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(…)
Ora, este desequilíbrio estrutural da relação de trabalho não pode ser ignorado,
nem deve ser menosprezado, pelo Direito.
Com efeito:
Na prática, porém, como alguém disse, «a teoria era outra», e o modelo jurídico
liberal teve, como é sabido, consequências verdadeiramente dramáticas, tanto
no plano social como no plano humano.
Esquematicamente, dir-se-ia:
=
Direito do Trabalho.
Como bem observa JORGE LEITE, «é este o expediente a que recorre a nova
forma de regulação para civilizar as relações de trabalho, isto é, para as
subtrair à lógica das relações de força, um objetivo em que o direito civil
claudicou».
Vivemos ainda (até quando?) em uma sociedade fundada no trabalho. O trabalho surge, para
alguns, como a verdadeira essência do homem, como um meio de realização pessoal e de
Seja como for, a importância do Direito do Trabalho na nossa sociedade é, hoje, absolutamente
indesmentível. Afinal, a maioria da população ativa presta trabalho dependente, labora em
moldes subordinados e por conta de outrem. E, para muitas dessas pessoas, o contrato de
trabalho é, quiçá, o mais estruturante negócio jurídico que alguma vez celebram (apenas
ultrapassado, porventura, pelo matrimónio...), surgindo o trabalho como aspeto central (por
vezes obsessivamente central) das suas vidas. Isto dito, também não deixa de ser verdade que
o trabalho perdeu, nos últimos anos, alguma da centralidade social que detinha,
designadamente no que diz respeito ao seu papel na formação da identidade pessoal – talvez
porque cada vez é mais fácil perdê-lo e cada vez é mais difícil encontrá-lo, numa economia
recheada de petits boulots ocasionais, intermitentes, precários...
É esta relação de troca trabalho-salário, fundada num (ou disfarçada de?) contrato, relação
marcadamente patrimonial (goste-se ou não, o trabalho é, nas economias de mercado em que
vivemos, tratado como se fosse uma mercadoria) à qual assiste, no entanto, uma dimensão
irrecusavelmente pessoal (pois a força de trabalho não é dissociável do trabalhador, e este,
tanto ou mais do que sujeito do contrato, é objeto do mesmo), é esta relação estruturalmente
desigual e intrinsecamente conflitual, cunhada por uma forte divergência de interesses entre
trabalhadores e empregadores, que constitui o cerne da nossa disciplina.
Forjado no séc. XIX, desenvolvido e amadurecido no séc. XX, estará o Direito do Trabalho
condenado a definhar ao longo do séc. XXI? Não creio. Com efeito, nas condições atuais do
capitalismo, em que, na fórmula de ROBERT REICH, o «capitalismo democrático» deu lugar ao
«supercapitalismo», marcado por uma concorrência infrene e globalizada, as empresas têm de
responder a uma dupla pressão: a pressão dos consumidores (que querem fazer bons
negócios, reduzindo os seus encargos) e a pressão dos investidores (que também querem
fazer bons negócios, aumentando os seus rendimentos). E tanto os consumidores como os
investidores são, hoje, altamente voláteis e dificilmente fidelizáveis, movendo-se
constantemente num mercado global criado e potenciado pelas novas tecnologias. Colocadas
perante esta pressão concorrencial intensa e crescente, as empresas são obrigadas a
aumentar a sua eficiência – o que, em muitos casos, equivale a reduzir custos. E esta redução
de custos, desejada pelos consumidores e reclamada pelos acionistas, põe em xeque a
posição dos respetivos trabalhadores (contenção, salarial, degradação das condições de
trabalho, despedimentos, etc.).
Neste quadro, a necessidade de estabelecer regras jurídicas, de raiz autónoma ou heterónoma,
de origem nacional, internacional ou supranacional, tendentes a regular e disciplinar esta
concorrência interempresarial, em ordem a salvaguardar as condições de vida e de trabalho
Neste. sentido, como alguém observou, a globalização representou tanto o triunfo das leis do
mercado como a consagração do mercado das leis. Não surpreende, por isso, que também se
diga que o Direito do Trabalho já conheceu dias melhores...
Neste contexto, o Direito do Trabalho vê-se remetido para o banco dos réus, é
colocado no pelourinho, é acusado de irracionalidade regulativa e de produzir
consequências danosas, isto é, de criar mais problemas do que aqueles que
resolve, em particular no campo económico e no plano da gestão empresarial
(efeito-boomerang das normas juslaborais, grandes responsáveis, diz-se, pelas
elevadas taxas de desemprego).
Vistas as coisas sob este prisma, a defesa dos interesses dos outsiders reclamaria a
eliminação dos direitos (ou melhor: dos privilégios) dos insiders. E o apetite flexibilizador de
alguns revela-se, por isso, insaciável («sempre mais!»: sempre mais mobilidade, sempre mais
adaptabilidade, sempre mais desregulamentação), tudo em nome das supostas exigências do
sacrossanto e omnipotente «Mercado», concebido este como a Grundnorm de toda a ordem
jurídica.
De qualquer modo, é inegável que, nos nossos dias, a flexibilidade do mercado de trabalho
constitui um objetivo omnipresente e incontornável, surgindo aquela, diz-se, como um valor
sociologicamente pós-industrial e culturalmente pós-moderno.
Ora, “flexibilidade” consiste, sem dúvida, numa palavra mágica, encantatória. Flexível significa
maleável, ágil, suave... vocábulos que emitem, todos eles, sinais positivos. Flexível opõe-se a
rígido - e o que é rígido é mau, o que é rígido parte-se. Mas flexível também pode significar
dócil, complacente, submisso. Neste sentido, flexível opõe-se a firme - e o que é firme é bom, o
que é firme não se dobra. Na verdade, entre a maleabilidade e a docilidade vai uma distância
não despicienda. Tal como entre a suavidade e a complacência. Tal como, afinal, entre a
rigidez e a firmeza.
Em jeito conclusivo, julga-se ser algo falaciosa a tese segundo a qual a flexibilização do direito
laboral equivale, sic et simpliciter, a ganhos de eficiência do aparelho produtivo e, logo, a uma
maior competitividade das empresas. A verdade é que, até hoje, a ciência económica nunca
con seguiu demonstrar a existência de uma relação causal entre o nível de proteção do
emprego e as taxas de desemprego. Aliás, a este respeito não posso deixar de compartilhar o
ceticismo de UMBERTO ROMAGNOLI, expresso na seguinte boutade: «A ideia segunda a
qual, para ajudar e proteger todos os que procuram trabalho, é necessário ajudar e proteger
menos quem tem trabalho, é filha da mesma maldade com a qual se sustenta que, para fazer
crescer cabelo aos calvos, é necessário rapar o cabelo a quem o tem».
Porém, ainda que assim fosse, isto é, ainda que uma tal correlação viesse a ser estabelecida
sem margem para dúvidas, sempre conviria não perder de vista que uma regra jurídica (em
especial, uma regra jurídico-laboral) nunca poderá encontrar um arrimo válido e bastante em
meras considerações de eficiência, sob pena de cairmos numa visão puramente mercantil do
Direito e das suas funções. Na verdade, existem outros valores, de índole não económica
(desde logo, a dignidade do trabalho e da pessoa que o presta), que ao Direito do Trabalho
Com efeito, nem todo o trabalho prestado nas sociedades hodiernas é regulado
por este ramo do direito, antes este limita-se, em princípio, a disciplinar as
relações laborais marcadas pela nota da subordinação jurídica, pelo dever de o
prestador de trabalho obedecer às injunções patronais, pelo poder do credor de
trabalho de comandar a atividade daquele.
De todo o modo, importa sublinhar que o contrato de trabalho não se define por
aquilo que se promete fazer, isto é, pelo tipo de atividade em questão, mas sim
pelo modo como se promete fazer, isto é, pela circunstância de essa atividade
ser prestada sob a autoridade e direção do empregador. Ora, assim sendo,
compreende-se que tanto o operário têxtil como o empregado bancário, o
jornalista como o futebolista, a empregada doméstica como a «caixa» de um
hipermercado, o médico como o escriturário, o professor como o ator teatral, o
operário metalúrgico como o treinador desportivo ou o advogado, possam
assumir as vestes de «trabalhador subordinado por conta de outrem», sendo
destinatários das normas jus laborais.
Resumindo:
instrumentos negociais e;
não negociais.
o contrato coletivo;
o acordo coletivo e o;
Mais difícil será caracterizar, com rigor, o que é uma convenção coletiva de
trabalho:
Ela poderá ser definida como um acordo escrito celebrado entre
instituições patronais (empregadores e suas associações), por um lado, e, por
outro, associações representativas de trabalhadores (entre nós, em principio,
associações sindicais), com o objetivo principal de fixar as condições de
trabalho (maxime salários, mas também carreira profissional, férias, duração de
trabalho, regime disciplinar, etc.) que hão-de vigorar para as categorias
abrangidas.
A convenção coletiva não chega a ser uma lei, mas também não se reduz à
mera condição de contrato; ela é, diz-se, uma síntese destas figuras, é um
«contrato-lei», é uma «lei negociada», é um contrato criador de normas, um
contrato normativo...
Assim sendo, o art. 13°, no 1, da velha e hoje revogada LCT, fixava a diretriz
fundamental em matéria de relacionamento e coordenação entre a lei e a
convenção coletiva, ao prescrever que «as fontes de direito superiores
Nos últimos anos, porém, num cenário de globalização capitalista cada vez
mais agressiva e com a hegemonia ideológica das correntes neo liberais, dir-
se-ia que as prioridades se inverteram: a preocupação central do Direito do
Trabalho parece hoje consistir na garantia de eficiência económica das
empresas, só em segundo plano surgindo a promoção da equidade nas
relações de trabalho; e, no tocante à negociação coletiva, a sua histórica
função de melhoria das condições de trabalho aparece hoje subalternizada e
substituída pela função de flexibilização e adaptação das normas aos
interesses da empresa, às necessidades desta, às conveniências desta, à
melhoria da posição competitiva desta - assumindo foros denormalidade a
hipótese de afastamento in pejus das normas legais por via da negociação
coletiva.
Foi neste contexto que surgiu, entre nós, o art. 4°, no 1, do CT de 2003,
preceituando que «as normas deste Código podem, sem prejuízo do disposto
no número seguinte, ser afastadas por instrumento de regulamentação coletiva
de trabalho, salvo quando delas resultar o contrário».
Apesar do disposto na sua epígrafe, o n°1 deste art. 4° traduziu-se, bem vistas
as coisas, num verdadeiro atestado de óbito do favor laboratoris relativamente
à contratação coletiva, dele se extraindo que, em principio, o Direito do
Trabalho legislado possui um caráter facultativo ou supletivo face à contratação
coletiva – ou seja, por mor deste preceito, concluía-se que as normas legais
passariam a ser, em regra, normas «convénio-dispositivas» ou «coletivo-
dispositivas», isto é, normas livremente afastáveis por convenção coletiva de
trabalho.
Destarte, daí em diante o quadro legal poderia ser alterado in pejus pela
convenção coletiva, o que implicou uma mutação (dir-se-ia: uma revolução) na
filosofia básica inspiradora do Direito do Trabalho: assim, de um direito com
uma vocação tutelar relativamente às condições de trabalho, imbuído do
princípio da norma social mínima, transitamos para uma espécie de direito
neutro, em que o Estado recua e abandona a definição das condições de
trabalho à autonomia coletiva.
Aliás, não é decerto por acaso que a CRP consagra o direito de contratação
coletiva como um direito dos trabalhadores, não dos empregadores.
Aquando da elaboração do atual CT, o grande problema que se colocava nesta matéria
consistia, justamente, em saber se o princípio do tratamento mais favorável, liquidado em 2003,
iria ou não ser reposto em vigor. No âmbito do relacionamento entre a lei e a contratação
coletiva, perguntava-se: será que o favor laboratoris, enquanto «princípio presuntivo» (isto é,
enquanto presunção de imperatividade mínima das normas laborais), não deveria ser
ressuscitado pelo novo legislador do trabalho?
A resposta veio a ser fornecida pelo art. 3º, nº1, do novo CT, de 2009, o qual
preceitua: «As normas legais reguladoras de contrato de trabalho podem ser
afastadas por instrumento de regulamentação coletiva de trabalho, salvo
quando delas resultar contrário». Ou seja, o princípio é-continua a ser – o da
natureza «convénio-dispositiva» ou «coletivo-dispositiva» das normas
trabalhistas.
Significa isto que o CT não trouxe quaisquer novidades neste domínio? Não.
Com efeito, o nº3 do seu art. 3º não deixa de elencar um amplo conjunto de
matérias cujo regime jurídico possui, em princípio, um carácter relativamente
imperativo, nos seguintes termos:
b) proteção na parentalidade;
c) trabalho de menores;
e) trabalhador-estudante;
E, note-se ainda, fora deste bloco normativo também poderá haver casos de
imperatividade relativa (pense-se, por exemplo, na duração do período
experimental, a qual poderá ser reduzida, mas não aumentada, por instrumento
de regulamentação coletiva, como esclarece o art. 112°, n° 5, do CT) ou de
Imperatividade absoluta (pense-se, por exemplo, no regime jurídico da
cessação do contrato de trabalho, por força do art. 339°, n°1, do CT). Isso
mesmo resulta, aliás, do segmento final do no 1 do art. 3o («salvo quando
delas resultar o contrário»).
Não me parece uma boa solução. Pelo contrário, e porque, a meu ver, no séc.
XXI ainda subsiste o fundamento que confere valor normtimo ao princípio do
favor laboratoris, a regra, creio, deveria ser a de que o legislado é "insuscetível
de desmelhoramento” mediante o negociado. Poderia haver, sem dúvida,
exceções a esta regra, em ordem a cumprir função flexibilizam-te ou de
adaptação regimental que também incumbe a negociação coletiva; mas, por
muito numerosas que fossem as exceções, aquela regra de principio não
deveria ser subvertida. Afinal, é da identidade mesma do nosso ramo de direito