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A caça ao tesouro ao ar livre - Geocaching, uma oportunidade de lazer em


espaços verdes

Article · April 2012

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2 authors, including:

Carlos Smaniotto Costa


Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias
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Urban planning and quality of life. Sustainability and the city View project

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21.05.12 arquitextos 143.03: A caça ao tesouro ao ar livre | vitruvius

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architexts ISSN 1809-6298

143.03 year 12, apr 2012

A caça ao tesouro ao ar livre


Geocaching, uma oportunidade de lazer em espaços verdes
Carlos Smaniotto Costa and Gilsa Steinmeier

how to quote 143.03


abstracts
SMANIOTTO COSTA, Carlos; STEINMEIER, Gilsa. A caça ao tesouro ao ar livre.
how to quote
Geocaching, uma oportunidade de lazer em espaços verdes. Arquitextos , São
Paulo, 12.143, Vitruvius, apr 2012 languages
<http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/12.143/4332>.
original: português

Quando muitas das novas tecnologias evoluem e amadurecem, elas acabam se


infiltrando em nossas vidas de maneiras não necessariamente previstas. Um
how to quote
bom exemplo são os telefones celulares e o Sistema de Posicionamento Global
(GPS), cujos usos primários são óbvios: com eles se pode fazer e receber SMANIOTTO COSTA, Carlos;
ligações, mesmo longe de casa, e se pode facilmente encontrar lugares ou STEINMEIER, Gilsa. A caça ao tesouro ao
pessoas, inclusive se localizar, caso esteja perdido. Mas eles oferecem ar livre. Geocaching, uma oportunidade de
cada vez mais possibilidades de uso, que vão muito além destas funções lazer em espaços verdes. Arquitextos, São
primárias. Paulo, ano 12, n. 143.03, Vitruvius, abr.
2012 <http://www.vitruvius.com.br/revistas/
Nesse contexto, surgem oportunidades inovadoras e lúdicas de usar estas
tecnologias. Um exemplo são os chamados urban games (jogos urbanos), nos read/arquitextos/12.143/4332>.
quais o uso de espaços públicos como play space faz parte do jogo.
Utilizando tecnologia de comunicação, como telefones celulares, receptores
GPS, câmeras digitais e internet, esses jogos variam desde o recriar
videogames em uma "escala humana" (ao invés da escala em miniatura ou
imagem abstrata de um monitor), a esconder "tesouros" para serem procurados
via GPS.

Este último - chamado de geocaching (1) - é o sucessor mais difundido dos


jogos urbanos. Por ser uma atividade de lazer que pode ser usada para
melhorar as relações entre o usuário e o espaço, bem como por ser um
incentivo para atividades físicas ao ar livre, vamos neste artigo analisar
o geocaching e explorar o seu potencial de lazer e de interação com o
ambiente urbano. Por trazer as pessoas ao ar livre, ou como uma razão para
deixar a vida sedentária, combinando o fator aventura com o explorar de
novos locais, o geocaching faz com que as pessoas aprendam a usufruir do
espaço, a conhecer a sua história, a apreciar as suas qualidades, a se
orientar, e em áreas verdes a apreciar e entender processos biológicos ou
climático-ambientais.

Geocaching - uma febre crescente

Geocaching é uma forma moderna de caça ao tesouro, usando tecnologia de


navegação do Sistema de Posicionamento Global (GPS). Ele é provavelmente o
jogo urbano mais acessível e envolvente, por não ser nem complicado, nem
necessitar de infraestrutura ou preparação, por ser adequado a quase todas
as idades e à capacidade física de cada um. Com cada vez mais adeptos, eles
já podem ser encontrados em praticamente todo o mundo. Um dispositivo de
GPS portátil, o único requisito, pode ser adquirido por US$ 100. Assim,
qualquer pessoa munida de um aparelho e senso de aventura pode sair pelo
mundo à procura de centenas de tesouros.

O geocaching funciona de maneira simples: alguém esconde um tesouro -


chamado de geocache ou simplesmente cachê (2) - em um lugar acessível e
dispõe as suas coordenadas (latitude, longitude) e mais algumas pistas na
internet. Munidos de um receptor GPS, das coordenadas e das pistas, os
"caçadores" ou cachers saem à procura do esconderijo destes tesouros. Ao
encontrá-los, eles assinam o livro de registros (logbook), recolocam o
cache na sua posição original, e mais tarde postam os seus achados no site.

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Um cacher registra o seu achado no Parque da Cidade de


Bad Oyenhausen
Foto Gilsa Steinmeier 2011

O geochaching vive da atuação tanto do "proprietário", que o esconde,


quanto do "caçador", que sai à sua procura. O cache pode ser grande ou tão
pequeno quanto um recipiente de filme fotográfico ou até mesmo virtual. E o
"tesouro", em muitos casos, fisicamente nem existe: na sua forma mais
simples, encontra-se dentro do cache somente o livro de registros, para os
caçadores registrarem o seu achado. Em outros casos, caches podem conter
itens como pequenos brinquedos e/ou moedas (geocoin), que trocam de
proprietário. Alguns contêm ainda pequenas placas de metal (travel bug),
que com um número de série permitem ser rastreados. Um travel bug tem uma
missão ou um destino, por exemplo, ir a Paris e voltar ao seu cache
inicial. Há também os caches que envolvem duas ou mais localizações
distintas, ou aqueles com enigmas ou quebra-cabeças, que devem ser
decifrados para a obtenção da coordenada final do tesouro. A aventura de
encontrar o tesouro é para muitos jogadores a melhor recompensa.

Alguns caches têm múltiplas partes, exigindo dos jogadores que decifrem
pistas para levá-los ao cache propriamente dito
Foto Gilsa Steinmeier 2011

Maiores informações sobre o geocaching podem ser obtidas nos diferentes


sites existentes. O mais difundido deles é o www.geocaching.com (3), que
começou a operar há 11 anos, e já conta com mais de 1.250.000 cachers, em
200 diferentes países. Cada cache é controlado por revisores regionais
antes da sua publicação na internet. A afiliação é gratuita e permite aos
usuários ver as coordenadas para a maioria dos caches em seu banco de
dados.

Algumas regras do geocaching

Primeiro, lembrando que GPS - Sistema de Posicionamento Global vem do

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inglês (Global Positioning System) e é um sistema de navegação baseado em
satélites. Através dele, é possível determinar a posição aproximada de
qualquer ponto no planeta (latitude, longitude e altitude). Uma vez que
determinada a posição do usuário, a unidade de GPS pode calcular os mais
diversos dados, como: velocidade, distância de viagem, distância ao
destino, tempo de viagem, etc.

O GPS tem as mais variadas aplicações, tanto na navegação terrestre,


marítima ou aérea, como na cartografia e agricultura. Ele é imprescindível
em atividades em que é necessária a localização, tanto do ponto de partida
como o de chegada. Um receptor de GPS já é um componente de vários
aparelhos de comunicação e está presente em todos os telefones móveis. Além
destas utilidades "práticas", ele também está sendo útil em esportes e
lazer.

Geocaches estão escondidos por quase todo o mundo. Em alguns países, eles
já estão bastante difundidos e com um grande número de seguidores, como
Estados Unidos (o seu berço), Canadá, Nova Zelândia, Japão, Alemanha,
França, Holanda e Bélgica. Habitualmente, os tesouros estão escondidos em
locais que são importantes para o "proprietário", refletem seu interesse ou
uma habilidade especial sua. Estes esconderijos podem ser muito diferentes.
Eles podem aparecer em um parque, junto a um edifício importante ou sob uma
ponte.

Os geocaches podem ser usados para chamar a atenção para


o patrimônio histórico, arquitetônico ou natural de uma
cidade
Foto Gilsa Steinmeier 2011

Ao esconder um tesouro, o "proprietário" deve garantir que o cache


permaneça acessível, sem colocar os caçadores em situação de risco ou
desagradável. Ao esconder e procurar um cache não se deve danificar,
desfigurar ou destruir a propriedade ou o espaço, nem ameaçar a flora ou a
fauna.

Como regra, os caches não devem ser colocados em escolas, parques infantis,
bases militares e, como mencionado acima, em quaisquer outros sítios que
possam criar problemas ou risco ao caçador. Procurá-los também pode colocar
o jogador em uma situação incômoda, principalmente em locais com muitos
transeuntes. Mas não se deixar apanhar por um muggel também faz parte do
jogo. O termo muggel é emprestado dos livros sobre Harry Potter, e
denominam os não-magos. A razão para a cautela: Um muggel poderia destruir
um geocaching ou desvendar o seu esconderijo. O medo de ser descoberto é
também a razão para o comportamento muitas vezes suspeito dos cachers. Por
outro lado, pessoas estranhas que vagueiam à procura de algo podem ser
tomadas por criminosos. Por estes motivos os caches devem estar claramente
identificados do lado de fora do recipiente para evitar qualquer confusão e
alarme, caso venham a ser descobertos acidentalmente. Na Alemanha, depois
de várias denúncias (4), a polícia já tem conhecimento do geocaching. Da
cidade de Münster é relatado que os policiais que encontraram por acaso um
cache deixaram no logbook o seu registro (5).

Para cada cache há uma descrição das suas características: tamanho, grau de
dificuldade e condições de acesso, bem como referências e informações sobre
o local onde ele está escondido. Assim, munido destas dicas, o caçador
também se informa sobre aspectos relevantes do local (história, arquitetura
ou equipamentos existentes). Ver os registros carregados por outros cachers
também pode ser valioso, além de ser divertido ler as suas experiências.

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Num raio de 30 metros, deve-se mais confiar nos olhos que no dispositivo de
GPS, já que este pode somente determinar uma localização aproximada. A
exatidão do sinal recebido – que nos melhores casos situa-se entre 3 e10
metros, depende de várias condicionantes. Entre elas, está a precisão do
próprio aparelho e as condições do tempo; quanto mais claro o céu ou quanto
menos obstáculos (p. ex. árvores) houver, melhor será o sinal recebido. Os
receptores atuais combinam as coordenadas de localização com mapas digitais
e um software que calcula a posição no mapa. Já que os caches não devem
estar visíveis, eles podem estar camuflados. E encontrá-los exige fantasia
e perspicácia dos jogadores.

A grande contribuição do geocaching está em dar uma razão para as pessoas


saírem de casa, caminharem ao ar livre e, associado ao fator aventura,
explorar novos locais. Em uma grande parte dos registros pode-se ler nos
comentários deixados pelos cachers o agradecimento por trazer os caçadores
a um local novo. Assim geocaching, por proporcionar diversão ao ar livre, é
um pretexto para juntar amigos, a família, ou sair com o animal de
estimação, além do fato de partilhar experiências proporcionar satisfação
pessoal.

Principalmente crianças e adolescentes têm grande prazer em sair à procura


dos tesouros. Esse é um importante incentivo para levá-los a ter uma vida
mais ativa
Foto Gilsa Steinmeier 2011

O ambiente urbano e as atividades físicas

Há dois grupos de fatores que são considerados determinantes quando uma


pessoa decide ter uma vida mais ativa e usar os espaços públicos para a
prática de atividades físicas. O primeiro é de caráter pessoal e inclui
fatores como sexo, idade, tempo disponível, habilidade e motivação. O
segundo está diretamente relacionado com a qualidade do local onde a pessoa
vive e as oportunidades que lhes são oferecidas. Essa qualidade é
resultante da interação entre o ambiente construído, o natural e o social.
Assim, quanto mais propício for o ambiente, maior é a tendência de as
pessoas usarem os espaços disponíveis para atividades ativas. Uma vida
ativa contribui não só para saúde física e mental de cada indivíduo, mas
também para a coesão social e o bem estar de toda a comunidade (6).

Um geocache pode ser um atrativo para que as pessoas passem a usar com
maior assiduidade espaços verdes e para passarem mais tempo ao ar livre
Foto Gilsa Steinmeier 2011

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O atual estilo de vida de boa parte da população urbana é visto como a
principal causa do acelerado aumento da obesidade nas sociedades
ocidentais. Apesar de se tratar de uma condição clínica individual, a
obesidade é considerada, cada vez mais, um sério problema de saúde pública.
O excesso de peso predispõe o organismo a uma série de doenças e restrições
(7). Embora as causas sejam diversas, muitos estudos demonstram que o
principal desencadeador é a combinação do sedentarismo (definido como a
falta ou a grande diminuição das atividades físicas) e o consumo excessivo
de calorias.

O sedentarismo e a obesidade podem também ser reduzidos através da


disponibilização de mais oportunidades de se estar ao ar livre, adequadas
para esportes e atividades físicas. Os parques são lugares ideais para se
praticar exercícios físicos, mas uma pessoa com sobrepeso não se será
atraída a frequentá-lo, a não ser que o parque seja convidativo, seguro e
de fácil acesso (8). As prefeituras têm aqui um papel crucial a desempenhar
na criação de ambientes que promovam as oportunidades de lazer e para
atividades físicas. GEHL (1986) (9), em sua análise sobre a qualidade do
espaço e o seu uso pela população, é categórico: quanto melhor a qualidade
do espaço, quanto mais atividades oferecidas, maior é o tempo de
permanência nestes espaços e mais contatos sociais ocorrem.

A nosso entender, a obesidade infantil está também diretamente ligada à


qualidade do espaço público. No momento em que transformamos as ruas em
meras vias de trânsito e reduzimos a qualidade de permanência, também
retiramos a oportunidade de crianças usarem este espaço para brincar.
Lembrando que, em muitos bairros, as ruas e suas calçadas são os únicos
espaços públicos existentes. Se não há nas proximidades áreas verdes e a
qualidade das calçadas e ruas é baixa (segurança, tráfego), esses espaços
são meramente usados para a locomoção. A vida sedentária no Brasil também
está ligada à questão da violência urbana. Ir a parques e frequentar praças
está se tornando cada vez mais perigoso. Essa violência também faz com que
pais prefiram que seus filhos permaneçam dentro de casa, em atividades que
não estimulam a prática de atividades físicas. Correr, jogar bola, andar de
bicicleta estão sendo substituídos pela TV e videogames. A essas atividades
passivas, como constataram BARTON & GRANT (10), somam-se maus hábitos
alimentares, como o excesso de alimentos de alto valor calórico
(sanduíches, pizzas e biscoitos acompanhados de refrigerantes).

Na Alemanha, pode ser observado que esportes e atividades físicas no meio


urbano também estão mudando significativamente nos últimos anos. Porém, com
a diferença que estes estão se tornando uma parte integrante do uso de
espaços verdes. Em áreas urbanas, os parques, bosques e áreas verdes
desempenham um papel importante nas oportunidades de lazer, e com isso
influenciam positivamente a qualidade de vida da população. Há 15 anos, as
atividades desportivas ocorriam preponderantemente em clubes. Hoje, elas já
não estão mais ligadas exclusivamente às instalações desportivas, mas
ocorrem fora delas, nos parques e áreas verdes, e com uma forte tendência a
aumentar (11).

As razões que levam os alemães à prática de atividades físicas igualmente


estão se modificando. Motivos tidos como clássicos, como vencer um desafio,
aumentar o desempenho, potência e sucesso estão dando lugar ao prazer de
praticar um esporte, maior preocupação com a saúde, para combater estresse,
reduzir níveis de ansiedade e aumentar o contato com a natureza. Esta
mudança se deve também a novos esportes e à crescente preocupação das
pessoas com a sua saúde.

Geocaches podem assumir uma função educativa e esta está

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relacionada à possibilidade única que eles oferecem para
apreciar os processos naturais e de contemplar a
natureza
Foto Gilsa Steinmeier 2011

Atividades e esportes como jogging, caminhada, nordic walking, patins


online, ciclismo, mas também atividades exóticas como geocaching já fazem
parte da paisagem urbana (12). Outro motivo para essa mudança de
comportamento é o papel do esporte na recreação, já que a maioria das
pessoas quer passar o tempo livre de forma individual e flexível. Áreas
verdes e espaços públicos vicinais adquirem ai um significado especial. Ao
contrário de clubes e instalações desportivas com tempos e práticas
rígidas, o uso de áreas verdes é gratuito e de fácil acesso.

Recentes estudos mostram uma crescente relação entre o espaço verde e a


saúde (13). É cada vez mais evidente que a frequente utilização de espaços
verdes melhora não só a nossa saúde física, mas também a mental. Estes
estudos apontam que pessoas para as quais "estar ao ar livre" é uma
atividade quotidiana sofrem menos de estresse ou ansiedade. A caminhada em
espaços agradáveis ajuda a reduzir a pressão arterial, a manter a
frequência normal dos batimentos cardíacos e a relaxar os músculos. O
simples fato de olhar uma planta sinaliza ao cérebro uma situação relaxante
e de aconchego. Um jardim, segundo médicos e psicólogos, evoca uma
experiência positiva de paz e ordem. BARTON & PRETTY (14) demonstram que
apenas cinco minutos por dia de atividade “verde”, como caminhar, fazer
jardinagem ou andar de bicicleta melhoram o humor e aumentam a auto-estima.
O contato com a natureza pode levar a um melhor estado emocional e, a longo
prazo, prevenir doenças. Além disso, o contato com a natureza aumenta a
capacidade de aprendizagem ao longo da vida.

Alguns caches exigem um pouco mais de habilidade e audácia dos caçadores


Foto Gilsa Steinmeier 2011

Alguns caches exigem um pouco mais de habilidade e audácia dos caçadores


Foto Gilsa Steinmeier 2011

Contribuições do geocaching

Dentro das inúmeras possibilidades do uso do geocaching como contribuição


para o ambiente urbano, além das já citadas acima (como uma opção de lazer
e os benefícios de atividades ao ar livre), podemos ainda citar o seu uso
como uma maneira de aumentar a percepção do espaço e para estabelecer
relações entre as pessoas e estes espaços

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Estar ao ar livre em um espaço público possibilita a interação e a


convivência entre as pessoas de diferentes grupos sociais. E,
diferentemente do que foi inicialmente suposto e defendido por alguns
autores, a crescente virtualização de nossas vidas não está significando o
fim da cidade real. Cada vez mais as cidades estão investindo na melhoria
da qualidade de vida oferecida a seus habitantes. E isso implica também na
configuração e qualificação do espaço urbano. As autoridades locais e
líderes políticos têm um papel crucial na criação de políticas propícias e
na implementação de espaços e oportunidades para atividade físicas e uma
vida mais ativa da população.

E é justamente por trazer as pessoas ao ar livre que o geocaching faz com


que elas aprendam a usufruir do espaço, aprendam a apreciar as suas
qualidades, descubram a sua história; crianças aprendem a se orientar, e em
áreas verdes podem entender os processos biológicos. Como exemplo, podemos
citar o caso de uma série de caches em Egham, uma pequena cidade no condado
de Surrey, no sudeste da Inglaterra. Localizada a sudoeste de Londres,
Egham está inserida no complexo de áreas verdes de proteção aos
reservatórios que garantem o suprimento de água para a capital britânica.
Na região existem 50.634 caches escondidos pelos mais diversos jogadores.
Na área adjacente ao Wraysbury Reservoir, quando procurados em série, a sua
caça leva a uma caminhada de 2 de 3 horas em uma área rica em diversidade e
uma alternância entre caminhos confortávels e difíceis, por bosques e
prados.

No Zwinger, um complexo de museus e jardins do séc. XVIII na cidade alemã


de Dresden encontram-se escondidos quatro cachês de diferentes
"proprietários", cada um chamando atenção a um detalhe arquitetônico ou
histórico
Foto Gilsa Steinmeier 2011

Também já existem algumas experiências em fazer conexões entre o geocaching


e a educação. No site do geocaching é relatado que nos Estados Unidos
várias escolas ou professores já estão utilizando o jogo como uma
ferramenta de ensino, já que o geocaching, sem grandes custos, coloca o
corpo e a mente em ação, incentiva a formação de equipes, desenvolve o
pensamento crítico e exige o empenho ativo do aluno (15).

Um exemplo interessante do uso de geocaching vem da cidade de Osnabrück


(Alemanha). Na vizinhança da Praça Rosenplatz, o geocaching é usado para
chamar atenção para as medidas implementadas pelo programa de renovação
urbana. Localizada em um bairro próximo ao centro, a área ao redor desta
praça entrou em decadência. No entanto, desde 2001, como parte do programa
de reabilitação urbana, com fundos públicos do programa "Cidade Social"
(16), há diversos projetos visando à melhoria das condições de vida das
pessoas que lá vivem.

Para alcançar o objetivo principal, melhorar a qualidade de vida e atrair


novos habitantes, são realizados projetos nas áreas social, cultural,
educacional e de lazer. Uma das metas é reduzir o impacto negativo do
tráfego e a criação de ciclovias. Isso implica na redução de áreas para
estacionamento e no estreitamento de várias ruas; uma mudança que nem
sempre é bem aceita, principalmente por motoristas. Mas esta medida, além
de melhorar a segurança, já que o estreitamento das ruas faz com que
motoristas reduzam a velocidade, aumenta os espaços para uso público. Com o
objetivo de promover o lazer ao ar livre, mas também como meio de
informação, estudantes do curso de Serviço Social transformaram a área de
reabilitação urbana em um lugar de caça ao tesouro. Com diferentes rotas,
preparadas para famílias e crianças ou adultos, os caches foram escondidos
estrategicamente, e a sua busca leva os jogadores não só por áreas em
recuperação e edifícios de destaque do bairro, mas também por organizações
sociais e áreas ainda problemáticas. Assim, todos podem "dar uma olhada no
que acontece pelo bairro", além se conscientizarem dos seus problemas. A
coordenadoria do programa de reabilitação adquiriu duas unidades de GPS,
colocando-as à disposição dos moradores. Com este incentivo a mais, os
moradores podem melhor conhecer o seu bairro, e observar os progressos.

Indo além do fator entretenimento, o exemplo de Osnabrück mostra como


geochaching pode contribuir para a formação e consolidação da chamada

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community capacity, a capacidade da comunidade em se articular e participar
ativamente do que acontece nas suas proximidades. Ações como a dos
estudantes de Serviço Social, que organizaram o geocaching como uma opção
de lazer, no próprio bairro onde moram, podem fazer da população em geral
uma forte aliada para a solução de problemas locais. Assim se cria a
indispensável confiança na cooperação ativa entre os atores públicos e
privados locais. Para muitos autores (17), a participação ativa da
população é um fator integrante de um plano estratégico, e um dos aspectos
decisivos para o seu sucesso.

Na cidade de Braunschweig, onde em 2010 já se contava mais de 2.000 caches,


a maioria deles escondidos nos parques e áreas verdes, a própria companhia
municipal de saneamento preparou um geocaching educacional sobre o tema da
água na cidade. Denominado de Wasserlauf (ciclo da água), este cache
múltiplo foi criado com o intuito de informar sobre o processo de captação,
tratamento e distribuição de água potável e o tratamento de esgotos.
Preparado tanto para os aficionados como para os não cacher, este é
composto por várias estações, onde a solução de tarefas leva sucessivamente
ao cache final. Com uma ampla difusão, espera-se ganhar mais adeptos aos
programas de mudança de hábitos para o uso mais racional de água e para
estimular sua economia (18).

Outra atividade comunitária relacionada ao geocaching é a ação voluntária


de limpeza de espaços verdes. Organizada pela comunidade local de cachers,
a ação "cache in trash out" (entra o cache sai o lixo) está se tornando
frequente em muitas cidades. Em um esforço conjunto, os cachers se reúnem e
se dedicam à limpeza de parques e outros lugares interessantes como
esconderijo de caches. O calendário está online e qualquer pessoa é bem-
vinda para participar.

Uma tentativa de situar o geocaching no Brasil

Uma vista rápida pelo mapa de caches gerado pelo site internacional (19)
revela a quantidade de caches existentes no mundo. Se, por um lado, existem
regiões que parecem estar densamente cobertas por geocaches, como por
exemplo, a Europa Ocidental, América do Norte, Japão, Austrália ou Nova
Zelândia, existem outras que ainda estão totalmente "inexploradas". A
densidade de caches pode também ser interpretada como o grau de
conhecimento: quanto mais caches provavelmente maior é o número de
jogadores.

O mapa gerado para o Brasil revela uma concentração maior na costa - onde
estão os nossos grandes aglomerados urbanos, e um determinado adensamento
entre Florianópolis, Curitiba, São Paulo e Rio de Janeiro. Nesse sentido,
imaginamos que no Brasil o geocaching, como uma prática de lazer, ainda
seja bastante desconhecida e incipiente. E esta suposição é confirmada nos
blogs nacionais em que se discute o assunto. Nestes blogs, há também vários
comentários a respeito da presença do geocaching na mídia nacional. Uma
rápida leitura indica que já foram publicados vários artigos a respeito,
porém nem todos deixaram os cachers satisfeitos. Estes artigos muitas vezes
não transportam o espírito do geocaching, principalmente no que tange ao
prazer de procurar um tesouro, cujo "valor" é, por regra, irrisório.

Segundo o revisor de geocaches para o Brasil, em uma na entrevista para um


blog nacional (20), o país vem experimentando um crescimento constante de
caches. Em 2010, duas campanhas foram realizadas para aumentar o número de
caches no país; a primeira atingiu os previstos 700 caches e a segunda
deveria atingir 900 - mas o site geocaching registra ao todo 865 caches
verde-amarelos.

Entre este pequeno número encontra-se, no entanto um cache que se tornou


internacionalmente simbólico para os jogadores mais inveterados. Escondido
no Parque Estadual Intervales (Estado de São Paulo) este cache é um dos
poucos remanescentes ainda ativos de uma série instalada ao redor do mundo
(21) em 2001. A sua busca leva o jogador a uma área de preservação da mata
atlântica com exuberante patrimônio natural e notável biodiversidade. Como
recompensa pela caminhada de aproximadamente 30 minutos por trilhas na
mata, o local do seu esconderijo oferece um ótimo panorama para se admirar
a beleza da paisagem. Os mais de 400 cachers listados como observadores são
a prova da sua distinção (na maioria dos caches o número de observadores
está entre um e cinco).

Tomando Curitiba como um exemplo da escala urbana, existem na cidade


atualmente 46 caches. O interessante é que a sua grande maioria se encontra
escondida nos parques e nas áreas verdes da cidade. Para os jogadores, essa
pequena quantia de caches significa que para sair a sua procura deve-se
percorrer grandes distâncias. Uma visita rápida aos caches curitibanos
revela certa discrepância no que se refere aos registros. Enquanto alguns
foram encontrados recentemente, há outros que ainda não tem nenhum registro
ou a última anotação é de longa data. Uma boa parte dos registros está em
inglês ou até em outras línguas, o que demonstra que também há estrangeiros
à procura de tesouros pelo país. Quase a totalidade de caches na cidade
corresponde ao tipo tradicional e de pequeno porte; a sua grande maioria é
considerada de nível de dificuldade baixo para encontrá-los, o que
demonstra o espírito pioneiro dos cachers na cidade. Certamente há outros
bons exemplos do uso do geocaching no Brasil, porém analisá-los não é o
intuito primário deste artigo.

Com o incremento do uso de celulares inteligentes é possível que o


interesse pelo geocaching também aumente no país. E os dois grandes eventos
internacionais que o Brasil sediará em 2014 e 2016 com certeza atrairão
mais jogadores.

www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/12.143/4332 8/10
21.05.12 arquitextos 143.03: A caça ao tesouro ao ar livre | vitruvius
Considerações finais

Como os dispositivos GPS estão se tornando comuns, jogos urbanos igualmente


tendem a aumentar sua popularidade. Muitas empresas já usam jogos urbanos
(ou jogos baseados em aplicações orientadas para a localização - location-
based) para atrair consumidores ou em campanhas de marketing para seduzir o
mercado jovem. Assim, na medida em que os aparelhos são acessíveis a um
maior número de pessoas, seus usos tendem a se ampliar.

Como visto nos exemplos citados, geocaching também pode ser usado como um
atrativo para fazer com que as pessoas usem e se apropriem dos espaços
públicos e levem assim uma vida mais ativa. Uma mudança de atitude onde
todos ganham.

Atualmente, o jogo acontece sem uma participação oficial de administração


pública - o que não deve ser considerado negativo. Geocaching envolve o uso
de espaços públicos e isso pode causar transtornos. Nem todos têm
conhecimento de que há um jogo acontecendo, e a presença assídua de
"caçadores" pode criar confusão ou irritação em pessoas desavisadas Por
outro lado, não é desejável que todos saibam o que é geocaching - já que um
pouco de mistério faz parte do jogo.

notas

1
Informações mais detalhadas, bem como a história do geocache pode ser
obtida no site http://www.geocaching.com/about/history.aspx

2
Termo originário do francês cacher - que significa esconder, to cache
significa tanto acumular, armazenar, guardar como esconder ou ocultar; o
substantivo derivado cache entre outros significa esconderijo. O termo é
também usado na eletrônica com semelhante sentido. Lá basicamente se trata
do local de armazenamento de dados ou processos com probabilidade de serem
utilizados futuramente, poupando tempo e tornando processos mais rápidos.

3
Sites brasileiros: http://www.brasilcaching.com.br,
http://www.geocachingbrasil.com.br e http://geocachesbrasil.blogspot.com.
Acessos em 28/10/2011

4
No blog alemão há alguns relatos, onde os cachers passaram por uma situação
desagradável http://geocaching-blog.de/?tag=polizei

5
Veja: http://www.geocaching.com/seek/log.aspx?IID=237f9dca-49d8-47c2-a583-
b52c1e22d1e6&LID=4480680. Acesso em 22/08/2011

6
BARTON, Jo; PRETTY Jules. “What is the Best Dose of Nature and Green
Exercise for Improving Mental Health? A Multi-Study Analysis ” . In:
Environmental Science & Technology 44 (10), 2010, p. 3947-3955.

7
SJÖSTRÖM, Michael; SUNDBERG, Carl J. “Improve your health ” . In: Medical
Science , Stockholm, 2009, p. 6-8.

8
SMANIOTTO COSTA, Carlos. “Áreas Verdes: um elemento chave para a
sustentabilidade urbana - A abordagem do Projeto GreenKeys ” . In:
Arquitextos , São Paulo, 2010.
http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/10.126/3672

9
GEHL, Jan. Life between buildings: Using public space . New York, Van
Nostrand Reinhold, 1987.

10
BARTON, Hugh, GRANT, Marcus. “A health map for the local human habitat ” .
In: Journal of the Royal Society for the Promotion of Public Health , 126
(6), 2006, p. 252-261.

11
BfN - Bundesamt für Naturschutz. Menschen bewegen – Grünflächen entwickeln.
Bonn, 2008.

12
Idem. Ibidem .

13
BARTON, Jo; PRETTY Jules. Op. Cit.; SJÖSTRÖM, Michael; SUNDBERG, Carl J.
Op. Cit. ; BARTON, Hugh, GRANT, Marcus. Op. Cit.

14
BARTON, Jo; PRETTY Jules. Op. Cit.

15
Link: http://www.geocaching.com/education/default.aspx

16
Trata-se de um programa, criado em 1999 pelo governo federal alemão e com

www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/12.143/4332 9/10
21.05.12 arquitextos 143.03: A caça ao tesouro ao ar livre | vitruvius
apoio financeiro dos Estados e da União Europeia, para coordenar e
financiar a reabilitação de "bairros com necessidades especiais de
desenvolvimento". Chamado de Cidade Social ( Soziale Stadt) , este programa
objetiva neutralizar os efeitos sócio-espaciais da chamada espiral de
declínio, presente em áreas carentes de várias cidades. O programa visa
melhorar as condições de vida locais, promover a participação e cooperação
entre diferentes agentes e representa uma nova política de abordagem
integrativa para o desenvolvimento urbano. Em 2011, o programa mantém
projetos em 603 bairros em 375 municípios.
http://www.sozialestadt.de/en/programm. Acesso em 28/07/2011

17
Por exemplo FRIEDMAN, 1987, KANGAS & STORE, 2003.

18
Braunschweig Versorgung AG. In : Braunschweiger Parks und Grünanlagen sind
die Geocacher unterwegs . In: Revista BS.Energie, Edição April 2011.

19
Geocaching: http://www.geocaching.com, acessado em 27/07/2011

20
Link: http://www.geocachingbrasil.com.br/feat/entrevista-com-o-revisor/

21
Em 2001 a 20th Century Fox usou a idéia, então embrionária do geocaching ,
como um golpe publicitário, precedente ao lançamento do seu blockbuster de
verão O Planeta dos Macacos. Através do Projeto A.P.E. ( Alternative Primate
Evolution ) foram espalhados pelo mundo caches que continham objetos usados
no filme. Os primeiros a encontrarem esses caches obtiveram objetos
originais. A maioria dos caches então instalados já se encontra desativada.

bibliografia complementar

Neue Osnabrücker Zeitung. Geocaching: Schatzsuche rund um den Osnabrücker


Rosenplatz. Edição 06.02.2011,
http://www.noz.de/lokales/51239808/geocaching-schatzsuche-rund-um-den-
osnabruecker-rosenplatz. Acesso em 23/09/2011

SMANIOTTO COSTA, Carlos. O verde como propulsor do desenvolvimento urbano -


Exemplos das exposições de paisagismo na Alemanha . In: Malha Urbana -
Revista Lusófona de Urbanismo, 6. Lisboa, 2008.
http://malhaurbana.ulusofona.pt/arquivo/malhaurbana6/malha_urbana_artigos.ht

SMANIOTTO COSTA, Carlos; SCHERZER, Cornelius; SUTTER-SCHURR, Heidi. Tage im


Grün - Nutzerwünsche und Nutzungsverhalten im öffentlichen Freiraum - eine
Untersuchung in Dresden . In: Stadt und Grün 11. Berlim, 2006, p. 12-19.

sobre o autores

Carlos Smaniotto Costa (PhD) é graduado e doutorado em Arquitetura da


Paisagem e Planejamento Ambiental pela Universidade de Hanover/Alemanha.
Além de realizar vários projetos paisagísticos, ocupa-se como pesquisador
com questões de desenvolvimento urbano sustentável, estratégias para a
integração de espaços livres e preservação da natureza, e transformação da
paisagem no contexto urbano. É professor de paisagismo e ecologia urbana,
com atuação em ensino e pesquisa nos cursos de pós-graduação em Urbanismo
da Universidade Lusófona em Lisboa.

Gilsa Steinmeier é bancária e adepta de atividades físicas ao ar livre como


competições de barco-dragão, ciclismo, nordic walking e caminhadas. Pratica
o geocaching há mais dois anos, não só o tem como atividade de lazer, mas
também é organizadora de eventos internacionais. Vive e trabalha na cidade
de Bad Oeynhausen (Alemanha).

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