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TOCA – GRUPO TERAPÊUTICO ONLINE: RELATO DE UMA AÇÃO DE

CUIDADO EM SAÚDE MENTAL PARA ESTUDANTES E PROFISSIONAIS


DA SAÚDE NO CONTEXTO DA PANDEMIA COVID-19

Área temática: Saúde.

Autores: Larissa Arbués Carneiro 1, Jaqueline Rodrigues Stefanini2, Marciana


Gonçalves Farinha3, Kelly Dantas dos Santos4, Thiago Pires da Mota5
Coordenadora: Fernanda Valentin6

RESUMO: A pandemia da Covid-19 gerou uma situação de crise. É importante


reconhecer que este cenário repercute na saúde mental dos indivíduos uma vez que o
medo e a ansiedade a respeito da doença podem ser intensos e causar impactos
psicológicos a população. Os estudantes universitários terão suas rotinas alteradas,
exigindo mudanças de hábitos e resiliência. Os profissionais da saúde vivenciam medo
da contaminação e restrição do contato com familiares, esgotamento físico e mental por
jornada excessiva de trabalho ou por diminuição de renda e desemprego. Soma-se a isso
o distanciamento social de amigos, colegas e familiares. Neste contexto, busca-se
conhecer como os grupos terapêuticos online contribuem para promover suporte em
saúde mental. Foram formados dois grupos um com 13 universitários e outro com oito
profissionais da saúde. Para cada grupo, realizou-se 7 encontros semanais, com duração
de 90 minutos por encontro, utilizando a metodologia do Ciclo de Aprendizagem
Vivencial. Os grupos foram conduzidos por uma equipe interprofissional das áreas de
enfermagem, psicologia e musicoterapia. Como resultados desta experiência indicamos
que a modalidade de grupo online traz desafios, próprios de um ambiente e linguagem
novos, mas preserva a potencialidade do Grupo como lugar de escuta, acolhimento e
vivência de fatores terapêuticos, assim como, possibilita a aplicação e adaptação de
diferentes recursos e princípios do trabalho com grupos terapêuticos. A experiência do
projeto de extensão TOCA também tem possibilitado à equipe a produção de novos
conhecimentos e aprimoramento do papel de coordenação e de recursos para intervenções
grupais em saúde mental.
Palavras-chave: Saúde Mental. Covid-19. Grupo Terapêutico.

1 INTRODUÇÃO
Estudos alertam sobre os impactos na saúde mental do indivíduo decorrentes
da pandemia da Covid-19, tais como sintomas de ansiedade, depressão, estresse

1
Doutora em Ciências da Saúde (UFG), Instituto de Patologia Tropical e Saúde Pública, UFG,
larissa_arbues@ufg.br
2
Doutora em Ciências da Saúde (USP), Faculdade Unida de Campinas - FacUnicamps,
jaquestefanini@gmail.com
3
Doutora em Enfermagem (USP), Instituto de Psicologia, UFU, marciana@ufu.br
4
Musicoterapeuta, Escola de Música e Artes Cênicas, UFG, kellydantasmt@gmail.com
5
Estudante da Graduação em Musicoterapia, Escola de Música e Artes Cênicas, UFG,
thiagoprmota@gmail.com
6
Doutora em Psicologia (UnB), Escola de Música e Artes Cênicas, UFG, fernandavalentin@ufg.br
relacionados à contaminação pelo coronavírus e às medidas de distanciamento social
(BROOKS et al, 2020; LI et al, 2020).
O uso da tecnologia grupal em saúde mental mostra resultados significativos
como a diminuição da ansiedade, depressão e estresse, além de potentes espaços de
criação e fortalecimento de vínculos (NUNES et al, 2019). Ao compartilhar experiências
e histórias de vida, os participantes podem reconhecer seus problemas e encontrar novas
soluções (NUNES et al, 2020).
A dinâmica grupal online é capaz de reproduzir muitas das vicissitudes de
uma dinâmica grupal presencial, com limitações e diferenciações. O trabalho com grupos
requer conhecimentos específicos, já que se configura como uma unidade diferente da
soma de cada uma das pessoas que o compõem. O coordenador de grupo deve ter uma
formação especializada para ser capaz de realizar leitura e mediação do processo grupal,
colaborando para a construção de novos sentidos e significados e, também, para
mudanças de comportamentos (ANDALÓ, 2001).
A experiência do projeto de extensão TOCA - Grupo Terapêutico Online
possibilita produção de conhecimento e aprimoramento de recursos para intervenções
grupais em saúde mental, em especial no ambiente virtual. O presente trabalho tem como
objetivo apresentar a metodologia adotada no projeto e os resultados da avaliação
estruturada dos encontros realizados com estudantes e profissionais entre maio e junho
de 2020.

2 MÉTODO
Relato de experiência de intervenções em grupo terapêutico online, realizados
de maio a julho de 2020. O intuito foi, por meio do grupo, acolher emoções e sentimentos
e promover cuidado em saúde mental, considerando as vivências dos participantes no
contexto da pandemia.
A intervenção consistiu em sete encontros de 90 minutos cada, uma vez por
semana, com no mínimo oito e no máximo doze participantes. Para a realização dos
encontros foi utilizada a plataforma Google Meet, seguindo a metodologia do Ciclo de
Aprendizagem Vivencial (CAV) que propõe quatro etapas: atividade, análise,
conceituação e conexão (MOSCOVICI, 2000).
O TOCA foi divulgado pelo site da universidade, mídias sociais das
coordenadoras e de grupos de interesse dos dois perfis propostos para a intervenção:
universitários de uma instituição de ensino superior pública do centro-oeste e
profissionais da saúde de serviços públicos municipais e estaduais. Os interessados
responderam um formulário de inscrição via Google Forms no qual informaram nome,
filiação, contatos e questões sobre coabitação, acompanhamento terapêutico e como se
sentiam no período de quarentena, assim como, sobre sua motivação para participação no
grupo. Os inscritos foram notificados do início do grupo via e-mail ou Whatsapp.
No primeiro encontro foi acordado entre os participantes que o grupo seria
fechado, uma vez que formado não entrariam mais participantes. Também foi explicada
a proposta de intervenção e construído coletivamente o contrato psicológico do grupo.
Nele foram discutidas as regras do grupo: sigilo, respeito às falas e atenção ao uso do
microfone. Outras estratégias criadas para promover a coesão grupal foram a criação de
um grupo no Whatsapp e de uma lista colaborativa de músicas no Spotify.
Os coordenadores do grupo de universitários foram uma psicóloga, duas
musicoterapeutas e um aluno do curso de musicoterapia. Os coordenadores do grupo de
profissionais foram uma enfermeira, duas psicólogas e uma musicoterapeuta. Nos dois
grupos os facilitadores buscaram construir um espaço de diálogo e reflexão entre os
participantes sobre temas concernentes à promoção da saúde.
A equipe coordenadora realizava uma reunião após cada encontro do grupo
com objetivo de refletir acerca da vivência anterior e planejar o próximo encontro. Para
sistematizar as ações de avaliação e planejamento utilizou-se dois instrumentos:
planejamento do encontro e avaliação estruturada contendo: registro dos presentes;
justificativa sobre o alcance dos objetivos propostos; checklist da integridade do encontro;
análise sobre o clima grupal e reação dos participantes; análise do desempenho,
sentimentos e impressões emergentes nos facilitadores; fatores facilitadores e
dificultadores; ações corretivas e encaminhamentos necessários para o encontro seguinte.
Além de uma avaliação coletiva da intervenção, ocorrida no último encontro, os
participantes foram convidados a preencher individualmente uma avaliação final da
intervenção via Google Forms.
Durante todo o processo, buscamos respeitar os aspectos éticos que envolvem
uma intervenção grupal, assim como, em contactar individualmente os participantes que
porventura se afastaram do grupo ou que tenha sido observada necessidade de um
acompanhamento especializado em saúde mental. Inicialmente buscou-se contato com os
participantes ausentes por mensagens no grupo e no privado no Whatsapp, além de
ligações para alguns até o quarto encontro.

3 RESULTADOS E DISCUSSÃO
O grupo de estudantes teve a participação de 13 pessoas, 9 do sexo feminino
e 4 do sexo masculino, com idade entre 18 e 31 anos. Os participantes cursavam
Medicina, Musicoterapia, História e Engenharia, sendo onze graduandos e duas recém-
formadas. Tivemos uma média de participação de 6 estudantes por encontro. O grupo de
profissionais teve a participação de 9 pessoas, todas do sexo feminino, com idade entre
25 e 48 anos, sendo 4 psicólogas, 1 médica, 2 assistentes sociais, 1 fisioterapeuta e 1
técnica de enfermagem. Com média de 4 participantes por encontro.
Quanto às ausências, a maioria das justificativas foram por esquecimento e
ou imprevistos no horário do grupo. No caso do grupo dos profissionais, acreditamos que
a diminuição mais acentuada do número de participantes se deu por choque de horários
do grupo com o trabalho e pelo profissional da saúde não priorizar o autocuidado.
A familiarização com o ambiente virtual e a conexão de internet foram fatores
dificultadores. Nos primeiros encontros parte significativa do tempo foi utilizada para
aprender a manusear os recursos da plataforma. Observamos uma diferença entre a
interface do computador e a do celular, sendo que a primeira oferece uma melhor
experiência de participação e leitura grupal, permitindo ver a todos simultaneamente no
layout mosaico. Inclusive o recurso de gravação fica prejudicado com o Google Meet,
porque só é registrada a imagem de quem fala.
De modo geral, os participantes se mostraram presentes, interessados e
abertos para as atividades e discussões propostas. A música foi percebida como um fator
facilitador do processo grupal, diminuindo a ansiedade da equipe e promovendo
descontração e integração entre os participantes. Alguns participantes demonstraram
surpresa com a descoberta de que mesmo na modalidade online é possível vivenciar um
processo terapêutico no qual se pôde conhecer novas pessoas, estabelecer relações de
confiança, sair da zona de conforto, experimentar o sentimento de pertença, absorver o
entusiasmo do grupo e encontrar novas possibilidades, em especial neste período de
quarentena.
O recurso do Whatsapp e da lista colaborativa no Spotify possibilitou aos
participantes, mesmo os ausentes dos encontros, a se manterem conectados com o grupo
de forma assíncrona e com algum benefício terapêutico. A postura acolhedora das
coordenações de ambos grupos foram notadas e receberam feedbacks positivos, tanto pelo
formulário final de avaliação quanto pelas avaliações realizadas por meio de hashtags ao
final de cada encontro. Característica do ambiente virtual, ela organiza e categoriza
assuntos na internet e seu uso possibilitou a livre expressão das percepções dos
participantes, sintetizando e avaliando os encontros de forma rápida e descontraída.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Destacamos que a experiência da coordenação de grupo online foi permeada
por inseguranças, incertezas, tensões e um certo cansaço diante da gestão das várias
demandas durante os encontros dos grupos, tais como, a condução do grupo, o chat da
plataforma, as mensagens no grupo de participantes, da coordenação e mensagens
privadas no Whatsapp, em especial, nas primeiras sessões.
Ressalta-se, ainda, que as fronteiras entre a vida privada e a profissional estão
mais difusas. Uma vez que as demandas pessoais da equipe foram ampliadas pela
pandemia e as profissionais agora são realizadas de casa. Entretanto, à medida em que os
encontros seguiram a sensação de conforto e integração com o grupo ajudaram a aliviar
estas questões, sendo também terapêutico para própria equipe.
A partir dessa primeira experiência, identificamos como pontos de
aprendizagem que a condução no ambiente virtual requer contrato mais detalhado quanto
a necessidade de espaço reservado, câmera aberta e maior comprometimento com
assiduidade e pontualidade no grupo. Cabendo aos coordenadores planejarem para os
primeiros encontros a familiarização com a plataforma e atentando-se para as sonoridades
e os cenários evidenciados pela tela de cada participante.
Destacamos que os processos de vinculação, nucleação e coesão grupal foram
mais desafiadores do que no ambiente presencial, por ser uma intervenção online somada
ao seu caráter breve. Nos encontros com menor participação ou que o grupo estava menos
aquecido, os participantes se apresentaram mais silenciosos e menos responsivos às
consignas. Consideramos que no encontro online, o silêncio se apresenta de forma menos
tolerável, tanto para os participantes quanto para os coordenadores, e o grupo parece
requerer maior presença e diretividade da coordenação para se manterem engajados na
tarefa.
Por fim, notamos que no fazer grupal online pela facilidade de se desconectar,
o compromisso do participante com o grupo parece ser mais frágil. Dessa forma, além de
um contrato bem acordado no grupo, faz-se necessária a convocação de maior número de
participantes, considerando o índice de desistências. Também é exigido da equipe de
coordenação maior engajamento, seja de forma síncrona ou assíncrona, para estimular o
grupo a se manter aquecido, comprometido e participativo. Assim, o alinhamento da
equipe, a divisão de funções e a clareza dos papéis de cada membro possibilita maiores
ganhos nas intervenções terapêuticas.

REFERÊNCIAS
ANDALÓ, C S A. O papel de coordenador de grupos. Psicologia USP, vol 12, n. 1, p
135-152. 2001. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0103-65642001000100007.

BROOKS S. K. et al. The psychological impact of quarantine and how to reduce it:
rapid review of the evidence. The Lancet, v. 395, n. 10227, p 912-920. 2020. Disponível
em: https://doi.org/10.1016/S0140-6736(20)30460-8.

LI, W. et al. Progression of Mental Health Services during the Covid-19 Outbreak in
China. Int J Biol Sci, v. 16, n. 10, p 1732-1738. 2020. Disponível em:
http://www.ijbs.com/v16p1732.htm

MOSCOVICI, F. Desenvolvimento interpessoal: treinamento em grupo. José Olympio:


Rio de Janeiro, 2000. 9a Edição.

NUNES, F. C. et al. Group technology in psyschosocial care: a dialogue between


action-research and Permanent Health Education. Texto & Contexto-Enfermagem, v. 28.
2019. Disponível em: https://doi.org/10.1590/1980-265x-tce-2018-0161

NUNES, F. C. et al. Group interventions and action research in health: application


possibilities. Revista Millenium, v. 2, n. 11, p. 65 - 71. 2020. Disponível em:
10.29352/mill0211.07.00273

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