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A compreensão do real, do presente, como ato de descortinar seu conteúdo, sua

gênese, resulta da mediação entre teoria e prática, não da rendição daquela a esta
porque, sustentado num preceito freireano, o autor destaca que a "teoria não dita a
prática" (p.155), preservando a possibilidade de se originarem formas próprias,
particulares de produção e práticas teóricas, no sentido verdadeiro de práxis.

Kincheloe (1997) resgata Paulo Freire quando discorre sobre pesquisa-ação e


pensamento democrático, especialmente da concepção de investigação como uma
poderosa ferramenta de ensino. Toma o exemplo do pedagogo brasileiro, de como
engaja seus alunos como "companheiros" nas atividades de pesquisa, de como os
coloca frente às percepções de si mesmos e do seu entorno, de como os encoraja a
pensar "sobre os próprios pensamentos", de tal forma que, para o primeiro,

todos se juntam na investigação, aprendendo a criticar, a ver mais claramente, a


pensar num nível mais elevado, a reconhecer a forma como suas consciências são
socialmente construídas. Quando os professores colocam o método de Freire para
funcionar nas suas próprias salas de aula, eles ensinam aos alunos as técnicas de
pesquisa que aprenderam. Professores são ensinados nas habilidades de trabalho
de campo tais como observar, entrevistar, fotografar, filmar, gravar, tomar nota e
coletar histórias de vida. Tais atividades fornecem um contexto oportuno para os
professores se engajarem com os alunos numa meta-análise epistemológica - o
coração e a alma do movimento para a pós-formalidade. (p.181)

A pós-formalidade, como resistência política, é um dos insights que o autor destaca


de Paulo Freire no sentido das relações entre pensamento e ação política frente às
ficções culturais dominantes.

Para Kincheloe, os ensinamentos de Freire encaminham para uma ação subversiva,


isto é, uma prática que subverte a passividade, que desafia para a construção, que
desperta para a conscientização, ação política decorrente do pensamento,
conscientização como "recusa a somente ler ou receber história - ela faz história"
(p.75), tal como o pensamento pós-formal e o ensino crítico.

No âmbito dessa temática, inicialmente refletida à luz do pensamento freireano e


de seus interpretadores, circunscreve-se a possibilidade do trabalho de campo,
como ação reflexiva na interface da teoria e da prática educacional.

Pressupondo-se que o nível de conhecimento (teoria) confere autonomia a quem


atua, sobre as suas próprias ações (prática), é possível inferir que a relação teoria-
prática condiciona a liberdade para estruturar as atividades docentes.

Importa destacar que a idéia de liberdade na "aplicação" de formulações teóricas à


prática pedagógica está posta como possibilidade de saber/poder fazer escolhas
para uma prática reflexiva em Geografia. Daí, então, segundo Freire (2000), "que a
nossa presença no mundo, implicando escolha e decisão, não seja uma presença
neutra" (p.33).
É aqui que situo um argumento em defesa da instrumentalização teórica para
informar/subsidiar a prática no desenvolvimento da dimensão criativa na
concretização dessa relação (teoria-prática), através de atividades criativas que
sejam, sobretudo, significativas, intencionais e viabilizadoras de intervenções
sociais.

A concretização de atividades acadêmicas de campo, diretamente situadas na


formação do geógrafo, fundamenta o desenvolvimento da observação, da análise e
da crítica da realidade, no lugar de sua manifestação, o locus social, cujas
complexidades e contradições estão para ser investigadas e compreendidas.

Ressalvo o entendimento de que essa é uma possibilidade que se abre para uma
ação interdisciplinar porque, em que pese o compromisso primordial, porém não
exclusivo do geógrafo, a investigação e compreensão da realidade requerem o
aporte de outras áreas do conhecimento que compartilham preocupações em torno
da temática, o que encaminha para a crítica do paradigma reducionista de ciência
que fragmenta e descontextualiza o conhecimento.

Minha experiência está subsidiada em atividades que, nem sempre tendo caráter
interdisciplinar, têm caráter coletivo uma vez que resultam de proposições dos
acadêmicos em parceria com as escolas onde se realizarão e vêm se realizando,
situadas em localidades que compõem a área de procedência dos alunos e de
atuação da Universidade de Passo Fundo. Tais atividades, em situação de
aprendizagem no período do final da formação acadêmica, obviamente são
planejadas com base numa teoria à qual são subjacentes as diferentes situações de
aprendizagem propostas. A teoria e a prática educacional que as subsidiam
resultam do entrelaçamento da Geografia e da Pedagogia, que se apresenta como
uma educação como força para mudar.

Foi justamente do desafio por mudanças que resultou um novo curso de Geografia
na UPF, que passou a estruturar-se, a partir de 2001, em duas modalidades
concomitantes de formação "através" de um ordenamento integrado de disciplinas
que dêem conta da formação do geógrafo - professor, superando a dicotomia
bacharel-professor -, levando-se em consideração que a Geografia é uma "ciência e
uma matéria de ensino".

Assim, o geógrafo que se pretende habilitar de forma concomitante e integrada,


deverá ser capaz de intervir na sociedade, como educador e como pesquisador,
norteado pelos princípios da ética, da crítica, da autonomia e da criatividade na
proposição de soluções para as questões que a referida sociedade apresenta,
notadamente em nível regional.

A construção de uma proposta de curso que leve em conta o perfil de um


profissional que o mundo atual requer passa, necessariamente, por uma formação
geral sobre o conhecimento científico e geográfico, pela respectiva qualificação
técnica e pela dimensão pedagógica que garanta o exercício da função social do
geógrafo.

As considerações de Callai contribuem para fundamentar a proposta de formação


que se pretende oferecer, isto é, uma formação que:
deve ocorrer contemplando duas perspectivas que são fundamentais para um
profissional e que, como tais não se colocam hierarquicamente, nem como uma
mais ou menos importante do que a outra. A função técnica e a função social são
aspectos constitutivos da formação e se uma requer a fundamentação teórica e a
prática no exercício das atividades, com o domínio das técnicas (de pesquisa, do
planejamento territorial e da docência), a outra é a base da argumentação,
traduzida na relação dialógica, que vai dar a sustentação ao encaminhamento do
trabalho. Logo, não há sentido em uma dicotomização entre o bacharel e o
licenciado: os dois são um só e, como tais, devem ter a mesma importância quanto
aos aspectos de formação, à estruturação do curso e aos conteúdos desenvolvidos.
(p.19)

Das constantes discussões que tiveram lugar nos eventos da AGB, especialmente
em nível nacional, resultou uma posição consensual quanto à superação da
dicotomia tradicionalmente mantida nos cursos de formação profissional no que diz
respeito ao bacharelado e à licenciatura. Inseridos nesse debate, formulamos essa
proposta, uma composição curricular articulada de forma harmoniosa, para que as
diversas disciplinas ocorram na perspectiva da unidade na profissionalização.

Há um esforço coletivo para efetivá-la, o que se vem fazendo em atenção ao que


está estabelecido na Proposta de Reformulação Curricular, neste caso,
particularmente o objetivo específico que visa: "Proporcionar aos alunos o contato
com a realidade através da investigação (trabalho de campo), privilegiando a escala
local como ponto de partida e forma de atingir escalas mais distantes e
abrangentes e elaborar projetos, com o respectivo desenvolvimento de estudos e
pesquisas, com a finalidade de conscientizar e capacitar para a adoção de um
posicionamento crítico e de uma postura ética frente à realidade na qual está
inserido".

A concretização desse objetivo, como uma primeira experiência, levou em conta a


questão da interdisciplinaridade, promovendo a integração entre as disciplinas de
conteúdo geográfico com as demais disciplinas que trazem aporte à compreensão
da sociedade e da natureza, seus modelos de desenvolvimento, a sustentabilidade
sócio-ambiental e as novas tecnologias de representação e interpretação geográfica
que constam dos três primeiros semestres do curso.

Dessa forma, o Estágio Curricular II instituiu-se como um momento integrador do


curso além de um núcleo estratégico fundamental para garantir que se efetive uma
nova forma de profissionalização desde o início do curso, concretizando o aspecto
prático das disciplinas que são oferecidas nos respectivos semestres.

Foi, portanto, num percurso de aproximadamente 1.700 km, no chão do Rio Grande
do Sul, observando os aspectos mais significativos dos quatro principais
compartimentos geomofológicos - Planalto Meridional, Depressão Periférica, Planície
Costeira e Escudo Cristalino -, que se promoveu a relação do Estágio Curricular com
o conteúdo teórico.

Ao desenvolvimento de atividades teórico-práticas de campo, seguiram-se as de


gabinete e laboratoriais, tendo em vista a elaboração de um relatório técnico cujo
conteúdo, certamente, é revelador do conhecimento gerado no contato com o
espaço geográfico e a realidade social
http://www.educacaopublica.rj.gov.br/biblioteca/geografia/geo03b.htm

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