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Paper Sobre A Modernidade Oficial Postar
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Há já algum tempo eu me apercebi de que, desde meus primeiros anos, recebera muitas falsas
opiniões como verdadeiras, e de que aquilo que depois fundei em princípios tão mal assegurados não
podia ser senão mui duvidoso e incerto; de modo que me era necessário tentar seriamente, uma vez
em minha vida, desfazer-me de todas as opiniões a que até então dera crédito, e começar tudo
novamente desde os fundamentos, se quisesse estabelecer algo de firme e de constante nas ciências1
2
Idem, p.174.
3
No livro Ortodoxia, Chesterton diz: “O louco não é o homem que perdeu sua razão, mas sim aquele que perdeu tudo
exceto a razão”, p.23.
4
G.K. CHESTERTON, Ortodoxia, 2018, p.39.
5
Santo Agostinho desenvolveu este pensamento da seguinte forma: “Ainda que duvide de outras coisas não deve duvidar
de sua dúvida. Visto que se não existisse, seria impossível duvidar de alguma coisa” (A Trindade, 1995, p.328)
6
AGOSTINHO DE HIPONA, A Trindade, 1995, p.328.
2
um ser que afirma ele próprio ser resultado de um processo evolutivo que evolui há 14 bilhões de
anos deve ser refletida. Não porque seja absurdo acreditar nos 14 bilhões de anos, mas é absurdo
acreditar cegamente num homem que existe a menos de cem anos e que afirma com todas as letras:
eu estou certo.
Esta dúvida não tem a ver com Descartes, pois sua dúvida se aplica a tudo, inclusive a sua
própria existência, mas tem a ver com Pascal que via claramente o problema do homem e questionava-
se sobre o que realmente deve ser colocado em questão:
A natureza do amor-próprio e desse eu humano é não amar senão a si, e não considerar senão a si.
Mas, que fará ele? Ele não saberia impedir que esse objeto que ama não seja cheio de defeitos e de
misérias: quer ser grande e se vê pequeno: quer ser feliz e se vê miserável: quer ser perfeito e se vê
cheio de imperfeições: quer ser o objeto do amor e da estima dos homens, e vê que seus defeitos só
merecem a sua aversão e o seu desprezo. Esse embaraço em que se acha produz nele a mais injusta
e mais criminosa paixão que é possível imaginar-se; pois concebe um ódio mortal contra essa verdade
que o repreende e o convence dos seus defeitos. Desejaria aniquilá-la e, não podendo destruí-la em
si mesma, ele a destrói, tanto quanto pode, no seu conhecimento e no dos outros.7
7
Blaise PASCAL, Pensamentos, p.2287. (E-book Kindle)
8
G.K. CHESTERTON, Ortodoxia, 2018, p.51.
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E assim nos perguntamos, qual filosofia moderna responderia aos anseios da humanidade?
Esta resposta, de fato nos escapa, pois antes mesmo que terminemos de ler a obra do último pensador
em voga, mais uma centena de outros autores intitulados filósofos acabarão de lançar seus
pensamentos. Mas eis o verdadeiro problema ao qual não se pode esperar das filosofias modernas
uma resposta para os anseios da humanidade em questão: se tivessem um ideal fixado em algum lugar
de um futuro distante, mas aqui fazemos das palavras de Chesterton as nossas: “O progresso deveria
significar que estamos sempre mudando o mundo para adequá-lo a uma visão. Mas nos tempos atuais
significa que estamos sempre mudando a visão. Deveria significar que estamos lentamente, mas
continuamente, trazendo a justiça e a misericórdia aos homens; mas significa que somos bem ligeiros
em duvidar da atratividade da justiça e da misericórdia”9.
Talvez nossa dissertação pareça uma tese contra a modernidade, e pode, até certo ponto, ser
considerada assim, mas é somente pelo fato de que somos a favor do ser humano, e gostaríamos de
vê-lo ser priorizado acima de qualquer descoberta científica e tecnológica, como também vê-lo acima
de qualquer utilitarismo e de qualquer sistema filosófico. Mas, com qual finalidade o progresso
moderno tem acontecido? Não parece ser à dignidade humana. E aqui está o ponto onde gostaríamos
de chegar. Ao iniciarmos nossa reflexão mostrando o abandono da tradição escolástica filosófica e a
fixação do homem moderno pela razão o levaria a abandonar tudo futuramente, inclusive a razão.
Mas existem realidades muito bem esclarecidas pela nossa razão em que vemos a
necessidade de não serem ignoradas pois, além da razão, desrespeitam ao homem todo. Realidades
estas são a metafísica, a finalidade do homem, a vida feliz, e por fim, Deus. Mas, com a emancipação
também da razão, a única coisa que importa é ser feliz, aqui e agora, ainda que para isso precisemos
sacrificar o que de fato possa trazer ao homem esta felicidade. Com efeito, os avanços tecnológicos
e as descobertas científicas da atualidade beneficiaram muito a vida do homem, mas se todas elas
foram desenvolvidas pelo homem, seria contraditório pensar que o objeto traria satisfação total ao
seu inventor.
Se o avanço moderno trouxe ao homem métodos para se desenvolver técnica e
cientificamente, porque este abandona o empreendimento mais vantajoso para si próprio? É vantajoso
para o homem continuar a busca do porquê das coisas, inclusive de Deus, que Deus exista e que exista
vida eterna, e os filósofos esqueceram que se Deus existe – e nós cremos – em nada suas filosofias
podem mudar aquele que é imutável, como eles mesmos defendem de forma teórica. Eles ignoram
que o homem não consegue viver sem um deus. Se não busca o sumo Bem, irá idolatrar outras coisas,
inclusive os filósofos. A ciência moderna, fragmentada em diversos conhecimentos, não pode
responder o porquê, pois a ela cabe apenas dizer o como das coisas. Daí a necessidade de “dar à Cesar
o que é de Cesar e à Deus o que é de Deus”10.
Está na hora do homem moderno parar, não só para respirar, mas observar e refletir sobre o
que está construindo. Seus progressos seriam justificáveis se não fosse uma pequena trivialidade. Na
natureza, todo ser vivo, instintivamente, busca perpetuar sua espécie, já o homem moderno,
instintivamente, tem trabalhado duro para se autodestruir. É preciso que um grito bem forte ressoe
pelos quatro cantos da terra: “parem!”. Diferente de Descartes, não pensamos ser necessário “começar
tudo novamente desde os fundamentos”, mas se o homem não reconhecer seus fundamentos humanos,
pode terminar a obra começada, a obra da autodestruição.
Ao longo de nossa reflexão acusamos o homem moderno de muitas coisas, mas quem é este
homem moderno? Uma vez perguntado por um jornal inglês sobre o que havia de errado no mundo,
Chesterton respondeu: “Presados Senhores: Eu. Atenciosamente, G. K. Chesterton”11. Nós somos o
homem moderno! Nós somos os únicos que podemos melhorar a realidade, somos os únicos que
podemos e devemos, mas não sem considerar que somos os mesmos que podemos frustrar qualquer
tentativa e qualquer expectativa. Assim, não nos importa a velocidade com que as coisas melhoram,
9
Idem, p.137-138.
10 Mateus 22,21.
11 G.K. CHESTERTON, Ortodoxia (online), 2012, disponível em
<https://docs.google.com/viewer?a=v&pid=sites&srcid=ZGVmYXVsdGRvbWFpbnx3d3dkaWFsZXRpY2Fjb21icnxne
Do0ZWM1NzVlM2RkYzJhZDRi>, acesso em: 10 de setembro de 2020.
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desde que melhorem, de fato. Não importa o que o homem moderno faça para progredir, não devemos
esquecer que aquilo que é feito, sempre será feito por ele.
Concluímos nossa dissertação com um pensamento de Blaise Pascal: “Conhecemos a
verdade, não somente pela razão, mas ainda pelo coração; é desta última maneira que conhecemos os
primeiros princípios, e é em vão que o raciocínio, que deles não participa, tenta combatê-los”12,
portanto, não pedimos o abandono da razão, mas que ela volte a integrar todo o organismo humano,
em sua função harmônica com as outras potencialidades, inclusive os sentimentos. Talvez a razão
pura não seja capaz de sensibilizar um grande empresário a perceber que aquele feto, ou aquela
criança ou aquele operário é tão capaz de ser humano quanto ele. Talvez a razão pura não seja capaz
de sensibilizar um grande filósofo de que ele não é tão grande assim, e de que sua filosofia, por mais
atraente que seja, não passa de sua filosofia, tendo esta tanta beleza apenas quanto se confunde com
o que é verdadeiro, não com o que tem de moderno.
REFERÊNCIAS