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Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra

Licenciatura em Filosofia
2º ano

TEMAS DE
ESTÉTICA
Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra
Licenciatura em Filosofia
Temas de Estética
Prof. António Pedro Pita

SCHILLER
Schiller toma como base a revolução de 1789 para reflectir acerca da transformação da
vida politica. A ideia central é a de que o sistema social não assimilaria as mudanças, caso o
próprio homem não mudasse. Para Schiller, o homem não nasce humano, ele nasce da
natureza mas, tal como um diamante, ele precisa de ser polido, educado. «Todo o homem
individual, pode-se dizer, traz em si, quanto à disposição e destinação, um homem ideal e
puro, e a grande tarefa da sua existência é concordar, em todas as suas modificações, com
a sua unidade inalterável» (Carta IV). O homem é um ser racional, inteligente, o único capaz
de dominar e aniquilar e, portanto, é ele quem cria a sociedade, em conformidade com o
seu nível cultural. Posto isto, uma mudança real do sistema exige mudanças profundas no
próprio ser humano. Educação estética, para Schiller, é educar o homem a ser humano,
sendo que toda a construção estética assenta na categoria do sentir, então a formação da
sensibilidade traduz a maior necessidade da época.

O carácter estético tem a peculiaridade de o fenómeno se relacionar «com a totalidade


das nossas diversas forças, sem que se torne num objecto determinado para qualquer
delas» (nota à carta XX). Portanto, não se trata de um objecto que se relaciona
exclusivamente com o campo racional ou com o campo sensível, trata-se de um objecto
que se relaciona com todos os nossos campos. É na educação para o gosto e para a beleza
que o homem deve conseguir atingir uma harmonia entre o sensível e o espiritual. O estado
estético é então caracterizado pela liberdade, uma liberdade «livre de qualquer coacção»
(Carta XX) mas ainda segundo leis, leis essas que não surgem como intimação.

Não é pela coerção unilateral da natureza na sensação, nem pela legislação exclusiva da
razão no pensamento que o homem alcança a plenitude da sua condição de ser livre.
Somente pela beleza, o homem possui, ao mesmo tempo, uma determinação passiva,
instituída pela natureza, e uma determinação activa, estabelecida pela liberdade. Logo, é
pela arte que, segundo Schiller, o homem se faz verdadeiramente livre. «Espero convencer-
vos de que esta matéria é menos estranha à necessidade que ao gosto do nosso tempo, e
mostrarei que para resolver na experiência o problema político é necessário caminhar
através do estético, pois é pela beleza que se vai à liberdade» (Carta II). O cultivo adequado
de ambos os aspectos da natureza humana é que assegura o equilíbrio interactivo que, em
sua dinâmica complementar, fundamenta a unidade da realização cultural do homem.

O problema fundamental é então o problema da transição da sensação ao


pensamento, isto é, o homem que constituiu uma sociedade impelido por forças naturais, a
um dado momento acorda e apercebe-se da sua liberdade. Ao estado natural em que se
encontra contrapõe-se um estado ético ideal que não possui mas ao que corresponde a sua
liberdade. «O que o faz homem, porém, é justamente não se bastar com o que dele a

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natureza fez, mas ser capaz de refazer regressivamente com a razão os passos que ela
antecipou nele, de transformar a obra da privação em obra de sua livre escolha e de elevar
a necessidade física à necessidade moral» (carta III).

«O homem físico, entretanto, é real, enquanto o ético, apenas problemático» (Carta


III). Tal como Schiller nos dá a pensar na nota à vigésima carta, o homem físico é real, uma
vez que os fenómenos se relacionam directamente com o seu estado sensível. Por sua vez,
o homem ético é apenas problemático, devido ao fenómeno se relacionar com a sua
vontade. Schiller concilia a noção de homem sensível, regido por forças naturais, com a
noção de homem ético, guiado pela obrigação da lei. A partir dessa visão antropológica, a
educação estética é proposta por Schiller, como formação que combina inclinação e dever.

COMO se opera a transição? Através de uma instância intermediária que garanta a


passagem do estado de forças ao estado de liberdade. Essa ponte seria um terceiro carácter
que abarca os elementos do homem físico e do homem ético, a estética. A arte é, portanto,
o meio, o caminho da realização do homem enquanto homem.

DIMENSÃO ANTROPOLÓGICA:

A arte/a experiência da arte está incumbida de ser o ponto de reconstrução de uma


sociabilidade universal, que já não assenta nos princípios religiosos mas sim nos novos
princípios da antropologia (o homem é a medida de todas as coisas).

O racionalismo e o iluminismo criaram as bases de uma racionalidade teórica mas o


humano não se reduz ao conceptual abstracto. Essa racionalidade universal, abstracta,
formal, é importante em vários domínios mas o humano é mais do que isso.

Mas o que é o iluminismo?

Kant, em 1784 escreve um texto intitulado Resposta à pergunta ‘O que é o Iluminismo?’


onde afirma que o iluminismo é «a saída do homem da sua menoridade de que ele próprio
é culpado», ou seja, é a «incapacidade de se servir do seu próprio entendimento» sem a
orientação de outrem. A palavra de ordem do iluminismo é então Sapere aude (tem a
coragem de te servires do teu próprio entendimento), para que o homem ouse saber, ouse
sair desse estado de menoridade. Contudo, este processo de saída é um processo difícil,
pois nada garante que seja conseguido.

Na 8ª carta, Schiller questiona por que é que num tempo onde reina o imperativo
iluminista, ainda há tantas cabeças tão obscuras, tão apagadas e regidas pelo pré-conceito?
«O espírito da livre investigação destruiu os conceitos ilusórios que por muito tempo

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vedaram o acesso à verdade, e minou o solo sobre o qual a mentira e o fanatismo ergueram
o seu trono».

Se por um lado para Kant o uso por cada um do seu próprio entendimento, por si só é
considerado iluminismo, para Schiller isso não o garante. Schiller considera que a
racionalidade não é auto-suficiente, tendo esta uma mediação não-racional. «O caminho
para o intelecto precisa de ser aberto pelo coração». Nota-se, portanto, uma clara distinção
entre Kant e Schiller, uma vez que para Kant o caminho para o iluminismo é apenas o servir-
se do seu próprio entendimento, uma racionalidade que se auto-constrói, enquanto que
para Schiller a «formação da sensibilidade é a necessidade mais urgente da época».

É também na oitava carta que surge a imensa questão «Qual o motivo por que ainda
permanecemos bárbaros?», isto é, sendo a nossa época uma época esclarecida, pois está
de acordo com os grandes princípios do iluminismo, por que é que ainda “permanecemos
bárbaros”? Será que há algo no iluminismo que cria condições para o bárbaro? Posta a
pergunta, Schiller constrói uma série de proposições que justificam esta interrogação.

1 – A nossa época é esclarecida.

2 – Foram descobertos e divulgados em público os conhecimentos que seriam suficientes,


pelo menos, para corrigir os nossos princípios práticos.

3 – O espírito de livre investigação destruiu os conceitos ilusórios que por muito tempo
vedaram o acesso à verdade.

4 – O espírito de livre investigação minou o solo sobre o qual a mentira e o fanatismo


ergueram o seu trono.

5 – A razão purificou-se das ilusões dos sentidos.

6 – A razão purificou-se de uma sofística enganadora.

7 – A própria filosofia chama em voz alta e com urgência que regressem ao seu seio.

Já na carta VI, Schiller compara as características do seu tempo (séc.XVIII) com o tempo
considerado exemplar, o Grego: «admirar-nos-emos do contraste que existe entre a forma
actual da humanidade e a passada, especialmente a grega». Há, portanto, um contraste
entre a forma Grega e a da “actualidade”, a que ele chama moderno. Como é que após
tantos séculos ainda permanecemos bárbaros? Será que foi a cultura que abriu uma ferida
na humanidade, pelo excesso de cultura?

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Pessoa é o que, numa sequência de mudanças, permanece inalterado e idêntico a si


mesmo. O Estado é, por sua vez, a modificação ou as modificações pelas quais algo,
enquanto pessoa passa. Enquanto pessoa, ele perdura, sendo, porem, mera disposição a
personalidade efectiva. Enquanto estado, ele se altera, mas porque é afectado por algo
outro e não em identidade consigo mesmo. O homem permanece "forma capaz e vazia" de
si mesmo se o eu não tiver algo fora de si para se realizar. Ele se dissolve em mundo se os
seus estados não se tornarem expressão de sua pessoa: "ele nada mais é que mundo, se por
este nome entendemos o mero conteúdo informe do tempo" (pag.65). O homem se
efectua, por conseguinte, na dinâmica de duas tendências que se estabelecem a partir da
divergência dos dois princípios, que, na ideia do ser absoluto e divino, encontram-se em
concordância total. Essa dinâmica se expressa nas tendências da "proclamação absoluta da
potencialidade (realidade de todo possível)" e na "unidade absoluta do fenómeno (unidade
de todo real)" (pag.65). Essa dupla tarefa indica ao homem um caminho destinado
divindade; porém, esse caminho "é-lhe assinalado nos sentidos" (pag.65). Trata-se, por
conseguinte, do cultivo de cada um dos impulsos (racional e sensível) para que, igualmente
fortalecidos, se impulsionem e se limitem reciprocamente: "chegamos agora ao conceito de
acção recíproca entre dois impulsos, em que a eficácia de cada um ao mesmo tempo funda
e limita a do outro; em que cada um encontra sua máxima manifestação justamente pelo
fato de que o outro a activo" (pag.78).

COMO TRABALHA A FILOSOFIA? «Como o químico, é pela dissolução que o filósofo


encontra a unidade, é pelo tormento da arte que encontra a obra da natureza espontânea.
Para apreender a aparência fugaz, ele tem que fixá-la aos grilhões da regra, descarnar o seu
belo corpo em conceitos e conservar o seu espírito vivo numa precária carcaça verbal»

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