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A ESSÊNCIA DA VERTICALIDADE INICIÁTICA

ESQUECIDA OU DESPREZADA
PROPOSITALMENTE NOS RITOS MAÇÔNICOS
DITOS “EGÍPCIOS”
Núcleo de Estudos Maçônicos

A ESSÊNCIA DA VERTICALIDADE INICIÁTICA ESQUECIDA


OU DESPREZADA PROPOSITALMENTE NOS RITOS
MAÇÔNICOS DITOS “EGÍPCIOS”

“Uma Loja criada sem filiação aceitável pode produzir um


excelente trabalho. Já uma Loja que dispõe de uma filiação
incontestável pode desviar-se ao ponto de ser nada mais que
um clube de serviços com vocabulário iniciático. Entre as
Lojas de uma mesma obediência, o melhor e o pior convivem
frequentemente lado a lado. A exemplo do novo rico, uma
pequena obediência que cresce pode esgotar sua energia
mendigando o reconhecimento das obediências instaladas.
Ela será mais reconhecida do que tal cenáculo sério, porém
discreto, se reunir irmãos e irmãs de alto valor iniciático”.
(Os Segredos da Franco-Maçonaria Egípcia, Denis Labouré, Edições
Chariot d’Or, 2002)

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O trecho da obra acima nos esclarece que a qualidade do trabalho


maçônico, mais do que na forma simbólica do Rito e na forma dos
trabalhos, se encontra na essência e na qualidade dos irmãos e irmãs
reunidos e na seriedade e qualidade iniciática de cada um deles. Essa é
uma característica essencial das linhagens Maçônicas Ocultistas ou
Esotéricas; ou, pelo menos, deveria ser assim.

No entanto, o que justifica essa qualidade maçônica intrínseca?


Nasceria ela apenas da formação moral propiciada pela iniciação nos
três graus simbólicos (Aprendiz, Companheiro e Mestre), ditos
igualmente graus azuis? Seria ela o resultado de iniciações realizadas
em vidas anteriores? Mas como? Se, hoje em dia, as Obediências ditas
“egípcias” refutam e combatem abertamente essa possibilidade
espiritual e não a reconhecem mais como fator fundamental da
sequência iniciática, a menos que seja comprovada pelos caminhos e
meios ditos “tradicionais” e que todos nós já conhecemos?

Não há dúvidas que essa qualidade maçônica intrínseca ou


inerente, pelo menos no que tange à Maçonaria Esotérica, para ter seu
valor em qualquer senda ou Rito dessa natureza e magnitude, deve
aliar-se a uma Verticalidade Iniciática, seja ela desenvolvida em vidas
anteriores a essa, seja ela o resultado de um intenso treinamento
espiritual realizado nesta mesma vida. Está na capacidade e no devido
preparo de seus Mestres perceber e reconhecer esse iniciado por meio de
seus sentidos superiores desenvolvidos, como complemento do processo

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regular de sindicância inerente à universalidade na admissão do


candidato à Maçonaria.

A conexão direta com as Hostes Invisíveis, por meio de práticas e


rituais específicos, está prevista em duas linhagens da Maçonaria
Ocultista desenvolvidas principalmente no século XVIII e XIX: A Ordem
dos Cavaleiros Maçons Elus Cohen do Universo , fundada por Martinez
de Pasqually, também conhecida como Martinismo Primitivo, e o Rito
Egípcio Primitivo proposto pelo Conde de Cagliostro na forma dos
Arcana Arcanorum. Este último, segundo as várias fontes, é
supostamente veiculado pelos Altos Graus dos Ritos de Misraim e de
Memphis, de Misraim-Memphis e de Memphis-Misraim. O uso da
palavra “supostamente” não se faz sem a observação do fato que o
maçon dito “egípcio” não reflete nem um pouco o caráter transformativo
que deveria apresentar pelo desenvolvimento de uma alta
espiritualidade, tampouco o conhecimento prático dos Arcana
Arcanorum, ou do conhecimento prático da Qabalah, permanecendo na
condição de “maçon ordinário” que defende mais um mito do que uma
realidade iniciática, além de acuado, desconfiado e medroso com relação
a quaisquer Práticas Teúrgicas ou manifestações espirituais de
quaisquer espécies. Com isso, a Verticalidade Iniciática ganha
igualmente a natureza do mito, da lenda, do imaginário, recebendo
todas as temeridades, preconceitos e limitações da religião cristã
mundana que passa a influenciar de maneira preponderante a vida de
todos os assim chamados “iniciados” ou “alto iniciados”.

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“É fato que a Teurgia ou Alta Magia é uma ciência do


homem com valores e efeitos palpáveis, e não faz parte
do conjunto das lendas e das histórias fantásticas. No
entanto, raro de ser encontrada na qualidade do iniciado
devido ao rigor de sua preparação e dedicação que todo
o candidato deve submeter-se necessária e
incondicionalmente. Por essa razão, raríssimos são os
seus melhores adeptos, mesmo entre aqueles que a
defendem. No entanto, é justamente esse trabalho e
esforço individual do candidato que estabelecem a
Verticalidade na Iniciação, que a validam nesta e em
outras vidas”.

Vejamos o que nos diz a tradução de um trecho da obra de Denis


Labouré, Segredos da Franco-Maçonaria Egípcia, páginas 41 e 42, que
nos faz apontamentos sobre a Verticalidade e a Horizontalidade
Iniciáticas:

A Transmissão Vertical

O Espírito sopra onde e quando ele quer, deixemos


claro na sequência que ele ultrapassa largamente as
canalizações pelas quais nós queremos obrigá-la a circular.
Uma loja composta de membros centrados (que se apoiam

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realmente, e não simbolicamente, na Câmara do Meio) pode


aceder a uma transmissão vertical. Ela pode dar novamente
vida a um rito interrompido.

Tomemos, por exemplo, o ressurgimento da Ordem dos


Cavaleiros Maçons Elus Cohens do Universo de Martinez de
Pasqually. A transmissão deste rito parou com Jean-Baptiste
Willermoz. Quando se lhe pedia para transmitir, a fim de que
a afiliação temporal não se perdesse, ele respondia com esta
frase do Evangelho de Mateus (3:9), “Deus pode, das próprias
pedras, fazer ressurgir os filhos de Abraão” . Um século e meio
mais tarde, em 1942 e 1943, sob a direção de Robert
Ambelain, irmãos de boa fé praticaram as operações Cohens.
As manifestações obtidas no curso desses trabalhos não
deixam nenhuma dúvida sobre a possibilidade de acesso
vertical. Todavia, um tal acesso permanece excepcional.

A Linhagem Horizontal

Isso deixado claro, existe igualmente uma possibilidade


de “vinculação” horizontal aberta a cada um. Um maçon
honesto não poderia separar os ritos egípcios da noção de
“hierofania”, exceto para trair dela o espírito. Em um rito
egípcio, há uma cabeça iniciática. Esta cabeça é o Hierofante
(ou qualquer outro nome que você deseje dar-lhe). Esta

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cabeça não é eleita pelas lojas. Esta cabeça é um pararraio


suscetível de fazer descer a Virtus (força eficaz) nas lojas do
rito. Esta Virtus responde à fides (boa fé, fidelidade, lealdade)
dos membros do rito. Este Hierofante é geralmente nomeado
em vida por seu predecessor. Ele próprio nomeará seu
sucessor. Que este Hierofante governe administrativamente as
lojas ou não; não apresenta nenhuma espécie de importância.
Que o Hierofante seja um adepto realizado ou um oportunista
que se achava em um bom lugar e em um bom momento é
igualmente sem importância. A Virtus tem a eternidade diante
de si e não tem o estado de alma sobre a pequena pessoa
daquele que a veicula sempre provisoriamente.

O fato é que a Verticalidade Iniciática é uma realidade patente e


constitui o eixo principal das Maçonarias Ocultistas ou Místicas (esses
dois eixos – a Verticalidade e a Linearidade – devem, sempre possível,
caminhar em paralelo). Essa realidade, que é a Verticalidade,
fundamental dos Ritos Maçônicos Ocultistas é hoje negada e desprezada
abertamente pelas ditas correntes maçônicas espiritualistas em razão
da pura horizontalidade da Iniciação (essa última é muito mais fácil e
demanda pouquíssimo trabalho e dedicação interiores, ao contrário da
primeira). Ora, essa negação da verticalidade encontra sua raiz no
despreparo espiritual dos próprios maçons ditos “egípcios” que se
apegaram à forma externa e simbólica dos ritos e colocaram de lado a
sua prática interior e individual (realizada no retiro e no silêncio de seu

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Templo Interior) para dedicar-se apenas aos aspectos exteriores da


Iniciação. A mega valorização de graus, títulos, honrarias, postos ou
ostentações iniciáticas se sobrepuseram e dominaram a Iniciação
Interior, que ficou relegada à total nulidade. Com isso, a essência dos
ritos deixou de ser praticado e, por conseguinte, o eixo da verticalidade –
essencial à manifestação da mais alta espiritualidade e que propicia a
Reconciliação e Reintegração – ficou, assim, interrompido.

“A Verticalidade Iniciática depende muito mais das ações


individuais do iniciado com relação à sua condição
interior, do que as ações externas realizadas em Lojas,
capítulos ou triângulos. Aliás, a primeira serve de esteio
e alicerce para a segunda; não o contrário. Pois, a
primeira dá sempre corpo e amparo para todos os
aspectos doutrinários e ritualísticos e, sobretudo,
espirituais”.

A Virtus como denominada pelo autor pode ser identificada como


“La Chose” para os Elus Cohens ou os “Superiores Incógnitos” de Saint-
Martin; Willermoz a chamava de “Agentes Invisíveis”.
Independentemente dos nomes que lhe foram atribuídos, veremos que
sempre se trata da mesma Força ou da mesma Influência Invisível
estabelecida tão somente pela Verticalidade da Iniciação. Lembrando
que a Verticalidade se reporta sempre à Iniciação Individual e interior

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que deve acompanhar em paralelo todo o processo e progresso iniciático


externo do recipiendário.

“É totalmente desnecessário que Maçon dito ‘egípcio’


busque complemento espiritual em outras Ordens, além
da própria Maçonaria, pois ela ainda em sua forma
simbólica conserva todo o espírito da Tradição, sendo a
Maçonaria Ocultista detentora das chaves ativas desses
símbolos. É preciso, por um esforço conjunto, fazer
reavivar o espírito da Maçonaria Primitiva”.

Com o abandono das práticas interiores em favor apenas da


Iniciação externa ou simbólica, a Hierofania também ficou
comprometida, pois hoje em dia tornou-se o objeto de disputas de ego,
de legitimidades, de linhagens para servir como meio de ostentação de
uma exacerbada megalomania e valorização da importância pessoal e da
projeção social. É neste inchaço do ego que se encontra as causas reais
da cisão entre os Ritos de natureza Ocultista, sua confusa e conturbada
história. Com isso, a hierofania deixa de ter qualquer sentido espiritual
profundo de receptáculo vivo da Ordem e do Rito; por isso, deixa de ter
qualquer importância, a não ser nos assuntos de representatividade
puramente administrativos e mundanos.

Embora a Franco-Maçonaria Ocultista também seja uma Ordem


que deva primar pela Fraternidade, pelo convívio em conjunto e reforçar

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esses laços. Em sua parte litúrgica não é uma sociedade grupal como
muitas religiões mundanas assim conservam: o desenvolvimento da
espiritualidade em grupo. A Franco-Maçonaria Ocultista prima pelo
desenvolvimento individual da alma para depois realizar a Fraternidade,
partindo do princípio da Unidade para a Universalidade (o Um no
múltiplo) para depois retornar à Unidade por meio do corpo da total
Humanidade (Fraternidade ou encontros grupais) pela reunião de seus
membros mais Iluminados fundindo, dessa forma, em um corpo
harmônico, a Luz Interior alcançada por cada um. Dito de outro modo, é
operar com consciência no Corpo de Adão (S.’. A.’. U.’.) para a realização
da Reconciliação e da Reintegração do ser humano ao seu Estado
Primitivo.

Desse modo, a Egrégora que é um ser artificial criada pela reunião


mental e emocional de seus membros, se conserva pura, sem máculas, e
pode ser facilmente fecundada pela Luz Espiritual Superior, o que evita
as disputas interiores causadas pela contaminação dos pensamentos
impuros de adeptos despreparados para a vida iniciática. O Rito, por si
só, nada pode realizar, além da alimentação da Egrégora. É preciso,
antes de tudo, que os membros que se reúnem para formá-la estejam
nas condições espirituais interiores ideais para participar de sua
evocação e fortalecimento. Assim, sua manifestação se torna cada vez
mais elevada, pura e clara na mente do Maçon Ocultista, abrindo a
mente de todos os irmãos para serem fecundados pela mais alta
inspiração e espiritualidade.

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“É preciso relembrar os maçons de seu estado de Maçon


Primitivo” exortava Martinez de Pasqually a Jean-Baptiste
Willermoz, elevando ou colocando a condição de “maçon” em
um patamar muito mais elevado e especial do que aquela que
hoje vemos – condição esta remontada ou equiparada ao
estado de Homem plenamente Reconciliado e Reintegrado aos
seus Primeiros Poderes.

Além disso, a Maçonaria Ocultista é ainda para muitos poucos,


pois exige uma abnegação muito grande dos modos de vida comum para
o exercício de um verdadeiro e pleno sacerdócio interior. Isso não
significa que haja erro ou contradição na Maçonaria Convencional ou
Ordinária, pelo contrário, ela exerce a função de perfeito centro de
seleção e formação de adeptos para a vida e o convívio iniciáticos em
todos os níveis. Pouquíssimos seres humanos estão inclinados a um tipo
de vida regrada e monástica (voltada para o oculto) ante aos apelos
gritantes e alucinadores da vida moderna que nos arrastam, quase que
de forma hipnótica, comprometendo até mesmo nossas mais caras
aspirações espirituais. Além disso, as contingências da vida moderna
como trabalho, família, casamento, vida social restringem a questão do
tempo para a dedicação a uma vida mais reclusa e direcionada para
práticas espirituais. A maior missão do iniciado Maçon Ocultista, nesta
fase atual da evolução humana, consiste justamente em conciliar todos
os processos da vida moderna com sua vida interior. Lembrando que

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vida espiritual e interior nada tem a ver com religiões, com afastamento
social ou desprezo pelo convívio, mas uma limitação natural das
necessidades externas surge naturalmente. A noção de espiritualidade
pregada pela maior parte das religiões cristãs ainda é uma visão
extremamente materialista e capitalista, voltada praticamente para a
obtenção de facilidades materiais – a transformação interior é ainda
totalmente nula. Quando existe alguma mudança, esta está mais
relacionada a um comportamento moral incitado pelo medo e pelo pavor
da danação eterna do que pela pura aspiração à elevação e crescimento
espiritual.

“O maçon egípcio ou de qualquer rito, sem a espiritualidade


que lhe compete desenvolver por seu esforço e trabalho
individual e voluntário, não é nada mais do que um profano
investido de graus, títulos e diplomas e de vocabulário
iniciático; nada mais além disso. É o mais comum entre os
homens e capaz de qualquer mesquinharia ou ato atroz para
dar-se bem e promover a si mesmo. O comportamento
mundano e caráter de muitos de nossos irmãos nos dão
provas constantes disso, pois não refletem a transformação
interior que deveria ali existir por força da Iniciação que
abraçou. Lembrando que toda moralidade mundana pode ser
falseada e encoberta pela personalidade humana comum na
forma da mais alta moral, probidade e espiritualidade
fingidas”.

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Como vimos acima, a Hierofania é hoje objeto de cobiça, ganância,


disputas de poder e glórias efêmeras, serve apenas ao interesse do puro
poder político. Nada tem a ver com a elevada espiritualidade que
deveriam expressar aqueles que assumem esses cargos. O grande
número de cisões nos seios dos ritos ditos “egípcios” ou “ocultistas” é a
prova mais contundente da disputa acirrada de egos que neles se
desenrola. Se realmente canalizassem essa Virtus, essas cisões não
ocorreriam com tanta facilidade. A Verticalidade, que pode ser percebida
pelos sentidos superiores, os colocaria em comunicação telepática e
harmônica uns com os outros, assim conseguiriam compreender-se e
solucionar seus problemas e diferenças. Além disso, manter-se-iam
conectados com o Plano Invisível por meio da Verticalidade Iniciática
que, por si só, já desbastaria todas as questões conflitantes produzidas
pela disputa de egos. Essa disputa de poder e glórias efêmeras nascem
justamente do despreparo espiritual, da negligência das práticas dos
ritos individuais e dos exercícios místicos de desenvolvimento interior. É
essa deficiência que produz um “inchaço” do ego e dá abertura à
megalomania, ao desejo de admiração e adoração por parte de outros
seres humanos, numa tentativa frustrada de compensar
psicologicamente as qualidades que lhe faltam por dentro.

“O exemplo arrasta, e os maçons ditos ‘egípcios’ estão muito


aquém da espiritualidade por eles defendida. A necessidade
exagerada em defender linhagens e legitimidades materiais

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que, em sua maioria, são forjadas é a prova mais


contundente da falta de reconhecimento da própria condição
espiritual e, mais ainda, efeito também da ignorância total da
história da Maçonaria”.

A História da Maçonaria, realizada por eminentes e sérios


maçons, nos relata a confusa evolução dos Ritos Egípcios, as múltiplas
tentativas de usurpação que sofreram, as modificações realizadas para
atender a ambições pessoais e à mania de grandeza, as disputas para
assumir a hierofania como simples objeto de compensação interior pelo
reconhecimento pessoal de terceiros.

Vamos continuar sobre o trecho da obra de Denis Labouré, O


Segredo da Franco-Maçonaria Egípcia:

Onde está a Liberdade?

Do shivaísmo mais antigo ao cristianismo, do budismo


às linhagens alquimistas, o funcionamento é semelhante:
uma linhagem horizontal corre através do tempo, deixando
aberto um acesso vertical nos casos excepcionais .

Aqui cumpre fazer uma observação muito importante: a


Verticalidade não deveria ser um acesso excepcional, mas sim normal e
perfeitamente aliado à regularidade horizontal. Esse acesso excepcional

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se dá justamente por conta da individualidade do Iniciado, pois somente


suas ações individuais são capazes de abrir-lhe a porta da Verticalidade
Iniciática, se cumprir rigorosamente com todas as regras, obrigações,
exercícios e rituais pessoais que deve realizar ao longo de sua
caminhada espiritual. Quanto mais negligente, preguiçoso e
desatencioso for, mais distante colocará a si mesmo desse eixo vertical
da Iniciação Interior.

O funcionamento da Antiga e Primitiva Iniciação é igual em todos


os cultos e ritos, porém, muito mal compreendida por parte daqueles
que a operam e, muitas vezes, modificada para satisfazer os caprichos e
ambições daqueles que estão à sua frente justamente devido à falta de
preparo interior, à preguiça, ao relaxo e a uma premente carência
interior. Estas acabam se tornando um instrumento para a valorização e
emancipação do “ego” quando deveriam refrear seus apetites, por isso a
Iniciação Simbólica ou Horizontal assume o total controle de sua vida
interior, pois além dos trabalhos em Loja ou por escrito nada mais lhe é
exigido.

“A fixação da Iniciação unicamente no plano Horizontal


ou Linear pode, no máximo, produzir uma modificação
moral e social para melhor; nada mais que isso e mesmo
assim muito falha que pode facilmente disfarçar os mais
hediondos vícios e defeitos”.

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O acesso à Iniciação Vertical está aberto a todos (iniciados ou


profanos), porque estamos em contato permanente e eterno com a Fonte
que lhe deu origem. Nenhum ser humano está dela destituído ou
privado. Pelo contrário, ele se priva, por suas escolhas, desse contato
íntimo e mergulha por decisão própria no mundo da matéria, ainda que
seu processo iniciático se revista de uma alta forma de espiritualidade.
Tenha em mente que a espiritualidade é a coisa mais fácil de ser
disfarçada e pode ser facilmente revestida com um comportamento e
educação social externa; normalmente essas duas são facilmente
confundidas, muitas vezes tomadas como sinônimo uma da outra.
Todavia, diferem grandemente em qualidade e essência.

Em ocultismo, misticismo e iniciação existe uma diferença muito


grande entre prática e gramática, entre forma e essência. Estas
deveriam ser reconciliadas e equilibradas entre si para surtir os efeitos
que delas são esperados. O erro está na supervalorização da forma dos
ritos externos em detrimento da essência (práticas individuais). O forte
apelo material das iniciações, que se convertem em pura “ostentação”, é
um reflexo direto de nossa própria forma moderna de vida. O ego
humano se encanta e deixa-se embriagar pela beleza dos títulos e graus,
sem compreender-lhe a essência oculta . Os padrões de beleza ideal, as
intensas e constantes comunicações e divulgações pelas redes sociais
nos levam a mostrar externamente aquilo que deveria ser cultuado
apenas em nosso interior. Cada grau ou título maçônico possui seu
nome externo e seu nome oculto. Cada joia ou adorno maçônico

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corresponde a um selo oculto aposto sobre a aura do Iniciado, que pode


ser efetivo ou não, dependendo da atenção interior que este candidato
dê ao aspecto interior de sua Iniciação. Esse nome oculto de seu grau e
título só é revelado ao Maçon Egípcio na razão direta de seu preparo
interior, e não pode ser feito de outra forma. Por isso, insisto sempre na
seguinte frase: “Não é oculto que se oculta de nós, mas nós que nos
ocultamos do Oculto quando damos abertura aos aspectos mais
inferiores de nosso ego e deixamos com que ele revista nossa vida
iniciática de uma falsa alta espiritualidade disfarçada” .

“Iniciação que não pode ser ostentada não tem valor


para a maioria dos iniciados de ego inflado. A interior,
por exemplo, só pode ser vista ou sentida por aqueles
que desenvolveram seus sentidos superiores interiores.
O que é extremamente raro!”

Continuemos com a tradução do livro de Labouré:

Alguns denunciaram os riscos deste conceito.


Certamente, um Hierofante pode ser vítima de um acesso de
megalomania. Mas, devemos abordar o problema do ponto de
vista do iniciado. As hierofanias válidas são múltiplas e a
desordem ocasional vale mais que a política do partido único.
Por outro lado, o maçon egípcio é um rebelde por natureza. Se
o Hierofante do qual ele procede “desmonta”, este maçon

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conseguirá escapar para encontrar céus mais clementes. A


história mostra que os maçons egípcios não se incomodam em
fazê-lo, daí os períodos de turbulências que atravessam as
obediências egípcias. Tal é o preço (e a vantagem) da
liberdade.

Em 99,9% dos casos, o Hierofante é tomado por uma


megalomania atroz, e isso pode ser observado por meio, não apenas de
sua atitude altiva e de extrema arrogância, mas também por meio de
seus escritos, pois passa a redigir com uma tal erudição de modo a
demonstrar, não uma alta espiritualidade, mas sim sua superioridade
acima dos demais, também seus irmãos e iguais. Além disso, suas
funções e compromissos administrativos, viagens, instalações de lojas,
enfim, todo o encargo administrativo o colocam longe e muito distante
das práticas interiores que deveria realizar diariamente ao longo de toda
a sua vida, desde que se iniciou no Grau de Aprendiz. É justamente
essa negligência que prejudica a Conservação do Rito em sua
integridade, poder e força. Ele deixa, de certa forma, de ser o pararraio
dessa Verticalidade Espiritual como afirma o autor nos parágrafos
acima. Parece essa ser uma sina de todos os Grandes Mestres,
Hierofantes, Imperators e dirigentes superiores de Ordem e Escolas
Iniciáticas as mais diversas: a dificuldade de lidar com a administração
e conciliar uma vida espiritual intensa e efetiva . O que o leva, sem
dúvida, a abrir mão de uma em função da outra. A vida espiritual é
sempre bem mais fácil de colocar de lado, mesmo porque a cobrança só

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pode vir de Planos Superiores. Como já não existe mais essa ligação
com o Superior Invisível (a Verticalidade Iniciática), então, esta pode ser
facilmente menosprezada.

Não muito longe de nós, temos dois grandes exemplos da queda


iniciática de dois gênios do ocultismo por conta do orgulho e da
megalomania, que deles tomaram conta: MacGregors Mathers, um dos
fundadores da Golden Dawn e Aleister Crowley, seu principal discípulo.
Houve um tempo em que o primeiro exigia um juramento de fidelidade e
de servidão por parte de todos os seus seguidores; já Crowley se arvorou
como o avatar ou Mestre do Novo Aeon (Síndrome de Messias). Há
alguns que cogitam que foram vítimas das invocações realizadas pelo
método de Abramelin, o Mago. No entanto, todo e qualquer Mago
experiente em Magia Cerimonial sabe que nenhum Espírito Superior ou
Inferior pode trabalhar sobre aquilo que já não exista no Mago . A
Potência Invisível (ou as Potências invocadas diante do Círculo),
independentemente de sua hierarquia, enxergará a pessoa do Magista
tal qual ela é, em toda a sua nudez. Isso implica sua aura e seus
pensamentos mais íntimos e profundos, seus traumas, suas fobias, a
influência de seu ego. Caso ele tenha menosprezado os ritos de
purificação como são exigidos (e a maioria dos altos iniciados o faz) pela
estrita observância dos Ritos Qabalísticos, as Potências assim invocadas
trarão à tona tudo aquilo que estava escondido, ou que o Mago tentava
esconder de todos, pela gigantesca força magnética de sua presença.
Essas Inteligências ou Potências Invisíveis, embora partes de nossa

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consciência mais elevada, atuam como poderosos eletroímãs que puxam


para fora do Mago aquilo que se recusou a trabalhar ou procurou
esconder de seus irmãos. Isso é um fato que a experiência mágica
demonstra o tempo todo. Tentar enganar essas Consciências Superiores
é como tentar enganar a si mesmo (porque são reflexos superiores da
própria consciência do Iniciado). O Mago assim é exposto a seus
próprios defeitos e fraquezas, que procurou o tempo todo esconder ou
disfarçar sob o manto de uma pretensa evolução interior (eis o desastre
que causa o orgulho e a vaidade). Por conseguinte, todos os laços
preponderantes do ego sobre ele são ressaltados e passam a dominar
sobre sua personalidade mágica, levando-o ao desequilíbrio mental pela
extrema valorização de sua pessoa (sentimento de importância a nível
cósmico). Eis como a megalomania ou inchaço do ego pode nascer pelo
exercício errôneo da Magia; o que dá origem a muitos loucos e
alucinados “salvadores da humanidade”. Assim nasce a Síndrome de
Messias ou Síndrome de Jesus Cristo.

É justamente sobre esse perigo com relação às práticas teúrgicas


que tentou nos alertar Louis-Claude de Saint-Martin e que expõe, de
maneira brilhante, em sua obra “Dos Erros e da Verdade” quando
escreve em um de seus capítulos sobre a “A Verdadeira Origem do Mal”.
Na verdade, Saint-Martin nos chama para uma direção de foco, ou seja,
no lugar de buscar fontes externas para explicar o Mal, deveríamos
olhar para dentro de nós mesmos, pois este só pode encontrar sua
existência na efemeridade de todas as coisas temporais e não na

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Essência Divina. O Mal, segundo o Filósofo de Amboise, possui a


natureza do limitado, do passageiro, do que está sujeito a mudanças de
acordo com o nosso entendimento interior de todas as coisas, com isso
ele pode ser dissolvido ou neutralizado, porque é de natureza material.
Em nenhum momento, negou a profundidade e validade das práticas
teúrgicas, mas chamou a atenção para uma atualização necessária das
operações realizadas em sua antiga escola. No lugar de enfrentar uma
guerra contra supostos demônios exteriores, o homem deveria enfrentar
e olhar de frente seus próprios demônios interiores, suas criações
mentais voluntárias – causa real de sua queda.

Ocorre ainda que muitos dos adeptos (de graus avançados) se


julgam iluminados demais para continuar suas práticas diárias e
relaxam com elas, abandonam a vigilância sobre o ego e os defeitos,
mesmo sabendo que, apesar da condição de Mestres possuímos uma
natureza humana e sujeita a falhas. Essa falsa pretensão de
autossuficiência espiritual induz o adepto a negligenciar as práticas
essenciais previstas pela Qabalah para a prática de um outro sistema de
Magia qualquer, mais fácil, mais promissor e mais propenso para
exibição externa (tudo é vaidade, nada mais que vaidade). É por essa
razão que ele se deixa tomar por uma extrema megalomania e passa a
exigir dos seus semelhantes a adoração à sua pessoa. Na verdade, essa
exigência é a expressão da mais profunda carência daquilo que lhe falta
interiormente (compensação de deficiência psicológica), reclamando do
público externo essa valorização pessoal, que não encontra em si

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mesmo. Com isso, a interrupção da Verticalidade Iniciática se torna


também uma responsabilidade individual do iniciado e não das
Potências Celestes (Virtus) que são eternamente atuantes e permanentes
em seu ser interior.

“Não são os Espíritos Superiores ou Inferiores, invocados


ou evocados em Magia Cerimonial, os responsáveis pela
decadência do Mago, mas ele próprio por sua própria
negligência e relaxo, além da pretensão, vaidade e
arrogância excessiva”.

Os Maçons Egípcios sinceros e o Magos Experientes em Rituais


Teúrgicos saberão exatamente do que estamos falando aqui. Na verdade,
existe uma íntima e profunda relação entre a prática da Magia
Cerimonial e a psicoterapia. A primeira produz os efeitos benéficos da
segunda, que depende da orientação de um profissional especializado.
Em Magia Teúrgica, o Santo Anjo Guardião ou Mestre Interior realiza o
papel de terapeuta.

E continuemos com Labouré:

Neste domínio, qualidade e quantidade nada têm a ver. Basta


que sete Mestres se reúnam e decidam abrir uma loja do Rito
Egípcio para que a Virtus se faça presente. O Grande
Hierofante pode encontrar-se na cabeça de uma única loja,

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esta loja disporá da Virtus. Ao passo que uma Obediência


com 500 lojas pode ser governada por um Grande Mestre que
não disporá dela. As lojas de Rito Egípcio de uma tal
obediência realizarão um trabalho intelectual e psicológico
interessante, mas a Presença dela estará ausente.

A coisa não está tão assim na mão de um Hierofante, como afirma


o autor no parágrafo acima, se este não tiver a competência espiritual,
isto é, a capacidade interior e preparo para canalizar esta Virtus.

O mesmo é válido se nenhum desses Mestres reunidos que


compor a Loja e nem o Grande Hierofante estiverem em conexão com
essa Fonte Interior que o liga à Verticalidade de sua Iniciação. As Lojas,
assim abertas, não passarão de centros de serviços e reuniões sociais,
sujeitas aos assaltos do ego e às crises de megalomania. Em Maçonaria
Ocultista, apenas a reunião de sete Mestres não é o suficiente, é preciso
que todos eles estejam espiritualmente preparados para o exercício de
suas funções ritualísticas, porque eles não apenas representam
simbolicamente as funções em seus postos de oficiantes, mas
incorporam ou canalizam todas as potências espirituais relativas ao seu
ofício no Templo no momento dos trabalhos e fora deles, canalizam a
Luz Superior como verdadeiros receptáculos do Divino; isso não pode
ser transmitido pura e simplesmente por meio de ritualística em Loja. É
preciso que cada um dos Mestres se coloque nas ideais e exatas
condições espirituais para receber essa transmissão tanto simbólica

A Essência da Verticalidade Iniciática 23


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quanto espiritual. Assim ele carregará em sua aura astral os selos dessa
“eleição” apostos pela Divina Providência. Desse modo, a Fraternidade
Universal é realizada em projetada em todas as dimensões, vindo
posteriormente a manifestar-se com muito mais precisão no mundo
material e na qualidade dos membros da Loja.

Retornando à questão da negligência com relação ao preparo


interior, na qual incorre muitos dos adeptos de graus avançados por
conta do orgulho e da soberba, vale lembrar um dado histórico
importante em que Cagliostro reconheceu ter sido vítima de seu próprio
orgulho excessivo; o que, sem dúvida, abriu todos os precedentes para
sua queda e prisão perpétua por parte da Santa Inquisição. O Grande
Copta e eminente Maçon era dado a constantes exibições públicas de
seus poderes ocultos, assim como atribuía-se o título de “Ministro do
Altíssimo”. Tomado pela megalomania excessiva começou a perder a
poderosa Influência Invisível que o amparava e, com isso, caiu nas teias
da Inquisição, foi julgado e condenado por um processo mentiroso e
fraudulento. Se estivesse de posse de seus poderes espirituais
constituídos no Invisível teria, certamente, escapado à fúria e à
perseguição da Igreja Romana por mais poderosos e maléficos que
fossem seus tentáculos.

“É importante lembrar que sempre são os que aclamam por


espetáculos e exibições públicas dos poderes ocultos, os
primeiros a trair o Mestre quando se recusa a atender aos

A Essência da Verticalidade Iniciática 24


Núcleo de Estudos Maçônicos

seus apelos e desejos egoístas mais simples, uma vez que


evitam, a todo custo, o trabalho de conquistar tais poderes
para si mesmos, ainda que saibam ser deles possuidores. O
charlatanismo e o oportunismo nascem diretamente da
mediocridade espiritual a que muitos preferem submeter-se
por relaxo e preguiça e, principalmente, para ostentar sua
vaidade pessoal”.

Temos que lembrar de um personagem quase que contemporâneo


de Cagliostro e dotado dos mesmos dons ocultos: Martinez de Pasqually.
Este soube manter-se distante e discreto das ostentações públicas de
poder, mesmo assim não deixou de sofrer ataques e injustiças dentro do
próprio ambiente maçônico da época e por parte de muitos de seus
próprios seguidores, mesmo diante das provas mais irrefutáveis que
presenciaram das influências Invisíveis. Martinez não era dado a
espetáculos e exibições públicas como Cagliostro. Preferiu manter seu
elevado trabalho sob o manto de proteção que somente a Franco-
Maçonaria poderia oferecer naquela época.

“Um assunto maçônico deste nível deve ser tratado com


a mais profunda clareza e precisão da sinceridade
Maçônica, pois, depois de encontrados e discutidos os
problemas, passamos imediatamente ao planos das
ações práticas, implementando, desse modo, todas as
soluções. Tentar esconder ou encobrir os problemas e

A Essência da Verticalidade Iniciática 25


Núcleo de Estudos Maçônicos

deficiências sob o manto da hipocrisia e da falsa moral é


apenas adiar o inadiável”.

Muitas críticas duras foram feitas ao longo do presente texto, mas


não foram infundadas, pois dentro da Maçonaria Ocultista sempre
houve essa preocupação de que não há transformação possível às
sociedades humanas sem que esta ocorra profundamente no interior do
ser humano. Caso essa transformação não ocorra em seu devido lugar,
passarão gerações e mais gerações na vã tentativa de despertar o
verdadeiro Espírito de Fraternidade no homem. E teremos sempre a
missão, vida após vida, de recomeçar um trabalho que deveríamos
apenas dar sequência.

À Glória do G.’. A.’. D.’. U.’.


Núcleo de Estudos Maçônicos
Charles Lucien de Lièvre

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