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01.

Mathias de Albuquerque era um português governador e comandante supremo das quatro


capitanias nordestinas de Pernambuco, Itamaracá, Paraíba e Rio Grande. No contexto, representa
os militares. Isso pode ser observado pela fala pelas falas ao Frei Manuel : "à merda com o juízo
humano. Quero saber se Calabar apontou nomes" e "E eu quase me surpreendo a contestar as
ordens que me chegam não sei de onde ou em nome de quem...". A primeira delas demonstra a
perseguição e a tortura no período ditadorial, já que Calabar é indagado e tem obrigação de falar
algo. Muitas vezes, os presos e torturados nem sequer tinham informações consideradas úteis ou
não estavam em condições psicológicas de dizê-las. A desumanidade com os opositores foi uma
marca forte da Ditadura Militar. A segunda declaração de Mathias mostra a hierarquia pesada
dentro das Forças Armadas, em que o que é dito não pode ser contestado, deve ser cumprido
rigorosamente. Existiam divergências dentro do próprio Exército sobre as posturas do Regime,
porém tudo era abafado e/ou reprimido.

Domingos Calabar é um personagem histórico, Senhor de Engenho na Capitania de


Pernambuco. Ele é retratado como traidor da pátria, pois nas invasões holandesas saiu das tropas
portuguesas para lutar com o lado holandês. Entretanto, a peça contesta a versão oficial dos fatos,
já que Calabar era brasileiro e pode ter pensado no melhor para seu país, não agindo de má fé.

Além disso, a peça traz Calabar enquanto os revoltosos do período ditadorial. O


personagem não tem falas, portanto explicita a realidade da época, na qual existiam várias
pessoas contra o sistema, mas elas permaneciam caladas. Calabar é o traidor demonizado pelos
portugueses - Governo. Após ser torturado e morto, Calabar tem a memória esquecida e é taxado
de traidor pelos poderosos. O livro contesta esse julgamento e apresenta todos os personagens
como traidores de maneiras diferentes.

Bárbara é a esposa de Calabar e simboliza as famílias que perderam filhos através da


repressão e as minorias silenciadas em geral. Na tentativa de preservar a memória do marido,
Bárbara enaltece Calabar como lutador e conhecedor de seu país. Ademais, certa interpretação
sexual de suas declarações fica em aberto. A Bárbara vai progressivamente sendo frustrada e
ficando mais sozinha e esquecida. Ela diz: "Sempre cem por cento cegos,

Cem por cento surdo-mudos.

Cem por cento sem perceber


A agonia".

Apenas com esse trecho percebe-se uma incitação à revolução, á contestação da suposta "ordem"
do período militar. Ela critica quem diz não "saber de nada" e permite que o Brasil continue
totalitário.

02. A omissão da voz do personagem principal traduz a falta do direto de defesa na Ditadura.
Com o Ato Institucional número 5, o acusado não podia se manifestar, o que representou a perda
de direitos civis básicos. Além disso, Calabar expressou o centro da resistência no período
ditadorial. O personagem principal também não participa ativamente da peça porque representa
os exilados, torturados, mortos e reprimidos. Desta forma, não cabe a ele dar a sua versão, pois a
mesma não era conhecida nunca. A partir da visão de outros personagens, principalmente de
Bárbara, podemos enxergar outra possibilidade, diferente da versão "oficial". Assim, a peça
procura questionar a versão orginal, utilizando-se da omissão de voz do outro lado da história.
Com isso, os autores conseguiram produzir um efeito de sentido muito interessante. Calabar,
quieto, lembra uma frase muito utilizada pelos militares: "cala boca".

03. A carnavalização é a transposição do carnaval para a linguagem da literatura. Sua base é a


inversão do cotidiano e a exposição de um mundo às avessas. Essa característica da peça almeja
romper a "ordem" pregrada na Ditadura. Existem diversos elementos que caracterizam a
carnavalização, escolhi três deles.

1) A profanação - ato de retirar de algo seu caráter sagrado. Através do Padre Frei Manuel, a
dignidade dos padres - e portanto da Igreja em geral - é questionada. No texto fica em aberto a
possibilidade do padre ter se envolvido com Ana de Amsterdã, uma prostituta. O objetivo é
mostrar os defeitos humanos de forma mais realista, retratando o lado "podre" da Igreja.
Inicialmente, no golpe militar, a Igreja Católica associou-se aos militares, na espera de um país
melhor e ainda religioso. Obviamente a Igreja temia a expansão do comunismo ateu que a
prejudicaria. Essa parceria foi desfeita com o tempo e a Igreja Católica se posicionou contra o
regime autoritário imposto. Entretanto, a "jogada" custou caro e mais uma vez provou que todos
agem em defesa de seus interesses.

2) As situações cômicas em geral. No texto, em várias passagens há uma exposição dos


personagens ao ridículo. Exemplo disso é quando Mathias de Albuquerque fala com o holandês
sobre vermes e outras doenças causadas principalmente pela falta de higiene. O fato de Mathias
ser poderoso, falar palavrão e ser exposto ao ridículo na peça serve para satirização do poder.
Toda "zombaria" com os militares era proibida e eles passavam uma imagem forte de
superioridade. Os autores pretendem romper com essa imagem.

3) Paródia. A alusão a personagens históricos e o uso da frase "50 anos em 5", marca de
Juscelino Kubitschek, acentua a agressão ao poder. As falsas promessas de um país melhor se
repetem e o Brasil não parece progredir. A utilização do passado é bem importante para o enredo
e incita a memória social para que o momento socio-político seja questionado.

04. Os projetos de Maurício de Nassau não são bem sucedidos. Em virtude do discurso político,
promessas que não podem ser cumpridas são comuns e têm como objetivo a ilusão da população
e a garantia do poder. O personagem pode aludir à toda conjuntura do período militar, na qual
todos os presidentes diziam estar melhorando o Brasil. Através da propaganda, da censura e da
repressão, os dados eram manipulados e grande parte da população alienada. Logo no início do
governo começou a propagação da propaganda institucional. Frases de efeito, músicas e slogans
eram disseminados por todo o país a fim de tornar os brasileiros orgulhosos e favoráveis ao
Regime.

05. As características que permitem enquadrar a peça dentro da proposta dadaísta são: a falta de
ordem na fala dos personagens, enaltecendo a polifonia; a simultaneidade e mistura de cenas; a
ausência de hierarquia - retratada tanto na alternância e tamanho de falas, quanto na
ridicularização de personagens poderosos; a agressividade e excentricidade exacerbada; e,
especialmente, na série de gêneros que a peça apresenta - música, disucursos, poemas e diálogos
informais. "Dada não significa nada", disse Tristan Tzara na vanguarda dadaísta, porém, a
agressividade e a rebeldia características do movimento expressavam a postura contra os valores
burgueses e a arte tradicional. Somado a isso, a Primeira Guerra Mundial neste período também
contribui para essa postura dos autores. Em Calabar, o processo é semelhante, o "dada" como
elemento de revolta. Com a aparente ausência de significado ao resgatar personagens históricos,
se faz alusão ao período atual, buscando com deboche criticar as autoridades, suas atitudes e
valores. A censura contribuiu para o uso desse recurso, já que, em tese, qualquer ofensa ao
Governo e/ou à seus valores padronizados não era tolerada.

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