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Resumo: Demonstra que, se a pobreza na América Latina é explicada pelo tipo de inserção
internacional determinado pelo capital, a desigualdade é ampliada principalmente por razões internas
ao corpo social. A redefinição das trajetórias de desenvolvimento nunca se concretiza. Pelo contrário, a
superexploração da força de trabalho é reproduzida e a modernização da sociedade determina uma
inserção no contexto internacional a partir de ideologias, mitos e uma cultura política alheios a sua
realidade. No entanto, não se trata de cultivar o nacionalismo cego e exótico. A questão social latino-
americana só pode se resolver por meio de uma ruptura com os padrões atuais e os recentes
acontecimentos políticos da região parecem apontar nesta direção.
Palavras-chave: América Latina. Desigualdade Social. Desigualdade Econômica.
Abstract: The article shows that poverty in Latin America countries can be explained by international
context imposed by capitalistic relations. Social development is based on over exploitation of work
force. In addition, there is a reproduction of an ideology and a political culture that doesn’t recognize
the exploitation as a result of the modernization based on inequality. In this context, a disruption is
necessary and the recent events seem to be an alternative for the continent.
Keywords: Latin American. Social Inequality. Economics Inequality.
E
ste artigo trata do continente latino
Itália. No caso dos negros e índios, a in-
americano enquanto um espaço
fluência é valorizada em maior ou menor
geoeconômico específico. A partir
grau conforme as condições de sobrevi-
de sua inserção no contexto mundial, e
vência que lhe foram impostas.
tendo em vista o desenvolvimento in-
terno de aspectos sociais, políticos e A estrutura colonial latino-americana
culturais comuns aos diversos países que traduziu-se sob a forma de pluralidade
o compõem, procuramos interpretar a étnica não só primordialmente no inte-
realidade latina apesar da diversidade rior de cada nação, mas também entre os
encontrada em seu interior. Desse modo, diversos países entre si. A identidade
no primeiro item, apresentamos alguns indígena, africana e européia se deu de
traços históricos e sociais que justificam a forma diferente, fazendo com que cada
denominação de América Latina para o povo se identificasse mais com essa ou
conjunto dos países que a compõe. No aquela origem. Nos países andinos e da
segundo, destacamos o multicultura- América Central, por exemplo, a contri-
lismo como atributo fundamental dos buição cultural e étnica dos povos indí-
povos da América Latina e responsável genas é preponderante; já no Brasil,
pela sua especificidade frente às outras Cuba e Haiti a influência africana é
culturas. No terceiro e quarto itens, de- maior, enquanto nos países do cone sul a
senvolvemos, a partir dos conceitos de miscigenação dos povos europeus com
colonialismo interno e superexploração os índios, e em menor escala com os ne-
da força de trabalho, as razões comuns gros, é mais uniforme2. Portanto, a Amé-
para a manutenção do subdesenvolvi- rica Latina constitui um amálgama, a
mento deste continente ao longo dos sé- partir de um conjunto de heranças co-
culos. muns expresso pelo multiculturalismo
de seus povos. Esta diversidade é fruto
do processo histórico-estrutural imposto
Aspectos históricos e sociais
pela colonização e constitutiva do caráter
étnico-cultural do povo autóctone.
A América Latina é uma área cujas ca-
Para se demonstrar como essa evolução
racterísticas principais são a especifici-
particulariza a América Latina frente ao
dade de sua colonização e a desigual-
restante do mundo – no que diz respeito
dade econômica e social em proporções
ao desenvolvimento social e econômico –
não encontradas em outras regiões do
, a comparação com as ex-colônias afri-
mundo.
canas, com a Índia ou com os países ori-
No que diz respeito ao tipo de coloniza- entais é esclarecedora. Embora também
ção, à origem ibérica, portuguesa e espa- colonizadas, elas mantiveram – e man-
nhola, juntou-se a contribuição cultural
dos escravos e a herança indígena, além 2Para uma análise mais detalhada das origens e
da influência das potências européias da diversidade da conformação política e social dos
países latinos, ver Stein (1989).
têm até hoje – aspectos históricos, cultu- ções dos setores mais produtivos em re-
rais e econômicos específicos, anteriores lação aos menos produtivos aumentaram
ao processo de mundialização e impor- em média entre 40% e 60%, no período
tantes para o corpo social e para o pro- de 1990 a 1994 (PIZARRO, 2001).
cesso produtivo local atual. É importante Em geral, as nações latinas apresentaram
destacar a distinção entre globalização e uma distribuição dos ganhos de produ-
este termo. Conforme observado por tividade prejudicial às classes mais po-
Chesnais (1996), o termo mundialização
bres. O caso da Argentina é o mais repre-
utilizado pelos franceses remete ao mo- sentativo, com alta de 8,1% na taxa de
vimento de integração mundial a partir crescimento da participação da remune-
dos primórdios da formação do capita- ração dos setores mais produtivos contra
lismo. O termo globalização, por sua vez, uma alta de apenas 1,4% dessa participa-
designa o aprofundamento desse movi- ção quando mensurada apenas para os
mento sob condições específicas da re- setores de baixa produtividade
produção do capital atual.
(PIZARRO, 2001). O mesmo ocorre no
Nesse sentido, fica claro que os países período atual em que a globalização tem
latino-americanos são frutos exclusivos sido responsabilizada pela manutenção
do processo de mundialização, diferenci- da desigualdade de renda, precarização
ando-se das demais ex-colônias incorpo- do trabalho, aumento do desemprego e
radas à dinâmica econômica dos países perda de direitos e garantias anterior-
centrais. O processo de colonização la- mente conquistados. Nem mesmo as po-
tina se deu a partir da tentativa de elimi- líticas sociais pontuais são suficientes
nação dos povos autóctones e de cons- para reverter o aumento dos custos soci-
trução de uma sociedade com base em ais, decorrentes da reestruturação eco-
mitos e representações culturais com- nômica imposta pela globalização, à me-
pletamente dominadas pelo pensamento dida que se agrava a vulnerabilidade
liberal. social dos setores mais desfavorecidos.
No que diz respeito à desigualdade de Desse modo, as políticas neoliberais não
renda, a América Latina apresenta histo- obtiveram os efeitos positivos tão propa-
ricamente os piores índices do mundo. gados e o resultado final é a manutenção
Essa característica não depende do tipo da secular e estrutural desigualdade em
de padrão de acumulação e/ou dos ciclos todo o continente. A entrada do México
econômicos. Embora o caso do milagre no Tratado de Livre Comércio (TLCAN),
brasileiro seja o melhor exemplo, quando por exemplo, não surtiu os efeitos espe-
a concentração de renda e a desarticula- rados. A despeito do aumento inicial do
ção de amplos segmentos da sociedade nível de emprego, o resultado demons-
ocorreram concomitantemente ao cres- trou-se desastroso. A destruição de pos-
cimento econômico, as defasagens entre tos de trabalho e de ocupações tradicio-
as remunerações dos profissionais mais nais em função da especialização voltada
qualificados em relação aos trabalhado- para a exportação acabou por prevalecer.
res com baixa produtividade continuam Em termos de repartição de renda, o re-
aumentando. Por exemplo, as remunera- sultado foi que mais da metade da renda
que não obteriam de outra forma, e isto continente atende apenas às necessida-
tanto nas regiões mais desenvolvidas des econômicas de cada fase do capita-
quanto nas mais atrasadas. A Média lismo, conforme as necessidades dos paí-
Luna na Bolívia, as disparidades regio- ses hegemônicos, de forma dependente e
nais entre São Paulo e o Norte e o Nor- sem que haja evolução significativa no
deste brasileiro, entre a região de influ- desenvolvimento das forças sociais.
ência de Buenos Aires e o noroeste e o
sul da Argentina, etc. resumem bem a
Os efeitos internos da dependência
forma como o colonialismo interno se externa
reproduz: por meio da exploração de
uma população sobre outra. E, o mais
importante, é justamente por meio das A estratificação decorrente desse pro-
concessões políticas e econômicas que as cesso é produto tanto da expressão do
populações fazem com que o sistema se conjunto das relações de produção capi-
reproduza continuamente. Essas conces- talista quanto do domínio político e ide-
sões, realizadas através da distribuição ológico interno que atende exclusiva-
de direitos e benefícios materiais entre as mente as classes mais favorecidas. Ela
oligarquias retirados de uma parcela não se limita ao aspecto econômico, mas
cada vez maior da população, implicam é principalmente a expressão desse fe-
necessariamente o aumento das desi- nômeno que se reproduz socialmente
gualdades. A concentração de renda e a através da história. Isto é:
exclusão social inerentes ao capitalismo
[...] a economia exportadora é, então, algo
atingem patamares acima do nível nor-
mais que o produto de uma economia
mal, assumindo caráter estrutural. internacional fundada na especialização
O crescimento econômico na América produtiva: é uma formação social baseada
no modo de produção capitalista [...]
Latina não produz nenhuma alteração
(MARINI, 2000, p. 134).
significativa do nível de pobreza abso-
luta9, nos baixos níveis de escolaridade e
no acesso à saúde. Ao longo de sua his- Desde o início, a América Latina consti-
tória, o continente vivencia crises recor- tui parte integrante e especializada do
rentes e pobreza crescente, mesmo em mercado mundial e permite, ao propor-
épocas de crescimento econômico, sem cionar condições para a diminuição do
que a aliança entre as classes mais privi- valor da força de trabalho, que os países
legiadas e o apoio que estas detêm se centrais se concentrem na produção de
abale. Ademais, a cultura política latino- bens cujo valor agregado é cada vez
americana não apresenta qualquer solu- maior. Estabelece-se, então, o intercâm-
ção para esse problema. Apesar de in- bio desigual entre as nações e mantém-se
corporar o conjunto de valores e ideais indefinidamente a dependência baseada
da democracia ocidental, a inserção do na divisão internacional do trabalho.
Essa dependência condiciona o desen-
9 Sobre a relação entre políticas econômicas, volvimento sócio-econômico e está ex-
crescimento econômico e redução dos níveis de pressa nas relações comerciais e financei-
pobreza absoluta ver Salama e Valier (1994).