterinos (DIU). Cabe destacar o papel importante desempenha-
do pelo movimento de mulheres que desde meados da década de 1970
vinha denunciando esse tipo de prática pelo seu descomprometimento
com a informação, as escolhas e o controle que as próprias mulheres
deveriam ter sobre seus corpos. As feministas, boa parte delas vincu-
lada à esquerda, criticavam a ausência de uma política pública que
tivesse compromisso com a saúde das mulheres numa perspectiva
ética e humanista, desvinculada de interesses políticos e econômicos,
nacionalistas ou internacionais.
A atuação política feminista associada ao processo de reor-
ganização dos movimentos sociais de mulheres, junto dos profissio-
nais de saúde que eram contrários à posição do governo militar, levou
à formulação dos princípios básicos do que viria a se tornar o Pro-
grama de Assistência Integral à Saúde da Mulher (Paism). Com o
fim da ditadura em 1985 e o início da Nova República e do governo
civil, o Ministério da Saúde começou a discutir e implementar o Paism
contando com uma equipe interministerial.24 Incorporando o plane-
jamento familiar na política de saúde, foram criados grupos de

24 O Paism foi discutido e seus princípios estabelecidos pela Comissão Interministerial


de Planejamento (Ciplan), estabelecendo que o Programa deveria ser executado pela rede
pública de saúde. Sem dúvida, esse foi um avanço significativo no que diz respeito às políticas
públicas de saúde da mulher e é preciso destacar a contribuição dada pelo movimento de
mulheres e pelas feministas, origem política dos princípios do Paism.
História dos cuidados com a saúde da mulher e da criança 215

planejamento familiar com a finalidade de divulgar os princípios, as


normas e técnicas no atendimento à saúde reprodutiva das mulheres:

As ações de saúde preconizadas pelo Paism são aquelas volta-


das ao acompanhamento pré-natal, atenção ao parto e ao
puerpério, assistência clínica-ginecológica, controle do câncer
ginecológico, controle das doenças sexualmente transmissíveis
e planejamento familiar (Ministério da Saúde, 1986b, p. 5).

Esse novo cenário político possibilitou maior participação da


sociedade civil nos processos decisórios, criação de associações de inte-
resses, incorporação de novos grupos sociais como beneficiários de
ações de proteção e a conformação de instituições e políticas públicas
específicas para o público feminino, como o Conselho Nacional dos
Direitos da Mulher e o Paism (Escorel, Nascimento & Edler, 2005;
Farah, 2004). Criado em 1983, por demanda de atores de diferentes
setores sociais, como sanitaristas, médicos ginecologistas, feministas,
acadêmicas e o clero católico, o Paism buscava superar a visão redu-
cionista e a delimitação “materno-infantil” das práticas assistenciais
vigentes, e estender os cuidados para além da função reprodutiva das
mulheres. Em consonância com o processo em curso de discussão e
ampliação do conceito de saúde e da ação institucional correspon-
dente, o programa introduzia uma abordagem do planejamento fa-
miliar como direito de cidadania, em oposição às ações de controle de
natalidade que vinham sendo desenvolvidas desde meados dos anos
1960. Vislumbrava-se uma tradução, em termos de políticas públicas,
do novo lema feminista “Nosso corpo nos pertence”.
Os serviços de saúde foram instados a expandir e qualificar a
assistência pré-natal e acompanhamento ao parto, a horizontalizar
a relação médico-paciente e garantir acesso a informações sobre
anatomia feminina, sexualidade e métodos contraceptivos. Orientado
pelo princípio da integralidade — termo polissêmico que pode no-
mear as respostas governamentais a demandas de grupos específi-
cos (Mattos, 2001) —, o Paism propunha uma perspectiva mais
abrangente, que contemplasse etapas e aspectos diversos da vida das
mulheres, incorporando novas questões como a violência doméstica,
216 Martins & Freire

as doenças sexualmente transmissíveis, a prevenção ao câncer e o


climatério.
A construção do Paism (além de outras formas alternativas de
assistência à saúde das mulheres) foi marcada pela participação ativa
e intensa dos movimentos feministas brasileiros. Cabe ressaltar o pio-
neirismo do grupo SOS Corpo, criado em Recife em 1981, que inspi-
rou a criação de projetos semelhantes no Rio de Janeiro e em São
Paulo, com ações de educação e assistência para mulheres das classes
populares e as demandas por políticas públicas de qualidade, baseadas
no conceito de integralidade e na superação da concepção essencialista
da maternidade (Mesquita, 2010). Análises críticas das políticas pú-
blicas apontam, entretanto, que estratégias assistenciais posteriormen-
te implantadas no país não incorporaram em sua plenitude as diretri-
zes e a filosofia do Paism, mantendo-se, em muitos casos, o foco da
atenção na mulher como gestante e mãe (Farah, 2004).
Cabe ressaltar novamente que se o ideário maternalista e a decor-
rente noção de sororidade, ou seja, de uma suposta identidade femini-
na instituída pela maternidade, foram argumentos que fizeram senti-
do no contexto da chamada “primeira onda” do feminismo no começo
do século XX, a partir da década de 1980 os conceitos de natureza
identitária passaram por revisões críticas, inspirando a criação de po-
líticas públicas menos essencialistas e reducionistas (Costa, 2002).

Saúde, um conceito generificado?

Uma leitura histórica das concepções e políticas de saúde das


mulheres e das crianças no Brasil aponta para dois movimentos: o ali-
nhamento dos agentes envolvidos — médicos, filantropos, técnicos e
políticos — com teorias e políticas internacionais eugenistas e natalis-
tas em voga no começo do século XX voltadas para o aperfeiçoamento
e a qualidade das populações; a intervenção crescente do Estado na
saúde pública e em particular na formulação de políticas de saúde e
assistência materno-infantil depois da década de 1930. Um traço fun-
damental desse processo histórico foi a objetivação das mulheres,
pensadas exclusivamente pela maternidade como pacientes, assisti-
das ou beneficiárias.
História dos cuidados com a saúde da mulher e da criança 217

As feministas maternalistas do começo do século XX também


contribuíram para essa imagem da mulher-mãe passiva e necessitada
de amparo, embora seu discurso abrigasse outras noções como o di-
reito das mulheres a exercerem a maternidade de forma segura, con-
tando com leis trabalhistas e serviços de saúde. As políticas públicas
criadas a partir de 1934 e durante o Estado Novo puseram em prática
as ideias protecionistas dos médicos, da filantropia e do feminis-
mo, articulados em torno da valorização e do amparo à maternidade
e à infância.
Uma abordagem histórica dos cuidados com a saúde das mu-
lheres e das crianças como a que apresentamos aqui demonstra como
o gênero foi um discurso central na definição de cuidados e de políti-
cas públicas. Isto significa dizer que as mulheres foram constituídas
no interior do discurso de gênero a partir de uma bem consolidada
noção de diferença sexual e moral que estabelecia de forma indelével
uma identidade subjetiva essencialista — ser Mulher —, apesar de
todas as diferenças entre elas. O que se verifica, portanto, é o estabe-
lecimento da ambiguidade entre a diferença sexual e a identidade fe-
minina, unificada justamente a partir dessa alteridade.
As mulheres foram alvo de cuidados benemerentes e de políti-
cas públicas a partir dessa ambiguidade do discurso de gênero, e a
questão que precisa ser enfrentada a partir da experiência histórica é
se vamos desconstruir politicamente este discurso de gênero ou se
vamos reatualizá-lo, como se observa em programas mais recentes. A
gravidez, o parto e o puerpério são momentos vividos pelas mulheres
que merecem cuidados e atenção especializada. No entanto, tais ex-
periências não podem ser o eixo norteador do conceito de saúde.
Defendemos que a complexidade desse conceito requer abordagens
múltiplas que levem em consideração não só os aspectos técnicos e
epidemiológicos, mas as variáveis culturais e sociais e dentre elas o
gênero é, sem dúvida alguma, uma categoria fundamental. Portanto,
questionamos a validade e a pertinência da noção de saúde da mulher,
a começar pela sua inexatidão, pois o gênero nunca é algo isolado e
nem se sustenta numa pretensa diferença sexual, como a palavra
mulher indica. Nessa direção, quais as estratégias de enfrentamento
de problemas como os diferentes tipos de transtorno alimentar com
218 Martins & Freire

implicações profundas de gênero; ou as várias formas de transtornos


psicológicos e psicossomáticos cujas causas não são somente físicas,
mas envolvem sérios problemas de inadequação social e cultural nos
quais o gênero é um componente importante? Talvez a resposta para
estas e outras tantas perguntas esteja na ressignificação política do
conceito de saúde, algo que os estudos históricos e culturais sobre o
gênero podem instrumentalizar, começando pela desconstrução da
noção de saúde da mulher.

Sugestões de leitura

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