Você está na página 1de 33

ANATOMIA ARTÍSTICA

www.ggili.com.br

MICHEL LAURICELLA GG
Título original: Morpho. Anatomie artistique. Dados Internacionais de
Publicado originalmente por Groupe Eyrolles, Catalogação na Publicação (CIP)
Paris em 2014 (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Design gráfico: Sophie Charbonnel Lauricella, Michel


Ilustrações do autor, exceto os desenhos nas Anatomia artística / Michel Lauricella ;
páginas 7, 8 e 10. [tradução Julia da Rosa Simões]. --
São Paulo : Gustavo Gili, 2016.
Tradução: Julia da Rosa Simões
Preparação e revisão de texto: Solange Monaco Título original: Morpho : anatomie
Design da capa: Toni Cabré/Editorial Gustavo artistique.
Gili, SL ISBN 978-85-8452-075-6

1. Anatomia artística 2. Corpo humano


Qualquer forma de reprodução, distribuição, 3. Desenho - Técnicas I. Título.
comunicação pública ou transformação
desta obra só pode ser realizada com a 16-02536 CDD-743.4
autorização expressa de seus titulares, salvo
exceção prevista pela lei. Caso seja necessário Índices para catálogo sistemático:
reproduzir algum trecho desta obra, seja por 1. Representação do corpo humano :
meio de fotocópia, digitalização ou transcrição, Desenho anatômico : Técnicas 743.4
entrar em contato com a Editora.
A Editora não se pronuncia, expressa ou
implicitamente, a respeito da acuidade das
informações contidas neste livro e não assume
qualquer responsabilidade legal em caso de
erros ou omissões.

© da tradução: Julia da Rosa Simões


© Groupe Eyrolles, 2014
para a edição em português:
© Editorial Gustavo Gili, SL, Barcelona, 2016
www.ggili.com.br

ISBN: 978-85-8452-075-6 (PDF digital)


www.ggili.com.br

Editorial Gustavo Gili, SL


Via Laietana 47, 2º, 08003 Barcelona, Espanha.
Tel. (+34) 93 3228161
Editora G. Gili, Ltda
Av. Jose María de Faria 470, Sala 103, Lapa de
Baixo, CEP 05.038-190 São Paulo-SP Brasil.
Tel. (55) (11) 36112443
sumário

5 apresentação

7 introdução

31 cabeça & pescoço

53 tronco

79 raízes do braço

137 membro superior

195 membro inferior

257 visões de conjunto


www.ggili.com.br
Jean-Antoine Houdon, L’ Écorché
(1792), Galeria Huguier,
Escola Nacional Superior de
Belas Artes de Paris.

Este livro foi concebido na Fabrica114, local Também gostaria de lembrar o nome de
que se dedica ao ensino da morfologia e outro professor do Belas Artes de Paris,
se inscreve na tradição da École nationale Paul Richer (1849-1933), cujo livro Nouvelle
supérieure des beaux-arts de Paris, con- anatomie artistique (três volumes publica-
forme transmitida por François Fontaine, dos entre 1906 e 1921) continua sendo uma
www.ggili.com.br

Jean-François Debord e Philippe Comar, referência. Suas obras, livros e esculturas


hoje responsável pelo departamento de ocupavam um lugar fundamental nas co-
morfologia da ENSBA de Paris. Essas três leções da escola, às quais tínhamos a sorte
personalidades de talentos complementa- de ter livre acesso. Eu o citarei várias vezes
res expuseram sucessivamente suas visões ao longo deste livro.
do corpo a uma geração de estudantes Por fim, gostaria de prestar homenagem
– da qual faço parte. Entre abordagens ao magnífico écorché em bronze de Jean-
técnicas e mecânicas ou mais expressivas Antoine Houdon (1741-1828). Sua presença
e artísticas, tivemos a possibilidade de en- fantástica despertou não poucas vocações.
contrar nosso próprio caminho. Agradeço
a eles por isso, sinceramente.

4 Anatomia artística
apresentação

O aprendizado da morfologia se baseia Recomendo, portanto, que você se dedi-


nos fundamentos do desenho de observa- que, paralelamente, à prática do esboço
ção de modelos vivos: composição (gestão rápido e que não perca de vista o fato de
das formas, posicionamento, preenchi- que o conhecimento das formas é relativo,
mentos e vazios), proporções (relação das que o mistério do corpo permanece intacto.
www.ggili.com.br

partes entre si e, acima de tudo, dos deta- Os fundamentos do desenho e da morfo-


lhes com o todo) e aprumos (alinhamento logia devem sempre estar a serviço de um
de diferentes marcos numa linha vertical, desenho a ser enriquecido por nossas ex-
por exemplo a cabeça em relação aos pés periências pessoais, nossa visão de mundo
para uma pose em pé). e nossa sensibilidade.
Os elementos anatômicos podem, num Este compêndio está dividido em seis par-
primeiro momento, apresentar dois incon- tes: cabeça e pescoço, tronco, raízes do bra-
venientes: fazer-nos apreender as formas ço, membro superior, membro inferior e vi-
por meio do detalhe, em detrimento da vi- sões de conjunto. Mas o corpo humano não
são global, e incitar-nos a desenhar apenas está segmentado em partes distintas, seja
as formas que conseguimos reconhecer. no plano das formas ou no da “mecânica”.

5
10

O trapézio (10), por exemplo, é um mús- A distinção entre diferentes indicadores


culo que se estende do crânio à metade (duros, moles, contraídos, tensionados,
das costas e dali até o alto dos ombros. relaxados) refinará a escrita, tornando-
Assim, está em grande parte ligado aos -a mais cheia de nuanças, mais sensível.
movimentos dos braços. Apesar de ocupar A memorização das formas sem dúvida
regiões da nuca, dos ombros e das costas, facilitará o desenho de imaginação, per-
podemos considerá-lo mecanicamente mitindo a construção de personagens no
como um músculo dos braços. espaço e em movimento, enriquecendo
O objetivo deste livro é apresentar o corpo o conhecimento que se tem do próprio
humano sob o máximo de ângulos possí- corpo.
veis, passando uma visão de seus volumes O propósito deste livro é ajudá-lo em seu
e apresentando diferentes versões, mais aprendizado. Consciente da complexida-
www.ggili.com.br

ou menos detalhadas, de esquemas e de dessa disciplina, sei que ele não pode
écorchés,1 a fim de variar as possibilidades substitui frequentar-se um ateliê com mo-
de representação à nossa disposição. delos vivos e o acompanhamento de um
As letras e os números inscritos nos dese- professor.
nhos remetem às legendas na parte interna No que me diz respeito, a abordagem das
das orelhas do livro. Basta deixá-las abertas formas corporais me levou a uma releitu-
para uma consulta rápida durante a leitura. ra de todas as formas naturais e continua
Espero que você se familiarize com as estimulando minha curiosidade e meu
formas do corpo humano para libertar deslumbramento.
sua concentração e torná-la disponível 1
Écorché (esfolado) é o termo francês usado em anatomia artís-
a interpretações mais livres e pessoais. tica para designar o desenho (ou pintura, ou escultura) mor-
fológico das partes anatômicas localizadas sob a pele [N.T.].

6 Anatomia artística
introdução
“Esses esqueletos ou écorchés espantam porque se comportam como os vivos.”
Roger Caillois, Au cœur du fantastique, Gallimard, Paris, 1965.

André Vésale (1514-1564) e Jan Steven Van Bernhard Siegfried Albinus (1697-1770) e Jan
Calcar (1499-1546), A Epítome, 1543. Wandelaar (1690-1759), Tabulae Sceleti et
www.ggili.com.br

Musculorum Corporis Humani (1747).


O écorché: um gênero considerado o marco inicial de uma longa
Desde o Renascimento, os artistas partici- tradição que se estende até os dias de hoje.
pam da composição de obras de anatomia O cuidado na representação dos écorchés,
dirigidas a apreciadores de arte e médicos. concebidos num primeiro momento como
Leonardo da Vinci (1452-1519) deixou ina- simples estudos anatômicos, confere-lhes
cabado um tratado desse tipo,2 por isso La uma existência própria, faz deles um ob-
Fabrica,3 de Andreas Vesalius (1514-1564), é jeto em si, um gênero como o nu ou a
2
Leonardo da Vinci teria concebido, com base em autópsias paisagem. Esse gênero também tem sua
e dissecações feitas no hospital de Roma, um Tratado de ana-
tomia que nunca foi realizado [N.T.].
história, seus códigos e convenções, com
3
De Humani Corporis Fabrica, Da organização do corpo os quais é possível trabalhar e se expressar.
humano [N.T.].

7
Jacques Fabien Gautier d’Agoty (1716-1785),
Miologia completa em cores e tamanho natural (1746)
(rebatizado de “Anjo anatômico” pelos surrealistas

Esses improváveis personagens despidos anatômico que predomina sob a pele coin-
de suas peles, verdadeiros barqueiros en- cidir com os contornos do desenho. Assim,
tre a vida e a morte, fascinam. Sua forte a espessura da pele não é levada em conta
dimensão fantástica não escapou aos e, dependendo das regiões do corpo e das
surrealistas. características morfológicas do modelo, o
www.ggili.com.br

contorno pode ser escolhido entre marcos


A morfologia ósseos, musculares ou adiposos.
Em 1890, Paul Richer preferiu o termo
“morfologia” ao de “anatomia” para desig- Atribuiremos à gordura, de fato, uma im-
nar uma abordagem mais sintética e artís- portância equivalente à dos ossos e mús-
tica, menos fragmentada e médica. culos, tratando de delimitar suas formas
A intenção “morfo” consiste, portanto, em de maneira o menos arbitrária possível,
reter da anatomia somente os elementos pois ao contrário dos outros dois, ela se
que determinam as formas (simplifican- expande sob a pele e não tem limites defi-
do e reunindo certos grupos musculares, nidos. Para ficar mais fácil desenhá-la, pro-
quando necessário) e em fazer o elemento porei alguns esquemas.

8 Anatomia artística
O desenho do écorché se momento, todas as estruturas ósseas,
O écorché pode ser desenhado em várias diferenciar graficamente as partes duras
etapas. Num primeiro momento, sugiro das moles. Depois, una essas estruturas
que se estabeleça a composição do dese- umas às outras, começando pelos ele-
nho, que se organize a silhueta do modelo mentos mais volumosos, como a caixa
www.ggili.com.br

como um todo, por meio de formas sim- torácica (que tem a forma simples de um
ples, sintéticas e geométricas. Controle as ovo), a bacia (como uma grande caixa de
proporções medindo e comparando as di- fósforos) e o crânio. A orientação desses
ferentes partes do corpo entre si. Verifique primeiros elementos é essencial para a ex-
os alinhamentos confrontando e justapon- pressão da dinâmica de uma pose.
do a silhueta do modelo às linhas verticais
do espaço arquitetônico (se um fio de pru-
mo não estiver à disposição) e aos limites
do suporte.
O trabalho sobre o écorché vem a seguir.
É interessante registrar no desenho, nes-

9
Leonardo da Vinci,
O homem vitruviano,
c. 1490.

Respeitar o desenho das articulações e Quando as fibras musculares forem cur-


das inserções musculares ajudará na me- tas, ele se contrairá mais rápido. Por outro
morização das relações entre os diferentes lado, ele será mais elástico quando elas
feixes musculares, mas também permitirá forem longas.
compreender a mecânica do corpo huma-
www.ggili.com.br

no e imaginar as modificações das formas Proporções do corpo


ligadas aos movimentos (estiramentos, Inspirei-me, nas páginas que se seguem,
contrações, relaxamentos musculares, em alguns cânones de proporção, princi-
pregas de flexões ou de torsões). palmente os de Leonardo da Vinci e Paul
Richer, mas esses cânones obviamente
A proporção entre os músculos varia de devem ser questionados diante de cada
pessoa para pessoa, não apenas em rela- modelo. Eles são interessantes por reduzir
ção à potência e, portanto, à espessura, o corpo a medidas simples e memorizá-
mas também na relação existente entre veis, e por permitir uma identificação das
as fibras musculares e as tendinosas. Um características singulares de cada um por
músculo espesso será mais potente. meio da comparação.

10 Anatomia artística
Cabeça Membro superior
Os olhos ficam na meia altura da cabeça. A distância que separa a parte de cima do
Essa proporção varia com a proporção da ombro (clavícula) do cotovelo equivale à
mandíbula. De frente, a largura de um olho distância do cotovelo às cabeças dos me-
separa os dois globos oculares. tacarpos (punho fechado).
www.ggili.com.br

A orelha se situa no nível do nariz e


atrás da articulação do maxilar inferior. A mão pode ser dividida em dois seg-
Verifique a distância entre a orelha e a aba mentos iguais: do punho às cabeças dos
do nariz, um erro frequente consiste em metacarpos e dali à extremidade do dedo
subestimá-la. médio. Em cada dedo, o comprimento
da primeira falange é igual ao das duas
seguintes.

11
Membro inferior matizou e enriqueceu esse cânone: em ge-
Da articulação do quadril até o chão, a ral, a envergadura masculina é maior que
meia altura fica no nível da articulação do a altura; a altura feminina, maior que a en-
joelho. Com a perna dobrada, o calcanhar vergadura. A diferença entre a largura dos
fica embaixo das nádegas. ombros, que influencia a medida da enver-
www.ggili.com.br

gadura, explica essas disparidades.


Visão de conjunto
O famoso cânone de Da Vinci – um ho- A meia altura da estatura total na posi-
mem de pé, braços afastados, dentro de ção em pé pode ser colocada no púbis, o
um quadrado (ver página 10) – coloca em quarto de altura, na articulação do joelho.
evidência uma proporção muito útil para o Braços ao longo do corpo, a ponta da mão
desenho: nosso tamanho corresponderia à pode chegar à metade da coxa. O cotovelo
nossa envergadura (distância que separa fica na altura da cintura.
a extremidade de nossas mãos quando os
braços estão abertos e alinhados). Richer,
por meio de inúmeras medidas e médias,

12 Anatomia artística
Aprumos lação do quadril, na frente da articulação
Com o auxílio de um fio de prumo (um do joelho e no peito do pé. A coluna ver-
simples objeto suspenso à ponta de um tebral se articula com o crânio sobre essa
fio pode servir) ou de uma vertical no linha e o sustenta por baixo, curvando-se
ambiente que circunda o modelo (canto para frente. Ela fica atrás da linha de pru-
www.ggili.com.br

entre duas paredes, marco de uma porta mo até chegar às vértebras lombares que,
etc.), você pode verificar o alinhamento na curvatura máxima (posição em pé),
de diferentes pontos do corpo e o equilí- passam na frente da linha antes de chegar
brio entre as diferentes partes. Respeitar ao osso sacro por trás dela.
os alinhamentos permite expressar o peso
do corpo, a estabilidade ou, ao contrário, Uma visão frontal do membro inferior, na
o desequilíbrio, a dinâmica de uma pose. mesma posição, complementa essa des-
De perfil, posição em pé, braços ao longo crição: uma linha vertical desce da articu-
do corpo: uma linha vertical vai do buraco lação do quadril (partindo da cabeça do
auditivo (articulação do maxilar inferior), fêmur). Ela passa pelo meio das articula-
passa na frente do ombro, atrás da articu- ções do joelho e do tornozelo. Observe a

13
tir

direção do fêmur: o colo femoral, desvian- cio da arcada zigomática que se desenha
do-o para fora, obriga-o a reencontrar a sob a pele até o osso zigomático. É pos-
linha de prumo descendo obliquamente. sível posicionar as órbitas tomando como
referência o cânone de proporções que
Cabeça e pescoço coloca os olhos na meia altura da cabeça
www.ggili.com.br

Marcos ósseos vista de frente (altura a ser reavaliada de-


De perfil, o crânio pode ser desenhado por pendendo do modelo).
meio da justaposição da caixa craniana
ovoide ao maciço facial. Este compreende O pomo de adão ou cartilagem tireoide (tir
o contorno das órbitas, o osso zigomático na imagem) também determina as formas
e o maxilar inferior em arco de círculo su- da região. Sob a pele, ele tem a aparência
bindo até as orelhas. de um marco ósseo. Essa cartilagem, sus-
O buraco auditivo é uma referência impor- pensa ao maxilar inferior por meio de um
tante para a construção do crânio. Situado pequeno osso em ferradura (osso hioide),
na meia altura do perfil, ele é o ponto de se une à traqueia que, por sua vez, se loca-
encontro entre a mandíbula inferior e o iní- liza no eixo do esterno.

14 Anatomia artística
4

Formas musculares No pescoço, convém primeiro posicionar


A musculatura da cabeça compreende os músculos esternoclidomastoideos (6),
dois músculos mastigadores que podem extremamente eficazes e estruturantes.
influenciar sua forma: o masseter (5) e o Esses músculos expressivos se verticali-
temporal (4). Os dois se inserem no ma- zam quando giramos a cabeça. Eles fazem
www.ggili.com.br

xilar inferior. No rosto, os músculos são a ligação entre o crânio e a caixa toráci-
subcutâneos: eles se prendem à pele e ca, desenhando duas linhas que ladeiam
se confundem com ela. Como o écorché, o pomo de adão. A glândula tireoide fica
por definição, é um “desprovido de pele”, embaixo dessa cartilagem e pode arre-
é difícil representá-los. Quase todos esses dondar e suavizar o desenho dessa região,
músculos irradiam da boca. Não penso principalmente nas mulheres.
que seja necessário conhecer seus pontos
de inserção. Apenas a disposição em es-
trela, ao redor dos lábios e sobre eles, será
lembrada aqui.

15
Feminino

Masculino

ísquio

Tronco ocupa cerca de um terço), bem como o


Marcos ósseos espaço que separa os dois ísquios (as sa-
A caixa torácica tem um formato ovoide. A liências inferiores no desenho desse osso),
parte mais larga, em geral, coincide com o são critérios de distinção entre as bacias
contorno logo acima da cintura, ela se es- masculina e feminina.
www.ggili.com.br

treita e se fecha abaixo dela. O espaço que As bacias mais largas em valor absoluto
a separa da bacia é menor do que parece são as masculinas. É no valor relativo, em
(três dedos em média). Em certas posi- relação à massa corporal, que as bacias fe-
ções (flexão, inclinação), a caixa torácica mininas são mais largas. As asas e arcadas
pode ir para dentro da bacia. que se desenvolvem acima e abaixo do
anel oferecem superfícies de inserção para
A bacia cinge a parte de baixo do abdô- os músculos da cintura abdominal e para
men e divide o peso da metade superior os músculos da coxa.
do corpo entre os fêmures, por meio do
anel pélvico. A maior ou menor circunfe-
rência desse anel (em que o osso sacro

16 Anatomia artística
cl

esc

8
9

Formas musculares Raízes do membro superior


Os espinhais (7, conjunto de músculos que Marcos ósseos
ladeiam a coluna vertebral, do osso sacro A escápula (esc) e a clavícula (cl) podem
ao crânio) são músculos profundos, cober- ser consideradas os primeiros ossos do
tos por uma musculatura superficial, mas membro superior. No plano mecânico,
www.ggili.com.br

suficientemente espessos e visíveis para têm a simples função de permitir que o


merecer nossa atenção. braço efetue certos movimentos. Cada
Ao lado dos grandes oblíquos (9) e dos mudança de posição do braço provoca
grandes retos (8, abdominais), formam modificações, às vezes impressionantes,
uma cintura abdominal muscular. Juntos, no desenho do tronco. Teoricamente, se
eles constituem a musculatura típica do a escápula estivesse fixa à caixa torácica,
tronco. De fato, os músculos da parte de não poderíamos levantar o braço acima da
cima do tronco, bem como os ossos pre- linha horizontal. A escápula precisa girar e
sos a eles, fazem parte, no plano funcional, se orientar para cima para que a elevação
do membro superior e constituem suas seja completa.
“raízes”.

17
10

14

15

10

13
17

11

A comparação entre a anatomia huma- de tudo, músculos abaixadores do braço


na e a animal (anatomia comparada) nos e formam as paredes da axila, enquanto
ensina sobre a utilidade da clavícula, que os dois últimos, fazendo a escápula gi-
não existe em vários mamíferos (essa au- rar e orientando-a para cima (mantidos
sência favorece outras capacidades), e pelo deltoide, 17), permitem sua elevação
www.ggili.com.br

percebemos que a musculatura de nossos completa.


membros superiores, aliada à nossa cintu-
ra escapular (escápulas e clavículas), per- O seio pode ser considerado um saco de
mite movimentos de elevação em todas as gordura que contém a glândula mamá-
direções. ria. Localizado numa dobra de pele, po-
demos dizer que está preso à clavícula e
Formas musculares que seguirá todos os movimentos desta,
As raízes do braço correspondem aos deformando-se.
músculos peitoral (13), redondo maior (14),
grande dorsal (15), trapézio (10) e serrátil
anterior (11). Os três primeiros são, acima

18 Anatomia artística
ume

ulna

rad

Membro superior redondada que chega ao punho, ao lado


Marcos ósseos do dedo mínimo.
Mesmo quando recoberta pelo deltoide,
a extremidade superior do úmero (ume) A forma do dorso das mãos e dos dedos
é um bom marco ósseo. Localizado sob deriva essencialmente do esqueleto. Os
www.ggili.com.br

a junção clavícula/escápula, ela cria uma pequenos ossos do punho pouco se dis-
forma arredondada sob o músculo. tinguem, com exceção dos dois que ficam
Na região do cotovelo, esse osso termina no “calcanhar” da mão. Encontramos uma
numa articulação dupla: uma esfera en- articulação esférica (rotação) nas cabe-
costada numa polia. A esfera se articula ças dos metacarpos, na parte de cima do
com o rádio (rad) e possibilita os movi- punho fechado. Mas são as polias (flexão/
mentos de rotação da mão. A polia está extensão) que separam as diferentes fa-
reservada à ulna (ulna) e possibilita, por langes entre si. Observe: duas falanges
sua vez, os movimentos de flexão/exten- para o polegar, três para os outros dedos.
são. Esse osso subcutâneo é desenhado,
no écorché, do cotovelo até a saliência ar-

19
17

19
22 21

23

26

24

Formas musculares A versão simplificada do antebraço com-


O músculo deltoide (17) cobre a articula- preende três conjuntos musculares: ao já
ção do ombro e auxilia na elevação do bra- mencionado úmero estilorradial (geral-
ço. De forma triangular, sua ponta dirigida mente confundido com o primeiro radial)
para baixo quase sempre é dissimulada é preciso acrescentar os extensores (24,
www.ggili.com.br

por uma camada adiposa que se estende da mão e dos dedos, polegares inclusos)
e se confunde com o tríceps (19). e os flexores (26, da mão e dos dedos).
Aos três feixes do tríceps (três feixes para A posição chamada “anatômica” (mão
um único tendão) deve-se opor o músculo aberta, o polegar para fora, numa visão de
braquial (22, que nem sempre represento frente) foi muito privilegiada nas obras de
em meus desenhos, por simplificação), o anatomia, pois permite uma leitura plana
bíceps (21, dois feixes para um tendão co- dos ossos da mão e do antebraço, que se
mum) e o úmero estilorradial (23). O trí- cruzam quando o polegar é trazido para
ceps é extensor do antebraço, os outros dentro. Para compreender a musculatura,
são flexores. porém, é melhor partir de uma posição na-
tural: mão pendendo ao longo do corpo,

20 Anatomia artística
a palma contra a coxa. Nessa posição, os A mobilidade do polegar e a mobilidade
extensores, que se prendem à parte ex- relativa do dedo mínimo necessitam, na
terna do úmero, descem verticalmente na base, da presença de músculos que contri-
mesma linha do dorso da mão. Os flexores, buam para tornar a palma carnuda.
a partir da extremidade interna do úmero,
www.ggili.com.br

descem verticalmente na linha da palma. Na palma, a gordura também desempe-


O úmero estilorradial, por sua vez, desce nha um papel importante. Ela protege as
entre os dois grupos anteriores. extremidades ósseas, como as pequenas
almofadas adiposas das patas dos gatos.
A mão pode ser concebida como uma pin- Ela se concentra sob as cabeças dos me-
ça, com o potencial de preensão inscrito tacarpos e sob cada falange, fazendo a
em suas formas em repouso. A capacida- palma parecer mais longa que o dorso da
de do polegar de ir ao encontro dos de- mão. As cabeças dos metacarpos, a des-
dos torna fundamental sua orientação. É coberto no dorso, são portanto envolvidas
preciso cuidado nos volumes, nas dobras por ela na palma. É essa diferença entre
articulares e nas unhas para representá-la. as duas faces da mão que explica as do-

21
sacr

fe

ro

fib

tib

bras de pele (comissura interdigital) e o limitam sob a pele – no alto, o início das
plano chanfrado entre os dedos. As linhas duas asas da bacia e, em baixo, o início da
da mão são dobras de flexão do polegar fenda interglútea.
(as chamadas linhas “da vida e do desti-
no”) e dos dedos (linhas “do coração e da O fêmur (fe), na altura da articulação do
www.ggili.com.br

cabeça”). quadril quando não encoberto por uma


camada de gordura, se desenha sob a
Membro inferior pele. Esse osso reaparece no joelho, atrás
Marcos ósseos da rótula (ro), pequeno osso móvel cober-
A bacia é visível pelo topo e pelas extremi- to pelo tendão do quadríceps. Nesse pon-
dades de suas asas sob a cintura. Ela mar- to, percebe-se claramente a tíbia (tib), que
ca a fronteira entre o tronco e o membro permanece subcutânea até o tornozelo
inferior. Os sexos são desenhados sob o (maléolo interno). A fíbula (fib) é percep-
púbis coberto pela gordura da região e por tível apenas por suas duas extremidades e
pelos púbicos. Nas costas, o sacro (sacr) é também participa no desenho do tornoze-
cercado por três marcos ósseos que o de- lo (maléolo externo).

22 Anatomia artística
31

32

Para bem compreender o pé, é impor- alto na borda interna (lado do maléolo
tante conhecer sua estrutura óssea. Ele mais alto), gira progressivamente até a
deve ser concebido como um arco natu- borda externa (maléolo baixo).
ral. Verdadeiro amortecedor, seu papel é
suportar choques e o peso do corpo. O Assim, em geral se distingue uma parte
www.ggili.com.br

arco plantar expressa essa dinâmica em- dinâmica (arco interno associado ao mús-
baixo do pé, como se sabe, mas também culo abdutor e ao dedo mais forte) e uma
no dorso (não levaremos em conta o arco parte estática (os três últimos metatarsos
externo). O pé é convexo, portanto, e a não e dedos correspondentes).
ser que se esteja diante de um pé chato,
convém respeitar a forma do tornozelo até Formas musculares
as cabeças dos metatarsos. A asa da bacia oferece uma ampla super-
fície de inserção para o glúteo médio (31),
A essa visão esquemática é preciso jus- às vezes chamado de “deltoide da bacia”.
tapor outra: o esqueleto do pé como um O glúteo máximo (32) o prolonga até o
todo tem uma forma helicoidal. O pé, mais sacro. Existem várias versões anatômicas

23
33

dessa região. Prefiro enfatizar a parte prin- cujo comprimento depende justamente
cipal desse músculo, que se prende direta- da espessura do tecido adiposo.
mente ao primeiro terço do fêmur, entre o
quadríceps (33) e os isquiotibiais (34). O quadríceps, como o nome indica, é
constituído por quatro feixes musculares
www.ggili.com.br

O erro mais comum consiste em confun- que se unem num único tendão, que de-
dir músculos e gordura na região glútea. pois de envolver a rótula se insere na tíbia.
O desenho das nádegas depende da gor- Desses diferentes feixes, manteremos ape-
dura. É difícil avaliar a proporção muscular, nas os três principais. O quarto, profundo,
mas é possível estimá-la baseando-se em não pode ser visto. Enquanto os dois fei-
outras partes do corpo. De todo modo, pa- xes laterais partem do fêmur, que impõe
rece-me mais interessante tentar simplifi- ao músculo sua direção, o feixe central se
car e sintetizar as formas adiposas. Sem a prende à bacia e se une aos outros na tíbia.
gordura, o músculo glúteo máximo toma-
ria o caminho entre o sacro e o fêmur mais
direto, não teríamos a fenda interglútea,

24 Anatomia artística
36

37

34

O tensor da fáscia lata (36) é um músculo funcionar juntos, contendo a coxa antes de
que tem um modo de inserção particu- chegar ao joelho embaixo da articulação,
lar. Aqui também, deve-se optar. Convém como para reforçá-la de lado a lado. A dis-
lembrar que o quadríceps, como todos os posição dos dois lembra as rédeas de um
músculos, é envolvido por uma membrana arreio que tivesse o freio nos joelhos.
www.ggili.com.br

fibrosa que o contém, que lhe dá forma,


acompanhando suas fibras em profun- Proponho uma versão simplificada dos is-
didade até o esqueleto. Essa membrana quiotibiais. Reduza esses músculos a dois
(fáscia ou aponeurose) desce pela perna longos fusos que, a partir do ísquio (ponta
envolvendo, ao passar, o joelho. O tensor da extremidade inferior da bacia), descem
em contração (flexão da coxa) ou em ten- e se afastam para deixar passar entre eles
são (apoio sobre uma das pernas) tende o gastrocnêmio medial e lateral (39 e 40),
a tensionar a fáscia e dar-lhe a forma de atrás do joelho. Com a perna dobrada, os
uma longa fita, que pode ser desenha- isquiotibiais (34) terminam em dois lon-
da ao lado do quadríceps e do joelho. O gos tendões de cada lado da cavidade
tensor da fáscia e o sartório (37) parecem poplítea.

25
35

34

39 40

A versão simplificada dos adutores (35) que a camada adiposa diminui da raiz até
consiste em considerar apenas os feixes as extremidades dos membros.
mais potentes e em confundi-los sob a
mesma denominação. Esses músculos O conjunto muscular gastrocnêmios e só-
quase sempre estão cobertos por uma leo (38) forma um tríceps. Seu tendão em
www.ggili.com.br

espessa camada de gordura que começa comum é o famoso tendão de Aquiles, que
no alto das coxas e se torna mais fina ao se integra ao calcanhar (calcâneo), poten-
descer. te alavanca. Na parte frontal da perna, os
extensores (42) lembram os do antebra-
Encontramos um ponto adiposo simétri- ço: os feixes partem do exterior e descem
co do outro lado da coxa, sob a articula- para se inserir no dorso do pé (no outro
ção do quadril, tipicamente feminino. Se caso, da mão).
compararmos os dois membros, inferior e
superior, esse ponto adiposo lembra aque-
le que fica atrás da ponta do deltoide. De
modo geral, é possível dizer, simplificando,

26 Anatomia artística
42

38

44

O pé, concebido como um arco em que pele e o plano chanfrado entre os dedos,
esqueleto seria a armação, precisa ser pelas mesmas razões.
submetido à protensão de uma corda
muscular. O abdutor (44) do dedão de- Similitudes entre braços e pernas
sempenha esse papel. Podemos comparar o esqueleto dos
www.ggili.com.br

membros superiores e inferiores humanos.


A construção do pé é perceptível pela Em certas linhagens animais, essa com-
pegada deixada no solo. Essa pegada, no paração pode ser estendida às cinturas
entanto, pode nos induzir ao erro em re- escapular (escápula, clavícula) e pélvica
lação à maior ou menor dinâmica de um (bacia), mas no âmbito desta obra isso não
pé, pois o arco plantar pode estar coberto será necessário.
pela gordura da região. Essa gordura lem- Nos dois membros, inferior e superior, te-
bra a da mão e também contribui para a mos um único osso no primeiro segmento:
função amortecedora do pé, agindo como úmero e fêmur. Depois, temos dois ossos
um verdadeiro colchão sob os ossos. no segundo segmento: rádio/ulna e tíbia/
Encontramos, como na mão, as dobras da fíbula. A seguir, vêm os pequenos ossos do

27
punho que poderiam corresponder aos do É a justaposição por pares de ossos, rádio/
tornozelo. Por fim, cinco dedos na mão e ulna e tíbia/fíbula, que permite isso.
no pé, com o mesmo número de falanges
nas extremidades, sendo uma a menos no A disposição mais simples é a que encon-
polegar e no dedão. tramos no membro inferior (tíbia e fíbula
sempre paralelos), como se “a natureza
Vimos que os músculos que acionam a tivesse fabricado”, a partir de uma dis-
www.ggili.com.br

mão e o pé se prendem acima das articu- posição semelhante no antebraço, a pos-


lações do punho e do tornozelo, e repou- sibilidade de cruzar e descruzar os dois
sam nos pares de ossos do antebraço e da ossos a fim de aumentar as possibilidades
perna. A complexidade das extremidades, de movimentação das mãos (pronação/
principalmente o número de dedos (e, supinação).
aqui, a anatomia comparada entre dife-
rentes espécies de mamíferos é rica em
informações), parece determinar e tornar
necessária a ampliação (no mesmo plano
da mão ou do pé) das zonas de inserção.

28 Anatomia artística
www.ggili.com.br

pranchas
www.ggili.com.br

30 Anatomia artística
www.ggili.com.br

&
cabeça
pescoço
www.ggili.com.br

Fig. 1: a arcada zigomática e a


articulação do maxilar inferior se
encontram à frente do buraco auditivo. Fig. 1

32 cabeça & pescoço - crânio


Fig. 2

Fig. 3 6
www.ggili.com.br

Características sexuais
O crânio feminino (Fig. 2) tem a testa mais
vertical, as eminências frontais mais salientes,
as aberturas (órbitas e fossas nasais) maiores.
O crânio masculino (Fig. 3) tem a testa mais
inclinada, os arcos superciliares mais marcados,
as mandíbulas e os dentes mais fortes. Mais
resistente, ele é mais espesso em detrimento das
aberturas.
O ângulo da mandíbula é mais marcado, bem
como a inserção do esternoclidomastoideo (6).

crânio - cabeça & pescoço 33

Você também pode gostar