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b.

Exigências da Geoestratégia
 
Seguem alguns elementos sobre as definições de geoestratégia e estratégia;
as tendências da estratégia; as consequências das caraterísticas e da posição
estratégia do Estado; as vulnerabilidades e as potencialidades dos Estados; e
os problemas inerentes às desigualdades dos Estados2.
 
1) As Definições de Geoestratégia e de Estratégia
 

a) A Definição de Geoestratégia
 
Sobre este assunto afirmo o seguinte:
 
“A Geoestratégia é a ciência que apresenta a relação entre os Fatores
Geográficos (analisados isoladamente) e os Fatores de Decisão Humana
(relacionados com a Estratégia e a Tática); existe uma relação profunda entre a
Geoestratégia e a Geopolítica; a Geoestratégia e a Geopolítica incidem sobre a
Geografia e analisam uma determinada área geográfica; esta área geográfica é
uma região possuidora de atributos geográficos que a caracterizam e a
diferenciam das outras áreas; a Geopolítica está incluída na Geoestratégia
quando se pretende que a Estratégia seja a Estratégia Total; na Geoestratégia
sobressai o fator “Projeção do Poder do Estado”, que concretiza a autêntica
capacidade do Estado para projetar internacionalmente algum dos seus tipos
de Poder numa determinada área geográfica; esta área geográfica deve ter
uma importância que justifique a utilização da força militar, num espaço que é
objeto de antagonismos profundos.
A. Tomé, insistiu afirmando que a Geoestratégia relaciona os fatores
geopolíticos com o fator militar e os problemas estratégicos com os fins
políticos; e que a diplomacia é o instrumento privilegiado para resolver os
problemas da política externa.
 
b) A Definição e os Objetivos da Estratégia
 

“A Estratégia, prosseguiu A. Tomé, é a ciência que ensina a utilizar os recursos


do país para assegurar os interesses vitais do Estado; defende e desenvolve
os objetivos apresentados pela Política; concretiza atividades atendendo aos
fins políticos; e é aplicada em ambiente hostil, utilizando todos os recursos do
Estado.

Geralmente, essa intervenção suscita a reação de uma vontade política


diferente; quando o Estado resolve e apresenta a forma como vai solucionar
um problema geoestratégico, a política deve escolher os objectivos políticos a
concretizar; a Estratégia deve escolher os meios para atingir os fins
apresentados; a política deve estabelecer os objetivos a atingir nas diferentes
conjunturas e a estratégia deve procurar obter esses objetivos.
Na busca e na concretização dos objetivos do Estado, a Política deve adotar
uma estratégia que atenda às variáveis necessárias para enfrentar e resolver
os problemas; a estratégia deve aplicar as orientações escolhidas, fixar os
objetivos intermédios e utilizar os recursos postos à sua disposição pela
Política; a estratégia deve atender ás ações táticas a utilizar no Teatro de
Operações, para atingir os fins escolhidos.
Por isso, o estratega deve atender se os recursos são adequados aos
objetivos; se os meios e os fins são exequíveis e as intervenções previstas são
aceitáveis.

2) As Tendências da Geoestratégia
 
Atualmente os estudos sobre a geoestratégia mostram algumas tendências
(para a investigação e a análise) importantíssimas. Seguem alguns elementos
sobre este assunto.
A existência e a influência dos meios de informação e comunicação, geradores
de conhecimentos e comunicações em tempo real (esta realidade está
alicerçada na interdependência e no processo de globalização); o aumento do
fosso existente entre países ricos e países pobres (esta realidade -de entre
outras consequências possíveis- tem provocado a desintegração demográfica:
as migrações internacionais, etc.); e a multiplicação de inúmeros tipos de
armas e o acesso a elas (esta realidade –de entre outras consequências-
originou a proliferação descontrolada dos armamentos).
 
3) As Consequências das Características e da Posição Estratégica do
Estado
 
a) As Consequências das Características do Território”

Algumas características do território do Estado condicionam o comportamento


desse Estado (da nação e do seu regime: governo do Estado) frente aos outros
Estados e aos outros agentes das relações internacionais; e a situação do
território condiciona o comportamento do Estado no Sistema internacional
(pesa na sua atuação frente aos outros Estados).
 
b) As Consequências da Posição Estratégica do Estado
 
A situação estratégica do Estado, origina atitudes comportamentais especiais
dos líderes do Estado. Estas atitudes comportamentais condicionam a intenção
de ocupar ou negar espaços geográficos considerados essenciais para os
objetivos desejados e provocam o nervosismo militar ou a crise aguda (num
confronto de baixa intensidade e numa situação de Guerra declarada).
Esta Guerra, é uma parte importante da atividade estratégica das grandes
Potências, no seu esforço para se afirmarem ou conservarem a sua situação
atual.
Durante os períodos de guerra, o Estado tem de executar a Estratégia Total.
Nessas situações a Estratégia Militar deve ser apoiada pelas outras estratégias
sectoriais (económica, tecnológica, diplomática, psicológica, etc.); e durante os
períodos de paz, a Política Externa deve utilizar todos os meios à disposição do
Estado. Mas, os meios militares unicamente poderão ser utilizados de forma
camuflada ou indireta.
 

4) As Vulnerabilidades e as Potencialidades dos Estados


 
Em relação a estes assuntos afirmo o seguinte:
 
O poder do Estado radica ou na posse e exploração de riquezas naturais, ou
no controlo da origem dessas riquezas e na garantia do seu abastecimento a
partir desse controlo; a auto-suficiência do Estado permite-lhe utilizar as suas
potencialidades e a energia nacional para atingir os seus objetivos de guerra; a
deficiência alimentar aumenta a fraqueza que provoca debilidades internas e
dependências dos fornecedores; a posse de recursos naturais (conjugados
com a existência de uma população de qualidade) é uma vantagem para os
países e é o motor do desenvolvimento de suas finanças e economias; para o
Estado adquirir Força Económica e Riqueza Financeira, é necessário que ele
tenha a capacidade para explorar, transportar e comercializar os seus recursos
alimentares ou minerais; os Estados que são grandes potências, possuem uma
força económica elevada capaz de ser utilizada ao serviço das Intervenções
Diplomáticas do Estado; um Estado, para ser forte, tem de ter uma poderosa
força económica, e uma população de qualidade e estar dirigido por líderes
competentes; a Força do Estado depende mais da relação entre os seus
recursos e a sua população, do que da sua população bruta; e o Poder natural
do Estado, depende muitíssimo da sua idade (da experiência de vida) e do seu
meio geográfico ou geopolítico (de suas condições climatéricas e de seus
recursos naturais). Estes fatores são naturais e independentes da intervenção
humana e da vontade política. Apesar disso, a ação humana pode valorizá-los
e transformá-los em riqueza económica.

Por isso, resumindo, os recursos principais do Estado, são a sua Idade, o seu
Meio Ambiente, os seus Recursos Naturais, a sua População, a sua Coesão
Social e Cultural, o seu Poder Económico, a sua Força Militar e a sua Estrutura
e Organização Coletiva. Apesar disso, também são importantes os níveis
civilizacional, tecnológico e científico; e a qualidade da sua intervenção
diplomática e estratégica, ao serviço do interesse nacional.
 
5) Os Problemas Inerentes às Desigualdades dos Estados
 
Não se esqueça que:
 
Os Estados são desiguais em relação ao seu poder, ao seu exercício da força,
e à sua capacidade de intervenção no ambiente internacional; a menor força
dos Estados, no cenário internacional, obriga-os ao exercício da diplomacia e
da estratégia; teoricamente, os Estados Pequenos são mais frágeis, devido às
suas inúmeras fraquezas e vulnerabilidades (particularmente nos assuntos
militares); os Estados Pequenos devem garantir que os seus interesses
nacionais sejam respeitados sem terem de utilizar a violência; os Estados
Pequenos devem fazer que os seus órgãos estaduais conheçam
convenientemente os dados estratégicos internacionais.
 
c. Exigências dos Tipos de Poder
 
Os poderes existentes são inúmeros. Apesar disto, estas páginas indicam
apenas alguns elementos sobre o poder funcional, o poder errático, o poder
económico, o poder tecnológico, o poder científico, o poder militar e o poder
marítimo.
 
1) O Poder Funcional

“Quando foi fundada a ONU, cinco Potências obtiveram o direito de veto no


Conselho de Segurança (França, Grã-Bretanha, China, URSS e EUA); apesar
disso, apenas duas destas potências (URSS e EUA) eram (de facto) Grandes
Potências. A seguir, estas grandes Potências transformaram-se em
Superpotências.

Esta diferencia no Poder Efetivo das diversas Unidades Políticas, originou a


real hierarquia das potências, principalmente nos campos dos poderes
económico e militar e da capacidade de intervenção estratégica.
No final da IIª Guerra Mundial, o autêntico Poder concretizava-se na posse de
meios suficientes para dobrar a vontade do adversário e até para o aniquilar.
Nessa conjuntura, o acto de fazer a guerra implicava a suprema manifestação
de autêntica potência.

Posteriormente, o poder estratégico das duas superpotências aumentou


muitíssimo. Nesta conjuntura, cada uma dessas superpotências conseguiu
possuir a capacidade para aniquilar toda a humanidade. E, nesta conjuntura,
poderiam não existir nem vencedores e nem vencidos.
Por isso, o excesso de Poder dessas duas superpotências (possuidoras de
armas nucleares) forçou-as a reverem permanentemente os seus interesses
vitais cuja violação obrigaria a utilizar as armas nucleares (por se ter
ultrapassado o limite admissível). Esta conjuntura, perigosíssima, forçou os
EUA e a URSS a  “diminuírem constantemente os seus interesses vitais, cuja
transgressão os obrigaria a avançarem para o autêntico conflito.

Nesta conjuntura perturbadora, as Pequenas Potências adquiriram uma


margem de manobra estratégica muitíssimo importante e aumentaram a sua
liberdade de intervenção. De facto, essas Potências (as pequenas potências)
constataram que tinha aumentado a extensão dos interesses que as Grandes
Potências deviam não considerar como vitais (demasiado importantes) e que
tinham de aceitar atitudes desafiadoras das “Potências menores”.

Por isso, surgiram, por exemplo, as atitudes atrevidas de Cuba, da Coreia do


Norte, etc., perante a não intervenção agressiva dos EUA. Foi espantoso. E, à
medida que aumentou o poder das Grandes Potências (sobretudo das
superpotências) cresceu o número das Pequenas e das Médias Potências que
aumentaram as suas liberdades e os seus atrevimentos desafiadores.
Estas realidades originaram o aparecimento de um conceito novo! De facto,
chegou-se à conclusão de que, por exemplo, não era a força que alicerçava o
êxito das políticas energéticas dos “pequenos” Estados da OPEP!
Compreendeu-se que era a Natureza da Função que eles desempenhavam
enquanto possuidores e fornecedores de petróleo ao Ocidente. Nesta
conjuntura, aconteceu que a ousadia de “pequenos” Estados (durante as crises
de petróleo impostas pelos “países da OPEP, que antes de 1939/45 seriam
superadas com a “política da canhoneira”) colocaram as grandes potências
ocidentais em posições fragilizadas e humilhantes.

Por isso, insistiu-se sobre o Poder Funcional de alguns Estados. Os Estados


que o utilizam, sentem-se capazes de desafiarem as Grandes Potências, por
possuírem recursos ou outros trunfos concretos considerados muito
importantes para elas. Segundo Adriano Moreira, o poder funcional é “a
capacidade de um agente, com um reduzido nível de recursos económicos e
populacionais, tirar benefício da sua posição estratégica, com isto assegurando
uma posição internacional relevante e ultrapassando a sua condição de
pequena potência”.

Resumindo, afirmo que o Poder Funcional é a capacidade real que alguns


Estados possuem para submeterem Grandes Potências e conseguirem
concretizar alguns objetivos, atendendo à função mundial que eles
desempenham. Nestes casos, subsiste um grau de tolerância admissível e eles
não podem ultrapassar gravemente a tabela de interesses ou valores.

Na prática, os “Estados pequenos”, podem sempre utilizar e até exorbitar,


quase impunemente, o seu Poder (Funcional), alicerçados na “fragilidade” que
representa para a grande potência o seu excesso de seu poder militar
(sobretudo nuclear) que a impelirá a nunca o utilizar.
 
2) O Poder Errático

“O Poder Errático procura alterar a Gestão do Estado em setores


fundamentais. Para isso, esse Poder procura intervir como elemento
bloqueador dos órgãos do Governo e destruir a união necessária para o seu
funcionamento. Procura prejudicar o funcionamento da sociedade civil e
política, atacando os mecanismos sociais e o processo de governação.

Um dos objetivos fundamentais do poder errático é conseguir a desobediência


civil. Para isso, esse poder procura eliminar a obediência da sociedade ao
poder formalmente constituído; desacreditar a capacidade do poder
estabelecido para conservar a segurança da sociedade nacional; e dobrar a
vontade do Estado (do poder estabelecido) para conseguir objetivos políticos.
Estes objetivos podem ser obter vantagens no exercício do poder e até formar
um novo Estado.

O Poder Errático poderá atuar no território nacional e nos territórios


estrangeiros. Nestes territórios pode pretender obrigar os governos
estabelecidos a pactuarem com os seus objetivos e projetos concedendo-lhes
apoio e algumas regalias; e no território nacional conseguindo a forma de
“Poder Popular” que paralisa a vida interna, através do poder em sectores
importantes da sociedade.
Nestas conjunturas, o que conta é “a efetividade”. Por isso, quando o Poder
Errático se impõe, atendendo à necessidade do Estado dialogar para combinar
soluções que eliminem a crise político-social existente, esse poder passa a ser
um interlocutor político necessário; a máquina do Estado deixa de satisfazer os
objetivos para que foi criada; e essa máquina unicamente volta a funcionar
normalmente quando se concertar com o Poder Errático. Este poder adquirirá a
legitimidade e o poder máximo quando alcançar a governação e executar o
programa pré-estabelecido. O Poder Errático tende a transformar-se em Poder
Estadual.

3) O Poder Económico
 
Seguem alguns elementos sobre a existência e a importância do poder
económico, a necessidade do desenvolvimento económico, o atraso e o
subdesenvolvimento de alguns países, a necessidade de repartir as riquezas, e
as relações entre o fator económico e o fator político.
 
a) A Existência e a Importância do Poder Económico”

“Os Estados podem ser considerados fortes quando possuem poder


económico. Quando um Estado possui recursos económicos e financeiros,
capazes de serem utilizados com a flexibilidade considerada necessária, essa
capacidade implica que esse Estado possui recursos capazes de até serem
utilizados ao serviço de suas ações diplomáticas. De facto, a posse de
excedentes económicos permite ao Estado (que os possui) optar por investir,
apoiar Governos amigos, apoiar outros Governos, financiar organizações
internacionais, financiar empresas, etc., etc.

A Potencia que possui recursos económicos e financeiros, poderá investir na


sua defesa, desenvolver a sua diplomacia, combinar as suas ajudas e os seus
auxílios internacionais, investir no seu Poder e prestígio internacionais, retirar
vantagens geoestratégicas, etc. etc.

Mas, os Estados unicamente conseguirão esse poder e essa visibilidade, se


possuírem um Poder Económico Estruturado, que se expanda através de
exportações de produtos que assegurem exportações duráveis e desejadas.

Inúmeros fatores inerentes à globalização apresentam desafios que os Estados


não podem esquecer. Os Estados são muito vulneráveis ao influxo da
Economia Internacional. A economia capitalista formou um tecido económico
muito denso e muito interativo, que dificulta a existência da autêntica
independência económica dos Estados e diminui a sua soberania.

As transformações acontecidas nas Economias e “o fenómeno da globalização,


afetaram profundamente o papel do Estado e suscitaram o aparecimento de
variados centros de decisão e de poder, fortalecidos pelos fatores económicos
e financeiros.
O fortalecimento da economia mundial tende a enfraquecer as economias
nacionais. Esta tendência empurra para o enfraquecimento e até para o
desaparecimento do espaço territorial. Ora, a desestruturação do espaço social
do todo nacional, pode manifestar-se de forma violenta.
 
b) Alguns Aspetos do Poder Económico
 
 
A. A Necessidade do Desenvolvimento Económico
 
A riqueza atingiu um lugar importantíssimo na escala de valores coletivos. As
causas foram muitas. Lembra-se a rapidez do desenvolvimento, o aumento do
nível de vida conseguido através da riqueza, a influência dos meios de
comunicação social, a expansão da instrução, e a consciencialização política.

“No âmbito das relações internacionais, o fator económico, ficou explicado nas
páginas precedentes, chegou a ser uma necessidade prioritária e uma arma
temível. O desenvolvimento económico passou a ser uma necessidade para as
sociedades e a posse da riqueza chegou a ser uma arma temível na
competição internacional.
Parece inegável que a posse e a utilização da riqueza constituem armas na
competição internacional! Essas armas servem para aumentar a riqueza
adquirida e são meios para fortalecer o poder militar e a influência política.
Frequentemente a ajuda (técnica ou financeira) até é um meio de pressão
política. Parece indiscutível que o poder económico e financeiro é um valor
importantíssimo para a competição internacional!

Atualmente o desenvolvimento económico é um imperativo para as sociedades.


Os governantes não podem desinteressar-se dele. Este problema até perturba
as relações entre as sociedades políticas. Os Estados defendem
insistentemente as suas vantagens económicas, e, segundo bastantes autores,
unicamente participam em esforços de cooperação e integração e aceitam
exigências comuns se as consideram mais favoráveis a seus interesses
económicos. Por isso, insistiram bastantes analistas, muitas vezes os esforços
de cooperação económica não ultrapassam os interesses económicos dos
Estados!
 
B. O Atraso e o Subdesenvolvimento de Alguns Países
 
Os povos e as sociedades nacionais e internacionais ainda enfrentam e
debatem-se com os problemas do atraso e do ainda real “subdesenvolvimento”.
Estes assuntos exigem inúmeras análises e reflexões. Apesar disso, neste
lugar indico apenas alguns elementos sobre as características e as causas do
“subdesenvolvimento”, e algumas soluções para superar alguns dos problemas
existentes.
 
1º. As Características do Atraso e do Subdesenvolvimento
 
As características do subdesenvolvimento são inúmeras. De facto, os autores
falaram de taxas de natalidade elevadas; população numerosa; atividade
económica girando à volta sobretudo do sector primário; rendimentos e
consumos por habitante reduzidos; carência de proteção medicamentosa, etc.
Nestas páginas, insiste-se sobre a pobreza e a não satisfação das
necessidades fundamentais (relativas a alojamento, água potável, saúde,
educação, etc.); as desigualdades enormes entre a minoria da população
privilegiada e a imensa maioria das pessoas muitíssimo pobres; a coexistência
da sociedade tradicional (predominantemente rural) com a sociedade moderna
(possuidora de bancos, indústrias, etc.); e o crescimento demográfico
acentuado, resultante do aumento das taxas de natalidade e da diminuição das
taxas de mortalidade.

Alguns analistas consideraram a industrialização sinónimo de desenvolvimento


e pensaram que ela atrairia para os países subdesenvolvidos os mesmos
benefícios que atraiu para os países desenvolvidos. A industrialização foi
apreendida e desejada como se fosse o caminho necessário para conseguir o
desenvolvimento dos países subdesenvolvidos.

Parece inegável que a industrialização, orientada pelo modelo ocidental,


favoreceu o desenvolvimento de alguns países subdesenvolvidos respeitadores
de determinadas regras. Mas, não parece que se deva aplicar esse modelo
com a esperança de alcançar sempre o desenvolvimento integral de todos os
países subdesenvolvidos.

O desenvolvimento deve atingir o ser humano (a pessoa humana) O verdadeiro


desenvolvimento deve responder às necessidades da pessoa (deve atender ao
emprego, à pobreza, aos sectores tradicionais, aos valores locais, às
diferenças culturais, à vida rural, etc.) e facilitar a realização da pessoa humana
no contexto dos países, das culturas e do meio ambiente.

Segundo o PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento), o


desenvolvimento “humano deve incluir três elementos: a longevidade
(esperança de vida ao nascer), o nível de educação (indicador combinando a
taxa de alfabetização dos adultos e a taxa bruta de escolarização) e o nível de
vida (PIB real corrigido por habitante expresso em paridade de poder de
compra). Segundo o referido PNUD, em 1999 os países com o
desenvolvimento humano mais elevado foram (por ordem de perfeição):
Canadá, Noruega, EUA, Japão, Bélgica, Suécia, Austrália, Holanda, Islândia e
Reino Unido. Os países com o desenvolvimento humano menor, foram (por
ordem de imperfeição): Serra Leoa, Nigéria, Etiópia, Burkina Faso, Burundi,
Moçambique, Eritreia, Guiné-Bissau, Mali e República Centro Africana.
Em todo o caso, o desenvolvimento deve ser integral: deve atender à
satisfação das necessidades materiais e das necessidades não materiais; e
também deve atender ao respeito pelos direitos humanos e o combate à
discriminação. Não se pode esquecer que o homem é, simultaneamente, um
ser económico, cultural, social, moral, etc.
 
2º. As Causas do Atraso e do Subdesenvolvimento
 
“As causas do atraso e do subdesenvolvimento foram e continuam a ser
muitas. Recordo a situação geográfica e as condições naturais dos países (em
geral os países separados do mar e os países desprovidos de fertilidade no
solo e de recursos naturais no subsolo, possuem mais dificuldades e
permanecem mais dependentes dos outros países); a demografia (a população
excedendo os recursos); a tecnologia (técnicas de produção atrasadas, etc.); a
cultura (tradições, religiões, etc., desfavoráveis ao desenvolvimento); a
economia (a sub industrialização, a ausência de capitais, etc.); a falta de
interesse pela agricultura; as estruturas sociais arcaicas; a falta de autêntica
burguesia; a instabilidade (política, militar, social, etc.: os conflitos favorecem o
atraso de algumas regiões e de algumas camadas da população); a gestão
defeituosa dos recursos; a orientação desacertada dos esforços; os
mecanismos políticos deficientes (grupos de pressão, sistemas de informação,
etc., prejudiciais); e a produção de um pequeno número de culturas orientadas
para a exportação e sujeitas a descidas bruscas de quantidades e de preços.

Alguns analistas ligaram o subdesenvolvimento à expansão do sistema


capitalista internacional que, segundo procuraram explicar, criou estruturas
internas e uma espécie de funcionalidade em relação à economia mundial que
“persiste apesar de terem desaparecido os laços diretos com as potências
capitalistas.

Parece inegável a influência do autêntico colonialismo e da estrutura do


sistema económico internacional. Geralmente as relações estabelecidas pelos
colonizadores prejudicaram o desenvolvimento das colónias orientadas
geralmente para satisfazerem as necessidades das Metrópoles. Mas, parece
indiscutível, a parte retirada dos países subdesenvolvidos cresceu com a
expansão do sistema capitalista; não desapareceu com a descolonização
política; e a fase neocolonialista parece ter prejudicado mais os países
subdesenvolvidos do que a etapa colonialista.

As regras do mercado internacional favorecem a repartição desigual dos bens


e das riquezas: as trocas livres desfavorecem os países subdesenvolvidos. A
deterioração dos termos de troca (matérias-primas baratas e produtos
manufaturados caros e, relativa e respetivamente, a embaratecerem e a
encarecerem cada vez mais) não ajuda os países pobres. Alguns autores
também disseram que os fluxos internacionais de bens e de capitais podem ter
efeitos negativos na repartição dos rendimentos e no crescimento.

Sobre estes assuntos, lembro as teorias marxistas e neomarxistas. Por


exemplo: O imperialismo estádio supremo do capitalismo, elaborado por
Lenine; a teoria estrutural do imperialismo do centro (países ricos) sobre a
periferia “(países pobres), apresentada por Johan Galtung; e o mecanismo da
troca desigual, recordado por Samir Amin e Arghiri Emmanuel, para explicar o
desenvolvimento do subdesenvolvimento.

Aos impulsos negativos indicados, acrescento o aumento acontecido do preço


do petróleo. Este aumento acelerou a recessão nos países desenvolvidos e
prejudicou os países subdesenvolvidos. Parece inegável que estes países
também foram vítimas da subida dos preços do petróleo.
 

3º. Os Remédios para o Atraso e o Subdesenvolvimento


 
Os remédios propostos para vencer o atraso e o subdesenvolvimento (a dívida,
o atraso, etc.) e avançar para o crescimento, são bastantes. Recordo alguns
dos remédios possíveis: ajuda internacional, transferências de tecnologias,
ensino às populações, reembolso da dívida fundado em políticas rigorosas de
ajustamento, interrupção dos pagamentos relativos às dívidas,
reescalonamento negociado da dívida, disciplina fiscal, contenção da inflação,
liberalização dos mercados e aumento da produção (recorrer a alimentos
transgénicos, etc.).

Mas, bastantes desses remédios são difíceis de pôr em prática, possuem


bastantes implicações internacionais e recebem bastantes críticas. De facto,
afirmou Viriato Soromenho Marques, isto acontece, por exemplo, com o
recurso a organismos modificados geneticamente (OGM)11. Alguns países
(com os EUA à frente) e algumas grandes empresas multinacionais do sector
alimentar, procuraram, procuram e procurarão aproveitar o potencial mercado
constituído pelo cada vez mais próximo défice alimentar, para, sob o impulso
de novas biotecnologias, lançar a “revolução verde”, alicerçada no domínio da
engenharia genética! Mas, são desconhecidos todos os efeitos da aplicação
destas tecnologias no ambiente e na saúde pública. A ciência aconselha
prudência, mas a luta por novos mercados incita à perigosa corrida por
posições de liderança! Terá de ser encontrada uma regulamentação adaptada
a esta questão fulcral. A negociação e a aplicação de um Protocolo de
Biossegurança adaptado no âmbito da ONU é um dos focos de atritos entre a
União Europeia e os EUA, dentro da Organização Mundial de Comércio.

Insiste-se sobre a necessidade da ajuda internacional (bilateral, multilateral,


pública, privada, sujeita a condições, específica, geral, em géneros, financeira,
etc.). Mas, geralmente (exceto em situações de emergência evidenciadas
claramente pelos meios de comunicação social – catástrofes naturais, fome
intensa, etc.-) as populações dos países ricos preocupam-se pouco (são pouco
sensíveis) com ajudar “o desenvolvimento dos países pobres; e a ajuda pública
é insuficiente (nem sequer atinge – praticamente nunca – 0,7 por cento do
P.N.B. dos países doadores).

Até hoje, afirmou em 2001 o Secretário de Estado da Cooperação portuguesa,


a meta de 0,7% do P.N.B. para ajuda pública ao desenvolvimento unicamente
foi atingida pela Holanda e pelos países escandinavos12. Além disso, essa
ajuda, quase nunca é desinteressada, geralmente é inadaptada às
necessidades reais das populações, e, frequentemente, é mal gerida13.
Nos países ricos, escreveu Francisco Sarsfield Cabral, começa a perceber-se
que a melhor maneira de ajudar as economias atrasadas e subdesenvolvidas é
abrir-lhes o mercado (algo que muitos dos contestatários da globalização não
querem, embora se afirmem cheios de preocupações sociais!). A abertura da
União Europeia às exportações dos 49 países mais pobres do mundo,
prosseguiu Francisco Cabral, é um passo significativo no caminho certo.

O protecionismo agrícola da União Europeia é um obstáculo ao


desenvolvimento dos países pobres (a ligação da União Europeia à América
Latina, por exemplo, poderia ser muito mais relevante se não existisse a
política agrícola comum)! E o entusiasmo do antigo Presidente dos Estados
Unidos de América (Bush) pela liberdade do comércio, fraquejou perante as
“pressões protecionistas das siderurgias americanas! Apesar disso, nos países
ricos vai-se fortalecendo a ideia de que é indispensável abrir as portas às
exportações dos países pobres, por muito que os países protecionistas
protestem, às vezes disfarçados em militantes contra a globalização.

O antigo presidente da África do Sul, Mbeki, apresentou um plano para


ressuscitar o continente africano. Esse presidente lamentou que os países
africanos permanecessem à margem do movimento da globalização; e não
lembrou a necessidade da ajuda financeira do mundo desenvolvido aos países
de África (ajuda que tem diminuído e, em larga medida, se revelou um mero
desperdício). O essencial, afirmou Mbeki, é a democracia e o respeito pelos
direitos humanos. Ou seja, Mbeki reconheceu que o grande entrave ao
desenvolvimento dos países africanos tem sido os seus governos ditatoriais e
corruptos. Os governantes de África reconheceram que, apesar de tudo, o
desenvolvimento económico tem muito a ver com as instituições e a política. E,
sob este aspeto, a principal responsabilidade (não a única) encontra-se nos
próprios africanos.

Amartya Sen, Nobel da Economia, manifestou uma opinião semelhante. A


pobreza, afirmou Sen, é um problema político cuja resolução passa, antes de
mais, pelo estabelecimento da democracia autêntica. Atá as bolsas de pobreza
“nos países ricos resultam de insuficiências no funcionamento da democracia
nesses países (por exemplo, ao darem escassa atenção no debate público
democrático, aos problemas das minorias pobres)!

No mesmo sentido, escreveu Sarsfield Cabral, foi a referência de Vitor


Constâncio, na sua introdução ao relatório do Banco de Portugal, onde concluiu
que a qualidade institucional dos países explica mais de 90 por cento das
diferenças das taxas de crescimento asiáticas, no seu período mais pujante. E
aí se incluem a qualidade da administração pública e a eficácia do poder
judicial. Em todo o caso, concluiu Cabral, os fatores políticos e institucionais
são decisivos para o progresso económico.

Em Julho de 2000, o G8 (chefes de Estado e de Governo dos oito países mais


industrializados), adotou a “Carta de Okinawa” (no Japão), para ver se
conseguia que os países atrasados e em desenvolvimento apanhassem o
comboio da “nova economia”. Essa Carta sobre a “Sociedade Mundial de
informação”, sublinhou o impacto revolucionário das novas tecnologias de
informação. Por isso, esse Grupo (G8) criou um Grupo de Especialistas no
Acesso às Novas Tecnologias (para dirigir o diálogo dos países em
desenvolvimento com o G8 e o sector privado; e diminuir o fosso entre os
países ricos e os países atrasados e pobres no acesso às tecnologias
informáticas) e comprometeu-se a “defender alguns princípios considerados
indispensáveis para conseguir essa finalidade (proteção dos direitos de
propriedade intelectual, compromisso de não utilizar programas piratas,
liberalização das telecomunicações, aproximação coerente em matéria de
fiscalidade e promoção de normas comuns de proteção do consumidor). As
tecnologias da informação, afirmaram os representantes do G8, são uma das
forças mais poderosas para moldar o século XXI; o seu impacto revolucionário
afeta o modo como as pessoas vivem, aprendem e trabalham e o modo como
os governos interagem com a sociedade civil. Por isso, os países em vias de
desenvolvimento não podem ficar de fora!

Mas, perguntaram nessa ocasião representantes de organizações


humanitárias, de que serve a força do D.O.T. (Digital Opportunity Taskforce),
quando ainda não se melhorou a qualidade de vida em zonas do mundo, onde
ainda existem milhões de iletrados, sem eletricidade e sem infraestruturas”?
Será que os 15 mil milhões de dólares que o Japão ofereceu para treinar
peritos em tecnologia informática nos países em vias de desenvolvimento não
poderiam ser utilizados de outra maneira? Os pobres, quando têm fome, não
podem comer ciberbolos!
 
C. A Necessidade de Repartir as Riquezas
 
A repartição das riquezas perturba gravemente as relações internacionais.
Sempre existiram “desigualdades na distribuição das riquezas, mas
actualmente essas desigualdades existentes são conhecidas e originam
protestos e problemas muito graves.
Parece inegável, que as relações económicas estabelecidas durante a
colonização dificultaram o desenvolvimento das colónias orientadas para as
necessidades das Metrópoles; e a parte retirada dos países pobres ou
subdesenvolvidos aumentou com a expansão capitalista e não diminuiu com a
descolonização política (talvez o neocolonialismo prejudique mais os países
pobres ou subdesenvolvidos do que os prejudicou o colonialismo)!

Em todo o caso, é inegável, o subdesenvolvimento, a pobreza e a miséria


existem; e é necessário redistribuir as riquezas (estabelecer um melhor
equilíbrio na distribuição das riquezas)! Em Abril de 2000, a Agência da ONU
para a Alimentação e a Agricultura (sediada em Roma e representada por
Jacques Diouf), lembrou que 16 milhões de pessoas existentes no Corno de
África (Etiópia, Eritreia, Burundi, Djibuti, Quénia, Uganda, Ruanda, Somália,
Sudão e Tanzânia) estavam ameaçadas pela fome e necessitavam
urgentemente de ajuda alimentar! Mas, as constatações e recomendações dos
investigadores das políticas dos Estados e das Organizações Internacionais
afirmam que a humanidade está inundada de povos que sobrevivem em
condições péssimas! Ora, esta realidade não pode passar despercebida!

Em Julho de 2000, “a cimeira social das Nações Unidas, reunida em Genebra


(Suíça), assumiu o compromisso de reduzir para metade a pobreza mundial até
2015. A mundialização e os incessantes progressos tecnológicos, afirmou o
presidente da sessão especial da Assembleia Geral da ONU sobre o
desenvolvimento social (Theo-Bem Gurirab), oferecem uma oportunidade, sem
precedentes, para a promoção do desenvolvimento económico-social!

Atualmente existem condições mais favoráveis para valorizar a política de


desenvolvimento, visando atenuar o desequilíbrio existente entre os países
ricos do Norte e os países pobres do Sul. Esta oportunidade deve traduzir-se
em opções novas relativamente ao financiamento ao desenvolvimento. Deve-
se valorizar decisões tomadas há anos (na Conferência Internacional sobre
Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro em 1994 e posteriormente em
outros organismos internacionais que se debruçaram sobre estes assuntos
muito melindrosos), de fazer chegar aos países mais pobres a ajuda
internacional e dar maior coerência aos mecanismos de ajuda, comércio,
investimento e alívio da dívida dos países mais pobres. É preciso atenuar os
desequilíbrios inerentes à globalização, que exacerba as reações negativas. Os
acontecimentos do 11 de Setembro de 2001 colocaram a sociedade
internacional perante um fenómeno que se acentuará se os países ricos não
forem “capazes de atenuar os desequilíbrios decorrentes da globalização.

É necessário dar maior atenção ao fenómeno da pobreza e da miséria,


convencidos de que os países pobres, islâmicos e não islâmicos, têm
necessidade e direito de usufruírem dos recursos existentes na terra; e de que
eles, se não receberem esses recursos constituem um reservatório importante
de descontentamento mobilizável para todas as causas fundamentalistas21.
Atualmente insiste-se muitíssimo sobre as intervenções do Estado Islâmico.
Mas, será que os Estados já decidiram eliminar as autênticas causas das suas
intervenções? Entre essas causas encontra-se o sofrimento causado pela
pobreza e a não satisfação das necessidades fundamentais das pessoas.

Mas, também não se pode esquecer, é ilusório pensar que todos os povos
podem desfrutar, simultânea e por tempo ilimitado, de taxas de crescimento
elevadas! E parece que a nova divisão internacional do trabalho (a
redistribuição dos rendimentos) exige que se repense a distribuição e o
exercício do poder político! Os problemas relativos ao lamentavelmente famoso
“conflito Norte-Sul” são complicados e as forças que procuram dominar o
“mundo (capitalistas, exportadores de petróleo, fundamentalistas, etc.) podem
aproveitar-se das tensões relacionadas com esses problemas. As ambições de
poder (económico e político) podem perturbar as necessidades de justiça. Por
isso, a redistribuição das riquezas perturba gravemente a segurança
internacional.

Geralmente os dirigentes dos países pobres subdesenvolvidos (pobres e até


miseráveis) e dos países em vias de desenvolvimento, consideram os seus
povos vítimas das estruturas de domínio estabelecidas durante o colonialismo
e conservadas depois de obtidas as independências políticas (consideram o
sistema de trocas e em geral as normas do sistema capitalista desfavoráveis às
suas economias), e apresentam corajosamente as suas exigências nas
assembleias internacionais.

Os países industrializados (desenvolvidos e ricos) parecem dispostos a


fazerem concessões. Mas, o contencioso do tristemente famoso “Norte-Sul” é
muito complexo! Parece que a redistribuição das riquezas à escala mundial
também exige a repartição do poder político mundial. Mas, esta repartição é
muitíssimo difícil!
 
D. As Relações entre o Fator Económico e o Fator Político
 
Os marxistas afirmaram que os modos de apropriação das riquezas
desempenham o papel decisivo “na competição internacional e nos conflitos
entre os Estados. Esses autores introduziram as relações da força política e
das disputas nacionais no determinismo económico.
Os neomarxistas também usaram o fator económico para explicar as crises da
sociedade internacional. Samir Amin e Arghiri Emmanuel disseram que o
capitalismo é o responsável pelo desenvolvimento de uns países, pela miséria
de outros e pela opressão em toda a parte. As autoridades políticas, disseram,
são bonecos das forças económicas. Mas os neomarxistas, apesar de no
estádio da explicação eliminarem as dimensões não económicas, aceitaram a
prioridade do político no estádio da solução.

Parece que não se deve admitir o papel exclusivo e a prioridade absoluta do


fator económico nas relações internacionais. As dificuldades que os Estados
apresentam contra as trocas internacionais, etc., forçam a duvidar da tese
defensora desse primado. O fator económico é um elemento inegável do
ambiente internacional, mas a sua influência combina-se com a influência de
outros fatores que lhe estão estreitamente associados.
 
4) O Poder Científico-Tecnológico
 

“Seguem algumas observações gerais e alguns elementos sobre os efeitos do


desenvolvimento científico e tecnológico, especialmente no âmbito das
relações internacionais
 
a) Algumas Observações de Âmbito Geral
 
Em relação a este assunto afirmo:22
 
1. Geralmente, as transformações tecnológicas produzem efeitos
extraordinários na forma como o poder do Estado se manifesta; e mostram o
seu impacto em áreas geopolíticas e geoestratégicas muitíssimo importantes.
Atendendo à estruturação organizacional do sistema produtivo, à adequada
gestão dos recursos económicos e financeiros, à coerente organização do
trabalho nacional, à adaptação dos setores técnico, científico e cultural às
exigências dos mercados e à competição internacional, o fosso existente entre
países ricos e países pobres será ou não cada vez mais profundo e mais
marcante e as potências continuarão ou não a ser grandes potências.
Geralmente, os avanços tecnológicos aprofundaram o fosso existente entre o
mundo mais atrasado e o mundo mais industrializado e mais tecnológico.
2. O poder científico mostra a vitalidade e a força do Estado no âmbito da
intelectualidade científica: este poder (científico) e a intelectualidade
académica, expressam a qualidade da população do Estado. Esta qualidade,
incita a realizar trabalhos de investigação e desenvolvimento nos âmbitos
avançados do conhecimento e das tecnologias.

“Estas capacidades, são expressas na existência de produtos inovadores, mais


avançados do que os produtos inovadores, existentes nos Estados
concorrentes. Mas, estas capacidades exigem a existência de líderes
preparados e que possuem uma visão do futuro. De facto, as capacidades
relativas ao poder científico e tecnológico exigem a existência de elementos
humanos, de recursos e de meios que impliquem a existência de potências que
avancem à frente das potências mais ricas, mais respeitadas e mais escutadas
e interventivas no âmbito internacional.
 
b) Efeitos Gerais do Desenvolvimento Científico -Tecnológico
 
O desenvolvimento científico e tecnológico originou efeitos globais muitíssimo
importantes. Uns desses efeitos foram positivos (favoráveis); mas outros
efeitos foram negativos (desfavoráveis). Seguem alguns exemplos.
 
A. O Aumento das Desigualdades
 
O desenvolvimento científico-tecnológico aumentou e aumenta as
possibilidades de produtividade e de competitividade nas sociedades e nos
Estados que o possuem. Por isso, esse desenvolvimento aumentou e aumenta
as desigualdades entre as sociedades e entre os Estados. Um país quando
possui recursos naturais iguais aos recursos naturais de outros países, tem
mais possibilidades de obter maior desenvolvimento se possuir meios mais
eficazes para explorar as riquezas do seu solo. O atraso económico de muitos
países é muitíssimo imputável à sua “inferioridade científica e tecnológica.

“O aperfeiçoamento da ciência e da tecnologia até pode chegar a libertar os


países industrializados e ricos da sua dependência em relação aos países
fornecedores de matérias-primas; e até pode aumentar a pobreza e a
dependência dos países do chamado Terceiro Mundo.
A marginalização dos países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento
também está ligada ao desenvolvimento científico e tecnológico dos países
industrializados. Este desenvolvimento é uma das chaves da prosperidade
económica e da influência política; e é um dos factores condicionantes dos
agentes internacionais.
O domínio de novos materiais (cerâmicas, superplásticos, etc.), o
desenvolvimento da inteligência artificial (robótica industrial, etc.), a explosão
das telecomunicações “(satélites, correio eletrónico, etc.), a INTERNET, etc.,
deram e dão aos Estados que os possuem vantagens extraordinárias na
competição económica e na política internacional.
 
B. A Produção de Estragos e de Perigos na Natureza
 
O desenvolvimento científico-tecnológico também produziu e produz estragos
na natureza. Estes estragos espalharam e espalham os seus efeitos negativos
no planeta. Por isso, a humanidade enfrenta problemas gravíssimos. Insiste-se
sobre a redução da camada de ozono, o efeito de estufa, a alteração climática,
a desertificação, o esgotamento das energias convencionais e o aumento das
ameaças e dos perigos. Em relação a estes assuntos afirma-se o seguinte2:
 
1. A “camada de ozono”, constitui o principal escudo protetor das células vivas,
particularmente do seu material genético. Segundo os cientistas, alguns efeitos
do desenvolvimento científico e tecnológico (emissões dos cloro-fluoro-carbono
e de outras substâncias) diminuem essa camada de ozono. Alguns gases
aumentam o efeito de estufa e degradam a cortina protectora que constitui a
“zona estratosférica existente entre os raios ultravioletas e os seres vivos.
 
2. Alguns gases (por exemplo, o gaz carbónico) permitem à energia do sol
atravessar a atmosfera sem qualquer obstáculo, mas retêm o calor próximo da
superfície terrestre. Na ausência desses gazes, chamados com efeito de
estufa, presentes na atmosfera, a terra, segundo alguns analistas, será mais
fria aproximadamente 30º C. Mas, segundo alguns cientistas, ainda não
existem previsões seguras sobre todos os problemas relacionados com o efeito
de estufa!
 
3. O Planeta Terra avança para uma nova era climática, produzida por causas
antropogénicas. A mudança climática parece ser um facto; e, segundo os
especialistas, avança a um ritmo muito mais rápido do que se supunha.
A alteração do equilíbrio energético do sistema terra-oceano-atmosfera-
biosfera24, conduz à mudança irreversível do clima do globo terrestre. As
consequências desta mudança climática global serão diversas segundo as
latitudes, as estações e a posição geográfica da região.
 
4. A desertificação acontece onde a deterioração física ou química do solo,
retira ao ecossistema25 parte da energia que ele necessita para recuperar
após períodos de seca ou de super-exploração.
 
5. As sociedades humanas dependem da existência e dos efeitos de
combustíveis fósseis “ que, além de serem finitos, têm gravíssimos
inconvenientes ambientais27. Na próxima década acontecerá a continuação do
aumento exponencial do consumo energético, sem alteração na relação
percentual entre as principais fontes. Até ao ano 2020, segundo bastantes
cientistas, além da duplicação dos consumos, relativamente aos valores de
1990, os países da OCDE e os países em desenvolvimento trocarão a sua
quota parte no total dos consumos. A industrialização da China e da Índia,
juntamente com os ganhos de eficiência energética nos países da OCDE,
levarão estes países a passarem de 60% para 30% do total mundial, e os
países em desenvolvimento farão o percurso inverso, passando de 30% para
60% do total.
 
6. O desenvolvimento científico-tecnológico aumentará os perigos, as ameaças
e os acidentes. De facto, além dos perigos inerentes a centrais nucleares
envelhecidas, aumentarão os riscos de contaminação química e biológica das
cadeias alimentares.
 
c) Consequências do Desenvolvimento Científico-Tecnológico no âmbito
das Relações Internacionais
 
O desenvolvimento científico-tecnológico teve inúmeras consequências no
âmbito das relações internacionais. De facto, esse desenvolvimento
transformou a diplomacia e a estratégia militar; e evidenciou a necessidade da
cooperação internacional, da transferência de tecnologias, da proteção do
meio-ambiente, da intensificação das negociações entre os Estados, e da
apresentação de outros princípios e de outras regras para as relações
internacionais28. Seguem alguns esclarecimentos sobre estes assuntos.

 
A. As Transformações na Diplomacia e na Estratégia Militar
 
O desenvolvimento científico-tecnológico forçou trans-formações remarcáveis
na diplomacia e na estratégia militar. De facto:
 
1. A diplomacia, devido ao desenvolvimento científico-tecnológico, evoluiu de
forma muito importante. O papel dos diplomatas (de ligação entre os
governantes de seu país e os governantes estrangeiros) diminuiu devido ao
aumento e ao aperfeiçoamento dos meios de comunicação. Estes meios
facilitaram os contatos diretos entre os governantes dos diferentes Estados.

“O papel da informação e da negociação também foi atingido por essa


transformação. As notícias circulam rapidamente e os responsáveis diretos
pela política externa e até pelos governos (primeiros-ministros, etc.), deslocam-
se frequentemente para resolverem diretamente bastantes questões!
Antes a rede diplomática (embaixadores, cônsules, etc.), era circuito de
informação e de negociação; mas a existência da telegrafia, da internet, da
aviação, etc., ajudou a alterar essa situação! Por isso, atualmente, bastantes
embaixadas parecem ser unicamente agências de relações públicas e de
promoção cultural e comercial.
 
2. A estratégia militar também foi atingida pelo desenvolvimento científico-
tecnológico. A existência de aviões equipados e teleguiados; a velocidade e a
possibilidade de alcance dos engenhos existentes; e a incerteza sobre o
percurso das ogivas inimigas, dificultaram e dificultam as medidas preventivas!
Por isso, a estratégia de dissuasão passou a ser, na prática, o único meio para
evitar a utilização das forças de destruição maciça; e os processos existentes
de controlo de armamentos fizeram e fazem que, para garantir o respeito pelos
acordos de desarmamento, nem seja necessário visitar os territórios das partes
envolvidas! O aparecimento de armamentos sofisticados até obrigou a
repensar os papéis das Forças Armadas!

 
B. A Necessidade da Cooperação Internacional
 
A cooperação internacional passou a ser uma necessidade premente. Os
problemas muito graves surgidos por causa do desenvolvimento científico-
tecnológico evidenciaram a necessidade de desenvolver a cooperação
internacional. Os efeitos negativos desse desenvolvimento exigem soluções
internacionais, elaboradas e postas em prática com a colaboração dos Estados
existentes. De facto, cada vez mais, parece evidente que a superação de
alguns problemas deve ser concretizada com o apoio de todos os países. A
proteção do ecossistema mundial, o tratamento de resíduos industriais, a
manutenção da camada de ozono, etc., não podem ser efectuados eficazmente
por um Estado isolado!
Algumas catástrofes industriais e nucleares enormes (Bhopal: 1984; Chernobil:
198629, etc.); inúmeras marés negras; etc., fizeram refletir sobre perigos
tecnológicos muito importantes, cuja prevenção e tratamento exigem a
colaboração de inúmeros Estados.
 
C. A Urgência de Transferir Tecnologias
 

As transferências de tecnologias procuram diminuir as desigualdades


existentes entre os Estados, agravadas pelo desenvolvimento científico e
tecnológico. A posse e o domínio de algumas tecnologias parecem
indispensáveis para assegurar o arranque industrial. Mas, essas transferências
de tecnologias fazem que os Estados receptores se integrem cada vez mais
nos circuitos económicos internacionais.
As modalidades de transferências de tecnologias são bastantes. Podem existir
acordos entre os governos para realizar projetos conjuntos (muitas vezes esses
acordos são condicionados por considerações geopolíticas e por preocupações
sobre as zonas de influência). Em geral as multinacionais privadas transferem
tecnologias impelidas pelos desejos de conseguirem o maior lucro possível.
Geralmente as transferências de tecnologias também implicam a dependência
dos Estados recetores em relação aos Estados fornecedores.
Em todo o caso, as ofertas e o comércio de tecnologias ajudam a ultrapassar
alguns atrasos e alguns problemas industriais; mas não superam
completamente o atraso, o subdesenvolvimento e todos os problemas dos
países atrasados.

D. A Inevitabilidade da Proteção do Meio Ambiente


 
A proteção do meio ambiente é um dos problemas mais importantes das
relações internacionais. Alguns problemas existentes (deflorestação,
preservação da camada de ozono, poluição maciça do meio-ambiente, etc.),
exigem, segundo indiquei, respostas globais (é necessária a intervenção
internacional para resolver problemas mundiais que afectam potencialmente
todos os indivíduos); e por isso, os governantes apresentaram declarações e
convenções muito importantes (por exemplo: a convenção sobre o direito do
mar: 1982; a convenção sobre a proibição de modificar o meio-ambiente para
fins militares ou hostis: 1977; o tratado do Rio de Janeiro: 1992; o protocolo de
Quioto: 1997; o acordo de Marraquexe: 2001; etc.; etc.).
Mas, alguns Estados industrializados e muito poluidores (Estados Unidos, etc.),
não se mostraram exemplares na aceitação e na aplicação dessas orientações;
e os Estados em desenvolvimento aceitam dificilmente entraves ao seu
desenvolvimento e não estão dispostos a aumentarem as suas despesas para
conseguirem os objetivos propostos sobre o meio-ambiente, sem receberem
compensações dos Estados desenvolvidos, cuja industrialização, segundo
afirmaram e afirmam, originou muitos estragos.

5) O Poder Militar
 
Seguem algumas reflexões sobre o poder aéreo e aeroespacial; o armamento
dos países ricos e dos países pobres; a estratégia de dissuasão; e as
consequências da estratégia de dissuasão.

 
a) O Poder Aéreo e Aeroespacial
 
O poder militar manifesta-se sobretudo no Poder Aéreo, alargado ao Poder
Aeroespacial. Este poder inclui a aviação, apoiada em grandes porta aviões
nucleares de ataque. O poder aeroespacial inclui inúmeros recursos, meios e
instrumentos colocados ao serviço do Estado; e integra o poder aéreo e as
forças aéreas. É a esfera superior de todos os sistemas aeronáuticos e
astronáuticos, incluindo as infraestruturas e os meios da logística para apoiar
as plataformas aéreas (militares e civis) localizadas no espaço.

Esses dois poderes (o poder aéreo e as forças aéreas: os sistemas


aeronáuticos e astronáuticos) completam-se e prolongam-se da traposfera para
o espaço orbital, lunar, a camada atmosférica, etc.; e interagem com a
componente civil (desde as empresas e organizações de construção e
exploração aeronáutica, de controlo do tráfego aéreo, de “investigação e
desenvolvimento tecnológico e científico, até às componentes que participam
na corrida e na exploração espacial e astronáutica).

O poder aéreo passou a ser o elemento primordial do Poder Político (para


forçar a decisão favorável em ambiente de perigo: quando falharem as ações
diplomáticas); oferece uma alternativa às operações terrestres de grande
envergadura; e pode ser utilizado com perspetivas de êxito em operações
militares de baixa intensidade e ações de segurança contra o narcotráfico e o
crime organizado, etc., e em intervenções rápidas de auxílio humanitário, etc..

O Poder Aeroespacial concretiza um novo tipo de estratégia alargada à escala


global. Esse poder permitirá (às Potências que o conseguirem) controlar o
espaço orbital, a atmosfera e a superfície; e dominar um sistema de segurança
que incluirá forças de intervenção indispensáveis (civis, militares, tecnológicas
e científicas).
Futuramente, o espaço, concretizará um campo de elevada competição pela
influência e pelo controlo do planeta, e a estratégia aeroespacial constituirá o
caminho privilegiado para concretizar os grandes objetivos estabelecidos pelo
poder político. O espaço constituirá o instrumento de preponderância mais
relevante e mais decisivo de afirmação; possuirá estações tripuladas
permanentes, “de onde se efetuarão as novas missões de exploração
longínquas, que redefinirão o futuro da humanidade.
 

b) O Armamento dos Países Ricos e dos Países Pobres


 
Existem armas consideradas clássicas e armas consideradas de destruição
maciça. As armas consideradas clássicas são, fundamentalmente, as armas
consideradas semelhantes às armas utilizadas durante a segunda guerra
mundial. Apesar disso, atualmente as bombas, os canhões e os tanques, são
bastante mais aperfeiçoados e menos vulneráveis.
As armas consideradas de destruição maciça podem ser nucleares, químicas e
biológicas. Estas armas possuem capacidades mortíferas elevadíssimas e
dificultam a separação entre a população civil e os combatentes.
A sociedade internacional assistiu a uma corrida generalizada para conseguir
armamentos e armamentos cada vez mais sofisticados.

Apesar disso, ainda subsiste uma distância bastante importante entre os


armamentos dos países ricos e os armamentos dos países pobres. Os países
desenvolvidos e ricos conseguiram adquirir armas sofisticadas e conseguem
com bastante facilidade aumentar os seus estoques dessas armas. Bastantes
desses países concebem, produzem e até vendem essas armas.

Os países pobres (geralmente englobados no chamado países em


desenvolvimento e até “Terceiro Mundo”) enfrentaram e enfrentam muitas
dificuldades para conseguirem esses objetivos. Geralmente o armamento
desses países é bastante recente nas “relações internacionais. Apesar disso,
alguns dos países pobres conseguiram tecnologias militares avançadas;
diversificaram os seus arsenais militares; obtiveram mísseis balísticos
(aperfeiçoaram com tecnologias locais alguns aparelhos importados);
avançaram para a posse de armas nucleares (bombas atómicas); e até
banalizaram as armas químicas e biológicas (bastantes Estados adquiriram
estas armas)!

No dia 19 de Novembro de 2001, os Estados Unidos de América, através do


Secretário de Estado adjunto para o controlo dos armamentos e a segurança
internacional (John Bolton), acusaram a Coreia do Norte, a Síria, o Iraque, a
Líbia e o Irão, de terem desenvolvido programas relativos às armas biológicas.
Os Estados Unidos, afirmou Bolton, pensam que o Iraque aproveitou a
ausência, durante três anos, das inspeções da ONU, para aperfeiçoar as fases
do seu programa ofensivo de armas biológicas; e pensam também que a
Coreia do Norte possui um pro “grama de desenvolvimento de armas biológicas
muito preocupante!
Sobre o Irão, o representante dos EUA chegou a afirmar que esse país já
produziu esse tipo de armamento. Por isso, as negociações, sobretudo entre o
Irão e os EUA multiplicaram-se intensamente através dos anos. E, apesar de
tudo, pensa-se também que o acordo sobre o assunto assinado em julho de
2015 (ratificado pelas autoridades do Irão em Outubro deste ano) possui
inúmeras fragilidades. Mas, prosseguiu Bulton nessa altura, a Líbia e a Síria,
têm programas de armas biológicas na fase de investigação e
desenvolvimento; e estes dois países poderão produzir quantidades deste
armamento.
Quanto ao Sudão, existe a ideia de que este país demonstrou um interesse
crescente pelo desenvolvimento de programas biológicos; e as suas ligações à
Al-Qaeda são sobejamente conhecidas. Por isso, existe o receio de eventuais
ataques terroristas serem concretizados a partir daquele território e utilizando o
armamento biológico ali produzido.
 

c) A Estratégia de Dissuasão
 
A estratégia de dissuasão é um processo que procura convencer um indivíduo
ou um grupo de indivíduos (agressor potencial) a renunciar à ação que está
inclinado a realizar ou que pode ser tentado a efetuar contra uma vítima
potencial.

“Esta vítima procura convencer por adiantado o agressor potencial de que a


sua ação implicará uma resposta ou (de outra forma) um castigo superior à
vantagem que ele conseguirá se a realizar.
A dissuasão exige que a vítima potencial possua meios suficientes para
convencer o agressor potencial de que, se ele efetuar a sua agressão, sofrerá
um castigo superior à vantagem que pensa retirar da sua agressão.
Na dissuasão entram em jogo a vantagem que o agressor potencial pensa
retirar da sua agressão; o castigo que a vítima potencial pode infligir ao
agressor potencial; e a probabilidade de que o castigo seja efetivamente
infligido. Para isso, é necessário que a vítima potencial seja capaz de identificar
o agressor e de lhe infligir o castigo.

As armas nucleares podem infligir um castigo instantâneo e maciço; e por isso


são aptas para convencer o adversário (o agressor potencial) de que sofrerá
prejuízos, enormes e de um único golpe, se efetuar a sua agressão. Por isso,
as armas nucleares são, por natureza, as autênticas armas de dissuasão.

Existe verdadeira dissuasão quando os adversários possuem forças nucleares


quase semelhantes; são incapazes de impedir que os destruam; se atacados
de surpresa conservam a possibilidade de infligir prejuízos inaceitáveis no
atacante (as represálias são certas); em caso de conflito nuclear os dois
inimigos são vencidos; e os dirigentes dos Estados nucleares são razoáveis e
humanos (não se pode prever que eles exponham sem razões gravíssimas os
seus países a esses conflitos).
A dissuasão nuclear depende de diversos fatores, especialmente fatores
naturais e técnicos. De facto, os Estados com, por exemplo, territórios
pequenos e infra-estruturas e populações concentradas, são bastante mais
vulneráveis do que os Estados possuidores de territórios extensos e infra-
estruturas e populações dispersas. Mas a dissuasão nuclear também depende
da vulnerabilidade das armas nucleares, dos sistemas de proteção e da
flexibilidade existente (é necessário poder escolher e manobrar).
 
d) As Consequências da Estratégia de Dissuasão
 
A estratégia de dissuasão teve, tem e terá inúmeras consequências. Seguem
alguns elementos sobre a corrida aos armamentos, a manutenção da
segurança e da paz, o desenvolvimento e o atraso dos povos, o aumento do
número de conflitos internacionais e o crescimento do número de mortos.
Seguem algumas explicações sobre estes assuntos.

 
A. A Corrida aos Armamentos
 
Até ao desmoronamento do bloco de leste, as duas superpotências (EUA e ex-
União Soviética) mostraram-se convencidas profundamente “de que as
transformações tecnológicas podiam possibilitar ao seu adversário ultrapassar
os perigos e os benefícios de suas armas; e de que as novas armas, por sua
vez, utilizando novas investigações e transformações, podiam também ser
superadas!

Essas convicções e essas possibilidades lançaram os Estados Unidos de


América (EUA) e a ex-União Soviética numa corrida aos armamentos cada vez
mais numerosos e mais sofisticados, orientados sobretudo para superar e
dissuadir o seu adversário-concorrente. Essas superpotências, até em
conjunturas nas quais a guerra nuclear parecia muito improvável, atuaram
como se essa guerra fosse possível e expandiram, cada vez mais, as suas
descobertas tecnológicas.

Por isso, os E.U.A. e a ex-União Soviética conseguiram armas capazes de,


com a sua simples existência, forçar o inimigo/concorrente, inclinado a atacar e
a dominar, a compreender que se realmente atacasse, teria prejuízos
superiores aos benefícios que conseguiria com os seus empreendimentos
hostis! Basta recordar os arsenais nucleares estratégicos, as frotas dos EUA,
as forças milita “militares existentes na Europa e as forças convencionais da
OTAN e do Pacto de Varsóvia, para compreender e admitir essa corrida
desenfreada aos armamentos!

Por isso, a situação surgida com o desaparecimento da ex-URSS não agradou


sobretudo aos fabricantes de armas. Instalado o clima de descompressão, os
governantes não se mostraram interessados em comprar mais armamentos.
Por isso as vendas de armas caíram. Mas, os detentores e fabricantes de
armas multiplicaram os esforços para encontrarem novos compradores e
entregaram as suas armas em saldos muito vantajosos!
Nesta nova conjuntura, muitos países pobres (envolvidos em conflitos internos)
e até muitos grupos rebeldes (das mais variadas tendências) acederam,
subitamente, à posse de armamento extraordinário e multiplicaram as suas
armas ligeiras e pessoais32! Em 1994, responsáveis dos serviços secretos
americanos garantiram que o nível técnico e a capacidade letal das armas
exportadas pelos EUA eram maiores e mais perigosos do que o nível técnico e
a capacidade letal existente nas armas do passado.

Para os grupos envolvidos em guerras civis (sem regras), as armas ligeiras e


pessoais (abarrotando o mercado) apresentavam grandes vantagens. Essas
armas eram fáceis de adquirir, eram baratas (por exemplo, no mercado negro
angolano, uma AK-47 usada “usada pôde ser comprada por um “saco de trigo),
eram fáceis de usar e também eram fáceis de transportar! Por isso, essas
armas até podiam ser usadas por crianças! A UNICEF afirmou que a existência
dessas armas facilitaram o fortalecimento de exércitos formados com crianças-
soldados, generalizados em diversos países (Uganda, Cambodja, Afeganistão,
etc.). Segundo essa organização (UNICEF) em Julho de 2001 existiam na
sociedade internacional pelo menos 300.000 crianças-soldados. (No
Afeganistão existiam 100.000). Muitos desses combatentes tinham apenas
oito-dez anos. Em alguns países (Cambodja e Uganda) foram encontradas
crianças a combater com apenas cinco anos.

Além disso, as armas ligeiras eram (e são) muito mortíferas! Basta recordar o
acontecido no Ruanda para compreender e admitir esta verdade. Foram as
armas ligeiras, espingardas e granadas (distribuídas pelo Governo dominado
pelos hutus aos grupos paramilitares) que permitiram o genocídio de 1994.
Milhares de tutsis foram massacrados com facas, machados e armas
tradicionais; mas se não fossem as armas de fogo usadas para semear o
terror, a matança sistemática não teria sido realizada! Também se pode
lembrar o sucedido na Libéria. O líder rebelde Charles Taylor invadiu o país em
Dezembro de 1989, com apenas 100 homens armados com AK-47. Mas em
poucos meses esse líder apoderou-se de fontes de “recursos naturais,
conseguiu dinheiro para comprar mais armamento e (apesar de faltar o treino a
seus soldados) derrubou o governo de Samuel Doe e originou a guerra civil
prolongada durante sete anos.

Atualmente, as grandes potências e sobretudo os principais fabricantes de


armas, não parecem preocupados com a multiplicação dos conflitos
internacionais; até parecem interessados na sua continuidade! Quando, no
início dos anos noventa, o líder iraquiano Saddam Hussein (com armas – não
apenas ligeiras ou pessoais – fornecidas durante anos pelo Ocidente) invadiu o
Kuwait, compreendeu-se a necessidade de regulamentar convenientemente o
mercado internacional de armamento. Mas essa preocupação desapareceu
rapidamente! Por isso, ao contrário do acontecido com as “grandes armas”
(nucleares, químicas e biológicas), a sociedade internacional nunca fez
tratados para evitar a proliferação das armas ligeiras e pessoais. Mas, afirmou
Kofi Annan, essas armas devem ser classificadas como autênticas armas de
destruição maciça!33
 
B. A Manutenção da Segurança e da Paz
 
A segurança e a paz dos Estados (formados por homens e não por anjos
existentes na sociedade internacional onde existem outros Estados também
formados por homens e não por anjos) exigem a existência de armamento e
até “podem exigir a posse de armas nucleares.
A posse destas armas fez que os E.U.A. e a ex-União Soviética não as
utilizassem e impeliu essas superpotências a constituírem-se conjuntamente
guardas da segurança internacional. A posse dessas armas dissuadiu-as da
guerra total e incitou-as à moderação e a não prejudicarem os interesses vitais
do seu adversário. De facto, as armas nucleares impuseram-se à ex-União
Soviética e aos E.U.A. Parece indiscutível que a posse dessas armas e a
possibilidade de, eventualmente, as utilizar, influíram extraordinariamente na
política dessas superpotências. Esses super-Estados, nem durante os
problemas mais graves da guerra-fria desencadearam o confronto armado
direto para resolver questões em litígio. As armas nucleares incitaram-nos à
moderação e fizeram que eles evitassem a guerra total: forçadas a conviverem
(sob pena de se destruírem mutuamente) as superpotências dialogaram,
estabeleceram as normas da dissuasão bipolar e impediram, ao menos, as
guerras nucleares!
Mas, sobre este assunto (como sobre todos) não se deve exagerar. A
dissuasão nuclear não conservou a verdadeira paz mundial. De facto, a
segurança mundial foi mantida à custa do equilíbrio do terror! E este equilíbrio,
apesar de tudo, não evitou todos os conflitos em bastantes regiões.

“Recordar os conflitos no Cambodja, no Laos, no Vietname, em Angola, etc.


Tenha-se em conta que a sovietização de partes muito importantes da Europa
(1945-1953) não foi aceite em autêntica paz pelas Democracias Populares; e
que as intervenções dos E.U.A. na República Dominicana (1965), no Vietname
do Sul (1965-1973), etc., e da ex-União Soviética na Hungria (1956), na
Checoslováquia (1968) e no Afeganistão (1981), não foram intervenções
verdadeiramente pacíficas e situações de paz!
Além disso, desde a II Guerra Mundial sempre permaneceu a possibilidade de
surgir a guerra atómica intencionada (um governo pôde sempre aceitar
intencionalmente o conflito atómico); a guerra atómica por escalada (uma
guerra convencional correu sempre o perigo de passar a guerra atómica); a
guerra atómica por incompreensão (por mal entendido); a guerra atómica por
acidente (por erro técnico); etc. (uma falha, um erro tático, um acidente, etc.,
puderam sempre provocar a destruição da humanidade).

Ora, é fácil de compreender, esta situação existente na perceção das pessoas


não merece o nome de verdadeira segurança-paz. Não se duvide. Depois da II
Guerra Mundial e na maior parte da sociedade internacional, não existiu
verdadeira estabilidade, e nas pessoas não residiu a autêntica paz. “Esta paz
não pôde assentar no domínio do poder e, muito menos, do terror.”

C. O Desenvolvimento e o Atraso dos Povos


 
A estratégia de dissuasão também favoreceu o desenvolvimento e o atraso dos
países. Seguem alguns elementos sobre estes assuntos
 
1º. As Despesas Militares e o Desenvolvimento dos Povos
 
A corrida aos armamentos pode favorecer a economia (regular o emprego,
apoiar o crescimento, etc.), facilitar a investigação científica e tecnológica, etc.
De facto, por exemplo, no início dos anos 80 o sector militar representou
aproximadamente 6% do P.I.B. da globalidade dos países do mundo e (direta e
indiretamente) ocupou cerca de 50 milhões de pessoas e 500.000 engenheiros
e cientistas (aproximadamente 20% do efetivo mundial destas profissões
existente durante esse período).

Principalmente durante os períodos nos quais a actividade económica é inferior


à capacidade de produção e nos países onde o desemprego é elevado, a
expansão das despesas militares pode estimular a economia. A investigação
militar também pode favorecer a investigação civil.
Nos países em desenvolvimento as Forças Armadas também podem ser
“escolas da nação”. Essas Forças, além de fornecerem a formação militar de
base, podem fornecer a educação elementar a seus elementos e até à
população em geral.
Não se esqueçam os benefícios inerentes ao comércio de armas (mão-de-obra
excedentária e desempregada enviada para ajudar os países importadores a
utilizarem as suas armas novas, entradas de divisas nos países vendedores,
etc.); e tenha-se em conta que os esforços relacionados com a conhecida e
famosa “guerra das estrelas” também desenvolveram as ciências tecnológicas,
etc.
 
2º. As Despesas Militares e o Atraso dos Povos
 
Apesar do afirmado, não podem ser esquecidos os efeitos negativos para o
desenvolvimento, inerentes à corrida aos armamentos. Esta corrida prejudicou
e retarda o desenvolvimento internacional (dificultou e dificulta o progresso dos
povos). Os recursos disponíveis necessários para investimentos produtivos
foram e são utilizados em meios ao menos não diretamente produtivos! Os
recursos utilizados para obter armas foram e são excluídos dos sectores da
educação, da saúde, etc.!

O esforço para conseguir os armamentos dificultou e dificulta o


desenvolvimento dos países que suportaram e suportam diretamente essa
carga e o progresso dos outros países, especialmente dos países em vias de
desenvolvimento (subdesenvolvidos), indiscutivelmente mais sensíveis às
flutuações económicas internacionais. De facto, a
indústria militar não aumentou e não aumenta diretamente a capacidade de
produção económica; não satisfez e não satisfaz as necessidades imediatas
dos consumidores; favoreceu e favorece a falta de dinamismo económico;
ocupou e ocupa um número demasiado elevado de trabalhadores qualificados
indiferentes às necessidades sócio-económicas imediatas das populações;
etc.! A corrida aos armamentos retirou e retira dos sectores mais produtivos,
pessoas muito especializadas e desviou e desvia investigações que podiam e
podem ajudar mais direta e eficazmente a desenvolver a medicina, a
agricultura, etc.!
Além disso, a corrida aos armamentos também dificultou e dificulta a ajuda
económica dos países ricos aos países pobres. Os recursos económicos
capazes de serem orientados para ajudar o desenvolvimento dos países
pobres, foram e são gastos em orçamentos militares!

A corrida aos armamentos é mais nefasta para os países em vias de


desenvolvimento (subdesenvolvidos). Por esse motivo, esses países perdem
muitas divisas estrangeiras! De facto, poucos desses países possuem indústria
de armamentos. Por isso, não obtêm as consequências positivas que, deve ser
reconhecido, podem surgir para a balança de pagamentos, etc., com o
aumento da produção e da exportação de armas, etc. Se esses países têm a
indústria de armamentos, encontram prejudicadas as suas economias com a
sua manutenção.

Mais. Geralmente, os governos, mesmo os governos pertencentes a países em


vias-de-desenvolvimento, procuram adquirir armas equipadas com os últimos
aperfeiçoamentos. Por isso, em geral os contratos de vendas de armas incluem
cláusulas sobre o serviço de peças separadas e a formação de especialistas
encarregados de as utilizarem: implicam contratos de pessoal (acompanhados
de exigências caríssimas) capaz de utilizar as armas importadas e preparar os
futuros especialistas para, se necessário, esse pessoal ser substituído.

Pelos motivos apresentados, a corrida aos armamentos também prejudicou e


prejudica gravemente os esforços para eliminar o desequilíbrio entre os países
pobres e os países ricos (o Norte e o Sul); e os Estados sobretudo dos países
em desenvolvimento devem refletir e decidir se podem continuar a aplicar os
seus recursos na importação de armas ou se devem orientar-se para outros
tipos de importações. Parece evidente que, num mundo com recursos
limitados, as despesas realizadas para obter armas e a corrida aos
armamentos, dificultam o desenvolvimento e impedem o estabelecimento da
nova ordem internacional!

As poupanças conseguidas com as reduções das despesas militares podem


ser utilizadas pelos Estados no seu desenvolvimento; ou na ajuda direta ao
desenvolvimento dos países pobres (em vias de desenvolvimento); ou serem
entregues à ONU para ela as utilizar no desenvolvimento dos países pobres.
 
D. O Aumento do Número de Conflitos Internacionais
 
Afirmou-se insistentemente que a dissuasão nuclear favoreceu a paz e a
estabilidade política internacional durante mais de quarenta anos. Mas, esta
opinião unicamente pode ser aceite referente à Europa. De facto, nas outras
regiões do Planeta, os conflitos foram numerosos!
Gerard Chaliand e Jean-Pierre Rageau insistiram sobre a multiplicação dos
conflitos existentes durante o período 1945-1993. Esses analistas incidiram
sobre os conflitos entre Estados (guerras clássicas); as guerras de libertação
(no quadro do colonialismo ou da ocupação estrangeira); os conflitos
separatistas ou autonomistas; e as guerras civis para mudar o regime34.
Manuel Martins insistiu sobre este problema muitíssimo lamentável35. Seguem
alguns elementos recordados por este analista.
 
1º. As Origens dos Conflitos
 

As explicações sobre as origens dos conflitos abundaram. De facto, alguns


autores apresentaram explicações puramente económicas; mas outros
analistas propuseram outros impulsos (a revolta da pobreza, a vontade de
poder, o desejo de liberdade, etc.). Robert C. Angell, afirmou que os
determinantes das guerras são a falta de ligações (de pontes) culturais
adequadas para facilitar a compreensão internacional e impedir o aparecimento
de guerras36; Maurice L. Farber disse que as guerras são manifestações de
comportamentos irracionais ligados a motivações pessoais; e Arthur
I.Gladstone defendeu que as guerras estão relacionadas com as formas de
reação dos indivíduos diante das ameaças38. Por isso, segundo estes autores
as guerras podem ser evitadas transformando as pessoas (as suas atitudes, as
suas apreciações, etc.) e entregando o poder a determinado tipo de indivíduos.

Outros analistas disseram que a guerra é um instrumento de política: é um dos


meios utilizados para conseguir determinados fins. Segundo esses autores, os
governantes “podem” seguir uma política encaminhada para a guerra, para
conseguir fins considerados importantes.
Segundo W. Fred Cottrell a guerra resulta da prossecução dos fins da elite. Por
isso, insistiu Cottrell, para impedir a guerra deve-se demonstrar à elite que a
guerra não é o meio mais adequado para ela conseguir os seus fins (mostrar-
lhe que a guerra é mais pesada do que os outros meios que ela possui). As
resoluções da elite, prosseguiu Cottrell, serão racionais se ela possuir todos os
dados do problema. Se lhe demonstrarem que a paz aumentará o seu ganho,
ela escolherá a paz.
Robert Bosc insistiu sobre as explicações sócio-histórica, sócio-psicológica e
sócio-política. A explicação sócio-histórica afirmou que a violência é a reação
humana fundamental (recorda a revolta do escravo obrigando o mestre a
reconhecê-lo como igual). O homem, explicou Bosc, está em perpétua
mudança (nega incessantemente o presente para construir o futuro) e a história
encontra-se em movimento contínuo negando a situação atual e fazendo surgir
outro termo que, por sua vez, também é negado. Segundo esta explicação,
disse Bosc, a violência desempenha a função de negação, e nas relações entre
as sociedades políticas esta função (de negação) é desempenhada pela
guerra. Por isso, concluiu Bosc, a guerra é o motor da história (abala e
transforma as situações estagnadas); mas quando a sociedade de classes
(causa das contradições e dos conflitos) for abolida, a guerra perderá a sua
razão de ser e desaparecerá.

Segundo a explicação sócio-política a guerra é um produto natural do sistema


internacional que introduz alguma ordem num sistema internacional muito
desordenado. De facto, insistiram os defensores desta opinião, se, por
exemplo, o despotismo existe e é intolerável, a guerra pode ser utilizada para
que os fortes se conservem razoáveis (nestas conjunturas a guerra exerce a
função penal).
Os tratados de paz, terminam as guerras e estabilizam provisoriamente o
sistema internacional (mas, segundo os defensores desta opinião, as guerras
realizadas para obrigar a cumprir as clausulas dos tratados de paz são justas:
exercem a função executiva). Segundo a explicação sócio-política a guerra
possui uma função polivalente (legislativa, executiva e penal); mas, não é uma
necessidade: é um fenómeno de substituição que perderá a sua utilidade
quando uma mudança no sistema internacional permitir que esse mecanismo
regulador seja substituído por outro mecanismo mais funcional e mais eficaz.
Segundo a explicação sócio-psicológica o conhecimento científico sobre as leis
da história e da psicologia humana permite controlar a violência e a guerra.
A teoria dos jogos de estratégia também se pronunciou sobre este assunto
(procurou esclarecer e resolver os conflitos). Mas, enfrentou bastantes
dificuldades conceituais (determinação dos custos e “e dos pagamentos, etc.),
éticas “(conceção maquiavélica da natureza humana) e práticas (muitos
cálculos necessários para aplicar a teoria a situações práticas, etc.).
 
2º Os Níveis dos Conflitos
 
Os conflitos possuem diversas dimensões (psicológica, cultural, política,
económica, etc.) e podem ser analisados em níveis diferentes (do indivíduo, do
agente internacional e do sistema internacional). Seguem alguns elementos
sobre estes assuntos.

2º/1. A natureza humana é uma das causas dos comportamentos agressivos; o


instinto de domínio é comum a todos os homens; e todas as pessoas atuam
impelidas pela ânsia de poder. De facto, afirmou Arnold Wolfers, os homens (os
indivíduos e as nações) atuam como se fossem aves de rapina, empurrados
pelo desejo de poder42. Por isso, alguns analistas quando se pronunciaram
sobre algumas personalidades políticas e alguns movimentos coletivos
insistiram sobre o fator individual e disseram que, por exemplo, não se pode
compreender nem o nazismo e nem o estalinismo sem estudar,
respetivamente, as personalidades de Hitler e de Estaline.
Outros autores evidenciaram a influência do fator individual na elaboração de
algumas políticas externas agressivas e no comportamento colectivo agressivo;
e outros ainda incidiram sobre os fatores da personalidade e da percepção. A
percepção, disseram, também pode influir nos conflitos internacionais e a
percepção do indivíduo sobre o seu meio ambiente é determinada por factores
psicológicos, culturais, etc.

2º/2. Os recursos naturais, a situação geográfica e os fatores demográficos,


ficou explicado nas páginas precedentes, podem influir no expansionismo dos
Estados (por exemplo, uma das funções essenciais das guerras e das
intervenções imperialistas é regular as pressões demográficas). Mas, os
conflitos internacionais também podem estar relacionados com a distância
existente entre dois atores estaduais (em relação ao desenvolvimento
económico, à dimensão geográfica, à cultura, ao poder, etc.). Além disso, deve
ser recordada a possível influência da natureza do regime político em alguns
acontecimentos conflituosos: pode ser estabelecida uma correlação entre os
regimes de natureza totalitária e o expansionismo. Mais. Recorde-se a
influência da estratificação social na existência e no desenvolvimento do
militarismo, e das estruturas económicas e sociais na existência do “complexo
milítaro-industrial”.

2º/3. Alguns autores buscaram correlações entre as características estruturais


do sistema internacional e a “estabilidade internacional. Por isso, disseram que
a não-integração do sistema internacional (e particularmente a ausência de
normas obrigatórias para os atores deste sistema) explica o aparecimento e a
expansão dos conflitos internacionais.
Segundo alguns autores, os sistemas bipolares são mais instáveis do que os
sistemas multipolares. Raymond Aron, disse que os sistemas homogéneos
(nos quais os Estados pertencem ao mesmo tipo e defendem a mesma
conceção da política) são mais estáveis e menos violentos do que os sistemas
heterogéneos (nos quais os Estados são organizados segundo princípios
diferentes e defendem valores contraditórios)43. Por isso, bastantes autores
defenderam que para explicar convenientemente os conflitos internacionais
deve ser utilizada a explicação multidimensional.

E. O Crescimento do Número de Mortos

Roberto Aliboni, afirmou que um conflito armado é uma incompatibilidade


contestada relativa a um Governo e/ou a um território na qual o uso de força
entre as duas partes (em que pelo menos uma delas corresponde a forças
governamentais), origina ao menos 25 mortos relacionados com a batalha.
Esses conflitos são hierarquizados atendendo ás baixas calculadas na base
anual e ás baixas acumuladas durante todo o conflito. Se o total de mortos
durante todo o con “flito for inferior a mil, considera-se um conflito de pequena
dimensão. Se o número de vítimas ultrapassar o milhar, considera-se um
conflito de grande dimensão. Este tipo de conflito, atendendo à contagem anual
de baixas, divide-se em duas categorias. Um conflito de grande dimensão com
menos de mil mortes durante o período de um ano, considera-se um conflito
intermédio; mas um conflito com mais de mil baixas num ano, considera-se
uma guerra44.
As observações de Aliboni, realçaram a importância do número de baixas ou
de mortos resultantes de conflitos. Após a II Guerra Mundial, essas baixas
foram inúmeras e existiram conflitos muitíssimo mortíferos!

 
6) O Poder Marítimo
 
O aproveitamento dos mares, como fator de poder alternativo aos poderes
continentais foi possível, afirmou Miguel Mattos Chaves, com o aparecimento
das técnicas de domínio da navegação e das técnicas de material de guerra.
No século XVII, continuou Mattos Chaves, dizia-se que quem dominasse o mar,
dominava o comércio mundial; quem dominasse o comércio mundial dominava
as riquezas do mundo; e quem dominasse as riquezas do mundo, dominaria o
próprio mundo.

O contraponto entre o poder continental e o poder marítimo, ficou explicado


quando apresentei as escolas de geopolítica e de geoestratégia, foi feito por
vários autores de entre os quais Jacques Pirenne (estabeleceu a comparação
entre as caraterísticas das civilizações marítimas e continentais) e Alfred
Thayer Mahan (escreveu sobre a estratégia naval e sobre os elementos do
poder marítimo).

Mahan apresentou o mar como a superfície dominante do globo terrestre (9/12


avos da superfície total do planeta): indicou-o como um excecional meio de
comunicação entre povos e civilizações, necessário para a permuta de
riquezas. Este meio, segundo Mahan, apresenta múltiplas vantagens sobre as
comunicações via terrestre, sobretudo porque as comunicações via marítima
são mais rápidas, menos dispendiosas e geradoras de maiores riquezas e de
mais rápido progresso.
Mahan, também indicou as condições que afetam o poder marítimo (a posição
insular: onde não existem fronteiras terrestres a defender, e possibilita ao
Estado dispor dos seus efetivos mais livremente e com alta liberdade
estratégica. Esta posição será mais favorável se o território estiver situado em
áreas vitais, por exemplo, a dominar estreitos e rotas de passagem do
comércio.

Referindo-se às caraterísticas físicas, Mahan insistiu sobre a importância de


possuir bons portos e rios profundos e navegáveis (importantíssimo para se
desenvolverem marinhas (de guerra e mercantis) necessários para a criação
de riqueza, indispensável para a existência do poder; e costas baixas e de fácil
acesso: atrairiam as populações a fixarem-se no litoral. Um território não muito
rico em recursos faria com que se buscassem riquezas no exterior.
Além disso, é muitíssimo importante o caráter nacional das populações. A
aptidão do povo para o comércio é determinante para a conquista de poder
através do mar; e o caráter do governo também é essencial para a aquisição
do poder marítimo e para a sua preservação.

2. PROBLEMAS DAS RELAÇÕES


INTERNACIONAIS

 
Seguem algumas reflexões sobre os fatores de instabilidade internacional; a
utilização da força nas relações internacionais; a segurança internacional; a
eficácia dos mecanismos utilizados para conservar a segurança internacional e
obter o desenvolvimento dos povos; a globalização; a nova ordem e o novo
governo da sociedade internacional; e a liderança global dos E.U.A.
 
a. Os Fatores de Instabilidade Internacional
 
Este assunto atraiu as reflexões de inúmeros analistas. De facto, por exemplo,
Samuel Huntington afirmou que a sociedade internacional, após ter
desaparecido a chamada guerra-fria, deve ser analisada e interpretada,
atendendo ao paradigma explicativo no qual o conflito entre civilizações é e
será, cada vez mais, o fator estruturante das relações internacionais, que
condicionará, cada vez mais, a política dos Estados e dos grupos de
civilizações46.
Outros autores disseram que os novos conflitos internacionais, serão travados
no campo económico; outros, afirmaram que os assuntos ambientais, serão o
problema central da segurança internacional; e outros ainda, disseram que o
principal desafio à segurança internacional, será o aumento da população, que
originará migrações conflituosas e disputas pela sobrevivência, à volta de
recursos cada vez mais escassos.

Reconheço a importância e a influência desses fatores, mas, considero “as


opiniões indicadas (ao menos as analisadas separadamente) redutoras da
realidade existente na sociedade internacional. Atualmente, é difícil identificar
todos os fatores de conflitos internacionais, existentes nessa sociedade,
capazes de prejudicarem gravemente a sua segurança. Na conjuntura atual, as
ameaças à segurança internacional, repito, são e serão cada vez mais, muito
diversificadas e complexas. A política internacional global, unicamente pode ser
analisada e explicada utilizando um quadro pluridimensional! No pós-Guerra
Fria, as ameaças à segurança internacional, são e serão, cada vez mais, muito
diversificadas e muito complexas; e a política internacional global, unicamente
pode ser explicada, utilizando um quadro multifatorial.

Parece indiscutível que, qualquer sistematização sobre os fatores de


instabilidade internacional deve reconhecer que, “na conjuntura atual, as
ameaças à segurança da sociedade internacional, ultrapassam os quadros dos
Estados, das organizações intergovernamentais, dos aspetos estritamente
militares, e da política interna e externa; e que, urge responder
multidimencionalmente (nos aspetos militar, económico, ambiental, etc.) às
necessidades da autêntica segurança internacional.
Sobre estes assuntos, penso, urge refletir ao menos sobre o impacto contra a
estabilidade internacional, inerente à incorreta distribuição da riqueza; à luta
pela posse de recursos naturais; às migrações internacionais; à luta para
conservar o meio ambiente; à ideologia de competição; aos choques
civilizacionais; às reivindicações religiosas; aos movimentos identitários; à
insuficiente democratização de tipo ocidental; à intervenção dos movimentos
terroristas; e à crise do Estado Nação. Mas, parece inegável, existem outros
fatores de instabilidade internacional. Por isso, insistimos sobre alguns.
 

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