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São Paulo, sábado, 3 de maio de 1997

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Iguais aos banqueiros


WALTER CENEVIVA

DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

A Folha noticiou esta semana o resultado de pesquisa, divulgada nos


Estados Unidos, indicando que os médicos são os profissionais de
maior prestígio para o povo daquele país.
Não houve divulgação dos princípios técnicos que orientaram a
sondagem de opinião, mas se sabe que houve uma distinção entre
prestígio profissional e confiança no profissional.
Entre os trabalhadores da área jurídica somente os advogados foram
considerados.
Não há referência a juízes e a membros do Ministério Público. No
Brasil, pesquisas recentes têm atribuído notas baixas aos membros do
Legislativo, tanto em matéria de confiança quanto de prestígio.
O Judiciário, cuja principal falha é a demora na prestação da Justiça,
ainda detém a confiança da maior parte das pessoas, pois são raros os
casos de magistrados corruptos, embora o índice tenha aumentado nos
últimos anos. Não há estatística a respeito, mas quem vive no foro
ouve hoje histórias tétricas de corrupção muito mais numerosas do
que nos anos 60 e 70, por exemplo.
Em 1977, os advogados americanos apareciam muito malcolocados
no quesito confiança. Estavam piores que parlamentares e
empresários. De certo modo é natural que os advogados pareçam
menos confiáveis que outros profissionais da área jurídica.
Eles tratam de interesses relacionados com o direito das obrigações,
de família e sucessões e dos direitos reais, nas áreas civil e comercial.
Defendem acusados de crimes, alguns de grande notoriedade.
Aqueles cujos interesses são contrariados ou que defendam a punição
sumária dos acusados tendem a culpar os advogados quando o
resultado do processo os desagrada.
A CPI dos Precatórios expõe um lado da questão. Algumas das
testemunhas são tratadas como se fossem réus.
Com a transmissão pela televisão -notoriamente um cenário
impróprio para apurar graus de responsabilidade-, as testemunhas
trataram de se acompanhar por seus advogados. Como entre nós,
embora inscrito na Constituição, o direito à plena defesa ainda é
malcompreendido, são muitos os que vêm, com desconfiança, a
presença dos advogados.
Trata-se de lamentável erro da opinião pública, pois o devido
processo legal, com ampla defesa, é a maior garantia dos inocentes.
Na recente pesquisa norte-americana, o prestígio dos advogados foi
igual ao dos banqueiros, mas melhor que o dos jornalistas. O
jornalismo está em baixa, provavelmente devido à sua voracidade
pelo escândalo, à preferência pelos fatos deletérios ou negativos e até
pela crítica irresponsável.
Nos Estados Unidos, porém, a advocacia está em alta. Basta dizer que
em 1977 o prestígio dos advogados recebeu 19% das indicações e,
este ano, saltou para 36%. No Brasil, com as deficiências da máquina
judicial, relacionadas claramente com as insuficiências do Estado
como um todo, a advocacia continua malcompreendida pelo povo.
As liminares concedidas e cassadas, no caso da Vale, ampliaram a
incompreensão.
É uma pena que não tenhamos sondagem igual, de tão amplo
espectro, em nosso país. Numa nação em que decaiu a confiança da
sociedade em tudo e em todos, com ponderável contribuição da
mídia, seria interessante avaliar os seus efeitos em face das várias
camadas da população.
Parece provável, porém, que nem banqueiros, nem advogados, nem
jornalistas estariam em condição muito melhor que nos Estados
Unidos.

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