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11/08/2021 Uma história oral do Movimento Negro Unificado por três de | Geral

INÍCIO  GERAL
NEGRITUDE
Uma história oral do Movimento Negro Unificado
por três de seus militantes
Regina Santos, José Adão e Milton Barbosa são colocados em diálogo para contar
trajetória do MNU
Bruna Caetano
Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
05 de Abril de 2019 às 12:29

Ouça o áudio:

11:22:20

José Adão (esq.), Regina (centro) e Milton (dir.) e imagens do primeiro protesto do MNU, em 1978 -
Colagem com imagens de Memorial da Resistência/Alma Preta/Arquivo Pessoal/Sérgio Silva/Ponte
Jornalismo

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11/08/2021 Uma história oral do Movimento Negro Unificado por três de | Geral

No ano de 1978, a ditadura militar prendeu, torturou e assassinou o feirante Robson


Silveira da Luz, acusado de roubar frutas em seu local de trabalho. No mesmo ano,
quatro garotos jogadores de vôlei foram discriminados pelo Clube Regatas do Tietê e o
operário Nilton Lourenço foi morto pela Polícia Militar no bairro da Lapa, em São
Paulo. A reação imediata da juventude negra para os ataques foi a articulação do
Movimento Negro Unificado (MNU), que pedia o fim da violência policial, do racismo
nos meios de comunicação, no mercado de trabalho e do regime, juntando setores de
todos espectros políticos.

A criação do movimento foi marcada por uma manifestação histórica que reuniu
milhares de pessoas na escadaria do Teatro Municipal de São Paulo, no dia 7 de julho.
Ao longo dos anos de ditadura e depois dela, o movimento foi fundamental para a
resistência e a luta por pautas que fossem em direção ao fim da discriminação racial no
país. O MNU contribuiu com a formulação de demandas do movimento negro à
Assembleia Constituinte de 1988, que deu origem à Constituição Cidadã.

Com quase 41 anos, o movimento obteve conquistas importantes como a demarcação


de terras quilombolas, a Lei 10.639, que prevê o ensino da história afrobrasileira nas
escolas, o crescimento - ainda que insuficiente - na quantidade de pessoas negras nas
universidades, e o fortalecimento da consciência racial dos jovens. Contudo, são muitas
as pautas que ainda necessitam de atenção, ainda mais após a eleição de Jair
Bolsonaro, fato que ameaça os avanços conseguidos até o momento.

O Brasil de Fato conversou com José Adão Oliveira e Milton Barbosa, que participam do
movimento  desde a sua fundação, e com  Regina Lucia Santos, no MNU desde 1996.
Eles contam sobre o surgimento do movimento, trazem momentos importantes e
avaliam as perspectivas de luta e resistência diante do governo Bolsonaro.

Como foi o surgimento do Movimento Negro Unificado? E quais as principais


reivindicações?

Milton Barbosa: O MNU foi criado no dia 18 de junho de 1978 para dar resposta à
discriminação racial de quatro garotos do time infantil de voleibol do clube Regatas
Tietê, e também à prisão, tortura e morte de Robson Silveira da Luz, trabalhador e pai
de família que foi preso no 44º Distrito de Guaianazes pelo delegado Alberto Abdala
por uma acusação de que ele havia roubado frutas na feira. Essas coisas revoltaram
muito a juventude negra da época, então fizemos uma reunião das várias entidades.

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Milton Barbosa no ato fundante do MNU. (Foto: Jesus Carlos via Memorial da
Democracia)

No período em que estávamos preparando a manifestação, na semana em que íamos


realizar o ato, foi preso e foi morto pela polícia militar o operário Nilton Lourenço, no
bairro da Lapa.   Então, esses foram os fatos imediatos que levaram a criação do
Movimento Negro Unificado. Foi feita uma discussão, levantados alguns pontos como
prioritários como a questão da violência policial, o racismo nos meios de comunicação
e no mercado de trabalho, a forma que pagavam menos para o trabalhador negro em
relação aos brancos. Várias questões foram indicadas.

Regina Lucia Santos: No momento da fundação, o pessoal do movimento na verdade


denunciava a inexistência da democracia racial tão falada inclusive pelo regime militar.
Essa é uma diferença. Hoje, na verdade a gente já teve presidentes no Brasil que
reconheceram a existência do racismo no Brasil.

José Adão Oliveira: Foi muito difícil e ao mesmo tempo estimulante porque tinha dois
fatos concretos que exigiam uma resposta não usual pelo regime militar. Há que se
ressaltar que as entidades negras culturais continuavam os seus processos de
valorização da raça negra mas os grupos que faziam a militância política, como o
Núcleo Negro Socialista/Grupo Afro Latino America e Decisão (CECAN) já haviam
intervido em plena celebração do "13 de Maio", Dia da Lei Áurea, no palco no Largo
Paissandu, onde havia setores da Comunidade Negra e Autoridades representantes do
Governo Militar. Distribuiu-se um Manifesto denunciando a falsa abolição da
Escravatura e lançando o "13 de Maio" como Dia Nacional de Denúncia do Racismo.
Além disso, atuamos nas passeatas pela abertura democrática, pela Anistia e apoiamos
as greves metalúrgicas no ABC [região metropolitana de São Paulo].

Milton: O movimento juntou setores de esquerda, de centro, de direita. Juntamos todo


mundo quando criamos o MNU, então fizemos um ato público porque tinha que ser um
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processo vitorioso para enfrentar a ditadura militar, que pegava pesado. Realizamos um
ato nas escadas do Teatro Municipal. Articulamos setores da imprensa nacional e
internacional e a manifestação estourou nos jornais e rádios do mundo todo. Foi um
processo importante na luta de negros e negras aqui no Brasil.

Ao longo do tempo, setores foram saindo fora, foram para partidos de direita. Houve
esse processo natural mas foi de fundamental importância juntarmos todas as forças
para criar o Movimento Negro Unificado, e foi um processo vitorioso que levou ao
avanço da luta do negro no Brasil no combate ao racismo e violência policial. O MNU
veio em resposta a esses ataques sistemáticos sobre a população negra, a juventude
negra. Hoje entendemos que há um projeto de genocídio da população negra no Brasil.

Regina: Naquele momento, a gente reivindicava o ensino da história da África e dos


afrobrasileiros, hoje já existe a Lei 10.639, que dá conta dessa pauta, mas ainda
lutamos pela aplicação plena dessa lei. Em todas as outras reivindicações, a gente tem
caminhado, mas ainda são pautas muito parecidas. A tentativa de invisibilização do
negro tem sido vencida por conta da luta que o movimento travou, e hoje a gente faz a
denúncia sistemática de quando o negro aparece só de forma caricata, estereotipada. A
pauta de luta é a mesma, ainda lutamos contra o racismo em todas as formas. O
religioso, econômico, ainda estamos lutando em todas as frentes que eram
reivindicações na época e continuam atuais.

Regina, ao microfone, seguida por Milton  e José Adão  durante ato de 40 anos do MNU.
(Foto: Sérgio Silva/Ponte Jornalismo)

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Milton: As reivindicações são muito parecidas, mas há aspectos de diferenças


conjuntural. Por exemplo, o carnaval desse ano foi um carnaval avançado, politizado,
as escolas de samba fizeram denúncias da morte da Marielle, do racismo no Brasil. As
discussões que a gente fazia no movimento, hoje se esparramou. As escolas tiveram um
papel importante para mostrar o racismo brasileiro, que é algo que a sociedade sempre
tentou esconder. Vários setores da cultura negra, como as escolas de samba, avançaram
e hoje fazem um trabalho progressista, de denúncia do racismo. As religiões de matriz
africana também preservaram a cultura africana no Brasil, e inclusive preservam coisas
mais profundas que em África.

As próprias escolas falaram da importância das religiões de matriz africana. Tem


setores que demonstram que há um avanço importante, e não é mais algo que fica na
discussão de movimentos e grupos de negros nas universidades. São questões que
avançaram e tomaram a dimensão de luta de massa. O mundo tem consciência que o
africano foi o primeiro ser do mundo, então tudo o que existe de cultura vem dos
africanos, e isso não é pouca coisa. Isso interfere no dia a dia do negro e da
humanidade como um todo.

José Adão: No momento da fundação as pautas eram a violência policial, a


discriminação, a igualdade e a participação democrática. Mas estas eram pautas quase
que conceituais exclusivas dos grupos negros culturais, de teatro e grupo político de
esquerda trotskista. Todos os demais setores de esquerda eram contrários a pauta
racial, sem exceção. Hoje conquistou-se uma unanimidade quanto a necessidade de
solução do problema racial no Brasil e embora não haja o consenso de como solucionar
a questão, o único partido totalmente contrário é   Democratas (DEM) que representa as
forças do atraso colonial. Mas Isto é compreensível porque é o partido das famílias
herdeiras do período escravista.

Quais foram os momentos mais importantes para a história do MNU?

Regina: Tem um momento ímpar para a história do Movimento Negro Unificado, que
foi a participação na discussão da Constituinte, e o papel do negro na Constituinte. O
MNU teve um papel muito importante nesse momento. Acho que há momentos
significativos como o da promulgação da Lei 10.639 . Os fundamentos da lei já eram
colocados no primeiro programa de ação do MNU.

Milton: Para mim, foi quando decidimos no dia 4 de novembro de 1978 transformar o
dia 20 de novembro no Dia Nacional da Consciência Negra, em uma assembleia
nacional em Salvador, na Bahia. Esse foi um momento de extrema importância. O
próprio ato do dia 7 de julho foi muito importante. Algumas figuras que tiveram o
papel histórico fundamentais que se constituíram dentro do Movimento Negro
Unificado, como Lélia Gonzales, Luiza Barros, e mais algumas outras figuras históricas
que ainda estão vivas fazendo um trabalho fundamental. Tivemos também marchas que

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foram realizadas no mês de novembro, em 1995, em Brasília, o primeiro seminário


nacional que fizemos com os quilombolas. Tem momentos que são inesquecíveis para
nós, militantes, para dar um norte político na nossa luta.

Quais as principais conquistas do movimento negro no Brasil?

Regina: As principais conquistas são a Lei 10.639, a juventude negra estar assumindo a
herança negra, a re-contação da história, tudo isso são conquistas provenientes do
movimento negro em geral, e em particular do MNU. Temos momentos marcantes, por
exemplo, agora aos 40 anos do MNU é um momento de extrema grandeza porque a
gente refez todos os passos feitos há 40 anos atrás, e percebemos que caminhamos
muito mas ainda temos muito o que caminhar. Temos que deixar plantada a semente
para os próximos 40, então há momentos extremamente significativos e muitas
conquistas, porque na verdade há 40 anos atrás era proibido se falar em racismo, nas
questões dos negros, na desigualdade racial. O negro continua sendo minoria nas
universidades, mas além de minoria, era invisibilizado e hoje estamos na luta para
visibilizar a contribuição do negro.

José Adão: Conquistamos algumas políticas históricas e outras afirmativas, como a


titulação de terras quilombolas, o reconhecimento de Zumbi dos Palmares como herói
nacional, a lei 10.639/2003 que institui a história da África e dos afrodescendentes na
história oficial, a lei de Cotas Universitárias e no Serviço Público. Este é o panorama
geral mas a principal diferença é que a juventude acessou a universidade e utiliza a
própria metodologia científica para derrubar e desmascarar todos os argumentos e
justificativas para a existência do racismo no Brasil e no mundo.

José Adão Oliveira aponta o fim do genocídio da juventude negra e o combate ao


feminicídio como prioridades. (Foto: Alma Preta/Reprodução)

E quais as principais reivindicações hoje?

Regina: Acho que uma das principais pautas hoje é contra o genocídio da juventude
negra, da população negra em geral, o fim do racismo religioso. Eu acho que outra
questão importante é a educação não ser colocada só a partir da história do europeu,
mas principalmente do povo negro e indígena. Nós temos reivindicações muito fortes
que são todas de combate ao racismo existente no país. A questão do acesso às terras
quilombolas, a educação não centralizada na filosofia judaico-cristã européia, e a
questão do papel da mulher negra são também pontos-chave.

O que as escolas de samba esse ano fizeram, de contar a história desse país por uma
religiosidade de matriz africana, mostrar o cotidiano da população brasileira e a
resistência na luta sob o ponto de vista da população negra. Acho que essa é uma
reivindicação muito forte. E nesse bojo todo está a questão da reparação histórica,
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porque todo esses itens entram na questão da herança que a escravização e o


colonialismo deixou na questão do racismo continuado.

José Adão: Pessoalmente, aponto: o fim do genocídio da juventude negra, fim do


feminicidio em geral, implementação dos planos de educação com a lei 10.639/2003 e
verdadeira democracia racial com efetiva ocupação de cargos por meio da lei de cotas
raciais gradativas crescentes articulada com a paridade de gênero e raça.

Quais os desafios que o período atual impõe sobre o movimento?

Regina: Os desafios que o governo Bolsonaro e a extrema direita impõem ao


movimento negro são enormes, porque eles avançam sobre conquistas históricas que
acabaram beneficiando a população negra. A retirada desses direitos primeiramente
atinge os negros. A questão da Reforma da Previdência, por exemplo, já que quem com
certeza não se aposentará será a população negra, pobre e periférica. Se a gente der
uma olhada na expectativa de vida nas periferias de São Paulo, onde está a população
negra, a gente percebe que os negros nunca chegarão a aposentadoria por essa reforma
do governo Bolsonaro.

Os desafios são extremos, e temos que lutar com todas as forças para que a gente não
perca os direitos conquistados até hoje. Já se fala em acabar com as cotas nas
universidades e nos concursos públicos, o que é uma conquista do movimento negro.
Nós temos uma luta de vida, na verdade, contra esse governo.

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Primeiros atos do MNU comparavam o Brasil ao apartheid sul-africano. (Foto: Jesus


Carlos via Memorial da Democracia)

Milton Barbosa: A extrema direita está forte no mundo, e aqui no Brasil não é
diferente. Eles têm o papel de tentar retirar as conquistas, e vamos que ter que
enfrentá-los em todas as frente. Com os trabalhadores, nas entidades culturais, escolas
de samba, grupos de capoeira, religiões de matriz africana e outras áreas, até mesmo a
igreja católica vai estar desenvolvendo setores de combate ao racismo, porque ele é
utilizado por um setor reacionário do capital para nos explorar. Além do MNU e setores
importantes do movimento negro vão estar dando norte para a luta e se juntar com
forças progressistas e darmos os próximos passos.

José Adão: O cineasta brasileiro Glauber Rocha classificou, em 1972, o racismo como o
"câncer do Brasil" e o físico Albert Einstein, em 1946, em palestra na Lincoln
University classificou o racismo como doença de pessoas brancas. O governo Bolsonaro
e a extrema direita não colocam nenhum desafio novo para o Movimento Negro
Unificado, apenas esta agudizando uma doença já diagnosticada na mentalidade das
ricas famílias herdeiras do escravismo brasileiro.

A constituição e o lançamento do MNU foi uma resposta a um efeito cuja causa é uma
doença mas a origem está no orgulho, no egoísmo, na frieza de sentimentos e na má
vontade. Então a articulação e fortalecimento do movimento está em sermos coletiva e

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individualmente mais amorosos, afetuosos, solidários e pró-ativos em tudo que


valoriza e vitaliza coletivamente a população negra. Devemos ser protagonistas e
exemplificadores destes valores.

Edição: Pedro Ribeiro Nogueira

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