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ESCOLA E CURRÍCULO: UMA SIMBIOSE ENTRE DOIS MUNDOS

Mauri Manoel da Silva Junior*

RESUMO

O objetivo deste artigo é expor, mediante análise prévia de autores


consagrados, as relações entre escola e currículo, suas implicações e
desdobramentos. De que forma o currículo faz parte do ambiente escolar e como a
escola, entendida como instituição formal de ensino, depende dele.

Palavras-chave: escola; currículo; Estado; educando; sociedade.

ABSTRACT

The purpose of this article is to expose, through prior analysis by renowned


authors, the relations between school and curriculum, their implications and
consequences. How the curriculum is part of the school environment and how the
school, understood as a formal educational institution, depends on it.

1 INTRODUÇÃO

A escola organizou-se ao longo de sua história, como um ambiente formal


onde obtém-se o conhecimento poderoso, ou seja, aquele criado com bases
metodológicas e métodos científicos. Para tanto, diversos processos de ensino-
aprendizagem são necessários e a construção de currículos, em maior ou menor
grau, contribui para o êxito dos espaços escolares. Discutiremos então essa relação,
ambiente escolar e currículo, a fim de obtermos esclarecimentos sobre essa

** Acadêmico do curso de Licenciatura em Matemática do Instituto Federal Catarinense. Aluno com vínculo
especial na UFSC. E-mail: maurimanoel@hotmail.com
simbiose. Há necessidade de currículos nos espaços escolares? Se sim, de que
forma esses currículos são construídos? Eles atendem a quais interesses?
As perguntas são inúmeras, muitas das quais sem uma resposta definitiva. Os
desafios para entendermos essa relação são imensuráveis mas de extrema
importância para a construção de uma escola mais democrática e exitosa na
formação da cidadania.

2 ESCOLA E CURRÍCULO

Para que servem as escolas? Iniciaremos nossas reflexões com esta


pergunta feita por Michael Young num artigo publicado em Educ. Soc., Campinas,
vol. 28, n. 101, p. 1287-1302, set./dez. 2007. Se pensarmos a escola como um local
apropriado a obtenção do conhecimento poderoso, ou seja, aquele conhecimento
teórico construído pela humanidade ao longo dos séculos, teremos de nos remeter a
um questionamento ainda mais básico: a forma de transmissão desse
conhecimento.

Segundo OLIVEIRA (2013),

“[...] o conhecimento é uma atividade pela qual o homem se


diferencia dos outros animais e, na medida em que o adquire,
melhora suas próprias condições de existência em diversos
aspectos, especialmente o moral, o intelectual e o material.” (apud
ALAIN, 2018).

Ainda segundo YOUNG, as escolas “são instituições com o propósito


específico de promover a aquisição de conhecimento […]”. (apud ALAIN, 2018).
Começa a ficar claro a centralidade do conhecimento e a forma como deverá ser
repassado aos educandos.
A partir desse contexto refletiremos sobre a importância do currículo para o
desenvolvimento da escola, de modo que esta obtenha êxito em sua árdua tarefa de
entrega do conhecimento poderoso.
Levantamos a hipótese da necessidade de currículo para as atividades
escolares. Mas o que é currículo? Para que serve? Quais os mecanismos utilizados
pelo currículo a fim de obtermos êxito nos processos de ensino-aprendizagem? As
respostas a esses questionamentos sobrevirá a tese da importância e centralidade
do currículo aos processos escolares, principalmente aqueles onde o ensino-
aprendizagem estão incluídos.
A medida que vamos penetrando no mundo do currículo, percebemos sua
amplitude. Trata-se de um conceito muito antigo, conforme Sacristán:

O termo currículo deriva da palavra latina curriculum (cuja raiz é a


mesma de cursus e currere). Na Roma antiga falava-se do cursus
honorum, a soma das “honras” que o cidadão ia acumulando à
medida que desempenhava sucessivos cargos eletivos e judiciais,
desde o posto de vereador ao cargo de cônsul. […] Por outro lado, o
currículo também tem o sentido de constituir a carreira do estudante
e, de maneira mais concreta, os conteúdos deste percurso,
sobretudo sua organização, aquilo que o aluno deverá aprender e
superar e em que ordem deverá fazê-lo. (SACRISTÁN, 2013).

Pelo exposto, fica mais evidente a intencionalidade do currículo: repassar


conteúdos que farão parte da carreira e da vida do educando. Se existe intenção,
perguntamo-nos: quais a forças norteadoras do currículo escolar? Ensina-se o que,
para que e para quem?

De acordo com Alain,

A partir da ideia do currículo entendido como um conjunto de


disputas de interesses, é necessário levantar um questionamento:
qual é a parcela da sociedade que detém o poder sobre as decisões
acerca dos conteúdos a serem ensinados? A escola é uma
instituição inserida na sociedade e assim, é diretamente influenciada
pelo sistema que organiza a política e a economia. (ALAIN, 2018).

A partir desse ponto, podemos chegar a algumas conclusões acerca do


currículo. Percebemos ser um mecanismo sistemático de repasse do conhecimento
poderoso, com intencionalidade externa política e econômica. Mas seria o currículo
apenas um sistema de repasse de conteúdos, no melhor estilo de disposição de
disciplinas? Se o currículo sobre influências externas, políticas e econômicas, quais
são os entes responsáveis pelo direcionamento do currículo?

Consoante a Resolução CEB/CNE 03/98,

[…] a organização do currículo deve ser coerente com princípios


estéticos, políticos e éticos, abrangendo a estética da sensibilidade,
que deverá substituir a da repetição e padronização, estimulando a
criatividade, o espírito inventivo, a curiosidade pelo inusitado, e a
afetividade, bem como facilitar a constituição das identidades
capazes de suportar a inquietação, conviver com o incerto e o
imprevisível […] (BRASIL, 1998a, p. 102, apud NASCIMENTO et al,
2010).

Novamente percebemos a intencionalidade política e estética na formulação


do currículo. Uma formação cidadã, sempre atendendo aos interesses externos, ou
seja, a integração do educando a sociedade a qual faz parte.
Até agora percebemos muitos interesses na construção do mecanismo
“currículo”, mas Silva (2007, p. 24, apud NASCIMENTO, 2010), nos diz que:

Na perspectiva de Bobbit, a questão do currículo se transforma numa


questão de organização. O currículo é simplesmente uma mecânica.
A atividade supostamente científica do especialista em currículo não
passa de uma atividade burocrática […] o currículo se resume a uma
questão de desenvolvimento, a uma questão técnica.

Nessa perspectiva, vemos o currículo como um instrumento, uma maneira


de forjar os educandos para uma sociedade previamente idealizada. Isto corrobora
com o entendimento da escola como aparelho ideológico do Estado. Esse
paradigma revela, intrinsecamente, o currículo como sendo um mecanismo de
formação cidadã de nossos educandos, tendo a escola como meio.

Nosso objetivo neste artigo, é analisar diversos pontos de vista acerca do


currículo e assim, mediante um exercício de reflexão, levantar a tese do currículo
como pressuposto fundamental para organização e gestão da educação.
Podemos pensar, por tudo que nos foi exposto, que o currículo escolar
deveria ser construído por aqueles que fazem parte da educação. Conforme Alain,

O currículo, de uma maneira objetiva, a partir da luta de interesses,


prescreve (LOPES, 2004) as atividades da escola e dá a direção
para formação dos alunos. É necessário levantar um
questionamento: se o currículo dita o que os estudantes aprenderão,
não deveriam ser os professores os principais envolvidos na
discussão da constituição curricular levando em considerações suas
formações específicas? (ALAIN, 2018).

O autor nos informa que o currículo prescreve as atividades da escola, ao


mesmo tempo que dita o que os estudantes aprenderão. Parece-nos que, seguindo
esse raciocínio, o currículo deva permear e transcender os aspectos disciplinares.
Currículo é tudo que envolve a escola e além dela. São as famílias, as associações,
a comunidade, a própria escola e sua estrutura física, humana, política. É o Estado e
seus sistemas de ensino, seus parâmetros curriculares.
Vimos que o currículo é central na construção da entidade escola. Esta não
prescinde daquele. O currículo é intencional e é a forma como o Estado subjuga a
formação cidadã desejada. A escola é um aparelho estatal, seja pública ou privada.
É um aparelho de seus ideais.
Em síntese, o currículo é a bússola que orienta os processos de ensino-
aprendizagem no ambiente escolar. Não importa quem o construa, ele sempre
estará ali, seja formalmente, seja na forma de um currículo oculto.

3 ESTADO E CURRÍCULO

As reflexões acerca do currículo convergem para um entendimento,


mediante sua centralidade e intencionalidade, que se encontra cingido por forças
externas como a escola e o Estado.
O Estado, detentor de todos os mecanismos de controle, acaba por formular
e direcionar a escola e por conseguinte o currículo, transformando aquela, como
dito, o seu aparelho ideológico.
Todo esse paradigma educacional, colocando o Estado na capitania daquilo
que deve ser ensinado, evidenciando-se como força suprema no direcionamento dos
currículos, pode ser constatado durante todo o século XX. No início, com a
tendência formalista clássica, em que a passividade do aluno, memorização e
reprodução eram a chave do êxito escolar. Em seguida veio a tendência empírico
ativista, onde o importante era o educando aprender a apreender, ou seja, torná-lo
apto a assimilar e captar os ensinamentos do professor. Chegando a segunda
metade do século tivemos a tendência tecnicista oferecendo uma formação
pragmática e orientada ao mercado. Disciplinas como filosofia, sociologia e história
eram relegadas a segundo plano, pois o importante era a preparação para o
mercado de trabalho. Como poderiam ser formados cidadãos críticos, que por
exemplo, olhariam nossa bandeira criticamente, enxergando ali, em seus primórdios,
um alinhamento positivista e contrário aos ideais da revolução francesa? Liberdade,
Igualdade e Fraternidade não são importantes? A intenção aqui não é defender uma
ou outra corrente, mas sim preparar os educandos para que, com suas próprias
lentes e ancorados num conjunto amplo de conhecimentos, possam tirar suas
próprias conclusões.
Mais recentemente, com a aprovação da “nova” BNCC – base nacional
curricular comum – retrocedemos a tendências do século XX, expurgadas outrora
por ineficiência na preparação dos educandos. Aqui cabe um registro de Neto
(2019),
[...] orientação curricular a partir de parâmetros mercadológicos, em
forma de competências, técnicas e socioemocionais, dissociadas dos
conteúdos curriculares; ausência das discussões em relação à
inclusão e diversidade; obrigatoriedade apenas dos saberes da
língua portuguesa e matemática, menosprezando as demais áreas
que compõem o currículo essencial; exclusão das ciências humanas
deteriorando a compreensão crítica sobre a realidade; indução à
oferta de ensino em grande parte (até 40%) na modalidade a
distância, reduzindo o tempo presencial a 3 dias da semana. (NETO,
2019, p. 16, apud Alain 2021).

Tudo isso mostra como o Estado cria e determina tendências, influenciando


fortemente o currículo escolar, tornando a escola única e exclusivamente, como já
reiteradamente comentado, um aparelho ideológico de si próprio.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Percebe-se ao longo do texto uma relação biunívoca entre escola e


currículo. Este depende daquela e vice-versa. O currículo é a ferramenta a qual a
escola utiliza para formalizar o processo de ensino-aprendizagem.
Constatou-se uma série de intencionalidades na construção do currículo,
levando a escola ser entendida como um aparelho ideológico do Estado. Para além
das questões escolares, percebeu-se aspectos políticos e econômicos envoltos no
ambiente escolar.
Simplificadamente, após análise do texto, verificamos um meio e um fim. O
currículo encaixa-se como um meio para a escola chegar a um fim. A finalidade da
escola é a formação cidadã esperada pela sociedade, pelo Estado que a representa.
Essa formação é obtida pelo acesso ao conhecimento poderoso, transcendendo
aspectos objetivos e subjetivos, alinhando o currículo formal ao oculto.
Concluímos que o currículo faz parte da escola, é intrínseca a ela, não
importando de onde venha e quais forças norteadoras o construa.

REFERÊNCIAS

NASCIMENTO, Ilma Vieira do et al. Currículo Escolar: dimensões


pedagógicas e políticas. EDUFMA – São Luís, 2010.

SACRISTÁN, José Gimeno. Saberes e incertezas sobre o currículo. Penso –


Porto Alegre, 2013.

NETO, Alain Souza. Currículo e formação no ensino de ciências: discussões


interdisciplinares. Pimenta – São Paulo, 2021.

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