Você está na página 1de 5

1

A LIBERDADE APÓS O LUTO: UMA VISÃO PANORÂMICA DA


PERSONAGEM JUDITH DO DOCUMENTÁRIO ENVELHESCÊNCIA.

Ada Cristine Araújo Costa


Gabriella Gonçalves
Glayce de Sá Tavares Marciano
Maria Tereza Campos Castro
Michele Viana de Sousa
Yasmim Duarte

RESUMO: O documentário “Envelhescência”, de Gabriel Martinez, traz os aspectos


positivos da velhice, de forma a transformar todos os paradigmas ocasionados com o
advento da idade avançada. A história de vida e de superação de Judith Caggiano, é o
plano de fundo do presente Ensaio. O luto e a viuvez são de fato um catalisador para a
introspecção e crescimento individual, que nos leva a ressignificar a forma de viver,
desnudando de convenções e padrões impostos pela sociedade patriarcal existente.
(Re)aprender a viver de maneira otimista e com projeto e propósito, ante um
relacionamento abusivo, é sem dúvida uma forma de libertação.

Palavras-Chave: Luto, Viuvez, Relacionamento Abusivo, Projeto de Vida.

1. INTRODUÇÃO

Os idosos vêm ganhando cada vez mais espaço na população brasileira, tendo um
aumento significativo de 4,8 milhões de idosos desde 2012, superando a marca dos 30,2
milhões em 2017, apresentando, assim, uma porcentagem maior de idosos do sexo
feminino, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua –
Características dos Moradores e Domicílios, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatística (IBGE). Há uma predominância das mulheres na velhice, e a longevidade
das mulheres se deve aos cuidados que elas dedicam em maior escala à saúde do que os
homens. Nessa perspectiva, existe mais viúvas do que viúvos, e retrataremos neste ensaio
sobre a ressignificação da viuvez através da perspectiva de vida da idosa Judith Caggiano,
que descobriu a alegria de ser feliz após a vivenciar o luto.
Reconhecida como a avó mais tatuada do Brasil, hoje com 89 anos, ela tem 74
tatuagens e piercings pelo corpo, também participa de viagens com moto clubs, onde se
2

tornou uma musa, sendo conhecida por todo Santo André, onde reside. Por viver uma
vida fora do padrão social para pessoas da sua idade, Judith conta que as pessoas se
espantavam, mas ela sempre foi sorridente e receptiva, não dando espaço para críticas.
Além do seu estilo marcante, se percebe que as tatuagens de Judith representam
momentos significativos em sua vida, como sua primeira tatuagem que a marcou como
um novo começo e até leva o nome de “liberdade”.
Sua trajetória iniciou com a morte de seu cônjuge, depois de 51 anos de casada.
Judith conta que:
“Nem sempre foi um mar de rosas. Ele foi um bom marido, todo mundo
gostava dele, mas era muito controlador. Eu não podia olhar para o lado que
ele achava que estava olhando para outro homem e não deixava nem eu ir
sozinha na casa dos filhos." (SALOMÃO, 2020).
A vida de Judith após a morte de seu marido traz várias reflexões acerca da
ressignificação do luto, do empoderamento e a liberdade na velhice, mostrando que nessa
fase da vida é possível novos recomeços que podem ser libertadores. O longa
EVELHECÊNCIA nos mostra que nunca é tarde para recomeçar.

2. CORPO DO ENSAIO

Dados divulgados pela Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV)


revelam um aumento de casos de violência contra idosos no ano passado, passando de
774 situações em 2013 para 852 em 2014 (10,1%). “A vivência da velhice em uma
experiência criativa, que subverte as noções anteriores de declínio e degeneração, e
apontam para uma relação criativa do envelhecer e da reconstrução da história pessoal
por meio de novas experiências”, profere o psicanalista Manoel Berlinck, 1996.
Segundo Mucida, a velhice pode ser entendida também como uma fase do
desenvolvimento humano em que a ideação da própria morte costuma se aproximar do
sujeito que envelhece e ganhar nitidez. O texto Luto e melancolia de Freud, nos ensina
que “o luto, de modo geral, é a reação à perda de um ente querido, à perda de alguma
abstração que ocupou o lugar de um ente querido, como o país, a liberdade ou o ideal de
alguém, e assim por diante.”
De acordo com Papalia, as relações sociais estão relacionadas a boa saúde e a
qualidade da relação conjugal perdida afeta diretamente na saúde mental do viúvo. Dessa
3

forma, Judith retrata a quebra de estereótipos de uma sociedade machista, onde sai da
vitimização sofrida para a libertação, tornando-se autora da sua própria vida.
É perceptível a dificuldade que um idoso encontra em sair de um relacionamento
abusivo ou tomar decisões corretas em casos de violência doméstica, pois o agressor é
sua única companhia em um grande intervalo de tempo.
Assim, um relacionamento tóxico ou abusivo é algo que tem o poder de mascarar
a autoestima e a personalidade de uma pessoa independente de sexo, orientação sexual e
idade. É algo que fere a alma e cria marcas que muitas vezes a pessoa não consegue
esquecer esta situação de dor, com isso acaba aprendendo e aceitando a conviver com
esse comportamento dia após dia. Durante um momento da entrevista Judith nos fala
sobre seu marido e sobre como deixou de lado coisas que lhe faziam feliz em prol de
agradar o companheiro.
Para alguns pode parecer inimaginável renunciar a algo que te faz bem para
colocar acima disso a felicidade do seu parceiro, entretanto, não só Judith como também
diversas outras pessoas se veem “presas” em relacionamentos desse tipo por motivos
variáveis como, medo do abandono, baixa autoestima e até mesmo fatores sociais e
econômicos.
A co-dependência parte de diversos fatores internos e externos ao relacionamento.
O fator de possessividade é o mais presente e está ligado ao ciúme excessivo, tornando
difícil a convivência intima das pessoas e muitas vezes acaba privando o afetado de
conviver tranquilamente em sociedade. Geralmente, as pessoas possessivas nos
relacionamentos se sentem bem em diminuir a autoconfiança do seu parceiro ou parceira,
normalmente são emocionalmente abusivas, ou seja, elas fazem seus cônjuges se sentirem
como se realmente não soubessem o que é melhor para eles mesmos, além de muitas
vezes, fazerem com que estes se sintam culpados pelas dores e angústias que foram
criadas única e exclusivamente pela sua manipulação e possessividade. Para o possessivo,
tudo se justifica em nome do amor. Seu comportamento é rapidamente absolvido pela
justificativa de que suas ações são essas porque ama demais.
Entretanto, é importantíssimo que essa desculpa seja desarmada, tendo em vista
que a pessoa possessiva deve olhar para si e ver o que ela tem feito para ela mesma e para
o seu parceiro/parceira.
“Amar demais não significa amar homens demais, se apaixonas vezes demais
ou ter um amor genuíno profundo demais por outra pessoa. Na verdade,
significa ser obcecada por um homem e chamar essa obsessão de amor,
permitindo-lhe controlar suas emoções e grande parte de seus
comportamentos, percebendo que isso influi negativamente em sua saúde e seu
4

bem-estar e ainda assim se vendo incapaz de desistir. Significa medir o grau


do amor pela profundidade do sofrimento” (NORWOOD, Robin 2011, 23 p.)

Após a morte do marido Judith presenciou uma liberdade que não sentia há mais
de 50 anos: a capacidade de ir e vir sem depender de aprovações ou ter medo de fazer
algo que pudesse enfurecer seu parceiro. Contudo, isso também veio a ser um empecilho,
já que depois de 51 anos vivendo da mesma forma ela não conhecia outra maneira de
existir. Nessa situação específica a primeira tatuagem dela simbolizou essa nova vida e
trouxe novamente paixão por viver.
Em outros casos semelhantes ao de Judith algumas mulheres não conseguem se
redescobrir e acabam não encontrando outras formas de aproveitar suas vidas. Essa
situação também pode ser vista como a gênesis de um novo ciclo vicioso que faz com que
as mesmas pulem de relacionamento tóxico para outro sem se dar conta disso. Desse fator
nasce a necessidade e a importância de um projeto de vida.
O projeto de vida não só traz uma maior perspectiva do seu futuro como também
sinaliza seus objetivos e ajuda a entender formas de alcançar aquilo que se almeja
respeitando suas capacidades individuais. O papel desse projeto também está ligado a
ideia de que existe vida pós-término e que você não depende de ninguém além de si
mesmo para ser capaz de percorrer o caminho atrás de seus sonhos. No processo de
envelhecimento é fundamental o tracejo de um projeto de vida. Os benefícios de uma
velhice com propósito são inúmeros, desde uma melhor qualidade de vida até a
transformação de seu cotidiano em algo leve, buscando sua satisfação pessoal. Partindo
desse pressuposto, Silva e Gunther afirma:
É essencial que o idoso tenha projetos que não envelheçam ou se percam nos
tempos e estabeleça prioridades individuais, que além da expectativa quanto
aos dias futuros, são indicativas das tarefas evolutivas que o faz pertencente
da sociedade e gerenciador de seu cotidiano.” (SILVA; GUNTHER, 2000,
172p)

3. CONCLUSÃO

O presente ensaio foi baseado na personagem do documentário Envelhescência,


que remete a temática do envelhecimento de uma forma inusitada, fazendo com que mude
o sentindo do amadurecimento. Ao contrário de lidar de maneira melancólica por parecer
“o fim de uma jornada”, a personagem se permite abrir um novo ciclo, se reinventando
como pessoa, mudando totalmente as perspectivas em relação ao envelhecimento e sua
história de vida.
5

Podemos concluir que este ensaio foi muito importante para o enriquecimento do
nosso conhecimento e compreensão dessa temática, o aprofundamento desse tópico foi
estritamente necessário para nosso amadurecimento pessoal/profissional em relação ao
envelhecimento de uma forma leve e saudável, com uma visão totalmente positiva de
como encarar as fases da vida, recriando ciclos até mesmo quando não parecer favorável.

4. BIBLIOGRAFIA

CAGGIOANO, Judith. Idade sem Tabu. [entrevista concedida a] Graziela Salomão.


Marie Clarie, São Paulo, março de 2020. Disponível em:
https://revistamarieclaire.globo.com/idade-sem-tabu/noticia/2020/03/envelhecer-e-uma-
poesia-so-e-preciso-se-libertar-garante-judith-caggiano-avo-mais-tatuada-do-
brasil.html. Acesso em 20/10/2021.

ENVELHESCÊNCIA. Direção: Gabriel Martinez. São Paulo: Lado B Digital Films,


2015. 1 DVD (84 min).

FALCÃO, D. V. da S. A família e o Idoso: Desafios da contemporaneidade. 1ª ed.


Campinas: Papirus, 2010. 213 p.

NORWOOD, R. Mulheres que amam demais: quando você continua a desejar e


esperar que ele mude. Tradução: Maria C. B. Rio de Janeiro: Rocco, 2011. 23 p.

PAPALIA, D. E.; FELDMAN, R.D. Desenvolvimento Humano. 12ª ed. Porto Alegre:
AMGH, 2013. 645 p.

SANTANA, C. S.; BERNARDES, M.S; MOLINA, A. M. T.B. Projetos de vida na


velhice. Porto Alegre: 2016. 172 p.

Você também pode gostar