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Capítulo 7:

Homilética
Michael Rose

"Quem não consegue mais enunciar


a ação de Deus em nossa realidade
refugia-se na pregação de um mandamento
que exige uma ação do ser humano."
(Manfred Josuttis.)

7.1- Introdução
Há pregadores e pregadoras que se vêem expostos/as a um grave dile­
ma: a gente gosta de ser teólogo ou pastor (ou ambas as coisas, embora uma
não esteja necessariamente integrada na outra), a gente gostaria de crer e se
esforça sinceramente (e aí já começa a dificuldade, pois o ato de crer, como
obra do Espírito, é entendido como estando fora do alcance humano, mas, por
outro lado, continua sendo uma tarefa) e também está disposto/a a falar sobre
isso, seja de cima do púlpito ou numa conversa. A gente concluiu uma
formação teológica (freqüentemente com muitas dúvidas, por um lado em
relação à própria disciplina que se estuda, mas também, por outro lado,
incitado pela "teologia científica", em relação aos conteúdos da própria fé),
encontra-se servindo a uma Igreja, cujo caráter institucional muitas vezes não
é inteiramente perceptível (p. ex.: o que com freqüência não está claro é a
relação da comunidade como local de trabalho concreto e a Igreja como
instância abrangente: o que é, a rigor, "Igreja" em termos teológicos?), e,
depois de algum tempo, integrou-se em seu biótopo pastoral. A gente está
disposto/a a prestar seu serviço da melhor forma possível. Como pregador/a,
a gente continua fazendo parte do conjunto da sociedade com todos os seus
jogos de linguagem e quer falar a outros participantes dos jogos lingüísticos.
Para tanto existem um espaço previsto e um tempo previsto, bem como, na
maioria das vezes, um texto previsto, um conteúdo que deveria preencher o
discurso. A gente tem expectativas - próprias e alheias - a cumprir, gostaria
de ser sincero, honesto e autêntico, quer falar de modo compreensível.. útil e
proveitoso. O pregador ou a pregadora se vê confrontado/a com uma multi-

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Teologia Prática no contexto da América Latina

plicidade de exigências referentes a expectativas, atribuições de papéis, de­


pendências e pressões em termos do cumprimento de sua incumbência. Em
última análise, ele/a está na mesma posição de qualquer outro/a trabalhador/
a. E então a semana se encaminha para seu fim e o domingo se aproxima. É
tempo de culto- tempo de prédica. O texto de pregação está (mais ou menos)
fixado. E, junto com o texto, a pletora de implicações e apertos. É preciso
pregar. E a questão é: como?
Quem quer pregar encontra-se sempre no dilema de ter de pregar. Quem
quer pregar tem de cumprir determinações prévias (algumas foram menciona­
das acima). Quem quer pregar tem diante de si, como ponto de partida, um
texto bíblico que não foi redigido por ele/a mesmo/a. Como pregador/a, tem
sua própria história, sua própria fé- a qual, porém, também já lhe foi comunicada
historicamente -, tem diante de si uma comunidade que, por sua vez, também
tem uma história própria, uma fé própria, uma personalidade própria.
Tendo em vista todas as exigências às quais um pregador está exposto,
chega a ser quase um milagre o fato de ele conseguir aprontar um texto. Um
texto próprio, uma prédica que é produto de seu próprio espírito ou de sua
própria pena. O fato de nascer (ou poder nascer) um texto que tem tantos
pontos de referência, ao qual se dirigem expectativas provenientes de tantos
lados, o fato de, domingo após domingo, serem feitas prédicas e o fato de
existirem pessoas, homens e mulheres, que estão dispostas a assumirem o
fardo da pregação semanalmente (e, em geral, mais de uma vez por semana)­
isso é uma obvíedade que não deveria ser aceita como algo óbvio. Quem
prega sabe que esforços são necessários para elaborar uma prédica, para
refletir sobre o que o texto tem a dizer, como quer ser entendido, como, além
disso, se comunica à comunidade suas idéias (idéias de quem? as do texto ou
as do pregador? ou·as de Deus?); pois é isso que deve importar: a comunida­
de, que se reúne para ouvir a palavra de Deus, que escolheu o pregador para
que ele fale a ela a respeito de Deus.
A história da homilética é a história da tentativa de entender o aconteci­
mento homilético, bem como a história do reconhecimento do trabalho domi­
nical de pregação dos pastores e, desde este século, também das pastoras. No
que se segue, vamos, com a necessária brevidade, percorrer essa história.
Sempre se refletiu de maneira nova sobre a relação entre a palavra de Deus, o
pregador, a prédica e a comunidade a fim de entender os nexos existentes
entre eles e, em última análise, a fim de também dar ao pregador subsídios
(muitas vezes teóricos e raramente práticos) para seu trabalho.
Na seqüência, exporemos alguns problemas homiléticos, a questão do
legalismo na prédica protestante, a questão da legitimidade e da tarefa da

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Homilética

prédica política e a questão da linguagem da prédica. Concluiremos este ensaio


com algumas teses sobre a prédica resultantes dos problemas abordados.
Quem sabe o que faz, pode fazê-lo com mais facilidade e talvez com
menos esforço. Pode ser que seja a rotina que, após algum tempo de atividade
de pregação, começa a tomar conta da gente e que custa força e energia. A
gente passou os primeiros anos habituando-se ao mundo de sua profissão,
inicialmente ainda se preocupava em não perder de vista suas sabedorias
teológicas aprendidas na Faculdade, mas percebeu depois de pouco tempo
que, na prática, as ortodoxias que adquirira só podiam ser empregadas de
modo limitado. Depois de fazer algumas experiências deste e daquele jeito, a
gente por fim havia encontrado "seu estilo" e se arranjado consigo mesmo,
com seu trabalho, com sua comunidade. Mas então, depois de mais algum
tempo de atividade, a gente pode se dar conta de q_ue continua funcionando,
porém não sabe mais exatamente por que, afinal. As vezes a gente acaba se
desacostumando a prestar contas para si mesmo em termos teológicos sobre
coisas do cotidiano e da excessiva rotina dominical. A gente prega pela
terceira ou quarta vez sobre a mesma passagem bíblica e talvez tenha a
impressão de já ter dito tudo 1 • Nossa proposta visa fazer com que nos
ocupemos de maneira nova - saindo da rotina - com a teologia da prédica
para definir nosso próprio posicionamento. Queremos estimular o/a leitor/a a
ocupar-se mais uma vez com temas homiléticos, a ocupar-se mais uma vez
com sua própria posição teológica.
Antes disso, porém, seguem-se algumas observações preliminares para
facilitar a compreensão.
a) Neste ensaio o discurso público proferido no púlpito é designado
sempre como "prédica". Em relação a isto poderia surgir um problema
terminológico, já que essa expressão é desconhecida em algumas igrejas ou
porque se emprega outro termo: "sermão" e "homilia" no âmbito católico, ao
passo que em algumas tradições a prédica é designada como "mensagem". O
conceito genérico sob o qual se podem subsumir todas as espécies de procla­
mação pública da Palavra é "pregação"2•
b) Não abordaremos aqui prédicas que são proferidas em outras oca­
siões que não o culto dominical; também não levaremos em consideração as

..
prédicas feitas nos chamados "ofícios casuais". Ainda assim, parte do que

1 O mais tardar então chega o momento em que os pastores começam a pensar em mudar de paróquia.
2 Nessas questões terminológicas, adoto as propostas de Nelson KIRST, Rudimentos de homilhica, p. 17,.

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Teologia Prática no contexto da América Latina

dizemos neste ensaio sobre a prédica dominical também pode ser aplicada a
outras ocasiões.
c) As ponderações e os temas deste ensaio lidam com problemas teóri­
cos da homilética. Não são dadas orientações práticas sobre a redação da
prédica. Mesmo assim, percepções teóricas sempre deveriam ajudar a prática
- pelo menos é isto que espero.

7.2- História da prédica

7 .2.1 - Da Igreja antiga até a Reforma

a) Igreja antiga e Idade Média: A história da prédica não começa


apenas com a Reforma. Por mais supérflua que possa parecer esta observa­
ção, ela pode nos ajudar a evitar o perigo de entender unilateralmente a
"Igreja da palavra" como "instituição verbal". De onde vem a característica­
por um lado legítima, mas por outro excessivamente abordada - das igrejas
protestantes como "Igreja da palavra"?
Basta apontar para as grandes prédicas contidas no Antigo e no Novo
Testamento para dar-se conta de que a proclamação da palavra de Deus não é
uma invenção da Era Moderna incipiente. Pensemos, p. ex., nos discursos de
admoestação dos profetas ou nas parábolas de Jesus. Mas também na Igreja
antiga e na Igreja primitiva as prédicas dos apóstolos (veja a prédica de
Pentecostes de Pedro em At 2; a prédica de Estêvão em At 7; a prédica do
apóstolo Paulo no Areópago em At 17) ou as prédicas dos pais da Igreja
oferecem exemelos de habilidade homilética3• As primeiras reflexões sobre a
teoria da prédica foram desenvolvidas por João Crisóstomo (m. em 407 d.C.)
em sua obra De sacerdotio e por Agostinho (354-430 d.C.) em sua obra
(homilética) principal intitulada De doctrina christíana4 • Para Agostinho, o
amor a Deus por causa de Deus, que inclui o amor ao próximo, é a vocação
suprema do ser humano e, por conseguinte, o alvo da interpretação bíblica e
da prédica5. Para tanto podem-se empregar recursos retóricos, cujos limites,
entretanto, residem no fato de que uma verdadeira compreensão da Sagrada

3 A chamada 2ª Epístola de Clemente, aproximadamente do ano de 150 d.C., é considerada a mais antiga
prédica comunitária protocristã. Grandes pregadores da I greja antiga foram Tertuliano (m. aproximada­
mente em 220), Cipriano (m. após 258) e sobretudo Origenes (m. em 254).
4 Cf. verbete Homiletik, de Hans Martin MÜLLER, in: Die Religion in Geschichte und Gegenwart.
5 Cf. ID., ibid.
Escritura só pode ser adquirida com os dons do Espírito Santo6 • Dificitmonte
se pode superestimar a influência de Agostinho sobre a prática de pregação
da Idade Média. Assim, o método interpretativo relacionado ao sentido
quádruplo da Escritura que foi empregado na Idade Média remonta a Agosti­
nho. O alvo da prédica era a instrução pela palavra; Crisóstomo entendia essa
instrução como único "meio e caminho para a santificação além do exemplo
da boa ação".
Na Idade Média nos deparamos com uma tradição de prédicas extrema­
mente diversificadas. A prática da prédica de modo nenhum passou para o
segundo plano, e sim o sacramento tomou-se o centro do culto. A prédica
tomou-se, por um lado, um gesto de ameaça do clero e o pregador virou o
arauto que deveria preparar a comunidade para os terrores do dia do juízo. Por
outro lado, encontram-se múltiplas formas de prédica nas prédicas das êruzadas
que se dirigiam diretamente ao povo, nas prédicas escolásticas direcionadas a
ouvintes acadêmicos, mas sobretudo na prédica do misticismo.
No séc. 8 Carlos Magno tentou levar a efeito uma nova regulamentação
da situação do Estado e da Igreja. Após a época da cristianização exterior
deveria agora ter início, dentro das fronteiras de seu império, a consolidação
da vida cristã e eclesial, e ele decretou que em toda comunidade deveria ser
feita uma prédica dominical no culto para a edificação e instrução do povo7 •
Essa medida deveria representar uma profunda renovação na vida eclesial.
Até então tinha havido apenas prédicas ocasionais feitas por bispos em latim
que não eram entendidas pelo povo. Entretanto, essas prescrições não surti­
ram maior efeito porque o clero comum, que era formado só para a celebra­
ção das missas, não estava à altura dessa tarefa de pregação.
Assim, além das universidades, nas quais a prédica acadêmica era feita
para um público instruído, a tarefa de pregar ao povo ficou por conta das
ordens mendicantes. E essas prédicas tinhma um único tema: a penitência. "O
alvo da educação religiosa do povo não era mais o afastamento do paganis­
mo, mas um estilo de vida cristã rigoroso e controlado (confissão auricular) e
sancionado (penitência) por instituições."8 A partir das prédicas sobre a
penitência surgiram as prédicas sobre indulgências, praticadas sobretudo

6 Agostinho, Crisóstomo, Orígenes, os grandes capadócios, Tertuliano - todos eles eram mais ou menos
instruídos em termos de retórica. Essa arte clássica do discurso tinha sua tarefa na argumentação
política e era ensinada como ciência.
7 Veja Dietrich RÕSSLER, Grundriss der Praktischen Theologie, p. 309.
8 ID., ibid., p. 30s.
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pelos dominicanos, as quais, por sua vez, tomaram-se uma das razões exter­
nas centrais dos movimentos de reformas dos sécs. 15 e 16.
Como exemplo de pregador místico podemos mencionar, representati­
vamente, o monge dominicano Eckehart, conhecido como Mestre Eckehart.
A idéia básica de Eckehart é a do nascimento da Palavra na alma. Suas
prédicas atestam uma visão mística e intuitiva que era determinada pela idéia
de que o núcleo essencial da alma humana e o fundamento divino do ser
deveriam ser, de alguma maneira, da mesma espécie, "que o ser humano e
Deus estariam ligados profundamente um com o outro em seu ser de um
modo que não poderia ser plenamente apreendido e enunciado num conceito
restrito"9•
b) Lutero e a época da Reforma: Lutero expressou-se de maneira extre­
mamente crítica sobre a prédica da Igreja papal. Segundo seu juízo, só seriam
apresentadas "tolices", "lendas de santos, histórias mentirosas sobre sinais mila­
grosos, peregrinações, missas, serviço aos santos, indulgência e coisas desse
gênero"10• É preciso refletir sobre esse juízo de Lutero, que foi assumido até a Era
Moderna, e obter clareza quanto às implicações a ele associadas.
"Lutero viu na palavra a categoria decisiva para o relacionamento do
ser humano com Deus."n Deus dá o ser por meio da palavra (Gn 1), promete
graça a seu povo, lhe dá ordens e o julga. O ser humano toma-se ser humano
por meio da palavra, por meio da linguagem 12• A fé é criada pela palavra que
vem de Deus. E mais: a própria prédica é entendida como palavra de Deus.
Segundo a convicção luterana, esse relacionamento de palavra falada externa
e palavra interior de Deus, que cria a fé no ser humano, é suficiente; o infinito
está inteiramente presente no finito: finitum capax infiniti. A palavra da
prédica não é uma.palavra que remeta o crente a outras fontes da religião que
seriam "mais reais ou verdadeiras", p. ex. aos sacramentos que comunicam a
graça. Neste ponto reside a mais inequívoca diferença em relação à com­
preensão católica romana de mediação da salvação. Na Igreja Católica Ro­
mana o culto era tido como instituição mediadora da salvação e os sacramen-

9 Joseph QUINT (ed.), Meister Eckehart, p. 22.


10 Prédica sobre Ef 5.1-9, in: WA 8, l49ss.
ll Dietrich RÓSSLER, op. cít., p. 313.
12 "A linguagem é uma grande e divina dádiva uos seres humanos, pois a sabedoria lingüística, e não a
violência, govema, educa, forma, consola, reconcilia as pessoas em todas as situações da vida,
principalmente em questões da consciência moral... A palavra falada tem uma força verdadeiramente
maravilhosa, pois por causa dessa palavra incerta da boca humana Satanás, o espírito mais soberbo, fica
confuso e é obrigado a fugir" (BoA 8, 223s.; TR 4081; cit. ap. Dietrich RÓSSLER, op. cit.).

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Homiliticâ

tos como decisivos na comunicação da graça. Para Lutero a própria palavra


era "uma coisa vigorosa e eficaz".
O próprio Lutero não elaborou uma doutrina da prédica. Todavia, em
muitíssimas passagens de seus escritos encontram-se menções e idéias sobre
a prédica 13• Apontamos aqui para algumas idéias fundamentais: para Lutero,
a primazia da palavra oral em relação aos outros meios da graça está funda­
mentada na solicitude pessoal de Deus para com os seres humanos em Jesus
Cristo como Palavra (logos) encarnada de Deus. E neste contexto não se deve
deixar de perceber que também os sacramentos devem ser entendidos como
solicitude de Deus paar com os seres humanos que também não são outra
coisa do que sua palavra (ho logos sarx egeneto-Jo 1.14).
A palavra de Deus atinge a consciência moral do ser humai;io, e esta
deve ser consolada e libertada pela prédica evangélica. Sempre, em toda e
qualquer prédica e proclamação, Cristo está no centro da mensagem. Por isso
Lutero podia resumir toda a sua "doutrina da prédica" na seguinte fórmula
concisa: solus Christus praedicandus, "é só a Cristo que se deve pregar".
A história da Reforma luterana é suficientemente conhecida. O levante
de Lutero contra a Igreja Romana, que em sua opinião falsificava o evange­
lho, foi investigado e minuciosamente examinado do ponto de vista histórico.
Pode-se tomar a Reforma como data do início da Era Moderna. E é interes­
sante observar que a Idade Média chega a seu ocaso com uma troca de meios.
Enquanto que na Igreja medieval era o sacramento, a celebração simbólica,
que era entendido como meio de apropriação da salvação, agora foi a palavra
- tanto a palavra falada da prédica evangélica quanto a palavra escrita -,
como interpelação do indivíduo, que foi colocada no centro.
Quase ao mesmo tempo em que ocorreu a Reforma, Johann Gutenberg
desenvolveu a técnica da impressão. A palavra escrita, impressa e multiplica­
da desempenha um papel de destaque na passagem da Idade Média para a Era
Moderna. O indivíduo foi enfocado mais acentuadamente do que até então. O
livro apoiou esse processo de individualização. O caráter de sujeito deve ser
entendido corno característica essencial da Era Moderna. A técnica da im­
pressão e a necessidade de ensinar também as pessoas simples a ler e escrever
andaram de mãos dadas. Assim, devemos, não por último, ao desenvolvimen­
to de um meio (a saber, do livro) o fato de que um dos bens mais valorizados
do presente, o caráter de sujeito que tem o ser humano, pôde se desenvolver

13 E. Hirsch (in: BoA VII, 1-38) compilou as diversas manifestações de Lutero sobre a homilética

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T�ogia Prática no contexto da América Latina

dessa forma tão importante para nós hoje. A insi�tência dos reformadores no
acesso geral à escola antecipa justamente esse movimento: o indivíduo toma­
se sujeito de si mesmo ao se deixar interpelar pela palavra. Segundo Lutero,
Deus quer dirigir a palavra ao ser humano enquanto indivíduo e quer fazê-lo
diretamente. É para o indivíduo que se destina a pregação da Palavra.
Não devemos pensar, contudo, que a Igreja medieval não tivesse uma
mensagem ou a recusasse aos crentes. Peter Comehl expôs, num panorama
global, a questão do nexo existente entre pregação, culto e espaço público.
Depois que, sob Constantino e seus pósteros, a Igreja antiga tomara-se a
Igreja imperial, sua tarefa consistia em produzir uma integração entre culto
cristão e culto público. Nesse processo, segundo Comehl, a liturgia desempe­
nhou um papel destacado: "Ela marcava as amplas massas simplesmente por
sua faticidade, por sua riqueza de formas e símbolos, pela avassaladora
evidência de sua realização, que se dirigia a todos os sentidos, uma realização
da qual cada pessoa podia participar de acordo com sua capacidade." 14 Com
isso a Igreja cristã assumiu a herança da antiga religião imperial. Só se podia
ter acesso à salvação participando das celebrações sacramentais e litúrgicas
da Igreja. A afirmação de que não haveria salvação fora da Igreja refere-se
exatamente a essa participação na liturgia e nos sacramentos.
Na véspera da Reforma, toda a vida do indivíduo e da sociedade está
inserida nesse cosmo sacramental 15 • Na missa acontece a representação da
salvação diante do povo pelos ministros sacerdotais. Em todo o protestantismo
existe uma tendência a descrever esse sistema cúltico representativo como
instrumento de domínio. Pelo visto, tanto a menção do uso exclusivo da língua
latina quanto a alusão ao fato de que o povo estava excluído de uma participa­
ção efetiva na missa pelo sistema sacerdotal dominante bastam para desacredi­
tar o sistema de culto da Igreja antiga e da Idade Média1 6 •
Afirmar que a Igreja medieval não teria feito pregação seria fruto de
uma compreensão errônea. A liturgia é pregação, é um ato de pregação que,
como qualquer outro ato de pregação, não está imune a abusos. A palavra e a

14 Peter CORNEHL, Ôffentlicher Gottesdienst, p. 143.


15 Veji ID., ibid., p. 149.
16 "O povo nada entendia das leituras feitas na parte introdutória da missa. Mas via como o livro dos
evangelhos era levado até os degraus do altar em solene procissão. Presenciava os testemunhos de
honra que lhe eram prestados: incenso, beijos, bênção para o leitor. Percebia que os outros clérigos no
espaço do coro se levantavam e tiravam o que lhes cobria a cabeça. Notava, portanto, por meio do
simbolismo ótico, que a palavra de Deus tinha de ser uma coisa grandiosa. Mas eles não entendiam essa
palavra até que um leitor ou o pregador a lia em voz alta de novo. A rigor, a leitura litúrgica em si ficava
muda." (Peter CORNEHL, op. cit., p. l50s.).

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Homilética

prédica encontram-se sob o mesmo perigo. Interessante neste contexto é o


fato de que, com o início da Era Moderna, a pregação optou por uma forma
diferente daquela da representação simbólica. Do ponto de vista da teoria da
comunicação pode-se constatar que, por intermédio da Reforma, teve lugar
uma troca do meio de pregação, a saber, uma troca da comunicação simbóli­
ca, mais acentuadamente visual da mensagem para uma comunicação mais
acentuadamente auditiva, lingüística. Essa troca de meios é experimentada
(em termos de conteúdo) como libertação.
Neste contexto encontram-se respostas para as perguntas, colocadas em
nossa Introdução, acerca da acentuação, muitas vezes unilatéral, da Igreja
protestante como Igreja da palavra. A palavra é concebida como contramedida
contra aquela mediação simbólica da salvação pela qual tão-só uma Igreja
hierarquicamente concebida seria responsável. E ao longo do tetnpo ela
manteve sua posição de destaque dentro da Igreja reformatória. Infelizmente
isso foi acompanhado· por um atrofiamento litúrgico. A compreensão de
palavra de Deus como palavra escrita ou falada pelo pregador representa uma
unilateralização que é problemática também do ponto de vista teológico.
Deus fala a nós também no sacramento, também a liturgia deve ser entendida
como acontecimento lingüístico, e a palavra de Deus é uma grandeza não
apenas auditiva, mas também visual e até tátil (Jo 1.14). Qualquer outra coisa
representa uma unilateralização do acontecimento da pregação, só podendo,
como tal, ser avaliada como uma limitação das possibilidades de Deus de
expressar-se aos seres humanos.

7.2.2 - Da época posterior à Reforma


até o início do séc. 20

a) Ortodoxia (fim do séc. 16 até inícios do séc. 18): As gerações que


se seguiram à Reforma (comumente isso refere-se à ortodoxia luterana)
estavam interessadas em consolidar e aprofundar a doutrina luterana e
reformatória. A pregação da Palavra foi colocada mais acentuadamente no
centro do culto. O que importava às prédicas da ortodoxia eram a doutrina
correta, a instrução na doutrina correta e o distanciamento em relação a
outros conteúdos doutrinais, principalmente católicos. A edificação ou a
nutrição da fé não tinham um papel tão decisivo.
Para entender o interesse e a preocupação da ortodoxia é preciso que
fique claro o quanto o século após a Reforma estava permeado por disputas
relativas à fé e doutrina e o quanto as jovens igrejas refonnatórias tinham ôe
lutar para manter-se. Assim entendidas, as prédicas doutrinais ortodoxas não

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Teologia Prática no contexto da América Latina

eram meras comunicações de mestre-escola, mas visavam fazer as comunida­


des assumirem a confissão duramente conquistada e a "doutrina correta" (e não
é outra coisa que signífica o termo "ortodoxia"). Desqualificar os teólogos e
pregadores ortodoxos como meros mestres-escolas equivaleria a não atínar
com a seriedade existencial que estava por trás de seus esforços acribológicos.
b) Pietismo (meados do séc. 17 até meados do séc. 18) e iluminismo
(séc. 18): Por trás do pietismo havia um interesse e uma preocupação bem
diferentes dos da ortodoxia. O pietismo, como se sabe, visa a conversão ou
renascimento do crente e, em decorrência dela, a santificação de toda a vida
cristã. Uma prédica pietista encontrava-se sob os seguintes signos: "l) Con­
vencer os ouvintes da verdade do fato salvífico; 2) edificação dos corações
pervertidos pelo pecado para que o Espírito divino tome morada neles; 3)
obtenção da bem-aventurança etema." 17 A prédica deveria mudar a vida da
pessoa, e por meio dela o crente deveria fazer uma experiência de fé e até
chegar a nascer de novo. A partír da prédica deveria resultar uma renovação
de toda a prática de vida, pois só com a doutrina acerca do cristianismo e sem
sua transposição na existência cotidiana não se poderia conduzir uma vida
que agrade a Deus. O pietismo atribui especial valor particularmente à
"santificação" da vida. A partir da prédica resulta uma transformação da vida
com base na experiência de fé feita ao se ouvir a prédica.
Neste ponto idéias pietistas e iluministas se tocam. Também para os
pregadores do iluminismo a edificação é o alvo da prédica. Eles pretendiam
influenciar, por meio do entendimento, o querer do ser humano, melhorá-lo e
ajudá-lo a chegar a uma vida edificante. O programa do iluminismo era a
educação humana de acordo com a razão, fortalecimento da vontade median­
te argumentos acessíveis ao entendimento, uma transformação ou consolida­
ção da prática de vida. Neste sentido os ideais eram: moral, virtude e, por
meio delas, a obtenção da felicidade, ou, simplesmente, a capacitação para
uma vida prática e social. A prédica do iluminismo sempre se entendia
também em termos educativos. Seus alvos eram formar o ser humano e
capacitá-lo para a vida. Com isso a prédica tomou-se cada vez mais o local da
reconciliação entre cristianismo e cultura. Assim, às vezes apareciam temas
de prédica esquisitos, como vacinação contra a varíola, alimentação do gado
no estábulo ou a pureza e impureza do ar. "Entretanto, a prática de prédica do
séc. 18 foi dominada pelo ponto de vista do supranaturalismo, que, embora
subordine tudo à Bíblia, orienta a tarefa da prédica pelos problemas da

17 Diet:rich RÕSSLER, op. cit., p. 329.

152
condução da vida diária." 18 A divisa do iluminismo que pairava sobre a
prédica era a libertação do ser humano de sua menoridade.
e) Daniel Friedrich Ernst Schleiermacher (1768-1834): No pensa­
mento de Friedrich Schleiermacher encontra-se uma concepção homilética
inteiramente distinta daquela proposta pelo iluminismo. Para ele o culto e a
prédica não são atividades docentes - neles não há nada para "aprender", nem
de modo geral em termos práticos, como nas prédicas da época do iluminismo,
nem em sentido dogmático, como na ortodoxia. Bem pelo contrário: na
prédica se expressa a autoconsciência piedosa do pregador, cujo interesse
seria introduzir a comunidade nesse sentimento piedoso e fazê-la sintonizar­
se com ele. O pregador sai do meio da comunidade, colocando-se diante dela,
e a faz participar, durante a prédica, do sentimento da religião. Ele comunica
à comunidade em sua alocução o que sente profundamente em si mesmo.
Segundo Schleiermacher, a prédica seria comunicação da autoconsciência
piedosa que se tomoú pensamento. "Ele [se. o pregador] adianta-se para
exibir sua própria concepção como objeto para os demais, para conduzi-los à
área da religião, onde é o lar dele, e para inocular-lhes seus sentimentos
sagrados: ele enuncia o universo, e em sagrado silêncio a comunidade acom­
panha seu discurso entusiasmado." 19
Schleiermacher era um teólogo com uma inclinação e sensibilidade
acentuadamente artística. A partir daí explica-se também por que ele colocou
a prédica numa relação de analogia com o lirismo. O discurso simples
dificilmente estaria em condições de explorar de modo adequado as dimen­
sões profundas da consciência religiosa. Para tanto seria necessária uma
linguagem que consiga vibrar junto com o conteúdo do discurso, assim como
a música o faz com as palavras do canto.
O que impeliria o pregador não seria seu próprio orgulho ou pretensão.
Pelo contrário: aquilo que ele sente interiormente faz com que comunique
isso à comunidade. "Sua primeira aspiração é, antes --_quando uma opinião
religiosa ficou clara para ele ou um sentimento piedoso permeia sua alma -,
também chamar a atenção de outras pessoas para esse objeto e, na medida do
possível, reproduzir nelas as vibrações de seu ânimo."2º

18 ID., ibid., p. 330.


19 Friedrich SCHLEIERMACHER, Über die Religion, p. 101.
20 ID., ibid., p. 99s.

153
condução da vida diária." 18 A divisa do iluminismo que pairava sobre a
prédica era a libertação do ser humano de sua menoridade.
e) Daniel Friedrich Ernst Schleiermacher (1768-1834): No pensa­
mento de Friedrich Schleiermacher encontra-se uma concepção homilética
inteiramente distinta daquela proposta pelo iluminismo. Para ele o culto e a
prédica não são atividades docentes - neles não há nada para "aprender", nem
de modo geral em termos práticos, como nas prédicas da época do iluminismo,
nem em sentido dogmático, como na ortodoxia. Bem pelo contrário: na
prédica se expressa a autoconsciência piedosa do pregador, cujo interesse
seria introduzir a comunidade nesse sentimento piedoso e fazê-la sintonizar­
se com ele. O pregador sai do meio da comunidade, colocando-se diante dela,
e a faz participar, durante a prédica, do sentimento da religião. Ele comunica
à comunidade em sua alocução o que sente profundamente em si mesmo.
Segundo Schleiermacher, a prédica seria comunicação da autoconsciência
piedosa que se tomou pensamento. "Ele [se. o pregador] adianta-se para
exibir sua própria concepção como objeto para os demais, para conduzi-los à
área da religião, onde é o lar dele, e para inocular-lhes seus sentimentos
sagrados: ele enuncia o universo, e em sagrado silêncio a comunidade acom­
panha seu discurso entusiasmado." 19
Schleiermacher era um teólogo com uma inclinação e sensibilidade
acentuadamente artística. A partir daí explica-se também por que ele colocou
a prédica numa relação de analogia com o lirismo. O discurso simples
dificilmente estaria em condições de explorar de modo adequado as dimen­
sões profundas da consciência religiosa. Para tanto seria necessária uma
linguagem que consiga vibrar junto com o conteúdo do discurso, assim como
a música o faz com as palavras do canto.
O que impeliria o pregador não seria seu próprio orgulho ou pretensão.
Pelo contrário: aquilo que ele sente interiormente faz com que comunique
isso à comunidade. "Sua primeira aspiração é, antes - quando uma opinião
religiosa ficou clara para ele ou um sentimento piedoso permeia sua alma -,
também chamar a atenção de outras pessoas para esse objeto e, na medida do
possível, reproduzir nelas as vibrações de seu ânimo."20

18 ID., ibid., p. 330.


19 Friedrich SCHLEIERMACHER, Über die Religion, p. 101.
20 ID., ibid., p. 99s.

153
A comunidade acompanha o pregador em suas descrições, deixa-se
conduzir pelo caminho indicado por ele. Ela responde em profundo silêncio e
em concordância de sentimentos com aquilo que ouve.
Quando termina seu discurso, o pregador volta para o círculo da comuni­
dade. Nada o eleva acima da comunidade. Neste ponto Schleiermacher era �
inteiramente um defensor do sacerdócio de todos os crentes. O elemento de
ligação entre a comunidade e o pregador é a relação comum com a Escritura.
Sob esta ótica �-se designar o procedimento homilético de Schleiermacher.
como dialógico: "E um diálogo com sua passagem da Escritura, que ele [se. o
pregador] inquire e que lhe responde, e com sua comunidade."21
d) Karl Barth (1886-1968): Para a teologia dialética, a tarefa da
prédica era tão-somente a "proclamação da palavra de Deus", e não instru­
ção, aplicação prática ou regalo com as profundezas de um sentimento
religioso indefinível. Nesta concepção, a questão decisiva da homilética é a
definição do relacionamento entre a palavra humana - que nossa prédica,
afinal, sempre é - e a palavra divina - que. uma prédica deveria ser. Ocorre
que, em certo sentido, a teologia dialética, ao definir o que é a prédica,
recorre a um padrão básico ortodoxo quando constata: praedicatio verbi Dei
est verbum Dei - "a pregação da palavra de Deus é palavra de Deus". A
palavra de revelação de Deus deve expressar-se na prédica; a prédica deve
poder tomar-se palavra de Deus. O pregador deve entender a si mesmo como
instrumento de Deus, que o requisita para, por meio da prédica do pregador,
tomar, ele próprio, a palavra. Isto, naturalmente, está fora do domínio do
próprio pregador, e a prédica é a "possibilidade impossível" do pregador.
Numa pequena homilética22 Karl Barth oferece a seguinte definição de
doutrina da prédica em duas partes:

1. A prédica é palavra de Deus, falada por ele mesmo lançando mão do serviço
da' explicação - em discurso livre, dirigido a pessoas da atualidade - de um texto
bíblico por parte de uma pessoa vocacionada para isso na Igreja obediente à sua
missão. 2. A prédica é a tentativa ordenada à Igreja de servir à palavra do
próprio Deus por meio de uma pessoa vocacionada para isso, e de servir a ela de
tal modo que um texto bíblico seja explicado, em discurso livre, a pessoas da

21 ID., Praktische Theologie, p. 216.


22 Surgida de um resumo por escrito de um seminário sobre Homilética dado no semestre de inverno de
1932 e no semestre de verão de 1933 em Bonn.

154
HomilétiC8

atualidade como texto que diz respeito justamente a elas enquanto anúftció
daquilo que têm a ouvir do próprio Deus. 23

Barth está perfeitamente consciente da enorme exigência que sua tentativa de


definição necessariamente representa para todo pregador. O pregador sempre
fica aquém dessa exigência de cumprir sua tarefa como proclamador da palavra
de Deus. Ele próprio é recebedor da palavra de Deus, sem poder estar seguro de
que também cumpre essa exigência e sua incumbência; pois o que ele tem a
oferecer é sempre apenas palavra humana. Só o próprio Deus pode fazer dessa
palavra humana palavra de Deus que alcança e atinge o ouvinte24 •
A tendência da teologia dialética deve ser entendida como reação e
medida defensiva contra toda e qualquer tentativa humana de cooperar no
acontecimento da revelação de Deus. O ser humano é recebedor da palavra de
Deus. Também o pregador, não obstante todos os esforços que deve envidar
em sua preparação·para a prédica, não pode saber se.com suas palavras ele
realmente proclama a palavra de Deus. Isto permanece tão-somente um efeito
produzido pelo próprio Deus. "A revelação é um círculo fechado em que
Deus é o sujeito e o objeto e a mediação entre ambos."25

Excurso:
A influência da tradição homilética anglo-saxã
sobre o protestantismo latino-americano
A missão protestante na América Latina partiu dos Estados Unidos. No
início do séc. 19 formaram-se na Europa e nos EUA sociedades missionárias
que se colocaram como tarefa anunciar o cristianismo também nas partes do
mundo que ainda não haviam sido cristianizadas ou, como no caso da Améri­
ca Latina, eram católicas. O evangelho deveria ser divulgado a toda a huma­
nidade.
A missão na América Latina teve início numa época em que a idéia de
missão desfrutava de extrema simpatia e popularidade. No ano de 1900

23 Karl BARTH, Homiletik, p. 30.


24 Quanto ao desdobramento da palavra de Deus em três fonnas empreendido por Bartk. veja ID�
Kirchliche Dogmatik, vol. I,1.
25 Op. cit., p. 33.

155
Teologia Prática no contexto da América Latina

aconteceu em Nova Iorque o maior evento missionário de massas da história,


a Ecumenical Missionary Conference, com 170 a 200 mil visitantes26 •
A corrente teológica mais importante da qual proveio a idéia de missão
e que era, ela própria, fundamental para a missão naquela época era a teologia
do movimento de despertamento. Ela representa uma corrente de piedade
supradenominacional que queria despertar as pessoas para a graça de Deus.
Por meio da morte de Cristo o fardo do pecado teria sido suspenso para todos
e, com isso, o ser humano seria capaz de conformar sua vida em correspon­
dência com os princípios básicos universais dados por Deus. Em princípio ele
seria livre e responsável por sua própria vida, e, após seu renascimento
espiritual, estaria em condições de viver de modo agradável a Deus e moral.
A prédica de despertamento era uma alocução que acentuava os senti­
mentos e se dirigia ao coração e às emoções dos ouvintes. Ela visava que a
pessoa se conscientizasse de sua própria sujeição ao pecado, se arrependesse
de seus pecados, aceitasse a Cristo como seu redentor e "renascesse".
Está em pauta a experienciabilidade viva da graça divina e da decorren­
te transformação de toda a vivência (santificação).
A prédica de despertamento de proveniência norte-americana está associ­
ada à doutrina calvinista da predestinação, que constitui um fator civilizatório
essencial da cultura americana (Max Weber). A partir daí pode-se entender
também o caráter acentuadamente individual da prédica: o indivíduo é respon­
sável por sua vida, o indivíduo é interpelado pela prédica, o indivíduo precisa
decidir-se por Deus e aceitar Jesus como seu redentor. Hoje em dia esse aspecto
individualista é avaliado criticamente por alguns pesquisadores: fala-se do
perigo da ruptura com o entorno latino-americano e percebe-se que, por meio
da prédica, os valores tradicionais da coesão familiarforam atacados27 •
, Embora esse enfoque da missão norte-americana seja, a rigor, sem
vinculação eclesial, ele leva - igualmente seguindo o modelo americano - à
formação de igrejas denominacionais na América Latina28 • As igrejas episco­
pal, presbiteriana, congregacional, batista e metodista estavam e continuam
estando ligadas ao movimento missionário anglo-saxão.

26 Hans-Jürgen PRIEN, Die Geschichte des Christentums in Lateinamerika, p. 795.


27 "A comunidade protestante substituía os vínculos sociais destruídos ou comprometidos por causa da
conversão e troca de fé por outros que, na nova situação, eram entendidos como mais valiosos" (ID.,
ibid., p. 804).
28 Veja ibid., p. 802.

156
Homilética

Existe uma estreita relação interna entre o pietismo, o movimento de


despertamento que o sucedeu temporalmente e o movimento pentecostal que se
seguiu a ele. As prédicas de todas essas tendências de piedade dirigem-se ao
sentimento da pessoa. É no coração que Deus deve poder ser experimentado, o
pecado confessado e Cristo aceito como Senhor. Da prédica e da conversão
seguem-se as boas ações; a vida deve ser vivida numa santidade digna de Deus.

7 .3 - Temas centrais da prédica


7 .3.1 - Legalismo na prédica

A palavra-chave "legalismo na prédica" refere-se a uma questão de


grande importância na prática da prédica evangélica: trata-se de nada menos
do que de "condições prévias para a salvação", que são repetidamente enun-
ciadas em prédicas. O que quer dizer isso?
Um dos temas centrais - se não o tema absolutamente central - da
teologia evangélica é constituído pela doutrina da justificação do pecador pela
ação amorosa de Deus em Jesus Cristo. A salvação humana é um dom da graça
de Deus que o pecador não tem condições de fazer por merecer de modo algum.
O indivíduo encontra-se diante de Deus como pecador e é justificado unica­
mente pela graça divina. A tarefa da prédica é testemunhar essa ação graciosa
de Deus ao ouvinte, tomá-la transparente para ele - na medida em que isso é
humanamente possível. Portanto, o motivo mais forte para a prédica evangélica
é a aceitação amorosa e, por isso, gratuita do pecador por Deus.
Interessantemente, porém - e, ao mesmo tempo, lamentavelmente -,
encontram-se em muitas prédicas afirmações que fazem da salvação uma
grandeza a ser adquirida pelo ser humano. Como se dependesse de nós abrir
um caminho para a graça que brota do amor de Deus. Tais afirmações feitas
em prédicas constituem conclamações ou exortações ocultas para realizações
prévias que o ouvinte da prédica teria de fazer para ter acesso à graça de
Deus. No que se segue vamos tentar examinar teologicamente o legalismo na
prédica evangélica - pois é disso que trata esta questão.
O estilo legalista de falar se reconheceria - segundo Manfred Josuttis29
- pelo fato de deixar o ouvinte sozinho com o texto ou consigo mesmo. De

29 Manfred JOSUTIIS, Gesetzlichkeit in der Predigt der Gegenwart. Esta· seção reporta-se de modo gemi
a esse livro. · · · ·J'

157
Teologia Prática no contexto da América Latina

cima do púlpito se levantam exigências ou se apresentam exemplos de


comportamento correto. A maneira de lidar com essas exigências fica por
conta do ouvinte. A prédica torna-se instrumento, veículo de comunicações
legalistas. Não é mais a audição da palavra de Deus que está em primeiro
plano na prédica, e sim o cumprimento de determinações legalistas. Conse­
qüência disso é uma compreensão diametralmente errônea daquilo que, no
fundo, importa na prédica.
A prédica é um acontecimento lingüístico. Ela não tem um sentido
adicional, que vá além dela mesma; i. é, ela faz sentido e é significativa em si
própria. Não é portadora de informações para mensagens, apelos, medidas
educacionais. No acontecimento lingüístico da prédica deve ser dado espaço
suficiente ao "evento" que a palavra de Deus representa. A palavra de Deus
deve ser expressa. Quem, como pregador, restringe esse espaço por meio de
apelos, exortações ou pela insistência num ter-como-verdadeiro desprovido
de crítica restringe a palavra de Deus.
Quem faz isso arrasta o ouvinte para longe da palavra de Deus. O que
poderia acontecer - a saber, que a palavra atinja o ouvinte - acaba ficando de
fora. A gente fala "sobre" como eram as coisas nos tempos bíblicos, "sobre"
aquilo que poderia resultar da palavra de Deus. Mas se deixam de fora o
presente, o agora em que o pregador fala e o ouvinte ouve. Só mais tarde,
após o culto, o ouvinte deve adaptar o que o pregador esboça em palavras
como ideal, deve orientar-se por isso "lá fora", no cotidiano. Porém não se
concede à prédica o atributo de que a palavra tenha uma força que pode atuar
aqui e agora.
O que parece se manifestar e refletir aí não é outra coisa do que uma
falta de confiança na palavra de Deus como grandeza dinâmica, criadora,
sacramental.

Paulo chama o evangelho de poder de Deus e diz que a lei impele o ser humano
para o pecado. (...) O evangelho presenteia aquilo de que fala e distribui aquilo
para que conclama. A palavra de Deus, portanto, não deixa o ouvinte vazio; ela
o transforma, de uma maneira ou outra, para a vida ou para a morte.30

O legalismo, por sua vez, que emerge e pode ser observado constante­
mente na prédica, carece justamente dessa confiança na capacidade de atua­
ção da Palavra. Por isso tais prédicas admoestam, apelam, conclamam. A

30 ID., ibid., p. 16.

158
unidade de Palavra e efeito, que pode transparecer no ato da pregação, é
desfeita. Embora ainda se fale a Palavra na prédica, aquilo "que realmente
importa" (?) é transferido para um tempo posterior. Após a prédica, após o
culto é que deve acontecer a ação da fé, deve ser tomada a decisão pela fé (!),
o ser humano deve mostrar sua obediência. "Não é mais a Palavra que faz
algo do ser humano, mas é o ser humano que deve fazer algo da Palavra."31
Mas a prédica não é nem um manual de instruções nem tem a tarefa de
transmitir notícias. Isto pode parecer provocador, mas o "valor informativo" de
uma prédica é realmente baixo. Quase não há novidades a comunicar. A Bíblia
é um dos livros mais lidos da literatura mundial. A gente "sabe" o que há nela
para se ler. No tocante ao conteúdo da Bíblia, os pregadores não têm qualquer
vantagem em termos de informação. O que eles têm de conhecimento que vai
além da medida normal é o conhecimento teológico especializado, maà este
não deve constituir o conteúdo da prédica no púlpito. Infelizmente, como
ouvintes acabamos ouvindo repetidas vezes detalhes exegéticos acerca do texto
de prédica. Ao fazer isso, o pregador se retira para uma "posição segura" e
apresenta à comunidade fatos históricos ou conhecimentos exegéticos "segu­
ros". De certo modo ele objetifica o texto de prédica, transformando-o, assim,
numa grandeza manuseável. Além da questionabilidade retórica desse procedi­
mento (a quem interessa isso?), há um aspecto teologicamente problemático
nisso. O recurso à historicidade encerra o perigo de que a apresentação de
histórias do passado remoto se tome uma espécie de relato de fatos salvíficos
cuja importância ou significância para o presente seja afirmada. Cabe unica­
mente ao ouvinte, então, ter esses fatos históricos salvíficos como "conteúdos
de fé". Com isso, porém, a fé toma-se uma realização a ser feita pelo ouvinte.
Outra variante de pregação exegética consiste em atribuir às histórias
bíblicas um caráter modelar, que conclama o ouvinte a seguir o exemplo.
O aspecto legalista em ambas essas formas de lidar com o texto consiste
em que se conclama o ouvinte a medir-se pelo texto. Com isso a prédica
toma-se uma exigência de algo que o ouvinte deve desempenhar. Ele deve
portar-se correspondentemente para poder fazer jus às determinações da
prédica. De um modo dificilmente perceptível insinua-se um legalismo que
transforma o ouvir e o anunciar a graça num prelúdio que o ouvinte deve
confirmar por sua ação posterior. Essa ação posterior, contudo, deve, inversa­
� mente, ser entendida como uma preparação para a graça, a qual, a rigor�
deveria ser gratuita.

31 lbid.

159
Teologia Prática no contexto da América Latina

A gente sempre supõe que as histórias do Antigo e do Novo Testamento


nos digam respeito de maneira direta ou imediata. Isto, porém, é um erro
hermenêutico. A imedíatez não está dada por si. A tarefa da prédica consiste
justamente em fazer a palavra chegar até o ouvinte. O texto deve repetir-se no
acontecimento da prédica. Mas agora não de tal modo que ele seja mais uma
vez lido em voz alta ou narrado de novo. O texto que se repete no sentido que
aqui temos em mente não é uma história morta, mas toma-se vivo na prédica,
toma-se autônomo, palpável, apreensível para além da faticidade histórica.
Esse é o caráter de acontecimento que é próprio da prédica e que permite que
na prédica possa acontecer a palavra de Deus. O estreitamento legalista do
texto impede a possibilidade do acontecimento. Esses legalismos deixam o
ouvinte sozinho. Depois de ouvir a prédica, ele precisa perguntar-se como
deve lidar agora com a salvaç ão que, a rigor, deveria ser-lhe prometida na
prédica, mas que agora está situada num passado distante ou num futuro a ser
ainda criado. A própria prédica permanece vazia como lugar de acontecimen­
to da salvaç ão. Ora, a tarefa que temos como pregadores é justamente não só
falar sobre a salvaç ão, mas fazê-lo de tal maneira que ela também possa
acontecer no momento. Se a própria prédica não é mais o lugar e aconteci­
mento nos quais a palavra de Deus possa ocorrer como palavra salvífica para
o ser humano, mas se se precisa remeter para um antes ou um depois, neste
caso a prédica não cumpriu sua tarefa.
Em prédicas atuais existe uma tendência32 ao imperativo. Isso pode estar
relacionado com a descoberta de que no NT a parênese é fundamentada na
seqüência de indicativo e imperativo. O imperativo que se segue ao indicativo
tem, na prédica do NT, a tarefa de constituir um auxílio para a fé sob as
condições do cotidiano. O perigo legalista que se revela na atual tendência ao
imperativo consiste no fato de o imperativo ser distorcido, passando a ser uma
condiç ão prévia da salvaç ão ou uma norma de desempenho para o cumprimen­
to da vida cristã de fé. E aí o imperativo é refundido no antigo padrão pietista:
"É iss� o que Deus fez por você - o que você vai fazer por Deus?". Também
aqui ocorre.o que foi mencionado acima: à socapa a salvação toma-se uma
grandeza que pode ser conquistada, ou até-e pior ainda- a realização exigida
pelo imperativo toma-se um pressuposto da graça.
O que acontece em matéria de expressões legalistas na prédica não se
deve apenas a urna falta de capacidade de expressão retórica. "Você deve...";
"Deus quer que nós..."; "Nós temos de..."-tais medidas estilísticas coercivas

32 Manfred JOSlmlS, op. cit, p. 36 e passim, não hesita em falar em "mania" ou "vício".

160
Homilética

talvez contenham indicações de afirmações legalistas, mas, por si, são na


melhor das hipóteses desajeitadas, porém ainda não problemáticas em termos
teológicos. Se, contudo, a prédica sugere ao ouvinte uma cooperação - seja
de que espécie for - na graça, então devem-se expressar restrições teológicas
do mais alto grau. Moralizações, eticizações e idealizações colocam o ouvin­
te em verdadeiros apuros ou dilemas, o deixam sozinho diante do texto e com
ele, mas principalmente não atinam com a ação exclusiva de Deus na conces­
são da graça.
Mas - pode-se objetar - não é verdade que o Espírito conclama e leva à
ação de amor? Nem queremos contestar isso. Apontamos, antes, para um
equívoco entusiasta. O fazer deve seguir-se do ouvir. A ação de amor deve ser
entendida como ação do Espírito. Deveria estar claro, porém, que o Espírito
não faz parte das posses habituais do ser humano. O ser humano hão vive no
estado de santificação, o que pressuporia uma presença constante do Espírito.
Antes, ele é e permanece pecador, simul iustus et peccator. Como pecador
que é ao mesmo tempo justificado ele deve obedecer os mandamentos de
Deus, mas sempre ciente de que, através dessa ação dele exigida, não adquire
um mérito que subsistisse perante Deus.
Se, contudo, essa dialética tiver sido percebida, a prédica tem o direito e
também a incumbência de conclamar à ação. A prédica não deve se transfor­
mar numa autodeformação religiosa. Ela tem seu lugar no mundo e uma
tarefa para o mundo. Deve testemunhar a verdade de Deus. E se ela faz isso
coram mundo, diante deste mundo, então sempre está associada a isso a
incumbência de chamar pelo nome aquilo que, neste mundo, depõe contra
Deus - portanto, o pecado. Neste ponto se confia ao pregador uma importante
tarefa teológica e espiritual. E muitas vezes ele precisa encontrar o caminho
estreito que distingue o que tem de ser qualificado teologicamente como
pecado das opiniões, preconceitos, moralismos e ideologias. A verdade,
também a verdade humana, deve permanecer verdade na prédica, e o pecado
deve ser chamado por seu nome.

7 .3.2 - Prédica política33

Como zoon politicon o ser humano sempre já está envolvido em proces­


sos, situações e afirmações políticas. Ele não pode não ser político. Convive

33 Nesta seção reporto-me ao ensaio de Albrecht GRÕZINGER intitulado Politische Predigt.

161
Teologia Prática no contexto da América Latina

com outras pessoas, sua família, seus amigos, seus vizinhos, seus concidadãos.
Ele não pode se esquivar da participação no processo de estruturação e
organização da sociedade, pois também uma recusa de participar de proces­
sos políticos é um enunciado político.
O mesmo aplica-se à prédica. Como discurso, como alocução dirigida �
membros de comunidade que são, ao mesmo tempo, membros de uma socie­
dade política, ela não cai num espaço sem política. O pregador diz algo
acerca de determinadas situações políticas - ou deixa de dizê-lo. Ambas as
coisas têm seu peso, ambas são registradas e processadas pelo ouvinte da
prédica.
Ora, existe, para além da impossibilidade de ser não-político, um "direi­
to" ou até uma "tarefa" de fazer prédica política?
O título "Prédica política" obriga a uma análise da história da Igreja e da
teologia que aqui, todavia, só pode ser feita de modo rudimentar. Desde seu
início o cristianismo estava colocado na tensão entre religião e política. As
afirmações de Paulo em Rm 13. lss. apontam para primeiras perguntas a
respeito de como os cristãos deveriam regulamentar seu relacionamento com
o Estado. As perseguições às quais a jovem cristandade esteve exposta nos
primeiros séculos são resultado dessa tensão. E embora a ameaça para a
jovem Igreja tenha sido afastada pelo edito de tolerância de Constantino em
313 d.C., intensificou-se, ainda assim, o questionamento acerca de como se
deveria ordenar e conceber teologicamente o relacionamento entre religião e
Estado. Em última análise, essa questão ficou não-resolvida, e as tensões
entre a Igreja e os respectivos detentores do poder mudavam de acordo com
quem ocupava os cargos decisivos.
Na esteirá da Reforma ocorreram distúrbios políticos consideráveis. E
muitas vezes, colocar-se do lado da Igreja Romana ou dos reformadores era
uma decisão política para as dinastias. Em 1523 Lutero redige seu escrito "Da
autoridade secular, até que ponto se lhe deve obediência". E ele incute tanto
nos crentes quanto nos governantes que é a Deus que se deve obedecer em
primeiro lugar. Os príncipes deveriam tratar seus súditos de tal maneira que
estes se beneficiem de sua política de governo - e não os próprios príncipes.
Também e justamente para os governantes Cristo é o modelo pelo qual é
preciso orientar-se. Em sua "doutrina dos dois reinos" Lutero desenvolve a
idéia de que na Igreja é só a palavra que deveria governar. Esta máxima
suprema aplicar-se-ia também ao âmbito político, mas, para proteger o direito
e a ordem, as autoridades também têm ainda a espada à disposição. Ambos os
reinos, o reino da Igreja e o reino do Estado, estão subordinados ao manda­
mento de Deus, do qual partem as incumbências e instruções. Por ser isto
Homilitica

assim, a Igreja teria a tarefa de admoestar constantemente o Estado e lembrá­


lo de sua fundamentação e incumbência pela palavra de Deus.
E com isso Cristo nos mostrou e deu uma lição de que não se deve silenciar a
verdade diante dos graúqos, mas de que se os devem admoestar e censurar por
causa de sua injustiça... E que existe uma grande diferença entre as duas coisas:
sofrer injustiça e violência e silenciar a respeito delas. A gente deve sofrer a
injustiça e violência, mas não deve calar acerca delas... É que os prfucipes e
poderosos suportam que se critique o mundo inteiro, desde que eles próprios não
sejam criticados. Ainda assim, também é preciso criticá-los, e quem exerce o
ministério (da pregação) tem a obrigação de dizer-lhes onde cometem injustiça,
mesmo que eles pretextem dizendo que criticar os poderosos levaria a tumultos.34

A Igreja não teria a autoridade para produzir o direito, a ordem ,e a


obediência por conta própria, mas compete perfeitamente a ela em sua
pregação chamar a injustiça· e violência publicamente por seu nome. Esta é a
argumentação de Lutero em favor de uma prédica política. A Igreja teria
inclusive a obrigação de cumprir essa tarefa para as "autoridades". Decisiva
para o cumprimento dessa tarefa, entretanto, seria a distinção estrita entre
Igreja e Estado. Só pode cumprir seu ministério profético uma Igreja que não
entende a si mesma como condutora do Estado. Nessa argumentação a
prédica política não se toma algo que a Igreja pode fazer ou deixar de fazer.
Ela toma-se parte constitutiva do conjunto de sua missão.
Com essa tese, contudo, abrem-se todos os perigos que estão dados com o
termo-chave "prédica política". Sem uma suficiente apropriação hermenêutica
da afirmação acerca da necessidade da prédica política no respectivo contexto
político e social, a prédica política pode degenerar transformando-se em prédica
"polêmica". A incumbência teológica encerra uma reflexão teológica constante
sobre a respectiva situação que não pode, ela própria, ser fundamentada politi­
camente (ou até de modo subjetivo e tendencioso). Quem, como pregador, tem
de pregar politicamente faz isso em sua responsabilidade como teólogo, não
como cidadão ou defensor de sua própria opinião política. Isso pressupõe uma
compreensão clara da separação das dimensões religiosa e política.
Nenhuma pregação cristã deveria arrogar-se uma competência política
que em princípio superasse a competência dos outros participantes do proces­
so de formação da vontade política. A responsabilidade que o pregador -
t'ãmbém o pregador político - tem diante da Sagrada Escritura como palavra

34 Martinho LUTERO, Prédica sobre Jo 18.8-9, de 13-03-1529; cf. WA 28, 360ss.

163
:Ceológia Prática no contexto da América Latina

de Deus não deve ser entendida erroneamente como posse habitual, que lhe
possibilitasse assumir uma posição mais qualificada do que a dos outros. A
prédica política é uma voz ao lado de outras no concerto da formação da
vontade política; qualquer outra postura acarreta o perigo do clericalismo35 •
Com isso se indica que também a prédica política tem de envolver-se num
processo de formação da vontade política, que existe num Estado pluralista. "'
O transcurso da democratização foi diferente nos estados da Europa e nos da
América do Sul. Ao passo que na Europa foi o abandono da ordem hierárqui-
ca tradicional que precisou ser imposto, também contra a resistência das
igrejas, na América do Sul foram constantemente as igrejas que lutaram pela
democratização com os meios que tinham à disposição. A democracia traz
necessariamente consigo o pluralismo- na vida cultural, religiosa e política
de uma nação. Esse pluralismo merece ser protegido e conservado.
Se a pregação política não se entende como uma voz entre outras, ela
expõe o processo de democratização da qual ela própria participa aos perigos
de uma unilateralização. A democracia precisa de muitas vozes e muitos
valores (polivalência). Como pregadores temos de acrescentar mais uma voz
a esse coro de vozes: a voz do evangelho, que está fundamentado na liberta­
ção do povo de Israel e que sabe contar histórias de liberdade. Pressupomos
que essas histórias também sejam essenciais no discurso político e para ele.

7.3.3 - Retórica, poética e prédica


A prédica é linguagem, linguagem escrita, linguagem falada. Quem se
ocupa.com a prédica ocupa-se com o fenômeno da linguagem. O que é a
linguagem? Responder esta pergunta é muito difícil p9rque a própria resposta
só poderia ser dada com meios lingüísticos. Ainda assim, arriscamos fazer
uma teqtativa. Para tanto optamos por um acesso pragmático à questão e
perguntamos inicialmente pela função da linguagem.
A linguàgem visa surtir um efeito. Esta é a percepção básica de toda retó­
rica. Toda comunicação visa alcançar alguma coisa no ouvinte: assentimento,
mudança de opinião, mudança do comportamento, etc. "Quem fala ou escreve
quer o consenso com o ouvinte ou leitor- do contrário poderia calar-se."36

35 Veja, quanto a isso, as advertências de Barth contra um "Estado clerical"; Karl BARTII, Justificação e
direito, in: ID., Dádiva e louvor, p. 276s.
36 Gert O'ITO, Handlungsfelder der Praktischen Theologie, p. 260.

164
Homilética

Como forma lingüística a prédica se enquadra no cânone das figuras


retóricas37 • Também ela visa o ouvinte, quer comunicar-lhe algo e com isso
conseguir uma mudança de comportamento. "Mudança de comportamento"
significa neste caso concordância ou rejeição em relação a determinadas
questões - justamente consenso - e não tem apenas intenções morais.
Agora colocam-se as perguntas: o que deve ser comunicado? como isso
deve acontecer? A prédica se defronta aí com a dificuldade de ter de falar
sobre coisas diante das quais, em última análise, toda linguagem precisa
capitular. "O destino de ser indizível é algo que o Supremo compartilha com
o mais baixo: nem Deus nem a cor deste papel podem ser descritos com
palavras."38 Para não cair numa imobilidade lingüística neste ponto, é útil
distinguir um emprego "instrumental" e um emprego "medial" da lingua­
gem39. Para poder subsistir em nosso cotidiano, denominamos as coisas com·
que nos cercamos como se elas estivessem dadas de modo inequívoco. Ao
fazermos isso, nossa linguagem cotidiana serve de instrumento (daí vem o
termo "emprego instrumental da linguagem") para designar as coisas do
mundo, das situações, das pessoas. Precisamos comportar-nos de modo ine­
quívoco em relação às pessoas e aos objetos, senão não somos capazes de
viver. Não problematizamos o mundo, não o questionamos, mas o designa­
mos e, com isso, o utilizamos. Os resultados da teoria do conhecimento já
mostraram suficientemente que, em última análise, essa visão das coisas é um
erro de interpretação - vemos o mundo da maneira como precisamos dele.
Nosso mundo não é assim como pensamos encontrá-lo dia após dia, mas nós
acordamos em vê-lo assim. E o fato de nosso cotidiano de modo geral
funcionar nos dá razão num primeiro momento.
E, ainda assim, percebemos repetidamente que os nexos são mais com­
plicados. Nossa percepção cotidiana esbarra em limites e a linguagem cotidi­
ana não é suficiente para declarar meu amor à mulher de minha vida, para
descrever o poder avassalador de um oceano que ruge ou o sentimento de
perdição ou aceitação neste cosmo. Ao entrarmos em tais dimensões românti­
cas, religiosas ou existenciais da vida, precisamos passar do emprego instru­
mental da linguagem para o emprego poético ou "medial". Abrimos mão do
caráter instrumental da linguagem e as coisas do mundo não são mais utiliza­
das para nosso proveito. Afinal, os olhos dos entes mais queridos não são
objeto paar um oftalmologista.

37 Isso é contestado pela teologia dialética; veja Eduard THURNEYSEN, Die Aufgabe der Predígt.
38 Ortega y Gasset, cit. ap. Gert OITO, op. cit., p. 260.
39 A distinção entre emprego instrumental e medial da linguagem é tomada de ID., ibid., p. 263ss.

165
Teologia Prática no contexto da América Latina

Por meio do emprego medial ou poético da linguagem o mundo muda de


rosto. O que está em pauta não é mais a manuseabilidade dos objetos, mas o ato
de transcendê-los. No emprego poético da linguagem se cria um sentido que
antes não existia. O próprio acontecimento lingüístico cria sentido. No decurso
do falar o sentido encontra uma presença tal que sem a fala esse sentido não
seria possível. Coisas novas se revelam, coisas velhas mudam de aspecte,
coisas nunca conhecidas tomam-se visíveis. Quem fala em linguagem poética
"abre uma porta" que, sem esse falar, nem sequer estaria na parede.
A prédica não visa ser um poema. Por isso, em nosso caso o termo
emprego "medial" da linguagem é adequado e aduzimos o termo-chave
"poesia" meramente para fins de explicação. "Emprego medial da lingua­
gem" significa que a linguagem é usada em sua qualidade de operar como
meio40 para sentido. Aqui se faz referência ao caráter permeável da lingua­
gem em relação à transcendência e, ao mesmo tempo, se atribui à linguagem
a capacidade de dar à luz ("língua materna").
A prédica, que trata de Deus, interrompe nosso cotidiano. Por isso ela
não pode ser uma linguagem cotidiana. Não obstante, utiliza os mesmos
signos como aquela. Nessa identidade dos signos provavelmente estão funda­
mentadas em grau considerável as contendas teológicas que surgem constan­
temente. Sem a distinção entre emprego instrumental e medial da linguagem
só podem acontecer mal-entendidos na disputa, pois um partido não consegue
entender o outro, embora ambos usem as mesmas palavras.
O que se ganha para a prédica a partir da distinção das modalidades de
linguagem? Já foi dito que a prédica não é um poema. Mas o emprego medial
da linguagem não se restringe unicamente à poesia. Existem obras científicas
que se prestam perfeitamente à "leitura", ao passo que outras não vão além do
nível de livro escolar (em termos lingüísticos).
As distinções que fizemos entre o emprego instrumental e o medial da
linguagem colocam alguns problemas sob uma luz mais clara e têm repercus­
sões para a prática da pregação. Apontamos em primeiro lugar para as
exortações, repetidas com freqüência, de que a linguagem da fé e da prédica
deveria ser a linguagem do cotidiano. Tais máximas foram levantadas com
base em experiências de prédicas nas quais o pregador faz uso de uma
linguagem técnica ou científica de difícil compreensão ou se expressa de
maneira dogmática. Quanto a isso deve-se dizer que muitas vezes a exegese e

40 Aqui vale a pena remeter à afirmação central de Marshall McLuhan: o meio é a mensagem.

166
a dogmática obstruem o acesso da comunidade ao texto ao invés de iluminá­
lo. Prédicas dogmáticas ou exegéticas são muitas vezes o exemplo mais claro
de uma comunicação malograda, porque o pregador emprega um código
lingüístico diferente daquele dos ouvintes da prédica. A exortação a pregar na
linguagem do cotidiano pretende advertir contra esse abuso da linguagem
técnica ou científica.
Ora, depois de termos visto para que serve a linguagem do cotidiano - a
saber, para usar as coisas, o mundo-, só podemos ainda advertir contra um
emprego irrefletido da linguagem instrumental - e a linguagem técnica ou
científica representa exatamente esse caráter instrumental da linguagem.
Fazemos isso por duas razões:
1) A linguagem do cotidiano só repete, fixa, usa e funcionaliz& as coisas
(Deus!). Por meio da linguagem cotidiana nós utilizamos as coisas sobre as
quais falamos, as domesticamos.
Exatamente no mesmo nível de argumentação deve-se fazer frente à tese,
expressa repetidas vezes, de que a linguagem do cotidiano deveria ser a lingua­
gem da fé e da prédica. O cumprimento dessa exigência, por mais convincente
que seja no marco de um conceito demasiado superficial de compreensibilidade,
teria necessariamente de privar o ouvinte justo daquilo que é mais e que é
diferente da repetição de seu cotidiano, da repetição das fixações e estreitamentos
transportados pela linguagem do cotidiano. 41

2) Tal emprego instrumental das "palavras sagradas" as transforma em


meios para um fim: com isso domesticamos a Deus de acordo com nossos
critérios e interesses.
Onde a linguagem do cotidiano domina, onde nós dominamos com a linguagem
do cotidiano, aí tudo tem sua ordem, aí tudo está em ordem. Acerca de uma
linguagem da fé, entretanto, falamos com vistas a que algo extraordinário
irrompa em nossas ordens habituais, e isto quer dizer: deva ser expresso pela
linguagem. No âmbito de sentido da fé e da experiência religiosa a linguagem
deve ser mais do que um instrumento que se usa para fazer referência. Ela deve
possibilitar não apenas o discurso sobre experiências, mas as próprias experiên­
cias; ela deve não só designar coisas compreendidas, mas ser meio do ato de
compreensão. 42

41 Ibid., p. 273.
42 J. ANDEREGG, Sprache und Verwandlung, 1985, p. 84, cit. ap. ibid., p. 274.

167
Teologia Prática no contexto da América Latina

Neste contexto queremos apontar para outro problema, um equívoco


que, ao que tudo indica, não se percebe com tanta facilidade. Está associado
ao que, em termos teológicos (em termos teológicos vulgares), se entende (ou
entende erroneamente) sob o conceito-chave narração. A idéia de uma
teologia narrativa ou de uma homilética narrativa está estreitamente associa­
da ao que procuramos entender sob o conceito de emprego medial da lingua­
gem. Ao se empregar a linguagem narrativamente, ao se narrar, a linguagem
torna-se permeável, transparente para padrões de sentido e significado que
nascem por meio das palavras. A exemplo de um poema, a narrativa pode
abrir mundos que antes não eram visíveis, pode desvelar um sentido que
antes estava cerrado.
Isso é algo completamente diferente do emprego finalístico de histórias
como instrumentos de explicação ou até de educação. Também narrativas,
assim como poemas, canções e quadros ou imagens, são passíveis de usurpação
e utilização funcional, e a história da agitação política está cheia de exemplos
disso. A narração, por sua vez, insiste na liberdade do ouvinte de encontrar
seu sentido. Assim como,. aliás, deve-se insistir na liberdade do narrador de
narrar sua história. E em última análise - isto é particularmente importante no
caso da Bíblia - é preciso deixar que a história fique com sua própria razão.
Quando se começa a entender textos como grandezas autônomas que estão
fora de nosso alcance, começa-se a ter respeito pelo texto, pela história, pelo
poema. Para o pregador isto significa, por um lado; que a factibilidade de
textos, prédicas, narrativas que criem sentido está fora de seu alcance. Isso,
porém, não o dispensa do dever de realizar o exercício de escrever e falar, de
pregar. Também neste caso é verdade: em última análise não depende de nós
que nossa prédica se torne palavra de Deus. Mas podemos fazer alguma coisa
para que isso aconteça - e muita coisa para que tsso não aconteça.

7 .4 - Teses sobre a prédica


Ao repassarmos a história da prédica e ao observarmos alguns proble­
mas que são relevantes para a prédica, diversos esboços ou projetos torna­
ram-se visíveis. A prédica foi entendida como lugar de ensino e formação
(ortodoxia e iluminismo), de renovação e consolidação da fé, com a
concomitante reivindicação das repercussões da fé no cotidiano (pietismo),
como comunicação da autoconsciência piedosa (Schleiermacher) ou como
proclamação da palavra de Deus por Deus mesmo (Barth). Problemas parti­
culares estão associados à transformação do evangelho em lei (legalismo),
mas também à questão da prédica política ou do discurso poético que pode
ser utilizado pela prédica.

168
Homilética

Todas essas áreas temáticas são tomadas do contexto da homilética


alemã. O fato de não termos utilizado bibliografia latino-americana deve-se,
não por último, ao fato de que na área de homilética quase não existe
bibliografia aqui. Assim, resta-nos por fim a tarefa de tentar estabelecer uma
mediação para ao menos aludir à relevância de distintos pontos de vista para
o contexto latino-americano.
a) No Artigo VII da Confissão de Augsburgo a Igreja Luterana se
declara uma Igreja na qual "o evangelho é pregado puramente e os santos
sacramentos são administrados de acordo com o evangelho". E no Artigo V
se diz que Deus instituiu o ministério da pregação para que, por meio dele, o
Espírito Santo opere a fé na pessoa que ouve o evangelho. Com isso a
pregação/prédica toma-se uma característica essencial da Igreja (nota
ecclesiae); esta não tem a liberdade de decidir-se pela prédica ou contra ela.
b) No Brasil - como, de igual maneira e em gra9 crescente, em toda
parte no mundo - as igrejas protestantes defrontam-se com uma "situação de
mercado". As chamadas igrejas protestantes históricas (luteranos, metodistas,
batistas, presbiterianos) se defrontam com o grande movimento do
pentecostalismo e a crescente disseminação de seitas cristãs, pseudocristãs e
de outras orientações religiosas, o que dificulta a definição religiosa do
indivíduo e a avaliação da situação religiosa em seu conjunto. Dentro dessa
diversidade é preciso elevar o "valor de reconhecimento" da Igreja protestan­
te: o que é a Igreja protestante, o que a destaca em relação a outras? As igrejas
protestantes podem, todas elas, contar com uma tradição de prédica, uma
espécie de acervo de confrontações teológicas com o problema da prédica
que poderia produzir seus frutos nesta situação. A "prédica protestante"
como "marca registrada" que recorre a suas tradições e percepções homiléticas
pode topar, dentro do mercado, com aquela lacuna ou brecha onde não há
oferta por parte de outros ou pode ampliar sua posição nessa lacuna.
c) Isso continua pressupondo uma formação e reciclagem homiléticas
intensivas dos pregadores e das pregadoras. A prédica protestante se faz notar
por um sólido conhecimento teológico básico que precisa produzir seus
frutos a cada nova prédica. No caso da prédica protestante deve ser possível
notar que aí não se fala apenas de improviso, mas se prega de modo teologi­
camente fundamentado43 .

43 Como advertência: teologicamente fundamentado não significa que o pregador deva éUlldi.: •·�
nidade com ortodoxias teológicas, exegéticas ou históricas.

169
Teologia Prática no contexto da América Latina

d) A insistência na prédica como característica essencial e como sinal de


reconhecimento da Igreja não deve, por outro lado, fazer com que a "Igreja da
palavra" se transforme numa "Igreja das palavras". Também à prédica aplica-se
a máxima que diz que, às vezes, menos equivale a mais. Vivemos numa época
em que, por meio da televisão, do cinema e das revistas, a imagem está em nova
ascensão. Essa circunstância deve ser levada em conta pelos pregadores ê"pelas
pregadoras nas comunidades. Às vezes, quem usa muitas palavras tem pouco a
dizer. Além disso, é preciso constatar que, no tocante à duração da prédica, a
capacidade de absorção ou assimilação da comunidade sempre tem seus limi­
tes, e isso não só em nossa época repleta de imagens.
e) Do ponto de vista de uma sociedade "ávida de eventos", um culto
luterano de uma hora de duração e com uma liturgia em parte muito restrita (o
que é lamentável) só tem um "valor vivencial" baixo. Neste sentido não
podemos rivalizar nem com dispendiosos megaeventos culturais nem com
eventos religiosos milagrosos. Isto, entretanto, também não serve a nosso
interesse. Ainda assim, domingo após domingo milhares de pessoas vêm a
nossas igrejas para ouvir nossas prédicas. Essas pessoas têm direito a uma
prédica que, por amor de Deus, é feita para elas.
Após o que dissemos neste ensaio, os seguintes princípios deveriam ser
considerados:
f) A prédica protestante procura ser livre de legalismo. Nossa prédica
deve continuar dirigindo a maior atenção para a justificação do pecador
unicamente pela graça de Deus. E neste sentido é espantoso que a tradição
(de prédica) luterana- e a protestante de modo geral- se envolva há séculos
com uma aura de moralismo; está na hora de finalmente abandoná-lo. A
prédica rião tem a tarefa de fazer de nós pessoas melhores ou cidadãos
melhores nos moldes das noções morais correntes.
g) As igrejas latino-americanas têm o mérito especial de terem prepara­
do o caminho para a democratização e libertação. Também as igrejas protes­
tantes não deveriam desistir dessa pretensão. A prédica política faz parte da
tarefa da Igreja, e isso não só na América Latina. Todavia, neste ponto
também é preciso admoestar para que se cuide a fim de que a prédica política
não se transforme em "polêmica" ou até em "panfletária". Ter a Bíblia na
mão de modo algum protege contra a arrogância e a sabichonice política -
antes pelo contrário.
h) O maior desafio para uma pregadora ou um pregador muitas vezes
não reside em o que ela ou ele deve dizer, mas em como. E muitas vezes o
ouvinte assimila mais o que pregador diz nas entrelinhas do que aquilo que
ele comunica palavra por palavra. Nossa linguagem revela mais sobre nós do
Homilética

que as palavras que usamos. Um colega mais velho disse certa vez: "Um bom
pastor é um bom leitor e um bom vizinho." E eu acrescentaria que ele ou ela
deve também ser capaz de usar a linguagem para a finalidade para a qual
Deus a deu a nós: para lidar criativamente conosco e com as demais pessoas.
Já se domina muito neste mundo, também e justamente com palavras. Na
prédica as pessoas finalmente deveriam poder se experimentar como livres de
domínio ou dominação. Isso, entretanto, obriga o pregador a formar em si
mesmo urna forma de discurso que seja livre de domínio ou dominação.

Bibliografia
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