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América Latina: da desigualdade social à desigualdade econômica

Luiz Jorge V. Pessôa de MENDONÇA*

Resumo: Demonstra que, se a pobreza na América Latina é explicada pelo tipo de inserção
internacional determinado pelo capital, a desigualdade é ampliada principalmente por razões internas
ao corpo social. A redefinição das trajetórias de desenvolvimento nunca se concretiza. Pelo contrário, a
superexploração da força de trabalho é reproduzida e a modernização da sociedade determina uma
inserção no contexto internacional a partir de ideologias, mitos e uma cultura política alheios a sua
realidade. No entanto, não se trata de cultivar o nacionalismo cego e exótico. A questão social latino-
americana só pode se resolver por meio de uma ruptura com os padrões atuais e os recentes
acontecimentos políticos da região parecem apontar nesta direção.
Palavras-chave: América Latina. Desigualdade Social. Desigualdade Econômica.

Latin America: social inequality to economic inequality

Abstract: The article shows that poverty in Latin America countries can be explained by international
context imposed by capitalistic relations. Social development is based on over exploitation of work
force. In addition, there is a reproduction of an ideology and a political culture that doesn’t recognize
the exploitation as a result of the modernization based on inequality. In this context, a disruption is
necessary and the recent events seem to be an alternative for the continent.
Keywords: Latin American. Social Inequality. Economics Inequality.

Recebido em 13.04.2009. Aprovado em: 24.09.2009.

*Doutor em Economia pela Université de Paris X, professor do Programa de Pós-Graduação em


Política Social (UFES). E-mail: ljvpmendonca@gmail.com

, Vitória, v. 1, n. 1, p. 78-91, jul./dez. 2009


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Introdução época, Inglaterra e França, e dos fluxos


migratórios em diversos momentos –
principalmente de Portugal, Espanha e

E
ste artigo trata do continente latino
Itália. No caso dos negros e índios, a in-
americano enquanto um espaço
fluência é valorizada em maior ou menor
geoeconômico específico. A partir
grau conforme as condições de sobrevi-
de sua inserção no contexto mundial, e
vência que lhe foram impostas.
tendo em vista o desenvolvimento in-
terno de aspectos sociais, políticos e A estrutura colonial latino-americana
culturais comuns aos diversos países que traduziu-se sob a forma de pluralidade
o compõem, procuramos interpretar a étnica não só primordialmente no inte-
realidade latina apesar da diversidade rior de cada nação, mas também entre os
encontrada em seu interior. Desse modo, diversos países entre si. A identidade
no primeiro item, apresentamos alguns indígena, africana e européia se deu de
traços históricos e sociais que justificam a forma diferente, fazendo com que cada
denominação de América Latina para o povo se identificasse mais com essa ou
conjunto dos países que a compõe. No aquela origem. Nos países andinos e da
segundo, destacamos o multicultura- América Central, por exemplo, a contri-
lismo como atributo fundamental dos buição cultural e étnica dos povos indí-
povos da América Latina e responsável genas é preponderante; já no Brasil,
pela sua especificidade frente às outras Cuba e Haiti a influência africana é
culturas. No terceiro e quarto itens, de- maior, enquanto nos países do cone sul a
senvolvemos, a partir dos conceitos de miscigenação dos povos europeus com
colonialismo interno e superexploração os índios, e em menor escala com os ne-
da força de trabalho, as razões comuns gros, é mais uniforme2. Portanto, a Amé-
para a manutenção do subdesenvolvi- rica Latina constitui um amálgama, a
mento deste continente ao longo dos sé- partir de um conjunto de heranças co-
culos. muns expresso pelo multiculturalismo
de seus povos. Esta diversidade é fruto
do processo histórico-estrutural imposto
Aspectos históricos e sociais
pela colonização e constitutiva do caráter
étnico-cultural do povo autóctone.
A América Latina é uma área cujas ca-
Para se demonstrar como essa evolução
racterísticas principais são a especifici-
particulariza a América Latina frente ao
dade de sua colonização e a desigual-
restante do mundo – no que diz respeito
dade econômica e social em proporções
ao desenvolvimento social e econômico –
não encontradas em outras regiões do
, a comparação com as ex-colônias afri-
mundo.
canas, com a Índia ou com os países ori-
No que diz respeito ao tipo de coloniza- entais é esclarecedora. Embora também
ção, à origem ibérica, portuguesa e espa- colonizadas, elas mantiveram – e man-
nhola, juntou-se a contribuição cultural
dos escravos e a herança indígena, além 2Para uma análise mais detalhada das origens e
da influência das potências européias da diversidade da conformação política e social dos
países latinos, ver Stein (1989).

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têm até hoje – aspectos históricos, cultu- ções dos setores mais produtivos em re-
rais e econômicos específicos, anteriores lação aos menos produtivos aumentaram
ao processo de mundialização e impor- em média entre 40% e 60%, no período
tantes para o corpo social e para o pro- de 1990 a 1994 (PIZARRO, 2001).
cesso produtivo local atual. É importante Em geral, as nações latinas apresentaram
destacar a distinção entre globalização e uma distribuição dos ganhos de produ-
este termo. Conforme observado por tividade prejudicial às classes mais po-
Chesnais (1996), o termo mundialização
bres. O caso da Argentina é o mais repre-
utilizado pelos franceses remete ao mo- sentativo, com alta de 8,1% na taxa de
vimento de integração mundial a partir crescimento da participação da remune-
dos primórdios da formação do capita- ração dos setores mais produtivos contra
lismo. O termo globalização, por sua vez, uma alta de apenas 1,4% dessa participa-
designa o aprofundamento desse movi- ção quando mensurada apenas para os
mento sob condições específicas da re- setores de baixa produtividade
produção do capital atual.
(PIZARRO, 2001). O mesmo ocorre no
Nesse sentido, fica claro que os países período atual em que a globalização tem
latino-americanos são frutos exclusivos sido responsabilizada pela manutenção
do processo de mundialização, diferenci- da desigualdade de renda, precarização
ando-se das demais ex-colônias incorpo- do trabalho, aumento do desemprego e
radas à dinâmica econômica dos países perda de direitos e garantias anterior-
centrais. O processo de colonização la- mente conquistados. Nem mesmo as po-
tina se deu a partir da tentativa de elimi- líticas sociais pontuais são suficientes
nação dos povos autóctones e de cons- para reverter o aumento dos custos soci-
trução de uma sociedade com base em ais, decorrentes da reestruturação eco-
mitos e representações culturais com- nômica imposta pela globalização, à me-
pletamente dominadas pelo pensamento dida que se agrava a vulnerabilidade
liberal. social dos setores mais desfavorecidos.
No que diz respeito à desigualdade de Desse modo, as políticas neoliberais não
renda, a América Latina apresenta histo- obtiveram os efeitos positivos tão propa-
ricamente os piores índices do mundo. gados e o resultado final é a manutenção
Essa característica não depende do tipo da secular e estrutural desigualdade em
de padrão de acumulação e/ou dos ciclos todo o continente. A entrada do México
econômicos. Embora o caso do milagre no Tratado de Livre Comércio (TLCAN),
brasileiro seja o melhor exemplo, quando por exemplo, não surtiu os efeitos espe-
a concentração de renda e a desarticula- rados. A despeito do aumento inicial do
ção de amplos segmentos da sociedade nível de emprego, o resultado demons-
ocorreram concomitantemente ao cres- trou-se desastroso. A destruição de pos-
cimento econômico, as defasagens entre tos de trabalho e de ocupações tradicio-
as remunerações dos profissionais mais nais em função da especialização voltada
qualificados em relação aos trabalhado- para a exportação acabou por prevalecer.
res com baixa produtividade continuam Em termos de repartição de renda, o re-
aumentando. Por exemplo, as remunera- sultado foi que mais da metade da renda

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total, equivalente a 54,2%, concentrava- institucional dos modelos europeu e


se nas mãos de 20% das famílias mais norte-americano. O que se pretende de-
ricas3. Mesmo com o Chile, baluarte dos monstrar é justamente o contrário: o
políticos neoliberais, tem ocorrido efeito problema advém da tentativa de seguir
semelhante em termos de desigualdade. modelos estranhos à realidade latina,
Apesar do sucesso relativo, a especiali- portanto incapazes de contribuir para a
zação da esfera produtiva completa- compreensão dessa questão.
mente voltada para a exportação (princi-
É necessário explicar a desigualdade da
palmente fruticultura, pesca, minérios e América Latina a partir de sua própria
cobre) não é suficiente para manter em história. A explicação do subdesenvol-
expansão o mercado de trabalho no vimento não pode se basear em padrões
ritmo necessário. As conquistas sociais alheios à construção e reprodução da
não avançaram em relação ao início da estrutura social e política específica de
década de 1970 e a desigualdade perma- nosso continente. As desigualdades eco-
nece no mesmo patamar de outrora e
nômicas e sociais observadas ao longo da
com tendência a aumento em determi- história são expressões de um mesmo
nados segmentos. A Argentina também fenômeno, cuja compreensão requer a
não foge à regra. Após a crise de 2001, articulação de três aspectos específicos
resultado direto das políticas neoliberais
da América Latina: o aspecto cultural, os
implementadas a partir a década de oi- aspectos sociais resultantes do período
tenta, o nível de renda, de emprego e o da colonização e a forma de inserção
grau de assistência social não chegam a econômica no contexto internacional.
compensar minimamente as perdas so-
fridas, destacando-se em particular a
crescente desigualdade4. Cultura e globalização

As explicações para esse problema são


diagnósticos de fundo moral, em que as O multiculturalismo é uma herança rica
mazelas do continente se devem à cor- e um trunfo para o desenvolvimento la-
rupção das classes dirigentes ou se fun- tino-americano. A pluralidade entre as
damentam em aspectos políticos, em que diversas nações e no interior de cada
o populismo tipicamente latino-ameri- uma delas é fundamento de uma identi-
cano é decorrente da falta de desenvol- dade latina comum e autóctone. Isto, no
vimento das instituições verdadeira- entanto, não deve obstruir outro aspecto
mente democráticas. Nos dois casos, re- importante: a de que a riqueza dessa he-
força-se a superioridade ética, moral e rança está justamente na sua continui-
dade. Trata-se de um continente em que
3 A esse respeito, consultar ACUÑA SOTO, V.;
a miscigenação não só é largamente pre-
ALONZO CALLES, M. La integracíon desigual de dominante, mas também é contínua e
México a TLC. México: Ed. Red Mexicana de atravessa todos os aspectos passados e
Accíon Frente al Libre Comercio, 2000. presentes que conformam à sociedade.
4 Sobre os efeitos da globalização financeira e da
As diferentes expressões culturais não
abertura comercial nos países da América Latina,
consultar GAMBINA. La globalizacíon económica-
devem ficar restritas aos guetos ou co-
financiera (2002). munidades autônomas (negros, imi-

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grantes e índios). É a partir da interação suas especificidades culturais, econômi-


entre elas – e delas com as influências cas e sociais.
mais recentes do exterior – que a cultura
As manifestações culturais latino-ameri-
latino-americana se elabora e se recons- canas expressam essas experiências den-
trói constantemente. Nesse sentido, a tro da trajetória ocidental. Nela está
união de culturas diversas compreende- sempre presente a percepção do homem
ria tanto a valorização das contribuições latino sobre o tipo de coação de aspectos
próprias da região quanto daquelas vin-
sociais resultantes do desenvolvimento
das dos países hegemônicos. A recusa de das relações econômicas de dominação, a
qualquer um dos pólos significa submis- partir da reinvenção e contestação per-
são ao mito construído pelas culturas manente decorrente do multicultura-
ocidentais dominantes. Em termos gerais lismo e da necessidade de mudança das
o que condições materiais de existência. Essas
manifestações podem e devem conter os
[...] devemos recusar da Europa e dos EUA
não são suas culturas, mas a imagem que
elementos da modernidade mesclados
querem ter da nossa (PERRONE-MOISÉS, com os aspectos locais, de modo a inter-
2007, p. 25). ferir ativamente no desenvolvimento
econômico e social das relações de pro-
A América Latina tem seu desenvolvi- dução.
mento pautado pelo exterior, pois foi É interessante observar como a literatura
desde sempre mundializada. A inserção latina demonstra a crença da sociedade
e o intercâmbio intenso com o exterior nos múltiplos aspectos de seu parentesco
em todos os aspectos sócio-culturais es- com o ocidente colonizador. Dom Pedro
tão na gênese de seu povoamento e de- Dinis Quaderna, personagem de Ariano
senvolvimento. Foram suas próprias ri- Suassuna, sintetiza essa dimensão cultu-
quezas, materiais e culturais, que fo- ral a partir de um ideal, já que ao se
mentaram a cobiça das nações hegemô- auto-definir como monarquista de es-
nicas, embora a presença dessas nações querda parece unir os fidalgos ibérico-
seja também parte integrante e constitu- brasileiros com os fidalgos brasileiros
tiva de sua história. A denominação negro-vermelhos e os Tapuias. A cons-
América Latina é bastante elucidativa a trução de um reino sertanejo representa,
esse respeito; foi cunhada sob o regime assim, o futuro sonhado de uma integra-
de Napoleão III para promover a influ- ção social sobre bases mais igualitárias.
ência francesa no continente, em contra- Já com Aureliano, personagem de
posição à influência saxônica que come- Gabriel Garcia Marques, observa-se o
çava a se impor. Ela comprova como a desencanto do personagem com o ideal
região foi incorporada definitivamente liberal. Esse personagem conforma-se
ao ocidente. Sua perspectiva de desen- com seu destino ao compreender que
volvimento e emancipação é pautada toda sua estirpe estava condenada a cem
pelos parâmetros ocidentais, sem que anos de solidão na cidade de Macondo, a
seja necessário com isso negar todas as um passado continuamente revivido

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apesar do aniquilamento paulatino da da metrópole modelo5. Aceita-se, por-


cidade. tanto, a impossibilidade de mudança
com o padrão de desenvolvimento vi-
A universalidade e a singularidade estão
gente que é, conseqüentemente, o padrão
lado a lado. São personagens idealizadas,
imposto pela potência hegemônica. Jorge
potencialmente reformadoras, pobres e
Luis Borges, com a personagem Funes, o
humildes, num contexto historicamente
memorioso, ilustra de forma singular a
dado, mas vivenciando destinos huma-
tensão entre a possibilidade de reinven-
nos decorrentes de uma necessidade so-
tar-se e a de manter-se prisioneiro de
cial objetiva: ultrapassar os limites mate-
uma dada realidade. Funes possui uma
riais da desigualdade que caracterizam a
memória prodigiosa, sendo capaz de
sociedade nos marcos jurídicos e sociais
lembrar com detalhes de qualquer mo-
do capitalismo.
mento de sua rica história. Ele é capaz de
Contudo, há uma tensão constante na dizer as horas com precisão de minutos,
cultura latina. Ela oscila entre dois pólos: mesmo não tendo relógio. Andando e
reinventar o próprio mundo ou aceitar equilibrando-se sobre um muro, assim
passivamente suas formas de expressão. como em qualquer outra situação, Funes
Por um lado, essa tensão expressa a pos- responde exatamente que horas são,
sibilidade de mudança das próprias for- como se trouxesse um relógio dentro de
mas de representação, de modo a fazê- si. É a América Latina presa em uma
las corresponder a um ideal latente, mo- temporaneidade pré-estabelecida, inca-
derno e cosmopolita, como podemos ob- paz de seguir qualquer rumo que não
servar no seguinte trecho: seja aquele já determinado de fora (nesse
caso, internalizado dentro de seu próprio
Além disso, num mundo atualmente
organismo). Seu horizonte de atuação
colonizado pelos Estados Unidos, a
América Latina pode converter-se numa está limitado ao momento presente, im-
opção cultural diversa dentro da possibilitando a reinvenção que pressu-
globalização. Isso não se conseguirá com o põe um lapso temporal mais amplo do
isolamento cultural, nem com o cultivo de que a realidade imediata. A riqueza his-
sua imagem folclorizada, mas com sua
tórica passa a ser o limite de sua experi-
entrada efetiva no conjunto de discursos
culturais de nosso tempo. Para se impor no ência, que por definição se resume ape-
discurso internacional, os latino- nas à reprodução das relações sociais em
americanos precisam dispor de condições sempre semelhantes. Portanto,
informações tão atualizadas, de armas desiguais.
conceituais tão afiadas e de formas
artísticas tão apuradas como aquelas de
que dispõem as culturas que ainda são 5 ‚[...] pretendo considerar a América do Sul não
hegemônicas (PERRONE-MOISÉS, 2007, p.
como vítima, paciente ou ‘problema’, mas como
27).
uma imagem especular na qual a Anglo América
poderá reconhecer as suas próprias enfermidades
e os seus ‘problemas’. Embora as Américas do
Por outro lado, ela pode significar a va-
Norte e do Sul se alimentem de fontes de
lorização de uma representação estili- civilização ocidental que são familiares a ambas,
zada e aceitar ser o reverso da imagem seus legados específicos correspondem a um
anverso e um reverso‛ (MORSE, 1988).

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A relação entre o cosmopolitismo e as Uma política realmente nacional não pode


raízes negras e indo-americanas passa a prescindir do índio, não pode ignorar o
índio. O índio é o alicerce da nossa
ser representada teoricamente pela clás-
nacionalidade em formação. A opressão
sica oposição entre metrópole e colônia, faz do índio inimigo da civilização. Anula-
atraso e modernidade, burguesia e pro- o, praticamente, como elemento de
letariado. Com esses referenciais, perde- progresso. Os que empobrecem e
se justamente o que há de mais rico e deprimem o índio empobrecem e
deprimem a nação. Explorado,
fecundo na América Latina. O desenvol-
ridicularizado, embrutecido, o índio não
vimento apresenta-se ora como uma pode ser um criador de riqueza [...]. Só
acumulação e ampliação de valores ma- quando o índio obtiver para si o
teriais, que não atendem às necessidades rendimento do seu trabalho é que vai
básicas da maioria absoluta da popula- adquirir a condição de consumidor e
produtor, que a economia de uma nação
ção, ora como um desafio cujo obstáculo
moderna requer de todos os indivíduos
a ser suprimido é justamente a diversi- (MARIÁTEGUI, 2005, p. 87).
dade das demandas sociais. No primeiro
caso, o objetivo é uniformizar os hábitos
Resumir o problema nos termos clássicos
e costumes de acordo com as necessida-
(metrópole/colônia, burguesia/proletari-
des históricas do padrão capitalista oci-
ado, atraso/modernidade) significa acei-
dental (no mínimo inadequadas ao ca-
tar a ideologia dos países desenvolvidos,
ráter latino). No segundo caso, procura-
desconsiderando as especificidades da
se isolar os atores sociais por meio da
região. Tal como ocorre com Funes, sig-
segmentação social e cultural. No en-
nifica virar presa de noções e conceitos
tanto, essa segmentação acaba por limi-
alheios à sua própria potencialidade.
tar a capacidade de desenvolvimento.
Significa abdicar de uma construção que
O caso da Bolívia é, atualmente, bastante incorpore a diversidade, como a perso-
representativo. O país tem a maioria da nagem de Dom Dinis, ou que possa
população indígena alijada dos benefí- construir sua própria história como faz a
cios econômicos, seja como produtores personagem de Garcia Marques. Em ou-
ou consumidores, embora esta constitua tras palavras, a América Latina passa a
o principal acervo étnico e cultural do reconhecer-se como um continente com
país. Nesse sentido, a ascensão de Evo potencial para se inserir bem no contexto
Morales à Presidência da República é um internacional. Mas esse potencial está
marco na América Latina. Aponta a sempre latente, nunca se realizando. O
construção de um caminho para inserir o ideal uniforme de metrópole moderna e
país no contexto mundial contemporâ- burguesa nega as possibilidades reais de
neo a partir – e em benefício – do que é um desenvolvimento adequado às con-
específico da formação histórica e social dições do povo latino-americano. Essas
boliviana. Referindo-se ao Peru, Mariá- classificações são específicas para a his-
tegui explicita bem a importância dos toricidade dos países hegemônicos e ide-
povos autóctones para o desenvolvi- ologicamente criam uma estrutura de
mento econômico: poder que perpetua e aumenta indefini-

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damente as desigualdades e o atraso das pectos foram predominantes em razão


relações sociais. dos colonizadores e do estágio em que se
encontrava o modo de produção da
época. Porém, com o avanço das relações
A estrutura de poder e o colonialismo
capitalistas, houve uma mescla maior
interno
entre essas duas características.

Nas sociedades latino-americanas, o pro- Cuando un sector de las clases dominantes


cesso histórico forjou um conjunto de locales se desdobló constituyendo un
relações sociais e políticas específicas. empresariado nativo, este no surgió ni más
capitalista ni más innovador que sus
Não houve, no sentido literal, integra-
antecesores; surgió, si, como el explotador
ção/incorporação da economia local ao de una nueva fuente de enriquecimiento
mercado mundial como ocorreu com as propiciada por la producción de
colônias de outros continentes. Houve a manufacturas, y creció en un contexto local
formação de uma nova sociedade, a par- y en una coyuntura mundial distinta a la
de los europeos, lo que lê imprimió un
tir da destruição em grandes proporções
perfil peculiar. Primero, porque creció al
das comunidades autóctones e da criação lado y no por encima de la oligarquía
e desenvolvimento de instituições base- latifundista y del patronato parasitario.
adas exclusivamente nos modelos dos Segundo, porque se multiplico en
colonizadores. A própria economia latina asociación y no en contraposición a la
explotación imperialista. Tercero, porque
foi criada como parte integrante do mer-
al surgir tardíamente jamás llegó a
cado mundial, naquela época em forma- disputar la hegemonía política a los viejos
ção. Mesmo no caso da América hispâ- estratos, contentándose con participar del
nica, onde houve inicialmente explora- sistema como un asociado menor con
ção do ouro e prata a partir da espoliação intereses específicos (RIBEIRO, 1978, p.
146).
das populações indígenas, as elites de-
senvolveram-se em função da implanta-
ção de atividades não tradicionais e com O desenvolvimento dos países latino-
a quase dizimação dos povos indígenas. americanos, mesmo durante o período
A espoliação foi – e continua a ser – da industrialização por substituição de
complementar às atividades econômicas importações, teve seu caráter patrimoni-
promovidas para atender as necessida- alista e foi reflexo dos interesses hege-
des de matéria-prima das metrópoles e mônicos externos. O termo moderniza-
constituir um mercado ampliado para os ção-conservadora6 define bem essa situa-
países centrais ou um espaço para a va-
lorização do capital financeiro globali- 6 Esta denominação foi cunhada a partir da
zado. descrição do processo de submissão/eliminação
da base econômica da classe burguesa nacional
As relações sociais de dominação con- no estágio imperialista de expansão do
cretizam-se na formação e desenvolvi- capitalismo. Processo este determinado pelas
mento de elites que mesclam característi- formas de intercâmbio econômico entre a
América Latina e os países centrais. Este
cas oligárquicas-patrimonialistas com as
intercâmbio possibilita apenas o
características burguesas-dependentes. desenvolvimento do subdesenvolvimento à
Durante a colonização, os primeiros as- medida que mantém a exclusão e os altos níveis

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ção. O desenvolvimento e a exploração A aliança entre os segmentos sociais de-


do mercado interno beneficiavam ao termina a trajetória do crescimento eco-
mesmo tempo os segmentos do empresa- nômico de modo a compatibilizar inte-
riado local, da oligarquia tradicional, e as resses de natureza distinta. O controle
multinacionais. No período atual de glo- das políticas de exportação e importação,
balização financeira, a evolução das rela- da política monetária, cambial e fiscal é
ções internas entre os diversos segmen- instrumentalizado com o objetivo de
tos sociais e o grau de dependência cada atender a essa aliança. Por exemplo, as
vez maior mostra que o quadro não políticas monetária e cambial na Vene-
apresentou mudanças substanciais. zuela eram implementadas para atender
Pode-se dizer que o caráter patrimonia- às necessidades do setor petrolífero e, ao
lista e dependente é incorporado, em mesmo tempo, transferir renda para as
diferentes graus, tanto na mentalidade elites locais, sem que o povo se benefici-
dos setores tradicionais (setor rural e asse da extração e produção do petróleo.
produção primária) quanto na dos mais Em linhas gerais, a abertura da conta ca-
modernos (setor urbano e industrial). pital e as altas taxas de juros permitem
Eles não são rivais como transparece em um lucro financeiro fácil, enquanto a es-
análises tradicionais, mas sim associados trutura tributária é extremamente regres-
em torno de um interesse comum e con- siva, penalizando as camadas mais po-
creto – manter e aumentar o processo de bres da população para beneficiar o ca-
acumulação, sem que a estrutura social pital estrangeiro, o empresariado e as
sofra alterações de base. oligarquias regionais.
A disputa política não se dá apenas entre A especificidade da América Latina re-
o interesse nacional versus os interesses side no fato de que a estrutura colonial,
externos ou entre o moderno versus o necessariamente heterogênea (cultural,
antigo. A disputa ocorre internamente institucional e economicamente), é tam-
entre segmentos sociais e econômicos bém amplificadora das desigualdades.
aliados. Essa associação de interesses Essa estrutura se baseou sempre na ex-
possibilita a exploração da força de tra- ploração de um segmento social sobre os
balho sob diferentes bases. O controle do demais. É interessante notar como o dife-
aparato do Estado é feito por grupos he- rencial de salários (renda do trabalho) é
terogêneos que dividem entre si as be- injustificável para os padrões das nações
nesses do crescimento econômico. Essa desenvolvidas, Estados Unidos e países
divisão não é equânime nem definida europeus, que servem de espelho para as
pelas forças do mercado. Ela é definida classes médias da sociedade. A diferença
politicamente. É esse o aspecto respon- entre o salário mínimo almejado pela
sável pela manutenção das desigualda- maior parte da população e o salário da
des em escala maior do que a encontrada classe média pode atingir dez ou vinte
em outras regiões do mundo. vezes mais do que os salários dos extra-
tos mais altos da classe média7. As classes

de exploração da força de trabalho (FRANK, 7 Segundo pesquisa do Instituto de pesquisa


1980). econômica aplicada (IPEA), em 2007, o

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sociais só se reconhecem como parte de social hegemônica é limitada pelas con-


um segmento social tendo em vista a de- dições pré-existentes, o que se configura
sigualdade dos segmentos menos favo- em reprodução contínua da exploração.
recidos, ou mesmos excluídos. Elas A relação de dominação e exploração
apóiam e por vezes demandam políticas faz-se de um grupo regional e social so-
que reproduzam essa triste realidade. bre outro e não apenas do capital sobre o
trabalho ou de uma elite local em nome
Em alguns casos, como na Guatemala, os
do colonizador europeu: criollos e brasi-
10% mais ricos da sociedade recebem
leiros exploravam-se mutuamente e não
46,8% da renda total, enquanto os 20%
apenas como meros prepostos dos colo-
mais pobres percebem apenas 2,4%. A
nizadores. O colonialismo interno, como
renda média dos 10% mais ricos atinge
definida por Casanova, é fundamental
63 vezes mais do que o valor da renda
para a compreensão da especificidade
dos 10 % mais pobres. No Brasil, o per-
latina, que não pode ser explicada sim-
centual da renda total que cabe aos 10%
plesmente pela relação clássica capital x
mais ricos é de 47,2%, enquanto os 20%
trabalho:
mais pobres recebem 2,6% da renda to-
tal. Na Colômbia, Chile e México a situa-
La estructura colonial y el colonialismo
ção é semelhante, com os 10% mais ricos interno se distinguen de estructura de
recebendo em média mais de 40% da clases, porque no son sólo una relación de
renda total e, respectivamente, 3,4%, dominio y explotación de los trabajadores
3,1% e 2.7% dos mais pobres recebendo por los propietarios de los bienes de
producción y sus colaboradores, sino una
20% da riqueza total. Nos países da
relación de dominio y explotación de una
América Central, na Argentina e Uru- población (con sus distintas clases,
guai o percentual de participação dos propietarios, trabajadores) por otra
mais pobres na renda total fica em torno población que también tiene distintas
de 4%. Igual situação é encontrada em clases (propietarios y trabajadores)
(CASANOVA, 1996, p. 241).
termos de desigualdade de acesso aos
serviços básicos: saúde, educação, sane-
amento etc. Além disso, mesmo os países É importante observarmos, dessa forma,
que apresentavam índices melhores, em- como os grupos de trabalhadores e pa-
bora ainda elevados de concentração, trões se comportam em relação aos de
houve deterioração nos anos 908. outras regiões ou setores. Em linhas ge-
rais, as classes de uma região mais adi-
Nesse contexto, as categorias tradicionais
antada exploram as mesmas classes de
utilizadas na explicação do atraso per-
outra região mais atrasada. Em nome da
dem seu poder explicativo e limitam o
modernidade, trabalhadores do meio
campo de ação dos povos latino-ameri-
urbano desenvolvido identificam-se com
canos. Tal como ocorre com Funes, o
medidas contrárias aos interesses da
personagem citado, a atuação da classe
classe trabalhadora de outros segmentos
produtivos, enquanto os empresários
rendimento médio dos 10% mais ricos é de R$
4850,00 e dos 10% mais pobres é de R$ 206,00. adotam políticas clientelistas com o ob-
8 Uma avaliação desses dados é feita em Ribeiro jetivo de manter vantagens pecuniárias
(2006).

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América Latina: da desigualdade social à desigualdade econômica

que não obteriam de outra forma, e isto continente atende apenas às necessida-
tanto nas regiões mais desenvolvidas des econômicas de cada fase do capita-
quanto nas mais atrasadas. A Média lismo, conforme as necessidades dos paí-
Luna na Bolívia, as disparidades regio- ses hegemônicos, de forma dependente e
nais entre São Paulo e o Norte e o Nor- sem que haja evolução significativa no
deste brasileiro, entre a região de influ- desenvolvimento das forças sociais.
ência de Buenos Aires e o noroeste e o
sul da Argentina, etc. resumem bem a
Os efeitos internos da dependência
forma como o colonialismo interno se externa
reproduz: por meio da exploração de
uma população sobre outra. E, o mais
importante, é justamente por meio das A estratificação decorrente desse pro-
concessões políticas e econômicas que as cesso é produto tanto da expressão do
populações fazem com que o sistema se conjunto das relações de produção capi-
reproduza continuamente. Essas conces- talista quanto do domínio político e ide-
sões, realizadas através da distribuição ológico interno que atende exclusiva-
de direitos e benefícios materiais entre as mente as classes mais favorecidas. Ela
oligarquias retirados de uma parcela não se limita ao aspecto econômico, mas
cada vez maior da população, implicam é principalmente a expressão desse fe-
necessariamente o aumento das desi- nômeno que se reproduz socialmente
gualdades. A concentração de renda e a através da história. Isto é:
exclusão social inerentes ao capitalismo
[...] a economia exportadora é, então, algo
atingem patamares acima do nível nor-
mais que o produto de uma economia
mal, assumindo caráter estrutural. internacional fundada na especialização
O crescimento econômico na América produtiva: é uma formação social baseada
no modo de produção capitalista [...]
Latina não produz nenhuma alteração
(MARINI, 2000, p. 134).
significativa do nível de pobreza abso-
luta9, nos baixos níveis de escolaridade e
no acesso à saúde. Ao longo de sua his- Desde o início, a América Latina consti-
tória, o continente vivencia crises recor- tui parte integrante e especializada do
rentes e pobreza crescente, mesmo em mercado mundial e permite, ao propor-
épocas de crescimento econômico, sem cionar condições para a diminuição do
que a aliança entre as classes mais privi- valor da força de trabalho, que os países
legiadas e o apoio que estas detêm se centrais se concentrem na produção de
abale. Ademais, a cultura política latino- bens cujo valor agregado é cada vez
americana não apresenta qualquer solu- maior. Estabelece-se, então, o intercâm-
ção para esse problema. Apesar de in- bio desigual entre as nações e mantém-se
corporar o conjunto de valores e ideais indefinidamente a dependência baseada
da democracia ocidental, a inserção do na divisão internacional do trabalho.
Essa dependência condiciona o desen-
9 Sobre a relação entre políticas econômicas, volvimento sócio-econômico e está ex-
crescimento econômico e redução dos níveis de pressa nas relações comerciais e financei-
pobreza absoluta ver Salama e Valier (1994).

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ras com o restante do mundo. As expor- externos. Esse comportamento mimético


tações dos países latinos têm de ser cada explica o fato da maior parte dos pro-
vez maiores para garantir os recursos dutos não chegar a se converter em pro-
necessários ao pagamento dos bens e dutos populares como geralmente ocorre
serviços importados, e também dos ju- nos países desenvolvidos após determi-
ros, das amortizações dos empréstimos nado tempo. O desenvolvimento capita-
realizados e da remessa de lucros dos lista apresenta continuamente novas ne-
investimentos estrangeiros. Os países cessidades materiais, que no caso latino
centrais asseguram, desse modo, uma terão de ser atendidas antes mesmo que
participação maior no valor total produ- o processo de produção dos bens já tradi-
zido para o mercado mundial. cionais, que atendessem às necessidades
básicas pré-existentes, pudesse se desen-
O intercâmbio desigual, no entanto, não
volver em maior escala. A esfera produ-
se limita à mera relação de preços e dete-
tiva nunca chega a atender as necessida-
riorização dos termos de troca (diminui-
des das populações de menor renda. Os
ção dos preços das matérias-primas em
diversos extratos das classes médias,
relação aos preços das manufaturas mais
bem como os capitalistas, ansiosos por se
intensivas em tecnologia). Ele se caracte-
identificarem com o primeiro mundo, aca-
riza pela superexploração do trabalho
bam por impor um padrão de consumo
como única forma de compensar a trans-
extremamente excludente.
ferência de valor em benefício das nações
mais avançadas, sem prejuízo para as O mais grave, no entanto, é saber que,
elites locais. O aumento da exploração da quanto maior for o desenvolvimento da
força de trabalho (diminuição dos salá- produtividade nos países centrais, maior
rios, precarização e aumento da jornada será a exploração da força de trabalho
de trabalho) garante o padrão de con- para que as classes médias e altas pos-
sumo das classes mais altas: sam obter a renda necessária para aten-
der seu padrão de consumo. Isso porque
Vimos que o problema que coloca o níveis de produtividade inferiores ao da
intercâmbio desigual para a América média, majoritariamente determinada
Latina não é precisamente o de se
pelos países centrais, exigem o aumento
contrapor à transferência de valor que
implica, mas compensar uma perda de da exploração da força de trabalho como
mais-valia [...]. O aumento da intensidade forma de assegurar transferência de
do trabalho aparece, nesta perspectiva, renda para os mais favorecidos.
como um aumento da mais-valia,
conseguida através de uma maior As desigualdades crescentes de renda
exploração do trabalhador e não do não induzem a qualquer mudança signi-
incremento de sua capacidade produtiva ficativa nas políticas adotadas. Até
(MARINI, 2000, p. 123).
mesmo as fases de crescimento econô-
mico, no período áureo das políticas
A especificidade latina decorre do fato keynesianas, foram quase sempre acom-
de que os diferentes segmentos sociais panhadas de aumento da desigualdade e
adotam um padrão de consumo deter- nunca de modo a incorporar os enormes
minado exclusivamente pelos padrões contingentes populacionais que se en-

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contram à margem da sociedade. Tais do trabalho é reproduzida e a moderni-


políticas, baseadas no aumento do gasto zação da sociedade determina uma in-
público em infra-estrutura, diretamente serção no contexto internacional a partir
no setor produtivo ou em políticas soci- de ideologias, mitos e uma cultura polí-
ais, nunca beneficiaram a maior parte da tica alheios a sua realidade. A despeito
população. A combinação das políticas do enorme potencial cultural e político,
econômicas para a promoção do cresci- os povos latino-americanos permanecem
mento econômico puxado pelo aumento em condições econômicas precárias por
da demanda atendia apenas os interesses conta da ideologia predominante e indi-
das classes mais altas. Com o objetivo de ferente à realidade social. No entanto,
promover o crescimento econômico, a não se trata de cultivar o nacionalismo
partir do aumento da demanda, o mila- cego e exótico. A questão social latino-
gre econômico brasileiro acompanhado americana só pode se resolver por meio
de enorme concentração da renda é o de uma ruptura com os padrões atuais,
melhor exemplo. Pelas mesmas razões, a desde que se leve em conta o ritmo da
bonança de recursos financeiros na Ve- história do ocidente da qual somos a um
nezuela nunca se converteu em benefício só tempo fruto e ator relevantes – por-
para a maioria de seu povo, pelo menos tanto, com condições ou até mesmo obri-
até surgir a alternativa de Hugo Chaves. gação de participar como agente ativo no
Atualmente, pode-se dizer o mesmo em processo histórico de evolução dos po-
relação à opção mexicana pelo tratado de vos. Nesse sentido, as recentes mudanças
livre comércio com os EUA ou às políti- políticas no cenário latino-americano
cas neoliberais que conduziram a Ar- surgem como alternativas necessárias
gentina para a séria crise econômica e aos séculos de obediência ao receituário
social, em 2001. A reprodução dessas vindo do exterior e alheio aos interesses
desigualdades na América Latina foi a da maioria da população da América
forma encontrada para que os diversos Latina.
segmentos sociais mais beneficiados pos-
sam assegurar um padrão de consumo Referências
compatível com os ideais do Império do
Norte e da Europa.
BORON, Atílio. El Estado y las reformas
del Estado orientadas al mercado: los
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Portanto, a pobreza que caracteriza a WANDERLEY, L. E. (Org.). América
América Latina é explicada pelo tipo de Latina: estado e reformas numa
inserção internacional determinado pelo perspectiva comparada. São Paulo:
capital, porém a desigualdade é ampli- Cortez, 2003. p. 19-67.
ada principalmente por razões internas BRIEGER, Pedro. De la década perdida a
ao corpo social. A redefinição das trajetó- la década del mito neoliberal. In:
rias de desenvolvimento nunca se con- GAMBINA, J. (Org). La globalización
cretiza. Pelo contrário, a superexploração

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