Street em seu livro Letramentos Sociais – Abordagens críticas do
letramento no desenvolvimento, na etnografia e na educação coloca em cheque os modelos de letramentos mais vigentes e busca um entendimento mais amplo das consequências do letramento na cultura e na sociedade. E para isso ele tenta construir um modelo de letramento ideológico que se estabelece exatamente como crítica ao modelo de letramento autônomo, proposta esta que evidentemente criou falsas afirmações durante o Ano Internacional da Alfabetização (1990) como a de que só com investimentos financeiros e institucionais em alfabetização faria com que os analfabetos aprimorassem suas habilidades sociais, letradas e cognitivas. Além de essa ser uma conclusão discriminatória para com as pessoas que apresentaram dificuldades em se alfabetizar, também trata de uma visão limitada e ocidental sobre o que é o letramento. E como se foi apresentado em alguns exemplos na história esse tipo de olhar sobre a alfabetização tenha sido um dos principais problemas na questão de se estabelecer um modelo de letramento que atenda de maneira satisfatória as necessidades de certas comunidades.
Por esse motivo o autor em primeiro momento já argumenta como um modelo
único de letramento já se torna uma complicação na educação, pois o letramento em certos ambientes requerem debates políticos em que se torna necessário uma flexibilidade que só um leque de modelos de letramentos diferentes consegue suprir, onde não é uma decisão que parte apenas de técnicos e especialistas que se afirmam como neutros, mas estão inseridos em seus meios e que por sua vez pode carregar seus preconceitos e dogmas. Assim, o primeiro capítulo tenta elencar como prioridade o ato de “Trazer o letramento para a agenda política”, porque o caráter ideológico do letramento fica evidente quando se percebe que a questão não está apenas na transmissão de técnicas de leitura e escrita, mas também na transmissão de ideias e modelos de visão de mundo passando o que é conhecimento, o que é a verdade e o como funcionam as formas de poder.
Diversos momentos históricos mostram como as formas de letramento de
certas sociedades tendem a desvalorizar e apagar outros modos de letramentos que podem também ser usados de maneiras eficazes, isso fica claro principalmente em situações de colonizações tanto modernos como mais antigas e o fato de esses estilo de letramento passa ter um objetivo de controle e de dominação perante as sociedades colonizadas. Por isso que não é certo afirmar que o debate está focado no repasse de modelos de leitura e escrita, como já dito antes, mas sim em uma discussão muito mais ampla de influência cultural quando se trata de passar formas dominantes de letramento e configuração cultural. Deste modo, no segundo capítulo Street passa a abordar “a importância do contexto social no desenvolvimento de programas de letramento” mostrando que as pessoas não são máquinas vazias onde se apenas inserido conhecimento e que geralmente as campanhas de letramento escondem seus interesses políticos e econômicos por trás de técnicas neutras que disfarçam por meio de sua linguagem científica seu caráter dominante das relações de poder estabelecidas.
Para investigar mais sobre o tema o autor se lembra que os programas de
letramento nos anos 80 usavam de um método etnográfico, conceito originado da antropologia que se valem do convívio no grupo, aprendizagem da língua e coleta de dados para estudar os padrões sociais e culturais de respectiva comunidade. Partindo de estudos etnográficos próprios sobre o Irã, o autor passa a defender que só a etnografia não é suficiente para explorar as capacidades que o letramento pode produzir. Para tratar sobre o tema o livro usa como base a obra The Uses of Literacy de Richard Hoggard e análises das referências culturais na antropologia desenvolvidas no Reino Unido nos anos 60 e 70. Os recursos didáticos usados para a educação do Irã no reinado de Reza Pahlevi construía o enunciado do sistema educacional usando da narrativa tradicional para mudar radicalmente a concepção de realidade do povo rural. Essa perspectiva surge, segundo o autor, na tentativa de aplicar modelos autonomos de letramento em que, como no exemplo do “cultoa carga”, os antropologos vêm os letramentos das culturas locais como algo ritualizado, irracional e equivocado. Já Street defende o oposto, porque os letramentos locais na sua visão estavam preenchidos pelos valores sociais do povo da Malenésia que respondiam a colonização inglesa afirmando a cultura local.