Você está na página 1de 10

Entenda o conceito do

modelo “See now, buy now”


e suas ramificações para a indústria da moda
O desfile de moda já foi o evento
onde compradores de grandes lojas
e a imprensa se reuniam para ver
em primeira mão o que estava sendo
pensado e produzido pelos estilistas
para a próxima temporada. A saída
daquele show, que mostrava 15, 20,
30 peças, era marcada por ideias de
pautas de como traduzir os conceitos
vistos na passarela para as páginas
das revistas nos próximos seis meses
e para as listas de pedidos dos
revendedores. O “problema” é que
esse não é mais o caso há muito tempo.

Especialmente na última década,


os desfiles das semanas de moda
internacional deixaram de apresentar
apenas profissionais do mundo da
moda na primeira fila. Celebridades,
social influencers e até eu e você
começamos a ter acesso a esse mundo
e a divulgá-lo massivamente nas redes
sociais. Facebook, Instagram, Twitter,
Periscope e Snapchat, entre tantas
outras ferramentas de streaming e
compartilhamento de imagens, se
transformaram em plataformas de
divulgação para milhões de pessoas
do que acontecia nos pavilhões
ou sets elaborados. Aos poucos, as
próprias grifes entenderam esse
potencial e começaram a transmitir
seus desfiles ao vivo pela internet.
O alcance era gigantesco, assim como
o crescente desejo pelos produtos
que cruzavam a passarela.

Essa mudança, que pode até parecer


singela para os mais leigos, começou a
mexer com força com a indústria fashion.
Nos bastidores, começou-se a questionar
se esse hiato de seis meses entre os
desfiles e as peças chegarem às araras

02
prejudicava mais as marcas do que
efetivamente instigava as pessoas a
adquirir aqueles produtos. A ideia
era de que se perdia o momentum
de desejo do cliente, uma vez que
ele só poderia comprar a peça tanto
tempo depois, quando tudo já
parecia datado, conhecido, comum.

Pensando nisso, em 2016 algumas


grifes decidiram debutar um novo
conceito: o “See Now, Buy Now”,
ou “veja agora, compre agora” em
tradução livre. Esse modelo se baseia
em diminuir o tempo de espera entre
o desfile e a comercialização das
roupas apresentadas de seis meses
para um mês ou, no melhor dos casos,
logo após o desfile. A loja de luxo
britânica Burberry foi a precursora
do movimento em seu comentado
desfile em setembro de 2016, na
Semana de Moda de Londres.
Nos dias que se seguiram ao desfile,
todas as peças estavam disponíveis
nas lojas físicas e e-commerces da
grife. A virada foi tão grande que os
clientes que estavam na Barney’s
em Nova York ou em Beverly Hills
puderam acompanhar o desfile da
marca inglesa de dentro das lojas
e sair de lá com algumas peças
do desfile. Minutos depois.

As marcas Tom Ford, Tommy Hilfiger,


Rauph Lauren, Donatella Versace e
Marc Jacobs seguiram a tendência,
mas de forma um pouco mais comedida.
Alguns dos itens desfilados ficaram
disponíveis para compra nos dias
seguintes aos desfiles, em uma espécie
de pré-coleção-cápsula. O restante das
peças seguiu o padrão de seis meses de
espera até chegar às araras comerciais.

03
O modelo de negócio chegou até ao
setor de joias. Suzanne Syz é uma das
defensoras da ideia após as peças que
ela levou para ser comercializadas depois
da Semana de Alta-Costura de Paris
venderem em velocidade acelerada.

Neste ano, a tendência aportou também


em terras tupiniquins. Na sua 43ª edição,
a São Paulo Fashion Week introduziu
o conceito que foi ratificado rapidamente
pela Riachuelo na apresentação da
sua parceria com o estilista Karl
Lagerfeld e pela Ellus 2nd Floor.

Hoje, grandes nomes como


Moschino, Michael Kors, Pacco
Rabane, Courrèges, Rag & Bone,
Proenza Schouler, Diane Von
Furstebeng e Balmain também já
aderiram ao movimento “See Now,
Buy Now” disponibilizando algumas
peças de seus desfiles para ser
comercializadas nas horas e dias
após as semanas de moda.

No Brasil, a tendência ganha eco nas


passarelas da Animale, Patrícia Vieira,
Lolitta, Ratier, Lilly Sarti e À La Garçonne
e de Alexandre Herchcovitch. Lojas como
Osklen, Água de Coco e Memo aderiram
aos poucos ao modelo e encurtaram os
seus gaps, mas ainda fizeram com que
os clientes tivessem de esperar entre
um e dois meses para comprar as
peças que viram cruzar as passarelas.

04
Os efeitos A estilista Rebecca Minkoff, por outro
lado, afirmou recentemente em

financeiros do entrevista à revista Cut que as vendas


de sua marca têm crescido em média

modelo “See
64% desde que adotou a ideia do “See
Now, Buy Now”. Na visão do CEO da
empresa, Uri Minkoff, esse modelo se
Now, Buy Now” adequa melhor às necessidades de
uma marca como a sua “de preços
médios e estilo contemporâneo”.
A grande defesa do conceito “See Now,
Buy Now” é o ganho financeiro que ele - Isso [o “See Now, Buy Now”]
pode gerar. A regra é que, com o desejo funciona para nós. No caso de
ainda fresco na mente e o buzz do uma loja de luxo possivelmente ter
desfile ainda ecoando pelas redes sociais, um relacionamento longo com o
esse é o momento de fomentar as cliente e romantizar a compra de
vendas. Especialmente em um público uma peça por um período de
mais novo, imediatista e adepto das tempo pode ser ótimo. Mas nós
redes sociais como a juventude de hoje. trabalhamos com um nível de
compra mais espontâneo - resumiu
Os números referentes a essa Minkoff em entrevista também à Cut.
empreitada, no entanto, não foram
divulgados pelas marcas que aderiram Uma das únicas marcas que
ao projeto. O que se fala é que os divulgaram os números foi a Tommy
resultados foram positivos. A chefe Hilfiger. Os responsáveis pela grife
de relacionamento com investidores americana contabilizaram um
da Burberry, Charlotte Cowley, por
exemplo, afirmou após o segundo
desfile da marca inglesa apostando AUMENTO DE 900% NO
nesse modelo que a coleção foi ,
TRÁFEGO DO SITE DA
“extremamente popular” nas semanas
que seguiram o desfile e “trouxeram
EMPRESA NAS 48 HORAS
ótimos resultados comerciais”. DEPOIS DO DESFILE DE
SETEMBRO PASSADO
O presidente das lojas Bergdorf
Goodman e do Grupo Neiman Marcus,
Joshua Schulman, também foi esquivo assim como a venda de todos os
ao falar em números, mas garantiu em produtos disponíveis um dia após o show
entrevistas recentes que o melhor dia e o crescimento na casa dos dois dígitos
de vendas do ano para a marca Tom na saída de roupas femininas.
Ford nessas lojas foi no dia seguinte
aos desfiles, enquanto o “senso de
urgência” dos clientes ainda era alto.

05
Outro benefício que os defensores deste
novo paradigma falam tem relação com
a valorização dos desenhos originais.
Isso porque com o gap entre desfile e
comercialização cada vez menor, fica
mais complicada a possibilidade de se
“inspirar” em (leia-se copiar) outras
marcas para a criação das suas próprias
coleções. Por exemplo: uma marca fast
fashion de atacado dificilmente
conseguirá replicar algo que viu como
tendência nas passarelas em tempo
hábil para competir com as marcas
que apresentaram suas coleções
nas semanas de moda. Em síntese,
ganhariam a criatividade e o público,
que teria mais opções à disposição.

06
Os “poréns”: seguros; é menos criativo e menos
interessante. É verdade que a criatividade

o que dizem os está em risco. Ou então você terá de


bloquear a comunicação, o que seria
contra a tendência. Todos devem ficar
contrários ao “See em silêncio durante quatro meses,
desde os produtores de tecidos
Now, Buy Now” até os compradores e jornalistas?
Ainda estou para entender
como isso pode funcionar”.
Apesar de estar ganhando corpo em
várias semanas de moda pelo mundo, A consultora de moda brasileira
o movimento “See now, buy now” Gloria Kalil continuou: “Este sistema
também tem sua cota de opositores. de venda é um modo muito aceitável
E o grande polo contrário à proposta que as marcas criaram para se aproximar
se concentra no eixo França-Itália. do cliente final - mas que, a longo prazo,
As Semanas de Moda de Paris e de afeta a criatividade e o lado experimental
Milão se mostraram contrárias à e visionário da moda. Quem vai propor
proposta e afirmaram que irão uma silhueta nova, uma cor
continuar nos modelos atuais. diferente, uma proporção inusitada
se a roupa desfilada não pode
Algumas marcas também decidiram desafiar a percepção do consumidor?
reforçar sua frustração. As grifes O resultado dessa tentativa de dar a ele
Chanel e Dior reclamaram da apenas um passinho além do que está
proposta dizendo que não há tempo acostumado é termos nas passarelas
hábil para a produção das peças no coleções sem graça e totalmente dentro
curto período proposto pelo “See das tendências mais do que aceitas”.
now, buy now” e ainda manter a
qualidade das peças. Em comunicados, As marcas francesas Hèrmes,
elas reforçaram a importância do Saint Laurent e o estilista Ermanno
trabalho editorial e jornalístico para a Scervino também já garantiram que
divulgação de tendências e inovações no não irão acelerar as suas cadeias
setor - o que seria prejudicado se só produtivas para se adaptar.
houvesse uma ou duas semanas de
separação entre os desfiles e a No Brasil, Glória Coelho, Helô Rocha
comercialização. e Reinaldo Lourenço cancelaram suas
participações na última edição da São
Mas é no ponto referente à criatividade Paulo Fashion Week justamente porque
das coleções que as frustrações ao não conseguiram se adaptar ao
conceito se somam. A estilista italiana cronograma. Não se sabe ainda se eles
Miuccia Prada, por exemplo, desabafou estarão de volta para as próximas
em entrevista à revista Woman’s Wear temporadas. Afinal, a SPFW já avisou que
Daily dizendo que essa ideia faz com que em sua 44ª edição todas as marcas que
“acabe se comprando apenas itens desfilarem devem estar encaixadas no
modelo “See now, buy now”.
07
Afinal, quem
ganharia com
esse conceito:
as grandes ou
pequenas marcas?
Essa ainda é a pergunta de um milhão
de dólares nos bastidores da indústria
da moda. Há aqueles que afirmam
que as pequenas empresas poderão
se beneficiar mais no novo modelo
de calendário. As justificativas são que
suas estruturas mais enxutas (sem tantos
fornecedores e compradores envolvidos)
seriam mais facilmente adaptáveis e
que elas sairiam na frente em termos
de desenhos - já que se forem criativas
poderão competir de igual para igual
com as grandes marcas que não
tiveram tanta mídia devotada a elas.

No entanto, a estrutura pequena é


apontada por outros especialistas
como um dos grandes complicadores
das pequenas confecções para se
adaptarem. Um calendário nos moldes
do que está sendo proposto exige uma
capacidade de produção grande em um
período curto de tempo, o que pode,
na visão deles, inviabilizar a eficiência
dessas pequenas marcas.

Em meio a tantas dúvidas, contudo,


começa a se mostrar o nascimento
de um modelo híbrido: as marcas
selecionam alguns itens de seus desfiles
para serem comercializados logo após as
semanas de moda em forma de uma

08
“coleção-cápsula” e deixam o restante
das peças para serem produzidas com
mais calma e liberadas meses depois.
Desta forma, conseguiria-se tirar
vantagem da mídia gerada em torno dos
grandes shows e ainda assim manter um
pouco do “romance” e da criação de um
desejo mais longevo com os clientes.

A gerente de compras da cadeia de


lojas de departamento Selfridge & Co,
Heather Gramston, sintetizou bem
a mudança ao chamá-la de uma
“alternativa” ao modelo tradicional
de calendário para revendedores,
lojas e marcas, não uma obrigação.

Mas a resposta para se esse


conceito do “See Now, Buy Now”
realmente vai dominar o mercado
de moda será conhecida apenas
nas próximas temporadas.

09
Quer saber mais sobre
a indústria da moda?

ACESSE NOSSO BLOG

Você também pode gostar