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Violência institucional e privação dos direitos humanos

Chapter · January 2010

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Ana Barbeiro
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Barbeiro, A. & Machado, C. (2010). Violência institucional e privação dos direitos humanos. In
C. Machado (org), Novos Olhares Sobre a Vitimação Criminal: Teorias, Impacto e
Intervenção (237-276). Braga: Psiquilíbrios.
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Introdução
O estudo da violência institucional e das diferentes formas de vitimização que
dela decorrem não tem sido alvo de grande investimento por parte da vitmologia, com a
excepção das abordagens de género (cf. Khair, 2003; Machado, Dias, & Coelho, 2010;
Rondon, 2003). Por outro lado, as violações dos direitos humanos, quer sejam ou não
consideradas como formas de violência institucional, têm também ocupado um lugar
marginal nesta disciplina, bem como na criminologia. Se estes dois temas, interligados,
podem constituir um novo tipo de abordagem à vitimização, o futuro o dirá. No entanto,
ao longo das últimas décadas, investigadores de diferentes disciplinas das ciências
sociais, como a sociologia ou a psicologia social, têm-se debruçado sobre estes
fenómenos, quer em termos da sua conceptualização quer do seu estudo empírico.
Neste capítulo discutem-se alguns destes trabalhos, sem pretensão de
exaustividade, procurando articulá-los de forma a propor uma base teórica para uma
abordagem vitimológica da violência institucional e da privação dos direitos humanos.
Pretende-se explorar algumas questões, tais como: é possível, de um ponto de vista
teórico, conceptualizar a violência institucional de forma a tornar este conceito
operacionalizável?; poderão as violações dos direitos humanos ser consideradas como
formas de violência?; de que modo estes fenómenos podem tornar-se objectos de estudo
da criminologia e da vitimologia?; e do ponto de vista do senso-comum, serão
percebidos como formas de violência?; como se posicionam os cidadãos face a estas
formas de violência? e do ponto de vista das vítimas, percebem-se elas como tal?; quais
as consequências psicossociais deste tipo de vitimização?
A própria ideia de violência, seja ela institucional ou pessoal, é um conceito
ambíguo. Meyran (2006) destaca algumas das dificuldades em definir e estudar a
violência. Em primeiro lugar, a distinção frequentemente feita nas ciências sociais entre
violência física e violência moral/simbólica tem as suas raízes na oposição tradicional
entre corpo e espírito. Ora se esta oposição se dilui nas ciências contemporâneas, isso
torna difícil traçar uma fronteira entre estes dois tipos de violência. Dizer que um
determinado acto constitiu uma violência exclusivamente centrada no somático e que
outro atinge apenas os aspectos morais de uma vítima é uma distinção enganadora: uma
lesão corporal pode implicar consequências psicológicas; uma humilhação pode
engendrar um sofrimento somático ligado ao sofrimento psíquico. No entanto, parece de
bom senso considerar que um insulto e uma agressão com uma arma de fogo são actos
que, mesmo sendo violentos, pertencem a diferentes categorias de violência (Meyran,
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2006). Uma segunda questão diz respeito às tensões entre o inato e o cultural nas
diferentes explicações para as origens da violência: se, por exemplo, as abordagens
etológicas e psicanalíticas enfatizam as dimensões instintivas da violência, por outro
lado as abordagens etnológicas e socio-culturais destacam o seu cariz cultural e
aprendido. Geralmente, estas duas perspectivas tendem mais a opôr-se do que a
procurar explicações integradoras (ibidem). Uma terceira clivagem patente nas
concepções da violência relaciona-se com a oscilação entre o determinismo
social/situacional – evidenciado nos estudos clássicos da psicologia social como os de
Milgram (1963) ou Zimbardo (Haney, Banks, & Zimbardo, 1973; Zimbardo, 2007) – e
a responsabilização individual – valorizada nas sociedades contemporâneas, e patente,
por exemplo, na cultura do sistema penal.
A violência tem sem dúvida uma dimensão social: para que ela exista é preciso
nomeá-la, reconhecê-la socialmente como tal (Meyran, 2006). Assim, o que é
considerado ou não como violência depende do contexto histórico e socio-cultural: há
determinadas formas de violência que são alvo de atenção e sanção em certos momentos
históricos (como acontece actualmente com a violência contra as crianças ou contra as
mulheres) e outras tendem a passar despercebidas (como a violência carceral). Deste
modo, a violência tem também uma dimensão performativa: o modo como numa
sociedade é nomeada ou omitida, punida ou tolerada, considerada fora da ordem social
ou integrada na vida quotidiana, determina o seu tipo de existência social, quer em
termos simbólicos quer em termos das práticas sociais. Finalmente, desta dimensão
performativa emerge uma consequência para os investigadores: estudar a violência
implica um posicionamento no campo ético, uma escolha quase inevitável daquilo que
será considerado como violência e das normas que ela viola; esta escolha, por sua vez,
tem implicações na forma de a estudar – na selecção do racional teórico e dos métodos
de pesquisa empírica (Charlot, 1997; Meyran, 2006).
No que respeita especificamente à violência institucional, também uma revisão
da literatura actual permite constatar que este termo tem diversas conotações, as quais
implicam diferentes formas de abordar a sua investigação. Uma, que designamos de
“positivista”, usa o termo “violência institucional” para se referir à violência que
acontece em instituições fechadas ou semi-fechadas (prisões, estabelecimentos de
reeducação para jovens, escolas, empresas). Focaliza-se nas características individuais
dos actores destas instituições como geradores de violência institucional
(essencialmente os destinatários da intervenção institucional - reclusos, jovens
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delinquentes, alunos) ou nas características organizacionais que permitem um melhor


controlo desta violência pessoal (cf. Schneider, 1996). Os contextos organizacionais e
os processos de interacção são raramente abordados; e quando o são, é da perspectiva da
eficácia do controlo sobre a violência entre os indivíduos institucionalizados (e.g.,
comparação dos níveis de violência em diferentes tipos de reclusos ou em diferentes
tipos de prisão). Assim, considera-se a violência institucional como tendo um cariz
individual, embora ocorra num contexto institucional; a atenção é focalizada nos
perpetradores e nas condições institucionais que permitem o controlo da violência dos
actores sociais.
No pólo oposto, um conjunto de abordagens que designamos de “críticas”
focalizam-se nas próprias instituições como geradoras de violência, enfatizando os
aspectos socio-culturais que a engendram. As estruturas de poder e da sua circulação, as
hegemonias políticas e culturais e os aspectos discursivos das desigualdades sociais são
focos centrais nestas abordagens. Algumas das instituições abordadas são a escola (e.g.,
Charlot, 1997; Sebastião, Alves, & Campos, 2003), o Estado (e.g., Chappell, 2006;
Machado, Matos, & Barbosa, 2009), os sistemas económicos (e.g., Gibson, 2008), as
instituições ligadas ao trabalho (e.g., Ezzamel, Willmott, & Worthington, 2001), a
polícia (e.g., Belur, 2009; Smith, 2009), os sistemas legais (e.g., Beleza, 1993) e os
dispositivos de saúde mental (e.g., Kumar, Guite, & Thornicroft, 2001).
No âmbito das abordagens críticas, tem-se desenvolvido também o enfoque na
vitimização institucional e nos grupos que a ela são mais vulneráveis. Aqui, a violência
institucional é conceptualizada como uma violência dos grupos dominantes de uma
sociedade, exercida sobre determinados grupos dominados (Van Soest & Bryant, 1995):
mulheres, pobres, minorias étnicas, classes socio-económicas desfavorecidas, classes
etárias (adolescência), minorias sexuais (lésbicas, homossexuais).
Os níveis de análise da violência institucional são eles próprios diversificados.
Mesmo tendo em conta que a perspectiva sistémica é uma referência frequente na
literatura contemporânea (salientando o carácter processual, complexo e multicausal da
violência institucional), verificam-se enfoques diferenciados sobre os factores ligados a
este fenómeno. Como já foi referido, a focalização nos indivíduos é frequente,
principalmente em estudos ligados à prisão e às escolas. No nível oposto, a análise é
realizada com um enfoque estrutural, identificando as macro-estruturas socio-culturais
geradoras e perpetuadoras da violência inerente aos sistemas sociais. No entanto, a
articulação entre os diferentes níveis de análise encontra-se ainda em esboço.
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A conceptualização teórica da violência institucional e da forma como as


pessoas se posicionam face a ela é um aspecto essencial, a nosso ver, para compreender
a forma como os diversos níveis se articulam. Por outro lado, a abordagem das
violações dos direitos humanos como formas de violência, bem como as posições dos
cidadãos face a essas violações, poderá também contribuir para um alargamento do
campo da vitimologia para além do estudo da violência interpessoal. De seguida
apresentam-se alguns modelos teóricos e estudos empíricos que para isso podem
contribuir.

1. Conceptualizações dos direitos humanos, das suas violações e da violência


institucional

a) Direitos humanos e suas violações


A história da institucionalização dos direitos humanos está intrinsecamente
ligada à reacção a situações de extrema violência. Alguns dos exemplos mais
conhecidos desta relação são a “Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão”,
proclamada em 1789 no contexto da revolução francesa contra o poder absoluto do
soberano, a “Bill of Rights” (1791), ligada à fundação dos Estados Unidos como nação,
e a “Declaração Universal dos Direitos do Homem” (1948), após a II Guerra
Mundial. Os direitos humanos podem ser considerados como construções culturais de
carácter universalizante, inscrevendo-se na história das sociedades (Claude & Weston,
1992). Parece, pois, razoável considerar que não há direitos humanos sem violência; são
dois pólos de um mecanismo de regulação das relações entre o Estado (ou Estados) e os
indivíduos.
No entanto, as dinâmicas que ligam os direitos humanos e a violência são
paradoxais. Em primeiro lugar, se no plano dos princípios os direitos humanos não são
hierarquizáveis, a sua aplicação implica frequentemente que a protecção de certos
direitos exija a limitação de outros (Drzewicki, 1998). A ponderação do valor de cada
direito face aos outros é histórica e culturalmente variável. Esta tensão é visível na
própria estruturação da Declaração Universal dos Direitos do Homem. Os teóricos dos
direitos humanos consideram que neste conjunto de princípios existe um diferencial de
força de aplicabilidade entre três grandes categorias de direitos (ibidem). Os direitos
civis e políticos (ou de primeira geração) são os direitos considerados fortes; implicam
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um recuo da acção do Estado e têm subjacente uma ideologia liberal. Os direitos


económicos, sociais e culturais (designados direitos de segunda geração) implicam que
as instituições tenham um papel activo na sua concretização. No entanto, esta
necessidade de “acção positiva” dos estados/instituições, deve ser ponderada em relação
às possibilidades institucionais, o que enfraquece o seu potencial de aplicabilidade. Os
direitos colectivos têm um lugar marginal na Declaração de 1948 (arts. 28° a 30°) e
actualmente começam a desenvolver-se no conjunto das convenções internacionais.
Estes direitos referem-se a toda a comunidade humana (como o direito ao ambiente),
mas também aos grupos dominados e a certas minorias (por exemplo, os direitos das
mulheres, das pessoas com deficiência, dos imigrantes, dos povos autóctones). Trata-se,
pois, de direitos que implicam a solidariedade colectiva (Weston, 1992). Esta
multiplicação de convenções e tratados internacionais pode enfraquecer os direitos
humanos na sua globalidade, tornando difuso o seu peso simbólico e efectivo. No
entanto, o facto de estes textos incluírem progressivamente medidas concretas para a
aplicação dos direitos e mecanismos de controlo da sua concretização, permite que se
mantenha a esperança de que possam ter um efeito positivo (ibidem).
Um segundo paradoxo traduz-se no facto de que frequentemente as limitações e
as violações dos direitos humanos não são sentidas como tal (Crosby, 1984). O
desrespeito pelos direitos humanos acontece aos “outros”, em países longínquos que
não partilham os ideais democráticos do ocidente (Moghaddam & Vuksanovic, 1990;
Staerklé & Clémence, 2004). Assim, pela valorização desses ideais, os regimes
democráticos legitimam as suas práticas, acreditando que, mesmo se por vezes elas
representam uma limitação dos direitos de certas populações, tratar-se-ão de medidas
provisórias para lhes permitir aceder futuramente a direitos de que não gozariam de
outra forma. Podem dar-se como exemplo os embargos económicos que privaram as
populações do acesso a bens essenciais (e.g., medicamentos e comida) em países sob
regimes ditatoriais, como Cuba ou o Iraque. Curiosamente, Perksen (2009) estudou os
efeitos das sanções económicas sobre o respeito dos direitos humanos em 95 países no
período de 1981 a 2000 e verificou que estas sanções são de forma geral um
instrumento contraprodutivo, pois pioram o respeito dos governos pelo direito à
integridade física dos cidadãos.
Estas dinâmicas contraditórias fazem surgir vozes críticas ao uso dos direitos
humanos como ideais de justiça; neste sentido, eles podem ser vistos como uma
construção ocidental imposta às “outras” culturas, potencialmente instrumentalizável
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para servir interesses que nada têm a ver com os princípios dos direitos fundamentais
(Höijer, 2004; Rentsheler, 2004).
Uma terceira contradição relaciona-se com as relações inter-grupos no seio das
sociedades democráticas, caracterizadas pela dominação, marginalização e exclusão.
Actualmente, a segurança parece ser um direito que se sobrepõe a outros direitos civis,
seja sob um plano estritamente físico seja nas suas dimensões económicas e culturais.
Certos discursos políticos centram-se na necessidade fundamental de segurança sentida
pelos cidadãos para justificar a limitação dos seus direitos, dos direitos de certos grupos
sociais ou mesmo o exercício de certas formas de violência (Landau, et al., 2004). Os
direitos e os deveres não estão distribuídos de forma igualitária na hierarquia social.
Assiste-se nas sociedades contemporâneas a uma reconfiguração das acções sociais e
disciplinares dos Estados, que se manifesta, por exemplo, pelo questionamento e recuo
das responsabilidades colectivas, pelo desenvolvimento de uma cultura de controlo e
exclusão/marginalização de grupos considerados como ameaçadores da ordem social,
pela sobre-responsablização dos indivíduos relativamente à sua eventual situação de
privação de acesso aos direitos (Staerklé, Delay, Gianettoni, & Roux, 2007).
Finalmente, é também importante assinalar que, do mesmo modo que a fundação
dos direitos humanos está historicamente ligada à ideia de nação, a sua protecção
permanece essencialmente sob o domínio dos Estados, apesar dos esforços para a sua
internacionalização (Claude & Weston, 1992; Nash, 2009). Assim, os direitos surgem
directamente ligados à cidadania nacional; a sua fruição é desigual entre cidadãos e não-
cidadãos, deixando em situação particularmente frágil as populações que se deslocam
através dos países, como por exemplo os migrantes (Nash, 2009; Sanchez-Mazas &
Salgado, 2007).

b) O papel das instituições nas dinâmicas de distribuição e limitação dos


direitos
As instituições podem ser consideradas como a face visível da organização das
sociedades complexas. No entanto, o conceito de instituição é polissémico. Num sentido
lato, ligado à visão funcionalista que remonta a sociólogos como Durkheim ou
antropólogos como Malinowski, pode incluir a maior parte dos factos sociais
organizados, transmitidos através das gerações e “impostos” aos indivíduos. Assim, as
instituições podem ser conceptualizadas como respostas colectivas às necessidades
fundamentais dos seres humanos; tudo o que é social pode ser considerado como
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instituição, desde que tenha uma função socializadora (Dubet, 2002). As instituições
económicas, jurídicas, educativas e religiosas fornecem, cada uma delas, soluções para
necessidades específicas. Contudo, elas não estão isoladas umas das outras, mas
constituem conjuntos ligados entre si por uma lógica de resposta global a essas
necessidades (Malinowski, 1944). De um ponto de vista psicossocial, as instituições
constituem pontos de charneira entre os indivíduos e a cultura. Para Kardiner (1939, cit.
in Cuche, 1999) a socialização produz-se através da participação dos indivíduos nas
instituições. Assim, as instituições e as normas que as organizam teriam uma função de
securização e integração social dos membros de uma sociedade (Maisonneuve, 1973).
Esta visão das instituições repousa no postulado durkheimiano do consenso e coesão
social. Para Durkheim, os vínculos entre os indivíduos no seio das sociedades
complexas caracterizam-se por uma “solidariedade orgânica”. Este tipo de organização
social assenta na diferenciação de funções, na divisão do trabalho e na
complementaridade das hierarquias sociais (Durkheim, 1893/1989). No entanto, esta
complementaridade é vista como um ideal a atingir, e quando isso não acontece as
sociedades caracterizam-se por relações anómicas entre os indivíduos e os diferentes
grupos sociais (ibidem).
É possível referir outras definições mais restritivas de instituição, quer no âmbito
do senso-comum quer no âmbito das ciências sociais As instituições podem ser
entendidas num sentido político, como um conjunto de aparelhos e de procedimentos
negociais que visam a produção de decisões e normas legitímas; a institucionalização
de determinadas normas e práticas decorre, assim, do seu reconhecimento legal (Dubet,
2002). Noutros casos, a designação de institutição é utilizada como sinónimo de
organização, como em alguns escritos de Max Weber. Para Dubet (2002), se uma
grande parte das instituições têm a sua concretização em organizações, estas nem
sempre podem ser consideradas como tal, dado que não se caracterizam forçosamente
por uma função socializadora específica. No presente trabalho, por uma questão de
operacionalização, adopta-se uma definição de instituição em que função socializadora
e concretização organizacional se complementam.
Nas sociedades modernas as instituições regulam o quotidiano da vida colectiva,
que se vem tornando cada vez mais complexa; elas são simultaneamente fonte e limite
dos direitos dos indivíduos (Doise, 2002). Têm uma função de protecção e de
securização dos indivíduos na vida em grupo; mas ao mesmo tempo constituem-se em
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lugares de produção e reprodução das hierarquias sociais e de desigualdades no acesso


aos direitos, como o mostram os trabalhos a que de seguida se faz referência.

c) A injustiça social como forma de violência


Pensar a injustiça social como uma forma de violência é uma ideia que muito
deve ao contributo de Joahn Galtung, considerado como um dos fundadores da peace
research. Para exprimir esta ideia, o investigador propôs a noção de “violência
estrutural” (Galtung, 1969). De acordo com o autor, esta noção permite conceptualizar a
violência (e a paz) num modelo operacional, suficientemente abrangente para incluir as
diversas formas de violência e suficientemente específico para servir de base a acções
concretas de promoção da justiça social. Assim, para Galtung, a violência está presente
sempre que os seres humanos sejam influenciados de modo a que as suas actuais
realizações somáticas e mentais fiquem abaixo das potenciais. O investigador recusa
uma definição estrita da violência que inclua apenas os aspectos somáticos e
interpessoais. A violência consiste, então, no hiato entre as realizações actuais e as
realizações potenciais dos seres humanos, bem como nas acções que aumentem esse
hiato ou que o impeçam de diminuir. Ela pode ser exercida ao nível somático ou mental;
de modo directo ou indirecto, manifesto ou latente; intencionalmente ou sem uma
intenção precisa; pode ser praticada por um actor directamente identificável ou
impreciso, sobre uma vítima concreta ou difusa. A combinação destas dicotomias
permite caracterizar uma multiplicidade de formas de violência. Estas, por sua vez,
podem ser agrupadas de acordo com uma distinção central: a violência pessoal (sobre a
qual se focalizam tradicionalmente as definições de violência) e a violência estrutural
(ibidem).
Para aprofundar o seu modelo, Galtung (1969) focalizou-se na relação entre
estes dois tipos de violência e nas formas de os abordar empiricamente. A violência
pessoal é facilmente visível, quer pelas vítimas quer ao nível social. A violência
estrutural pode não ser percebida como violência pelo seu objecto, está embebida na
estrutura social e caracteriza-se pela estabilidade. Os dois tipos de violência são
susceptíveis de ser estudados de forma independente, mas apenas se nos abstivermos de
os considerar no seu contexto. Encontrar sociedades com “formas puras” de um tipo de
violência sem o outro será difícil, pois parecem coexistir e alimentar-se mutuamente; a
presença manifesta de um tipo pressupõe, pelo menos, a presença latente do outro.
Desta conceptualização de violência surgem consequências para a
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conceptualização da paz e da peace research. Se se define a paz por “ausência de


violência”, e a violência pode ser de índole pessoal e estrutural, então a paz deverá
implicar a ausência de ambas formas de violência. Galtung refere-se à ausência de
violência pessoal como “negative peace” e à ausência de violência estrutural como
“positive peace”. Esta última, conceptualizada como uma “distribuição igualitária do
poder e dos recursos” (Galtung, 1969, p. 183), pode também ser designada pelo termo
de “justiça social”. Assim, a violência estrutural é sinónimo da injustiça social que
releva da forma como as hierarquias sociais estão estruturadas e da exploração dos
grupos desfavorecidos pelos grupos dominantes.
Numa primeira operacionalização do conceito de “justiça social”, Galtung
utilizou o referencial dos direitos humanos, visto que nos textos fundamentais dos
direitos a igualdade é um princípio central. Neste sentido, a justiça social poderia ser
concebida como um quadro de relações sociais pautadas pelo respeito pelos direitos
humanos. No entanto, o investigador acabou por considerar que este referencial é
insuficiente, pois os princípios dos direitos humanos focalizam-se essencialmente no
nível pessoal, omitindo o estrutural: centram-se naquilo que os indivíduos podem ter e
na igualdade de direitos de acesso aos recursos, mas não em quem decide e em quem
detém o poder de distribuir esses recursos. Os direitos fundamentais, de raiz liberal, não
tocam praticamente a questão do monopólio de certos grupos sobre a distribuição dos
dos bens materiais e simbólicos. Esta crítica de Galtung (1969) é confluente com a ideia
de um “diferencial de aplicabilidade” entre as três gerações de direitos (cf. supra).
Decorridos 40 anos após o seu artigo e assinadas diversas convenções internacionais
sobre direitos humanos, é de assinalar que a preocupação com operacionalização de
condições para uma paz positiva passou a estar cada vez mais presente nestes textos, tal
como o investigador supôs que viesse a acontecer (e talvez a própria peace research
para isso possa ter contribuído).
Ao longo das últimas décadas, Galtung continuou a trabalhar sobre a
conceptualização e operacionalização da violência e da paz, procurando refinar o
modelo acima descrito. Descamos dois aspectos centrais: a inclusão dos conceitos de
“necessidades humanas básicas” (Galtung, 1985; 1990) e de “violência cultural”
(Galtung, 1990).
As necessidades humanas básicas foram propostas como um novo referencial
para a operacionalização da “justiça social”. O investigador considerou como centrais
quatro necessidades básicas: sobrevivência, bem-estar, identidade e liberdade. Assim,
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violência foi definida como a negação dessas necessidades. Tendo em conta as duas
dicotomias violência somática/psicológica e pessoal/estrutural, é possível considerar
quatro classes de violência: morte/ mortalidade, miséria/ morbilidade, alienação e
repressão (Galtung, 1995; 1990). As quatro necessidades básicas são postuladas como
uma totalidade não hierarquizável e universal, apesar das diferentes formas de as definir
e concretizar através das sociedades. As quatro classes de violência são os exemplos
extremos de privação da satisfação dessas necessidades.
O conceito de violência cultural refere-se, de acordo com o autor, à dimensão
simbólica da existência humana que pode ser utilizada para justificar ou legitimar a
violência (Galtung, 1990). Esta dimensão simbólica pode exprimir-se através de
aspectos da vida social como a religião, a ideologia, a linguagem, a arte e a ciência.
Assim, a violência perpetrada de forma directa e pessoal ou a violência patente nas
formas de injustiça social têm como fundo uma violência inerente à cultura partilhada
nos grupos sociais, de modo a que o seu exercício passa despercebido ou é visto como
“natural” – a cultura legitima determinadas formas de violência. Deste modo, a
violência cultural constitui a base de um triângulo em cujos outros vértices se
encontram a violência estrutural e a violência directa. As relações entre os três vértices
do triângulo de violência caracterizam-se por fluxos causais e multidireccionais
(ibidem). Pode dar-se o seguinte exemplo de um fluxo causal “violência cultural –
estrutural – pessoal”: a cultura ensina-nos a ver a exploração e a repressão de alguns
grupos sociais como natural, ou mesmo a não ver de todo estes fenómenos; a
criminalidade de “colarinho azul” pode ser vista como uma forma de os indivíduos dos
grupos desfavorecidos procurarem uma redistribuição da riqueza; a criminalidade de
“colarinho branco” como uma forma de os indivíduos dos grupos favorecidos tirarem o
melhor proveito possível da estrutura de desigualdades; estas formas de violência
estrutural e directa criam défices de satisfação de necessidades que, extremados, dão
origem a traumas colectivos; estes traumas colectivos podem sedimentar-se na cultura,
dando lugar a formas de violência que nela se enraizam e manifestam através de
representações, preconceitos e ideologias, servindo de base a um novo ciclo de
violência. Para uma crítica do modelo cíclico, sugerimos a consulta de Elcheroth (2006)
e Elcheroth e Spini (2009), nomeadamente no sentido em que o ciclo de violência pode
ser quebrado: por exemplo em situações de generalização da violência através dos
diferentes grupos da hierarquia social (guerra, violações massivas dos direitos humanos)
os indivíduos podem aderir a normas universalistas e de direito humanitário, como
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forma de procurar um novo modelo de justiça supra-ordenado.


De forma geral, outros críticos têm-se debruçado sobre o modelo de violência de
Galtung (cf. Boulding 1977; Eide, 1971). Uma das suas principais fragilidades é que
esta sua concepção de violência recobre um largo domínio de práticas, tornando difícil a
sua operacionalização, ao contrário do que pretendia o autor. A introdução do conceito
de violência institucional como elemento posto em relação com os outros elementos do
sistema de violência pode contribuir para superar esta dificuldade, como de seguida se
discute.

d) A violência institucional e a sua relação com a violência pessoal,


estrutural e cultural
Um dos campos sociais onde as formas estrutural e cultural da violência podem
tomar forma (e portanto tornar-se observáveis) é o campo das instituições,
nomeadamente em organizações como a escola, a empresa, o tribunal, a polícia e o
hospital. As formas de violência exercidas no quadro destas organizações podem ser
designadas como “violências institucionais” (Meyran, 2006).
Van Soest e Bryant (1995) propuseram um modelo conceptual de violência que
integra a violência institucional no modelo de Johan Galtung. De acordo com as autoras,
as violências estrutural, institucional e pessoal são exercidas em diferentes níveis, mas
relacionam-se entre si e alimentam-se mutuamente, formando um sistema de violência.
O estudo da violência institucional focaliza-se num nível de análise entre o interpessoal
e o estrutural-cultural. As instituições, nas suas formas organizacionais, tornam-se assim
um lugar privilegiado para apreender os cruzamentos entre a violência estrutural e a
pessoal. Assim, no nível individual, a violência traduz-se em acções que lesam
indivíduos ou propriedades. É o nível de violência mais socialmente visível e
reprovado, sendo fácil de objectivar a acção, o perpetrador e a vítima. É o nível em que
se pensa habitualmente a violência urbana ou criminal. No nível institucional, a
violência concretiza-se numa forma frequentemente invisível para as suas vítimas: trata-
se de acções levadas a cabo por instituições sociais e e pelas suas unidades
organizacionais, que colocam obstáculos ao desenvolvimento espontâneo do potencial
humano. Ocorrem em prisões, instituições de saúde mental, organizações da segurança
social, sob a forma de políticas sociais punitivas, tratamento degradante de doentes
mentais e reclusos (nas formas verbal e física), punição corporal nas escolas. A
violência institucional é produzida frequentemente pelo “funcionalismo burocrático”
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(Van Soest & Bryant, 1995, p. 551) ou por políticas sociais opressivas, e vista pelos
cidadãos como uma forma necessária de controlo social. É uma forma complexa de
violência, porque é subtil e indirecta, podendo envolver consequências a longo prazo,
como por exemplo a exclusão de diversas formas de participação social. No nível
estrutural-cultural encontram-se as raízes normativas e ideológicas da violência que
estruturam e sustentam os níveis individual e institucional. A estrutura da realidade
social, os valores convencionais e as relações sociais quotidianas formam um modo de
pensar colectivo que se torna parte das “psiques” individuais e societais. É uma forma
de violência difícil de apreender, porque se manifesta numa aceitação passiva de uma
determinada ordem das coisas. Em última análise, acaba por se revelar no facto de se
tornar aceitável, ou mesmo legítima, a ameaça e o uso de violência como formas de
exercer o controlo social e de resolver problemas sociais (Van Soest & Bryant, 1995).
Em suma, a violência institucional pode ser considerada, de um ponto de vista
teórico, como um conjunto de práticas de dominação exercidas no quadro de relações
institucionais. Mesmo podendo existir um actor identificável que exerce essa violência,
ela é concretizada “em nome” da instituição, tendo assim tendência a tornar-se
“despersonalizada”. Estas práticas podem ser concretizadas sob forma física ou
psicológica, sobre indivíduos ou grupos, de forma directa ou indirecta. As múltiplas
formas de violência institucional podem ser visíveis (no sentido de serem
compreendidas como violência) ou invisíveis, quer para quem as exerce quer para quem
a elas é sujeito. Por exemplo, as interacções injustas ou violentas que têm lugar em
contextos institucionais podem ser vistas pelos seus perpetradores directos e/ou pelas
suas vítimas como relevando do simples cumprimento das “normas da casa”, sobre as
quais não têm controlo. Deste modo, a violência institucional pode também concretizar-
se em formas de violência directa e pessoal, ainda que no quadro de relações
interpessoais constrangidas pelos contextos institucionais. Por outro lado, a violência
das instituições tem raízes na estrutura social (violência estrutural) e nas representações,
valores e práticas quotidianas dos grupos humanos (violência cultural).

2. Os cidadãos face aos direitos humanos e à injustiça social – abordagens


psicossociais
Se foi dito que as formas de violência pessoal/directa são as mais visíveis e
condenadas pelos cidadãos comuns, isso não significa que eles sejam passivos, ignorem
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ou permaneçam indiferentes às formas de violência institucional e estrutural-cultural.


Num plano de análise mais próximo dos indivíduos, diversas correntes da
psicossociologia têm-se debruçado sobre a forma como os cidadãos se posicionam face
aos direitos humanos, às suas violações e à injustiça social. De seguida apresentam-se
algumas dessas abordagens.

a) Os direitos humanos como representações sociais e as posições dos


indivíduos face às suas violações
No âmbito da psicologia social, o estudo dos direitos humanos deve muito a
Willem Doise e seus colaboradores. Durante anos, esta equipa procurou compreender o
modo como os cidadãos comuns se posicionam face aos direitos humanos e às suas
violações. Nesta abordagem, os direitos humanos são conceptualizados como
representações sociais (cf. Doise, 2002). Assim, a Declaração Universal dos Direitos do
Homem, como texto fundamental dos direitos humanos, é conceptualizada como um
conjunto de ideias-força que visam organizar as relações de interdependência entre os
seres humanos, funcionando como referenciais para a estruturação de saberes e posições
comuns através de diferentes contextos nacionais (Doise, 2002; Doise, Spini, &
Clémence, 1999).
Mas se há uma concordância geral com estes princípios/ideias-força, há também
uma variabilidade inter-individual e inter-grupos quanto aos níveis de adesão aos
diferentes direitos e quanto sua à valorização. Estes agrupam-se, no campo
representacional, de modo similar à sua categorização pelos especialistas do direito
(Doise et al, 1999). Ao nível inter-individual, as diferenças têm a sua ancoragem nas
experiências de discriminação social, na pertença a determinados grupos (ibidem) e nos
valores que são mais importantes para os indivíduos (Spini & Doise, 1998). Ao nível
dos contextos nacionais, a variabilidade das posições dos indivíduos é modelada pelas
suas representações sobre a capacidade dos Estados e dos cidadãos para fazer respeitar
os direitos humanos (Doise et al, 1999).
Contudo, quando se trata da tomada de posição relativamente à violação dos
direitos humanos, o consenso diminui. Num estudo em cinco países, Clémence, Doise,
De Rosa e Gonzalez (1995) verificaram que, perante situações concretas de violação
dos direitos humanos, alguns princípios permaneciam intocáveis: por exemplo, a
proibição da tortura, a liberdade de opinião e o respeito governamental pelos direitos
jurídicos e democráticos dos cidadãos. No entanto, outros princípios, ligados ao
15

controlo social por parte das instituições, eram relativizados: por exemplo, a expulsão
de estrangeiros sob a acção governamental, a existência da pena de morte na ordem
jurídica e a intromissão do governo ou das empresas na vida privada dos cidadãos nos
casos, respectivamente, de concessão da nacionalidade ou de contratação de trabalho.
Em certas tomadas de decisão sobre a relação entre os direitos e as suas
violações, os indivíduos evocam as instituições como fonte e limite dos direitos (Doise,
2002; Spini & Doise, 2005). Esta ponderação do peso dos diferentes direitos nas
relações entre os indivíduos e as instituições varia de acordo com o valor que os
indivíduos lhes atribuem. Os indivíduos são mais a favor das liberdades individuais ou
do controlo do Estado consoante defendem posições mais restritivas ou mais
universalistas dos direitos (Clémence et al, 1995).
Assim, se os direitos universais constituem representações partilhadas em
grande escala através das sociedades – um dos estudos citados foi realizado em 35
paises (Doise et al, 1999) –, a sua aplicação é, no pensamento dos cidadãos, difícil de
conceber em termos absolutos. O saber comum sobre os direitos humanos e seus limites
não é, neste sentido, diferente do saber dos peritos. Trata-se de um desfasamento entre
os princípios, na sua forma abstracta, e sua aplicabilidade (principles-application gap),
desde há muito evidenciado por Mary Jackman num estudo sobre a tolerância racial
(Jackman, 1978). No que respeita aos direitos humanos, este desfasamento está ligado,
de acordo com Staerklé e Clémence (2004), a um dilema ideológico entre duas normas
de justiça: a norma de sanção de actos condenáveis (aplicação baseada no contexto) e a
norma de protecção dos direitos das pessoas que cometem esses actos (aplicação
baseada nos direitos). Assim, mesmo se as pessoas estão de acordo com os princípios
gerais dos direitos humanos, têm em conta os contextos e os indivíduos aos quais se
aplicam esses direitos. Numa das suas pesquisas, Staerklé e Clémence (2004)
mostraram que, em situações concretas, se os indivíduos cometeram actos susceptíveis
de condenação (tais como tráfico de drogas e homicídio), haverá uma tendência a ser
mais tolerante com a violação dos seus direitos humanos. No entanto, esta tendência
também não é consensual: no seu estudo, os investigadores verificaram que se a maior
parte dos participantes seguia a lógica precedente (aplicação baseada no contexto),
outros condenavam a violação dos direitos dos indivíduos pelas instituições,
independentemente dos actos desses indivíduos (aplicação baseada nos direitos). Os
investigadores verificaram ainda que os respondentes evocavam mais frequentemente o
referencial dos direitos humanos para condenar actos governamentais que constituem
16

violações grosseiras e pouco frequentes destes direitos (e.g., tortura), do que violações
mais banais e quotidianas (e.g., intromissão na vida pessoal).

b) A legitimação das desigualdades e as estratégias dos indivíduos face à


injustiça social
Como já foi assinalado, na base de certas formas de violência pode estar uma
cultura de legitimação da injustiça social (a violência cultural). Algumas abordagens da
psicologia social têm-se ocupado do estudo das dinâmicas psicossociais subjacentes à
legitimação das desigualdades sociais. Estas abordagens podem ser agrupadas sob a
designação genérica de “psicologia da legitimação” (cf. Jost & Major, 2001). Um
aspecto fulcral deste campo emergente da psicologia social é o estudo das relações
inter-grupos (dominantes-dominados). A psicologia da legitimação visa, assim, explicar
como algumas atitudes, crenças e estereótipos permitem legitimar e manter certas
formas de organização social (baseadas na desigualdade), fornecendo uma sustentação
ideológica aos sistemas sociais e políticos. Esta base ideológica caracteriza-se por
diferentes tipos de crenças: a crença num mundo justo, a crença na causalidade e no
controlo pessoal dos acontecimentos, a crença num sistema social social meritocrático e
numa ética protestante do trabalho (Major & Schmader, 2001). Trata-se de atribuir aos
indivíduos e aos grupos a responsabilidade pelas posições que ocupam na hierarquia
social, legitimando assim o sistema social.
Jost e Major (2001) referem-se a três teorias da psicologia social, centradas nos
fenómenos da coesão intra-grupo e da antipatia pelo out-group que, de modos
diferentes, contribuem para uma psicologia da legitimação: a “teoria da dominância
social” (Sidanius, 1993), a “teoria da justificação do sistema” (Jost & Banaji, 1994) e a
“teoria da identidade social” (Tajfel & Turner, 1979). A teoria da identidade social
baseia-se no estudo dos processos psicossociais de categorização, identificação e
comparação social para explicar a legitimação social das desigualdades; a teoria da
justificação do sistema debruça-se sobre internalização de crenças, por parte dos
membros dos grupos dominados, que permitem a manutenção das hierarquias sociais; a
teoria da dominância social é construída a partir de contributos das outras duas,
combinando níveis de análise societais e intra-pessoais (Huddy, 2004).
Com efeito, a teoria da dominância social estuda simultaneamente os factores
individuais e estruturais que contribuem para as diferentes formas de opressão inter-
grupos. Os seus autores consideram que os seres humanos têm uma tendência geral a
17

formar e manter hierarquias inter-grupos. Ao nível dos indivíduos, considera-se que há


uma variabilidade nas características de personalidade relacionadas com o desejo de
dominação ligado ao grupo – a orientação para a dominação social –, o que explica as
razões que levam determinados indivíduos a procurar uma dominação dos grupos de
baixo estatuto (Sidanius, 1993). Ao nível estrutural, esta teoria postula que as ideologias
sociais que legitimam a discriminação são largamente partilhadas através da estrutura
social, coordenando as acções dos indivíduos e das instituições. Estas são consideradas
como lugares de reprodução das desigualdades, pois têm um poder mais alargado sobre
a distribuição dos recursos, comparativamente com os indivíduos agindo isoladamente.
Finalmente, o facto de existir um consenso societal acerca das ideologias legitimadoras
do sistema faz com os membros dos grupos favorecidos tendam mais a agir no seu
próprio interesse do que os membros dos grupos desfavorecidos (Sidanius, Pratto, Laar,
& Levin, 2004 – para uma abordagem crítica, cf. Elcheroth & Spini, 2007).
A teoria da justificação do sistema postula que a ordem social estabelecida pode
ser explicada pela existência de uma ideologia que é pelo menos parcialmente
responsável pelo facto de os membros dos grupos desfavorecidos internalizarem a ideia
da sua inferioridade. Esta ideia é, para a maior parte dos indivíduos, implícita,
funcionando a um nível inconsciente. Assim, para os membros destes grupos, produz-se
um fenómeno de favoritismo out-group, valorizando as características dos grupos
favorecidos em detrimento das do seu grupo de pertença (Jost, Banaji, & Nosek, 2004).
As teorias da dominação social e da justificação do sistema têm um pendor
determinista (Reicher, 2004): ao debruçarem-se sobre os fenómenos psicossociais que
garantem a manutenção do sistema de dominação, os autores destas abordagens
parecem esquecer o potencial de mudança das relações sociais entre os grupos e
transmitem uma visão fatalista dos seres humanos e da inevitabilidade das estruturas de
dominação. Por outro lado, as abordagens da legitimação baseadas na teoria da
identidade social avançam explicações menos deterministas, distanciando-se do
pessimismo das anteriores. De facto, um dos seus contributos mais importantes é o de se
focalizarem quer nos grupos dominados quer nos dominantes e de poderem explicar
quer a manutenção quer a mudança social. Além disso, concedem uma atenção mais
fina às posições dominadas e às dinâmicas psicossociais engendradas para fazer face a
este estatuto.
A identidade social foi definida por Tajfel (1981) como a parte de si dos
indivíduos que provém do seu reconhecimento de pertença a um grupo social, bem
18

como da significação emocional e do valor associados a essa pertença. A identidade


social, encontra-se, portanto, no cruzamento entre o individual e o social; a identificação
social só se pode produzir nas dinâmicas de comparação com grupos diferentes daquele
a que um indivíduo crê pertencer. Esta comparação implica um posicionamento
valorativo: se pertencer a um grupo social de elevado estatuto confere uma identidade
social positiva, o contrário também se produz. Assim, os indivíduos de baixo estatuto
social adoptam diferentes estratégias para fazer face a uma identidade social negativa.
O tipo de estratégias que os indivíduos mobilizam quando se encontram em
posições sociais desfavorecidas relaciona-se com diversos factores: com percepção do
contexto social (nomeadamente a permeabilidade ou impermeabilidade das fronteiras
entre os grupos, e a percepção da estabilidade das hierarquias sociais) e com a
legitimidade atribuída ao estatuto do grupo (Wright, Taylor, & Moghaddam, 1990).
Se o seu estatuto é percebido como injusto, o grupo pode redefinir a sua
percepção das características dos indivíduos do intra-grupo, valorizando-as e tornando
positiva a pertença ao grupo. Por outro lado, pode também produzir-se uma mobilização
colectiva dos indivíduos do grupo para mudar a sua posição na hieraraquia social, o que
por sua vez pode engendrar um processo de mudança social. Estes fenómenos têm lugar
principalmente quando há uma percepção das fronteiras inter-grupos como
impermeáveis – ou seja, quando a mobilidade social é extremamente difícil e os
indivíduos dos grupos desfavorecidos não conseguem aceder a uma posição mais
favorável a não ser através da mobilização colectiva (Wright et al., 1990). A este
propósito, o estudo dos “movimentos sociais” representa um contributo importante para
a compreensão destas dinâmicas – para uma revisão, cf. Buechler (1999); Neveu
(1996); Touraine (1978).
Se as fronteiras inter-grupos são percebidas como permeáveis (nomeadamente
em situações de permeabilidade muito reduzida), então podem ser adoptadas estratégias
individuais de mobilidade social. As sociedades contemporâneas caracterizam-se
justamente pela manutenção de barreiras à mobilidade social suficientemente abertas
para engendrar estratégias individuais e suficientemente impermeáveis para tornar
difícil a emergência de estratégias colectivas (Wright, 2001). Este tipo de configuração
da estrutura social tem consequências diferentes para os indivíduos que pertencem a
grupos favorecidos, desfavorecidos ou para os raros indivíduos pertencentes aos grupos
desfavorecidos que, apesar das barreiras sociais, conseguem aceder a posições
privilegiadas (designados, no âmbito desta abordagem, como tokens). Para os membros
19

dos grupos desfavorecidos, a acção dos tokens e as suas dificuldades podem


desencorajá-los a procurar sair da sua posição desfavorável; por outro lado, a
mobilidade individual diminui a probabilidade da mobilização colectiva. Para os
membros dos grupos favorecidos, o facto de alguns indivíduos serem bem sucedidos na
ascenção social vem legitimar a ideologia da meritocracia e reforça a percepção de uma
organização social justa. Para os tokens, mesmo se percepcionam a injustiça do sistema,
raramente estão prontos a implicar-se na acção colectiva para mudar a situação dos
grupos desfavorecidos. Assim, as estratégias de mobilidade individual permitem que se
mantenha o status quo e constituem um aspecto central da legitimação das
desigualdades sociais (Wright, 2001).
Uma das críticas que se podem colocar à abordagem da legitimação das
desigualdades sociais pela teoria da identidade social é a forma como ela tem sido
abordada empiricamente: o seu estudo tem sido essencialmente limitado à
experimentação laboratorial, dexcontextualizando este fenómeno das dinâmicas sociais
em que se manifesta habitualmente (Reicher, 2004). A teoria da identidade social tem,
portanto, potenciais ainda pouco explorados. Reicher (2004) salienta a importância de
contextualizar as dinâmicas de legitimação ligadas aos processos de identificação social.
Em primeiro lugar, a categorização social tem uma dimensão estratégica: este processo
pode ser engendrado através da evidenciação de certas características, em determinados
momentos. Tal é o caso das categorias nacionais/estrangeiros, que podem ser tornadas
mais salientes através da mobilização retórica, para servir interesses nacionalistas. A
dominação é assim uma relação social, ao mesmo tempo condição e resultado da acção
dos indivíduos e dos grupos (com intenções mais ou menos conscientes). Em segundo
lugar, a construção das categorias sociais é um processo ligado à cultura (normas,
valores, crenças) e, portanto, variável no espaço e no tempo. Assim, para estudar as
dinâmicas ligadas à dominação e às estratégias mobilizadas para lhe fazer face, é
importante ter em conta os contextos em que ocorrem e abordá-las na sua
complexidade, tendo em conta os seus níveis macro-social, organizacional e
interpessoal.

3. Lugares da violência institucional: as instituições e a violência que emerge das


suas formas organizacionais
Para a contextualização das dinâmicas associadas às violações dos direitos
humanos, à injustiça social e à violência das instituições é importante o estudo
20

detalhado dos diversos tipos de violência institucional e das formas específicas que
tomam consoante as organizações em que têm lugar. A conceptualização das
instituições como lugares de violência desenvolveu-se a partir dos anos 60 no âmbito de
diversas correntes sociológicas. Estes trabalhos, embora tendo-se focalizado em tipos
específicos de instituições, tiveram como principal contributo o estabelecimento de
conceitos e quadros teóricos que permitiram alargar estudo da violência para as suas
formas institucionais (Ignatieff, 1983). De seguida exemplifica-se com alguns trabalhos
focalizados sobre dois tipos de instituições: as ligadas à saúde mental e à educação.

a) As instituições de saúde mental


Em 1961, Erving Goffman publicou uma obra compilando quatro estudos sobre
instituições de saúde mental nos Estados Unidos, focalizados nos aspectos psicossociais
do quotidiano intra-muros. O sociólogo designou este tipo de instituições como
“instituições totais”, no sentido em que os seus habitantes “vivem separados da
sociedade mais ampla por considerável período de tempo, levam uma vida fechada e
formalmente administrada” (Goffman, 1961/2008, p.11). Procura-se uma
regulamentação “total” do quotidiano dos utentes, assente rituais de mortificação
(degradation ceremonies) e despersonalização. Pode dar-se como exemplo o ritual de
admissão no hospital: ao ser admitido, registam-se informações sobre a história de vida,
peso, medidas e outras caracteríticas do indivíduo; é despido, desinfectado, os cabelos
cortados, e é-lhe fornecido um uniforme. Assim começa o despojamento da sua
identidade. O utente deve submeter-se às normas internas da instituição, que controlam
o seu quotidiano, os seus horários, os locais em que pode ou não permanecer, as
actividades a que se dedica, o que come e os medicamentos que toma; a conformidade a
estas normas é assegurada por um complexo sistema de sanções. Estas práticas acabam
por engendrar uma progressiva alienação do self. Os utentes são assim transformados
pela instituição em doentes mentais, ao longo de um processo designado como “a
carreira do doente mental”. Ao mesmo tempo, procuram resistir a esta alienação,
encontrando formas de acção individual e/ou colectivas para gerir as suas vidas no
sistema e preservar o self – aquilo que o sociólogo designou como “ajustamentos
secundários” (ibidem).
Esta visão das instituições de saúde mental como instituições totais, em que os
indivíduos e a instituição surgem como dois pólos opostos na luta para o controle dos
selves (despersonalisação vs preservação), foi estendida por Goffman a outro tipo de
21

instituições: prisões, conventos e, de forma menos conseguida, a organizações


comunitárias (Ignatieff, 1983). Assim, as especificidades do tratamento institucional da
saúde mental serviram como modelo para a teorização de uma forma de relação entre os
indivíduos e as instituições que se estende ao campo social em geral – ou seja, para o
sociólogo, a análise das instituições fechadas (totais) permite compreender o seu
exterior, nomeadamente a relação entre os indivíduos (especialmente os pobres, os
estigmatizados, os delinquentes) e a sociedade.
Uma perspectiva largamente confluente com esta foi a desenvolvida por Michel
Foucault; ao longo da sua obra debruçou-se também sobre diversas instituições, entre as
quais as ligadas à saúde mental (e.g., Foucault, 1961/2000). O autor mostrou como,
através da história, a ideia da loucura se foi construindo e transformando,
correlativamente às formas de exercício do poder e do controlo social e à emergência
dos saberes da psiquiatria. Os primeiros internamentos dos loucos, no sec. XVII,
misturaram-nos com os pobres e os excluídos da sociedade, numa lógica de controlar a
ociosidade e obedecendo a uma moral do trabalho. Ao longo dos secs. XVIII e XIX, o
confinamento dos loucos tornou-se específico, desenvolvendo-se as classificações das
doenças mentais e as técnicas para a sua cura. Assim se foram constituindo os “saberes
psi”, ligados a novas preocupações: a da atribuição da responsabilidade (penal) e a da
distinção entre os loucos e os criminosos (para um aprofundamento deste dilema dos
inícios da psiquiatria, e das tensões entre a instituição penal e a emergente instituição de
saúde mental, cf. Foucault, 1973/1997). Deste modo, a doença mental pode ser vista
como uma construção socio-historica, ligada à constituição dos saberes científicos e às
transformações do exercício do poder. Liga-se a eles numa lógica que Foucault
designou de “dispositivo de normalização” (Foucault, 1976/1994): um conjunto de
saberes e práticas heterogéneas (discursos, normas, técnicas), ligadas entre si por uma
lógica subterrânea que corresponde a uma função estrátégica de controlo social através
normalização do campo social.
Estas duas perspectivas permitiram uma análise das práticas da psiquiatria fora
do discurso médico, tendo sido suportes importantes para o movimento da
“antipsiquiatria”, apesar de por vezes interpretados de forma reducionista:
correlativamente à multiplicação de discursos críticos aos saberes da psiquiatria e de
movimentos de protesto contra o internamento dos doentes mentais, a loucura tornou-se
“paradigma de uma subjectividade liberta dos constrangimentos da adaptação social e o
cerne de uma autenticidade a ser preservada” (Castel, 1990, p.29).
22

Decorridas algumas décadas desde a publicação destes trabalhos, as instituições


de saúde mental transformaram-se e ter-se-ão tornado menos “totais”. No entanto,
alguns investigadores continuam a chamar a atenção para diversas formas de violência
institucional relacionadas com a saúde mental. Num estudo focalizado sobre as
experiências de violência sentidas pelas pessoas institucionalizadas num hospital
psiquiátrico americano, Kumar e colaboradores (2001) mostraram que a violência
sentida provém de uma variedade de fontes: dos outros utentes, da sociedade e do
próprio pessoal do hospital. Os participantes no estudo estavam conscientes dessa
violência, compreendendo algumas das causas e propondo soluções. Alguns dos
aspectos por eles referidos são: existe um grande desequilíbrio de poder no sistema de
saúde mental; a violência sentida pelos utentes tem sequelas psicológicas, as quais não
são tidas em conta pelos serviços de saúde mental; a vitimação ligada à violência
institucional não é reconhecida; o modo com se organizam e funcionam os serviços é
gerador de violência; as transformações necessárias dos serviços só poderão acontecer
se houver um esforço conjunto de diversos sectores da sociedade.
Porém, os diversos sectores da sociedade não vêm os utentes dos serviços de
saúde mental como uma prioridade para as políticas sociais. Espinola-Nadurille e
Delgado (2009) analisaram as políticas de saúde mental mexicanas e as representações
sociais sobre os doentes mentais. Mostraram que a falta de políticas sociais de cuidados
com a saúde mental e a negligência geral do Estado face aos “doentes mentais” tem uma
correspondente nas representações sociais negativas sobre a doença mental partilhadas
pela população mexicana. Assim, estas representações reforçam a forma como o Estado
priva de direitos básicos à saúde os seus cidadãos com dificuldades “psi”, contribuindo
para manter as desigualdades sociais neste campo, bem como noutros campos da vida
social (e.g., acesso ao emprego pelos doentes mentais).
Em suma, a violência institucional no contexto da saúde mental é denunciada em
diversos aspectos, por vezes quase paradoxais. Por um lado, a antipsiquatria desconstrói
a noção de doença mental, atribuível ao indivíduo, para apontar as “enfermidades” da
própria sociedade (Castell, 1990) – assim a ideia de doença mental constitui uma
violência em si própria. Os trabalhos de Goffman e Foucault, sem negarem que alguns
indivíduos vivem dificuldades ao nível do seu psiquismo, chamam a atenção para o
carácter socialmente construído dos conceitos ligados à doença mental e para a
violência inerente aos dispositivos de intervenção na saúde mental, mais centrados no
controle social do que nas pessoas em dificuldade (Ignatieff, 1993). Finalmente, outros
23

trabalhos exigem um reconhecimento da doença mental como um problema que deve


envolver a sociedade por inteiro, quer ao nível das representações quer ao nível das
políticas de intervenção (Espinola-Nadurille & Delgado, 2009; Kumar et al., 2001) –
aqui trata-se mais de um reconhecimento de que a doença mental existe, mas que os
cidadãos que dela padecem não devem por isso ser privados dos seus direitos humanos.
O fio condutor que parece ligar estas diferentes perspectivas é a forma como os
interesses da sociedade (ou de algumas instâncias de poder na sociedade) se opõem aos
interesses de alguns indivíduos, produzindo a sua marginalização (pelas representações
negativas, pela desigualdade de acesso aos direitos) ou mesmo a sua exclusão para o
interior dos muros da instituição.

b) A instituição educativa e a escola


Se a escola, como lugar formal da educação, tem um papel socializador inegável
e se assume como um dos pilares da construção das sociedades democráticas, a
violência é-lhe também intrínseca: a escola pode ser vista como um aparelho ao serviço
dos grupos dominantes, como motor de reprodução do sistema de hierarquias, de
dominação social e de legitimação da ordem estabelecida. Este fenómeno foi designado
por Pierre Bourdieu (1972/2002) como “violência simbólica”, definida como todo o tipo
de poder que impõe determinadas significações como legítimas, dissimulando as
relações de força que estão na base dessa imposição. Com efeito, as pesquisas de
Bourdieu sobre o sistema educativo evidenciam a presença desta forma de violência
nesta instituição. A suposta “neutralidade” dos conteúdos que são ensinados, bem como
a dos actores sociais que os transmitem, permitem que a ideologia das classes
dominantes impregne a escola (Bourdieu & Passeron, 1970/1978). Neste sentido, a
acção pedagógica é concebida como expressão dos interesses da classe dominante,
tendo com função estabelecer e manter a sua concepção da ordem social, de forma
directa – pela inculcação de esquemas linguísticos e de pensamento – ou indirecta –
pela exclusão de determinados actores. Este último aspecto foi já há muito tempo
destacado por Cohen (1955), na sua conceptualização das subculturas desviantes: o
processo de subculturização iniciar-se-ia, segundo o sociólogo, a partir do momento em
que os indivíduos de classes desfavorecidas se confrontariam com a desigualdade de
oportunidades para atingir o ideal do american way of life, sendo a escola um dos
primeiros lugares onde esta desigualdade se tornaria visível. Nesta linha de pensamento,
a violência dos alunos, nomeadamente em contextos desfavorecidos, pode ser vista
24

como uma forma de resistência à violência estrutural de que são alvo (e.g, falta de
oportunidades e incentivos, rejeição, sentimentos de inferioridade) e que contribui para
a construção social da desviância (Watts & Erevelles, 2004).
Nas últimas décadas, a violência da/na escola tem sido alvo de uma grande
atenção mediática e social (Charlot, 1997); em Portugal, bem com em diversos países, a
literatura científica sobre este fenómeno tem sido prolixa, numa grande diversidade de
abordagens teóricas, metodológicas e de enfoque sobre as suas “causas”. Mas se esta
diversidade mostra o carácter complexo e multifacetado do fenómeno, as diversas
perspectivas carecem de integração, mostrando-se por vezes contraditórias (Sebastião,
Alves, & Campos, 2003).
De acordo com Charlot (1997), é possível pensar em três grandes tipos de
violência na escola, relacionados entre si num contínuum. Num extremo deste
contínuum, a violência que emociona a opinião pública, mais “espectacular” e menos
frequente, inclui as mortes, os ferimentos com ou sem armas, as agressões sexuais, o
vandalismo. No outro pólo é possível considerar a violência quotidiana, a que atinge o
direito de cada um (professor ou aluno) a ser respeitado: indisciplina, humilhações,
agressões físicas ligeiras, racismo difuso. Um terceiro tipo de violência, por vezes
invisível, é a violência institucional (conceito considerado pelo autor como sinónimo de
violência simbólica). Trata-se, para este especialista em educação, de uma violência
exercida pela sociedade sobre os actores da escola e concretizada em diversos aspectos
paradoxais: o alargamento do tempo de escolaridade dos jovens e os contrangimentos
da orientação escolar que não encontram um reflexo nas possibilidades de inserção no
mercado de trabalho; o desfasamento entre os códigos da escola e os da vida quotidiana,
bem como a desvalorização destes últimos pela cultura escolar; os desentendimentos
acerca do papel dos professores e os atentados à sua identidade profissional; o
questionamento do sentido dos constrangimentos impostos pela instituição educativa
face aos valores democráticos. Assim, num sistema educativo massificado pelo direito
de todos à educação, a escola é também lugar de confronto, de inclusões e exclusões:
entre alunos, entre alunos e professores, entre professores e decisores das políticas
educativas.
A violência institucional da escola tem uma relação sistémica com os outros
tipos de violência que nela acontecem, bem como com a violência de outros campos da
vida social (Sebastião et al, 2003). Os constrangimentos institucionais, tomando por
vezes formas de violência simbólica que se impõem aos actores da escola, criam as
25

condições para que outras formas de violência (e.g., interpessoal) possam desencadear-
se. Ao mesmo tempo, os episódios de violência interpessoal podem conduzir a um
aumento dos constrangimentos institucionais exercidos sobre os seus actores,
alimentando o ciclo de violência. Por outro lado, as relações de dominação e de
reprodução das desigualdades sociais que se fazem sentir na escola podem ser
concebidas como configurações específicas das relações de dominação que caracterizam
o sistema social. A violência institucional da escola é ao mesmo tempo produtora e
produto de outras formas de violência que acontecem no sistema-escola, noutras
instituições e transversalmente ao campo social.

Conclusão
Existe já um certo volume de investigação e teoria, proveniente de diferentes
campos das ciências sociais e humanas, sobre a violência de diversos tipos de
instituições. No entanto, se a ausência de abordagens integradas é notória relativamente
a cada uma delas, a reflexão sobre as dimensões comuns às violências de diversas
instituições é ainda mais rara, ou então assume um carácter relativamente abstracto –
como os conceitos de violência estrutural, cultural, simbólica, institucional ou ainda os
conceitos de dispositivo de normalização e instituição total, apresentados ao longo deste
capítulo. No entanto, é possível destacar alguns aspectos comuns, quer sobre a teoria
quer sobre os resultados empíricos.
O estado dos saberes acerca das relações entre os direitos humanos e a violência
institucional mostra que, numa perpectiva societal, os direitos humanos e a violência
estão ligados na “realidade” social; ao mesmo tempo que se relacionam em termos de
oposição, também se constroem e legitimam mutuamente. Mas se, quer do ponto de
vista teórico quer do ponto de vista do senso-comum, as violações dos direitos humanos
constituem formas de violência, o referencial dos direitos humanos não é suficiente para
abranger uma conceptualização alargada da violência, devido às interpretações restritas
que são frequentemente atribuídas aos direitos.
Os direitos e as violências não se distribuem igualitariamente através das
sociedades e de diferentes períodos históricos; a probabilidade de gozar de direitos ou
de ser vítima de violências depende da posição dos indivíduos na estrutura social,
nomeadamente da sua pertença a grupos considerados “favorecidos” ou
“desfavorecidos”. As relações entre os grupos na hierarquia social caracterizam-se pela
dominação. Muitas das injustiças sociais que dela resultam constituem violações dos
26

direitos humanos e tipos de violência que frequentemente tomam forma através das
instituições – a(s) violência(s) institucional(ais).
De um ponto de vista psicossocial, as instituições constituem um lugar de
integração social dos indivíduos, pelas suas funções de socialização, de regulação das
relações sociais e de protecção dos direitos; mas são também lugares de exercício de
violência, geradoras de injustiças e limitadoras dos direitos dos indivíduos.
No que diz respeito às posições e comportamentos dos indivíduos face à relação
entre direitos e violência, se os direitos humanos são representações partilhadas entre
diferentes grupos sociais, a sua violação é também largamente aceite, embora de modo
menos consensual. Este desfasamento pode ser explicado, pelo menos parcialmente,
pelas teorias da legitimação social. As teorias da justificação do sistema e da dominação
social explicam-no pela partilha, entre os grupos, das ideologias dominantes (que
legitimam a violência e constituem a sua base cultural – violência cultural) ou da
propensão de certos indivíduos à dominação. A teoria da identidade social explica este
desfasamento pela necessidade de uma pertença positiva a um grupo social. Segundo os
contextos e as posições que ocupam na hierarquia social, esta necessidade leva os
indivíduos a mobilizar diferentes estratégias para lidar com a percepção de uma
identidade social negativa ou de uma organização social injusta. Assim, se as vítimas da
violência estrutural e institucional nem sempre se percebem como tal, isso não implica
que esta vitimação não tenha consequências psicossociais (por exemplo ao nível
identitário). Os indivíduos podem também pôr em jogo estratégias de acção para fazer
face às situações de injustiça de que são alvo (por exemplo, mobilização individual ou
colectiva).
Se as teorias e estudos que foram apresentados podem constituir uma base para a
construção de uma “vitimologia da violência institucional e das violações dos direitos
humanos”, a construção deste saber encontra-se ainda a dar os primeiros passos. As
dinâmicas macro-sociais e interpessoais envolvidas na concretização e legitimação da
injustiça social, pela sua complexidade, requerem uma abordagem que articule os níveis
mais estruturais com os níveis interpessoais e individuais. As teorias acima apresentadas
salientam mais uma ou outra dimensão, carecendo de uma articulação multinível.
Afigura-se importante prosseguir a investigação sobre a forma como o senso
comum percepciona a violação dos direitos humanos e a violência institucional: será
esta percebida como violência?; como injustiça?; poderão violência e injustiça ser vistas
como sinónimos ao nível dos saberes comuns?; quem tem direito a quê?; em que
27

circunstâncias se podem violar os direitos dos indivíduos? Estas questões foram já


parcialmente respondidas pelos estudos apresentados; no entanto, a abordagem
experimental predominante nos estudos sobre a legitimação carece de contextualização
socio-histórica, e a abordagem em inquéritos extensivos carece de contextualização nos
percursos de vida dos indivíduos, nomeadamente nas suas relações com as instituições.
A vitimologia, pelo seu carácter interdisciplinar, poderá fazer apelo aos contributos de
diferentes áreas das cièncias sociais e humanas, articulando saberes e níveis de análise.
Estas questões, e outras que entretanto se forem desenhando, abrem um novo
percurso teórico e empírico à vitimologia; se este caminho virá a ser trilhado, o futuro o
dirá.

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