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AGOSTO 2021

Boletim da SBEnQ
BOLETIM DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE ENSINO DE QUÍMICA

Os sócios e sócias da Sociedade Brasileira de Ensino de fendemos a abertura de processos de discussão a respeito
Química, reunidos no I Fórum Nacional da SBEnQ, realizado do Ensino Médio a fim de construir-se uma política pública
virtualmente no dia 18 de junho de 2021, dia do Profissional de educação democrática e que contemple as necessidades
da Química, vêm manifestar-se por meio deste documento. de estudantes das diferentes realidades brasileiras.
O Fórum SBEnQ torna públicas suas preocupações diante do No mesmo sentido, solicitamos a imediata modificação da
cenário do Novo Ensino Médio e suas consequências para a instrução ideológica estabelecida nos editais do PNLD que
educação brasileira, sobretudo para o ensino dos culminaram com a exclusão do conhecimento
conhecimentos químicos. A SBEnQ deixa evidente a sua historicamente construído nas disciplinas científicas em
posição contrária às interferências feitas pelo Ministério da nome de uma pretensa abordagem interdisciplinar, o que,
Educação nesse processo, com destaque à implantação da de fato, inexiste nas obras aprovadas no recente edital desse
Base Nacional Comum Curricular (BNCC), à reforma programa. Defende-se a reorganização do PNLD no sentido
promovida no Ensino Médio, às modificações trazidas ao de permitir a oferta de livros constituídos a partir das
Plano Nacional do Livro Didático (PNLD) e às alterações nas disciplinas específicas, recuperando seu caráter curricular.
diretrizes de formação de professores nos cursos de Em relação às diretrizes para formação de professores
Licenciatura. recentemente estabelecidas pelo MEC, também como
Em relação à BNCC, a SBEnQ compreende tal documento consequência da BNCC, a SBEnQ defende sua imediata
como desnecessário e patológico, já que traz como REVOGAÇÃO. Essas diretrizes modificam profundamente os
consequência ataques à liberdade de expressão de cursos de Licenciatura no Brasil e, nesse sentido, diminuem
professores e à organização curricular singular de a importância da formação de professores e preparam sua
professores e escolas. Defendemos sua imediata extinção.
substituição por um documento que seja construído a partir Por fim, a SBEnQ percebe um movimento do MEC em favor
de diálogos com a comunidade acadêmica brasileira. de precarizar a oferta de uma educação pública de
A Sociedade Brasileira de Ensino de Química REPUDIA as qualidade e defende a necessidade de que esse Ministério
modificações em curso no Ensino Médio, a partir da dialogue com as sociedades científicas e, especialmente,
homologação da BNCC, as quais, dentre outros problemas, com os professores da educação básica no momento de
promovem a exclusão da obrigatoriedade de o estudante preparar políticas públicas, de modo a tornar democráticos
cursar determinadas disciplinas, entre elas a Química. esses processos e dar consistência a suas decisões.
efendemos a imediata REVOGAÇÃO da Lei no 13.415/2017,
proposta inicialmente como medida provisória, que Brasília, 29 de julho de 2021.
estabeleceu as reformas no Ensino Médio. Sociedade Brasileira de Ensino de Química
D e que inclui os itinerários formativos. Solicitamos, ainda, a
imediata SUSPENSÃO do calendário de implantação do
Novo Ensino Médio recentemente divulgado pelo MEC. De-

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Entrevista
GERSON MÓL ENTREVISTA ATTICO CHASSOT ou UMA
CHARLA ENTRE DOIS AMIGOS - Parte 2

Esta entrevista ocorreu no pandêmico inverno do ano de 2021, um censor mais rigoroso não daria um ‘imprimatur est’ a este
quando da virada do 1º para o 2º semestre, um de nós na texto nesta revista. No entanto, contrariamente ao que possa
pandemônica Brasília e outro na gélida Porto Alegre.
parecer, não alço aqui a bandeira da iconoclastia, pois
mesmo que proponha a indisciplinaridade, aceito a existência
O que você considera que mudou no Ensino de Química de disciplinas. Aqui e agora, reafirmo algo, não sem certo
durante sua jornada? constrangimento, pelas continuadas limitações que as
considerações já trazidas em outros textos e, especialmente,
Ouso afirmar que, passado um quarto de século da em dezenas de palestras que trazem como título: Das
publicação dos primeiros livros de Educação Química no disciplinas à Indisciplina. As análises que apresento
Brasil, somos menos educadores químicos. Somos mais prosseguem sendo um recorte apenas de leituras do mundo
professores de Ciências do que professores de Química. ocidental. Nesse recorte, a partir do dito nascimento da
Fizemos alfabetização científica, formamos mestres e ciência moderna no Século 16, o conhecimento se faz cada vez
doutores em Ensino de Ciências. Se olharmos os nomes dos mais disciplinar. Esse alerta é preciso, pois nós, com nosso
colegas que — quando da constituição da SBEnQ — foram autocentramento, continuamos, por diferentes razões, sendo
mimados com o título de sócios honorários da novel umbigocêntricos, marcados talvez pelo nosso forte DNA
Sociedade, se pode dizer que estes são os sujeitos das três grego. É preciso recordar que, para nossos ancestrais
frases preliminares deste parágrafo. São estes educadores helênicos, quem não falasse grego era bárbaro. Mais uma vez,
que ‘criaram’ o que depois chamamos de “Educação Química” interrogantes aportam fortes : quem é o Oriente? Quem é
e fizeram os EDEQs (ícone de diferentes encontros regionais), Ocidente? Parece pouco crível o quanto o Ocidente ainda
ENEQs (referência dos encontros nacionais de diferentes parece ser sinônimo da cristandade (não na acepção
disciplinas), a revista Química Nova na Escola e muitos outros dicionarizada de maneira corrente: conjunto dos cristãos,
fazeres. mas num recorte geográfico, isto é: ocidente é a Europa e as
Fizemos, em termos do ensinar Química (pense-se o mesmo no terras por ela colonizadas. Assim, parece ficar estabelecido o
ensino das disciplinas de Física, Biologia, Matemática...), uma ocidente como uma circunscrição definida quanto à
revolução paradigmática — na ótica de T.S. Kuhn — num territorialidade e, por conseguinte, fica esclarecido qual o
ensino que imperava no Brasil deste o começo do Século 19, entendimento de civilização europeia. É usual, ao nos
quando a Família Real deixa Lisboa e se transfere para uma envolvermos com a história da ciência e de uma maneira mais
de suas colônias (Chassot, 1996a; 1996b) . Talvez, se devesse ampla com a história da construção do conhecimento,
fazer uma exceção para as consequências do lançamento do centrarmo-nos quase exclusivamente no mundo ocidental e o
Sputnik no ensino de ciências na educação estadunidense e fazermos sob a ótica eurocêntrica, e esta alimentada por
espraiada para seus países aliados. nossos olhares brancos, masculinos, cristãos... Pouco
Radicalizo mais: quase perde o sentido falarmos em Educação sabemos de como ocorreu a construção do conhecimento em
Química. Essa afirmação é feita na mirada de pelo menos diferentes culturas no oriente. Ainda hoje, por exemplo, filmes
quatro revoluções científicas (copernicana, lavoisierana, ambientados na China ou na Índia, apenas para referir aos
darwiniana e freudiana) que, desde o Século 16 ao Século 20, dois países orientais mais populosos, trazem-nos surpresas.
ordenaram/ ordenam o disciplinamento de conhecimentos. Mesmo atualmente, conheçamos muito pouco, por exemplo,
Parece que há exigências de pensarmos neste Século 21, em da educação na China, apenas para referir a um país onde
uma reversão desses processos, e considerarmos a produção vivem cerca de um quinto dos humanos.
do conhecimento sem as marcas da disciplinarização, gerada
no contexto ocidental dominado pelo espectro dos livros O que considera que ainda precisa mudar?
sagrados que ainda dogmatizam (e garantem a ortodoxia) às
três religiões abraâmicas (judaísmo, cristianismo e Esta é a pergunta mais difícil de tuas sete questões. Nunca
islamismo). É nesse cenário, ou melhor, é com esses vivemos tempos em que nossas agendas se esboroam tanto e
mentefatos culturais, que ocorreram as revoluções científicas. nas mais distintas dimensões.
Esse contexto tem determinado um dogmatismo disciplinar à
chamada ciência moderna que, neste texto, se quer discutir.
Houvesse ainda censura às publicações,

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Nos foi sonegado direito de saber acerca nosso amanhã Figura 1: Pandemia expõe a vocação excludente da educação
remoto e mesmo o próximo. Esta constatação é mais trágica não presencial e a superexploração da classe trabalhadora.
quando nos damos conta que a cada minuto morre um
brasileiro vitimado pelo Covid-19. Mesmo que me cuide ao
máximo devo reconhecer que tenho medo de morrer.
Na segunda quinzena de março de 2020, houve um
fenômeno nacional. Muitos de nós, fomos envolvidos de
roldão, sem perceber dimensões temporais e espaciais. Sem
se precisar gastar um centavo em Educação: Eis que de
repente alunos, pais, avós, irmãos mais velhos, empregadas
domésticas e professores brasileiros foram todos declarados
como detentores de expertise em Ensino à Distância.
Tabletes e smartphones tidos, antes, como vilões, pois
distraiam os estudantes que os preferiam ao invés de livros e
apostilhas eram reconsiderados. Os vilões agora eram
heróis. Não faltou quem se rejubilasse e dissesse: agora a
Educação brasileira migrou do medievo ao Século 21. Temos
Educação à distância. A sigla EaD é um ícone messiânico
quase salvífico.
Dentre mais de uma dezena de plataformas o WhatsApp se Fonte: https://www.adufes.org.br/portal/.
tornou o salva-vidas para perguntar para o avô — também
escrita de material de ambientação na plataforma e apoio
um neo-perito em EaD que não sabe tirar um extrato
institucional do ambiente virtual da universidade. A
bancário em um terminal — como resolver problema especialização durou um ano e meio com inúmeros e
proposto a alunos do 5º ano do Ensino Fundamental, infindáveis ajustes técnicos e de condução pedagógica”.
exemplo: Há 3 companheiros que pesam 50kg, 80kg e 100kg Escrevo isso para dizer que o que estamos fazendo com os
e precisam chegar a outra margem de um rio, dispondo de professores da escola básica nesse período é desumano. Há
um barco que tem a capacidade máxima de transportar situação que se exige que professores não vacinados
140kg. Qual o mínimo de viagens necessárias? arrisquem suas vidas. Diante da impossibilidade técnica e
As discussões se estenderam/estendem e foi/é esquecido dos sucessivos improvisos, o professor precisa se virar, sem
que cerca de um terço dos lares brasileiros não tem acesso à nenhum apoio na maioria dos casos, para enviar arremedos
internet. Há aqueles que têm internet, mas não tem um de atividades para serem reproduzidos na escola. De uma
notebook ou um tablete para as ditas aulas remotas. Um hora para outra obrigam os professores a fazerem milagres,
único smartphone é, não raro, o único hardware familiar, cantar, dançar, ler histórias, fazer experimento, editar vídeo,
usado de maneira comunitária. A cozinha e lavanderia são o pensar roteiro fazendo com que ele trabalhe, algumas vezes,
‘gabinete’ para realizar as lições remotas. Parece que esta mais do que antes, com condições precárias e, claro,
excluindo os estudantes que não tem acesso à internet. De
imagem (figura 1), — como sou feyerabendiano não vou
novo, se exige do professor que ele se vire. E, de novo, por
perguntar ao editor se numa entrevista se pode aditar
compaixão e responsabilidade por seus alunos e, em alguns
imagens — traduz um pouco a dificuldade de fazer os três
casos, para manter seus empregos, os professores estão se
amigos para chegar a outra margem. Este é um dos retratos
virando. E estão exaustos!
de local que se recomenda ficar (em casa) e lavar as mãos
Não é difícil inferir o quanto está aumentando, de maneira
quando não se tem água encanada.
abissal, o fosso que separa os pobres dos ricos no acesso à
Em uma das edições do blog de abril 2020 trouxe a narrativa Educação, muito especialmente na Educação Básica. A
de um professor doutor em Educação capaz de oferecer Educação é apenas um dos mentefatos culturais que é
abrandamento de tensões de reclusos domiciliares não tão direito universal. Pode-se mostrar o mesmo com o direito à
expertos em EaD, nestes tempos viróticos. Saúde ou ao trabalho digno. É fácil nos encantar com as
“Eu trabalhei numa especialização EaD em que levamos em maravilhas do home office, que oportuniza aos abonados
média 6 meses para montar um ambiente virtual com auxílio morar em suas mansões de veraneio, 12 meses por anos.
de um técnico especializado, uma especialista em EaD, Mas por ora não dá para fazer faxina doméstica menos
diálogo com professor formador, superficial pela internet. Talvez tenhamos robôs mais hábeis

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para estas tarefas. Por ora, há mais uma legião de vos foram construídos ao longo da história; a biologia, a
desempregadas, geralmente mulheres negras, que a física e a química tratam de conhecimentos que têm
pandemia desempregou. Não são todos empregadores a implicações de diversas naturezas, sociais, políticas,
entender que as mulheres que fazem (talvez o mais correto econômicas, tecnológicas e éticas, o que significa que o
dizer faziam) faxina se ficarem em casa remuneradas, aprendizado envolve posicionamentos críticos perante
também estão protegendo a família empregadora. Há porquê situações sociais de cunho científico e tecnológico; cada um
termos esperanças que nossas reflexões nesta proposta a uma desses campos do saber tem uma linguagem própria e faz
entrevista que quer ser mais um ensaio para fazermos uso de outras linguagens, que demandam compreensões
Educação que quer contribuir para um mundo mais justo. para melhor entendimento dos conceitos; essas ciências
Estes são fragmentos de cenários genéricos do Brasil destes envolvem perspectivas investigativas, que devem estar
tempos pandêmicos. É neles que também se ensaia fazer presentes na vivência escolar, para que seja estimulada a
Educação Química. Pretendo espraiar-me nessa temática na curiosidade e os aprendizes desenvolvam maneiras de
questão seguinte. enfrentar problemas (MARCONDES, 2018, p. 277).
Parece sobejada a resposta ao interrogante: qual a
Para você, qual a importância do Ensino da Química no importância do Ensino da Química no atual contexto
atual contexto político e social brasileiro? político e social brasileiro? Acrescento dois coadjuvantes a
ratificar a cada vez maior importância do ensino de
Quando pensava em uma resposta a esta 5ª pergunta Química. I) Das diversas Ciências da Natureza parece ser a
(resposta que não fosse rude como quando ousei afirmar — de Química aquela disciplina que — pela sua extensa presença
maneira provocativa — que Química não existe, por si só) no cotidiano dos humanos — pode de maneira mais
chega em meu WhatsApp uma página de um jornal ou revista, explicita ajudar a barrar o estúpido acientificismo que de
apenas identificado como Pesquisasdequímica, São Conrado maneira pademônica grassa entre brasileiros
Rio de Janeiro. A manchete: Física e química deverão ser fundamentalistas que chegam a crer que se o pastor lhes
opcionais no Ensino Médio do Rio em 2022. Nas primeiras escarrar em suas bocas estarão preservados do covid-1 ou
linhas do texto é incluída a biologia, também como ‘futura’ protegê-los da peste mandada por Deus, para marcar seus
disciplina opcional. A notícia informa, a seguir, que esta é eleitos. É provável que se prometa ao creu que, por
uma decisão da Secretaria de Educação do Estado do Rio de acréscimo, não corre o risco de se transmutar em jacaré. O
Janeiro. Em tempos de Fake News tudo se pode conjecturar. negacionismo da Ciência é ainda mais trágico quando
Há viabilidades desta reforma, agora anunciada, ser ocorre patrocinado por dirigentes genocidas, que ocupam a
ancorada à discutível Base Nacional Comum Curricular Presidência da República. ii) a minha continuada defesa da
(BNCC), que orienta os currículos da Educação Básica a partir transmutação das disciplinas à indisciplina ganha estofo
da Lei n. 13.415, de 16 de fevereiro de 2017 reformulando a quando pensarmos uma Alfabetização Científica formada
LDB de 1996. por uma assemblage , de muitas diferentes alfabetizações.
A propósito insiro nesta entrevista (não sei se é canônico Lateralmente adito que tenho usado o vocábulo
aditar texto de autoria de outrem) um excerto de um artigo — assemblage para referir-me a um texto que ‘mistura’ ficção
e o faço balizado em duas dimensões: i) pela propriedade e com não-ficção. Um dos meus textos que mais aprecio é
lucidez do tema abordado; ii) fazer um reconhecimento a Diálogo de aprendentes, onde criei dois personagens: Maria
significativa e continuada contribuição da Maria Eunice à Clara aluna de uma licenciatura em Ciências da Natureza
Educação Química brasileira. Nesta segunda dimensão que troca mensagens com o Prof. Giordano. Os personagens
conjugo meu homenagear com os egrégios colegas, Otávio são ficcionais, mas as mensagens são de minhas
Maldaner, Roberto Ribeiro, Roseli Schnetzler que com a Maria conversações com uma diversidade de leitores. É impossível
Eunice e comigo fomos galardoados com a memorável eu referir este texto sem fazer uma homenagem prenhe de
distinção de membros honorários da SBEnQ, quando da saudade de nosso muito querido colega Wildson Luiz
constituição da novel Sociedade. Pereira dos Santos.
Tecidas as merecidas loas, adito excerto do artigo Concluído o comentário lateral, parece oportuno que se
referenciado na nota anterior, que Marcondes escreveu possa falar em múltiplas alfabetizações além do usual
enquanto participante da equipe de assessores responsáveis letramento no idioma de berço: alfabetização científica,
pela elaboração da 1ª e 2ª versões da BNCC. alfabetização matemática, alfabetização geográfica,
A autora aponta que para a área de ciências da natureza: [...] alfabetização digital, alfabetização em inteligência
deve-se ter em mente que essas ciências são construções artificial, alfabetização musical, alfabetização
humanas e, assim, várias interpretações e modelos explicati- astronomica, alfabetização geológica, etc. ou ainda alfabe-

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tização em idioma(s) estrangeiro(s) etc. Há uma destas Parece que se pode afirmar que a nossa novilíngua é aquela
alfabetizações que é pré-requisito às demais! Qual? falada tanto pelos nativos como pelos migrantes digitais:
Esta migração também foi/é muito ampla. Há aqueles que Alfabetização digital.
são (quase) do paleolítico, pois foram alfabetizados em uma Assim, como ninguém discorda que se faça campanhas de
pedra de ardósia escrevendo nela com um estilete da mesma alfabetização na língua materna temos que acolher, como
pedra. Em 1996 escrevi um artigo evocando meu uma questão moral, os alienígenas e fazê-los imigrante
cinquentenário como escrevinhador. Recordo minha digitais.
alfabetização numa lousa de ardósia emoldurada por Quando alguém imigra para um país que tem um Idioma
madeira se assemelhando (em dimensões) a um tablet, onde diferente, o que busca aprender por primeiro? Hoje uma
uma das faces era marcada por linhas duplas, para exercitar significativa porção de terráqueos usa a novilíngua para
a caligrafia e a outra com quadrículas para exercícios de
comunicações e para um viver ‘mais confortável’. Urge
aritmética. Há muito a ser escrito acerca de nossos
termos uma Alfabetização digital.
ferramentais de escrita como o advento da caneta
Além do usual letramento no idioma de berço, nos
esferográfica que escrevia a seco, livrando-nos do tormento
enriqueceremos se tivermos alfabetização matemática,
que eram os borrões originados do transporte de tinteiros.
alfabetização geográfica alfabetização digital, alfabetização
Em nossa escrituração cotidiana cada vez escrevemos mais
musical, alfabetização astronômica, alfabetização geológica
em diferentes suportes eletrônicos.
Assim, por ora podemos dividir os humanos em três estratos: ou ainda, alfabetização em idioma(s) estrangeiro(s) etc.
nativos digitais / migrantes digitais / alienígenas digitais. Não estou propondo sejamos polímatas!
Os nativos digitais são muito numerosos, a maioria nascidos Podemos fazer escolhas entre duas alternativas:
no Século 21. Eles se comunicam por escrito, não prescindem especialistas ou generalistas. Sabermos muito de uma
inclusive de alfabetização língua materna. Dialogam — pequena fração do conhecimento ou sabermos um pouco de
usando apenas emojis — podem oportunizar uma frutuosa uma larga extensão de saberes. Mesmo que saibamos que
comunicação entre nativos digitais. Lápis ou caneta e papel uma e outra escolhas são necessárias para estar no
não fazem parte de seu ferramental para escrita. O Planeta... há que optarmos. A minha opção é sabida: mesmo
smartphone, instrumento de quase mil e uma utilidades, é que reconheço que são os especialistas que ampliam
quase exigência mínima para pertencer s tribo que acolhe fronteiras, busco crescer, a cada momento como um
crianças ainda fraldadas. generalista.
Os migrantes digitais são uma imensa maioria dos nascidos Certamente muitos alunos dominam tecnologias digitais que
no século 20, que em suas vidas foram (por muitos anos) alguns professores, sequer sabem como funciona. Assim é
anos analfabetos digitais, mas — não raro, com árduo necessário lutar para auxiliar a migração dos alienígenas
aprendizado — deixaram de ser alienígenas e ingressaram na digitais para fazê-los imigrantes digitais. “Hoje vivemos num
tribo dos nativos digitais. Sabemos — e meus 81 anos me Brasil onde a linguagem digital é hegemônica e faz
posicionam nesta tribo — o quanto em muitas situações, exclusões”.
netos ensinam avós. Ou sejam os nativos ajudam aos
migrantes aprenderem a novilíngua. Esta tribo tem um totem Qual a relevância do surgimento da Sociedade Brasileira
todo poderoso: o aplicativo. de Ensino de Química – SBEnQ?
Os alienígenas digitais são um grupo muito numeroso e,
muitas vezes, invisibilizado. A maior parte são daqueles que Numa análise interna, há que reconhecer que SBEnQ surge
não ‘usam’ dos recursos do mundo digital. Nestes são, cada no esteirar de desagravo exigido por um segmento tido como
vez mais, marginalizados no hodierno. Talvez, os periférico pela matriz. Se repetia, uma vez mais, a
pudéssemos dividir em dois grupos: 1) aqueles que não tem o discriminação de áreas ditas hard a uma área labelada como
mínimo de recursos para poder ter algum equipamento (= soft. Não se precisa nenhum significativo raciocínio para se
joia para poder ingressar no poderoso clã dos migrantes evidenciar a autoria desta classificação hard Science/soft
digitais). Quantos salários-mínimos custa um smartphone? Science. Só pode ter sido de autoria de pretencioso cientista
2) Há subgrupo de alienígenas digitais que não têm gana (que se diz) hard.
para aprender algo para ingressar novo Éden. Escrevi Ciência em inglês e com letra maiúscula para
Hoje os habitantes do Planeta Terra têm uma nova língua evidenciar a decolonização e assim não pensar apenas numa
quase universal, artificial como o esperanto. Este não é discriminação doméstica. É a colônia que se emancipa e
idioma nativo de nenhum país. Há uma novilíngua, que nos declara sua independência do colonizador. E, pasmem se
evoca um idioma fictício presente na obra literária 1984, de atreve a caminhar (com sucesso) sozinha.
George Orwell.

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Parece que encontramos mais percalços que esperávamos. Tenho farinha para mais um saco. Mas, por ora é melhor
Talvez, estes extensos tempos pandêmicos ora sofridos sejam parar. Obrigado pelo convite. Agradeço se um dentre a meia
menos profícuos para almejada independização. Mas dúzia de prováveis leitores dois ou três oferecerem algum
haveremos de vencer. comentário.
Espero possamos continuar a ajudar na formação de cidadãs
Que recado você daria os que estão iniciando essa jornada? e cidadãos que colaborem para que possamos legar aos
Somos uma sociedade de educadores. Isso nos confere — antes filhos de nossos filhos um Planeta melhor e mais justo.
de mais nada — nos corresponsabilizarmos para ajudar a
tornar o Planeta Terra melhor e mais justos. Se esta não for
nossa dimensão heliocêntrica não vale apena ser professor.
Não estou pregando sermos missionários portadores de uma
centelha salvífica.
Somos humanos buscando a humanização. Nesta dimensão
tenho usado intensa e extensivamente a Laudato Si’— a
encíclica do Papa Francisco acerca dos cuidados de nossa casa
comum — como um antídoto as políticas predadoras do
governo Bolsonaro.
Aos neófitos ainda recomendaria uma imensa curiosidade (e
que esta fosse estimulada desde cedo a nossos alunos).
Acrescentaria ainda a continuada busca da Paz e assumirmos
posturas indisciplinares. Com estas diferentes dimensões
desenvolveríamos / desenvolveremos um alfabetização
científica pré-requisitada de uma alfabetização digital, sem a
qual não se (sobre)vive nestes ditos novos tempos.
Meu caro Gerson Mol! Tenho que terminar. Tu não limitaste o
número de páginas. Não sei se excedi ou se pequei por ser
resumido. Torço para que tenha sido 25 páginas o teu pedido.
Por isso tenho que parar. Estou há uma semana deleitando-me
no amealhar reminiscências.
Sei que violei a ortodoxia para uma entrevista. Attico Chassot,
Afortunadamente para esta categoria de texto acadêmico não na Morada dos Afagos, no inverno de 2021,
na celebração de meu 61º ano de magistério,
temos templates. Eles engessam o texto. Como feyerabendiano
em funéreos tempos pandêmicos.
os abomino.

Chamada de Chama para publicação de capítulos em livro


publicação

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Resenha SILVA, Maria D. Brito; REIS, André Silva dos. (orgs.). História da Ciência no Pará:
de Livro Tópicos, propostas e perspectivas. Belém: EDUEPA, 2020.

Nos anos de 2016, 2017 e 2019, realizamos, no Centro de Ciências


e Planetário do Pará, encontros que abordaram a História da
Ciência e Ensino, bem como a História da Ciência na Amazônia,
que foram tratados pelo Grupo de Pesquisa Ciência, Tecnologia,
Meio Ambiente e Educação Não Formal – CTENF.
A obra intitulada “História da Ciência no Pará: tópicos, propostas
e perspectivas” é resultado dos trabalhos produzidos por
professores e técnicos que atuam no Centro de Ciências e
Planetário do Pará, assim como por docentes convidados e fazem
referência às disciplinas Química, Física, Matemática e Biologia.
Com o objetivo de socializar estes trabalhos no meio científico, é
que propomos que a publicação desse livro seja utilizada por
professores em sala de aula e outros espaços de ensino, para
possibilitar aos alunos estratégias que proporcionem uma
aprendizagem de qualidade. As temáticas abordadas pelos
autores traduzem a importância da História da Ciência para a
Formação Inicial e Continuada de Professores em um contexto
relacionado às pesquisas aplicadas para graduandos, assim como
as pesquisas teóricas sobre a História da Ciência na Amazônia.

Profª. Maria Dulcimar de Brito Silva (UEPA)


Prof. André Silva dos Reis (UEPA)

Evento Olimpíadas de Química - Inscrições abertas!

Estão abertas inscrições para Olimpíadas de Química. Mais Olimpíada Brasileira de Química Júnior - Para
estudantes de 8º e 9º anos do Ensino Fundamental e
informações encontram-se no link. As provas serão virtuais,
treineiros de anos anteriores
por meio de aplicativo próprio.
Inscrições até 24/8/21
Olimpíadas Estaduais de Química - Para estudantes do 9º
Olimpíada Brasileira de Ensino Superior em Química -
ano do Ensino Fundamental, Ensino Médio e Técnico
Para estudantes de cursos superiores da área de Química
Inscrições até 18/10/21
Inscrições até 19/9/21

Evento Seminário: Avaliação no ensino e Sistemas de Avaliação

No dia 21/08/2021, das 9h30min às 11h30min a comunidade


da REDEQ se reúne em mais um Seminário On-Line. O tema
agora é a Avaliação no Ensino Superior e Sistemas de
Avaliação. As professoras convidadas são Prof Rosângela
Uhmann (UFFS) e Carla Bozzato (Esc. Tec. Estad. Sylvia Melo),
mediadas pela Prof. Paula Del Ponte Rocha (Col. Estad. Bento
Gonçalves da Silva). As inscrições (para atestado de
participação) podem ser feitas aqui e a transmissão será via
Canal do Youtube da REDEQ. Aguardamos você!

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XIV Encontro de Educação Química da Bahia aberto para


Evento
inscrições e submissões de trabalhos
O Encontro de Educação Química da Bahia (EDUQUI) é um O evento contará com palestras, minicursos e apresentação
evento bienal que tem como objetivo discutir e de trabalhos. Os resumos podem ser enviados até 31 de
compartilhar pesquisas e experiências na área de Ensino de agosto. Mais informações sobre o evento podem ser
Química. O EDUQUI é um evento conhecido em todo o encontradas nas redes sociais do evento e em nosso site.
estado da Bahia e já se encontra na XIV edição. Este ano, o
tema do encontro será O Ensino de Química e o papel da
ciência contra o negacionismo e será organizado pelos
docentes de Ensino de Química da Universidade Federal da
Bahia em colaboração com colegas de todo o Estado.
Por conta da pandemia de COVID-19, essa edição do nosso
encontro será de forma remota entre os dias 03 e 05 de
novembro de 2021.

Ciclo SBEnQ de conversas com pesquisadoras da Área de


Evento
Ensino de Química

Continuando o nosso ciclo SBEnQ de Conversas com


Pesquisadores da Área de Ensino de Química, no dia
21/08/2021, às 15 horas, no nosso canal do YouTube,
ocorrerá a conversa com a Dra. Marcia Borin da Cunha
(Unioeste), o Dr. Ivo Leite Filho (UFMS) e mediação do Dr.
Leonardo Maciel Moreira (UFRJ) sobre Educação Química
em espaços não-formais e divulgação científica. Para
apresentar a SBEnQ teremos o Dr. Burno dos Santos
Pastoriza (UFPel), representante da região Sul da nossa
sociedade.

Promoção SBEnQ oferece 30% de desconto na anuidade de 2021

A SBEnQ apresenta uma promoção para Professores do A promoção é válida para novas associações e também
Ensino Básico e Estudantes de Graduação e Pós- para sócias e sócios que precisam colocar a anuidade
graduação. Considerando as dificuldades enfrentadas 2021 em dia. Para filiar-se à SBEnQ acesse Como se
atualmente pelos professores de ensino básico e pelos associar.
estudantes de Graduação e de Pós-graduação, a SBEnQ
propõe desconto de 30% na anuidade 2021 depositadas
até 30 de novembro deste ano.

Boletim da SBEnQ - Comitê Editorial:


Diretoria SBEnQ:
Franklin Kaic Dutra-Pereira (UFRB)
Presidente: Marcus Ribeiro (IFSUL)
Gahelyka Souza (UFAC) Contribua para o nosso boletim!
EXPEDIENTE Vice-Presidente: Alexandra Epoglou (UFS)
Secretária Geral: Irene Mello (UFMT)
Anelise de Luca (IFC) Envie seu texto para
Leonardo Moreira (UFRJ)
Secretário Adjunto: Edson Wartha (UFS)
Letícia dos Santos Pereira (UFBA) boletim@sbenq.org.br
Tesoureira: Maria Helena Roxo Beltran (PUC-SP)
Wesley Pereira da Silva (SEEDF)

SOCIEDADE BRASILEIRA DE ENSINO DE QUÍMICA 8

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