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Vol. 43, Edição Especial: Avaliação de Impacto Ambiental, dezembro 2017. DOI: 10.5380/dma.v43i0.

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DESENVOLVIMENTO
E MEIO AMBIENTE

Editorial

A importância do conhecimento científico para o


aprimoramento do Licenciamento e da
Avaliação de Impacto Ambiental no Brasil

The Importance of Scientific Knowledge in Improving Environmental


Licensing and Impact Assessment in Brazil

O Licenciamento Ambiental e a Avaliação de de estudos simplificados, procedimentos on-line,


Impacto Ambiental (AIA) tornaram-se, em pou- avaliações ambientais estratégicas, licenciamentos
cas décadas, protagonistas da política ambiental ambientais municipais, licenças autodeclaratórias...
brasileira. Esses dois instrumentos têm sido cada A disseminação e a diversificação do Licen-
vez mais utilizados para prevenir, mitigar e com- ciamento Ambiental e da AIA têm contribuído
pensar os impactos negativos de empreendimentos para a mitigação dos efeitos negativos e para o
no meio ambiente e nas comunidades onde estão aprimoramento dos atributos sociais e ambientais de
inseridos. As abordagens de implantação também projetos e propostas de desenvolvimento. Todavia,
se diversificaram. Até o início da década de 1990, esses benefícios, no Brasil e em diversos países,
os dois instrumentos eram utilizados pela União e não costumam ser monitorados, mensurados e,
pelos estados quase que exclusivamente de maneira portanto, percebidos pela sociedade (Sánchez, 2013;
vinculada, seguindo o rito trifásico da Licença Morrison-Saunders et al., 2015). Por esse e outros
Prévia (LP), Licença de Instalação (LI) e Licença motivos, são os problemas desses instrumentos (e.g.
de Operação (LO) subsidiadas, quando houvesse a morosidade, judicialização, conflitos, qualidade
perspectiva de ocorrência de degradação ambien- técnica etc.) que geralmente ganham destaque na
tal significativa, do Estudo de Impacto Ambiental mídia e provocam debates. Nos últimos anos, a
(EIA) e do seu respectivo Relatório de Impacto visibilidade desses problemas aumentou significa-
Ambiental (RIMA). Mas o aprendizado com a tivamente. Organizações influentes, como o Banco
crescente implementação e regulação dos instru- Mundial, a Confederação Nacional das Indústrias
mentos estimulou o surgimento de novos formatos: (CNI) e a Associação Brasileira de Entidades Esta-
emissões concomitantes de LP, LI e LO, criação duais de Meio Ambiente (ABEMA), dentre outras,

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publicaram relatórios que, além de destacar as contínuas, de modo a guiar as políticas ambientais
fragilidades dos instrumentos, sugeriam maneiras brasileiras para um futuro melhor1”.
de superá-las (Banco Mundial, 2008; ABEMA, Nunca esteve tão patente a importância do
2013; CNI, 2013). Em reação, ganharam força no conhecimento científico para o aprimoramento do
Congresso Nacional e no Conselho Nacional de Licenciamento e da AIA no Brasil. Poucos dis-
Meio Ambiente (CONAMA) alguns projetos de cordam que esses instrumentos têm problemas; a
lei e propostas de normas que pretendem reformar, divergência reside em “como” resolvê-los, sem re-
em profundidade, todo o sistema de licenciamento troceder em seus valores fundamentais conquistados
(Fonseca et al., 2017). pela sociedade brasileira nas últimas três décadas.
Organizações da sociedade civil e pesquisa- O processo de Licenciamento e de Avaliação de
dores começaram a se posicionar nesse debate. No Impacto Ambiental contempla várias etapas (e.g.
final de 2016, mais de 120 ONGs e associações triagem, escopo, avaliações, consultas públicas,
sem fins lucrativos assinaram uma Nota de Re- decisão, acompanhamento, etc.) que podem ser
púdio contra uma das versões do Projeto de Lei operacionalizadas de diversas maneiras. Além disso,
3.729/2004, que pretende instaurar a Lei Geral do esse processo está inerentemente conectado a outros
Licenciamento Ambiental. De acordo com a nota, instrumentos de política ambiental de âmbito públi-
a “aprovação da referida proposta, ainda mais co e privado, como: zoneamento ambiental, planos
sem os imprescindíveis debates públicos, geraria de bacia hidrográfica/recursos hídricos, sistemas de
inúmeras consequências negativas, como o signifi- informação, planejamentos plurianuais e incentivos
cativo aumento de risco de ocorrência de desastres econômicos, bem como instrumentos corporativos
socioambientais [...]” e acabaria ampliando “[...] de responsabilidade social e gestão ambiental. Essas
conflitos sociais e socioambientais e a absoluta in- complicadas arestas internas e externas do Licencia-
segurança jurídica aos empreendedores e ao Poder mento e da AIA dificultam o consenso. As soluções
Público” (Nota de Repúdio, 2016). Na opinião de não são simples. Promover mudanças calcadas em
Bragagnolo et al. (2017), esse e outros projetos de retórica, mas sem embasamento empírico e factual,
lei estão sendo fortemente influenciados por grupos é um risco a ser evitado. Nesse contexto, a comu-
ruralistas e industriais, que parecem estar mais nidade científica e demais grupos de praticantes
preocupados em avançar suas agendas setoriais do precisam ser ouvidos.
que em resolver as barreiras políticas, técnicas e A produção e a difusão de conhecimento sobre
orçamentárias que historicamente comprometem o Licenciamento Ambiental e AIA no território bra-
a eficiência do licenciamento e da avaliação de sileiro, ainda que tenham apresentado consideráveis
impacto no Brasil. Para lidar com essa ânsia de avanços nos últimos anos, ainda se posicionam em
mudança em um contexto de pluralidade de visões, um patamar aquém de seu “potencial instalado”.
como salientou Fearnside (2016, p. 748), “é crítico O país ainda não conta com periódicos dedicados
que a comunidade científica faça contribuições exclusivamente a essa temática, como acontece

1
  Tradução dos autores do inglês, cujo original é: “Continued input from the scientific community is critical to guide environmental policy
toward a better future in Brazil.”

2 Editorial
internacionalmente2. As pesquisas brasileiras têm Esta edição especial da revista Desenvolvimen-
sido divulgadas em periódicos de diversas áreas do to e Meio Ambiente traz exemplos de alguns dos
conhecimento, fato que foi corroborado por Duarte melhores trabalhos apresentados no 3º CBAI. Os
et al. (2017) em uma recente revisão sistemática nove artigos que integram essa edição, desenvolvi-
da produção brasileira publicada em periódicos dos a partir de trabalhos apresentados no congresso,
científicos. Esses autores identificaram 131 artigos foram expandidos, avaliados por pares e revisados,
sobre Licenciamento e AIA publicados no período e espelham em grande medida a amplitude de abor-
de 1985 a 2015, os quais, apesar de tratarem de dagens e temas predominantes na pesquisa sobre
diversos temas, não contemplavam todas as ques- AIA realizada no Brasil.
tões que estão sendo e/ou precisam ser debatidas. O artigo de Veronez e Montaño sobre a qua-
Existe, pois, uma clara demanda por mais pesquisas lidade do conteúdo dos EIAs que subsidiam o Li-
nessa área. Os avanços em relação a essa demanda, cenciamento Ambiental no Espírito Santo, que abre
como enfatizaram Montaño & Souza (2015), são essa edição, é um bom exemplo. Os autores tratam
dificultados por diversas barreiras; dentre essas, de um tema que, apesar de ser muito discutido no
destaca-se a falta de um campo de ensino e pesquisa Brasil, raramente é avaliado com base em métodos
estruturado e emancipado, que seja reconhecido por internacionalmente aceitos, de modo a possibilitar a
agências de fomentos de pesquisa e que contribua confrontação dos resultados com outros países. Ao
para minimizar a persistente lacuna existente entre utilizar o modelo Lee and Colley Review Package,
pesquisa e prática. os autores não apenas mostraram os pontos fracos
O conhecimento técnico e científico que tem e fortes dos estudos, mas viabilizaram interessantes
sido gerado em diversas instituições brasileiras comparações com estudos sobre qualidade de EIAs
precisa alcançar aqueles que estão à frente das já realizados na Europa e em países com tradição
mudanças dos regulamentos e procedimentos de em pesquisa sobre AIA, como Austrália e Canadá.
licenciamento ambiental e AIA. Foi pensando O artigo de Gallardo, Silva, Gaudereto e Sozi-
nisso que a Associação Brasileira de Avaliação nho tratou de um tema que, assim como a qualidade
de Impacto (ABAI) criou o Congresso Brasileiro de EIAs, também se integra ao debate corrente na
de Avaliação de Impacto (CBAI): um evento literatura internacional: a avaliação de impactos
bianual que reúne profissionais de meio ambiente, cumulativos. E o fez também à luz de boas práticas
consultores, representantes de órgãos ambientais, internacionais, mas com um foco no planejamento
acadêmicos e sociedade civil para debater os meios ambiental de hidrelétricas na Amazônia. O estudo
de aperfeiçoar os processos de tomada de decisões evidenciou que os efeitos cumulativos, apesar de
no âmbito do licenciamento e da AIA. Ao longo de relevantes para as tomadas de decisão, raramente
suas três edições (2012, 2014 e 2016), foram apre- são devidamente considerados, devido a fatores de
sentados no CBAI centenas de trabalhos científicos, ordem técnica e política que dificultam a identifica-
dos quais quase 300 foram publicados em formato ção de informações por meio de diferentes escalas
completo nos respectivos anais (ABAI, 2017). e meios.

  Por exemplo: Environmental Impact Assessment Review (Elsevier), Impact Assessment and Project Appraisal (Taylor & Francis), Journal of
2

Environmental Assessment Policy and Management (World Scientific).

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Gomes e Silva trataram do Licenciamento no zoneamentos ecológico-econômicos elaborados no
setor hidrelétrico por meio da lente do conflito. Ao Brasil e dos planos diretores municipais com o Li-
avaliar os conflitos que emergiram em três casos cenciamento Ambiental. Os resultados evidenciam
de Licenciamento Ambiental de Pequenas Centrais um baixo nível de articulação e levantam outras
Hidrelétricas no Paraná, os autores identificaram sig- questões a serem consideradas para o fortalecimento
nificativas limitações do licenciamento, que superam do planejamento ambiental.
os aspectos positivos verificados, e concluem que a A participação pública, tema central da edição
prática atual do Licenciamento não captura as com- de 2016 do CBAI, foi tratada no artigo de Faria e
plexas dinâmicas formal e informal que permeiam Silva, que foram além das “tradicionais” análises
os conflitos em torno desta tipologia de projetos. de audiências públicas e avançaram nas análises de
Os desafios ao Licenciamento Ambiental tam- outras formas de participação, tais como publicações
bém ficaram evidenciados no artigo de Fernandes, em jornais, consultas prévias, referendos populares,
Guimarães e Almeida, que analisou a consideração etc. Apesar de os autores terem obtido dados em-
de alternativas nos EIA/RIMAs elaborados para píricos em casos ocorridos no Estado do Espírito
projetos de rodovias no Estado de Minas Gerais. Santo, os resultados e as discussões podem ser úteis
Com base em uma lista de verificação inspirada em diversas jurisdições.
em diversas fontes, os autores evidenciaram uma Finalmente, o artigo de Nascimento e Fonseca
série de aspectos comuns que devem ser evitados contribui com um levantamento panorâmico do
durante a elaboração dos estudos de alternativas, o crescente fenômeno da municipalização do Licen-
que possibilita a identificação de caminhos para o ciamento Ambiental no Brasil. Uma survey nacional
aperfeiçoamento dos estudos de impacto ambiental. evidenciou o estado da arte da municipalização a
Tendências de incorporação do conceito de partir da ótica daqueles que coordenam (gestores
serviços ecossistêmicos na AIA foram fortemente públicos) e utilizam (empreendedores e consultores)
representadas nesta edição. Dois artigos, o de Sep- o Licenciamento Ambiental no município. Os resul-
tanil, Pinto e Campanhão e o de Longo e Rodrigues, tados corroboram as preocupações com a questão
trataram do tema. Este último adotou um método da capacidade institucional local e levantam outras
mais focado e aplicado, no qual se avaliou a inte- questões até então marginalizadas.
ração entre os impactos de um empreendimento Esta edição especial é rica e diversa. Esperamos
minerário com os serviços ecossistêmicos ofertados. que ela possa reverberar o chamado de Fearnside
Já o artigo de Septanil, Pinto e Campanhão avaliou (2016) e estimular a produção contínua de
o grau de consideração do conceito de serviços conhecimento sobre a temática do Licenciamento
ecossistêmicos em 110 EIAs coletados em proces- Ambiental e da AIA, fortalecendo os debates e
sos de AIA no Estado de São Paulo. Para tal, as contribuindo para a melhoria da qualidade socio-
autoras propõem a adoção de um índice de análise ambiental do território brasileiro.
com potencial de ser replicado em outros contextos.
A importância da articulação entre o planeja- Alberto Fonseca
mento ambiental-territorial e o Licenciamento Am- Marcelo Montaño
biental também foi objeto de discussão nesta edição Evandro Moretto
especial. O artigo de Santos avalia a articulação dos Organizadores

4 Editorial
Agradecimentos senvolvimento e Meio Ambiente, que perceberam a
importância desta colaboração e viabilizaram uma
Agradecemos à diretoria e aos associados da edição especial que tem o potencial de se tornar
ABAI, à comissão científica do CBAI de 2016 e um marco na literatura brasileira sobre avaliação
aos revisores que contribuíram para essa edição. de impacto.
Também agradecemos aos editores da revista De-

Referências

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