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JAROSLAV PELIKAN

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UMA HISTÓRIA DO DESENVOLVIMENTO DA DOUTRINA

A D O U TRIN A C R ISTÃ
E A CU LTU R A M ODERNA
DESDE 1 7 0 0

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BRASIL

TRADIÇÃO
CRISTÃ UMA HISTÓRIA DO DESENVOLVIMENTO DA DOUTRINA

5
1. O surgimento da tradição católica (100-600)

2. O espírito do cristianismo oriental (600-1700)

3. O desenvolvimento da teologia medieval (600-1300)

4. A reforma da igreja e o dogma (1300-1700)

5. A doutrina crista e a cultura moderna (desde 1700)


JAROSLAV PELIKAN

TRADIÇÃO
CRISTÃ
UMA HISTÓRIA DO DESENVOLVIMENTO DA DOUTRINA

5
A DOUTRINA CRISTÃ
E A CULTURA MODERNA
DESDE 1700

Tradução
Helena Aranha & Regina Aranha

SHEDD
Publicado originalmente nos EUA
Título do original em inglês:
T h e C h r is t ia n T r a d it io n : a H istory of th e D ev el o pm en t of D o c t r in e
Volume V: Christian Doctrine and Modern Culture (since 1700)

Licensed by The University o f Chicago Press, Chicago, Illinois, U.S.A.

© 1989 by The University o f Chicago. All rights reseved.


Ia edição: 11/2016
Publicado no Brasil com a devida autorização e com todos os direitos
reservados por S h e d d P u blicações
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São Paulo-SP - 04741-150
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fotográficos, gravação, estocagem em banco de dados, etc.), a não ser em citações
breves com indicação de fonte.
ISBN 978-85-8038-046-0
Impresso no Brasil / Printed in Brazil
T radução & R e v isã o : Helena Aranha & Regina Aranha
D iagram ação & C apa : Edmilson Frazão Bizerra

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


Angélica Ilacqua CRB-8/7057

Pelikan, Jaroslav
A tradição cristã: uma história do desenvolvimento da doutrina : a
doutrina cristã e a cultura moderna (desde 1700), volume 5 / Jaroslav
Pelikan; tradução de Helena Aranha, Regina Aranha. — São Paulo :
Shedd Publicações, 2016.
408 p.
Bibliografia.
ISBN 978-85-8038-046-0
Título original: The Christian Tradition: a History o f Development o f
Doctrine - Vol. V: Christian Doctrine and Modern Culture (since 1700)
1. Igreja católica - Doutrinas —História 2. Teologia —doutrina bíblica —
Reforma 3. Igreja católica - Cultura moderna I. Título II. Aranha, Helena
III. Aranha, Regina

16-1434 CDD: 230.209

índices para catálogo sistemático:


1. Igreja católica - doutrina - história
Su m ário

P refácio ................................................................................................................7

P rincipais fontes ............................................................................................. 11

“E, MÍSERO EU, DA TEOLOGIA‫ ״‬............................................................................53

1. A CRISE DA ORTODOXIA ORIENTAL E OCIDENTAL........................................... 61


Apologia da igreja........................................................................................... 64
Investigações na doutrina cristã.................................................................... 76
A doutrina da lei e da graça............................................................................ 87
Uma vida devota e santa...............................................................................101

2. A OBJETIVIDADE DA REVELAÇÃO TRANSCENDENTE......................................113


Milagre, mistério e autoridade.....................................................................114
As verdades contingentes da história.......................................................... 129
O dogma cristológico e o Jesus histórico....................................................146
A essência da verdadeira religião................................................................. 159

3. A teologia do coração ............................................................................. 177


A transposição afetiva da doutrina..............................................................178
Deus e a alm a................................................................................................ 189
Perfeição evangélica..................................................................................... 205
A experiência do Espírito Santo................................................................. 223

4· Os FUNDAMENTOS DA COSMOVISÃO CRISTÃ................................................. 235


A realidade de D e u s..................................................................................... 241
O Criador do céu e da terra..........................................................................252
A imagem divina.......................................................................................... 264
O progresso do reino...................................................................................276
5. A DEFINIÇÃODE DOUTRINA............................................................................. 289
O princípio da mediação histórica.................................................................292
A inspiraçaõ e a infalibilidade......................................................................... 303
O consenso da tradição cristã.........................................................................314
O dogma e seu desenvolvimento...................................................................327

6. A COMUNIDADE ESPIRITUAL DOCORPODE CRISTO........................................ 343


A renovação da eclesiologia............................................................................. 348
Os recursos teológicos para a unidade........................................................... 361
A redenção da sociedade.................................................................................. 372
Lumen G entium ................................................................................................ 383

Obras secundárias selecionadas...................................................................395


P refácio

Λ doutrina cristã e a cultura moderna é o quinto e último volume da minha


história do desenvolvimento da doutrina cristã e, de muitas maneiras, o
“filho problemático”, conforme m e advertiram, tanto pessoalmente quanto
por escrito, meus amigos (incluindo Albert C. Ouder e o falecido William A.
Clebsch) que seria. Comecei a planejar o esboço de A tradição cristã (embora
não ainda com esse título) na década de 1940, e meus primeiros esboços e
rascunhos remontam à década de 1950. O tempo todo tinha certeza de que
queria começar o relato no primeiro volume só depois do N ovo Testamento,
mas tinha muito menos certeza quanto ao assunto para terminar o quinto
volume, lidando com o período moderno. A assembléia de Amsterdã do
Concilio Mundial das Igrejas, de 1948, forneceu-me um possível “terminus
ad quem”, bem com o a promulgação da assunção da virgem Maria pelo papa
Pio XII, em 1950. Mas na época em que estava preparado para publicar o
volume I, que apareceu em 1971, as ações do Segundo Concilio Vaticano
deixaram claro que devia concluir minha história da doutrina da igreja no
período moderno e, por conseguinte, concluir a obra com o um todo com
esse evento.
Além disso, só aos poucos agucei meu foco na história do desenvol-
vimento da doutrina da igreja com o distinto da história do pensamento
cristão em geral. Meu tratamento do período moderno, é claro, é um dos
mais afetados pela especificação do foco. A o longo dos anos, tenho de fato
feito palestras e escrito muito mais sobre a história da teologia nesses dois
ou três séculos passados que sobre a história da doutrina da igreja — mais
sobre o Iluminismo que sobre o pietismo, mais sobre Kierkegaard que sobre
Grundtvig, mais sobre Tolstói que sobre Soloviev e, quanto a esse assunto,
mais sobre Harnack que sobre Newman. Deveria — com o editor de uma
PREFÁCIO

série de monografias de cinco volumes intitulada Criadores da teologia moderna


e de uma coleção de três volumes de fontes, em processo de tradução, inti-
tulada A teologia do século vinte emprocesso de estruturação — estar pelo menos tão
preparado para escrever a história da teologia moderna (embora não em um
volume) quanto a história da doutrina. N a verdade, quando comecei a ensinar,
fui designado para um curso denominado “História do D ogm a” no currículo
e outro denominado “História da Teologia Moderna”; subsequentemente dei
uma série de três cursos intitulado “História do Pensamento Cristão”. Assim
acharia fácil — fácil demais — dar aos sistemas dos dois últimos séculos e
meio e, em especial, as tendências teológicas do século X X (dos quais muitos
dos lideres conheço pessoalmente e de alguns desenvolvimentos participei)
consideravelmente mais espaço que sua justa parte.
Contudo seria apropriado que o tema para o primeiro volume desta obra
ligasse os nomes de Newman e Harnack. Conforme meus leitores e críticos
comentam com frequência, os volumes sucessivos da obra parecem oscilar
entre as metodologias sugeridas por esses dois nomes, e esse quinto e último
volume (em que os próprios Newman e Harnack aparecem pela primeira
vez com o atores na trama, em vez de apenas com o dramaturgos) faz isso de
modo muito mais explícito do que fizeram seus predecessores. Pois o período
moderno da história da doturina cristã pode ser definido com o a época em
que as doutrinas foram mais assumidas que debatidas, pois, na maior parte da
história cristã, elas foram questionadas: a ideia da revelação, a singularidade
de Cristo, a autoridade da Escritura, a expectativa de vida após a morte, até
mesmo a própria transcendência de Deus. Também foi um período em que
a relação entre os três termos “crer, ensinar e confessar”, com os quais o
primeiro volume desta obra iniciou na definição da doutrina cristã, foram
basicamente revistos: os teólogos, com frequência, “confessavam” mais do
que “criam”, talvez mais do que “ensinavam”. Mas o quinto volume também
ostenta o título A tradição cristã, e isso tem de determinar a seleção de tópicos
e de autores. Também dita que o uso do passado cristão — de tradição, credo
e dogma — pela igreja no período moderno aumenta nessa narrativa, muito
mais que na maioria das histórias da teologia moderna.
Edward Gibbon, em sua Autobiografia, ao falar de cada autor subsequente
de uma obra de história de muitos volumes, descreve o sentimento agrido-
ce que traz a conclusão do último volume: “N ão vou disfarçar a primeira
emoção de alegria ao recuperar minha liberdade”, reconheceu Gibbon; “mas
meu orgulho logo ficou humilde, e uma sombria melancolia se espalhou por
minha mente com a ideia da despedida perpétua de um velho e agradável
Prefácio ♦♦♦ 9

companheiro”. Para mim, a alegria e a melancolia são mais que compatíveis


com a gratidão que sinto por todos que tornaram possível que eu assumisse
e, agora, complete essa ambiciosa obra de uma vida inteira: meus pais falecidos,
meus outros professores, meus colegas e alunos de graduação e pós-graduação
ao longo desse período de mais de quarenta anos, os devotados bibliotecários
de toda a cristandade, à University o f Chicago Press e sua equipe, à Univer-
sidade de Yale e, acima de tudo, a minha esposa, Sylvia, a quem dedico esta
obra completa.
P rin cip ais fontes

Autores e textos
Adm. Karl Adam
Chr. O Cristo dafé (Der Christus des Glaubens). Düsseldorf, 1954
Kath. A essência do catolicismo (Das Wesen des Katholiffsmus).
12a ed. Düsseldorf, 1949
Un. A igreja una, santa, católica eapostólica naperspectiva católica
(Una sancta in katholischerSicht). Düsseldorf,
1948
Albrt. Vind. Valentino Alberto. Vindicando exegética deJoel 2.28,29
(Vmdiciae exegeticaeJoélll, 28.29). Leipzig, 1695
AUat. Leão Alácio [Leone Allacci]
Manual Manualsobre aprocessão do Espírito Santo (Deprocessione
Spiritus sancti enchiridion). Roma, 1658
Perp. cons. O consensoperpétuo da igreja orientale ocidentalno dogma
e no ritual (Deperpetuo Ecclesiae
Occidentalis atque Orientalis tarn in Dogmate
quam in Ritibus consenso) 2a ed. Roma, 1655
Purg. O consensoperpétuo da igreja orientale ocidentalsobre 0
dogma dopurgatório (De utriusque Ecclesiae
occidentalis atque aroentalisperpetua in dogmate
depurgatório consensione). Roma, 1655
Syn. Eph. A defesa do Concilio de Efeso e de Cirilo [ daAlexandria]
sobre aprocessão do Espírito Santo do Pai e do
Filho (Vmdiciae synodiEphesinae et S. Cyrilli
deprocessione ex Patre et Filio Spiritus Sancti).
Roma, 1661
Af. Lig. Afonso de Ligório
Gl. Mar. A s glórias de Maria (Le glorie di Maria)
Teol. mor. Teologia moral (Theologia Moralis)
Alt. E t. Paul Althaus. A ética de Martinho Eutero. Gütersloh, 1965
Ambr. Ambrosio de Milão
Off. Sobre as obrigações (De officiis)
Esp. Sobre 0 Espírito Santo
12 PRINCIPAIS FONTES

Amrt. Eusébio Amort


Brd. Reflexões sobre 0 novo sistema dopai Laborde referente a
infalibilidade (Animadversiones ad novum
Systerna P. Ea Bordii de infallibilitate)
Ep. Epístolas
Gut. Opinião legal (Gutachten)
Indulg. A origem,progresso, validade e resultados das indulgências
(De origine, progressu, valore, acfructu
indulgentiarum). 2 vols. Augsburg, 1735
Rev. Revelações, visões e apariçõesprivadas: regras seguras da
Escritura, dos concilios, dospais, etc. (De
revelationibus, visionibus, et apparitionibus
privatis regulae tutae ex scripture, conciliis,
SS, patribus, etc). Veneza, 1750
Teol. eclec. Teologia eclética, moral e escolástica (Theologia ecléctica,
moralis et scholastica). 4 vols. Augsburg, 1752
Teol mor. Teologia moral meio caminho entre 0 rigor e a lassidão
(Theologia moralis inter rigorem et laxitatem
media). 2 vols. Veneza, 1757
Tom. Kemp. Prova crítica... de que Tomás de Kempis é 0 autor dos livros
intitulados “A imitação de Cristo” (Deductio
critica... Ven. Thomam Kempensem librorum de
Imitatione Christi authorem esse). Augsburg, 1761
Amvr. Nov. Sobr. Amvrosii de Novgorod. Coletânea depalavras instrutivas
(Sobrantepoucitelnych slov). 3 vols. Moscou, 1810
Andrts. Chrêstos Androutsos
Dogm. Dogma da Igreja Ortodoxa Oriental (Δογματική
της Ορθοδόξου ’Ανοιτολικής Εκκλησίας).
2a ed. Atenas, 1956
Simb. comp. Simbologia comparativa de umaperspectiva ortodoxa
(Δοκιμιον συμβολικής έξ έπόψεως
Ορθοδόξου). Atenas, 1901
Ig. est. A Igreja e 0 Estado da perspectiva ortodoxa ’(Εκκλησία
καί πολιτεία έξ έπόψεως ορθοδόξου).
2a ed. 2 vols. Salónica, 1964
Vai. A validade das ordenações ortodoxas daperspectiva
ortodoxa-católica (Tò κύρος των Αγγλικών
Χειροτονιων έξ έπόψεως ορθοδόξου).
Istambul, 1903
Simb. Os símbolos de uma perspectiva ortodoxa (Συμβολική έξ
έπόψεως Ορθοδόξου)
Anf. Pan. serm. Philippe Anfossi. Panegíricos e sermões (Panegirici e sermoni).
Roma, [1817]
Ang. Sil. CTrid. Angelo Silésio [Johannes Scheffler]. O Concilio de Trento antes de
Trento (Concilium Tridentinum ante Tridentinum).
Nissa, 1675
Ans. Anselmo da Cantuária
Cur. d. h. Porque Deus se tornou homem (Cur deus homo)
Pros. Proslógio
Apol. Conf.Aug. Apologia da Confissão deAusburgo (Apologia Confessionis
Augustanae)
Autores e textos 13

Arb. Antonio Arbiol y diez


Des. myst. Os desapontamentos místicos das almas que são
detidas ou desapontadas no caminho
para aperfeição (Desengaños mysticos
a las almas detenidas, ò engañadas en
elcaminho de laperfección). Madri, 1764
Inst. Instrução religiosa (La religiosa instruida...para todas las
operaciones de su vida regular). Madri, 1765
Art. Hist. Pio VII Artaud de Montor. A historia dopapa Pio VII (Histoire du Pape
Pie VII). 2a ed. 2 vols. Paris, 1837
Art. X X X IX Os 39 Artigos
Art. X X X IX (1801) Revisão norte-americana dos 39 artigos (1801)
Atan. Atanásio de Alexandria
Ar. Discursos contra os arianos
Ep. Apr. Epístola aos bispos da Africa
Enc. Sobre a encarnação do Verbo
Sin. Sobre os sínodos de Rimini e de Selêucia
Atan. Par. Epit. Atanásio de Paros. Epítome ou Coletânea dos dogmas divinos dafe
’(Επιτομή είτε συλλογή των θείων τής πιστεως δογμάτων).
Leipzig, 1806
A& Agostinho de Hipona
Bat. Sobre o batismo contra os donatistas
Cat. rud. Sobre a catequi^ação do não instruído (De catechisçandis rudibus)
Civ. Cidade de Deus (De civitate dei)
Doc. Cr. Sobre a doutrina cristã
Manual Manual (Enchiridion)
Ep.fund. Contra a Epístola de Maniqueus denominadafundamental
Ev. João Exposição do evangelho deJoão
Gen. ad litt. Exposição de Gênesis de acordo com a letra (De Genesi ad
litteram)
Gest. Pelag. Sobre osprocedimentos de Pelágio (Degestís Pelagii)
Her. Sobre as heresias
Pecc. merit. Sobre os méritos e a remissão dospecados (Depeccatorum
meritis et remissione)
Praed. sanct. Sobre apredestinação dossantos (Depraedestinatione sanctorum)
Serm. mont. Sermão do monte de nosso Senhor
Soliloq. Soliloquios
Spir. et litt. Sobre o espirito e a letra (De spiritu et littera)
Vera relig. Sobre a verdadeira religião (De vera religione)
Avkm. Arcipreste Avvakum Petróv
Knig. talk. O livro de interpretações e as doutrinas verdadeiras
(Kniga tolkovanij ipravoecenij)
Zi7. Biografia (Zizneopisanie)
Bas. Basilio de Cesareia
Hex. Homilias sobre o hexamerão
Esp. Sobre o Espirito Santo
Bau. Ferdinand Christian Baur
Chr. O cristianismo e a igreja cristã durante os trêsprimeiros
séculos (Das Christenthum und die christliche
Kirche der drei erstenJahrhunderte)
14 ♦♦♦ PRINCIPAIS FONTES

Chrpart. 0 grupo de Cristo na congregação em Corintos (Die


Christuspartei in der korintischen Gemeinde)
DG. A historia do dogma cristão (Lehrbuch derchristlichen
Dogmengeschichte). 2a ed. Tübingen, 1858
Episk. Sobre a origem do episcopado na igreja cristã (Ueber den
Ursprung des Episkopats in der christlichen Kirche)
Neun. A história da igreja no séculoX IX (Kirchengeschchte des
neunvçehntenJahrhunderts)
Rom. Opropósito e a ocasião da epístolapara os Romanos (Ueber
Zmck und Veranlassung des Romerbriefs)
Vers. A doutrina cristã da expiação em seu desenvolvimento
histórico desde os tempos mais antigos aos mais
recentes (Die christliche Lehre von der
Versóhnung in ihrergeschichtlichen
Entwicklung von der atiesten Zeit bis auf
die nueste). Tübingen, 1838
Baum. Pred. Siegmund Jakob Baumgarten. Sermões [Predigten]
Beb. Gl. Balthazar Bebel. Confissão defé completa, mas sucinta
(Ausfiührliche doch kiirtfiiche Glaubens-Bekandnusf¡.
Estrasburgo, 1685
Bee. Lóp. Becerra López de Osuna y Zarate
Nuev. Ab. O novo Abraão (E l nuevo Abraham de la Iglesia).
Cidade do México, 1739
Sab. prod. O sábiopródigo (E l sabioprodigo Christo SeñorNuestro
sacramentado). Cidade do México, 1752
Beng. Johann Albrecht Bengel
Brud. Esboço sucinto da dita unidade dos Irmãos (Abris% derso
genannten Brüdergemeinde). Stuttgart, 1751
Gnom. Guia para 0 Novo Testamento (Gnomon Novi Testament¿)
Bert. Giovanni Lorenzo Berti
Aug. O sistema agostiniano dagraça...justificado (Augustinianum
systema de gratia... vindicatum). 2 vols.
Roma, 1747
Diss. hist. A s dissertações históricas (Dissertationes historicae). 3 vols.
Florença, 1753-56
Teol. disc. Sobre as disciplinas da teologia (De theologicis distiplinis).
10 vols. Bassini, 1792
Bgn. Put. Johann Bugenhagen. Sermãofúnebrepara 0 doutorMartinho
Lutero (Eine christliche Predigt über der Leich und
Begrábnis D. Martini Luthers). Wittenberg, 1546
Bianch. Pot. Giovanni Antonio Bianchi. Dots tratados sobre 0poder e apolítica
da igreja (Dellapotestà e dellapolitia della Chiesa tratatti
due). 6 vols. em 7. Roma, 1745-51
Bl. Unfehl. Felix Anton Blau. História crítica da infalibilidade da igreja
(Kritische Geschichte der kirchlichen Unfehlbarkeit).
Frankfurt, 1791
Blach. Log. Elias Blachopoulos. Sermões da igreja (Λόγοι εκκλησιαστικοί).
Atenas, 1882
Blgkv. Prav. Sergei Bulgakov. A ortodoxia oriental: esboços da doutrina da Igreja
Ortodoxa Oriental (Pravoslavie: Ocerki ucenija
pravoslavnoj cerkvi). Nova ed. París, 1985
Autores e textos 15

Blms. Jaime Luciano Balmes
Escép. Cartaspara um cético em assunto de religião (Cartas a un
escéptico en materia de religión)
Prot. O protestantismo comparado com o catolicismo (E l
Protestantismo comparado com el Catolicismo)
Rei. A religião demonstrada (La religion demonstrada al alcance
de los niños)
Bird. Brth. Henri Bouillard. Karl Barth: a generis e a evolução da teologia
dialética (KarlBarth: Genèse et évolution de la théologie
dialectique). 2 vols. Paris, 1957
Blrt. S. T. Charles-René Billuart.
A suma de Tomás deAquino acomodada aosprocedimentos
acadêmicos atuais (Summa S. Thomae hodiemis
academiarum morihus accommodata)
Reg. fid. Sobre as regras defé (De regulisfidei)
Grat. Sobre a graça (De gratia)
Jur.just. Sobre a lei e ajustiça (Dejure etjustitia)
Bltmn. Rudolf Bultmann
Jes. Jesus. Tübingen, 1964
Th. N . T. A teologia do Novo Testamento (Theologie des Neuen
Testaments). Tübingen, 1953
Bnhfr. Theol. gem. Dietrich Bonhoeffer. A teologja e a congregação (Theologie und
Gemeinde)
Bnl Bento Bonelli
Anim. cr. Animadversões críticas sobre 0 congresso noturno das bruxas
(Animavmsioni critiche sopra il nottumo congresso
delia lamnie). Veneza, 1751
Diss. apol. Dissertação apologética sobre 0 martírio de Simão de Trento
mortopelosjudeus em 1475 (Dissertafione sul
martírio dei beato Simone da Trento nelíanno
M CCCCLXXZ, dagliEbreiucciso). Trento, 1747
Bnyn. Leigr. John Bunyan. A doutrina da lei e da graça desenvolvida
Bon. VIII. Un. sanct. papa Bonifácio VIII. Unam sanctam
Boss. Hist, van Jacques Bénigne Bossuet. A história das variações das igrejas
protestantes (Histoire des variations des Eglisesprotestantes)
Br. Comp. Johann Wilhelm Baier. Compêndio da teologiapositiva
(Compendium theologiaepositivae)
Brand. Dr. conf. O margrave de Brandemburgo. A s três confissões (Die Drey
Confessionen). Colônia, 1695
Brd. Cln. Cent. mnd. Bernardo de Cluny. Sobre 0 descasopelo mundo (De contempto mundi)
Brd. Clr. Cant. Bernardo de Claraval. Sermões sobre 0 Cântico dos Cânticos
(Sermones in Cántica Canticorum)
Brgs. Teol. simb. Charles Augustus Briggs. Simbolismo teológico. Nova York, 1914
Brlth. Euc. Yngve Torgny Brilioth. Aféeaprática eucarísticas. Londres, 1953
Brnt. Gilbert Burnet
A rt. XX XLX Exposição dos 39 Artigos. 2a ed. Londres, 1700
Rom. Um discurso em que é apresentada a oposição da doutrina,
adoração epráticas da igreja romanapara a
natureza, desígnios e caracteres dafé cristã.
Londres, 1688
Trp. Uma cartapara 0 reverendo sr. Trapp. 2aed. Londres, 1717
16 ♦♦♦ PRINCIPAIS FONTES

Brth. Karl Barth


Ev. Ges. O evangelho e a lei (Evangelium und Gesetfi)
KD. Dogmática da igreja (Kirchliche Dogmatik). Munique e
Zurique, 1932-
Krch. A Igreja e as igrejas (Die Kirche und die Kirchen)
Prol. A doutrina dapalavra de Deus: prolegómenospara a
dogmática cristã (Die lebre vom Worte Gottes:
Prolegomena %ur christlichen Dogmatik).
Munique, 1927
Prot. teol. A teologiaprotestante no séculoX IX (Dieprotestantische
Theologie im 19, Jahrhundert). Zurique, 1947
Rcht. A justificação e ajustiça (Rechtfertigung undRecht). 2“ed.
Zurique, 1944
Rom. A epístolapara osRomanos(DerRUmerhrief). 2aed. Zurique, 1940
Tf. A doutrina do batismo da igreja (Die kirchliche Eehre von
der Taupe). 2a ed. Zurique, 1943
Bsst. Kyr. Chr. Wilhelm Bousset. Cristo como Kyrios (Ryrios Christos).
Gottingen, 1913
Budd. Johann Franz Buddeus
Mod. Sobre a moderação... nas controvérsias entre os teólogos (De
moderamine inculpatae tutelae in certaminibus
theologorum). Halle, 1720
Phil. ebr. Introdução à historia dafilosofia dos hebreus (Introductio ad
historiamphilosophiae Ebraeorum). 2aed.
Halle, 1720
Bulg. Cat. Nicholas Bulgaris. Sagrada catequese '(Ιερά κατηχησις).
Nova edição. Atenas, 1940
Bush. Horace Bushnell
Cr. cr. Criação crista
Nat. O natural e o sobrenaturalcomo constituindo o sistema único
de Deus. Nova York, 1858
Vic. Sac. O sacrificio vicáriofundamentado nosprincípios da obrigação
universal. Nova York, 1866
Byl. Com.phil. Pierre Bayle. Comentáriofilosófico sobre aspalavras defesus Cristo
(Commentairephilosophique sur cesparoles deJésus-Christ).
2a ed. Roterdã, 1713
Caj. Mos. Tomás Caetano (Tommaso de Vio). Comentários sobre os cinco
livros de Moisés (Commentarii illustresplaneque insignes in
quinqué Mosaicos libros). Paris, 1539
Calv. Inst. João Calvino. Instituías da religião cristã
Camp. Alexander Campbell
Ev. A s evidencias do cristianismo
Mela. Debate sobre o batismo cristão entre o rev. W. L. Maccala...
eAlexander Campbell. Buffalo, 1824
Prcl. Um debate sobre a religião católica-romana... [ com]John B.
Purcell, bispo de Cincinnati. Cincinnati, 1875
Rce. Um debate entre 0 rev. A . Campbell e rev. N . L. Rice
Sist. O sistema cristão em referência à união dos cristãos e a
restauração do cristianismoprimitivo conforme
pleiteadopela Reforma atual. 3a ed.
Nashville, 1956
Autores e textos ♦♦♦ 17
Canst. Spen. Karl Hildebrando von Canstein. “Prólogo” (“Vorrede”) para
Philipp Jakob Spener. Derradeiras opiniões teológicas
(Letsfe Theologische Bedenken). Halle, 1711
Card. Infall. Giuseppe Cardoni. Um estudo da infalibilidade dogmática do
pontífice romano e de sua definabilidade (Elucubrado de
dogmáticaRomanipontifiris irfallibilitate eiusque definibilitate).
Roma, 1870
Casp. Beyl. Vincentius Casper-Sohn. Um apêndice necessário eútil(Nòthige und
niitíçliche Beylage). Estocolmo, 1724
Cat. Heid. Catecismo de Heidelberg
Ces. Antonio Cesari
Ep. Epístolas
St. eccl. Flores da historia da igreja: discussões selecionadas (Fiore di
storia ecclesiastica: Scelti ragionament). Turim, 1881
V. Ges. CR Palestras sobre a vida de Jesús Cristo e sobre sua religião
(Oratjoni sopra la vita di Gesü Cristo e la sua
religione). Turim, 1830
CFlor (1438-45) Deer. Arm. Concilio de Florença. Decreto sobre os armenios
Chan. William Ellery Charming
Calv. O argumento moral contra 0 calvinismo
Cat. Carta sobre 0 catolicismo
Evid. cr. A s evidencias do cristianismo
Evid. rev. A s evidencias da religião revelada
Fén. Comentários sobre 0 caráter e escritos de Fénelon
Hon. A honra devida a todos os homens
Sem. A semelhança com Deus
Un. cr. Cristianismo unitário
Chil. Rei. prot. William Chillingworth. A religião dosprotestantes um caminho
seguropara a salvação. Ψ ed. Londres, '1727
Chom. Aleksej Chomjakov
Crk. Sobre a igreja (0 cerkvi)
Égl. lat. Prot. A igreja latina e 0protestantismo daperspectiva da igreja
ortodoxa (L’Eglise latine et le Protestantisme au
point de vue de E ’Eglise Ortbodoxe).
Lausanne, 1872
Cris. João Crisóstomo
Is. Homílias sobre Isaías
Mat. Homílias sobre 0 evangelho de Mateus
CLater. (1215) Const. Quarto Concilio de Latrão. Constituições
Clem. 0 . d. s. Clemente de Alexandria. Quem é 0 homem rico que é salvo?
(Quis dives salvetur)
Clrdge. Samuel Taylor Coleridge
Conf. fid. Confess¡0 Fidei
Const. Sobre a constituição da Igreja e 0 Estado de acordo com a
ideia de cada urn deles
Es. Ensaios sobre seus tempos
Inq. esp. Confissões de um espírito inquiridor
Log. Lógica
Le. serm. Um sermão leigo
Ref. Auxílio à reflexão
18 ♦♦♦ PRINCIPAIS FONTES

Rev. rei. Palestras sobre a religião revelada, suas corrupções e


visõespolíticas
Clrk. Darw. Rufus Wheelwright Clark. A teoria de Darwin da descendência
do homem. Albany, 1873
Cmrda. Antonio Serafino Camarda
Const, ap. Sinopse acurada e clara das constituições apostólicas e 0
cerimonialgregoriano referente à eleição de um
papa (Constitutionum apostolicarum una
cum ceremoniali Gregoriano depertinentibus
adelectionem Papae synopsis accurata, etplana).
Rieti, 1732
Cone. Daniele Concina
Rei. riv. Sobre a religião revelada (Delia religione rivelata). 2 vols.
Veneza, 1754
Teol. cr. A dogm ática cristã e a teologia m o ra l ( Theologia C hristiana
dogmático-moralis). 10 vols. Nápoles, 1772-75
Conf. Aug. Confissão de Augsburg
Conf. belg. Confissão belga
Conf. escoc. Confissão escocesa
Conf. Sig. Confissão defé defoão Segismundo, eleitor de Brandemburgo
Coz. Graec. Lorenzo Cozza. Históriapolêmica do cisma dosgregos (Historia
polemica de Graecorum schismate). 4 vols. Roma, 1719-20
Crnly. Int. Rudolf Comely. Introdução histórica e crítica aos livros sagrados
dos dois testamentos (Histórica et critica introductio in U. T.
Libros Sacros). 4 vols. Paris, 1885-89
Cstrpln. Infall. Ludovico de Castroplanio. A controvérsia sobre a infabilidade
(De controvérsia infallibilitatis). Nápoles, 1870
CTrid. Concilio de Trento
Can. Cânones
Decr. Decretos
CVat. (1869-70) Primeiro Concilio Vaticano
CVat (1962-65) Segundo Concilio Vaticano
Ad. gent. Decreto sobre a atividade missionária da igreja (Adgentes)
Dei. Verb. Constituição Dogmática da revelação divina (Dei Verbum)
Dign. hum.pers. Declaração sobre a liberdade religiosa (Dignitatis
humanaepersonae)
Gaud. sp. Constituiçãopastoral da igreja no mundo moderno
(Gaudium et spes)
Int. mir. Decreto sobre os instrumentos de comunicação social
(Inter mirifica)
Lum. gent. Constituição dogmática da igreja (Lumen gentium)
Nostr. aet. Declaração sobre a relação da igreja com as religiões não
cristãs (Nostra aetate)
Or. eccl. Decreto sobre as igrejas católicas orientais (Orientalium
ecclesiarum)
Presb. ord. Decreto sobre 0 ministério e a vida dos sacerdotes
(Presbyterorum ordinis)
Sacr. corn. Constituição da sagrada liturgia (Sacrosanctum Concilium)
Unit, redint. Decreto sobre 0 ecumenismo (Unitatis redintegratio)
Cip. Ep. Cipriano de Cartago. Epístolas
Cir. H. Cateq. Cirilo de Jerusalém. Palestras catequêticas
Autores e textos ♦♦♦ 19
Delmp. A. D. Delempasê
Oik. A heresia do ecumenismo '(Η αιρεσις του
Οϊκουμενισμους). Atenas, 1972
Sin. Sínodopan-ortodoxo (Πανορθόδοξος Σύνοδος).
Atenas, 1976
Deutsch. Johann Deutschmann
Aug. Conf. Apologia para a Confissão de Augsburg (Apologia
Augustanae Confessionis). Wittenberg, 1667
Gnad. Refutação sucinta referente à opinião atribuída a ele em
relação ao termo ciegraça (KurtsçeAblehnung
rngen der ihm imputirten Meinung von
Gnaden Termin). [Wittenberg, 1701]
Eut. Confissãopara 0pastor na igreja cristã luterana (Der Christ-
Lutherischen Kirchen... Prediger-Beichte). Wittenberg, 1698
Dipp. Johann Konrad Dippel [Christianus Democritus]
Hrt. Urnpastor e um rebanho (Ein H irt und eine Heerde).
Amsterdã, 1706
Ort. Início, meio efim do ortodoxo e do heterodoxo (Anfang,
Mittelund Ende der Ortho- und Heterdoxie).
n.p., 1699
Dmls. Princ. Nicolaos Damalas. Sobre osprimeirosprincípios (Περί αρχών).
Leipzig, 1865
Dmtr. Ort. Andronikos K. Dêmêtrakopoulos. Grécia ortodoxa (Ορθόδοξος
’Ελλάς). Leipzig, 1872
Doc. cr. un. Documentos sobre a unidade cristã
Doll. Johann Joseph Ignaz von Dõllinger
Ep. Epístolas
Gnos. História das seitasgnósticas-maniqueístas no início da
Idade Média (Geschichte dergnostisch-
manichàischen Sekten imfriihen Mittelalter).
Munique, 1890
Heid.jud. Paganismo ejudaísmo: umpreâmbulo para a história
do cristianismo (Heidenthum undfudenthum:
Vorhalle sqtr Geschichte des Christenthums).
Ratisbona, 1857
Ppst. Cone. O papa e 0 concilio (Derpapst und das Konfil)
Ppstfab. Os dísticospapais da Idade Média (Die Papst-Fabeln
des Mittelalters). Stuttgart, 1890
Ref. A Reforma: seu desenvolvimento interno e seus efeitos no
contexto da confissão luterana (Die Reformation,
ihre innere Entwicklung und ihre Wirkungen
im Umfange des lutherischen Bekenntnisses).
3 vols. Ratisbona, 1846-48
Vat. dekr. Cartas e declarações referentes aos decretos do Vaticano
entre 1869 e 1887 (Briefe undErklãrungen
überdie Vatikanischen Decrete 1869 bis 1887)
Dor. Pet. Paul Dõring. A “chave” do dr. Petersen quefecha mais do que abre
(Der mehr igu-als auff-schliessende SchlüsselHerm D.
Petersens). Dresden, 1718
Dost. Ir. Kar. Fiódor M. Dostoiévski. Os irmãos Karamazov
20 ♦♦♦ PRINCIPAIS FONTES

Drnd. Barthélémy Durand


Diss. Dissertações eclesiásticas tantopara 0fórum sacramental
quantopara 0fórumpolêmico (Dissertationes
ecclesiasticaeprofortam sacramentali quam
contentioso). Avinhão, 1703
Fid. vind. A féjustificada (Pides vindicata). Avinhão, 1709
Drnr. Isaak August Dorner
Pers. Chr. História do desenvolvimento da doutrina da pessoa de
Cristo (Entivicklungsgeschichte derFebre von
der Person Christ¡). 2aed. 2 vols. Berlim,
1845-53
Sjst. Sistema da doutrina dafé cristã (System der christlichen
Glaubenslehre). 2 vols. Berlim, 1879-80
Dry. Apol. Johann Sebastian von Drey. Apologética como a demonstração
intelectualda divindade do cristianismo com umfenômeno
(Die Apologetik ais ndssenschaftliche Nachweisung der
Gôttlichkeit des Christenthums in seinerErscheinung).
3 vols. Mainz, 1838-47
Dtr. Lmp. Peter Friderich Detry. Breve esclarecimento em resposta a Friderich
Adolph Lampe (Kurtsçe Beleuchtung... FriderichAdolph
Lampe). [Bremen], 1717
Dup. Souv. pont. Félix Antoine Philibert Dupanloup. A soberania dopapa de
acordo com a lei católica e de acordo com a lei europeia
(La souveraintépontificóle selon le droit catholique et le
droit européen). 2a ed. Paris, 1860
Duss. Th. Teses de Dusseldorf (Düsseldorfer Thesen) de 1933
Dyob. !Constantinos Dyobouniôtês
Jo. Dam. João de Damasco (Ιωάννης ό Δαμασκηνός). Atenas,
1903
Sacr. Os sacramentos da Igreja Ortodoxa do Oriente (Tá
μυστήρια της άκανατολικης ορθόδοξου
εκκλησίας). Atenas, 1912
Edw. Jonathan Edwards
Brnrd. A vida de David Brainerd
Dist. marc. A s marcas características de urna obra do Espírito de Deus
Liv.-arb. O livre-arbitrio
Narr. f. Urna narrativa fiel da surpreendente obra de Deus
Pec. orig. O pecado original
Af. rel. Afeições religiosas
A l. pens. Algunspensamentos referentes ao reavivamento
El. Richard T. Ely
Ch. O chão sob nossospés: uma autobiografia
Soc. L. A lei social do serviço
Elrt. Morph. Werner Elert. A estrutura do luteranismo (Morphologie des
Luthertums). 2 vols. Munique, 1931-32
Emer. Ralph Waldo Emerson
Teol. Discurso para a escola de teologia
Dia. Diários
Nat. A natureza
Rep. h. Homens representativos
Ceia A ceia do Senhor
Autores e textos 21

Engsch. Pet. Carl Gottfried Engelschall. O entendimento totalmente incorreto
do dr. Petersen do anjo da sétima trombeta (Der den
siebendenposaunenden Engelgant^ unrecht verstehende
HerrD. Petersen). Dresden e Leipzig, 1720
Epif. Her. Epifánio de Salamina. Contra as oitenta heresias (Panarion)
Erhrd. Ke??1p. Tomás de Aquino Erhard. Ataque contra a defesa de Tomás de
Kempis (Polycrates Gersensis contra Scutum Kempense
instructusprodiens). Augsburg, 1729
Erkl. Bek. Primeira declaração de Barmen (Erklàrung über das rechte
Verstàndnis der reformatorischen Bekenntnisse in der
deutschen evangelischen Kirche der Gegenwart)
Ern. Opuse. Johann August Ernesti. Opuscula
Ess. Consist. Consistorio de Esslingen
Eug. Bulg. Ort. Eugênio Bulgaris. Confissão ortodoxa (Ορθόδοξος ομολογία).
Eus. Eusébio de Cesareia
H. e. Historia eclesiástica
V.C. A vida de Constantino (Vita Constantim)
FCC. Const. Concilio Federal de Igrejas de Cristo na América. Constituição
Felb. Hnd. Jeremías Felbinger. Manual cristão (Christliches Hand-Büchlein).
Baltimore, 1799
Fén. François de Salignac de la Mothe Fénelon
Aut. égL Cartas sobre a autoridade da igreja (Lettres suriautoritédeIéglise)
Ep. Epístolas
Gr. préd. Cartas sobre agraça e apredestinação (Lettres... sur lagrace
et la predestination)
Inst. Instruções e conselhos sobre várias questões da moralidade
eperfeição cristãs (Instructions et avis sur divers
points de la morale et de lapefection chrétienne)
Let. div. Cartas sobre vários assuntos de metafísica e de religião
(Lettres surdivers sujets de métaphysique et de religion)
Man. piét. Manual depiedade (Manuel depiété)
Tr. ex. Tratado sobre a existência e os atributos de Deus (Traité
de ΐ existence et des attributs de Dieu)
Feod. Prav. Archimandrite Feodor. Sobre a ortodoxia (Opravoslavij). São
Petersburgo, 1860
Feof. Proc. Feofan Prokopovic. Tratado sobre aprocessão do Espirito Santo
(Tractatus deprocessione Spiritus Sancti). Gota, 1772
Fil. Filareto, metropolitano de Moscou
Ent. Conversa entre um cético e um cristão referente à ortodoxia
da Igreja do Oriente (Entretiens d’un sceptique
etd’un croyantsurl’orthodoxie de l’église Oriéntale)
Com. Gen. Comentário sobre o livro de Génesis (Zapiski... KnigiBitija)
3 vols. Moscou, 1867
Esb. Esboço da historia bíblica-eclesiástica (Nacertanie
cerkovno-biblgskíyistorü). 2*ed. São Petersburgo, 1819
Serm. Sermões epalestras (Slova a reci)
Vel. Discussões com um cristão idoso (Besêdy kglagolemomu
staroobradcu). 5a ed. Moscou, 1855
Flrn. Stlp. 1st. Pavel Aleksandrovic Florensky. Opilare 0 alicerce da verdade
(Stolp i utveriçdenie istiny). Berlim, 1929
22 ♦♦♦ PRINCIPAIS FONTES

Flrv. Georges Vasilievic Florovsky


Bib. Bíblia, igreja e tradição: umapercepção ortodoxa oriental
Crist, cult. O cristianismo e a cultura
Cr. red. A criação e a redenção
Pt. Caminhos da teologia russa (Puti russkago bogoslovija).
Paris, 1937
Fund. Fundamentos: uma declaração de crença cristã em termos dopensamento
moderno. Londres, 1913
Frnck. August Hermann Francke
Bcht. Esboço sucinto e simples dos abusos daprática da confissão
(Kurtíçer und einfãltiger Entwurf von den
Miscfiráuchen des Beichtstuhls)
Ber. obs. Relato sobre “observações bíblicas” (Bericht von den
Observationibus Biblias)
Gl. O verdadeirofundamento dafé (Die wahre Glaubens-
Gründung). Frankfurt, 1691
Id. A ideia de um estudante de teologia (Idea studiosi Theologiae)
Maná Scrip. A leitura da sagrada Escritura (Manducatio ad lecionem
Scripturae sacrae). Londres, 1706
Meth. O método do estudo da teologia (Methodus studii theologici).
Halle, 1723
Pass, foh. Discursospúblicos sobre a história dapaixão como esta é
descritapelo evangelistafoão nos capítulos 18 e 19
(Oejfentliche Reden überdiepassions-Historie,
me dieselbe vom EvangelistenJohanne im 18.
und 19. Capitelbeschrieben ist). 3aed. Halle, 1733
Pass. Marc. Discursospúblicos sobre a história dapaixão... nos capítulos
14 eIS de Marcos (Oejfentliche Reden überdie
Passions-Historie... Marc 14 u. 15). Halle, 1724
Pred. Sermões de domingo (Sonntags-Predigten). 43 vols.
Halle, 1698-1700
Unt. Instrução simples sobre como ler a sagrada Escriturapara
a verdadeira edificação (Einfdltiger Unterricht,
me man die H. Schrift %useiner wahren
Erbauung lesen solle)
Zw. anspr. Palestras escriturais em duaspartes (Zweyfache schrifftliche
Ansprache). Halle, 1701
Frpl. Prim. Charles-Emile Freppel. Sobre aprimaria dopontífice romano e seu
ofiáo de ensinamento infalívelde acordo com os últimos
sínodosprovinriaisfranceses (Deprimatu Romanipontificis
eiusque infallibili magisterio iuxta ultima Galliarum concilia
provincialia). Turim, 1870
Fund. Osfundamentos: um testemunho. 12 vols. Chicago, [1910-12]
Fuse. Sac. cr. Lorenzo Fusconi. Discussão em honra do sagrado coração deJesus
Cristo (Ragionamento in onore deisacro cuore di Gesú
Cristo). Modena, 1756
Gaz. Proel. Pietro-Maria Gazzaniga. Palestras teológicasfeitas na Universidade
de Viena (Praelectiones theologicae habitae in Vindobonensi
universitate). 2 vols. Bassani, 1831
Autores e textos ♦♦♦ 23
Gbts. Ekkl. Athanasios M. Giebtits. A eclesiologia do apóstolo Paulo de acordo
com Crisóstomo '(Η έκκλησιολογ'ια του αποστόλου
Παύλου κατά τόν 'ιερόν Χρυσόστομον). Atenas, 1967
Gel. I. Ep. papa Gelásio I. Epístolas
Gers. Aufer. João Gerson. A removibilidade do noivo da igreja (De auferibilitate
sponsi ab ecclesia)
Gffrd. Lorde Arthur Gifford
Pals. Palestras
Conf. Confiança, disposição e acordo
Gib. Edward Gibbon
Aut. Autobiografia
Dec. A história do declínio e queda do Império Romano
Gldn. Ig. r. Washington Gladden. A igreja e 0 reino
Gr. XVI. papa Gregário XVI (Mauro Cappellari)
Mir. Mirari vos
Tr. O triunfo da santa sé e da igreja (IItrionfo delia Santa Sede e
delia Chiesa)
Gr. Naz. Gregário de Nazianzo.
Carm. Poemas \Carmina\
Or. Orações
Grh. Loc. John Gerhard. Loci teológico (Loci theologici)
Grig. Mont. Louis Marie Grignion de Montfort
Am. sag. O amor da sabedoria eterna (L·’amour de la sagesse éternelle)
Vr. dév. Tratado sobre a verdadeira devoção à virgem abençoada
(Traité de la vraie dévotion à la Ste. Verge)
Grnvg. Nikolai Fredrick Severin Grundtvig
Chr. Bmlr. Osfundamentos cristãos (Den Christelige Bernelaerdom)
Chr. Snd. A verdade do cristianismo (Om Christendommens Sandhed)
Nrd. Myth. Mitología nórdica (Nordens Mythologi)
Pr. Sermões (Praedikener)
Ref. Continuação da Reforma luterana? (Skal den lutherske
Reformation mrkeligfortsaettes?)
Snd. Chr. O verdadeiro cristianismo (Om den sande Christendom)
Gth. Johann Wolfgang von Goethe
E ck Conversas com Goethe nos últimos anos de sua vidapor
Johann PeterEckermann (Gesprãche mit Goethe
in den letvjenJahren seines Lebens vonJohann
Peter Eckermann)
Fst. Fausto
Gtti. Vincenzo Ludovico Gotti
Coll. Coloquiospolémicos-teológicos (Colloquia theologico-
polemica). Bolonha, 1727
Ver. eccl. A verdadeira igpeja de Cristo (Vera ecclesia Christi).
Veneza, 1763
Ver. rel. A verdade da religião cristã (Veritas religionis Christianae).
2 vols. Veneza, 1750
24 ♦♦♦ PRINCIPAIS FONTES

Gtz. Georg Henrich Gõtze


Bek. Ajubilosaprecaução dos cristãos contra aperversidade
do demônio... na refutação do dr. Baltazar
Bekker “O mundo encantado” (Der Christen
Freudige Fürsichtigkeitfrir des TeufelsBossçheit...
wieder D. Balthasar Bekkers “Bespuberte
Welt”). Dresden, 1696
Unt. Instrução necessária sobre aspalestras arrogantes dos
pietistas e dos entusiastasfanáticos (Nothiger
Unterricht von denen stoltsçen Reden derer
Pietisten undfanatischen Schwãrmer).
Chemnitz, 1693
Gyar. Infall. Giovanni [János] Gyarmathy. A infalibilidade dopontífice romano
como uma crença bemfundamentada e meritória (La
infallibilità dei Romano Pontefice credenspfondata e
commendabile). Roma, 1870
Hag. DG. Karl Rudolf Hagenbach. História do dogma (Lehrbuch der
Dogmengeschichte)
Han. Consist. Consistorio de Hanover
Harn. Adolf von Harnack
DG. História do dogma (Lehrbuch der Dogmengeschichte).
5a ed. 3 vols. Tübingen, 1931
Erf. Erl. Pesquisa e experiência (Erforschtes und Erlebtes).
Giessen, 1923
Marc. Marcião: 0 evangelho do Deus estrangeiro (Marcion:
Das Evangelium vomfremden Gott). 2aed.
Leipzig, 1924
Ref.Auf. Discursos e ensaios (Reden undAufsãtsçe). 2 vols.
Giessen, 1904-6
1Ves. A essência do cristianismo (Das Wesen des Christentums).
4a ed. Leipzig, 1901
Wiss. Leb. Sobre a erudição e a vida (Aus Wissenschaft und Leben).
2 vols. Giessen, 1911
Wrk. Voll. Do localde trabalho dofalecido (Aus der Werkstattdes
Vollendeten). Giessen, 1930
Hckng. Reth. William Ernest Hocking. Repensando as missões: a inquirição de
um leigo depois de cem anos. Nova York, 1932
Hcks. George Hicks
Cat. Um novo catecismo. Londres, 1710
Ltrs. Diversas cartas trocadas entre 0 dr. George Hicks e um
sacerdotepapista. Londres, 1705
Hdge. Charles Hodge
Darw. O que ê o darvinismo? Nova York, 1874
Ens. Ensaios e análises críticas. Nova York, 1857
Rom. Comentário sobre a epístolapara os Romanos. 2a ed.
Nova York, 1886
Sist. teol. Teologia sistemática. Ed. reimpressa. 3 vols. Grand
Rapids, Mich., 1981
Hdly. Benjamin Hoadly
Def. Uma defesa da racionalidade da conformidade. Londres, 1707
Fit. Uma carta ao sr. Fleetwood ocasionadapor seu último
ensaio sobre os milagres. Londres, 1702
Autores e textos 25

Rngdm. 1‫ ׳׳״‬natureza do reino, ou igreja, de Cristo. 3a ed.


Londres, 1717
Hef. Karl Josef von Hefele
Contç. A história dos concilios (Con^iliengeschichte). 7 vols.
Friburgo em Brisgóvia, 1855-74
Hon. O caso dopapa Honorio (Causa Honorii Papae).
Nápoles, 1870
Hfkntz ■Jiid. Christian Floffkuntz. Descrição do batismo cristão de umjudeu
em Torgau (Berchreibungeiner christlichebJiiden-Tauffe...
^■u Torgau). Leipzig, [1706]
Hfmnn. Johann Christian Konrad von Hofmann
Enc. Enciclopédia de teologia (Encyclopádie der Theologie)
Hil. Hilário de Poitiers
Const. Para Constantino Augusto (Ad Constantinum Augustum)
Trin. Sobre a Trindade
Hll. Karl Holl
Eut. Lutero
Ost. O Oriente (Der Osten)
Oc. O Ocidente
Hlr. A lt. Friedrich Heiler. Autonomia na igrejaprimitiva e centralismopapal
(AltkirchlicheAutonomie undpapstlicherZentralismus).
Munique, 1941
Hnbrg. Vers. Daniel Bonifacius Haneberg. Um ensaio sobre a história da
revelação bíblica (Versuch einer Geschichte derbiblischen
Ojfenbarung). 2a ed. Rabisbona, 1852
Hno. Teol. Francisco Henno. Teologia dogmática, morale escolástica (Theologia
dogmática, moralis, et scholastica). 8 vols. Veneza, 1785
Holb. Evol. Escr. Arthur Holborow. A evolução e a Escritura. Londres, 1892
Hon. I. Ep. papa Honorio I. Epístolas
Hor. Ep. Horácio. Epístolas
Hrbn. Crk. Jozef Miloslav Hurban. A igreja evangélica luterana (Církev
evanjelicho-luteránská). Skalice, 1861
Hrlss. Gottlieb Christoph Adolf von Harless
Enc. Enciclopédia e metodologia teológicaspara oponto de vista da
igrejaprotestante (TheologischeEncyklopãdie und
Methodologie vom Standpunkte derprotestantischen
Kirche). Nürnberg, 1837
Hrmnn. Wilhelm Herrmann
N t. A crise da igrejaprotestante conectada com a teologia e sua
solução (Die mit der Theologie verkniipfle N ot der
evangelischen Kirche und ihre Ueberwindung).
Tübingen, 1913
Wirk A realidade deDeus (die Wirklichkeit Gottes). Tübingen, 1914
Hrn. H. e. Georg Horn. História eclesiástica epolítica (Historia ecclesiasatica et
política)
Hrom. Josef L. Hromádka
Cst¡!. Os caminhos de um teólogoprotestante (Cestyprotestantského
theologa). Praga, 1927
Teol. ig. A teologia e a igreja (Theologie a církev). Praga, 1949
Hrsn. Rein. Benjamin Harrison. O reino do céu
26 PRINCIPAIS FONTES

Hrth. Hierotheos [Metropoulos]


Is. Comentário sobre 0profeta Isaías (Ερμηνεία εις τόν
Προφήτην Ήσαΐαν). Atenas, 1883
Herm. Comentário sobre as epístolaspara Timóteo e Tito (Ερμηνεία
εις τόςτιρόςΤιμόθεονκαιTitov έπκπολας).
Atenas, 1882
Log. Discursos da igreja (Λόγοι εκκλησιαστικοί). Atenas, 1882
Mist. Ο mistério da comunhão divina (Tó Μυστήριον τής θείας
κοινωνίας). Nova York, 1942
Thrsk. A verdadeira adoração '(Ηαληθής θρησκεία). 2aed.
Atenas, 1895
Hug. Friedrich von Hügel
Ens. Ensaios epalestras sobre afilosofia da religião. 2 vols.
Londres, 1949-51
Mist. O elemento místico da religjão conforme estudado em
Catarina de Gênova e suas amigas. 2a ed.
2 vols. Londres, 1961
Real. A realidade de Deus
In. XI. Cael. Past. papa Inocêncio XI. Caelestis Pastor
Innok. Bog. Archimandrite Innokentij. Teologjapolêmica (Bogoslovie oblicitelnoe).
Kazan, 1859
Iren. Her. Ireneu. Contra as heresias
Iv. James Iverach
Cr. evol. O cristianismo e a evolução. Londres, 1894
Deus Será Deus conhecível? Londres, 1887
Teis. O teísmo à lusçda ciência efilosofia atuais. Nova York, 1899
Jab. Sal. Ernst Daniel Jablonski. Excelentespalestras sobre as últimaspalavras
de Salomão no capítulo 12 de Eclesiastes (Vortreffliche
Reden überdie letfien Worte Salomons im 12. Kapitelseines
Predigers)
lam. John Jamieson
Rel. Um relatofiel de umjulgamento importante na corte da
consciência. [Londres, 1806]
Me. O socinianismo desmascarado... ocasionadopor “Ensaio
prático sobre a morte de Cristo” do dr. McGill.
Edimburgo, 1787
Hist. sag. O uso da historia sagrada, em especialcomo ilustrando e
confirmando asgrandes doutrinas da revelação.
2 vols. Edimburgo, 1802
Serm. Os sermões sobre o coração. 2 vols. Edimburgo, 1789-90
Vind. A justificação da doutrina da Escritura... referente à divindade
de Cristo. 2 vols. Edimburgo, 1794
Jcksn. Coment. John Jackson. Comentários sobre um livro intitulado cristianismo tão
antigo quanto a criação. Londres, 1731
Jeff. Thomas Jefferson
Ep. Epístolas
U A vida e a moral defesus
PJ A filosofia defesus
Sil. Sílabo de uma estimativa do mérito das doutrinas defesus
comparadas com as de outros
Autores e textos ♦♦♦ 2 7

Vir. Observações sobre Virginia


Jer. Niz. Inst. Jeremija de Nizni Novgorod. Instrução referente às verdades dafé
e da igreja ortodoxas cristãs (Ucenie... ob istinachpravoslavno-
Christovoj véry i cerkvi). São Petersburgo, 1864
Joan. Kv. fub. Sbor. Joannikij de Kiev. Coletânea dejubileu (fubilejni sbornik).
São Petersburgo, 1899
Jo. D. João de Damasco
F.o. Sobre afé ortodoxa [Expositio fidei\
Horn. Homílias
Jrms. Kndf. Joaquim Jeremias. O batismo infantil nos quatroprimeiros séculos
(DieKindertaifeindenerstenvierJabrhunderten). Gottingen, 1958
Jwl. Apol. John Jewel. Apologia da Igreja da Inglaterra
Kbl. John Keble
Ano cr. O ano cristão. Oxford, 1827
Nac. ap. Apostasia nacional. Oxford, 1833
Oc. Ensaios e análises criticas ocasionais
Esp. Cartas de conselho e orientação espirituais
Khns. Dogm. Karl Friedrich August Kahnis. A dogmática luterana apresentada
por um método histórico-genético (Die lutherische Dogmatik,
historisch-genetisch dargestellt). 2 vols. Leipzig, 1861-64
Kierk. Soren Aabye Kierkegaard
Afs. Uvid. Eft. Concluindo umpós-escrito não rientíficopara os “Fragmentos
filosóficos’’ (Afsluttende uvidenskabelig efterskrift
til de Philosophiske Smuler)
Begr. Ang. O conceito de ansiedade (BegrebetAngest)
Ent. Ou/ou (Enten-eller)
Fr. bv. Medo e temor (Frygt og Baeven)
Ind. Chr. Ataque à “cristandade” (IndYvelse i Christendom)
Phil. Sm. Fragmentosfilosóficos (Philosophiske Smuler)
Stad. Estágios no caminho da vida (Stadierpaa livets vei)
Sjg. Dd. Doença mortal (Sjgdommen til Deden)
Klfth. Theodor Friedrich Dethlof Kliefoth
DG. Introdução à história do dogma (Einleitung in die
Dogmengeschichte). Parchin e Ludwigslust, 1839
Knt. Immanuel Kant
Auf. Resposta àpergunta: o que élluminismo? (Beantwortung der
Frage: Was 1st Aujklárung?)
Krip.pr. Vem. Crítica da rarçãoprática (Kritik derpraktischen Vernunft)
Krit. rn. Vem. Crítica da rasçãopura (Kritik der reinen Vernunft)
Rei. A religjão dentro dos limites só da rasção (Religion innerhalb
der Gremçen der blossen Vernunft)
Kol. KáZ. Ján Kollár. Sermões epalestraspara domingos, feriados e outras
ocasiões (Nedélní, suâtecne apnleíjtostné Ká^ne a Reci).
vol. 2. Budapeste, 1844
Komn. Prosk. Joannes Komnênos. Guiapara a adoração no monte santoAthos
(Προσκυνητάριον του άγιου δροΰ του Αθωνος).
Krb. Diar. Johann Georg Korb. Diário de umajornada a Moscou (Diarium
itineris in Moscoviam). Viena, [1700]
28 PRINCIPAIS FONTES
♦>
Krks. Diomêdês Kyriakos
Antipap. Contra 0papa ’)Άντιπαπικά). Atenas, 1893
Dok. Ensaio sobre a história eclesiásüca (Δοκιμιον
εκκλησιαστικής ιστορίας). Atenas, 1874
Hist. ecl. História eclesiástica desde a instituição da igreja até nossos
tempos (Εκκλησιαστική ' Ιστορία άπό της
ιδρύσεως της εκκλησία μέχρι των καθ ημάς
χρόνων). 3 vols. Atenas, 1897-98
Man. Manualdepatrología (EjirspxPvav Πατρολογίας). Atenas, 1898
Teol. Palestras teológicas (Θεολογικάι διατριβαι). Atenas 1898
Krmr. Mssge. Hendrik Kraemer. A mensagem cristã em um mundo não cristão.
Nova York, 1938
Krth. Charles Porterfield Krauth
Cons. ref. A Reforma conservadora e sua teologia. Filadélfia, 1871
Rei. A religião e os religionismos. Filadélfia, [1877]
Krtsv. Sob. A. V. Kortasov. A caminho de um concilio ecumênico (Naputach k
vselenskomu sohoru). Paris, 1932
Lacrd. Henri Dominique Lacordaire
Conf. Palestras emNotre Dame de Paris (Conférences de Notre-
Dame de Paris)
Cons. Considerações do sistema do senhor de Lamennais
(Considérations sur le système de M. de la Mennais)
Dom. A vida de Dominique (Vie de saint Dominique)
Egl. emp. rom. A igreja e 0 Império Romano no século IV (L ’Eglise et
ΐ empire romain au quatrième siècle)
Lm. hist. Discurso sobre a lei da historia (Discours sur la lot de l’histoire)
Tos. Aq. Discurso sobre a transferência do comando de Tomás de
Aquino (Discourspour la translation du chef de
Saint Thomas dAquin)
Lam. Félicité Robert de Lamennais
Av. Ofuturo (LAvenir)
Déf. Defesa do ensato sobre a indiferença em assunto de religião
(Défense de ΐ Essai sur ¡’indifference en matiére de
religion)
Ep. Epístolas
Indiff. Ensato sobre a indiferença em assunto de religião (Essai sur
¡’indifference en matiére de religion)
Mx. égl. Os males da igreja e da sociedade e os meiospara resolvê-los
(Des maux de l’Eglise et de la société, et des
moyens d’y remédier)
Par. cr. Palavras de um cristão (Paroles d’un crqyant)
Réf Reflexões sobre a condição da igreja (Réflexions sur fétat
de l’Eglise)
Rei. A religião considerada emsuas conexões com a ordempolítica
e ávil (Dela religion considérée dans ses rapports
avec I’ordrepolitique et civil)
Lang. Joachim Lange
Antibarb. Resposta dogmática e hermenêutica ao barbarismo da
ortodoxia; ou 0 sistema de dogmas evangélicos
(Antibarbarus orthodoxiae dogmático-hermeneuticus
sive Systema dogmatum evangelicorum).
2 vols. Berlim, 1709-11
Autores e textos ♦♦♦ -2c,

Mittl. O correto caminho do meio (Die richügeMittel-Stras^e).


Halle, 1712
Nach. O relato correto referente às inexatidões dos ditos “relatos
inocentes” (Auffrichtige Nachricht von der
Unrichtigkeit der sogenannten Unschuldigen
Nachrichten). 10 vols. Leipzig, 1707-14
Paul. Comentário histórico e hermenêutico sobre a vida e as
epístolas do apóstolo Paulo (Commentatio
historico-hermeneutica de vita et epistolis
Apostoli Pauli). Halle, 1718
Leão XIII papa Leão XIII
Aet. Pat. Aeterni Patris - Pai eterno
Ap. cur. Apostolicae curae - Solicitude apostólica
Mir. car. Mirae caritatis Surpreendente caridade
Or. dign. Orientaãum digpitas ecckriarum-A dignidadedas igrejasorientais
Prov. Providentissimus Deus - Providentíssimo Deus
Rer. Nov. Rerum Novarum - Das coisas novas
Less. Gotthold Ephraim Lessing
Bew. Sobre aprova do Espírito e dopoder (Uber den Beweis des
Geistes und der Draft)
Frag. Fragmentos de um escritor anônimo de Volfembutel
(Fragmente eines Wolfenbüttelscken Ungenannten)
Nath. Natã 0 sábio (Nathan der Weise)
Zw. Sobre a intenção deJesus e de seus discípulos (Von dem
Zweck Jesu und seinerJünger)
Veyà.Jans. Melchior Leydecker. A história dojansenismo (De historia
Jansenismi). Utreque, 1695
Lid. Henry Parry Liddon
Div. A divindade de nosso Senhor e SalvadorJesus Cristo.
Londres, 1867
Pus. A vida de EdwardBouverie Pusey. 4 vols. Londres, 1893-97
Lmp. Friedrich Adolf Lampe
Betr. Meditações sobre toda a história dos sofrimentos deJesus
Cristo, de acordo com os quatro evangelistas
(Betrachtungen über diegansçe Leydensgeschichte
Jesus Christi, nach alien vierEvangelisten).
2 vols. Lemgo em Lippe, 1756
Brt. A sagrada decoração nupcialdos convidados do casamento
do Cordeiro (Der heilige Braut-schmuck der
Hoch^eitgãste des Earns). 5a ed. Bremen, 1737
Dtr. Ratões para não responder a Peter Friderich Detry
(Ursachen warum auj PeterFriderich Detry...
nichtgeantwortet wird). Bremen, 1717
Ew. Str. Dois tratadlos sobre a eternidade dapunição (Zwo
Vêrhandlungen von derEwigkeit der Strafen).
Bremen, 1729
Ghm. O mistério da aliança dagraça (Geheimnis des Gnaden-
Bundes). 2 vols. Bremen, 1719
Hist. Sinopse da história sagrada e eclesiástica (Synopsis Historiae
sacrae et ecclesiasticae). 4a ed. Utreque, 1747
Teol. rud. Rudimentos da teologia argumentativa (Rudimento theologiae
elenchticae). Bremen, 1729
30 ♦♦♦ PRINCIPAIS FONTES

Theol. nat. Compêndio de teologia natural (Compendium theologiae


naturalis). Utreque, 1734
Lnrgn. D. tr. Bernard Lonergan. Sobre a divina Trindade (De Deo trino).
2 vols. Roma, 1964
Lôl. Sjmb. Sophocles D. Lôlê. Sobre 0primeiro credo (Περ'ι τό πρώτον
Σύμβολον της Πιστεως). Atenas, 1958
Lschr. Valentin Ernst Loescher
Del. Palavrasfinais efiéispara sua amada congregação em
Delitsch ÇLetsçte undgetreue Worte an seine
Geliebte Gemeinde %uDelitsçsch). Leipzig, [1707]
Dr. pred. Três sermões sobre 0 conhecimento e a honra do Filho de
Deus (Drey Predigten von derErkãnntnis und
Ehre desSohnes Gottes). Dresden e Neustadt, 1733
Hor. Sermão evangélico sobre os vários ouvintes dapalavra de
Deus (Evangelische Predigt von unterschiedlichen
Hòrern dergõttlichen Rede). Dresden, 1734
Pens. A s repkxões necessárias sobre 0 livro “Pensamentos livres
sobre a religião” (Nothige Reflexionen überdas...
Buch Pensées libres sur la religion).
Wittenberg, 1724
Unfehl. Consideraçãofundamental da infalibilidade da igreja
católica-romana como nula e varfia (Gründliche
Vorstellung von der Romisch-Catholischen
Kirche nichtingen Unfehlbarkeit). Frankfurt
e Leipzig, 1724
Lub. Hist. esp. Henri de Lubac. EHstória e espírito (Elistoire et esprit). Paris, 1950
Lut. Martinho Lutero
Dtsch. Kat. Catecismo Maior (Deutscher Katechismus)
Kl. Kat. Caterismo Menor (Kleiner Katechismus)
Post. Comentário de N atal (Weinachts-Postille)
Serm sacr. Sermão sobre 0 sacramento (Ein Sermon von dem
hochwiirdigen Sakrament des heiligen wahren
Leichnams Christi und von den Brüderschaften)
Lw. William Law
Bngr. Três cartaspara 0 bispo de Bangor
Cr. peif. Um tratado práüco sobre aperfeição cristã
Dem. er. Uma demonstração dos errosgrosseiros efundamentais de
um livro tardio
RaZ■ O caso da rafiio, ou religião natural, declarado de modojusto
epleno
Ch. ser. Um chamado sério à vida devota e santa
McGl. Ens. William McGill. Um ensaioprático sobre a morte defesus Cristo.
Edimburgo, 1786
Maj. Mayr. Heinrich Majus. Epístolapara Friedrich Merger(Epístola ad...
Fridericum Mayerum). n.p. 1705
Mak. Makarij, metropolitano de Moscou
Kv.Ak. História da Academia [Espiritual] de Kiev (Istorija
Kievskoj akademij). São Peterburgo, 1843
Prav. bog. Teologia ortodoxa dogmática (Pravoslavno-dogmaticeskoe
Autores e textos ♦♦♦ 31

Rask. História do cisma russo (Istorija russkago raskola). 2aed.


São Petersburgo, 1858
Makr. Apostólos Makrakès
Trip. A tripla composição do homem (Tó τρισύνθετον του
ανθρώπου). Atenas, 1882
NT Comentário sobre 0Novo Testamento inteiro ’(Ερμηνεία
δλης της καινής διαθήκης). 4 vols. Atenas, 1891
Pal. cat. Palestras catequéticas sobre 0 credo (Λόγοι κατηχητικοί επί
του συμβόλου της π'ιστεως). Atenas, 1871
Mar. Inst. symb. Philip Marheinecke. Institutos de simbólicos (Institutiones symbolicae).
2a ed. Berlina, 1825
Marc. Inst. Michel Angelo Cesare Marcelli. Instituías teológicas
[.Institutiones theologicae
Marit. Tom.Aq. Jacques Maritain. Tomás de Aquino. Nova York, 1958
Mayr. Johann Friedrich Mayer
Anti-spen. Contra Spener (Anti-Spenerus). Hamburgo, 1695
Ger. Limitações visíveis dejulgamento (Eroffnete Gerichts-
Schrancken). [Hamburgo], 1708
Hall. Resposta branda e completapara afaculdade teológica de
Halle (Gelinde undgründlicheAntwort auffder
TheologicalFacultàt íçuHalle... Vérantwortung).
Leipzig, 1707
Mis. O abuso da liberdade dos cristãos (Missçbrauch derFreyheit
der Glaubigen). [Hamburgo], 1692
Piet. Comentário sobre ospietistas da igreja da Antiguidade (De
Pieüsüsecdesiaeveteriscommentatio). Hamburgo, 1696
Pont. rom. Sobre a eleição dopapa (Depontificis romani electione).
Holmia e Hamburgo, 1690
Red. Palestras espirituais (Geistliche Reden). Berlim, 1702
Witt. A inocência de Wittenberg de um duplo assassinato (Das bey
doppeltem Mord unschuldige Wittenberg).
Wittenberg, 1686
Mchl. Lit. Virgil Michel. A liturgia da igreja de acordo com o ritual romano.
Nova York, 1938
Mck. Vor. Alexander Mack Sênior. Apresentação breve esimples das regras
e ordenanças da casa de Deus (Kunçe und einfdltige
Vorstellungder... Rechten undOrdnungen desHauses
Gottes). Germantown, Pa., 1774
Mel. Loc. Filipe de Melâncton. Loci
Mên. Did. Élias Mêniatés. Sermões de quaresma (Διδαχαι εις την αγίαν
κοίι μεγάλην τεσσαρακοοτήν).
Mhlr. Johann Adam Mõhler
Ath. Atanásio, 0 Grande, e a igreja de sua época (Athanasius
der Grosse undSe Kirche seinerZeit). Mainz, 1827
Ein. Unidade na igreja; ou 0princípio do catolicismo apresentado
no espírito dospais da igreja dos trêsprimeiros
séculos (Die Einheit in der Kirche, oder, Das
Princip des Katholicismus, dargestellt im Geiste
derKirchenváterderdrei erstenJahrhunderte).
2a ed. Tübingen, 1843
PRINCIPAIS FONTES

Ges. Schr. Escritos e cartas reunidos (Gesammelte Schriften und


Aufsàtsçe). 2 vols. Ratisbona, 1839-40
Lehr. Novas investigações nas oposições doutrinais entre os católicos
e osprotestantes (Neue Untersuchungen der
Lehrgegensãtiçe ^uischen den Katholiken und
Protestanten). 2a ed. Mainz, 1835
Pat. Patrología ou história da literatura cristã (Patrologie,
oder Christliche Literàrgeschichte)
Symb. Símbolos ou apresentação das oposições dogmáticas de
católicos eprotestantes de acordo com seus escritos
confessionaispúblicos (Sjmbolik: oderDarstellung
der dogmatischen Gegensátsçe derKatholiken
und Protestanten nach ihren offentlichen
Behenntnisschriften)
Mich. Od. Ev. arquimandrita Michail de Odessa. Sobre os evangelhos e a história
do evangelho (0 evangelijachi evangelickojistorij). Moscou, 1865
Mid. Conyers Middleton
Ltr. Rom. Uma carta de Roma mostrando conformidade exata entre
0papismo e 0paganismo. Londres, 1729
Mir. Livre inquirição dospoderes milagrosos que supostamente
subsistiram na igreja cristã. Londres, 1749
Wat. Uma carta do dr. Waterland. Londres, 1731
Milt. John Milton
Aerop. Areopagitica
Doct. Dois livros de investigações na doutrina cristã tirados só das
sagradas Escrituras (de Doctrina Christiana
IJbri Duo Posthumi)
Mmchi. Orig. ant. Tommaso Maria Mamachi. Origem e antiguidade cristãs (Origines
et antiquitates christianae). 5 vols. Roma, 1749-55
Mnkn. Bl. Gottfried Menken. Percepções da vida de Paulo e das congregações
cristãsprimitivas (Blicke in das Leben desAposteis Paulus
und der ersten Christengemeinden). Bremen, 1828
Mnschr. DG. Wilhelm Münscher. História do dogma cristão (Lehrbuch der
christlichen Dogmengeschichte)
Mnd. Charles René Forbes, o conde de Montalembert
Ang. Sobre 0futuropolítico da Inglaterra (De í 'avenirpolitique
de lAngleterre)
Ans. Anselmo (SaintAnselme)
Av. Ofuturo (LAvenir)
Elis. A história de Elizabeth da Hungria (Histoire de sainte
Elisabeth de Hongrie)
Int. cath. Os interesses católicos no século X IX (Des intérêts
catholiques au dix-neuvième siècle)
Lib. égl. A liberdade da igreja (Liberté de 1’église)
Mor. Luí. Tomás More. Resposta a Lutero
Mos. Johann Lorenz von Mosheim
Tol. Comentário sobre a vida... deJohn Toland (De vita...
foannis Tolandi commentatio). Hamburgo, 1722
Vind. disc. Justificação da disciplina dos cristãos daAntiguidade contra
0 "Nazareno” deJohn Toland (Vindiñae
antiquae Christianorumdisciplinae, adversas...
Jo. Tolandi... Nasçarenum). 2aed. Hamburgo, 1722
Autores e textos A■Φ 33
-
Mrce. Sub. Frederick Denison Maurice. Subscrição semsujeição. Londres, 1835
Mrchn. Sacr. Bib. Giovanni Francesco Marchini. Sobre a divindade e canonicidade
da Bíblia sagrada (De divinitate et canoniritate Sacrorum
Bibliorum). Turim, 1874
Mrck. Johannes à Marck
Apoc. Comentário sobre a revelação deJoão (InApocalypsin
Johannis commentarius)
Cant. Comentário sobre 0 Cântico dos cânticos (In Canticum
Shelomonis Commentarius)
Comp. Compêndio didático e argumentativo da teologia cristã
(Compendium theologiae Christianae
didactico-elencticum)
Exeg. exerc. Exercícios exegéticos (Exegeticae exercitationes)
Pent. Comentário sobre váriaspartes importantes do Pentateuco
(InpraecipuasquasdamPartesPentateuch¿Commentarius)
Scrip, exerc. Exercícios escriturais sobre 25 passagens selecionadas
(Scripturariae exercitationes ad quinqué et viginti
selecta loca)
Syl Coletânea de dissertaçõesfilológicas e teológicas sobre certos
textos selecionados do Novo Testamento
(Sylloge dissertationumfilológico-theologicarum
ad selectos quosdam textus Novi Testamenti)
Text. Exerc. Exercícios textuais sobre cinquentapassagens selecionadas
(Textuales exercitationes ad quinquaginta selectaloca)
Mrkrd. Jôannês Nikolaos Alexandras Maurokordatus
Off. Sobre as obrigações (Περί καθηκόντων: De officiis).
Leipzig, 1722
Mrr. Christian Maurer
Mry. John Courtney Murray
Prob. D. O problema de Deus: ontem e hoje. New J-íaven, 1964
Verds. Defendemos essas verdades: reflexões católicas sobre a
preposição norte-americana. Garden City, N.Y, 1964
Mtz. Theoph. Eusthatios Métzês. Teofilacto da Bulgária ’(Ερμηνεία ει τα
τέσσαρα'ιερα Ευαγγελία). Leipzig, 1788
Mynst. Jacob Peter Mynster
Betr. Considerações das doutrinas dafé cristã (Betragtninger over
de christelige troeslaerdomme). 3aed. 2 vols.
Copenhagen, 1846
Lut. Kat. Sobre as edições dinamarquesas do Cateàsmo Menor de
Eutero (Om de danske udgaver af Luthers Hile
katechismus). 2a ed. Copenhagen, 1837
Pr. Sermõespara todos os domingos e dias defesta do ano
(Praedikenerpaa alieS0n- ogHellig-Dagei
Aaret). 4a ed. Copenhagen, 1845
Naud. Philippe Naudé [Naudãus]
Kouak. Breve história do surgimento e avanço do quacrismo com
alguns de seus dogmas (Histoire abregée de la
naissance et duprogre%du kouakerisme, avec
celle de ses dogmes). Paris, 1699
Myst. Investigação apartidária e meticulosa da teologia mística
(Unpartheyische und Grundliche Untersuchung
der mystischen Theologie). Zerbst, 1713
34 Λ♦· PRINCIPAIS FONTES

Nbr. Reinhold Niebuhr


FU l. Osfilhos da luç e osfilhos das trevas. Nova York, 1944
Fé hist. Fé e história: uma comparação dasperspectivas cristã e
moderna da história. Nova York, 1949
Nat. dest. A natureza e 0 destino do homem. 2 vols. Nova York, 1943
Neum. Erdmann Neumeister
Adv. Instrução cristã sobre a observância do advento, do Natal e
doAno Novo que agradam a Deus (Christlicher
unterricht wiedieh.Adventsgeit, dash. Christ-
Fest und das NeueJahrgotgefállig yufeiren sey).
[Hamburgo], 1737
Bern. Urnaprovafirmemente estabelecida de que CristoJesus
ofereceu satisfaçãopor nós epor nossospecados
(FestgegriindeterBeweis... das% ChristusJesus
fúr uns und unsere Sünden gnunggethan).
2a ed. [Hamburgo], 1730
Εν. Nach. Eco evangélico (Evangelischer Nachklang). 2 vols.
Hamburgo, 1726-29
Fiinf. A s quíntuplas devoções contínuas da igreja (Fortgesetgte
junjfache Kirchen-Andachten). 2 vols.
Hamburgo, 1726
Hnd. Os versículos de louvor do dito cão lavrador (Lob-gedichte
des sogenannten Bauer-Hundes). Hamburgo, n.<
Marp. Prova de que a dita consideração escrituraido argumento
doutrinaide Marpergnão é escriturai (Beweis,
dass die Marpergish sogenannte schriftmãssige
Betrachtung des Lehr-Elenchi nicht
schriftmãssigsey). [Hamburgo], 1727
SI Salmos, hinos de louvor e cânticos espirituais (Psalmen
und lobgesànge undgeistliche Heder), n. p., n. d.
Rch. Oferta queimada espiritual: sermões sobre a oração comum
da igreja (Geistliches Ràuch-opjer; das 1st,
predigten über dasgemeine kirchengebeth).
[Hamburgo], 1751
Wied. Refutação completa da recentementepublicada breve
apresentação da dita restituição de todas as coisas
por Ludwig Gerhard (Gründliche Wiederlegung
des von M. Ludwig Gerhard neulich
herausgegebenen Kurtyen Begrijfe von der
alsogenannten Wiederbringung aller Dinge).
Hamburgo, n.d.
Newm. John Henry Newman
Apol. Apologia Pro Vita Sua (Defesa da própria vida)
Ar. Os arianos do século IV. 6a ed. Londres, 1890
Art. X X X IX Comentários sobre certaspassagens dos 39 Artigos
Des. Um ensaio sobre 0 desenvolvimento da doutrina cristã
Gram. Um ensaio em auxílio de uma gramática de concordância
Id. univ. A ideia de uma universidade definida e esclareáda
Insp. Sobre a inspiração da Escritura
Dia. Diário
Min. com. Pensamentos sobre a comissão ministerial
Prim. prat. A obrigação atual da prática primitiva
Autores e textos ♦♦♦ 35

Prof. Palestras sobre afunçãoprofética da igreja vista em relação
ao catolicismo e aoprotestantismopopular
Escr. prv. Palestras sobre aprova escriturai das doutrinas da igreja
Univ. Serm. Sermões,principalmente sobre a teoria da crença religiosa,
pregaçãopara a Universidade de Oxford,
Londres, 1843
Vis. ig. A igreja visível
Nieb. Helmut Richard Niebuhr
Ig. min. O propósito da igreja e seu ministério. Nova York, 1956
Cris. cult. Cristo e a cultura. Nova York, 1951
Rad. mon. O monoteísmo radicale a cultura oridental. Nova York, 1960
Rev. O sentido da revelação. Nova York, 1960
Soc. A sfontes sociais do denominarionalismo. Nova York, 1929
Nmnn. Johann Georg Neumann
Ehr. A defesa obrigatória da honra (Abgedrungene Ehren-
Rettung). Wittenberg, 1699
Er. Extensa discussão da questão do termo divino degraça
(Ausfúhrliche Erorterung derFrage vom
góttlichen Gnaden-Termin). Wittenberg, 1701
Spen. Opresságio contra Spener (ProdromusAnti-Spenerianus).
Wittenberg, 1695
St. Ver. Uma defesafirme (Standhafte Vertheidigungj.
Wittenberg, 1696
Term. A discussão da questão do termoperemptório de salvação
(Erorterung derFrage vom Termino Salutis
Peremptorio). Wittenberg, 1700
Nrs. Henri Noris
Hist. pel. A historia dopelagianismo (Historiapelagiana)
Syn. quint. A dissertação histórica sobre oQuinto Concilio Ecuménico
(Dissertatio histórica de synodo quinta)
Vind. Aug. Vindicação de Agostinho (Vindiciae Augustiniane)
Nsl. Bek. KO. Wilhelmm Niesel. Confissões e ordens eclesiásticas da igreja
reformada em concordancia com apalavra de Deus
(Bekenntnisschriften und Kirchenordnungen der nach
Gottes Wort rformierten Kirche). Munique, [1938]
Nss. Dipp. Heinrich Georg Neuss. Testando o espírito e a doutrina de Dippel
(Probatio spiritus et doctrinae Democriti, Das ist, Prüfung
des Geistes und derLehre Christiani Democriti, sonst
Dippelgenannt). Frankfurt e Leipzig, 1701
Nurn. Sen. Senado de Nürnberg
Nvn. John Williamson Nevin
Mist. pres. A presença mística
Schf. Introdução para Philip Schafjf]. Oprincipio doprotestantismo
Oik. Gr. Niss. Constantino Oikonomos. Duas epístolas de Gregorio de Nissa
(Δύο έπιοτολαι). Atenas, 1850
Or. Orígenes de Alexandria
Cels. Contra Celso (Contra Celsum·)
Princ. Sobre osprimeirosprincípios (De principiis)
Ors. 1st. Giuseppe Agostino Orsi. Sobre a historia da igreja (Della istoria
ecclesiastica). 20 vols. Roma, 1747-62
36 ♦♦♦ PRINCIPAIS FONTES

Ost. Jean Frédéric Osterwald


Arg. ref. Argumentos e reflexões sobre os livros e capítulos da Bíblia
sagrada (Argumens et reflexions sur les livres
et sur les chapitres de la Sainte Bible).
2 vols. Neuchâtel, 1720
Cat. Caterismo ou instrução na religião cristã (Catechisme ou
instrucüondanslare&gonchriúenne). Neuchâtel, 1747
Corrupt. Tratado sobre asfontes da corrupçãoprevalecentes nos dias
atuais entre os cristãos (Traité des sources de la
corruption, qui règne aujou-d’huiparmi les
Chrétiens). 2 vols. Amsterdã, 1700
D%. serm. Dotçe sermões sobre vários textos da sagrada Escritura
(Dousçe sermons sur divers textes de
lEcriture sainte). Genebra, 1722
Eth. Compêndio de ética cristã (Ethicae Christianae
Compendium). Londres, 1727
Pal. William Paley
Ev. cr. Evidências do cristianismo
Hor. Paul. Horae Paulinae (Horaspaulinas)
Nat. teol. Teologia natural
Papad. Simb. Crisóstomo Papadopoulos. Estudo histórico e crítico do credo
do Segundo Concilio Ecumênico (10 σΰμβολον της
B οικουμενικής συνόδου ιστορική και κριτική
μελετή). Atenas, 1924
Pet. Johann Wilhelm Petersen
Hch^t. O banquete de casamento do Cordeiro e sua noiva (Die
Hochtçeit des Lammes und der Braut).
Offenbach am Main, [1701]
Mist. O mistério da restituição de todas as coisas (Μυστήριον
άποκατάστεως πάντων, d. i. Geheimnis der
Wiederbringung aller Dinge). 3 vols.
Frankfurt, 1700-1710
Pff. Hist. teol. Christoph Matthaus Pfaff. Introduçãopara a História literária
da teologia (Introductio in historiam theologiae literariam).
2a ed. 2 vols. Tübingen, 1724-26
Phds. Blasios I. Pheidas
Ekk. História da igreja (Εκκλησιαστική ιστορία). Atenas, 1973
Kan. Pressuposições histórico-canânicas e eclesiológicas da
interpretação dos cânones sagrados
(Ιστορικοκανονικάι και έκκλησιολογικάι
προϋποθέσεις ερμηνείας των ιερών
κανόνων). Atenas, 1972
Pent. A autoridade dapentarquia dospatriarcas '(Oθεσμός
τής πενταρχίας των πατριάρχων).
2 vols. Atenas, 1969-70
Fot. Bib. patriarca Fócio de Constantinopla. Biblioteca (Bibliotheca)
Pio IX. papa Pio IX
Ineff Ineffabilis Deus (Deus inefável)
List. Lista de erros
Pio X. papa Pio X
Lam. Lamentabili (Lamentável)
Pase. Pascendi dominicigregis (Do apascentamento do rebanho)
Autores e textos ♦♦♦ 37

Sacr. ant. Sacrorum antistites (Aos bispos)
Pio XI. papa Pio XI
Cast. con. Casti connubii (Acerca do matrimônio cristão)
Div. il. mag. Divini illius magistri (Acerca da educação cristã)
Quad. Quadragésimo anno (Quadragésimo aniversário)
Pio XII. papa Pio XII
Div. affl. Spir. Divino afflante Spiritu (Sobre os estudos bíblicos)
Hum. gen. Humani generis (Sobre algumas doutrinas errôneas)
Mun. Munificentissimus Deus (Deus munificentíssimo)
Myst. corp. Mystici corporis (O corpo místico de Cristo)
Piep. Franz Pieper
Chr. dogm. Dogmas cristãos (Christliche Dogmatik). 3 vols.
Saint Louis, 1917-24
Pimp. Pan. C. E. Plumptre. Esboçogeral da história dopanteísmo. 2 vols.
Londres, 1878-79
Plmr. Ig. russ. William Palmer. Observações de uma visita à igreja russa nos anos
1840, 1841. Londres, 1882
Plot. Rask. K. Plotnikov. Breve manual sobre 0 movimento de asma (Kratkoe
rukovodstvopo raskolovedeniju). São Petersburgo, 1902
Pnch. Diet. Barthélémy Pinchinat. Dicionário cronológico, histórico e crítico sobre
a origem da idolatria (Dictionnaire chronologique, historique,
critique, sur ΐ origine de l’idolatrie etc.). Paris, 1736
Pnnch. Hon. Guiseppe Pennacchi. O caso dopapa Honorio Ino Sexto Concilio
Ecumênico dirigido aospais do Concilio Vaticano (De
Honorii I, romanipontificis causa in Concilio VI...
adpatres Concilii Vatican¡). Ratisbona, 1870
Poir. Pierre Poiret
Chr. ed. A educação cristã das crianças com base emprincípios
verdadeiros (De Christiana liberorum e veris
principiis educatione libellus). Amsterdã, 1694
Fid. rat. A fé e a ra^ão comparadas (Fides et ratio collatae).
Amsterdã, 1708
Oec. div. A economia divina (E’oeconomie divine). 2 vols.
Frankfurt, 1705
Teol. cr. A teologia do coração ou coletânea de vários tratados contendo
esclarecimentos divinos das almaspuras e simples
(La théologie du coeur, ou recueil de quelques
traites qui contiennent les lumiéres lesplus divines
des âmes sitnples etpurés). 2a ed. Colonia, 1690
Teol. mist. Coletânea de vários tratados de teologia mística (Recueil de
divers traitesçde théologie mystique). Colonia, 1699
Polic. Ep. Policarpo de Esmirna. Epístola para os Filipenses
Pont. Com. Bib. Comissão Bíblica Pontifical (Pontificia Commissio de Re Bíblica)
Prcl. John B. Purcell
Prksch. Otto Proksch
Prn. Prael. Giovanni Perrone. Palestras teológicas (Praelectiones theologicae).
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Prstly. Soc. Joseph Priestley. Sócrates eJesus comparados. Filadélfia, 1803
Ptz. Sed. inf. Giovanni Vincenzo Patuzzi. Sobre a busca do local do inferno na
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38 A♦ PRINCIPAIS FONTES

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vindicatus). Liège, 1699
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(Abrégé de I’histoire de la Congregation De
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Clém. IX. A patç dopapa Clemente IX (Lapaix de Clement IX).
Chambéry, 1700
Déf. égl. rom. Defesa da Igreja de Roma e seuspontífices soberanos
(Defense de 1’église romaine et souverains pontifes).
2a ed. Liège, 1697
Dx. rec. Duas coletâneas de muitos atos, declarações e outraspeças
(Deux recueils deplusiers actes, déclarations, et
autrespieces). [Chambéry, 1700]
Ex. piét. Exercidos depiedade (Exercises depiété). Paris, 1693
Exp. apol. Explicação apologética dos sentimentos dopaiQuesnel
(Explication apologétique des sentiments du Père
Quesnel). 2 vols. n.p. 1712
Reb. Poen. Karl Ludwig Rebstock. Sobre apenitência (De poenitentia).
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Reim. Apol. Hermann Samuel Reimarus. Apologia ou defesa dos adoradores
de Deus racionais (Apologie oder Schutvçschriftfür die
vernünftigen Verehrer Gottes)
Remp. Johann Rempen
Cour. Um emissário extraordinariamente talentoso (Ein
extraordinair... abgefertigter Courrier).
Hildesheim, 1698
Lut. O imortalEutero (UnsterblicherLuther). Hildesheim, 1699
Rndt. Eusèbe Renaudot
Diss. Dissertação nãopublicada sobre liturgias orientais
(Dissertatio inédita de liturgiis orientalibus)
Lit. Or. Coletânea de liturgias orientais (Liturgjarum Orientalium
Collectio). 2 vols. Paris, 1716
Rsch. Walter Rauschenbusch
Crist, soc. cr. O cristianismo e a crise social. Nova York, 1907
Miss. Concepções de missões
Teol. Uma teologiapara 0 evangelho social. Nova York, 1917
Rd. Albrecht Ritschl
Fid. imp. Fé implícita: uma investigação dafé cega, do conhecimento e
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Untersuchung über Kohlerglauben, Wissen
und Glauben, Glauben undKirche). Bonn, 1890
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breisgau, 1893
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Autores e textos 39

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Teol. met. Teologia e m etafísica (Theologie undM etaphysid). 2aed.
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Rtschl. D G . Prot. Otto Ritschl. H istó ria do dogmaprotestante (Dogmengeschichte des
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sym bolum apostolorum)
Sail. Johann Michael Sailer
E p. E pístolas
M or. M a n u a l da m oralidade cristã (H andbuch der Christlichen
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Schf. P rin. prot. Philip Schaff [Schaf]. O princípio do protestantism o
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C hr. gl. A f é cristã apresentada de modo sistem ático de acordo
com os princípios fundam entais da igreja
evangélica (D er christliche G laube nach den
G rundsàt^en der evangelischen Kirche im
Zusam m enhange dargestellt)
Chr. st. A m oralidade cristã (D ie christliche Sitte)
E in . N . T. Introdução ao N ovo Testamento (E inleitung in das N eue
Testament)
Gesch. A história da igreja cristã ( Geschichte der christlichen Kirche)
H erm . H erm enêutica (H erm eneutik)
K rit. C rítica (K ritik)
Eeb. Jes. A vida de Jesus (D a s I^eben Jesu)
Rei. Sobre a religião:palestraspara os civilizados em meio a seus
desdenhadores (U berdie Religion: Reden an die
Gebildeten unter ihren Verüchtern)
Schlnk. Th. B ek. Edmund Schlink. Teologia das confissões luteranas (theologie der
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exegético, crítico e bíblico (R om er 9,5 in exegetischer,
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4° «A -

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em Kónigsberg (D ringende G eivissens-Scrupel in
der %u Kónigsberg... gehaltenen Com m union).
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Schwzr. Eduard Schweizer
Scriv. Christian Scriver
Seel. O tesouro da alm a (D er Seelenschatfj
Z u f A nd. Devoções ocasionais (Zufdllige A ndachten)
Seem. Sebastian Seemüller
Sem. Johann Salomo Semler
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dogmatische Gottesgelersam keit). Em:
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evangélica da f é (Evangelische Glaubenslehre).
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überden vorgeblichen C alvinism us in Gottingen).
Halle, 1788
E r k l. E xplicação completa de varias novasproposições, censuras
e reclamações teológicas (A usfúhrliche E rklü ru n g
über einige neue theologische A ufgaben,
Censuren und Klagen). Halle, 1777
E rud. Breve instrução no conhecimento teológico liberal (Institutio
breviorad liberalem eruditionem theologicam‫ )׳‬.
2 vols. Halle, 1765-66
Frag. Resposta a “Fragmentos de um escritor anónim o”, em
particu la r a “Sobre a intenção deJesus e de seus
discípulos" (Beantw ortung derfragm ente eines
U ndekannten insbesondere vom Z w eck Jesu und
seinerJünger). 2a ed. Halle, 1780
N T int. A p a ra to p a ra a interpretação liberal do N ovo Testamento
(A pparatus ad liberalem N o v i Testam enti
interpretationem ). Halle, 1767
Rei. U ltim a confissão def é sobre a religião n atural e cristã
(P etates G laubensbekenntniss über natürliche
und christliche Religion)
V T int. A p a ra to p a ra a interpretação liberal do A n tig o Testamento
(A pparatus ad liberalem V eteris Testam enti
interpretationem ). Halle, 1773
Sherl. William Sherlock
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de Jesus Cristo. Londres, 1675
Soc. E stado a tu a l da controvérsia socinianista. Londres, 1698
Autores e textos 41
·ê
V ind. U m a vindicação das doutrinas da santa e sempre abençoada
Trindade e da encarnação do F ilho de D eus.
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Shprd. Com. Massey Hamilton Shepherd. C om entário do livro norte-americano
de oração de O xford. Nova York, 1950
Shriek. Bngr. Thomas Sherlock. C om entários sobre 0 tratam ento do clero e da
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Sim. Tess. L it. Simeão de Tessalônica. Sobre a sagrada liturgia
Slp. Josyf Slipyj
E p. E pístolas
Posl. M ensagens (Poslanija)
Taj. Λ doutrina geral do sagrados sacramentos (Z ahalna nauka
p ro svjati tajni)
Slv. Vladimir Sergeevic Soloviev
Bogo. Palestras sobre 0 ser homem e D eus ( Ctennija 0 Bogocelovecestve)
D uch. osn. O sfundam entos espirituais da vida (D uchovnyja osnovy fig n i)
Id. russ. A ideia russa (U idée russe)
K rit. C rítica de princípios abstratos (K ritik a otvlecennich nacal)
R us. égl. A R ússia e a igreja universal (L a R ussie et 1’église universelle)
Soph. A sabedoria (L a Sophia)
V lk . spr. O grande cisma e a política cristã (V e lik ij spor i
christianskaja p o litik a )
Smdt. Karl Ludwig Schmidt
Sob. Concilio [Sobor] da Igreja Ortodoxa Russa em Moscou
Soc. Crd. O credo social das igrejas
Soer. I /. e. Sócrates Escolástico. H istó ria eclesiástica
Sod. Nathan Sõderblom
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( E tt bidrag till den kristn a uppenbarelsetrons
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Com. cr. Com unhão cristã: a vida e 0 trabalho unidos da cristandade.
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D s. viv. O D eus vivo:form as basais de religião pessoal. Londres, 1933
Rei. st. A religião e 0 E stado (Religionen och staten). Estocolmo, 1918
Tl. E n sa io s (T a l och essayer)
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Upp■ Religião de revelação (Uppenbarelsereligion). 2a ed.
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Span. Friedrich Spanheim (o Jovem)
Cont. Controvérsias sobre a religião (E lenchus C ontroversiarum
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E v. vind. D efesas do evangelho segundo M ateus (Evangelicae vindicae)
E xerc. acad. E xercícios acadêmicos (E xercitationes academicae)
H . e. H istória da igreja (H istoria ecclesiastica)
42 ♦ ♦ ♦ PRINCIPAIS FONTES

Praescrip. Sobre aprescrição em assuntos defé (Depraescriptione in


rebusfidei)
Xen. A s dádivas de inimigos não são dádivas ouA s dádivas dos
católicos-romanos corretamente avaliadas
(Εχθρών δώρα αδωρα seu Xenia
Romano-Catholicorumjustepretio aestimata)
Spen. Philipp Jakob Spener
Albrt. Defesa completa de sua inocência contra 0prefácio do dr.
ValentinoAlberto (Gründliche Vertheidigung
seiner Unschuld...gegen Herrn D. Valentini
Alberti... Praefat). Stargardt, 1696
Beant. Resposta completa (Gründliche Beantwortung).
Frankfurt, 1693
Bed. Derradeirosjulgamentos teológicos (iM^te theologische
Bedenchen)
Gtts. A teologia compartilhadapor todos os cristãos e teólogos
autênticos (Die allgemeine Gottesgelehrtheit
allerglaubigen Christen und rechtschaffenen
Theologen). Frankfurt, 1680
Mess. Que nosso Senhoré 0 verdadeiro Messias ou Cristo (Das%
unserHerrJesus der wahreMessias oder Christus
seje). Frankfurt, 1701
Stec. Un. cons. Valentino Steccanella. Reflexão teológica contra a nova doutrina da
necessidade de um consenso unânime dos bispos (Adversus
novam doctrinam de necessitate unanimis episcoporum
consensus theologica disquisitio). Roma, 1870
Stffr. Th. N T Ethelbert Stauffer. A teologia do Novo Testamento (Die Theologie
des Neuen Testaments). 3a ed. Stuttgart, 1947
Sth. Robert South
Animad. Animadversões sobre 0 livro do dr. Sherlock. 2a ed.
Londres, 1693
Trit. Acusação de triteísmo à nova noção da Trindade do dr.
Sherlock. Londres, 1695
Stngr. Ges. Johann Melchior Stenger./íj-wr nosso único Senhor e Legislador
(Jesus unser einiger Herr und Gesetsçgeber). n.p., 1693
Stod. Solomon Stoddard
Apl. Um apelo ao douto. Boston, 1709
Conv. Um tratado referente à conversão. Boston, 1719
Gd. Cr. Um guiapara Cristo. Boston, 1714
Cert. A certeza do aparecimento no dia dojulgamento najustiça de
Cristo. Boston, 1687
Strim. Un. ev. Samuel Strimesius. Dois tratados sobre a união dosprotestantes
na igreja (Tractatus duo, De unione Evangelicorum
ecclesiastica). Amsterdã, 1711
Strss. Chr. David Friedrich Strauss. O Cristo dafé e oJesus da historia
(Der Christus des Glaubens und derJesus der Geschichte)
Strz. Man. Aleksandr Sturza. Manual do cristão ortodoxo ’(Εγχεΐριδιον
του’Ορθοδόξου Χριστιανού). São Petersburgo, 1828
Stvr. Ort. ang. Basileios Stavrides.M ortodoxia e 0 anglicanismo (Oç>Qoê>olja.
κα'ι’Αγγλικανισμός). Atenas, 1963
Autores e textos 43

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Cael. O céu e suas maravilhas, e 0 inferno, segundo coisas ouvidas
e vistas (De Cáelo et ejus Mirabilibus et de
Inferno ex auditis et visis). Nova York, 1890
Ver. Chr. A verdadeira religião cristã (Vera Christiana religio).
Amsterdã, 1771
Symb. Apost. Credo dos Apóstolos (Symbolum apostolicum)
Symb. Ath. Credo de Atanásio (SymbolumAthanasianum)
Symb. Nic.-CP Credo niceno-constantinopolitano (Symbolum Nicaeno-
Constantinopolitanum)
Sin. Ir. Auf. Sínodo dos Irmãos [Morávios]. Declaração (Aufsatiç)
Terst. Gerhard Tersteegen (Gerrit Ter Steegen]
Abr. Sumário das verdades cristãsfundamentais (Abris^
christlicher Grundwahrheiten)
Bros. Bocados espirituais (Geistliche Brosamen)
Ep. Epístolas
Tert. Tertuliano
Apol. Apologia (Apologeticum)
Marc. Contra Marcião (Adversus Marcionem)
Praescrip. Prescrição contra os hereges
Thdt. H. e. Teodoreto de Cirro. História eclesiástica
Teol. dec. [Segunda] declaração de Barmen: declaração teológica sobre a situação
atualda igrejaprotestante alemã (Theologische Erklárung
sçurgegenwártigen Eage der Deutschen Evangelischen Kirche)
Teof. Apol. Teófilo (Alexander Mack, o mais jovem). Apologia ou resposta
escriturairferente a certas verdades (Apohgie oderschriftmãsige
Verantwortung etlicher Wahrheiten). Efrata, Pa., 1788
Thom. Gottfried Thomasius
Chr. A pessoa e a obra de Cristo (Christi Person und Werk).
2a ed. 4 vols. Erlangen, 1856-63
DG. A história do dogma como a história do desenvolvimento do
ensinamento da igreja (Die Christliche
Dogmengeschichte ais Entwicklungs-Geschichte
des kirchlichen Lehrbegrijfs). 2 vols.
Erlangen, 1874-76
Tos. Aq. Tomás de Aquino
Gent. Suma contra osgentios (Summa contra Gentiles)
S .t . Suma teológjca
Tos. Kemp. Im. Cr. Tomás de Kempis. A imitação de Cristo
Tin. Cr. Matthew Tindal. O cristianismo tão antigo quanto a criação: ou 0
evangelhouma republicaçãoda reãgiãoda natureza. Londres, 1730
Tlch. Paul Tillich
Hist. cr. Uma história dopensamento cristão
Prot. teol. Perspectivas da teologiaprotestante dos séculos X IX e X X
Sist. teol. Teologia sistemática. 3 vols. Chicago, 1967
Tnnt. Gilbert Tennent
Dang. Qrperigosdeumministério ao nãoconvertido. 2aed. Boston, 1742
Disc. Discursos sobre diversos assuntos importantes. Filadélfia, 1745
44 Λ♦ PRINCIPAIS FONTES

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Serm. 1Vinte e três sermões sobre 0principalpropósito do homem.
Filadélfia, 1744
Tol. John Toland
Amin. Amintor: ou, uma defesa de “A vida deMilton”. Londres, 1699
Milt. A vida deJohn Milton. Londres, 1699
Mist. O cristianismo não misterioso. [Londres], 1696
Pan. Panteísticon: ou, umafórmulapara a celebração da
assoáação socrática (Pantheisticon: sive, Formula
Celebrandae Sodalitatis Socraúcae). Londres, 1720
Tor. Car. Bernardo delia Torre. O caráterdos descrentes (De’ caraterri degl’
increduli). 2 vols. Nápoles, 1779
Torn. Reg. Gustaf Tõrnvall. Os reinos espiritual e mundano de acordo com
Lutero(AndligtochvarldsligtregementehosFuther). Lund, 1940
Trlsch. Ernst Troeltsch
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Religionsgeschichte)
Rel. ind. O individualismo religioso e a igreja (Religioser
Individualismus und Kirche)
S0Z. Os ensinamentos sonáis das igrejas egrupos cristãos (Die
Sofiallehren der christlichen Kirchen und Gruppen)
Trtn. Inst. Francis Turretini. Instituías (Institutio theologiae elencticae). 2aed.
3 vols. Genebra, 1688-89
TW NT Dicionário teológicopara 0 Novo Testamento (Theologisches Worterbuch
Zum Neuen Testament)
Ub. Int. Ubaldo Ubaldi. Introdução à sagrada Escritura (Introductio in
Sacram Scripturam). 3a ed. 3 vols. Roma, 1886
Vine. Ler. Comm. Vicente de Lérins. Admoestação (Commonitorium)
Vnzi. Rec. Luigi Vincenzi. Uma nova análise critica dos escritos e doutrina
de Gregário de Nissa e de Orígenes (In S. Gregorii Nysseni
et Origenis scripta et doctrinam nova recensio). 4 vols.
Roma, 1864-65
Walt. Mir. William Walton. Ospoderes milagrosos da igreja de Cristo afirmados
através dos sucessivos séculos. [Londres], 1756
w ee Concilio Mundial das Igrejas
Trad. Tradição e tradições
Mod. ador. Os modos de adoração
Wer. Samuel Werenfels
Diss. Dissertações teológicas (Dissertationes theologicae)
Mise. Miscelâneas (Miscellanea)
Wes. Serm. Charles Wesley. Sermões
Wet. N . T. Johann Jakob Wettstein. Livrospara a crítica e a interpretação
do Novo Testamento (IJbelli ad Crisin atque
interpretationem Novi Testamenti). Halle, 1756
Wilb. William Wilberforce
Ep. Epístolas
Pr. vi. λ/ísãoprática dos sistemas religiososprevalecentes dos cristãos
confessos. [Londres, 1797], Filadélfia, 1798
Wlb. Inc. Robert Isaac Wilberforce. A doutrina da encarnação do nosso
SenhorJesus Cristo. Filadélfia, 1849
Autores e textos ♦♦♦ 45

Wlch. Johann Georg Walch


Pol. Introdução à polêmica da teologia (Einleitung in die
polemische Gottesgelahrheit). Jena, 1752
Rel. aus. Introdução histórica e teológica às controvérsias religiosas
que surgem, sobretudo,fora da igreja evangélica
luterana (Historische und theologische Einleitung
in die Religions-Streitigkeiten, welche sonderlich
ausser der Evangelisch-lutherischen Kirche
entstanden). 3a ed. 5 vols. Jena, 1733
Spir. EUstória da controvérsia dosgregos e latinos sobre a
processão do Espírito Santo (Historia
controversiaegraecorum latinorumque de
processione Spiritus Sancti). Jena, 1751
Wlff. Nat. Gott. Christian Wolff. Teologia natural composta de acordo com 0 método
deprova (Natürliche Gottesgelahrtheit nach bemisender
Lahrart abgefasset). 2 vols. Halle, 1744-45
CMM. Coop. Conferência Missionária Mundial. Cooperação e a promoção
da unidade. Edimburgo, 1910
Wms. Res. Isaac Williams. Sobre a reserva na transmissão do
conhecimento religioso
Wrds. Ode. William Wordsworth. Ode à obrigação.
Wrns. Myst. Gottlieb Wernsdorf. Uma opinião correta efundamentada na Bíblia
sobre a teologia mística (Aufrichtige und in Gottes
WortgegründeteMeinungvonderMystischen Theologie).
Wittenberg, 1729
Wsly. John Wesley
Ep. Epístolas
Horn. A doutrina da salvação, dafé e das boas obras extraída das
homílias da Igreja da Inglaterra
Dia. Diário
fust. A justificação pelafé
Mid. Uma cartapara 0 reverendo doutor Conyers Middleton
ocasionadapor sua tardia investigação livre
Rel. cl. Um relato claro do cristianismo genuíno
Serm. Sermõespara diversas ocasiões
Wss. Ur. Johannes Weiss. Cristianismo primitivo (Das Urchristentum)
Wsz. H. F. Weisz
Zeis. Unver. Gew. Philipp Christop Zeisen. Uma consciênáa tranquila
(Unversagtes gewissen). Frankfurt e Leipzig, 1696
Zêz. Hen. Jôannês D. Zêzioulas. A unidade ãa igreja '(Η ένότης της
εκκλησίας). Atenas, 1965
Zin. Federico Maria Zinelli
Infall. Referente à infalibilidadepapal (Interno alia infallibilità
dei Romano Pontefice). Treviso, 1870
Sobre a unanimidade de votospara os decretos dogmáticos
dos concilios ecumênicos (Delia unanimità dei
suffragi net decreti dommatici dei concili
ecumenici). Turim, 1870
Zinz. Nikolaus Ludwig Graf von Zinzendorf
Aug. conf. Vinte e um discursos sobre a Confissão deAugsburg (Ein
und tçwamfigDiscurse über dieAugspurgische
Confession)
46 Λ PRINCIPAIS FONTES

Beth. Alguns discursos em Betel (Einige Reden... in Bethel)


Gem. Palestraspúblicaspara a congregação (Offentliche
Gemein-Reden)
Gespr. Conversas notáveis entre um viajante e várias outras
pessoas referentes a todos os tipos de verdades
ligadas à religião (Sonderbare Gesprãche
%wischen einem Reisenden und allerhanã
andem Personen, von allerley in derReligion
vorkommenden Wahrheiten)
Horn. Homilías sobre a titania para asferidas de Cristo
(Homilien über die Wundentitanei)
Eond. Pred. Sermões londrinos (Londoner Predigten)
Off. red. Uma coletânea de discursospúblicos (Eine Sammlung
Offentlicher Reden)
Penn. Nach. Relatos da Pensilvânia contra 0 reino de Cristo
(PennsylvanischeNachrichten von demReiche Christi)
Red. Discursos em Berlim (Bertinische Reden)
Rel. Nove discursospúblicos sobre assuntos importantes
referentes à religião (Neun offenttiche Reden
überwichtige in die Religion einschlagendeMaterien)
Sieb. Sete últimos discursos (Sieben letsfe Reden)
Soc. O Sócrates alemão (Der Teutsche Socrates)
Zst. Discursosfeitos no Sínodo dos Irmãos [Moramos] em Zeist
(Die an den SynodumderBrüderin Zeyst...
gehaltenen Reden)

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Adams Adams, Dickinson W, &A.Jefferson’s Extractsfrom the Gospels.
Princeton, 1983
Aland Aland, Kurt, ed. Philipp Jakob Spener. Pia desideria. 2aed.
Berlim, 1955.
Alberigo-Jedin Alberigo, Giuseppe e Jedin, Hubert, eds. Concitiorum
oecumenicorum decreta. 3a ed. Bolonha, 1973.
Alexander Alexander, Gerhard, ed. Hermann Samuel Reimarus.
Apologie oderSchut^schriftfiir die vernünftigen Verehrer
Gottes. 2 vols. Frankfurt, 1972
Anal. Hymn. Analecta Hymnica MediiAevi. Leipzig, 1886-1922
Argentré Argentré, Charles Du Plessis d’, ed. Collectio iudiciorum de
novis erroribus. 3 vols. Paris, 1728
ASS Acta Sanctae Sedis. 41 vols. Roma, 1865-1908
AUA American Unitarian Association, pub. The Works of William
Eflery] Channing. Boston, 1901
Baker Baker, Frank, ed. The Works of John Wesley. Oxford, 1975-.
Baron Baron, Hans, et al., eds. Ernst Troeltsch. Gesammelte Schriften.
4 vols. Tübingen, 1913-25.
Barth-Niesel Barth, Peter, and Niesel, Wilhelm, eâs.Johannis Calvini opera
selecta. 5 vols. Munique, 192636‫־‬.
Basler Basler, H. S., ed. Dr.Jablonski’s Vortreffliche Reden über die letsfen
WorteSalomon’s im 12tenKapitelseinesPreãgers. Filadélfia, 1849.
Edições e coleções A♦ 47

Battaggia Battaggia, Giuseppe, ed. Mauro CappeUari [papa Gregário


XVT|. Iltrionfo delia Santa Sede e delia Chiesa. Veneza, 1832.
Becher Becher, Ad., ed. Gerhard Tersteegen’s...gesammelteSchriften. 8 vols.
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Begtrup Begtrup, Holger, ed. Nik. Fred. Sev. Grundtvigs udvalgte Skrifter.
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Bek. Die Bekenntnisschriften der evangelisch-lutherischen Kirche. 2aed.
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Bell Bell, George Kennedy Allen, ed. Documents on Christian Unity.
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Benrath Benrath, Karl, ed. Karl Rudolf Hagenbach. Lehrhuch der
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Berti Berti, Giovanni Lorenzo, ed. HenriciNorisii... opera omnia
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Bestmann Bestmann, H. J., ed. J. Ch. K. von Hofmann. Encyclopddie
der Theologie. Nõrdlingen, 1879.
Bethge Bethge, Eberhard, ed. Dietrich Bonhoeffer. Gesammelte Schriften.
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“ E , m ísero eu, da teologia”

Como a Cidade de Deus, de Agostinho, foi a principal declaração literária


dos temas centrais no “triunfo da teologia” patrística (veja vol. 1, p. 60-61)
e como a Divina comédia, de Dante Alighieri, foi a mais celebrada incorpora-
ção poética do entendimento medieval de “natureza e graça” (veja vol. 3, p.
344,45), também a clássica dramatização tanto das relações positivas quanto
das negativas entre “a doutrina cristã e a cultura moderna” (conforme traz
o título deste volume) foi quase com certeza o drama em verso Fausto, de
Johann Wolfgang von Goethe, que morreu em 1832 — na exata metade do
tempo coberto por este volume.
Na cena inicial do próprio drama, em uma manhã de Páscoa, o idoso
filósofo começa lamentando a inutilidade de sua busca por sabedoria por
meio do conhecimento, o que o levou a todas as quatro faculdades da uni-
versidade medieval: “Ai de mim! da filosofia, Medicina, jurisprudência, e,
mísero eu! da teologia” (Gth. Fst. 1.354-56 [Trunz, p. 20]). Ele reconhece o
“anseio por revelação” e o lugar especial do N ovo Testamento com o o mais
nobre e belo objeto desse anseio (Gth. Fst. 1.1216-23 [Trunz, p. 43-44]). Esse
reconhecimento o levou, tanto com o alguém em busca quanto com o estudio-
so, a ponderar o sentido da expressão “o sagrado no princípio” do prólogo
do quarto evangelho. Será que a palavra grega “λόγοζ” (Jo 1.1) deveria ser
traduzida por “palavra \mri\ ”, “pensamento \sinn]”, “poder [kraft]” ou “obra
[tat\‫?״‬, pondera o filósofo (Gth. Fst. 1.1224-37 [Trunz, p. 44]). Quando o coro
angélico entoa a mensagem de Páscoa: “Cristo ressurgiu” (Gth. Fst. 1.737-
41 [Trunz, p. 30]), ele responde: “Ouvi a mensagem, só falta a fé” (Gth. Fst.
1.765 [Trunz, p. 31]). Sua dúvida, no entanto, não elimina o entendimento
da natureza da tradição. Pois a insensata observação de seu servo pedante
de que a história é instrutiva porque ensina “ver com o já pensou um sábio
antes de nós” de forma a demonstrar “com o deixamos as coisas chegarem
longe demais” (Gth. Fst. 1.570-73 [Trunz, p. 26]), ao que Fausto responde
54 ♦♦♦ E, MÍSERO EU, DA TEOLOGIA‫׳‬

com sarcasmo: “Oh, sim! até ao céu estrelado” e insiste que o passado é um
livro com sete selos (Gth. Fst. 1.574-76 [Trunz, p. 26]), acrescentando sua
própria percepção da função da tradição: “O que hás herdado de teus pais,
adquire, para que o possuas” (Gth. Fst. 1.682-83 [Trunz, p. 29]).
Gustav Mahler, por uma intuição não menos evocativa teologicamente
que musicalmente, em sua oitava sinfonia, executada pela primeira vez em
1910, justapôs as linhas finais de Fausto ao hino medieval Vent Creator Spiritus
{Anal. Hymn. [50:193-94]). Pois, durante o século ou por volta disso que se
seguiu à morte de Goethe, a relação entre a tradição e a dúvida articulada em
Fausto veio a ser uma pressuposição espiritual e intelectual para os pensadores
cristãos de pontos de vista muitíssimo distintos. Vladimir Sergeevic Soloviev,
filósofo e teólogo ortodoxo russo, atacou as linhas finais de Fausto (na tradução
russa) (Gth. Fst. 2.12102-11 [Trunz, p. 364]) em seu livro La Sophia (escrito
em francês), de 1876 (Slv. Soph. int. 1 [Rouleau, p. 78]). Philip Schaff, histo-
fiador americano-alemão reformado — enquanto lamentava que “G oethe
tivesse seu lado brilhante e obscuro nisso, disse que ele é todo natureza” sem
a especificidade da graça — via Fausto com o uma exceção porque a obra “se
move antes em elementos medievais” (Schf. Prin. prot. 2.5 [Mere. 1:182-83]) e
aplicou as palavras de Mefistófeles de que “um patife que especula é com o
um animal” (Gth. Fst. 1.1830-31 [Trunz, p. 60]) para a teologia e estudo
acadêmico protestantes alemães (Schf. Prin. prot. 2.5 [Mere. 1:205]). Edward
Bouverie Pusey, o pai fundador do Movimento Oxford em Anglicanismo,
escrevendo enquanto G oethe ainda estava vivo, chamou Goethe de “um dos
maiores observadores filosóficos da Alemanha” que encontrara “no debate
da fé e da descrença” úm “grande plano” e “o único e mais profundo tema
da história do mundo e do hom em ” (Pus. Hist. 1 [1828-1:4-5]). Para S0 ren
Kierkegaard, Fausto era “um cético par excellence‫״‬, uma expressão apropriada
para uma “época em que de fato todos tinham dúvida”, embora ele tenha
ficado desapontado com o fato de faltar ao retrato dele feito por Goethe
“uma percepção psicológica mais profunda na conversa secreta da dúvida
consigo mesma” (Kierk. Fr. bv. 2.3 [Drachmann 3:155]).
Na virada do século (veja p. 291-92 abaixo), A d olf Harnack tirou o tema
para suas palestras sobre A essência do cristianismo (Harn. Wes. 1 [1901:2]) das
palavras de G oethe, ditas apenas onze dias antes da morte daquele, palavras
essas também citadas pelo protestante liberal Albert Schweitzer (Schw. Gth.
[1953:75]) e pelo teólogo católico-romano Karl Adam (que em outro lugar
chamou Goethe de “o velho mestre” [Adm. Chr. 18 (1954:265)]) na discussão
da “perfeição ética da humanidade de Cristo” (Adm. Kath. 2 [1949:31]): “A
Έ, mísero eu, da teologia
1ψ 55
* *

mente humana não avançará além da grandeza e elevação moral do cristianis-


mo, conforme brilha e cintila nos evangelhos” (Gth. Eck. 11 .iii. 1832 [Houben,
p. 584]). Harnack colocou várias citações de G oethe com o epígrafes para
cada um dos volumes de sua História do dogma (Harn. DG. [1931-1:158,1931-
11:2, 1931-111:2]). E Karl Barth — embora não tenha incluído um capítulo
sobre G oethe e a teologia cristã em seu livro Teologiaprotestante no século X IX ,
a despeito de que “não estivesse totalmente despreparado para fazer isso na
época” (Brth. Prot. teol. pr. [1947:v]) (na verdade, estava mais bem preparado
que quase todos os outros) — invocou as linhas de Fausto citadas antes (Gth.
Fst. 1.570-73 [Trunz, p. 26]), sem nem mesmo identificá-las, para advertir seus
discípulos não menos que seus críticos (veja p. 359 abaixo) de que “todos que
estão confiantes, injustificavelmente confiantes, de que ‘deixamos as coisas
chegarem longe demais’ não estão mais em posição de levar a sério ‘ver como
já pensou um sábio antes de nós’ ” (Brth. Prot. teol. 1 [1947:5]).
Na primavera após a morte de Goethe, dois jovens teólogos protestan-
tes de fala inglesa, que presumivelmente não se conheciam, participaram no
culto de cerimônia de lava-pés da quinta-feira 4 de abril de 1833 na Basílica
de São Pedro, em Roma, o unitarista Ralph Waldo Emerson, que reconheceu
que “essas formas mexeram com igo mais do que esperava e, ainda assim,
elas ficam muito aquém do que deveríam” (Emer. Dia. 14.iv.1833 [Gilman
4:155]); e o anglicano John Henry Newman, que estava vibrando por estar
“na cidade à qual a Inglaterra deve a bênção do evangelho” (Newm. Dia.
4.ÍV.1833 [Dessain 3:272]), mas inquieto com as “superstições ou, antes
o que é bem pior, a recepção solene deles com o uma parte essencial do
cristianismo” (Newm. Ep. 7.ÜÍ.1833 [Mozley 1:370]). Emerson estava para
descobrir que G oethe “dissera as melhores coisas sobre a natureza que já
foram ditas” (Emer. Rep. h. 7 [Ferguson 4:158]); “o Antigo Gênio Eterno
que construiu este mundo”, declarou Emerson, “entregou-se mais a este
homem que a qualquer outro” (Emer. Rep. h. 7 [Ferguson 4:163]). Newman,
de sua parte, chamou G oethe (junto com Aristóteles, Tomás de Aquino e
Isaac Newton) de “verdadeiramente um grande intelecto e reconhecia ser
essa a opinião comum da humanidade”, embora estivesse “fora do âmbito
católico” (Newm. Id. univ. 1.6.5 [Ker 1976:121]) e tenha anexado citações
de um longo discurso sobre G oethe para a edição de 1852 de sua obra Ideia
de uma universidade (Newm. Id. univ. app. [Ker 1976:473-83]). A ambivalência
sugerida pelas declarações do Fausto, de Goethe, sobre a dúvida e a tradição
e pelas reações alternativas a ela é vista nos sistemas desses dois pensadores
do século X IX que, por sua vez, são vistos com o porta-vozes para a relação
da doutrina cristã com a cultura moderna.
56 ♦♦♦
ψ
Έ , MÍSERO EU, DA TEOLOGIA‫׳‬

Emerson, ao dividir a história do Ocidente em três períodos — “o grego,


quando os homens endeusavam a natureza [...], o cristão, quando [...] [eles]
ansiavam por um céu fora da natureza e acima dela [...], [e] o moderno” —
definiu “o moderno” com o distinto de “o cristão”, com o o período “em que
as tendências idealistas demais do período cristão depararam-se com a doença
da hipocrisia, monasticismo e a igreja, demonstrando a impossibilidade do
cristianismo, forçou os homens a retraçar seus passos (Emer. Dia. KL. 1849.59
[Gilman 11:201]). Esse retraçar dos passos, acreditava ele, podería levar para
longe da tirania da tradição. “Por que será que não temos uma poesia e filosofia
de percepção, e não de tradição?” (Emer. Nat. int. [Ferguson 1:7]), perguntou
Emerson no primeiro parágrafo de seu primeiro livro. D a percepção viría a
integridade, a disposição de romper com a doutrina pública da igreja em nome
da convicção pessoal, conforme o próprio Emerson fez quando explicou
que não estava mais disposto a celebrar a ceia do Senhor, nem m esm o de
acordo com o ritual unitarista, porque “chegara à conclusão que Jesus não
pretendia estabelecer uma instituição de observância perpétua quando fez
a ceia de Páscoa com os discípulos” (Emer. Ceia [Centenário 11:4-5]). N o
entanto, por trás dessa conclusão repousa uma dúvida cada vez maior, que ele
compartilhava com Goethe, sobre toda a insistência do cristianismo histórico
quanto à particularidade de Jesus Cristo com o Mediador em nenhum outro
sentido além “do único sentido em que qualquer ser pode mediar entre Deus
e o homem — ou seja, um instrutor do hom em ” (Emer. Ceia [Centenário
11:18]). Era uma percepção de Jesus à qual ele deu uma expressão clássica
em sua obra Discurso para a escola de teologia atacando “o m odo tradicional e
limitado de usar a mente de Cristo” (Emer. Teol. [Ferguson 1:83-84]). Ainda
falando, assim afirmou ele, em nome do verdadeiro ensinamento de Jesus,
ele não só rejeitou os dogmas ortodoxos da Trindade e da pessoa de Cristo,
com o os outros unitaristas, mas em última análise rompeu com as definições
judaico-cristãs tradicionais da revelação histórica de Deus: “Ele fala, não
diz”(Emer. Teol. [Ferguson 1:89]).
O desconhecido irmão adorador de Emerson naquela quinta-feira de
lava-pés na Catedral de São Pedro, em 1833, estava pelo menos tão consciente
quanto ele da tensão entre a dúvida e a tradição, mas a partir dessa tensão ele
chegaria a conclusões diametralmente opostas. Newman, com o Emerson,
reconhecia com o válido o “reconhecimento da nossa impotência para resolver
questões graves e urgentes que têm satisfação própria” e, por isso, ele também
falava dos “prazeres da dúvida” (Newm. Gram. 6 [Ker 1985:137]). Ele, não
menos que Emerson, achava a noção de uma tradição estática inaceitável:
Έ, misero eu, da teologia

era um princípio universal, não menos aplicável ao cristianismo que a qual-


quer outra verdade, que “as verdades mais sublimes e maravilhosas, embora
transmitidas ao mundo de uma vez por todas por mestres inspirados, não
podia ser compreendida de uma vez pelos recipientes, mas [...] exige apenas
mais tempo e pensamento mais profundo para sua total elucidação” (Newm.
Des. int. 21 [Harrold, p. 28]). Para ele, isso sugeria uma atitude positiva em
relação à história com o meio para esse desenvolvimento da doutrina cristã
e, por conseguinte, com o a detentora da tradição. Mas também sugeria a
aceitação do caráter de com o a igreja encara a doutrina e, por essa razão, a
afirmação da autoridade da igreja, passada e presente. “D esde os meus 15
anos”, afirmou ele, “o dogma é o princípio fundamental da minha religião:
não conheço outra religião” (Newm .Apol. 2 [Svaglic, p. 54]).
Foi nessa tensão entre a tradição e a dúvida ou entre o dogma e o relativis-
mo que a história da doutrina cristã se desenvolveu durante os séculos XVIII,
XIX e XX; mas isso aconteceu com frequência enquanto ainda usava “o
modelo da sã doutrina” (2Tm 1.13) desenvolvido pela tradição. Assim, para
a ortodoxia oriental e também os reformados, “crença” e “confissão orto-
doxa” ainda eram inseparáveis (Eug. Bulg. Ort. 7 [Metaxas, p. 27-28]; Lmp.
Ghm. 16 [1719-11:1111-13]); os católicos-romanos continuaram a insistir na
distinção, também prevalecen te entre os anglicanos (Qnl. Exp. apol. [1712-
11:16]), entre opiniões de escolas e doutrina da igreja (Brnt. Rom. [1688:39];
Pus. Hist. 2.4 [1828-11:41-42]); e a distinção análoga entre “doutrina pública”
e “estudo privado” foi repetida pelos vários tipos de luteranos (Frnck. Meth.
3.31 [1732:206]; Sem. Erud. [1765-11:179-80]; veja vol. 1, p. 25; vol. 4, p.
58-60). Portanto, a frase “cremos, confessamos e ensinamos” era a fórmula
comum com que, ao longo de um livro inteiro, um oponente do pietismo
introduziu seu ataque ponto a ponto à doutrina do pietismo (Deutsch. Lut.
[1698]). “Confessamos, cremos e ensinamos” também foram as palavras com
que o principal intérprete do pietismo introduziu sua resposta ponto a ponto
a esses ataques (Spen. Gtts. 7 [1680:340-56]). U m inglês contemporâneo deles
mais jovem — ultrapassando a gama relativamente estreita das diferenças
doutrinais entre esses dois, os quais continuavam a afirmar a tradição ortodoxa
do Credo N iceno e até mesmo da Confissão de Augsburg — podería quase nas
mesmas palavras declarar que Deus queria que toda a humanidade “cresse [e]
professasse”, mas ele continuaria imediatamente para afirmar que Deus “não
lhes dera outros meios para isso além do uso da razão” (Tin. Cr. 1 [1730:6]).
Assim, esse é acima de tudo o período em que a tradição permaneceu em
tensão não só com a dúvida, mas também com a razão, incluindo a “razão
58 «£♦ E, MÍSERO EU, DA TEOLOGIA'

histórica”. Essa tensão tem produzido alguns dos sistemas mais fascinantes
e mais profundos de toda a história da filosofia, sistemas associados com
nomes com o de Descartes e Leibniz, Kant e Hegel. Contudo, esses sistemas,
com o tais, não são uma parte da história da doutrina cristã; nem, por sinal,
são os sistemas teológicos que se desenvolveram lado a lado com eles e, com
frequência, no diálogo com eles ou na dependência deles. Este livro, com o
seus predecessores, concentra-se em narrar a história do desenvolvimento
da doutrina da igreja; esforça-se (invocando uma analogia que pode ser útil
se usada com cuidado) para ser uma história do constitucionalismo, em
vez de uma história de teoria política. N ão apresenta a história da teologia
sistemática desde 1700, muito menos a história da teologia filosófica ou da
filosofia da religião (todas as duas merecem a cuidadosa atenção do estudo
acadêmico); mas, na melhor das hipóteses, lida com esses assuntos enpassant,
com o modelaram a história do “que a igreja cria, ensinava e confessava com
base na palavra de D eus” ou, ocasionalmente, com o foram modelados por
essa história. O livro continua a se concentrar no coro, e não nos solistas
(veja vol. 1, p. 25-32).
Mas os solistas têm com frequência corrido o risco de abafar o coro
(Dipp. Hrt. 2 [1706:26]; Sem. Erud. [1765-1:159]). Isso é especialmente ver-
dade em um período em que todas as igrejas veem com o “obrigação pregar a
notícia da redenção com o auxílio dos instrumentos de comunicação social”
(CVat. [1962-65]. 3. Int. mir. 1.3 [Alberigo-Jedin, p. 844]). Esses instrumentos
de comunicação, embora sejam sociais, também permitem às vezes a tendência
de desalojar o tradicional. Conforme seus praticantes começaram a perceber
nos séculos XVIII e X IX (Lamp. Ep. 12.x. 1825 [Forgues 13:137]; Zinz. Soc.
4 [Beyreuther 1-1:35]), é característico da teologia moderna usar revistas ou
periódicos com o um meio polêmico e publicar essas revistas [teológicas] e
brochuras sem numeração” (Lschr. Unfehl. pr. [1724:A4v-A5r]), que são dis-
tribuidas em todo o país em uma verdadeira “guerra da pena” (Engsch. Pet.
[1720:29]). Ao mesmo tempo, a história da teologia, no período moderno, é
usada com frequência com o um preâmbulo pelos teólogos sistemáticos; algu-
mas das contribuições mais brilhantes e de longo alcance vêm desse interesse.
Contudo, esse interesse também pode reduzir a perspectiva histórica ao tornar
um ou outro sistema atual na norma da história, com o quando um brilhante
teólogo do século X IX (veja p. 340-41 abaixo) identificou as três décadas
que antecederam sua própria época com um dos três principais períodos na
história da doutrina da expiação, junto com os quinze primeiros séculos da
igreja e os três séculos após a Reforma (Bau. Vers. int. [1838:15-16]).
Έ, mísero eu, da teologia 59

Ainda assim, esse também é o tempo em que a história da doutrina, mais


particularmente a “história do dogma”, passa a ser uma disciplina histórica
e teológica por si mesma (veja p. 129-46, 328-30 abaixo). Seus praticantes
também tentam com frequência justificar seus próprios sistemas teológicos
(às vezes, implícitos), mas o próprio relativismo em operação em alguns
desses sistemas os capacitam com frequência a fazer notável justiça às po-
sições históricas pelas quais têm pouca ou nenhuma simpatia pessoal. Na
presente narrativa, essa última maneira de fazer a história da doutrina, por
toda sua historicidade, desempenha um papel muitíssimo mais importante
que a primeira maneira, por todo seu brilhantismo; pois ela, às vezes quase
contra sua vontade, consegue ouvir o coro, em vez dos solistas. Todavia,
mesmo essa distinção entre o coro e os solistas exige mais refinamento. Há
alguns poucos solistas de várias épocas da história cristã cuja vida e ensina-
mento os transformaram, também no período moderno, em importantes
temas para o coro, em vez de principalmente para os solistas em si mesmos.
Os mais destacados entre esses, para as várias tradições, são: Orígenes de
Alexandria, entre os pais gregos (veja p. 137-38,175-76,285-86 abaixo), com
seus incontáveis discípulos mais ortodoxos (veja p. 173-75, 285-86 abaixo);
Agostinho de Hipona entre os pais latinos (veja p. 209, 245, 294 abaixo);
Tomás de Aquino entre os pensadores da Idade Média; e Martinho Lutero
entre os reformadores (veja p. 138-42, 209, 216 abaixo). Portanto, reiterada-
mente a história da doutrina da igreja, não menos que a história de sistemas
individuais, tem de se voltar para Orígenes e Agostinho, Tomás de Aquino
e Lutero e aos cursos subsequentes dos ensinamentos deles; mas, ao fazer
isso, é necessário examiná-los com a maneira com o o trabalho deles tem sido
um fator no desenvolvimento do ensinamento da igreja. Além disso, no caso
de cada um desses quatro, mesmo no caso de Orígenes, esse tratamento se
harmoniza com sua própria avaliação de seu lugar com o um “homem da
igreja” (Lub. Hist. esp. 2 [1950:47-91]).
Durante esse período, por conseguinte, o lamento de Fausto de que “Teo-
logia, com pena o digo” mostra ser muito humano e, consequentemente, o re-
conhecimento de que, na cultura moderna, a “tradição perdeu sua autoridade”
de tal maneira que a “história tem de ser forçada no serviço” determinado da
agenda doutrinai (Smith [1964], p. 55). Mas isso, por sua vez, podia levar — e
levou — a uma percepção mais profunda no desenvolvimento da doutrina
cristã (veja p. 334-41 abaixo) e, assim, a um novo reconhecimento, histórico
e até mesmo teológico, da tradição na qual repousa esse desenvolvimento,
mas em relação ao qual permanece em uma relação dialética.
/

A crise da ortodoxia oriental e


ocidental

Durante as convulsões da Reforma e da Contrarreforma, a igreja crista


e seu dogma, tanto no Oriente quanto no Ocidente, enfrentavam outra crise,
muito mais fatídica em suas implicações. Em 1667, o patriarcado de M oscou
excomungou os “antigos cristãos” que continuavam a despertar espanto por
seu zelo com o martírio (Slv. Rus. égl. 1.4 [Rouleau, p. 164]), por se oporem
às mudanças na liturgia ortodoxa russa e se separaram da igreja estabelecida
(Plot. Rask. [1902:12-14]). Quase na mesma época, o jansenismo na igreja
católica-romana, o pietismo nas igrejas luteranas e reformadas e o puritanis-
mo na igreja anglicana lidavam com um desafio fundamental às formas de
doutrina e de vida que tiveram origem nas determinações da Reforma no
Ocidente. E, tanto Oriente quanto Ocidente, começavam a reconhecer que,
além de todos esse desafios internos o que ainda tinha, em algum sentido, de
ser considerado a “família da fé” (G16.10), a própria existência da igreja e do
dogma, do século XVII em diante, poderíam confrontar a “lamentável visão”
(Sherl. Def. int. [1675:1]) de um ataque cada vez maior da cultura moderna
e do pensamento secular.
Por essa razão, no início do século XVIII, talvez ainda parecesse possível
para um bispo grego ortodoxo comemorar a Festa da Ortodoxia, o primeiro
domingo da Quaresma (Mmchi. Orig. ant. 1.1.10 [1749-1:74]; veja vol. 2, p.
166), expressando admiração pelo “crescimento da fé ortodoxa” (Men. Did.
2.1 [Blantês, p. 92]) porque a “heresia está diminuindo e a ortodoxia está
triunfando” (Men. Did. 4 [Blantês, p. 214]) — evidência de que a “ortodoxia
é totalmente divina” (Men. Did. 2.1 [Blantês, p. 97]). A meio mundo de dis-
tância, da perspectiva eclesiástica e doutrinai e também geográfica, os batistas
alemães, na Pensilvânia, podiam celebrar “o início desse século atual [XVIII]”
com o a época em que, por intermédio da criação, “junto com a instituição
convencional da igreja, as assembléias privadas”, conforme manifestado na
aliança mútua das oito pessoas que começaram o movimento, Deus revelou
62 A CRISE DA ORTODOXIA ORIENTAL E OCIDENTAL

mais uma vez sua graça (Mck. 1‫־‬/or. pr. [1774:A6v-A8r]). Contudo, todos
sabiam em todo lugar que a ortodoxia de qualquer definição confessional
estava sob cerco. Assim, o mesmo bispo ortodoxo do Oriente, mesmo en-
quanto proclamava que “a fé está triunfando de todos os lados” tinha de
lamentar que, “por causa de nossos pecados” (Men. Did. 2.1 [Blantès, p. 98]),
Constantinopla, “a rainha das cidades” e capital da ortodoxia bizantina, fora
conquistada e saqueada pelos mulçumanos (Men. Did. 1.5 [Blantès, p. 61]) e
que a fé ortodoxa ainda corria grave perigo (Men. Did. 4 [Blantès, p. 214]).
N a maioria dos países do Ocidente, havia um sentimento semelhante
de crise entre os defensores da ortodoxia e também entre os que a despre-
zavam (Drnd. Diss. pr. [1703:A4r]; Cone. Re¿, riv. 1.2 [1754-1:8-21]; Mos. Tol.
2 [1722:4-6]). “Um dilúvio de tudo que é mal inundou a cristandade e ainda
inunda na maioria dos lugares”, observou a mais importante publicação do
deísmo inglês (Tin. Cr. 11 [1730:165]); “mal há quem se importe com algum
tipo de cristianismo, que dirá com a ortodoxia”, era a versão protestante (ap.
Nmnn. Spen. [1695:10]); em território de fala francesa, quer católico-romano
quer protestante, “todos os cristãos ortodoxos na sã doutrina” eram adverti-
dos contra aqueles que “até nossa época” continuavam a se “revoltar contra
a fé” por causa de sua convicção de que “todas as fés estão exauridas” (Byl.
Com.phil. pr. [1713-1:91]) e que “a maioria das igrejas cristãs [...] [do] nosso
século” estavam em declínio (Ost. Corrupt. 2.1 [1700-11:10-11]); e na Escan-
dinávia, foi necessário protestar contra um ataque ao “escolasticismo” que
era de fato o alvo de qualquer teologia sistemática ortodoxa (Casp. Beyl. 8.14
[1724:55]). O clero, em meio ao declínio geral do prestígio de todas as ordens
estabelecidas da sociedade, estava na pior condição de todos (Pet. Hch^t.
5.16 [1701:172-73]). A doutrina ortodoxa — a despeito da proliferação sem
precedentes (ou talvez por causa dela) de “guias, catecismos, confissões de
fé ou de doutrina, livros simbólicos, hinários, etc.” teológicos (Sem. Re¿. 18
[Schütz, p. 138]) — não podia mais exigir respeito universal. Um teólogo, ao
pregar em 1700, advertiu que “Satanás está usando todos os artifícios para
exterminar a doutrina luterana da fé” (Mayr. Red. 3 [1702:343]), e fez outra
advertência ao dizer “hoje, neste exato local”, ninguém podia dizer para sua
congregação o que o apóstolo Paulo dissera: “Vocês todos são filhos da luz,
filhos do dia” (lT s 5.5; Frnck. Pred. Epiph. 5 [1700:10-11]). Em 1696, John
Toland, em tom de desafio (e de forma enfática), declarou: “N ão reconheço
nenhuma ortodoxia além da verdade” (Tol .Mist. con. [1696:175]); no mesmo
ano, um defensor suíço da ortodoxia reformada criticou o excesso de zelo
polêmico daqueles que se consideravam “os sustentáculos da ortodoxia e
A crise da ortodoxia oriental e ocidental ♦% 63
Ψ

os principais pilares da causa crista” (Wer. Diss. 18 [Ryhinerus 1:329]); três


anos depois, um crítico pietista radical atacou com o “insensata” a prática de
“chamar uns aos outros de irmãos em Cristo apenas por causa da existencia
de uma harmonia na nossa confissão de doutrina” (Dipp. Ort. 6 [1699:93-
94]); em 1700, um defensor do jansenismo declarou sua recusa em admitir
qualquer “autoridade humana para compelir o espírito humano a acreditar
em algo contrário à evidência” (Qnl. Clém. IX. pr. [1700:xxxvi]); e em 1716,
um importante estudioso católico-romano de liturgia advertiu que sem uma
apreensão melhor do cristianismo oriental seria impossível entender a con-
tinuidade da igreja “ininterrupta desde os tempos apostólicos tanto na fé
quanto na disciplina” (Rndt. Lit. Or. pr. [1716-I:A2r]).
Embora todas as denominações cristãs, no final do século XVII, estives-
sem sob ataque por causa de sua doutrina, a ortodoxia da comunhão anglicana
vivenciava a crise de ser, de formas especiais, “impugnada pelos de fora dela
e traída pelos de dentro” (Sth. Animad, pr. [1693:1]), e ela respondeu à crise
com declarações de fé que falavam também pela maioria do resto da igreja.
“Em nenhum lugar a religião reformada passou por mudanças mais notáveis
desde que surgiu”, com entou um professor reformado da Holanda, “do que
na Inglaterra” (Lmp. Ghm. 11,12 [1719-1:688,762]); o erro “fez o maior avanço
na Igreja da Inglaterra”, que era o assento do deísmo (Gaz. Prael. 1.1.2.3 [1831-
1:44-45]; Cone. Rei. ria 2.2.1 [1754-1:239-44]; Tor. Car. 2.4 [1779-11:252]). O
anglicanismo tinha a reputação — louvável para alguns, censurável para outros
— de ignorar os dogmatistas mais recentes em favor dos escritores patrísticos
(Reim.Apol. 1.1.4.8 [Alexander 1:133]; Byl. Com.phil. pr. [1713-1:97]), de tolerar
pontos de vista diferentes ou até mesmo contraditórios (enquanto se opõe
fanaticamente ao catolicismo-romano) (Span. Exerc. acad. 1.1 [Marck 3:529]
Mos. Tol. 11 [1722:52-55]) e, por conseguinte, de oscilar de um extremo dou-
trinal a outro (Pff. Hist., teol. prol. [1724-1:36-37]). O anglicanismo, pensavam
alguns, era “naturalmente inclinado” (Spen. Bed. 1.1.34 [Canstein 1:203]) a
cultivar visões e revelações privadas (Gtti. Coll. 2.4.9 [1727:344]). D o lado
positivo, a Sociedade para Promoção do Conhecimento Cristão (Hrn. H. e.
3.3.13 [Leydecker 1:396]), instituída em 1698, conquistou a admiração de
europeus (Nad. Kouak. 2 [1699:9]; Zinz. Zst. 32 [Beyreuther 3-11:255]) pelo
“zelo que não se restringe às necessidades da Inglaterra, mas alcança as terras
estrangeiras” (Ost. Cat. ep. ded. [1747:v]), e os livros ingleses contribuíram
para a devoção pietista no Continente (Frnck. Meth. 3.29 [1723:187-88]; Frnck.
Pred. Trin. 2 [1699:52-53]; Zinz. Soc. [Beyreuther 1-1:98-99]).
64 ♦jfc· A CRISE DA ORTODOXIA ORIENTAL E OCIDENTAL

A igreja inglesa resistiu à classificação sob a rubrica de símbolos compa-
rativos (veja vol. 4, p. 58-59) e “nosso clero, embora seus \39\ Artigos calvi-
nistas continuem os mesmos varia tanto nas doutrinas quanto na disciplina”
(Tin. Cr. 13 [268-87]). Por isso surgiu a reputação de que, “na Inglaterra, só
diferíamos quanto às formas de governo e adoração e sobre coisas que, por
sua própria natureza, eram indiferentes” enquanto deixavam sem resolver
“assuntos de grande importância” na doutrina (Brnt. Art. X X X IX pr. [1700:ix-
x]; Hcks. Cat. pr. [1710:v]). Pelo fato de “a teologia moderna ter começado
na Inglaterra na virada do século XVII para o XVIII” (Frei [1974], p. 51), a
resposta anglicana à crise da ortodoxia, datando do século XVII e às vezes
até mesmo do século XVI, com frequência antecipava a ênfase doutrinai
que só foram desenvolvidas em outras tradições denominacionais durante
o século XVIII. Tentamos, ao usar com o subtítulos neste capítulo os títulos
de livros que apareceram na Inglaterra antes mesmo que a agudeza da crise
fosse reconhecida por todos, lidar com a posição única do anglicanismo e
seus desdobramentos e, ao mesmo tempo, examinar em todas as igrejas a
natureza da crise doutrinai a fim de assim entender, na narrativa subsequente,
a natureza da resposta à crise.

Apologia da igreja
Gilbert Burnet, bispo de Salisbury, ao escrever sua exposição dos 39
Artigos da Igreja da Inglaterra exatamente na virada do século XVIII, recorda
“o primeiro e, na verdade, o melhor escritor da época da rainha Elizabeth”,
John Jewel, também bispo de Salisbury, “a eterna honra da diocese em que
a providência de Deus me colocou e também a era em que ele viveu” (Brnt.
A rt. X X X IX pr. [1700:iii]). N ão por causa de sua qualidade literária, mas por
causa de sua qualidade de membro da igreja e doutrina é compreensível que
a obra Apologia da Igreja da Inglaterra, de Jewel, de 1562, ainda era considerado
relevante para a crise de 1700. Sua defesa da igreja antecipou muitas das ques-
tões com as quais não só o anglicanismo, mas todos os tipos de cristianismo
eclesiástico estariam preocupados nessa crise. E a igreja, agora ainda mais
que na época da Reforma, precisava defender não só essa ou aquela igreja
(Hcks. Ltrs. 5 [1705:84-85]), nem mesmo essa igreja contra aquela, mas a
própria ideia de que “estamos unidos a Cristo por nossa união com a igreja
católica visível ou invisível, a qual inclui necessariamente nossa irmandade
e sociedade visíveis com essa igreja em particular na qual vivem os” (Sherl.
Def. 5 [1675:433]), mesmo que essa igreja com o instituição fosse autoritária
e governada pelo clero (Lang.M ttl. 1.3 [1712:12]), politicamente estabelecida
Apologia da igreja
♦ 65
♦♦♦

e “cesaropapista”, supersticiosa na piedade e ortodoxa no dogma (Spen. Pt.


Des. [Aland, p. 15]; Lschr. Pens. [1724:19, 24-26]; Dipp. Hrt. 2 [1706:21]).
A “controvérsia bangoriana” deflagrada em 1717 por um sermão do
bispo anglicano de Bangor, Benjamin Hoadly, sobre “A natureza do reino,
ou igreja, de Cristo” pareceu para seus críticos envolver não só a questão
política da Igreja e do Estado, mas também a questão teológica da validade
e visibilidade da igreja institucional com o tal (Lw. Bngr. 3 [Moreton 1:106]).
Hoadly atacou, com o um dos “erros mais grosseiros de julgamento sobre a
natureza do reino, ou igreja, de Cristo”, a tendência de fazer analogias entre
o reino, ou igreja, e “outras sociedades visíveis” (Hdly. Kngdm. [1717:24]).
Isso lhe trouxe a acusação de depreciar “a autoridade da Igreja da Inglaterra”
(Shriek. Bngr. [1717:27]), embora seus defensores tenham descartado essas
acusações com o “muito mais consistentes na boca de um papista confesso
que na de um ministro de uma igreja protestante e, em particular, da Igreja da
Inglaterra” (Brnt. Trp. [1717:16]). Ele também foi atacado pela “liberdade que
toma com os pais da igreja primitiva” e com a confissão tradicional de toda
a igreja (Shriek. Bngr. [1717:23]), mas ele declarou estar apenas advertindo
contra “alguns cristãos confessos que combatem abertamente em prol dessa
autoridade enquanto obrigam necessariamente todos a sua volta à unidade
de profissão, ou seja, a professar m esmo o que não acreditam ser verdade, o
que não podem acreditar ser verdade” (Hdly. Kngdm. [1717:27-28]).
Jewel estava preocupado em definir a igreja com o “não fechada [...] em
um canto ou reino, mas [...] católica e universal e dispersa por todo o mundo”
(Jwl.Λροί 2 [Booty, p. 24]). A definição da igreja, no final do século XVI — e
continuava a ser no final do século XVII (veja vol. 4, p. 329-43)— era parte
integral de qualquer defesa dela. Contudo, repetindo as definições da Reforma
provenientes de uma competição entre versões de “ortodoxia” assumiram
um tom diferente agora que havia uma “distinção [fundamental] entre a
igreja e a religião” (Zinz. Gespr. 11 [Beyreuther 1-111:95]), e a competição era
cada vez mais entre todas as versões de ortodoxia de um lado e sua rejeição
radical de outro lado. Tindal — adotando a definição nos 39 Artigos de que
“a igreja visível de Cristo é a congregação de fiéis em que a palavra pura de
Deus é pregada, e os sacramentos são devidamente administrados de acordo
com a instituição de Cristo” (Art. X X X IX . 19 [Schaff 3:499]) — perguntou:
“Todavia, ela [a igreja] não é considerada em todos os outros lugares pelo
clero?” (Tin. Cr. [13 [1730:319]). Mesmo quando a igreja era definida, nesse
caso pelos teólogos gregos ortodoxos, com o “falando estritamente, a reunião
dos fiéis” (Atan. Par. Epit. prol. 7 [1806:35]; Bulg. Kat. 27 [1940:55]), o resul-
tado final da definição era que “a igreja una, santa, católica e apostólica” foi
66 A♦ ACRISE DAORTODOXIAORIENTALEOCIDENTAL

equiparada, por outro teólogo grego ortodoxo, com “os bispos, presbíteros
e diáconos” (Eug. Bulg. Orí. 7 [Metaxas, p. 26]).
N ão obstante, a definição da igreja com o “uma sociedade de cristãos
unidos na mesma fé para adorar a D eus em conjunto” não põe a ênfase na
estrutura hierárquica e institucional da igreja (Brnt. Rom. [1688:48]). Quando
um porta-voz do protestantismo ortodoxo acrescentou à metáfora patrística
da igreja com o mãe (Cipr. Ep. 16.3 [CSEL 3:519]) a especificação de que a igre-
ja tinha de ser aquela que “instrui os filhos cristãos de Deus na teologia e em
todos os artigos de fé” (Deutsch. Lut. 1.3.1 [1698:19]), essa definição didática
e intelectualista não conseguiu reverter totalmente o sentido da metáfora. Os
pietistas radicais definiam a igreja com o “incluindo apenas os membros vivos
e santos tementes a D eus” (Dipp. Hrt. 1 [1706:1-2]), portanto, não incluindo
os membros mortos espiritualmente que mantinham apenas uma conexão
externa com ela, e eles encontravam “a verdadeira comunhão da vida de Jesus
Cristo” não nas igrejas estabelecidas, mas nos “sectários” da Reforma e em
“outros em meio ao silêncio na terra” (Dipp. Ort. 8 [1699:116-17]). Contudo,
se a igreja era definida com o “a assembléia dos fiéis que acreditavam em Jesus
Cristo” (Ost. Cat. [1747:58]) e s e essa igreja era identificada com o o corpo de
Cristo (Ost. D p serm. 6 [1722:210-13]), até mesmo um defensor da ortodoxia
tinha de reconhecer também que os cristãos errados ainda faziam parte desse
corpo místico (Wer. Diss. 24 [Ryhinerus 1:416]); inversamente, a posição dos
“cristãos que estão fora da igreja” era problemática para qualquer definição
(Sem. Erkl. 3 [1777:267-71]). O componente normativo da definição era
inevitável para a eclesiologia catóüca-romana, que defendia a visibilidade da
igreja verdadeira (Drnd. Fid. vind. 4.3 [1709:536-38]), mas argumentava que
“a igreja verdadeira não está presente entre os hereges” com o os luteranos
e os calvinistas (Bert. Teol. disc. 22.5 [1791-IV:277-79]), que pertenciam antes
à história do cisma (Pnch. Diet. [1736:443-58]).
Jewel, ao definir a igreja, protestou em resposta às acusações católicas-romanas:
“Com certeza, sempre julgamos que a igreja primitiva do tempo de Cristo, dos
apóstolos e dos santos pais é aigreja católica” (Jwl.Apol. 4 [Booty, p. 65]). Essa
identificação da “verdadeira igreja primitiva” (Span. Xen. 8 [Marck 3:1131 -32])
tanto com o a ideal quanto a norma era uma pressuposição compartilhada
por todas as facções no início do século XVIII. A declaração de Tertuliano, a
essa altura proverbial, de que “o sangue dos cristãos é semeado” (Tert. Apol.
50.13 [CCSL 1:171]), significava que a perseguição produziu firmeza na fé na
igreja da Antiguidade (Ors. 1st. 7.1 [1747-111:133-36]), sustentava a disputa da
nova Reforma de que a prosperidade e a aceitação política não tinham sido
Apologia da igreja ♦♦♦ 6/

benéficas para a igreja que esteve “em uma condição melhor e mais gloriosa
diante de D eus” quando foi perseguida (Spen. Pi. Des. [Aland, p. 11]). Basta
ler a história da igreja, conforme escrita por Gotfried Arnold (veja vol. 4, p.
442-43), para ver o contraste com o presente (Frnck. Bcht. [Peschke, p. 100]).
Uma análise crítica de com o a igreja é corrompida em cada era sucessiva
levou inevitavelmente à advertência de que essa queda da igreja aconteceria
mais uma vez nessa última era de sua história (Lmp. Ghm. 13 [1719-1:833-
34]). Os expositores do catolicismo-romano — citando testemunhos antigos,
como de Ireneu (Iren. Her. 3.3.1 [Harvey 2:9]), em favor da primazia romana
— equipararam “a igreja de Cristo verdadeira, incorrupta, pura e genuína”
(Gtti. Coll. 2.6.1 [1727:366]; Ors. 1st. 4.45 [1747-11:286-87]) a “essa igreja que
está em conformidade com a igreja primitiva dos quatro primeiros séculos”
(Ang. Sil. CTrid. pr. [1675:A4r]), a saber, a igreja deles mesmos. Todavia, em
muitos aspectos essa conformidade com a igreja primitiva, que já foi uma
questão nos debates eclesiológicos de antes da Reforma (veja vol. 4, p. 180-82),
começava a pertencer mais ao problema que à solução. Quando a pesquisa
histórica investigou as fontes de conhecimento do assunto (veja p. 136-38
abaixo), pareceu que o padrão do cristianismo primitivo foi abandonado pelas
eras subsequentes, talvez não pudesse mais ser identificado, muito menos
recuperado (Dipp. Hrt. pr. [1706:Blv]).
Entre os epítetos usados pelos críticos radicais em sua acusação de que
a igreja já caíra — incluindo títulos com o “nossa Israel baalita” (Dipp. Hrt.
pr. [1706-B2v]) — o favorito era “Babel” (Gn 11.1-9). A torre de Babel foi
o cenário da confusão original de línguas; no N ovo Testamento, “Babilônia”
era a palavra-código para “Roma” (pelo menos para a cidade, se não para o
papado) (Mayr. Red. 1 [1702:22]; Nmnn. Spen. [1695:36]; Gib. Dec. 15 [Bury
2:25]; Hrn. H. e. 2.3.6 [Leydecker 1:279]); “Caiu! Caiu a grande Babilônia” (Ap
14.8; 18.2 [Is 21.9]) é o canto de triunfo de Apocalipse, em que a “mornfa]”
igreja da Laodiceia representa “Babel” (Mrck. Apoc. pr. 14 [Velzen Clr]); e o
citadíssimo tratado de Lutero, de 1520, O cativeiro babilónico da igreja (veja vol.
4, p. 323) juntou essas conotações bíblicas de um m odo que transformou
o termo (a despeito “do jogo patético com as palavras ‘Bíblia’ [...] ‘Babel’ ”
[Sem. Rei. 20 (Schütz, p. 157)]) em um lema eficaz também para a exigência
de uma nova Reforma (Zinz. Soc. 25 [Beyreuther 1-1:257]). A antítese, formu-
lada no Apocalipse, entre a meretriz Babilônia e a noiva pura de Cristo tem
agora sua contraparte (Pet. Hch^t. 13.33 [1701:395-96]), e os pietistas radicais
acharam que “Babel” é um nom e adequado para todas as igrejas ortodoxas
(Dipp. Ort. 8 [1699:106]).
68 Λ♦ A CRISE DA ORTODOXIA ORIENTAL E OCIDENTAL

Os fundadores mais conservadores do pietismo foram acusados de seguir


o mesmo uso em suas críticas à ortodoxia, mas eles não chegariam a esse pon-
to (Albrt. Vind. 17 [1695:24]; Han. Consist. 15.iii.1703 [Neumeister, p. 103];
Lschr. Hor. [1734:30]). Philipp Jakob Spener (Spen. Beant. 2.23 [1693:127];
Lang. Mttl. 1.6 [1712:36]) expressou sua simpatia por esses romanos-católicos
que concluíram “que não existe mais nenhuma igreja pura na terra, que os
filhos de D eus ainda são cativos na Babilônia” (Spen. Pr. Des. [Aland, p. 40]).
Ele admitiu que “hoje também temos uma Babel” e perguntou: “Por que não
deveriamos também ter uma Jerusalém que pode estar em ruínas, mas ainda
assim é distinta da Babilônia”? (Spen. Bed. 1.1.25 [Canstein 1:138]; Schd .Jer.
2 [1696:E4r]; Zinz. Off. Red. 17 [Beyreuther 2-IV: 138-43]). August Hermann
Francke, ao observar que “a qualquer dia podemos ouvir muitas invectivas
sobre ‘Babel’ ” (Frnck. Zw. Anspr. [1701:7]), advertiu que “seria transformar a
igreja de Deus em uma Babel” se a promessa de que “haverá um só rebanho e
um só pastor” (Jo 10.16) passasse a ser um pretexto para juntar ovelhas e bodes
em um aprisco (Mt 25.32,33); e ele incita todos que “só falam sobre ‘Babel’
e sobre a corrupção externa” (Frnck. Pred. Mis. [1700:42]) a voltar-se para o
interior e “destruir a Babel existente ali” (Frnck. Pass. Marc. 1 [1724:27]). Os
defensores das igrejas estabelecidas, repudiando o epíteto com o uma “extrema
calúnia”, insistiram que eram “a verdadeira igreja de Deus [...] e não deviam
de m odo algum ser considerados com o ‘Babel’ ” (Deutsch. Lut. 2.7.3, 2.7.9
[1698:129, 132]), que era inadmissível transferir da “cidade de Roma” para
“as religiões cristãs” com o um todo (Beng. Brud. 1.3.30 [1751:235]).
Contudo, as religiões cristãs, obviamente, não eram mais um “todo”, não
mais um corpo místico de um único Cristo, mas uma multidão de corpos, con-
fissões e denominações de igreja competitivos e mutuamente excludentes. A
despeito do contínuo elogio para Jacques Bénigne Bossuet (veja vol. 4, p. 373),
autor da polêmica obra A história das variações das igrejasprotestantes (Rndt. Lit. Or.
pr. [1716-I:llr]), e da insistência de que os teólogos católicos-romanos “não
[estão] divididos nos assuntos que diziam respeito à fé e os quais são aceitos
pela igreja com o dogmas” (Drnd. Fid. vind. 3.55 [1709:515]), era até mesmo
possível no catolicismo-romano descrever os pontos de vista teológicos
conflitantes (veja vol. 4, p. 443-54) sobre os dons da graça com o “seitas de
católicos” e criticar Bossuet (Bert■Aug. 4.1 [1747-11:15]). Jewel tirou vantagem
dessa diversidade no catolicismo-romano (Bianch. Pot. 1.1.14 [1745-1:116-21])
para sustentar que, embora a “unidade e a harmonia façam mais bem em se
tornar religião, ainda assim a unidade não é a marca certa e segura por meio
da qual conhecer a igreja de D eus” (Jwl. Apol. 3 [Booty, p. 47]). D epois de
Apologia da igreja 69
quase dois séculos de incessante controvérsia desde a deflagração da Refor-
ma, a questão da unidade, em todo caso no protestantismo, parecia agora
mais urgente que essa: “Dificilmente havería uma bênção maior para a igreja
evangélica [protestante]” que sua reunião (Spen. Bed. 1.1.51 [Canstein 1:277]).
A despeito dos “infrutíferos” esforços para alcançar a união (do Coloquio
de Marburgo, em 1529, ao Coloquio de Torun, em 1645) (Lmp. Ghm. 12
[1719-1:754]; Span. Cont. [Marck 3:891]), havia um desejo por “uma união
da maioria das confissões entre os cristãos” (Hrn. H. e. 3.1.21 [Leydecker
1:320-21]; Brand. Dr. Con. 3 [1695:F2v-llv]) combinado com o senso de
que “a principa1 maneira de alcançar a união, e a única que D eus abençoaria,
talvez fosse esta: que não apostemos tudo na argumentação” (Spen. Pi. Des.
[Aland, p. 63-64]).
Quando um teólogo reformado irenista declarou que “os reformados
estão um tanto mais próximos da paz” (Wer. Diss. 25.1 [Ryhinerus 1:434])
enquanto “os luteranos em sua maioria estão mais distantes dela”, essa foi
uma acusação que os luteranos confessionais receberam com o elogio (Lschr.
Pens. [1724:36]; Schwrd. Comm. [1707:Ar]). O irenismo reformado estimulava
uma “tolerância eclesiástica” em que os dois lados “reconheceríam que per-
tencem à sociedade da mesma igreja católica” (Strim. Un. Ev. 2.1 [1711:53]);
“aqueles que são um na fundação da fé cristã” também eram “um na cari-
dade cristã e fraternidade da igreja” (Strim. Un. Ev. 2.7 [1711:67]), deixando
livres “os dogmas menos fundamentais” (Strim. Un. Ev. 2.10 [1711:74]). Há
um sentimento difundido, mesmo entre os proponentes de pontos de vista
divergentes, de que os rótulos confessionais oriundos da Reforma faziam
cada vez menos sentido (Zinz. Penn. Nach. [Beyreuther 2-11:51-52]; Tol. Mist.
pr. [1696:xxx]; Spen. Bed. 1.1.32 [Canstein 1:199]), agora que todas as igrejas
eram “seitas” e as diferenças nas denominações, de muitos modos, eram mais
profundas que as diferenças entre eles (Zinz. Zst. 3 [Beyreuther 3-11:20-21]).
Mesmo na doutrina da pessoa de Cristo, cujas disputas sobre a presença real
na eucaristia se tornaram uma questão central entre os calvinistas e os lute-
ranos (Strim. Un. Ev. 2.3 [1711:58-59]; veja vol. 4, p. 422-29), considerava-se
agora haver uma concordância nos pontos essenciais ou, de todo modo, um
reconhecimento de que certas questões cristológicas — com o a transmis-
são da ubiquidade da natureza divina de Cristo (veja vol. 4, p. 427-28) para
sua natureza humana (Sem. Calv. [1788:29]) — não eram artigos de fé, mas
“apenas opinião teológica” e não afetavam a salvação (Span. Cont. [Marck
3:892]). Em suma, havia um “consenso fundamental entre os protestantes”
(Strim. Un. Ev. 2.3 [1711:23-25]; Lmp. Teol. rud. 2.19 [1729:20]).
70 A CRISE DA ORTODOXIA ORIENTAL E OCIDENTAL

N ão foi percebida a existência de nenhum consenso fundamentai entre


o protestantismo e o catolicismo-romano ou a ortodoxia oriental (Spen.
Bed. 1.1.12 [Canstein 1:85]; Wlch. Pol. 3.1.12, 5.5 [1752:579-80, 1148]). Os
proponentes da união dos protestantes eram com frequência os mesmos que
objetavam o “remanescente do papismo” nessas igrejas (ap. Deutsch. But.
2.15.3 [1698:158]), com o os anglicanos e luteranos que, ao tirar “conclusões
papistas dos princípios protestantes”, retinham mais da doutrina e prática
medievais que os outros (Tin. Cr. 13 [1730:299]). “Separamo-nos de fato”,
insistia Jewel, “não com o os hereges fazem de praxe, da igreja de Cristo, mas
com o todos os homens de bem devem fazer, da contaminação de homens
perversos e hipócritas” (Jwl. Apol. 4 [Booty, p. 65]). “A igreja luterana ou
calvinista [...] é antiga ou nova?” era o enganoso dilema (Span. Xen. 1 [Marck
3:1119-22]), e em resposta à provocação: “Onde estava sua igreja antes?”
(Ang. Sil. CTrid. con. [1675:87v], o sucessor de Jewel podia responder: “Onde
está agora, aqui na Inglaterra e nos outros reinos do mundo; só que antes
estava corrompida e agora está pura” (Brnt. A rt. X X X IX . 19 [1700:183];
Hcks. Ltrs. 2 [1705:43-44]). Por isso, William Chillingworth, que mudou do
anglicanismo para o catolicismo-romano e voltou atrás de novo (veja vol. 4,
p. 418), “sobre essa fundação [...] construiu a defesa mais sólida e racional
da causa protestante já oferecida ao público desde a Reforma” (Mid. Mir.
int. [1749:cxi]; Hcks. Ltrs. app. 2 [1705:Aa3r-Aa5v]). D a mesma maneira, os
defensores da Confissão Augsburg aceitavam o rótulo de “luteranismo antigo
católico” (Lschr. Unfehl. 9 [1724:68-69]), e os calvinistas reivindicavam a con-
tinuidade “da doutrina e da disciplina” com a igreja da Antiguidade (Mrck.
Comp. 32.13 [Velzen 18:637]).
A infalibilidade era a questão à qual a controvérsia entre os protestantes
e os católicos-romanos inevitavelmente voltava, embora alguns críticos não
vissem “nenhuma diferença entre a infalibilidade papista e ser obrigado a
concordar cegamente com as decisões de protestantes falíveis” (Tol. Mist. pr.
[1696:xvi]). Enquanto alguns exegetas protestantes examinassem o principal
texto-prova, Mateus 16.18,19, sem polêmicas contra as reivindicações papais
(Ost .Arg. ref. Mt 16 [1720-11:26]; veja vol. 1, p. 353,54; vol. 2, p. 178-90; vol.
3, p. 78-79; vol. 4, p. 178,79,338-42), outros fizeram a “distorção” (Marck. Sjl.
5.13 [Velzen 15:173]; Span. Εν. vind. 3.1-3 [Marck 3:345-440]) da passagem na
principal questão e, embora reconhecessem que havia “algum tipo de respeito
especial pelo próprio Pedro” nessas passagens (Lang. Paul. 1.13 [1718:31]),
repetiram a identificação da “rocha” sobre a qual Cristo edifica a igreja não
com o a pessoa de Pedro ou de seus sucessores, mas “a doutrina que Pedro
Apologia da igreja

confessava” (Lschr. Unfehl. 2 [1724:8]). Os críticos da infalibilidade papal no


catolicismo-romano usaram a passagem para provar que não havia garantia
de infalibilidade para o sucessor de Pedro (Bl. Unfehl. 2 [1791:11-20]). Além
disso, o próprio Concilio de Niceia não afirmou a infalibilidade (Bl. Unfehl.
13 [1791:146]), e os pais da igreja argumentaram em favor de sua doutrina
com base na “sucessão ininterrupta de mestres” na tradição cristã, em vez
de com base em uma teoria de infalibilidade (Bl. UnfehlAO [1791:123]). Se
houvesse essa teoria da infalibilidade, com o distinta de indefectibilidade, será
que tinha de ser predicado do papa (Hcks. Ltrs. 1 [1705:27-33]; Mrck. Comp.
32.22 [Velzen 18:646]), do consistorio ou do concilio geral (Lschr. Unfehl. 1
[1724:1])? Fundamentalmente, também de acordo com os católicos-romanos
ortodoxos, foi para a verdadeira igreja, com o “coluna e fundamento da ver-
dade” (lTm 3.15) (que os protestantes aplicavam ao eleito, e não à instituição
“externa”) que a promessa de indefectibilidade fora feita (Mrck. Exeg. exerc.
44.3 [Velzen 9:705-6]; Wlch. Pol. 3.2.3.2 [1752:655-56]), que “ela nunca erraria
em fé e adoração” (Amrt. Gut. 1753 [Friedrich, p. 35]); mas essa promessa,
de acordo com os apologistas católicos-romanos, pertencia à “infalibilidade
da sé apostólica” (Bert. Teol disc. 3.11 [1792:1:153]). Os oponentes do jan-
senismo foram acusados de defender “uma nova [teoria] de infalibilidade”
por meio da qual “enquanto a igreja decide com autoridade infalível sobre
assuntos de fé”, o papa decide também sobre assuntos de fato com “a mesma
infalibilidade de Jesus Cristo” (Qnl. Clém. IX. pr. [1700:viii]; Qnl. Déf. égl rom.
1.5 [1697:96]; Leyájans. 1.1.16 [1695:69]).
O aumento do estudo acadêmico histórico durante o século XVIII (Mos.
Vind. disc. 1.8.5 [1722:220-21]), que compeliu os protestantes a reconhecer a
antiguidade da autoridade papal (Ors. 1st. 3.20 [1747-11:56]) e estimulou os
católicos-romanos a catalogar todas os antipapas (Pnch. Diet. [1736:31-46]),
deu mais proeminência aos vários dados da história da igreja que pareciam
refutar a doutrina da infalibilidade da igreja ou do papa: o milenarismo “mes-
mo nas primeiras eras, e nos trinta ou quarenta anos após os apóstolos” (Mid.
Mir. 3 [1749:51]); o prefácio de Orígenes para Sobre osprimeirosprincipios (veja
vol. 1, p. 125-31), uma das primeiras e mais sistemática discussão patrística da
autoridade na igreja, que não fala sobre a infalibilidade da igreja (Bl. UnfehlAO
[1791:110-14]); a história da lei canônica (veja vol. 4, p. 170-72), incluindo
os decretos forjados, bem com o a provisão familiar de que o papa podia ser
deposto se caísse em heresia (Bl. UnfehlAO [1791:225]; Mayr. Pont. rom. 1.4
[1690:11-12]; Cmrda. Const, ap. 2.35, 2.40 [1732:254, 265]); a contradição (a
despeito de estarem ligadas com o autoridades) entre o Segundo Concilio
A CRISE DA ORTODOXIA ORIENTAL E OCIDENTAL

de Niceia, em 787 (Drnd. Fid. vind. 3.31 [1709:455]), que aprovou o uso
de icones, e o Sínodo de Frankfurt, em 794 (Lschr. Unfehl. 9 [1728:65-66]),
que não aprovou o uso de icones (veja vol. 4, p. 171); o erro do papa João
XXII sobre a doutrina da visão de Deus, que exigia justificação (Gaz. Prael.
2.3.14.348-50 [1831-11:84]; veja vol. 2, p. 170-74; vol. 4, p. 171, 413); e o
caso da obra do papa H onorio I (Drnd. Diss. 1.2 [1703:7]) que — a despeito
dos esforços para rejeitá-la fundamentando-se no fato de que o Concilio de
Constantinopla, em 681 (Seem. Ep. 31 .iii.l 775 [Friedrich, p. 38]), não eraum
concilio ecuménico legítimo ou de que o texto de seu Atos fora corrompido
(Coz. Graec. 2.17.830-97 [1719-1:339-59]) — continuava firme, com o esteve
no Primeiro Concilio Vaticano, em 1870, com o evidência de que Honorio
“fora e permanecera um herege e papa ao mesmo tem po” (Lschr. Unfehl. 8
[1724:57]; Span. H e. 7.9 [Marck 1:1227-28]; veja p. 311-13 abaixo).
Conforme indicava o uso de argumentação semelhante contra “toda a
igreja grega” pelo catolicismo-romano (Lschr. Unfehl. 8 [1724:56-57]; Allat.
Purg. 3 [1655:3-9]), a condenação de H onorio fazia parte dessa “hostilidade”
e também historias separadas por meio das quais a cristandade oriental e
ocidental foram gradualmente se afastando uma da outra (Allat. Perp. cons.
[1655:590]). Agora, mil anos depois, o reconhecimento mais profundo do
que esse afastamento custara aos dois lados e também do novo tempo de
crise em que os dois tinham entrado ajudou a trazer, dos dois lados, uma
nova consciência das afinidades, apesar de não ter trazido automaticamente
qualquer nova simpatia (Pff. Hist. teol. 3.6 [1724-11:32-37]; Zinz. Gespr. 14
[Beyreuther 1-111:122]; Hcks. Ltrs. 7 [1705:151]). Os católicos-romanos que,
pelo menos, simpatizavam com as liturgias orientais criticavam os protestantes
por sua ignorância desses materiais (Rndt. Lit. Or. pr. [1716-I:02r]), que alguns
protestantes citavam com o evidência de que a adoração pagã sobrevivera ali
disfarçada de cristã (Mid. Ltr. Rom. [1729:50-51]). Os teólogos ortodoxos
orientais, com o Feofan Prokopovic, o arcebispo de N ovgorod que fora por
pouquíssimo tempo um católico-romano, publicou defesas e descrições da
ortodoxia em latim (Mak. Kv. A k. 2.3, 3.2 [1843:97-100,158]), que desperta-
ram a admiração de estudiosos ocidentais (Wlch. Spin 9.7 [1751:163]) e fez
com que ficasse mais fácil para eles entenderem a doutrina ortodoxa, em uma
época na qual o conhecimento do grego estava em declínio e o conhecimento
do russo era praticamente inexistente no Ocidente.
Pelo menos algumas das histórias da igreja oriundas do meio acadêmico
ocidental prestaram homenagem ao patriarca Fócio com o teólogo e membro
da igreja (Lmp. Hist. 2.8 [1747:207]), embora outros continuassem a polêmica
Apologia da igreja ♦> 73

contra ele (Allat. Perp. cons. [1655:589]). Os estudiosos orientais retribuíram


ao prestar atenção — específica, embora crítica — “aos escolásticos em
meio aos latinos” (Atan.. Par. Epit. pr. [1806:v]). Eles — em oposição as
reivindicações papais de monarquia (veja vol. 2, p. 184-86) — continuaram
a enfatizar a doutrina da pentarquia (Eug. Bulg. Ort. 8 [Metaxas, p. 30-31]),
incluindo a primazia original de Jerusalém (veja vol. 1, p. 34, 354) e a fun-
dação lendária da sé patriarcal de Bizâncio-Constantinopla pelo apóstolo
André (veja vol.2, p. 189); a eclesiologia catóüca-romana rejeitava tudo isso
com base em fundamentos tanto históricos quanto teológicos (Coz. Graec.
1.3.21-34 [1719-1:5-7]; Nrs. Sjn. quint. 10 [Berti 2:105]). “N ão há”, insistiam
os porta-vozes para o Oriente, “nenhuma administração monárquica na igreja
de Cristo”, conforme argumentavam os papistas ocidentais (Atan. Par. Epit.
prol. 8 [1806:41]). Antes, era a autoridade compartilhada de Roma, Constan-
tinopla, Jerusalém, Alexandria e Antioquia, com o as cinco sés patriarcais, e
a autoridade dos sete concilios ecumênicos (embora não dos Concilios de
Florença e de Trento) que deviam prevalecer (Eug. Bulg. Ort. 8 [Metaxas, p.
31-34]). Os estudiosos ocidentais responderam não só afirmando a autori-
dade desses concilios ecumênicos pela própria posição deles (Allat. Man. 31
[1658:219-35]), mas observando que o cesaropapismo dos poderes seculares
no Oriente capacitavam, por exemplo, o grande duque de M oscou a decretar
leis severas contra os dissidentes (Byl. Com. phil. 1.6 [1713-1:220]). Mas o
“cesaropapismo” era uma acusação que podia ser dirigida também contra
algumas formas de organização e política protestantes (Spen. Pt. Des. [Aland,
p. 15]; Lschr. Pens. [1724:19, 24-26]; Dipp. Hrt. 2 [1706:21]).
Os protestantes ortodoxos (e menos que ortodoxos) — embora reconhe-
cendo o papel dessas questões da autoridade papal e conciliar (Span. H. e. 9.8
[Marck 1:1312]; Wlch. Spir. 3.4 [1751:55]) desempenharam na controvérsia
sobre a processão do Espírito Santo “desde o Pai e o Filho [ex Patre F 1lioque\
(veja vol. 2, p. 202-16) — continuaram a “receber o Credo de acordo com o
o uso das igrejas ocidentais” (Brnt. A rt. X X X IX .5 [1700:70]; Wlch. Spir.
10.1 [1751:166]; Baum. Pred. 1.3 [Kirchner 1:68]; Terst. Abr. 1.3.6 [Becher
2:50]); os católicos-romanos, ao defender, tanto da perspectiva procedimen-
tal quanto doutrinai, o acréscimo da frase ao Credo N iceno (Coz. Graec. 3.9
[1719-11:33-52]; Bert. Teol. disc. 7.19, 9.4 [1792-11:64-65, 109-10]), reconhe-
ceram isso com o um dos poucos pontos reais de diferença e denunciaram a
percepção grega com o “heresia” (Drnd. Fid. vind. 1.16 [1709:52]). Uma das
questões mais importantes era se os teólogos ocidentais tinham justificativa
ou não em citar a autoridade dos pais gregos do século XTV para a posição
74 * A CRISE DA ORTODOXIA ORIENTAL E OCIDENTAL

que defendiam (Allat. Man. 8 [1658:37-40]). Atanásio de Paros, polemista


ortodoxo grego (cuja vida se estendeu pela maior parte do século XVIII),
considerava o Filioque importante o suficiente para ocupar o capítulo mais
longo da sua obra Epítome ou Coletânea dos dogmas divinos dafé (Atan. Par. Epit.
1.2.7 [1806:162-203]), atacando-o com o uma “inovação” e prosseguindo para
“acusar os latinos de introduzir esse novo dogma no ensinamento comum
da fé” (Atan. Par. Epit. 1.2.7 [1806:164,191]).
A ortodoxia oriental, além dessa objeção processual ao Filioque (Sheri.
Find. 3 [1690:34]), que era teológica, e também por causa de sua oposição à
“adição ou subtração” ao credo (Strz. Man. 5.2 [1828:196]), atacava o Filioque
com fundamentos teológicos-trinitários. N a Trindade, o Pai “só é o princípio,
e a fonte e a causa”; por conseguinte, o Espírito não procedia do Pai “depois
do Filho”, mas antes “com o Filho” (Eug. Bulg. Ort. 2 [Metaxas, p. 13-15]).
Os teólogos católicos-romanos negavam que a partir do Filioque “seguia-se
necessariamente que há duas causas na Trindade” (Allat. Man. 13 [1658:65-69];
Allat. Syn. Eph. 70 [1661:544]; Coz. Graec. 3.9.226 [1719:11:50]); e eles, em uma
correspondência para Pedro, o Grande da Rússia, declararam sua aprovação
da acomodação da fórmula “do Pai por intermédio do Filho” se esta fosse
corretamente entendida (ap. Amrt. Teol. eclec. 1.6.7 [1752-l-I:127]).Os teólogos
do Ocidente e do Oriente, invocando o padrão de distinção entre “teologia”
e “economia” (veja vol. 2, p. 211-12), continuaram a concordar que o “envio”
econôm ico do Espírito no tempo, com o distinto da “processão” eterna, era
de fato “do Pai por intermédio do Filho” (Strz. Man. 2.5 [1828:71]; Eug.
Bulg. Ort. 2 [Metaxas, p. 15]; Zinz. Gem. 33 [Beyreuther 4-11:82]). Os teólogos
protestantes que concordavam com a doutrina ocidental não consideravam
que a questão toda afetasse a salvação (Mrck. Comp. 5.11 [Velzen 18:105-6];
Lmp. Teol. rud. 6.26 [1729:40]; Wlch. Spin pr. [1727:A3v]) ou “que deve haver
[...] um cisma entre as duas igrejas” (Sheri. Find. 2 [1690:17]).
Q uando John Jewel, op on d o-se “ao grande alarde feito por eles
[católicos-romanos] com o toda antiguidade e consenso contínuo de todas
as eras fizeram do lado deles” (Jwl. A pol 5 [Booty, p. 83]), definiu “a igreja
primitiva do tempo de Cristo, dos apóstolos e dos santos pais”, em vez da
igreja católica-romana, com o “a igreja católica” genuína, ele não estava se
identificando menos com os pais gregos que com os latinos (jwl. Apol. 4
[Booty, p. 65]; Hcks. Etrs. 10 [1705:233]). Essa identificação pertencia não só
aos assuntos de administração e autoridade da igreja, em que os protestantes
recorriam havia muito tempo à política antimonárquica do Oriente (veja vol.
2, p. 299-301) na crítica às reivindicações papais (veja vol. 4, p. 200-2), mas a
Apologia da igreja

outras áreas de interesse doutrinai (Span. Εν. vind. 1.8, 1.20 [Marck 3:25-27,
78-83]). A rejeição dos protestantes da doutrina do purgatório incluiría às
vezes o argumento de que “a igreja grega nunca a recebeu” (Brnt. A rt. X X X IX
22 [1700:24-26]; veja vol. 2, p. 297-99), embora os católicos-romanos, que
contrapuseram os pais gregos aos “recentes” teólogos orientais, afirmavam
que a igreja grega ensinara tanto o purgatório quanto as indulgências (Gtti.
Coll 1.8.14 [1727:130-31]; M at. Purg. 34 [1655:233-51]; Coz. Graec. 6.15.877-
78 [1719-IV:253]; Amrt. Indulg. 2.2.20 [1735-11:40]). Conforme a defesa da
doutrina cristã da criação ficou mais insistente durante o século XVIII (veja
p. 166-67 abaixo), as versões orientais da “cosm ogonia”, conform e seus
expoentes gregos as contrastavam com as ocidentais, adquirem um apelo
especial, também no Ocidente (Atan. Par. Epit. 2.2.5 [1806:247-48]).
Outras origens teológicas do cisma entre o Oriente e o Ocidente (veja
vol. 2, p. 190-202), e, em particular, as associadas com a prática da adoração,
continuam a receber a atenção de todos os lados. A hostilidade das igre-
jas reformadas ao uso de imagens, embora dirigida em primeira instância
contra a “idolatria” no catolicismo-romano, também tinha de considerar
o Oriente. Fora ali que “o abuso [de imagens] aumentara na igreja” (Lmp.
Hist. 2.7 [1747:189-90]), precipitando a controvérsia iconoclasta (veja vol. 2,
p. 128-40). A igreja católica-romana (e a luterana) (Zinz. Gem. 14 [Beyreu-
ther 4-11:226-27]), desconsiderando a autoridade do segundo mandamento
que proibia “ídolo” (Ex 20.4), “pôs o mandamento com o um apêndice do
primeiro e, depois, o deixou fora em seus catecismos” (Brnt. A rt. X X X IX .
7 [1700:104]); a igreja oriental, que (como a reformada e a anglicana [veja
vol. 4, p. 281-82]) computava esse mandamento entre os D ez Mandamentos
(Strz. Man. 3.2 [1828:91-93]), continuou a explicá-lo usando os argumentos
padrões desenvolvidos pelos partidários bizantinos de imagens (Atan. Par.
E pit 4.2.8 [1806:388-89]). Era “lamentável [...] que uma parte tão grande da
cristandade adorasse a D eus por meio de imagens” (Brnt. Rom. [1688:13])
e como até mesmo a suposta “utilidades [delas] para a instrução” (Ost. Cat.
[1747:88]) passou a ser uma desculpa para “ador[á-las]”. Os sistematizadores
da ortodoxia oriental (Coz. Graec. 5.15.953 [1719-111:237]; Pnch. Diet. [1736:3-
4,183]; Gaz. Prael. 2.3.5 [1831-11:52-55]), em resposta às contínuas polêmicas
ocidentais, afirmaram e defenderam sua doutrina distinta das energias divinas
(veja vol. 2, p. 280-89) e da “luz incriada”, conforme desenvolvida por Gregário
Palamas, e eles citaram a autoridade de Dionisio, o areopagita, para isso (Eug.
Bulg. Ort. 12 [Metaxas, p. 51]; Atan. Par. E pit 1.1.10 [1806:89-90]), a despeito
das calúnias sobre a própria doutrina e essa autoridade (Atan. Par. Epit. 1.1.11
76 ♦♦♦ A CRISE DA ORTODOXIA ORIENTAL E OCIDENTAL

[1806:96-99]) feita pelos protestantes e também pelos católicos-romanos, que
desconsideraram Dionisio com o “ficticio” (Span. H. e. 1.15 [Marck 1:581];
Wlch. %>. 6.2 [1751:101]).
Todas essas declarações do que cada igreja definia com o “ortodoxo” (Ors.
1st. 1.59 [1747-1:115-16]; Amrt. le01. eclec.\.2.2> [1752-1-1:22-24]) eram muito
semelhantes com o também o tinham sido nos um ou dois últimos séculos
(Bert. Teol. disc. 2.5 [1792-1:98]), e, ainda assim, elas também manifestavam
sinais da crise que sobreviera a todos os ramos da “ortodoxia”. O aspecto
objetivo da crise ficaria visível quando a leitura histórica-crítica do N ovo
Testamento e dos antigos escritores cristãos (veja p. 146-59, 136-38 abaixo)
expusesse a questão dos relatos tradicionais de com o a igreja foi estabelecida;
e os sacramentos, instituídos. Qualquer suposição de uma “tradição perpétua
dos santos pais” (Bert. Teol. disc. 33.8 [1792-VII:122-24]) sobre a igreja e os
sacramentos, incluindo a concepção oriental e ocidental da missa com o sacri-
fício (Mid. Mir. int. [1749:lx]; Allat. Perp. cons. [1655:688]) e a prática da missa
privada (Amrt. Teol. eclec. 13.2.20.8 [1752-3-11:65]) estava em risco se o estudo
acadêmico do N ovo Testamento mostrasse que as fórmulas da instituição
nos evangelhos não era autêntica e não refletiam a intenção original de Jesus.
Assim, a “queda da igreja” não podería ser datada a partir da conversão de
Constantino ou do estabelecimento de um papado monárquico (veja vol. 4,
p. 387, 392-93), mas a partir da primeira geração de discípulos. A dimensão
dessa nova crise no século XVIII deu uma força intensa para as palavras da
Apologia da Igreja da Inglaterra, de Jewel, ao descrever a crise do século XVI:
“Era uma situação deplorável; era uma forma lamentável da igreja de D eus”
(jwl. Apol. 5 [Booty, p. 99]).

Investigações na doutrina cristã


Os apologistas ingleses para a igreja na virada do século XVIII, a despeito
da reputação da Inglaterra com o um lugar em que todas as controvérsias
teológicas eram “apenas sobre as formas de governo e adoração” (Brnt .A rt.
X X X IX . pr. [1700:ix-x]), reconheceram que “não devemos começar com a
noção de uma igreja e, daí, passar para a doutrina” (Brnt. A rt. X X X IX . 19
[1700:179]), mas antes “temos que examinar primeiro a doutrina e, de acor-
do com esse exame, julgar a pureza de uma igreja” (Brnt. A rt. X X X IX . 19
[1700:175]). Foi o protestantismo inglês, norte-americano e europeu, em vez
da ortodoxia oriental ou o catolicismo-romano, que assumiu a liderança no
movimento para a reforma da doutrina — movimento esse que, no entanto,
afinal se fez sentir em todas as igrejas. A segunda metade do século XVII e
a primeira metade do século XVIII foram uma época em que uma apologia
Investigações na doutrina cristã ♦♦♦ 77

para a doutrina, não apenas para essa ou aquela doutrina, mas para a doutrina
como tal (Zinz. Zst. 13 [Beyreuther 3-11:85]), passa a ser uma necessidade tão
urgente quanto a apologia para a igreja. Em última análise, as duas necessida-
des eram idênticas porque era específicamente a doutrina da igreja que agora
estava sujeita ao ridículo (Mos. Vind. disc. 2.3.5 [1722:321]), a própria definição
de doutrina não com o as idéias particulares ou idiossincráticas de teólogos,
mas com o aquilo que a igreja acreditava, ensinava e confessava (veja vol. 1, p.
25) e com o aquela que a igreja podia, e devia, impor com o sua voz coletiva.
Um livro iniciado em cerca de 1655 e concluído em cerca de 1660 é
emblemático dessas duas necessidades (Mos. Tol. 17 [1722:89]), o livro do
homem de letras inglês celebrado internacionalmente, o poeta e teólogo
puritano John Milton -— iniciado em cerca de 1655, mas só publicado quase
dois séculos depois, em 1825. O livro leva o título (em latim) de Dois livros
de investigações na doutrina cristã tirados só das sagradas Escrituras. Tanto a data de
composição quanto a postergada data de publicação fornecem evidência sobre
o desenvolvimento da doutrina cristã durante esse período. John Toland, em
sua biografia de Milton, publicada no último ano do século XVII, louva-o
como “a pessoa de realizações mais extraordinárias, o gênio mais afortunado
e a mais vasta erudição que essa nação, tão renomada por produzir escritores
excelentes, ainda podería mostrar” (Tol. Milt. [1699:149]), identificado com o
“sua obra-prima, sua obra principal e favorita em prosa” a Defesa dopovo inglês
(Tol. Milt. [1699:95]); ele acrescentou que Milton, embora tivesse “algumas
peças misturadas muito inferiores a suas outras obras” (Tol. Milt. [1699:141]),
também escrevera “um Sistema de divindade, mas não posso determinar se
pretendia torná-lo público ou apenas para seu próprio uso; [...] e não se sabe
onde a obra [está] no m om ento” (Tol. Milt. [1699:148]).
O próprio Milton chamava a obra Doutrina cristã de sua “posse mais
querida e melhor” (Milt. Doct. ep. [Patterson 14:8]), mas não a publicou. A
razão para sua hesitação e também para o adiamento após sua morte foi
evidentemente que, com as “investigações na doutrina cristã tiradas só das
sagradas Escrituras”, ele pretendia de fato um exame crítico — e nas passa-
gens em que se justificava uma revisão ou era necessário um repúdio — da
doutrina de um m odo que, ele mesmo reconhecia, estava “em conflito com
certas opiniões convencionais” sobre esses componentes centrais da tradição
dogmática ortodoxa com o doutrinas da Trindade e da pessoa de Cristo (Milt.
Doct. ep. [Patterson 14:8]). N isso ele acreditava estar ele mesmo participando
na “reforma da própria Reforma” (Milt. Areop. [Wolfe 2:553]; Milt. Doct.
ep. [Patterson 14:2]). O prefácio de Milton para a Tradição cristã e o capítulo
78 ♦♦♦ A CRISE DA ORTODOXIA ORIENTAL E OCIDENTAL

inicial — assim com o o prefácio para o livro Sobre osprimeirosprincipios de seu


admirado predecessor Orígenes fizera para a igreja primitiva (veja vol. 1, p.
125-32) — formulam a maioria das questões básicas envolvidas ñas inves-
tigações na doutrina crista e na crise da ortodoxia que essas investigações
ajudaram a precipitar.
Quando Milton declarou que não pretendia “ensinar nada novo nessa
obra” (Milt. Doct. 1.1 Patterson 14:20]), ele, até o ponto em que as próprias
palavras indicavam, estava afirmando o que todos (ou quase todos) os in-
térpretes da doutrina cristã em todas as igrejas sempre afirmaram pressupor
(veja vol. 1, p. 337-41; vol. 2, p. 38-39; vol. 3, p. 43-47; vol. 4, p. 240-41,
276-77, 350-51). Contudo, as conclusões que cada um tira dessas mesmas
pressuposições identificava as diferenças subjacentes entre eles e entre suas
igrejas. Milton, com a fórmula, pretendia mostrar que tentava apenas reafir-
mar a mensagem bíblica autêntica, independentemente de se isso exigia ou
não a renúncia a tradições há muito acalentadas. D a mesma maneira, Jere-
mias Felbinger, um silesiano “semisociniano” que se refugiou em Amsterdã,
declarou no prefácio de 1651 de seu manual da doutrina cristã que “não há
nada de novo a ser encontrado aqui, mas só o que o Filho de D eus e seus
santos apóstolos ensinaram e instituíram muito tempo atrás” (Felb. Hnd. pr.
[1799:np]); mas que a rejeição da novidade também era principalmente um
princípio excludente dirigido contra o dogma ortodoxo e a tradição católica.
Os teólogos orientais ortodoxos, ao declarar sua lealdade à doutrina trans-
mitida pela “santa tradição”, incluíram nessa tradição “tanto o que está na
Escritura quanto o que não está na Escritura” (Eug. Bulg. Ort. 6 [Metaxas, p.
25-26]), mas eles negavam a autenticidade de “nova” doutrina ou até mesmo a
possibilidade de ela existir; eles afirmavam simultaneamente a legitimidade do
“desenvolvimento” anterior e a ilegitimidade do “desenvolvimento” atual. Os
professores católicos-romanos da época também evitaram a inovação doutri-
nária e negaram a alegação protestante de que eles atribuíam à igreja qualquer
autoridade para estabelecer novos artigos de fé (Amrt. Teol. rud. 4.2.17 [1752-
l-IV:64-67]). Eles e seus sucessores tiveram de enfrentar repetidas vezes a
necessidade de esclarecer e refinar essa posição quando a história do dogma
mostrou que “novas” doutrinas (Wlch. Pol. 3.1.8 [1752:574]), incluindo a da
Trindade e a da transubstanciação, foram desenvolvidas, em especial, quando,
em 1854, e mais uma vez em 1870 e ainda de novo em 1950, “novos” dogmas
católicos-romanos sobre a virgem Maria e sobre a infalibilidade papal foram
promulgados (veja p. 269-70, 311, 340 abaixo).
Investigações na doutrina cristã Λ♦ 79

Milton — ao definir a doutrina cristã com o “a doutrina que, em todas


as eras, Cristo [...] ensinou por meio da comunicação divina, para a glória de
Deus e a salvação da humanidade, sobre D eus e sobre a adoração dele” e
acrescentar que “insistimos com acerto que os cristãos têm de acreditar nas
Escrituras, da qual essa doutrina é tirada” (Milt. Doct. 1.1 [Patterson 14:16])
— tenta localizar suas investigações na doutrina cristã no contexto e conti-
nuidade do cristianismo bíblico e, em algum sentido, também do cristianismo
eclesiástico. N o entanto, mais uma vez essa definição de continuidade seria
mal interpretada. Quando o pietista huguenote Pierre Poiret definiu “fé”
com o “acreditar e confiar nas coisas que Deus nos disse sobre os assuntos
divinos” (Poir. Chr.ed. 31 [1694:42]), isso não significava o mesmo com o
quando seu contemporâneo mais jovem, o teólogo católico-romano Eusé-
bio Amort, definiu “fé teológica” com o “aceitação dada a um objeto [de fé]
por causa da autoridade de D eus” (Amrt. Teol. eclec. 4.2. prol. [1752-1-IV:8]),
uma vez que Amort em sua definição, para explicar “a autoridade de D eus”,
referia-se à autoridade da igreja e também à autoridade da Escritura. Todos
os lados concordariam com a exigência de que as diferenças de doutrina fos-
sem decisivas, não as diferenças de rituais (Allat. Perp. cons. [1655:638]; Gtti.
C0//.2.1O.1 [1727:416]), e que “algum conhecimento do que D eus revelou
tanto no Antigo quanto no N ovo Testamentos seja exigido para o correto
entendimento” da doutrina cristã (Lw. Dem. Er. [Moreton 5:8-9]), mas não
com a exigência de que “a sagrada Escritura tem de ser interpretada de acordo
com a compreensão da igreja” conforme expresso em seus dogmas (Ang.
Sü. CTrid. 2 [1675:B12v-C5v]).
Contudo, essa definição católica-romana de doutrina com o “dogma”
também começava a mostrar sinais da crise: para provar um dogma a partir
da tradição era importante, acima de tudo, citar “os pais que viveram nos
dois primeiros séculos” (veja p. 255-56,268,323,336-37 abaixo); o problema,
pelo menos conforme os historiadores do dogma descobriam vez após outra,
era que “há extremamente poucos dogmas discutidos nos escritos desses
pais” (Bl. Unfehl. 28 [1791:591-93]). U m dos pioneiros na história do dogma
observou que a palavra grega “δόγμα” nem sempre se referia a “partes da fé
dos cristãos” (Sem. Erud. [1765-1:55]), mas (conforme mostrou sua aparência
no evangelho de Natal) a um “decreto” ou ordem (Lc 2.1). A partir dessas
e outras considerações históricas ficou evidente para ele que um consenso
sobre “dogma”, mesmo sobre dogmas com o o da Trindade e o da pessoa
de Cristo, não era agora, nem nunca foi, necessário para a “participação
[autêntica] na religião cristã” (Sem. Rei. [Schütz, p. 80]) e que estava perto
80 J
« * A CRISE DA ORTODOXIA ORIENTAL E OCIDENTAL

de ser urna “tosca suposição ateísta” para a igreja forçar a conformidade


com suas fórmulas dogmáticas (Sem. Re¿. [Schütz, p. 97]). Ele, ao mesmo
tempo, argumentou que esse relativismo não pode ser usado para justificar
a eliminação “dos ensinamentos de Jesus” a partir de uma consideração da
“principal parte do cristianismo” (Sem. Frag. 46 [1780:338]).
N o imenso corpo de tudo que fora crido, ensinado e confessado com o
doutrina cristã ao longo dos séculos do desenvolvimento cristão nem tudo
podia estar no mesmo patamar (Mrck. Comp. 3.9 [Velzen 18:63]): será, por
exemplo, que a noção da localização subterrânea do inferno tinha de ser
imposta com o um “artigo de fé” (Ptz. Sed. inf. 1.5,2.9 [1763:19,127]) e uma
tradição obrigatória (Mrck. Comp. 3.12 [Velzen 18:65])? Todos, ainda que
com vários critérios, reconheciam alguma forma da “necessária distinção [...]
entre os artigos de fé e os artigos de doutrina: os primeiros são necessários
para a salvação, os outros são apenas acreditados verdadeiros” (Brnt. A rt.
X X X IX . int. [1700:6-7]) — ou talvez, conforme sugerem às vezes os críticos,
acreditava-se que são necessários não para a salvação, mas “para a integri-
dade, conexão e clareza do sistema teológico do indivíduo” (Wer. Diss. 25.3
[Ryhinerus 1:442]; Spen. Beant. 2.8 [1693:99]; Frnck. Meth. 3.28 [1723:163]).
Portanto, “as verdades da religião cristã” continuam verdadeiras “se conse-
güimos nos convencer a acreditar nelas ou não” (Lw. Bngr. 2 [Moretón 1:64]), e,
na avaliação do direito da igreja de ser chamada cristã, “a principal concentração
tem de ser na doutrina”, a correção dela, mas também sua completude (Beng.
Brud. 1.1.1 [1751:2]). Os teólogos irenistas tiveram de concordar que “fórmulas
vagas, genéricas e ambíguas” cujo objetivo era evitar as principais diferenças
doutrinais entre as igrejas, embora talvez bem-intencionadas, “prejudicaram
mais do que ajudaram” (Wer. Diss. 18 [Ryhinerus 1:331]). Um crítico luterano
ortodoxo da teologia irenista atacou um método que negligenciava questões
da “verdade” doutrinai sobre a presença real na eucaristia por causa da ex-
pressão de “amor” no compartilhamento da santa comunhão (Schwrd. Comm.
[1707:Av]). A distinção inerente entre os artigos de fé com o “fundamentais”
ou “não fundamentais” (Br. Comp. prol. 27-34 [Walther 1:45-68]), e, na pri-
meira categoria, com o artigos fundamentais “primários” ou “secundários”
(Wlch. Spir. 10.13 [1751:184]), não era para obscurecer o imperativo de “amar
cada verdade divina, quer ela seja fundamental quer não” (Lang. Antibarb.
[1709-11:489]).
Essas diferenças de definição entre as várias igrejas e nelas, no entanto,
estava agora perdendo a eficácia contra o pano de fundo de um aprofunda-
mento do desconforto não só a respeito das diferenças, mas também sobre
Investigações na doutrina cristã 81

a própria ideia dessa definição. “Cremos, confessamos e ensinamos”, afirma-


riam os defensores da ortodoxia luterana contra a declaração pietista: “Que as
verdades teológicas, verdades divinas, são e permanecem verdades divinas em
si mesmas e por si mesmas [...] em todos os tempos e em todos os lugares”
(Deutsch. Luí. 1.2.10,1.1.4 [1698:18,4-5]), mas conseguir a aquiescência para
essa proposição era muito mais difícil agora (Mos. Tol. 8 [1722:33-34]). Foi,
conforme observaram seus críticos, uma expressão de extremo desconforto
quando John Toland declarou sua decisão de só “se incomodar” com os pon-
tos que chamava de “os termos e doutrinas do evangelho”, que ele via “não
[como] os artigos do Oriente ou Ocidente, ortodoxo ou ariano, protestante ou
papista, considerados com o tal, mas os de Jesus Cristo e dos apóstolos” (Tol.
Mist. pr. [1696:xiv]); mas algumas dessas distinções entre a mensagem cristã ori-
ginal e as doutrinas da ortodoxia — quer protestantes, quer católicas-romanas,
quer ortodoxas orientais — começavam a permear a igreja.
Outra crítica extrema levou suas pesquisas históricas à conclusão de que,
“sem dúvida, nem tudo que no fim passou a ser um artigo fundamental da
fé cristã” tinha de ser encontrado nos escritos dos evangelistas e apóstolos
(Reim. Apol. 2.5.1.1 [Alexander 2:423]), mas que boa parte fora “definido
como ortodoxo só por meio das fórmulas de fé subsequentes” (Reim. Apol.
1.1.4.4 [Alexander 1:125]). E quando ainda outro — enquanto insistia que
não era sua intenção “postular uma indiferença em assuntos de fé nem ne-
gar que um pré-julgamento errôneo e hostil pode com frequência obstruir
a obra de regeneração e o reino da graça” — argumentou que a “fé salvífi-
ca” não consistia na aceitação desses dogmas com o “o mérito de Cristo e
sua imputação” ou “as opiniões salvíficas do Credo de Atanásio”, mas na
“simples obediência” e discipulado genuíno (Dipp. Ort. 6 [1699:80-85]), seus
oponentes conservadores o advertiram que, “entretanto, ainda assim não é
errado defender a verdade e a pureza da doutrina, embora dentro dos limites
apropriados” (Nss. Dipp. 14 [1701:83]). Os críticos menos extremados tam-
bém concluíram que a uniformidade doutrinai entre os cristãos de diferentes
lugares e épocas era impossível e, por isso, desnecessária (Sem. Rei. 19 [Schütz,
p. 149]). Alguns traçavam um contraste entre a autoridade absoluta da “teo-
logia” se entendida com o “a natureza primitiva dos dogmas, sem uma dose
de qualquer atividade humana” e a autoridade relativa da “teologia” com o
era entendida “nesse século, nessa nação” (Frnck. Meth. 3.20 [1723:110-11]),
e eles estavam denunciando o “terrível abuso” da doutrina que resultara de
decorar as fórmulas do catecismo (Frnck. Bcht. [Peschke, p. 96]).
A CRISE DA ORTODOXIA ORIENTAL E OCIDENTAL

A fórmula comum da Reforma: “Cremos, confessamos e ensinamos”


(Deutsch. A»/. 1.2.10 [1698:18]; veja vol. 4, p. 58-60), talvez também a ordem
inversa da usual de seus dois termos finais, sugere com o os credos da igreja da
Antiguidade e as confissões da época da Reforma foram importantes para a
definição da ortodoxia, bem com o para a crise ortodoxa, em todas as igrejas.
O uso de uma confissão particular com o urna norma de ortodoxia, ultra-
passando as normas ecumênicas, tornou possível para os amigos e também
os inimigos caracterizarem as várias igrejas (veja vol. 4, p. 404): os luteranos
fundamentados na Confissão de Augsburg e no Livro de Concórdia (Pnch. Diet.
[1736:127-28]); os reformados fundamentados no Catecismo de Heidelberg, na
Confissão belga e em outros padrões (Pff. Hist. teol.2>.8 [1724-11:205-6]; Sherl. Def.
2 [1695:146-50]); o arminianismo alicerçado na Confissão deprotesto (Wlch. Pol.
4.2.4 [1752:1051-52]); e a Igreja da Inglaterra alicerçado nos 39 Artigos (Brnt.
A rt. X X X IX . int. [1700:8]). Mas esse uso veio a ocupar um lugar decisivo
com o um critério de ortodoxia também nas igrejas ortodoxas orientais e nas
católicas-romanas (Allat. Purg. 3 [1655:8]; Wlch. Pol. 5.6 [1752:1148-49]). A
Confissão ortodoxa defé da igreja oriental católica e apostólica, formulada por Pedro
Mogila (veja vol. 2, p. 304-14), metropolitano de Kiev, segundo observadores
externos e internos, era “muitíssimo valorizada e seguida com o uma nor-
ma” (Wlch. Spir. 9.4 [1751:157]) não só na ortodoxia russa, mas também na
Igreja Ortodoxa Grega; e os Cânones e decretos do Concilio de Trento junto com
o Cateásmo do Concilio de Trento (Pff. Hist., teol. 3.7 [1724-11:63-85]) vieram
a ocupar uma posição similar, fornecendo, por exemplo, a Angelo Silésio
[Johannes Scheffler], poeta místico alemão e convertido do protestantismo,
o fundamento para um apelo a seus irmãos no passado a voltarem para a
verdadeira igreja (Ang. Sil. CTrid. [1675]). Um catecismo reformado francês
falava para todas essas igrejas quando, fundamentado em Romanos 10.9,10
(veja vol. 4, p. 58), ligou acreditar na verdade da doutrina a fazer uma firme
confissão dela (Ost. Cat. [1747:10]), conforme o prefácio para a Confissão de
Savoia foi reafirmado em Boston, em 1680, quando, citando a mesma pas-
sagem de Romanos, declarou que não havia “uma evidência maior de estar
em condição de salvação que essa confissão” (Sav. Conf. pr. [Walker, p. 438]).
Contudo, ao mesmo tempo John Milton falava para um número cada
vez maior de indivíduos naquelas mesmas igrejas quando explicou que, “em
questões religiosas, decidira não depender da crença ou julgamento dos
outros”, mas “decifrar um credo religioso sozinho por meio de seu próprio
em penho” (Milt. Doct. ep. [Patterson 14:4]). Ele instituiu esse m étodo em
explícita oposição ao “deplorável e desagradável [fenômeno] de que a re­
Investigações na doutrina cristã ♦♦♦ «3

ligião cristã tem de ser suportada pela violência” e coerção (Milt. Doct. ep.
[Patterson 14:12]); “todo traço de força ou coação” tinha de ser eliminado
(Milt. Doct. 1.31 [Patterson 16:298]). O biógrafo de Milton, citando o receio
de Hilário de Poitiers em relação aos credos (Hil. Const. 2.5 \PL 10:566-67]),
identificou “os impositores de credos, cânones e constituições” com o “as
pragas comuns da humanidade” (Tin. Cr. 11 [1730:163-64]); ficou “claro a
partir da história da igreja que os credos eram as armas espirituais com que
as facções rivais combatiam umas às outras” (Tin. Cr. 13 [1730:286]). Essa
crítica não foi dirigida apenas contra um credo em particular, tendo o Credo
de Atanásio com o alvo preferido, mas contra a própria ideia de “compulsão”
na doutrina, uma vez que “ ‘igreja’ e ‘coerção’ são conceitos mutuamente
contrários” (Bl. Unfehl. 26 [1791:529]). A regulamentação de um consistorio
local em oposição ao pietismo (Zinz. Zst. 29 [Beyreuther 3-11:225-26]) que “a
subscrição aos livros simbólicos tem sempre de ser absoluta, e não condicio-
nal” (Ess. Consist. 24.vii.1709 [Neumeister, p. 292]) foi um esforço de pôr na
forma legislativa segundo a lei canônica protestante (Mayr. Red.5 [1702:399])
a regulamentação de que o teólogo está preso à declaração pública de fé da
igreja (Lschr. Hor. [1734:32]), a qual, por sua vez, está presa à palavra de Deus.
D e todo modo, no protestantismo, a coerção luterana da subscrição confes-
sional representava um extremo do espectro, em que as inconsistências entre
as confissões reunidas no Livro de Concórdia (Deutsch. Lut. 1.5.23 [1698:59])
não tinham de ser enfatizadas, mas reconciliadas, porque “os livros simbóli-
cos são os livros da igreja de D eus” (Deutsch. Lut. 1.5.3 [1698:45]); o outro
extremo do espectro era representado pela posição anglicana de que se um
artigo dos 39 Artigos “admite sentidos literal e gramatical distintos, mesmo
quando os sentidos fornecidos são claramente contrários um ao outro, os
dois lados podem subscrever o artigo com boa consciência e sem qualquer
equívoco” (Brnt .A rt. X X X IX in t. 9 ,1 7 [1700:8,116,168]).
Embora os três ditos credos ecumênicos tenham recebido o endosso
de todas as principais facções da Reforma do século XVI (veja vol. 4, p.
241,277) e fossem considerados com o “um tipo de regra [de fé] secundária,
contendo a fé tradicional da igreja” (Sherl. Vtnd. 3 [1690:31]), não era mais
possível tomar nem mesmo a posição normativa desses credos com o garan-
tida. Os estudiosos católicos-romanos — em oposição às dúvidas que os
humanistas renascentistas lançaram sobre o relatório de Rufino a respeito da
composição do Credo dos Apóstolos pelos discípulos de Cristo logo depois
do Pentecoste (veja vol. 1, p. 132) — estavam inclinados a defender o relato
tradicional (Bert. Diss. hist. [1753:11:27]; Bert. Te01. disc. 22.6 [1792-IV:280-
84 ♦♦♦ A CRISE DA ORTODOXIA ORIENTAL E OCIDENTAL

81]). Os protestantes estavam mais dispostos a chamar esse relato de “ficção”


(Lmp.H ist. 2.2 [1747:75-76]; Hrn. H. e. 1.2.2 [Leydecker 1:137]) e a questionar
se havia de fato algum credo ou confissão na igreja primitiva (Sem. Frag. 8
[1780:49]). Eles, não obstante esse questionamento, encontraram no Credo
dos Apóstolos “um resumo [abrége] da doutrina que os apóstolos pregavam”
(Ost. Cat. [1747:29-30]) e, por conseguinte, uma útil cartilha para a educação
de crianças (Poir. Chr. ed. 43 [1694:55]). Embora o Credo de Atanásio ainda
fosse às vezes atribuído a Atanásio (Drnd. Fid. vind. 3.56 [1709:520]), quase
todos tinham de concordar que o credo não era dele, tendo sido com posto
em latim, em vez de em grego; contudo, o credo, agora, era aceito às vezes no
Oriente com o uma obra autêntica de Atanásio (Bert. Diss. hist. [1753-111:234-
35]; Brnt. A rt. X X X IX 8 [1700:106]), por exemplo, pelo arcipreste Awakum
Petróv, líder dos Velhos Crentes, que o citava muito (Avkm. Zi%\ [Robinson,
p. 142]). O credo — por causa de sua fórmula condenatoria de encerramen-
to: “Essa é a fé católica, a menos que o indivíduo creia fielmente, ele não
pode ser salvo” (Symb. Ath. 44 [Schaff 2:70]) — representava para os críticos
protestantes radicais “um caos irracional” (Dipp. Ort. 4, 7 [1699:53,101]) e
uma contradição dos ensinamentos autênticos de Jesus; mas os protestantes
mais conservadores continuaram a defendê-lo (Sherl. Vind. 2 [1690:10-21];
Zinz. Lond. Pred. 3.7 [Beyrether 5-1:367]).
D o s três credos, só o Credo N iceno tinha uma reivindicação genuína ao
titulo “ecumênico”, embora só, conforme os teólogos orientais lembravam
reiteradamente seus oponentes ocidentais quer católicos-romanos quer pro-
testantes, sem a corrupção unilateral de seu texto por intermédio da inserção
do Filioque (veja p. 258 abaixo). Para as exposições ortodoxas orientais da
mensagem cristã, “a fé dos 318 pais do Concilio de Niceia” continuou a ser-
vir com o um resumo da “santa tradição” e com o fundamento para definir
seu conteúdo. Como o credo na liturgia da missa latina, para os intérpretes
católicos-romanos, ele era o principal exemplo do antigo princípio de que “a
regra de oração tem de confirmar a regra de fé” (veja vol. 1, p. 342, 345). Os
pietistas foram acusados de “ódio público pelo Credo Niceno e por Constan-
tino, o Grande” (Mayr. Hall. [1707:14]), mas o próprio desafio dos detratores
racionalistas da ortodoxia nicena (Dipp. Ort. 5 [1699:67]) provocou, por parte
dos protestantes confessionais e dos católicos-romanos, uma defesa do Credo
Niceno (Niss. Dipp. 2 [1701:32, 25]; Ors. 1st 12.37 [1747-V:53-57]) e de seu
termo-chave “hom oousios” (a despeito das conhecidas palavra de Lutero
depreciando esse termo) (Sem. Rei. 24 [Schütz, p. 203-9]; veja vol. 4, p. 393)
com o um baluarte contra a heresia (Hrn. H. e. 1.3.4 [Leydecker 1:176-77]).
Investigações na doutrina cristã 85
*

Tudo isso presumia que “heresia” ainda era tão definível quanto iden-
tificável com o “ortodoxia”. Milton não tinha tanta certeza de nenhum dos
dois: ele denunciou com o “intolerantes irracionais que, por uma perversão
da justiça, condenam qualquer coisa que consideram inconsistente com as
crenças convencionais e dá a elas um título hostil — ‘herege’ ou ‘heresia’ —
sem consultar a evidência da Bíblia a respeito do ponto” e contra-atacou que
“desde a compilação do N ovo Testamento, nada pode ser chamado de heresia
com acerto a menos que o [Novo Testamento] contradiga” explícitamente
(Milt. Doct. ep. [Patterson 1 4 : 1 2 ] ; Milt. / I reop. [Wolfe 2 : 5 4 3 ] ) . Para a ortodoxia
oriental, a heresia surgia, em questões de “teologia”, ou em contradição aos
mistérios da fé concernentes ao próprio ser divino ou, em questões de “eco-
nomia”, em contradição às doutrinas fundamentadas na história da salvação
em Cristo e na igreja (Atan. Par. Epit. 3 . 4 [ 1 8 0 6 : 3 0 0 ] ) . Mas nos séculos XVII
e XVIII, o desafio mais patente para a ortodoxia oriental vinha dos adeptos
do Raskol, ou grande cisma, dos Velhos Crentes, na Rússia. Eles professavam
uma “ortodoxia \pravoslavie\” completa em sua lealdade a “tudo na igreja,
transmitido a nós pelas tradições dos santos pais, [como] santo e incorrupto”
tanto na teologia quanto na economia (Avkm. Zig. [Robinson, p. 1 7 1 ] ) por-
que eles defendiam com firmeza “o que os livros antigos ensinavam sobre
a divindade e sobre outros dogmas” (Avkm. Knig. tolk. 3 [RIB 3 9 : 5 3 2 ] ) . Mas
eles foram acusados de “cisma, incitação e falsa doutrina” por “condenar a
correção do santo credo \svjatogo simbola ispravlenié\, a junção dos três primeiros
dedos para fazer o sinal da cruz, também a correção dos corretores dos [livros
litúrgicos] e a coordenação do canto da igreja [entre o sacerdote e o coro]”
(Sob. 1 3 . V . 1 6 6 6 [D AI 5 : 4 4 8 ] ) . Em vista dessa crise eclesiástica e doutrinai,
o padrão de distinção entre “heresia” e “cisma”, conforme fora formulado
para a ortodoxia oriental pelos pais da igreja, com o Basilio de Cesareia, no
século IV, parecia ter caído (veja vol. 1, p. 88).
Os escritores ocidentais, tanto protestantes quanto católicos-romanos,
embora vários dos pais da igreja localizassem a “heresia” na liturgia e ritual
(Span. Εν. vind. 2.20 [Marck 3:311-20]), continuavam em suas classificações
a defini-la com o “erro de doutrina” (Pnch. Diet. [1736:15-16]), ou como
“um erro do intelecto referente à fé, enraizado na ignorância” (Schtz. Haer.
1.10 [1724:23]) ou com o uma oposição consciente à fé ortodoxa (Amrt. Teol.
mor.32 [1757-1:253-54]; Amrt. Teol. eclec. 16.2.2.5 [1752-4-11:69]); por isso,
Orígenes, Pelágio e Teodoro de Mopsuéstia mereceram ser rotulados como
“hereges” (Wlch. Pol int. 6 [1752:9]). Para os críticos radicais, essa repetição de
fórmulas estereotipadas de condenação (Nrs. Hist. pel. 1.1,1.3,1.9 [Berti 1:2,
86 ♦♦♦ A CRISE DA ORTODOXIA ORIENTAL E OCIDENTAL

27, 85]; Nrs. Syn. quint. 5,11 [Berti 2:29-31,124]) equivalia a dizer que “quem
quer que seja que não concorde com nossa igreja e nossas confissões é clara-
mente um herege” (Dipp. H it. pr. [1706:A8v]), quando na verdade a definição
do N ovo Testamento de herege (G15.20; Tt 3.10; Jd 19) com o “alguém que,
ainda alienado de Cristo e de seu reino de graça, inventa uma ‘analogia de fé’
de acordo com a razão e com a letra da Escritura e, depois, tenta impô-la aos
outros com o verdade salvífica” (Dipp. Ort. 6 [1699:76-77]; Rm 12.6), agora
aplicada “só aos ortodoxos” em vez de àqueles a quem o ortodoxo condenara
(Dipp. Ort. 6 [1699:98]). Em parte, essa crítica fundamentava-se na avaliação
de que “nunca houvera algum período de tempo em toda a história eclesiástica
em que tantos graus de heresias foram confessadas publicamente [como] [...]
nos três primeiros séculos” (Mid. Mir. int. [1749:lxxxvi]), suposição histórica
essa que seus oponentes rejeitaram com o exagero (Lmp. Hist. 2.2 [1747:87]),
uma vez que “sempre houve hereges desde o com eço da igreja cristã” até hoje
(Lmp. Mttl. 2.1 [1712:106]). Todo o ataque à ortodoxia dos credos “deixa a
fé uma coisa muito inútil e a heresia uma coisa muito inocente e inofensiva”
(Sheri. Hind. 3 [1690:22]), mas as conhecidas palavras: “Pois é necessário
que haja divergências” (ICo 11.19 [Vulg.]; veja vol. 4, p. 311; p. 330 abaixo),
significando que na providência de D eus uma traição da fé podería ter efeitos
colaterais benéficos, não deveríam ser usadas para justificar a tolerância da
falsa doutrina (Schtz. Haer. 2.20; 2.3; 2.17 [1724:67-68, 34-35, 62]).
A crítica da doutrina tradicional concentrava-se com especial vigor em
sua excessiva preocupação com a terminologia (Frnck. Id. 37 [Peschke, p.
191]; Zinz. Gem. 10 [Beyreuther 4-1:174]; Zinz. Aug. Conf. 15 [Beyreuther
6-11:267]). A acusação de logomaquia aparecia repetidamente na história do
conflito doutrinai, com o quando Hilário argumentou que “a heresia está no
sentido atribuído, não na palavra escrita” (Hil. Trin. 2.3 \CCSL 62:39]); Pas-
quier Quesnel, citando essas palavras (Qnl. Exp. apol. [1712-1:51]), reivindicou
a distinção entre o sentido herege e o ortodoxo de formulações ambíguas
(Qnl. Clém. IX. int. 1.3 [1700:2,36]). U m teólogo firmemente ortodoxo com o
Pedro Lombardo (veja vol. 4, p. 139), bem com o pensadores medievais pos-
tenores, incluindo Duns Escoto, consignaram boa parte da discussão sobre o
Filioque na categoria de logomaquia (Sheri. Vind. 2 [1690:17]; Wlch. Spin 10.12
[1751:182]), uma percepção que recebeu novo apoio nesse período (Gr. Naz.
Or. 21.35 [PG 35:1125]). Gregário de Nazianzo observou que, na época de
Atanásio, “houve o perigo de o mundo todo ser dilacerado no conflito sobre
as sílabas” (Wer. Mise. 1.4 [Ryhinerus 2:31]); houve muitos que, ao perceber
o mesmo perigo agora (Mrck. Comp. pr. 1.17 [Velzen 18:Blr, 8]), destacaram
A doutrina da lei e da graça
Φ 87
que o vocabulário trinitário com o tal não era indispensável e que tinha ele
mesmo passado por mudanças no curso do desenvolvimento da ortodoxia
(Sem. Frag. 10 [1780:57]; Zinz. Red. 4 [Beyreuther 1-IL49]). Contudo o cuidado
contra a logomaquia e “os termos e sofismas estranhos emprestados da tolice
das escolas” (Tin. Cr. 13 [1730:289]; Nss. Dipp. 2 [1701:25]) poderia com
facilidade passar a ser um ataque à ortodoxia trinitária, conform e mostrou a
doutrina de Deus desenvolvida por Milton (Milt. Doct. 1.5 [Patterson 14:208]).
Os teólogos confessionais advertiram que desconsiderar “a disputa entre os
luteranos e os calvinistas sobre o sacramento” (Tin. Cr. 10 [1730:139]) como
“apenas verbais” ou com o “uma guerra de gramáticos” (Wer. Diss. 10.5 [Ryhi-
nerus 1:193]) prejudicavam não só a ortodoxia confessional, mas também a
própria natureza da linguagem bíblica (Lw. Dem. Er. [Moreton 5:6]; Deutsch.
Aug. Conf. [1667:17-22]). A controvérsia do século XVI sobre se o pecado
original passara a fazer parte da “essência” da natureza humana foi também
mais que uma disputa sobre terminologia (Neum. Marp. 2.5 [1727:141]; Pnch.
Diet. [1736:162]; veja vol. 4, p. 206-209). Todos concordariam que algumas
diferenças não pertenciam de m odo algum ao dogma e que esses modos de
falar não afetavam a salvação (Allat. Perp. cons. [1655:641]), mas os teólogos
variando de radicais a conservadores também concordavam que a solução
para a crise da doutrina ortodoxa não era simplesmente inventar uma nova
terminologia (Sem. Rei. [Schütz, p. 171]; Dipp. Hrt. 2 [1706:34]; Amrt. Rev.
1.4 [1750:50]), uma vez que “é fácil se unir nas palavras” (Zinz. Gespr. 5 [Bey-
reuther 1-111:37]). A solução é mais profunda porque a crise é mais profunda.

A doutrina da lei e da graça


A doutrina agostiniana da graça com suas muitas alterações, talvez mais
que qualquer outra questão doutrinai até mesmo a questão da autoridade
(veja vol. 2, p. 167-90; vol. 4, p. 329-43), demonstrou a continuidade e, ainda
assim, a descontinuidade entre o cristianismo oriental e ocidental (veja vol.
2, p. 200-202), bem com o entre a Reforma protestante e o desenvolvimento
precedente da doutrina cristã no próprio Oriente (veja vol. 4, p. 63-64). A
complexidade dessa continuidade e descontinuidade já se manifestara no
catolicismo-romano por meio dos conflitos do século XVII sobre a graça,
os dons da graça e o “auxílio da graça” (veja vol. 4, p. 443-54), mas a relação
complexa entre as várias posições passaram a ser focadas de forma mais
contundente na segunda metade desse século. Durante esse meio século,
outro homem das letras inglês, John Bunyan, além de suas obras conhecidas
Operegrino (1678 e 1684) e Graça abundantepara 0principal dospecadores (1666),
88 Λ ACRISE DAORTODOXIAORIENTAL EOCIDENTAL

também publicou em 1659 e revisou em 1685 um tratado intitulado Λ doutrina


da lei e da graça desenvolvida (Bnyn. Lw.gr. 2 [Sharrock 2:187]).
Bunyan — ao celebrar “essa gloriosa doutrina” e denunciar “um pacto
espiritual legal e antigo que convence secretamente a alma que se for para
ser salva por Cristo, ela tem primeiro de se ajustar a Cristo” (Bnyn. Lw. gr.
2 [Sharrock 2:184]) — articulava uma posição que seu sucessor na geração
seguinte teve de chamar “a absoluta necessidade da graça divina” com o “uma
doutrina confessada do cristianismo” (Lw. Cr. perf. 9 [Moreton 3:134]). A
doutrina da graça, embora “confessada” de uma forma ou outra por todos
que afirmavam sua lealdade ao cristianismo, era, ainda assim, uma importante
fonte de discussão e agora passava a ser um importante com ponente da crise
da ortodoxia. Uma das diferenças mais decisivas entre a doutrina oriental
e ocidental era, havia tempos, a ausência na história cristã oriental de uma
controvérsia correspondente àquela sobre a natureza e a graça entre Agos-
tinho e os pelagianos. N o curso dessa controvérsia, um sínodo de bispos de
fala grega, realizado em Lida (antiga Dióspolis), na Palestina, no fim de 415
d.C., para grande desgosto de Agostinho, declarou que Pelágio, pelo fato de
“amaldiçoar tudo que é contrário à fé da igreja que confessamos, pertence à
comunhão da igreja católica” (ap. Ag. Gest. Pelag. 20.44 [CSEL 42:99]); além
disso, esses procedimentos, ao contrário da maioria do corpo agostiniano
(veja vol. 2, p. 291), foram preservados em grego por Fócio e ainda circu-
lavam nessa forma em meio aos membros da igreja e teólogos do Oriente
na era moderna (Fot. Bib. 54 [Henry 1:42-44]). A despeito da condenação
formal do pelagianismo com o heresia no Concilio Ecumênico de Éfeso, em
431 (veja vol. 1, p. 321), a técnica de relatar as antíteses entre Agostinho e
Pelágio com o a metodologia padrão para introduzir a doutrina da graça des-
frutava de pouco ou nenhuma popularidade entre os teólogos orientais (Blrt.
S. T. Grat. 1 [Lequette 3:1-13]), ficando muitíssimo confinada aos protestantes
e católicos-romanos (veja vol. 4, p. 290-92,325-26). Os teólogos orientais que
falavam de Deus “garantindo a recompensa como uma dádiva” (veja vol. 2, p.
35-36) — transcendendo assim as antíteses da Reforma sobre a graça (veja vol.
4, p. 326) — estavam mais provavelmente invocando o outro polo do conflito
de Agostinho sobre a doutrina da graça (veja vol. 1, p. 303-304), a defesa do
livre-arbítrio e da responsabilidade, engajados com o estavam na defesa contra
vários sistemas, quer mulçumanos quer maniqueístas, que pareciam enfatizar
as arbitrariedades da soberania divina ao custo do livre-arbítrio humano (veja
vol. 2, p. 234-46).
A doutrina da lei e da graça 89

Com o a Confissão de Augsburg, seguindo o precedente de Thomas Brad-


wardine (Leyd. Jans. 2.1.14 [1695:289-90]), estava na verdade, ao condenar
“os pelagianos e outros” (Conf.Aug. 2.3 \Bek., p. 53]), atacando as posições
dos escolásticos católicos-romanos e de certos protestantes que pareciam
advogar um otimismo excessivo a respeito da capacidade humana à parte
da graça (veja vol. 4, p. 203-204), então, nesse período, era fácil aplicar os
mesmos rótulos aos desvios percebidos da ortodoxia agostiniana (Amrt. Teol.
eclec. 7.3.2 [1752-2-11:56-62]). A linguagem do Sínodo de Dort, acusando o
arminianismo de “chama[r] de volta do inferno o erro pelagiano” (veja vol.
4, p. 290), foi agora repetida quase textualmente (embora sem atribuição) por
um cardeal da igreja católica-romana em sua própria justificação da doutri-
na da graça de Agostinho contra o arminianismo e também contra vários
movimentos “semipelagianos” em sua própria comunhão (Nrs. 1And. Aug. 8
[Berti 2:456]). D e acordo com um contemporâneo protestante (Poir. Teol. cr.
pr. [1690-I:A4r]), “esse pelagianismo infernal” era “o verdadeiro ateísmo do
coração, que bane D eus e seu Espírito do coração humano, bem com o suas
operações interiores, e os esclarecimentos da graça divina por meio da qual
ele [o Senhor] nos resgata da nossa infinita corrupção”. Os “erros místicos”
(Arb. Des. myst. 5.1 [1764:598-606]) de Luís de Molina, condenados pelo papa
Inocêncio XI (In. XI. Cael. Past. [Argentré 3:362-63]), foram denunciados
por um defensor do jansenismo com o “os mesmos erros dos pelagianos ou
dos semipelagianos” (Qnl. Clém. /A 1.3 [1700:37]) O termo “semipelagiano”
parecería ser m enos um título de opróbrio quando um anglicano, por causa
da posição extrema representada por A escravidão da vontade (veja vol. 4, p.
204), de Lutero, descreveu com o “todos os luteranos adotam as opiniões
semipelagianas com tanta plenitude e tanta ansiedade que não tolerarão nem
manterão comunhão com qualquer das outras crenças” (Brnt. Art. X X X LK
17 [1700:151‫)]־‬, ou seja, os calvinistas. Outros continuaram a agrupar os
“maniqueístas, luteranos, calvinistas e jansenistas” (ap. Leyd. Jans. 2.1.10
[1695:262-69]) com o oponentes predestinacionistas do livre-arbítrio” (Bert.
Aug. ded., 4.1 [1747-I:viii, 64]).
Os conflitos da Reforma do século XVI e também das controvérsias da
pós-Reforma tanto no protestantismo quanto no catolicismo-romano já ti-
nham tornado necessário uma nova e mais complexa taxonomía das doutrinas
da graça que a distinção simplista entre agostinianismo e pelagianismo (Hrn.
H. e. 1.3.30 [Leydecker 1:208]), mesmo com a adição do “semipelagianismo”
como uma espécie separada (Drnd. Fid. vind. 3.2 [1709:363-66]). Os desen-
volvimentos dos séculos XVII e XVIII, com o o jansenismo, molinismo e
9° ♦♦♦ A CRISE DA ORTODOXIA ORIENTAL E OCIDENTAL

quietismo no catolicismo-romano, o puritanismo e, depois, o metodismo no


anglicanismo e o pietismo no protestantismo continental e norte-americano
(incluindo as interações entre vários desses movimentos) foram agora acres-
cidos de complexidade (Pinch. Diet. [1736:191-98,198-304]; Leyd./^«r. 1.3.7
[1695:165-69]). Quando um livro católico-romano de referência sobre heresia
reconheceu que quatro dos cinco principais pontos doutrinais do arminia-
nismo, conforme usualmente enumerados nas polêmicas protestantes (Span.
Cont. [Marck 3:850-55]; Wlch. Pol. 4.2.2 [1752:1048-50]), eram “ortodoxos”
(Pnch. Diet. [1736:75]) àluz da “fé da igreja”; ou quando um pietista, embora
também condenando o pelagianismo, podería agrupar “Calvino, os jansenistas
e os tomistas” (Poir. Oec. div. 2.17 [1705-11:571-72]) em relação às doutrinas
da graça e da predestinação; ou quando alguns luteranos ortodoxos retribu-
íram ao acusar os pietistas de abraçar as doutrinas calvinistas em relação aos
decretos divinos (Nmnn. Term. [1700:33-36]; Nmnn. Br. [1701:33]), enquanto
outros identificavam o pietismo com o pelagianismo; e ainda outros, com
o maniqueísmo (Albrt. 1And. 1.13 [1695:21-22]; Mayr. Piet.6.9 [1696:108-
10]); ou quando alguns católicos-romanos tomavam com o “uma blasfêmia
ignorante” (Amrt. Ep. 1749 [Friedrich, p. 54]) ou “uma atroz calúnia” (Bert.
Aug. 4.1 [1747-11:125]) ser chamado de jansenista, enquanto para outros isso
era uma “honra” (Qnl. Exp. apol. [1712-1:43]), a despeito da ambiguidade do
rótulo, que era de fato uma forma de atacar o genuíno agostinianismo (Qnl.
Clém. TK pr. [1700:xxxv-xxxvi]); ou quando um católico-romano ortodoxo
tentava fazer distinção entre Jansênio, Baio e Quesnel em relação a algumas
questões (Bert .Aug. 1.1 [1747-1:91]) enquanto os classificava juntos em outras
(Bert. Teol. disc. 17.1 [1792-111:210]) — a confusão resultante disso em todos
os cantos deixou claro que as categorias precisavam de alguma reconsidera-
ção básica. O terceiro livro inteiro de A fé justificada, de Barthélémy Durand,
franciscano francês, foi dedicado à refutação das “heresias que surgiram em
oposição à graça de Deus e sua glória” (Drnd. Fid. vind. 3 [1709:359-530]).
A própria história da doutrina da graça obrigou, em parte, essa recon-
sideração, conforme ficou claro ao logo do estudo histórico e teológico de
dois de seus estágios mais importantes: a teologia de Agostinho em relação,
de um lado, com a de Tomás de Aquino e, de outro lado, com a de Lutero e
Calvino; e os decretos doutrinais do Concilio de Trento. O primeiro desses,
teoricamente, era a propriedade comum de toda a tradição cristã, embora na
verdade pertencesse quase completamente apenas ao Ocidente; o outro era
uma preocupação predominantemente católica-romana.
90 ♦♦♦ A CRISE DA ORTODOXIA ORIENTAL E OCIDENTAL

quietismo no catolicismo-romano, o puritanismo e, depois, o metodismo no


anglicanismo e o pietismo no protestantismo continental e norte-americano
(incluindo as interações entre vários desses movimentos) foram agora acres-
cidos de complexidade (Pinch. Diet. [1736:191-98,198-304]; Leyd./í7«r. 1.3.7
[1695:165-69]). Quando um livro católico-romano de referência sobre heresia
reconheceu que quatro dos cinco principais pontos doutrinais do arminia-
nismo, conforme usualmente enumerados nas polêmicas protestantes (Span.
Cont. [Marck 3:850-55]; Wlch. Pol. 4.2.2 [1752:1048-50]), eram “ortodoxos”
(Pnch. Did. [1736:75]) à luz da “fé da igreja”; ou quando um pietista, embora
também condenando o pelagianismo, podería agrupar “Calvino, os jansenistas
e os tomistas” (Poir. Oec. div. 2.17 [1705-11:571-72]) em relação às doutrinas
da graça e da predestinação; ou quando alguns luteranos ortodoxos retribu-
íram ao acusar os pietistas de abraçar as doutrinas calvinistas em relação aos
decretos divinos (Nmnn. Term. [1700:33-36]; Nmnn. Hr. [1701:33]), enquanto
outros identificavam o pietismo com o pelagianismo; e ainda outros, com
o maniqueísmo (Albrt. Vind. 1.13 [1695:21-22]; Mayr. Piet.6.9 [1696:108-
10]); ou quando alguns católicos-romanos tomavam com o “uma blasfêmia
ignorante” (Amrt. Ep. 1749 [Friedrich, p. 54]) ou “uma atroz calúnia” (Bert.
Aug. 4.1 [1747-11:125]) ser chamado de jansenista, enquanto para outros isso
era uma “honra” (Qnl. Exp. apol. [1712-1:43]), a despeito da ambiguidade do
rótulo, que era de fato uma forma de atacar o genuíno agostinianismo (Qnl.
Clém. ΣΧ pr. [1700:xxxv-xxxvi]); ou quando um católico-romano ortodoxo
tentava fazer distinção entre Jansênio, Baio e Quesnel em relação a algumas
questões (Bert■Aug. 1.1 [1747-1:91]) enquanto os classificava juntos em outras
(Bert. Teal. disc. 17.1 [1792-111:210]) — a confusão resultante disso em todos
os cantos deixou claro que as categorias precisavam de alguma reconsidera-
ção básica. O terceiro livro inteiro de A féjustificada, de Barthélémy Durand,
franciscano francês, foi dedicado à refutação das “heresias que surgiram em
oposição à graça de D eus e sua glória” (Drnd. Fid. vind. 3 [1709:359-530]).
A própria história da doutrina da graça obrigou, em parte, essa recon-
sideração, conforme ficou claro ao logo do estudo histórico e teológico de
dois de seus estágios mais importantes: a teologia de Agostinho em relação,
de um lado, com a de Tomás de Aquino e, de outro lado, com a de Lutero e
Calvino; e os decretos doutrinais do Concilio de Trento. O primeiro desses,
teoricamente, era a propriedade comum de toda a tradição cristã, embora na
verdade pertencesse quase completamente apenas ao Ocidente; o outro era
uma preocupação predominantemente católica-romana.
A doutrina da lei e da graça 91

Acreditava-se que Agostinho fora destinado pela própria Providência


para ser “o doutor da graça” (Ors. 1st. 19.1 [1747:VIII:247-49]; Qnl. Exp.
apol. [1712-1:121]), para quem, com o “a luz mais brilhante da igreja e o con-
quietador mais glorioso do pelagianismo e outras heresias” (Bert. Aug. ded.
[1747-I:iii]), era apropriado dedicar uma defesa sistemática à doutrina da
graça (veja vol. 4, p. 443-54). O forte empréstimo textual de Agostinho feito
porjansênio na obra Agostinho (Le.yd.Jans. 2.1.3 [1695:229]), que os censores
aparentemente não reconheceram e, por conseguinte, condenaram (Qnl. Exp.
apol. [1712-1:117]), obrigou os oponentes do jansenismo a contrapor “as teses
jansenistas” e “as antíteses agostinianas” (Bert. Teol. disc. 17.3 [1792-111:215]).
Se Tomás de Aquino tivesse sido “o grande discípulo de Agostinho” (Nrs.
1‫־‬And. Aug. 3.3 [Berti 2:305]) e “seu fiel intérprete” (Qnl. Exp. apol. [1712-
1:46, 65]), as percepções deles da predestinação e da graça teriam de estar
em harmonia (Bert. Aug.3.1 [1747-1:340-43]). Contudo, a declaração dos
seguidores de Calvino de serem “agostinianos, na verdade, paulinos” (Leyd.
Jaus. 2.2.14 [1695:377]), mas enfaticamente não tomistas, em sua doutrina da
graça e da predestinação (veja vol. 4, p. 286-94) continuou a ser tão efetiva que
seus oponentes católicos-romanos perceberam o perigo de usar Agostinho
contra eles (Nrs. Vind. Aug. 1 [Berti 2:274]).
Os calvinistas, a despeito da “hereditariedade odiada dos jansenistas
para os reformados” (Le.yà.Jans. 1.3.10 [1695-183-88]), encontraram na obra
Agostinho, de Jansênio, uma doutrina do “poder irresistível da graça de Deus
que está correta e de acordo com a doutrina reformada” (Lmp. Ghm. 12 [1719-
1:752]; Hrn. H e. 3.3.68 [Leydecker 1:516]). Os jansenistas compartilhavam
com eles a recusa em reconhecer qualquer “auxílio da graça” que não fosse
eficaz, o que parecia ter levado ambos para a doutrina da graça irresistível e,
por conseguinte, à negação do livre-arbítrio (Bert. Aug. 4.1 [1747-11:58]). Seus
oponentes sustentavam que era algo autenticamente agostiniano distinguir
entre “graça suficiente” (Bert. Teol. disc. 14.8 [1792-111:130, 134]), com o a
graça que “garante a capacidade, mas não [necessariamente] a vontade” (Bert.
Aug. 4.2 [1747-11:216]), e “graça eficaz”, com o “a iluminação sobrenatural da
mente ou a movimentação da vontade” (Amrt. Teol. eclec. 7.3.4 [1752-2-11:73]),
que era então combinada com a concordância humana; mas os jansenistas
não achavam a distinção particularmente útil (Qnl. Exp. apol [1712-1:54]).
Em resposta à acusação de que Agostinho simplesmente se contradisse na
relação entre as doutrinas da graça e do livre-arbítrio (ap. Nrs. Vind. Aug. 2
[Berti 2:281-86]), foi necessário explicar que Agostinho, em alguns estágios
da controvérsia pelagiana, restringira-se a defender a graça e, em outros está-
g2 φ*φ A CRISE DA ORTODOXIA ORIENTAL E OCIDENTAL

gios, o livre-arbítrio, mas que, em principio, ele afirmara de m odo consistente


ambos (Nrs. Hist. pel. 1.23 [Berti 1:205]). Tomás de Aquino, nesse aspecto
com o em outros, foi seu discípulo fiel (Bert. Teol. disc. 4.6 [1792-1:176-78]).
Os protestantes conseguiram invocar a autoridade histórica de Bossuet
(Boss. Hist., var. 5.1 [Lachat 4:65]) (que reconheciam com o um “oponente
justo e generoso” [Hcks. Ltrs. pr. (1705:A8v-Blr)]) para argumentar que,
antes da época de Lutero, “a graça de Jesus Cristo não fora proclamada com o
deveria ser” (Lschr. Unfehl. 8 [1724:59]) o que ajudou a provocar a Reforma.
As confusões na resposta da sexta sessão do Concilio de Trento para a dou-
trina da graça da Reforma foram uma importante fonte da continuação da
ambiguidade. A declaração do concilio de que “embora [Cristo] tenha mor-
rido por todos, ainda assim, nem todos receberíam o benefício de sua morte,
mas só aqueles a quem o mérito de sua paixão fosse transmitido” (CTrid. 6.
Cap. 3 [Alberigo-Jedin, p. 672]) podia ser entendida com o sentido de que
Cristo morrera só pelos eleitos, com o ensinavam os jansenistas (a despeito
da condenação papal) (veja vol. 4, p. 302-304), enquanto invocavam Trento,
(Pnch. Diet. [1736:403-16]) e conforme ensinavam os calvinistas, enquanto
se opunham a Trento (Qnl. Exp. apol. [1712-1:150, 176-77]). A condenação
do Concilio de Trento (Span. Cont. [Marck 3:851-52]) da posição dos refor-
madores protestantes (Drnd. Fid. vind. 2.7 [1709:223]) “de que o livre-arbítrio
do homem, movido e estimulado por Deus, ao concordar com o chamado
e ação de D eus não coopera de maneira alguma em direção a determinar a
obtenção da graça da justificação e a se preparar para ela” (CTrid. 6. Can. 4
[Alberigo-Jedin, p. 679]) deixou aberta a continuação do debate da questão se
aqui por “graça da justificação” referia-se à graça suficiente ou à graça eficaz
(¿ert ^ 4.3 [1747:11:347]).
Talvez o mais inquietante de tudo fosse a dupla rejeição do Concilio de
Trento dos extremos pelagiano e maniqueísta (Pnch. Diet. [1736:272-89]):
as heresias “que o justificado pode preservar na justiça recebida sem a ajuda
especial de D eus [jpedale auxilium Dei\ ou que com essa ajuda ele não pode”
(CTrid. 6. Can. 22 [Alberigo-Jedin, p. 680]). Isso possibilitou a Jansênio,
bem com o a seus predecessores e seguidores (Qnl. Arnau. pr. 3 [1699:vii]),
representar a ele mesmo com o ensinando uma “doutrina da graça eficaz”
(Qnl. Aux. [1687:19-27]) que não só era “agostiniana”, mas também “papal”
(Qnl.Arn. pr. 23,26 [1699:xxxv, xxxix]). N os intrincados procedimentos das
congregações papais que lidavam com a questão do auxílio da graça (Qnl.
Exp. apol. [1712-1:110]), os papas não tinham, conforme sustentavam alguns,
favorecido as percepções molinistas (Leyd. Jans. 2.2.3 [1695:321-77]), mas
A doutrina da lei e da graça ■ él·
I ·.,*
/‫ר \י‬
y j

continuaram a seguir Agostinho e Tomás de Aquino “com o os dois principais


guias” (Qnl. Déf. égl. rom. 1.3 [1697:35-59]) na doutrina da graça católica-romana
ortodoxa. O resultado desse desenvolvimento histórico foi a falta de clareza
na doutrina da graça suficiente, bem resumida por um observador reformado:
“Os jesuítas [...] a afirmam, mas os jansenistas a negam. Contudo, também há
outros, denominados ‘neotomistas’, que, embora falando da mesma maneira
que os jesuítas, acreditavam exatamente no que acreditavam os jansenistas”
(Wer. Mise. 1.4 [Ryhinerus 2:33]).
Essa falta de clareza na doutrina da graça, conforme todos os lados
em todas essas controvérsias concordariam, foi resultado em parte de um
problema de definição: “Em que consiste a graça do N ovo Testamento?”
(Baum. Pred. 2.4 [Kirchner 2:124-35]; Zinz. Gem. 26 [Beyreuther 4-1:348-49]).
Bunyan, enquanto concordava que a palavra “graça” tinha vários sentidos
na Escritura (Mrck. Comp. 4.42 [Velzen 18:94-95]), entendia que a declaração
“vocês não estão debaixo da lei, mas debaixo da graça” (Rm 6.14) se referia
ao “amor gratuito de Deus, em Cristo, pelos pecadores em virtude da nova
aliança, libertando-os do poder do pecado, da maldição e poder condenador
da velha afiança [e] da natureza destrutiva do pecado por sua operação con-
tínua” (Bnyn. Lw. Gr. 2 [Sharrock 2:83-84]). Um protestante, “para explicar
a palavra e distinguir” entre seus vários sentidos, enumerou sete tipos de
“graça”: justificadora, auxiliadora, precedente (ou preveniente), preparatória,
operadora, incitadora e aperfeiçoadora (Nmnn. Term. [1700:17-19]). Mesmo
essa classificação, cujas distinções não foram aceitas por todos (Bert.Aug. 4.1
[1747-11:131-32]), não incluía a distinção em torno da qual boa parte da con-
trovérsia no catolicismo-romano girava, entre graça suficiente e graça eficaz. A
ênfase na necessidade da concordância humana para a graça eficaz encontrar
seu supremo exemplar na virgem Maria com o “agraciada” (Lc 1.28 [Vulg.]), o
que significava que a graça que ela recebera de D eus era “sem limites” (Men.
Did. 5.11 [Blantês, p. 306]) e “a marca infalível de sua predestinação” (Grig.
Mont. Vr. dév. 200 [Gendrot, p. 618-19]), contudo, não à custa da livre con-
cordância expressa em suas palavras para o anjo da anunciação: “Sou serva
do Senhor; que aconteça com igo conforme a tua palavra” (Lc 1.38 [Vulg.]).
Ainda era correto identificar com o os dois “extremos”, aquele que “repudia
todos os sentimentos religiosos com o não tendo nada sólido ou substancial
neles” e aquele que “considera muito nobres todos os sentimentos religiosos
como exercícios eminentes da verdadeira graça, sem inquirir muito a natureza
e a origem desses sentimentos e o m odo com o eles surgiram” (Edw. Rei. Aff.
1 [Miller 2:119]). Todavia, agora passara a ser urgente identificar “o selo do
94 ♦♦♦ A CRISE DA ORTODOXIA ORIENTAL E OCIDENTAL

Espírito” não com o a “revelação de qualquer fato pela sugestão imediata”,


mas com o “a própria graça na alma” (Edw. Rei. Aff. 3.1 [Miller 2:234]) em
oposição aos “muitos tipos de falsos sentimentos religiosos por meio dos
quais multidões são iludidas e provavelmente o foram em tocfes as eras da
igreja cristã” (Edw. Rei. Aff. 3.1 [Miller 2:210]), mas que, nessa era, corria o
risco de vir a ser dominante em todos os ramos da igreja cristã.
Conforme sugere o título da obra de Bunyan, A doutrina da lei e da graça
desenvolvida, a doutrina da graça, desde o Antigo Testamento e também do
N ovo Testamento, manteve relação dialética com a doutrina da lei e, por
isso, com a doutrina da criação e a doutrina do pecado (Span. Exerc. acad. 1.3
[Marck 3:534-38]; Span. Εν. vind. 2.1 [Marck 3:221-25]). Bunyan enfatizou que
a aliança da graça, a despeito de sua designação com o “nova”, e não a aliança
da lei ou de obras, representava a relação original entre o Criador e a criatura
(Bnyn. Ln>. Gr. 2 [Sharrock 2:93-94]) e que essa “aliança não é interrompida
por nossas transgressões” (Bnyn. Ew. Gr. 2 [Sharrock 2:167]), uma vez que
“ela não foi feita conosco”, mas com “o mediador de uma nova aliança” (Hb
9.15; 12.24). A doutrina da criação do homem por Deus com o “a imagem
viva de sua [de Deus] beleza e suas perfeições, o grande vaso de suas graças
e o admirável tesouro de suas riquezas” (Grig. Mont. Am. sag. 3.35 [Gendrot,
p. 110]) era o alicerce do conhecimento autêntico sobre a criação e sobre a
graça. Em uma época na qual a crise na doutrina da criação despertou em
alguns de seus defensores um tipo de panteísmo com o um contrapeso ao
deísmo e em outros uma doutrina de aniquilacionismo (veja p. 167 abaixo),
parecia necessário afirmar “com maior precisão a distinção entre Deus e nossa
alma” (Wlff. Nat. Gott. 250, 338 [1744-1:253, 335]) com o criatura e declarar
que se a doutrina epicurista da aniquilação era ensinada por alguns cristãos,
“eles não eram dignos do nome ‘cristão’ ” (Jab. Sal. 14 [Basler, p. 165-66]).
A maioria dos teólogos que se denominava por esse nom e estava “em
geral de acordo que o pecado consistia radical e fundamentalmente no que é
negativo, ou privado, tendo sua raiz e alicerce em uma privação ou desejo de
santidade” (Edw. Rei. Aff. 1 [Miller2:118];Mrck. Comp.lS.2G [Velzen 18:309]),
e que o pecado, portanto, não tinha nenhum “ser” seu (Lmp. Ew. Str. 2
[1729:292-93]). A despeito da contínua — e às vezes intensificada (Mrck. Scrip,
exerc. 21.7 [Velzen 10:998]; Zinz. Red. 10 [Beyreuther 1-11:138]) — doutrina
protestante de que todos os descendentes de Adão eram pecadores (Poir.
Oec. div. 2.15 [1705-1:539]), uma das ironias na mudança de situação durante
esse período foi que a crítica mais contundente da doutrina agostiniana do
pecado original não veio do Oriente, mas da teologia protestante (Reim.Apol.
A doutrina da lei e da graça 95

2.5.2.2 [Alexander 2:452-55]), que durante a Reforma com eçou a atacar o
escolasticismo do final do período medieval com o uma deserção “semipe-
lagiana” (veja vol. 4, p. 203-204) da severidade dessa doutrina. A oposição
entre certos protestantes (Teoí.Apol. 12 [1788:31]) à prática “errônea” do
batismo infantil (Drnd. Fid. vind. 4.19 [1709:588-92]) que, uma vez que Pelágio
também o aceitara, era a principal sustentação para a doutrina agostiniana
do pecado original (Lang. Mttl. 1.9 [1712:96]; Hrn. H. e. 1.3.30 [Leydecker
1 :2 1 0 ]), levou-os a falar de crianças “não batizadas” com o “inocentes diante
de Deus, em genuína inocência, e por causa de Jesus Cristo, o único Media-
dor” (Teof .Apol. 4 [1788:12]) veja vol. 1, p. 318-21). Alguns dos protestantes
mais radicais (Drnd. Fid. vind. 2.5 [1709:217-20]; Bert. Teol. disc. 12.13 [1792-
111:43]) também começavam a reviver a interpretação pelagiana (veja vol. 1,
p. 318-19) da morte não com o a punição e “salário do pecado” (Rm 6.23)
herdado de Adão, mas com o uma ocorrência natural (Feld. Find. 1 [1799:5]).
Os teólogos orientais prosseguiram para caracterizar o pecado com o “um
veneno sem limites, um mal sem limites e um peso opressivo sem limites”
(Men. Did. 2.2 [Blantès, p. 108]), mas também com o “um pecado ancestral
distribuído a cada um desde Adão” (Eug.Bulg. Ort. 3 [Metaxas,p. 16-17]). Não
só a morte com o consequência do pecado, mas “a transgressão do ancestral
Adão é transmitida e está sendo transmitida para toda a raça humana” (Atan.
Par. Epit. 2.2.9 [1806:269]). Contudo, eles também continuaram a enfatizar
seu caráter “voluntário” (Men. Did. 1.7 [Blantès, p. 75]).
Essa ênfase era um lembrete de que além da dialética entre a graça e a lei,
a outra dialética que figurara de forma proeminente na história da doutrina
da graça era a entre a graça e o mérito, ou a graça e a recompensa (Span. Εν.
vind. 1.15 [Marck 3:52-54]), cujo fundamento, por sua vez, era a dialética entre
a graça e o livre-arbítrio; isso incluiu, na fórmula de Bunyan (Bnyn. Lw. Gr. pr.
[Sharrock 2:17]), a doutrina das “providências com uns” de D eus estendidas
a todos, com o distinta de sua outra doutrina da providência divina particular
de eleição, predestinação e a perseverança final dos santos (Bnyn. Lw. Gr. 2
[Sharrock 2:199]). Conforme apresentava um manual da doutrina oriental
ortodoxa, citando as palavras do capítulo final da Bíblia, “Vem! Quem tiver
sede, venha; e quem quiser, beba de graça da água da vida” (Ap 22.17), tinha
de haver esse “qujererj” porque “o desejo belo e ardente da alma é exigido
antes de qualquer coisa” (Strz. Ort. pr. [1828:2]). O refrão da pregação orto-
doxa oriental era que “Deus quer, e se o homem também quer, o homem é
predestinado” (Men. Did. 1.1 [Blantès, p. 5]). As próprias palavras de Jesus:
“Sem mim vocês não podem fazer coisa alguma” (Jo 15.5), que as confissões
96 ACRISE DAORTODOXIAORIENTAL EOCIDENTAL

luterana e reformada do século XVI citaram para provar que o livre-arbítrio


em relação a D eus era uma ilusão e que os jansenistas ainda citavam desse
modo, significava para os intérpretes ortodoxos orientais {Conf. Aug. 20.39
\Bek., p. &\\,Apol. Conf. Aug. 4.256 \Bek., p. 210]; Conf. escoc. 13 [Niesel, p. 96];
Conf. belg. 14 [Niesel, p. 124]; Cat. Heid. 127 [Niesel, p. 180-81]) não só que “a
graça de Deus é necessária” (Qnl. Exp. apol. [1712-1:93]), mas que a coope-
ração da vontade humana também era necessária (Men. Did. 1.5 [Blantès, p.
51]). D o contrário, Deus, conforme sustentavam eles, teria de ser, com o no
pensamento de Calvino, o autor do mal (Atan. Par. Epit. 1.1.19 [1806:130-33]).
Os intérpretes católicos-romanos também acusavam Calvino, bem com o
Lutero e Zuínglio (Drnd. Fid. vind. 1.30 [1709:98-100]), de transformar Deus
na causa do pecado, embora eles, ao fazer a acusação, explicassem que Deus
era de fato a causa de um ato pecaminoso na medida em que era um ato, mas
não na medida em que era pecaminoso Amrt. Teol. eclec. 6.3.1 [1752-2-1:50]).
Em relação ao conhecimento de antemão de um Deus onisciente, todos
concordariam que isso se estendia também às “escolhas livres” da alma (Wlff.
Nat. Gott. 156 [1744-1:161]) antes de elas serem criadas; contudo, os segui-
dores de Tomás de Aquino em sua leitura da rejeição de Agostinho “da falsa
conclusão dos gnósticos e hussitas de que ao conhecimento de antemão se
segue a necessidade de ações contingentes e a eliminação da liberdade” (Bert.
Teol. disc. 4.3 [1792-1:168]), e eles continuavam a busca medieval (veja vol. 3,
p. 153-56)por uma “harmonia” entre a graça e o livre-arbítrio (Bert. Aug. 4.1
[1747-11:66-73]). A proposição medieval de que Deus “não negaria sua graça
aos pecadores que fizessem tudo que estava ao alcance deles fazer” (veja vol.
4, p. 326) significava que “ninguém faz o que está a seu alcance fazer a não
ser pela graça, aspecto extrínsecamente sobrenatural” (Amrt. Teol. eclec. 7.3.5
[1752-1-11:74-75]); todavia, a razão para alguns rejeitarem Cristo e sua graça
era “nossa própria dureza de coração e ingratidão”, não a predestinação para
a condenação (Grig. Mont. Am. sag. 6.72 [Gendrot, p. 130]).
A predestinação, na frase de Burnet, ainda era “a mais improvável, a mais
sutil e na verdade a mais intricada de todas as questões na divindade” (Brnt.
Art. X X X T K 17 [1700:45]), a questão sobre a qual ele, para sua exposição dos
39 Artigos, “trabalhara com mais cuidado” (Brnt. A rt. XXXTX. pr. [1700:vi])
que em qualquer outra. D e acordo com um importante manual protestante
devocional, a predestinação, “escondida de todo motivo carnal e ainda cheia
de consolação” (Scriv. Seel. 3.8 [Stier 5:57]) não pretendia “perturbar e aterro-
rizar, mas confortar” (Scriv. Zuf.And. 65 [Stier 1:88-89]). Quando os críticos
anglicanos da doutrina calvinista da predestinação buscaram a comprovação
A doutrina da lei e da graça «v♦ 97
‫►|י‬

patrística para suas críticas, eles conseguiram dizer que “seguiram a doutrina
da igreja grega, a partir da qual Austin se separara e formara um novo siste-
ma” (Brnt. A rt. X X X IX . pr. [1700:vi]) e que, por conseguinte, preferiram a
doutrina desses teólogos ocidentais, com o Cassiano (veja vol. 1, p. 321-27),
cujas percepções da graça, do livre-arbítrio e da predestinação, divergiam
das de Agostinho, carregada de “profundas impressões da doutrina da igreja
grega” (Brnt .A rt. X X X IX 17 [1700:149]).
O s expoentes gregos da doutrina da providência atacaram os “teólogos
escolásticos” (e Agostinho, a fonte deles) por identificarem, pelo menos em
parte, a “providência” com a “presciência” por causa da ameaça que essa
identificação representava para a doutrina do livre-arbítrio (Men. Did. 1.1
[Blantês, p. 1]). Mas, para os agostinianos ocidentais, as doutrinas gregas da
graça e do livre-arbítrio eram “pelagianas” (Wlch. Pol. 5.3 [1752:1145]). O
esquema, sugerido por alguns teólogos luteranos e por outros, de ensinar que
Deus predestinara o eleito com base na fé antevista deles foi rejeitado não só
pelos professores reformados, mas também pelos católicos-romanos (Bert.
TeoL disc. 6.3 [1792-1:235]; veja vol. 4, p. 435-36), que talvez esperassem achar
isso mais aceitável, considerando a repulsa deles ao “horrendo, detestável e
execrável dogma” da reprovação proposto por Calvino e seus seguidores
(Bert. TeoL disc. 6.17 [1792-1:285-88]). Entre os próprios professores luteranos
e reformados, havia um esforço para encontrar um fundamento comum nas
proposições que “a graça eficaz é seriamente oferecida a todos para quem o
evangelho é pregado” (Wer. Diss. 28 [Ryhinerus 1:481]) e que “só o homem
se exclui dela ao obstinadamente desprezar e rejeitar essa graça, que foi se-
riamente oferecida”. Os luteranos, fundamentados em Paulo e Agostinho
(Strim. Un. Ev. 1.28 [1711:36]), compartilhavam com os calvinistas a doutrina
de uma eleição particular, até mesmo “imutável”, para a salvação (Mrck. Comp.
7.13 [Velzen 18:136]).
N ão obstante, um pietismo que ultrapassara as fronteiras confessionais
tradicionais parecia estar anulando esses conceitos medievais e da Refor-
ma (veja vol. 4, p. 88-90) com o a distinção fundamental entre a vontade
antecedente e a vontade consequente de D eus (Nmnn. Er. [1701:84-86])
e, portanto, estar turvando a diferença entre a oferta universal da graça e a
eleição particular (Nmnn. St. Ver. 26 [1695:55]; Nm nn. Term. [1700:73]). E
um puritanismo que com eçou com um protesto contra o que é tido como
“arminianismo” (Edw. Fr. Wll. pr. [Miller 1:129-32]) na doutrina da graça
parecia, por sua adoção da concessão de uma “aliança intermediária”, ter
“admitido para a igreja um grande número de pessoas que não podia relatar
98 ♦♦♦

A CRISE DA ORTODOXIA ORIENTAL E OCIDENTAL

uma experiência de graça salvífica” (Mead [1942], p. 21) e, assim, reintroduzir


o esforço humano e o mérito humano nas doutrinas da graça em um grau
que fez o Cánones e decretos do Concilio de Trento, sem mencionar o Agostinho, de
Cornélio Jansênio, parecerem, por comparação, estar quase mais próximos
dos ensinamentos dos reformadores protestantes originais. Um teólogo gre-
go ortodoxo — contemplando a complexidade da relação paradoxal entre
a universalidade de uma vontade divina graciosa (veja vol. 1, p. 324; vol. 4,
p. 302) de que “todos os homens sejam salvos e cheguem ao conhecimento
da verdade” (lTm 2.4) e a particularidade de um livre-arbítrio humano que
podia frustrar essa vontade divina e rejeitar a graça e a salvação (Beb. Gl. 4
[1685:47-50]) — falava por todos os cristãos quando exclamou que essa era
“uma doutrina obscura e sublime” (Men. Did. 1.1 [Blantês, p. 3-4]).
D esde a igreja da Antiguidade, a doutrina da graça fora conectada à dou-
trina da palavra de Deus e dos sacramentos com o meio de graça (veja vol.
1, p. 169-70). Era central para a igreja que a apologia da Reforma, conforme
formulada por Jewel, fosse a consideração da “marca e símbolo apropriados”
por meio dos quais a igreja “pode ser conhecida com o a igreja de D eus” (Jwl.
Apol. 4 [Booty, p. 76]); para a teologia da Reforma, isso consistia na pregação
da palavra de Deus e na administração dos sacramentos (veja vol. 4, p. 238-46)
(e, em algumas doutrinas, no exercício da disciplina da igreja (veja vol. 4, p.
280-81), o que, no entanto, não significava absoluta santidade de vida [Span.
Εν. vind. 1.17 (Marck 3:60-62)]). As palavras do Antigo Testamento: “Quem
se aproxima para ouvir é melhor do que os tolos que oferecem sacrifício sem
saber que estão agindo mal” (Ec 5.1), significava para a ortodoxia protestante
que a igreja era principalmente um “auditório”, em vez de um “teatro” (Lschr.
Hor. [1734:4]). Quando vivia à altura dessa ordem, a igreja era “a guardiã da
palavra de D eus” (Deutsch. Lut. 1.5.17 [1698:54-55]): “a Escritura sustenta
a igreja, a igreja guarda [custodii\ a Escritura” (Beng. Gnom. pr. 5 [Steudel, p.
xix]). N o entanto, isso não podia se tornar uma desculpa para supor que “é
possível edificar melhor a si m esm o” por meio da leitura da Bíblia, pois “o
ouvir nos é ordenado de forma ainda mais rigorosa que a leitura” (Lschr. Hor.
[1734:26-28]; Frnck. Id. 20 [Peschke, p. 179]). Um resultado dessa rejeição de
conventículos foi a insistência— em resposta tanto ao anticlericalismo pietista
quanto ao clericalismo católico-romano (Drnd. Fid. vind. 2.40 [1709:306-9])
— que, com o prescrevia a Confissão de Augsburg ( Conf. Aug. 14 [Bek., p. 69]),
“ninguém pode ensinar, pregar ou administrar os sacramentos publicamente
na igreja sem um chamado regular” para fazer isso (Mayr. Red. 4 [1702:357-
58]). O ministério era uma “posição” distinta na igreja, não uma aplicação
A doutrina da lei e da graça 99

especial da doutrina do sacerdocio universal dos cristãos (Deutsch. Lut. 1.3.3,


1.5.4 [1698:21-24, 115]), pois essa doutrina “não abole a distinção entre as
posições” na sociedade e na igreja (Mayr. Red. 4 [1702:367]).
A defesa dos sacramentos em resposta a esses vários desafios, de algu-
mas maneiras, era pouco mais que uma recitação das posições históricas das
diversas igrejas em relação a elas. A ortodoxia oriental estava preocupada em
proteger a integridade e santidade dos sete sacramentos contra o esforço de
reduzi-los a “algum tipo de simples símbolos dos mandamentos de D eus”
(Eug. Bulg. Ort. 9 [Metaxas, p. 35-38]). Em uma época em que os batistas
discutiam a imersão com o a única forma autêntica de batismo Mck. λ/or.
[1774:25-26]), que “tem origem em D eus” (Feld. Hnd. 3 [1799:43]), os teó-
logos orientais também insistiam nisso em oposição aos latinos (Atan. Par.
Epit. 4.1.1 [1806:350-52]), os quais eram obrigados a admitir que a imersão
fora a prática padrão ao longo da maior parte da história da igreja (Amrt. Teol.
eckc. 10.2.9-10 [1754-2-V:6]; Amrt. Teol. mor. 11.2 [1757-11:102]). O debate
(veja vol. 2, p. 193-95) continuou sem solução entre a doutrina ocidental de
que só um bispo era o “ministro costumeiro” da confirmação e a percepção
oriental de que o sacramento podia ser ministrado por um simples presbítero
(Cos. Graec. 3.11.310-42 [1719-11:72-80]; Drnd. Fid. vind. 4.35 [1709:628-31];
Bert. Teol. disc. 32.7 [1792-VIII:35-47]).
Os gregos (e outros) (Hrn. H. e. 2.1.11 [Leydecker 1:250-51]), contra o
catolicismo-romano, enumeraram como diferenças doutrinais sobre a eucaristia:
o uso ocidental de “pão ázimo [sem fermento]”, a crença católica-romana de
que a consagração e o milagre da eucaristia acontecem por meio da recitação
das palavras da instituição, em vez de por intermédio da invocação do Espírito
Santo na epiclese, e a negação do cálice para a laicidade (Atan. Par. Epit. 4.1.3
[1806:360-61]). Para o Oriente, a norma era “pegar o pão com fermento”,
em vez do pão ázimo (Eug. Bulg. Ort. 9, Metaxas, p. 37]). D e acordo com os
latinos, o pão ázimo fora usado na instituição original da comunhão por Cristo
(Drnd. Diss. 4.9.3-11 [1703:400-403]), mas o pão com fermento também era
tecnicamente admissível; contudo, não era “legalmente permitido para uma
consagração lícita em uma igreja latina” (Coz. Graec. 4.5.147 [1719-11:206];
Bert. Teol. disc. 33.5 [1792-VII:96]), e um sacerdote grego celebrando em uma
igreja latina (Amrt. Teol. eclec. 13.2.21.2-3 [1752-3-11:66]) ou um sacerdote
latino celebrando em uma igreja grega (Af. Lig. Teol mor. 6.3.1 .202-3 [Gaudé
3:180]) era obrigado a observar a prática local. Mas os protestantes levaram
tanto gregos quanto latinos a obrigação de transformar sua forma na única
necessária (Mrck. Comp. 31.5 [Velzen 18:607]).
A CRISE DA ORTODOXIA ORIENTAL E OCIDENTAL
100 *t*

O Oriente ensinava que o pão e o vinho — “pelo poder do Espirito, a


fonte da perfeição, invocado pelos sacerdotes por intermédio da epiclese (e
com certeza não pela recitação das palavras do Senhor [Cristo])” — eram
mudados no corpo e no sangue do Senhor (Eug. Bulg. Or¿. 9 [Metaxas, p.
39]). Os latinos, em resposta a isso, citaram várias liturgias do Oriente em
que a consagração era atribuída às palavras da instituição, não à epiclese.
Essas liturgias, conforme argumentavam eles (Bert. Teol. disc. 33.7 [1792-
VIL111-17]; Rndt. IJt. Or. int. 1.2 [1716-I:xii]), só podiam ser entendidas da
forma adequada se fossem “explicadas de acordo com a doutrina católica da
eucaristia” (Rndt. Lit. Or. pr. [1716-I:03v]). E eles, na resposta tanto para
a ortodoxia oriental quanto para o protestantismo (Brnt. A rt. X X X IX 19
[1700:180]; veja vol. 4, p. 186-88), citaram a evidência patrística em apoio
à prática da administração da santa comunhão às pessoas apenas sob uma
das espécies consagradas (Ang. Sil. CTrid. 8 [1675:M3r-M9v]). Enquanto o
anglicanismo também tentava evitar “rebaixar os sacramentos a meros ritos
e cerimônias” (Brnt. A rt. X X X IX 2b [1700:267-68]), ele, ao mesmo tempo,
opunha-se ao “extremo” oposto representado pela doutrina católica-romana,
que ameaçava transformar os sacramentos em “encantamentos” (Brnt. A rt.
X X X I X 11 [1700:125]).
D e acordo com a doutrina do Concilio de Trento (CTrid. 7. Decr. 1.1.1
[Alberigo-Jedin, p. 684]), o catolicismo-romano — respondendo não só às
objeções dos reformadores protestantes, mas também ao profundo ceticismo
a respeito da credibilidade das tradições pós-bíblicas (veja p. 117 abaixo) (e,
às vezes, também às tradições bíblicas) (veja p. 157-58 abaixo) — continuou
a insistir (veja vol. 4, p. 362) que o próprio Cristo instituira todos os sete
sacramentos da igreja “imediatamente” (Amrt. Teol. mor. 10.4 [1757-11:84];
Bert. Teol. disc. 30.8 [1792-VI:153-55]), e não por intermédio da mediação
dos apóstolos ou das gerações posteriores. A teologia reformada tornou seu
conceito característico da aliança central para sua definição dos sacramentos
(Ost. Arg. ref.]t 31, Jo 4 [1720:1:522,1720-11:123]; veja vol. 4, p. 432-42), que
se restringia ao batismo e à ceia do Senhor (Ost. Cat. [1747:179]); e ela, contra
a acusação luterana de racionalismo na doutrina dos sacramentos (Ost. Cat.
[1747:180-81]), afirmou sua fé no “mistério” deles (veja vol. 4, p. 258-59),
uma vez que a insistência luterana na total precisão dogmática em relação aos
sacramentos que era racionalista (Wer. Diss. 10.1 [Ryhinerus 1:168]). Enquanto
o luteranismo se esforçava para evitar que a acusação de que nos séculos XVI
e XVII distorcera os sacramentos, que Cristo pretendera que nutrisse a união
dos cristãos, se transformasse em uma ocasião para controvérsia entre os
estudiosos (Frnck. Pred. Maund. Thu. [1699:23-24]), ele enfatizava o caráter
Uma vida devota e santa .φ. 101
dos sacramentos com o uma dádiva, na qual “nosso querido Salvador quer
se entregar e se garantir a nós com tudo que ele é e tem e se unir a nós com
tanta intimidade quanto possível” (Scriv. See¿. 3.7 [Stier 5:16-17]).

Uma vida devota e santa


N o ano de 1 7 0 0 , a maioria dos membros da maioria das igrejas, ao
ouvir a frase “a crise da ortodoxia”, logo pensaria na crise da devoção e
moralidade cristãs, que durante aquele ano era lamentada em muitos países.
Um livro publicado em 1 7 0 0 descrevia com o o czar da Rússia, que estava
“quase degenerando em selvageria”, repreendera o patriarca de M oscou
(cujo cargo estava para ser abolido) por expor o ícone da virgem Maria em
uma vã tentativa de proteger da “vingança pública os crimes que tendiam a
arruinar a comunidade” (Krb. Diar. 6 - 7 . X . 1 6 9 8 [ 1 7 0 0 : 8 3 ] ) . Naquele ano, um
francês católico-romano advertiu contra as “antigas tentações” (Fén. Ep.
1 2 . X Í Í .1 7 0 0 [Gosselin 8 : 6 2 5 ] ) , e outro publicou uma angustiada explicação do

que se pretendia com a tese moralmente inquietante de que “era impossível


guardar os mandamentos de D eus” (Qnl. Clém. IX. 1 . 1 [ 1 7 0 0 : 1 6 ] ) , enquan-
to um teólogo reformado de fala francesa reclamou, em Neuchâtel, que “a
ruptura da disciplina é uma das maiores imperfeições a ser observada nas
causas mais óbvias e universais de corrupção entre os cristãos” (Ost. Corrupt.
2 .2 [1 7 0 0 -1 1 :3 6 , 8 1 ]).

U m pietista alemão, ao pregar no domingo após o dia da Ascensão, em


1700, descreveu a maioria dos membros da igreja com o “querendo ter o
tipo de cristianismo em que conseguem simultaneamente agradar a Deus
e, ainda assim, não desagradar ao mundo” em contraste com alguém para
quem “sua salvação eterna é um assunto de seriedade mortal” Frnck. Pred.
Ex. [17000:35,54]); um luterano ortodoxo no domingo de sexagésimo daquele
ano advertiu que Satanás, por intermédio de movimentos com o o pietismo,
tentava solapar a fé e a confiança “em especial, nesses últimos dias” (Mayr.
Red. 3 [1702:343]); e um apocaliticista mais radical denunciou tanto os pietistas
quanto os ortodoxos com o “semicristãos”, com sua piedade de igreja, que
se agarram aos ensinamentos que ouviram na juventude” (Pet. Mist. pr. 17
[1700-I:C3r]). Também em 1700, um bispo anglicano dedicou um livro a seu
rei com a admoestação: “Seu trabalho só será feito [...] quando empregar esse
poder que D eus pôs em suas mãos [...] acima de todas as coisas no aumento
do poder e eficácia dessa religião por meio de uma reforma adequada da nossa
vida e m odos” (Brnt. Art. X X X IX . ep. ded. [1700:A3v-A4r]).
Alguns anos depois apareceu um livro na Inglaterra cujo conteúdo e
mesmo título articulava esse aspecto da crise da ortodoxia: Um chamado sério
102 A CRISE DA ORTODOXIA ORIENTAL E OCIDENTAL

à vida devota e santa, publicado em 1728 por William Law. As gerações poste-
riores foram “muitíssimo beneficiadas” (Wsly. Serm. 2.107 Qackson 7:203])
pelo livro e até mesmo seus críticos ficaram impressionados por sua “igual
severidade e verdade” (Gib. Aut. 1 [Saunders, p. 45]) — não porque era
muito original, mas porque não era, ao resumir com o fez uma preocupação
universal também expressa por um teólogo mediando entre o pietismo e o
racionalismo, que também pregou, em 1728, sobre o tema “A grande falta
de seriedade genuína no cristianismo” (Baum. Pred. 2.5 [Kirchner 2:155-
90]). A vida cristã, nas palavras do título de Law, tinha de ser tanto “devota”
quanto “santa”, alcançando, conforme colocou um contemporâneo do livro,
“nosso progresso tanto na piedade quanto na santidade” (Ost. Arg. G1 5,
E f 4 [1720:11:241, 247]) para contrabalançar aqueles que, “com seus erros
deploráveis, introduzem a permissão tanto na moral quanto na impiedade”
(Ost. Arg. ref. 2Tm 3 [1720-11:277]). Esse aspecto da crise da ortodoxia esta-
va estreitamente ligado à crise na doutrina da graça (Lw. Ser. Cl. 2 [Moreton
4:20]); era consenso nas igrejas “que a prática cristã, ou a vida santa, é um
grande e característico sinal de uma graça verdadeira e salvífica” (Edw. Rei.
Aff. 3.12 [Miller 2:406]), e que “a virtude e a santidade” caracterizavam os
profetas, apóstolos, mártires, virgens, ascéticos e quem quer que a graça di-
vina santificara” (Men. Did. 1.3 [Blantès, p. 33]). Ainda assim, “a doutrina da
graça estava sofrendo uso indevido”, em vez de ser “ativa” na produção de
uma “vida espiritual e divina” (Edw. Rei Aff. 3.12 [Miller 2:398]) que fosse
devota e santa (Ost. Arg. ref. Rm 6, G12 [1720:11:192,237-38]). Como era de
esperar a partir da relação ambígua, mas recíproca entre a doutrina da graça
e a doutrina dos meios da graça (veja vol. 1, p. 169-70), esse uso indevido da
primeira também levou a um grave uso indevido da segunda, mais uma vez
à custa de uma “vida [verdadeiramente] espiritual e divina”.
Por essa razão, William Law iniciou seu tratado com uma definição: “A
devoção não é oração privada nem pública. [..·]A devoção significa uma vida
entregue, ou devotada, a D eus” (Lw. Ser Cl. 1 [Moreton 4:7]). Pelo fato de
tantos membros da igreja “parecerem não ter outra devoção além das orações
ocasionais”, eles conquistaram “a zombaria e o desdém de pessoas negligentes
e mundanas” (Lw. Ser Cl. 1 (Moreton 4:8]). Contudo, a vida verdadeiramente
devota era “tão verdadeiramente adequada ao evangelho de Cristo quanto ser
batizado ou receber o sacramento (Lw. Ser CIS), 4 [Moreton 4:70,41]). Essas
advertências contra a confiança na adesão aparente ao ritual dos sacramentos
vieram à medida que os diversos sistemas da doutrina e prática da eucaris-
tia oriundas da Reforma enfrentavam mais uma vez nova avaliação. Não
Uma vida devota e santa Aφ 103

obstante, a repetição da interpretação sacrificial da missa (Ang. Sil. CTrid. 6


[1675:J10v-L2r]; Arb. Inst. 3.8 [1765:343]; Bert. Teol. disc. 33.19 [1792-VII:190];
Gtti. Coll 3.7.2 [1727:544]) e da legislação doutrinai do Concilio de Trento
(veja vol. 4, p. 368-69) tornando a transubstanciação obrigatória “como um
assunto de fé \de fide]‫( ״‬Amrt. Teol. mor. 12.2 [1757-11:164]), era necessário
admitir que a doutrina, incluindo a confusão da continuidade da posição
dos “acidentes” do pão e do vinho, ainda estava “sendo explicada de várias
maneiras até mesmo pelos escritores católicos [-romanos]” (Amrt. Teol. eclec.
11.3.1 [1752-2-VI:67]). O sacramentalismo ortodoxo oriental, seguindo as
fórmulas desenvolvidas em suas confrontações com o catolicismo-romano
e com o protestantismo (veja vol. 2, p. 310), continuava a afirmar que Cristo
“muda verdadeira e precisamente e transubstancia [μετουοιώσας]” o pão e
o vinho em seu próprio corpo e sangue (Eug. Bulg. Ort. 9 [Metaxas, p. 38];
Men. Did. 1.6 [Blantês, p. 64]), embora a centralidade da invocação do Espírito
Santo (Amrt. Teol. mor. 12.1 [1757-11:162]) com o o meio pelo qual o milagre
da eucaristia era realizado unia a doutrina da presença e a doutrina da igreja
em uma perspectiva que ultrapassava as distinções ocidentais entre a presença
“real” e a presença “simbólica” (veja vol. 3, p. 109-16).
A transubstanciação, para um teólogo reformado, era o “erro” número
um do catolicismo-romano que ele, acima de todos os outros, considerava
ao m esm o tempo repulsivo e “impossível de crer” (Wer. Diss. 12 [Ryhinerus
1:205]). Os luteranos, quer ortodoxos quer pietistas (Neum. Ev. Nacb. 2
[1726-11:53-54]), conforme seus oponentes reconheciam (Gtti. Coll 3.6.9,
3.6.19 [1727:530, 542]), apesar de continuarem a se dissociar das teorias da
transubstanciação e do sacrifício (Nss. Dipp. 9 [1701:61]; Spen. Bed. 1.1.26
[Canstein 1:147]), repetiam a insistência de Lutero quanto a uma presença
tão “real” que mesmo o comungante indigno recebia o verdadeiro corpo e
sangue de Cristo (Strim. Un. Ev. 1.16 [1711:18]; Wer. Diss. 10.3 [Ryhinerus
1:180-81]), insistência essa que os reformados ainda rejeitavam. Burnet, em
sua explicação dos 39 Artigos, também rejeitou essa teoria (Brnt. A rt. X X X IX
29 [1700:343-44]) com o ainda outro “mero ponto de especulação referente
ao m odo com o Cristo está presente” Brnt .A rt. X X X IX . pr. [1700:vii]), não
obstante, ele professava “a afirmação da presença real do corpo e do sangue
de Cristo”, querendo dizer com “real”, uma presença que era “verdade,
em oposição tanto à ficção quanto à imaginação” (Brnt. A rt. X X X IX 28
[1700:308-9]). O que separava tudo isso do desenvolvimento anterior era
um maior senso de que a devoção eucarística, além de qualquer confissão da
presença, encontrava agora seu foco na “observação correta do sacramento”
104 ♦♦♦ A CRISE DA ORTODOXIA ORIENTAL E OCIDENTAL

(Zinz. Zst. 50 [Beyreuther 3-11:386-89]) em que a experiência pessoal de “lem-


brança e reconhecimento” passou a ser vista com o “urna parte necessária”
(Lw. Dem. Er. [Moretón 5:15]), contra uma atenção exclusiva às “ocasiões
públicas do culto divino” (Lw. Cr. Perf. 9 [Moretón 3:144]), de m odo que
veio a ser necessário a incitar as pessoas a comparecer “ao culto público e à
adoração solene de D eus” mesmo quando elas sentiam “que conseguiam se
edificar melhor a sós” (Frnck. Id. 20 [Peschke, p. 179]; Mrck. Scrip, exerc. 6.28
[Velzen 10:426]). D a mesma maneira, a admoestação para comungar com mais
frequência parecia estar se tornando, além das fronteiras confessionais, mais
importante que a definição da presença real (Leyà.Jans. 2.3.9-10 [1695:490-
97] ; Q nl .Arn. pr. 21 [1699:xxxi-xxxii]; Frnck. Bcht. [Peschke, p. 97]). Embora
nada disso ameaçasse explícitamente as doutrinas dos sacramentos instituídas
nos padrões confessionais dos séculos XYI e XVII, podia tender a relegá-las
a uma posição secundária.
D a mesma maneira, enquanto alguns de seus contemporâneos, indepen-
dentemente de sua posição teológica, teriam objetado à definição de Law do
“hom em devoto” com o alguém “que transforma todas as partes de sua vida
comum em partes da piedade” (Lw. Ser. Cl. 1 [Moreton 4:7]), essa linguagem
podia ameaçar dissolver as tarefas específicas da “piedade” cristã em um
conteúdo universal da “vida com um”, ao elevar as experiências extrassacra-
mentais da piedade à condição normativa. Os católicos-romanos, enquanto
defendiam o uso das indulgências, prática condenada pelos reformadores
protestantes (Arb. Inst. 1.38 [1765:208-12]; Drnd. Fid. vind. 3.49 [1709:495-
98] ), tiveram de reconhecer depois de estudar sua história (pela primeira
vez) (Amrt. Ep. 1742 [Friedrich, p. 62]) que a exteriorização do sacramento
da penitência no fim da Idade Média contribuiu para a Reforma (Amrt. Teol.
mor. 13.14 [1757-11:304-62]) e, por isso, para o esfacelamento do sistema
sacramental medieval; e eles, nesse uso, citaram a posição do Concilio de
Trento quanto à “moderação” (Amrt. Teol. mor. 13.12 [1757-11:293]; CTrid.
25. Decr. 6 [Alberigo-Jedin, p. 796]). O s protestantes, enquanto repetiam os
ataques dos reformadores à doutrina escolástica da penitência (Reb. Poen.
24-28 [1708:12-15]; Span. H. e. 16.5 [Marck 1:1906-10]), foram forçados, por
sua vez, a admitir que a essa altura a repetição impensada das fórmulas de
confissão substituídas pelos reformadores para o sacramento da penitência
levou ele mesmo a uma nova exteriorização (Frnck. Bcht. [Peschke, p. 93]).
Até mesmo o catolicismo-romano (Bert. Teol. disc. 34.3 [1792-VIL238]), a
despeito da afirmação de um consenso na definição pelo Concilio de Fio-
rença (CFlor. [1438-45 [Decr.Arm. [Alberigo-Jedin, p. 548]), reafirmada pelo
Uma vida devota e santa ♦♦♦ 105
Concilio de Trento, que a contrição, confissão e satisfação pelo pecado (veja
vol. 4, p. 366-67) eram “por assim dizer a essência” do sacramento (CTrid.
14. Decr. 1.3, Can. 4 [Alberigo-Jedin, p. 703-4]), estava claro que os problemas
em relação a todas as três partes da penitência continuavam sem solução na
doutrina e na prática (Amrt. Teol.mor. 13.2-7 [1757-11:205-35]). Defender a
objetividade da “satisfação” penitencial contras os vários hereges (Af. Lig. Teol
mor. 6.4.4 .506-30 [Gaudé 3:516-39]), em especial aqueles que, “tendo uma
vez abandonado o caminho da tradição apostólica, seguem apenas a razão
como seu guia” (Amrt. Teol. eclec. 12.6. pr [1752-3-1:222]; Drnd. Diss. 4.22
[1703:475-79]) não resolveu no final da Idade Média (veja vol. 4, p. 157-58,
128-33) o problema — na verdade, perene — de com o o sacramento objetivo
era afetado pela condição subjetiva do penitente que era “falho” em alguns
aspectos do “arrependimento” necessário pelo pecado ou do pai confessor
que estava ele mesmo “em uma condição de pecado mortal” (Amrt. Teol. mor.
13 .9 ,1 3 ,1 8 [1757-11:257, 380]).
Os seguidores de Lutero (veja vol. 4, p. 316) elogiavam sua abolição
da confissão auricular compulsória (Schmdt. Bcht. [1662:18]) e defendiam
sua manutenção da confissão privada, enquanto os católicos-rom anos
criticavam a primeira (Wlch. P0/.4.1.83 [1752:1033-34]); e os calvinistas, a
segunda (Amrt. Teol. eclec. 12.2.1 [1752-3-1:31]). Os protestantes aprovaram
a modificação do “rigor” penitencial dos tempos anteriores (Span. Εν. vind.
3.13 [Marck 3:502-3]; Wer. Mise.22 [Ryhinerus 2:321]), mas, “com muitos
teólogos e outros, lamentamos que quase todo o arrependimento público
de graves transgressões foi abandonado nas igrejas evangélicas” (Reb. Poen.
37 [1708:22]). N o lado protestante não menos que no católico-romano, a
condição subjetiva do penitente e do confessor exige atenção (Zinz. Off. Red.
11 [Beyreuther 2-IV:100-104]). Havia muitos livros sobre o arrependimento,
“mas com certeza a maioria daqueles que os escreveram eram eles mesmo
não convertidos” (Frnck. Bcht. jPeschke, p. 94]), e isso a despeito “da reiterada
exigência [do N ovo Testamento] que eles "tinham de ser’ ” devotos e santos
(Frnck. Meth. 1.6 [1723:19]; lT m 3.2, Tt 1.7). Esses autores, sem qualquer
“experiência [pessoal] do que seja o verdadeiro arrependimento e conversão”,
desenvolveram “fórmulas de confissão que deixam todo o ato de conversão
caótico até que seja impossível saber se pertence ao regenerado ou ao não
regenerado” (Frnck. Bcht. [Peschke, p. 93-94]). Se o penitente não trouxesse
“um coração cheio de genuíno arrependimento e verdadeira fé” (Neum. Funf.
1 [1726-1:149]) para a confissão dos pecados, o ato era “hipocrisia” porque
o arrependimento era fundamental para a fé (Frnck. Pred. Trin. 20 [1699:35];
106 Λ♦ A CRISE DA ORTODOXIA ORIENTAL E OCIDENTAL

Reb. Poen. [1708:19-20]). A confissão protestante formal — sem esse “vivo


conhecimento e experiência da verdade divina no coração” (Frnck. Bcht.
[Peschke, p. 99]), o conhecimento e a experiência do que significa ser “ñas-
cido de novo [e] transformado em nossa própria natureza” (Lw. Chr. Perf. 2
[Moretón 3:29]) — não era melhor que a confissão católica-romana formal.
“Nada m enos que essa grande transformação de coração e mente” estava
em posição “de fornecer qualquer garantia de que o indivíduo está de fato
voltado para D eu s” (Lw. Cr Perf. 2 [Moreton 3:35]), e sem esse “bem intenso
e sincero na religião [...] não som os nada” (Edw. Rei. Aff. 1 [Miller 2:99-100]).
Apesar de a convocação e “sério chamado” a imitar a santidade de Cristo
sejam dirigidos a todos os cristãos, esses chamados têm importância especial
para “a profissão de um clérigo [que] é uma profissão santa porque é a minis-
tração de coisas santas” (Lw. Ser Cl. 4 [Moreton 4:31]). O movimento para
reformar a vida e a moral do clero e transformá-los no genuíno “testemunho
de Jesus” (Zinz. Soc. 31 [Beyreuther 1-1:281]) estava impregnado nas igrejas
no com eço do século XVIII. O arcebispo François Fénelon, de Cambrai, em
sua oposição ao jansenismo, esforçou-se para fortalecer não só o treinamento
profissional e o estudo acadêmico de seus sacerdotes, mas acima de tudo o
compromisso e santidade pessoais deles; e analisou em detalhes as virtudes
exigidas para o cargo de bispo (Fén. Ep. 30.xii.1704 [Gosselin 8:439-41]). A
fórmula de ordenação recebida “dos primordios da igreja” (Amrt. Teol. eclec.
13.2.1.4 [1752-3-11:10]) por meio da qual o bispo pronunciava sobre o can-
didato as palavras de Cristo para os apóstolos: “Recebam o Espírito Santo”
(Jo 20.22), conferiam, conform e confessado pelo Concilio de Trento (CTrid.
23. Can. 4 [Alberigo-Jedin, p. 744]), a graça do ofício sacerdotal (Ambr. Spin
3.18.137 [CSEL 79:208]); mas a “graça” deveria estar na pessoa do sacerdote,
e não apenas em seu ofício (Bert. Teol disc. 36.8 [1792-VIIF.76]), não apenas
no sacrifício da missa, mas no sacrifício de seu coração e vida, e o desejo
pessoal de funcionar com o sacerdote era necessário para a ordenação (Af.
Lig. Teol mor 4.2.1.113 [Gaudé 2:528-29]).
Spener dirigiu boa parte de seu pensamento para a reforma do clero
protestante, que precisava tanto de reforma “quanto qualquer classe pre-
cisava” (Spen. Pr Des. [Aland, p. 16]). N ão bastava que eles tivessem um
“conhecimento literal” da Bíblia (Spen. Gtts. 4 [1680:138-40]) sem “a graça
e a iluminação do Espírito Santo” (Spen. Pr Des. [Aland, p. 67]): eles têm de
ser cristãos verdadeiros. Spener, porque seus oponentes viam sua campanha
com o um ataque ao próprio ofício ministerial (Gtz. Unt. [1693:Mlv]; Mayr.
Red. 4 [1702:357-58]), fez questão de insistir que ele não estava abolindo a
Uma vida devota e santa

1 07

distinção entre o clero e a laicidade nem dando à laicidade o direito de pregar e


administrar os sacramentos (Spen. Bed. 1.1.28 [Canstein 1:175-76]). Seu colega
Francke via a exigência de que um clérigo fosse “irrepreensível” (lTm 3.2; Tt
1.7) com o “a pressuposição de [todos] os outros atributos de um pregador”
(Frnck. Pred. Mis. [1700:15]) e deplorava, com o uma importante fonte do
declínio espiritual da igreja, a condição de “não convertido” daqueles que
pregavam e ouviam a confissão (Frnck. Bcht. [Peschke, p. 101]); “é necessário
saber antes de tudo e acima de tudo em um estudante de teologia”, disse ele
nas palavras iniciais de seu tratado sobre o estudo da teologia, “se seu coração
está certo com D eus” (Frnck. Id. 1 [Peschke, p. 172]). A erudição teológica
não tinha de ser desprezada, mas a fé pessoal do estudante de teologia e fu-
turo pastor tinha de ser sua “principal preocupação” (Frnck. Id. 29 [Peschke,
p. 189]). Pois “a vida dos estudantes, incluindo dos estudantes de teologia,
na universidade [era] tão não cristã” (Spen. Beant. 1.48 [1693:62]) que, com o
os professores ortodoxos, defensivamente, tiveram de admitir (Mayr. Witt. 1
[1686:22-23]), às vezes acabava em escândalo porque o fato de os estudantes
não “terem essa vida santa imposta [a eles] não era de menor monta que a
diligência e o estudo” (Spen. Pi. Des. [Aland, p. 6 8 ]).
A história mostrou que a depravação do clero fora a fonte da corrupção
da igreja com o um todo durante a Idade Média (Span. H. e. 8.3 [Marck 1:1270-
72]; Lmp. Hist. 2.6 [1747:164]). Mas o pietismo corria o risco de “confundir
o cargo com a pessoa” (Nss .Dipp. 11 [1701:71]) e de supor que a validade da
palavra e do sacramento dependia “da dignidade e piedade” do ministro (Ess.
Consist. 24.viii.1709 [Neumeister, p. 296]), incorrendo, assim, no erro dona-
tista (Pnch. Diet. [1736:139-41]), do qual o protestantismo ortodoxo tentava se
dissociar (Span. Εν. vind. 2.21 [Marck 3.323-24]). Esse foi considerado o erro
dos hussitas (Bert■Hug. 6.3 [1747-11:496]; Pnch. Diet. [1736:186]) e agora era
discernido também nos descendentes espirituais deles, os Irmãos Morávios
(Beng. Brud. 2.42 [1751:311]). Também foi o erro atribuído ao bispo Hoadly
na controvérsia bangoriana, pois ele tinha certeza que “a fraqueza natural dos
homens os deixava incapazes de ser o instrumento de transmissão da graça
aos seus irmãos”, sendo, desse modo, inevitável a conclusão de “que não pode
haver nenhuma instituição positiva na religião cristã que busque qualquer
vantagem espiritual para seus membros”. E, “portanto, os sacramentos não
podem mais ser algum meio de graça” (Lw. Bngr. 2 [Moreton 1:39]).
Mas esses sérios chamados à vida santa entre os ministros da igreja,
nas mãos de teólogos anticlericais (Sherl. Def. int. [1675:8]) — de quem os
oponentes disseram que eles “reprovam o clero leal e capaz de se confor-
108 A* A CRISE DA ORTODOXIA ORIENTAL E OCIDENTAL

mar” e “chamam a instituição divina do sacerdocio pelo odioso nom e de


‘clericalismo’ ” (Hcks. Ltrs.pt. [1705:C3r]) — passaram a ser uma denúncia
de toda a “classe clerical” por sua “inércia” e negligência (Pet. Hchff. 5.16
[1701:172-73]). “O flagelo do clero protestante ñas costas dos sacerdotes
pagaos e papistas” (Tol. Milt. [1699:139]) assumiu a forma da declaração de
que os sacerdotes pagãos foram “perspicazes” em engendrar “mistérios” para
a multidão supersticiosa (Tol. Mist. 3.1 [1696:70]) e, assim, por implicação,
faziam os sacerdotes de todas as igrejas pelos quais “o mundo cristão fora
escravizado e a religião fora forçada a dar lugar para a destrutiva superstição”
(Tin. Cr. 9 [1730:109]).
O clero fora desviado pela falha em perceber, conforme colocou Law (Lw.
Ser. Cl. 1 [Moreton 4:10]), que “nosso abençoado Salvador e seus apóstolos
estão totalmente absorvidos em doutrinas relacionadas com a vida com um”
(Zinz. Soe. 7 [Beyreuther 1-1:77-78]), e não com doutrinas teológicas com o
tais. Era uma queixa recorrente da ortodoxia que o conteúdo moral do cris-
tianismo estava sendo preferido ao seu conteúdo doutrinai (Mos. Vmd. disc.
2.1 [1722:255-57]; Lschr. Hor. [1734:27]), o qual D eus concedera para ser
recebido “sem adulteração” (Neum. Funf. 2 [1726-1:238]); pois embora “uma
proposição concernente à vontade de D eus”, por meio da qual “as pessoas
[tinham] de ser informadas de sua obrigação”, fosse “uma doutrina da reli-
gião tão apropriada quanto uma proposição referente à natureza de D eus ou
uma obra de D eus” (Edw. Rei. Aff. 3.4 [Miller 2:279]), um verdadeiro senso
de obrigação, junto com “outras propensões verdadeiramente espirituais e
graciosas” (Edw. Rei. Aff. 3.44 [Miller 2:266-68]), surgiu das “doutrinas divina
e espiritual” porque “a verdade do evangelho” era “a gloriosa doutrina que a
palavra de Deus contém referente a Deus, e a Jesus Cristo, e ao caminho da
salvação por meio dele” (Edw. Rei Aff. 3.5 [Miller 2:294]). A teologia ortodoxa
oriental (veja vol. 1, p. 26-27) compartilha a distinção comum entre dogmática
e ética (Atan. Par. Epit. prol. 2 [1806:6]), mas fazia isso para enfatizar “que
a exposição dos dogmas divinos tem de encontrar seu objetivo apropriado”
na doutrina dos sacramentos e na ética (Atan. Par. Epit. 4. prol. [1806:343]).
O epigrama de Gregário Nazianzo para seu epitáfio para Basilio de que “sua
fala era com o um trovão porque sua vida foi com o um relâmpago” (Gr. Naz.
Carm. 2.2.119.40 \PG 38:74]), ajusta-se muito bem à agitação pietista pela
recuperação da relação certa entre a doutrina e a vida (Spen. Pi. Des. [Aland,
p. 68]) e por uma mudança que seus oponentes também denominavam “o
aperfeiçoamento do m odo de vida cristão” (Mayr. Red. 10 [1702:580-621]).
Uma vida devota e santa ♦ > w9
A crítica dos catecismos tradicionais e dos guias teológicos pela ênfase
exagerada na doutrina e sua consequente negligência da moral vinha de mui-
tos lados (Frnck. Meth. 3.29 [1723:185]; Ost. Corrupt. 1.7 [1700-11:272]; Reim.
Apol 1.1.2.3 [Alexander 1:86]); a necessidade era de “uma teologia que não só
lotasse o intelecto de conhecimento, mas também mudasse completamente
a vontade” (Spen. Gtts. 6 [1680:319]; Frnck. Meth. 5.2 [1723:268]). Reconhe-
cidamente, “o maior defeito da Reforma é que nela não há encorajamentos
a uma vida devota” (Brnt. Rom. [1688:65]), e a simples citação dos ditos dos
pais da Reforma sobre a necessidade de se ter uma “fé viva” não anulava
esse defeito (Lang. Antiharb. [1709:1:451]; Gtz. Lint. [1693:D3r]). Em meio
ao chamado pietista por “reforma da vida”, os comentaristas da ortodoxia
no Continente também insistiam que a única reforma autêntica da igreja,
como acontecera no século XVI (Deutsch. Lut. 1.3.17 [1698:33-34]), tinha
de vir da reforma da doutrina, uma vez que, “conforriie diz Epifânio de Sa-
lamina, a sucessão [apostólica] genuína [na igreja] consiste na continuidade
da doutrina” (Epif. Her. 55.3.8 [C C S3 1:329]; Lschr. Unfehl. 14 [1724:101]).
N o entanto, essa insistência, tanto na Inglaterra quanto no Continente, teve
sucesso apenas na mudança do local do litígio, mas não na adjudicação dele.
A reconsideração da relação entre a doutrina verdadeira e a falsa teve
como seu contexto a polêmica ortodoxa contra a falsa doutrina, que as
gerações anteriores viam com o uma obrigação central da igreja e seus teó-
logos (Bert. Teol. disc. 19.6 [1792-IV83]; veja vol. 1, p. 88-90). A polêmica
da teologia católica-romana — respondendo às objeções “extremamente
insensatas” dos reformadores contra a doutrina católica do mérito, à doutri-
na calvinista da reprovação (Pnch. Diet. [1736:107]) e à crítica reformada da
doutrina tradicional dos anjos da guarda (Mrck. Comp. 9.17 [Velzen 18:181-
82]) — continuou a afirmar essa obrigação e a pô-la em prática (Drnd. Fid.
vind. 1.29 [1709:97-98]; Bert. Teol. disc. 10.19 [1792:11:169-71]). Por sua vez,
a disposição da teologia católica-romana de viver com uma variedade de
teorias sobre a dádiva da graça (veja vol. 4, p. 443-54) também forneceu a
alguns protestantes o fundamento para questionar a “rigidez” excessiva dos
luteranos e dos calvinistas em sua mútua oposição (Brnt. Art. X X X IX . pr.
[1700:viii]). Um tratado de 1720 intitulado Sobre a moderação nas controvérsias
dos teólogos observava, em suas linhas iniciais, que era característico “dos pro-
fessores da verdade celestial” em todas as gerações ceder ao ódio e à fúria
contra seus oponentes (Budd. Mod. 1 [1720:489]). Mas conforme comentava
um tratado quase contemporâneo, “uma das causas que tornam as controvér-
sias obscuras é que os mesmos princípios favoráveis [ao caso de um] contra
110 ♦♦♦ A CRISE DA ORTODOXIA ORIENTAL E OCIDENTAL

alguns oponentes” são prejudiciais para o caso contra outros (Byl. Com.phil.
4.12 [1713:11:277]), levando a um relativismo em relação a esses princípios;
“a doutrina do Senhor Jesus” estava sendo “obscurecido até mesmo para
seus confessores públicos” (Lmp. Betr. 4.5 [1756-11:466]). O zelo polêmico
que caracterizava a controvérsia teológica durante os dois séculos desde o
período da Reforma acabou ele mesmo se tornando uma questão polêmica
no século XVIII (Hcks. Ltrs. pr. [1705:A4r]; Wsly. Serm. 22.3.18 [Baker 1:508];
Zinz. Horn. 31 [Beyreuther 3-1:324]).
Havia ainda versões da “teoria dom inó” (veja vol. 4, p. 335-36) que
alertavam que essa indiferença ou, pelo menos, concessão podia, em algum
ponto da doutrina, levar à tolerância dos excessos mais extremos (Nmnn.
Spen. [1695:7]), mas a admoestação de que “a verdade fundamental não pode
ser ignorada exceto a custo da salvação” vinha com frequência acompanhada
do reconhecimento de que isso não se aplicava “aos elementos secundários
da doutrina fundamental” (Lang. Antibarb. [1709-11:486-87]; Ost. D%. serm. 4
[1722:139]) nem das doutrinas não fundamentais (Span. Praescript. 6 [Marck
3:1111]). Jonathan Edwards falou do “zelo” expresso na “oposição vigorosa”
com o “o fervor dessa chama [de amor]”, mas ele advertiu que este era dirigido
“contra coisas, e não contra pessoas” (Edw. Rei. Aff. 3.8 [Miller 2:352-53]),
uma distinção que nem sempre era fácil de observar em m eio a tal “zelo”.
Um teólogo com “uma natureza belicosa” podia facilmente abusar das
polêmicas para o engrandecimento de si mesmo (Mck. Vor. pr. [1774:A6r]).
M esmo aqueles que instigavam a necessidade da polêmica acrescentavam
que o púlpito não era o lugar para as controvérsias escolásticas sobre pontos
teológicos obscuros (Mayr. Red. 15 [1702:835]). Conforme declarou um pro-
fessor de teologia em sua aula inaugural de 1696, “a tarefa do teólogo não [era]
apenas confirmar a doutrina verdadeira, mas refutar os erros que se opõem
à verdade, acima de tudo se eles são perigosos e prejudiciais” (Wer. Diss. 18
[Ryhinerus 1:327]); mas ele foi em frente para argumentar que o teólogo,
nas polêmicas, tem de se esforçar para fazer justiça à posição oposta, não
para a ridicularizar (Wer. Diss. 18 [Ryhinerus 1:332]), porque “nada pode ser
imputado a alguém que essa pessoa não reconheça em obra ou em palavra”
(Wer. Mise. 1.9 [Ryhinerus 2:104]).
O ortodoxo reconhecia a necessidade de advertir contra o zelo polê-
mico excessivo ou a generalização polêmica sem justificação (Neum. Rch.
pr. [1751:A3v-A4r]; Mayr. Mis. 3.1 [1692:28]; Nss. Dipp. pr. [1701:6]), que
(conforme advertiram os pietistas) “com frequência, causa mais dano que
benefício” (Spen. Gtts. 6 [1680:150]), com o quando a polêmica era caracteri-
Uma vida devota e santa Λ♦ 111

zada pelas “invectivas e insinuações pessoais” (Spen. Pi. Des. [Aland, p. 63])
ou quando o teólogo não consegue “pôr em prática a missão polêmica de um
modo prático e que agrade a D eus” ao relacionar os erros da doutrina com
o erro básico de uma relação pessoal equivocada com D eus (Frnck. Id. 28
[Peschke, p. 187]). N ão menos importante era o lembrete de que, em algumas
questões, “os teólogos podem discordar e discutir entre eles mesmos sem
prejudicar a unidade da fé” (Wer. Diss. 18 [Ryhinerus 1:334]; Lang.Antibarb.
[1709-11:492]; Sem. Erkl. 2 [1777:247]). Um dos meios para “trazer a teologia
de volta a suas limitações” era colocar a polêmica teológica em seu contex-
to histórico (Sem. Erud.. [1765.1:161-62]), fornecendo uma perspectiva de
mais longo alcance sobre as questões da controvérsia corrente: “os debates
dogmáticos públicos eram com frequência levados avante só pelos bispos,
a fim de promover sua própria autoridade, sem qualquer benefício para o
povo cristão” (Sem. N . T. Int. pr. 5 [1767:12]).
Em cada uma dessas quatro questões envolvidas na “crise da ortodoxia”
— a igreja, a doutrina, a graça e a vida cristã — os defensores da renovação e
de uma “nova Reforma” em todas as igrejas se encontraram com a oposição
de todas as direções. Eles, quanto à doutrina da igreja, eram culpados de “see-
tarismo” (casp. Beyl. 1 [1724:29]). Awakum foi acusado “de desviar pessoas
simples e afastá-las da única santa Igreja Católica-ortodoxa do Oriente [Vos-
toenaja Pravoslavno-Kafoliceskaja Cerkov]” (Sob. 13.V.1666 [D AI 5:448]);
Spener, de “não acreditar que a religião evangélica luterana não tinha erro”
(Mayr. Anti-Spen. 1 [1695:9-10]); e Quesnel, de negar a infalibilidade papal
(veja p. 125-26 abaixo). Os pietistas, a respeito das normas da doutrina, não
“acreditam nem falam com o devido respeito” sobre os credos e confissões
da igreja (Casp. Beyl. 19 [1724:87]; Albrt. V ind.\.\6 [1695:23]), uma vez que
eles preferiam afirmá-los só relativamente, “até agora \quatenus\”, não abso-
lutamente “porque [quia]” eles concordavam com a Escritura (Spen. Albrt. 41
[1696:45]). Quanto à doutrina da graça, eles, por sua insistência em renovação,
confundiam graça com obras (Lang. Antibarb. [1709-1:447]) e também “justi-
ficação” com a “união mística” entre Deus e o cristão que era a consequência
dela (ap. Spen. Bed. 1.1.9 [Canstein 1:76-77]). E o chamado deles à santidade
representava uma reincidência de um “paganismo [católico-romano] blasfemo”
para “um judaísmo de falso zelo e hipocrisia” (Dipp. Hrt. 3 [1706:48]).
Essas acusações extravagantes, em um grau, serviram apenas para do-
cumentar a correção do difundido sentimento de que a educação teológica
e a administração eclesiástica estavam enfatizando demais a polêmica à custa
da caridade. Contudo, os movimentos de reforma, com frequência a despei-
A CRISE DA ORTODOXIA ORIENTAL E OCIDENTAL

to de suas intenções, foram bem-sucedidos em relativizar as diferenças da


doutrina entre as igrejas tornando essas diferenças de doutrina e de vida em
cada uma das igrejas mais importantes (veja p. 367-68 abaixo); e eles, com
seu chamado à remoção de elementos da teologia cristã desnecessariamente
ofensivos, ajudaram a tornar possível a nova apologética (veja p. 235 abaixo).
Acima de tudo, o esforço para recuperar o conteúdo objetivo e dogmático
da fé, trocando-a por uma modalidade subjetiva e ética, ajudaria a tornar
esses movimentos, contra a vontade e a intenção deles, em um “fenôm eno
transicional” (Hirsch [1960] 2:108-9, 148, 151]), um “elo de ligação” e uma
“ponte” para as reinterpretações muito mais drásticas da mensagem cristã
que viríam.
2
A objetividade da revelação
transcendente

O “Iluminismo”, de acordo com a celebrada definição do fim do sé-


culo XVIII, “é o êxodo do homem da tutela autoimposta”. A definição
prossegue para explicar que em uma condição de tutela, “a incapacidade do
uso do entendimento do indivíduo sem a orientação de outra pessoa”, podia
ser caracterizada com o autoimposta “se sua causa não repousa em nenhuma
debilidade de entendimento, mas na indecisão e falta de coragem para usar a
mente sem a orientação de outro indivíduo”. Portanto, era possível dizer (Hor.
Ep. 2.40) que o lema do Iluminismo era: “Ouse saber [sapere aude]! Tenha a
coragem de usar seu próprio entendimento” (Knt .Auf. [Cassirer 4:169]). O
uso específico do entendimento variava de forma relevante no Iluminismo
de uma nação ou período para outro, ou de uma escola de pensamento para
outra, de m odo que “nenhuma definição de Iluminismo açambarca tudo que
os homens em geral presumiam pertencer a ele” (May [1976], p. xiii), muito
menos todas as culturas em que ele apareceu dos dois lados do Adântico
durante os séculos XVII e XVIII. Além disso, o Iluminismo, nessas culturas,
afetou diferentes aspectos da vida e pensamento de m odos bem distintos: a
educação e a política, a ciência e as artes, a filosofia e a religião.
O Iluminismo, quando aplicado à tradição cristã e suas doutrinas, repre-
sentava o que é denominado de “a revolução das potencialidades autônomas
do homem contra os poderes heterônomos que não eram mais convincentes”
(Tlch. Prot. teol. 2 [Braaten 1967:27]), a saber, a autoridade heterônoma da
igreja e de seu dogma e, em última análise, a autoridade objetiva da Escritura
e da própria revelação transcendente. Quando um teólogo do século XVIII
definiu o Iluminismo com o “o primeiro e principal propósito contínuo da
nova religião” de viabilizar “os pressupostos desse movimento para cada
cristão individual, com o objetivo de uma adoração de D eus ainda mais
voluntária e mais pura” (Sem. Rei. 44 [Schütz, p. 377-78]), ele designou-lhe
114 Λ♦ A OBJETIVIDADE DA REVELAÇÃO TRANSCENDENTE

a tarefa de conferir sentido divino à busca individual para a realização plena


das “potencialidades autônomas do hom em ”. Isso indicava não só que “toda
verdade vem de D eus” (Wlff. Nat. Gott. 177 [1744-1:191]), independentemente
de se veio por meio de canais da natureza ou da revelação (Cone. Rei. riv. 1.5
[1754-1:36-51]; Bulg 367/. 57 [1940:119-20]), mas que uma revelação autêntica,
de acordo com “o critério da revelação divina” (Wlff. Nat. Gott. 522 [1744-
11:183-85]), tinha de ser autovalidadora. Para a teologia católica-romana, isso
podia ser entendido com o sentido de que os cristãos não devem concordar
com supostas “revelações [privadas] que contradizem a tradição ou o ‘senso
comum do fiel’ ” (Amrt. Rev. 1.1 [1750:3]), enquanto para o racionalismo do
Uulminismo o critério de “sabedoria divina e de razão sã” era o único meio
disponível “para distinguir os oráculos e a vontade de D eus dos embustes
e tradições dos hom ens” (Tol. Mist. 2.2 [1696:41]), uma vez que “imaginar
qualquer revelação externa não dependente da razão das coisas é fazer as
coisas darem lugar às palavras” (Tin. Cr. 12 [1730:188-89]). O programa
de aplicação desses critérios para receber a tradição herdada do credo e do
catecismo cristãos levantaram várias questões — todas elas resumidas em
uma questão de uma crítica dessa tradição publicada anonimamente: “Mas
onde é possível encontrar um catecismo cristão [...] que podería separar o que é
inteligível na religião dos mistérios ininteligíveis dos relatos meramente históricos?”
(Reim. Apol. 1.1.2.4 [Alexander 1:88]).

Milagre, mistério e autoridade


Os críticos e também os defensores da objetividade da revelação trans-
cendente do século XVIII reconheciam que — nas palavras de um escritor
russo ortodoxo que, embora não fosse um teólogo profissional, era simulta-
neamente um crítico e um defensor — havia “três poderes, só três poderes,
capazes de conquistar e manter a consciência cativa para sempre”. Esses três
poderes, enumerados nas três questões do tentador de Jesus (Mt 4.1-11), eram
“o milagre, o mistério e a autoridade \cudo, tajna, avtoritei\” (Dost. Br Kar. 2.5.5
[Cernecova, p. 280]); sobre eles foi alicerçado o edifício da instituição e do
ensinamento da igreja, e a “grandiosidade” da autoridade da Bíblia repousa em
sua qualidade com o mistério e com o milagre (Dost. Br. Kar. 2.6.1 [Cernecova,
p. 319]). Essa tríade, com algumas variações (Men. Did. 1.6 [Blantês, p. 64]),
era familiar na tradição da ortodoxia oriental do século XVIII, mas também
aparecia em meio aos defensores e críticos contemporâneos do Ocidente (Fén.
Ep. ll.viii.1689 [Masson,p. 246-48];Gaz. Prael 1.1.2.7-8 [1831-1:62-78];Zinz.
Off. Red. 1.8 [Beyreuther 2-111:125-62]). Por isso, um defensor da revelação,
em um panegírico sobre “nosso abençoado pai Lutero”, descreveu com o o
Milagre, mistério e autoridade ♦♦♦ 115

reformador aderira de forma estrita à autoridade da Escritura com o a palavra


de Deus, da qual ele “provara os mistérios da fé” (Mayr. Red. 3 [1702:294-95]);
em outra passagem ele, ao considerar se Lutero tinha um chamado legítimo
de Deus (veja vol. 4, p. 403-404), conectou a questão da autoridade com a
questão do milagre (Mayr. Red. 1 [1702:41-45]). E um crítico da autoridade do
cristianismo tradicional descreveu com o “quando todas as outras mudanças
provam ser ineficazes, os adeptos do mistério voaram para os milagres como
seu último refúgio” (Tol. Mist. 3.4 [1696:150]).
O milagre, o último refúgio ou talvez primeiro refúgio (Gtti. Ver. eccl. 1.2
[1763:7-25]), ao longo do século XVIII, veio a ser um tópico central para
os “partidários” das várias posições e denominações (Lw. Reas. 3 [Moretón
2:107-13]) que sentiam que “nossa era” (Pff. Hist., teol. 2.10 [1724-1:379])
diferia das precedentes por sua incredulidade em relação aos milagres (Mrck.
Text. Exerc. 8.1 [Velzen 14:52]; Swed. Ver. Cr. 8.501 [1771:320]). O milagre
podia ser definido com o uma “transgressão da ordem comum da natureza”
(Terst. Abr. 1.5.21-22 [Becher 2:74]), com o “uma demonstração visível do
poder divino” (Men. Did. 2.2 [Blantès, p. 107]) com o um evento em que “as
coisas criadas subsistentes sofrem alterações que não podem ser consequência
do próprio poder delas” (Wlff. Nat. Gott. 348 [1744-1:342-43]) ou com o uma
“obra extraordinária do poder divino, que impressiona os sentidos e traz à
tona o espanto daqueles que a veem ” (Wer. Diss. 5 [Ryhinerus 1:93]; Mrck.
Scrip, exerc. 8.19 [Velzen 10:519]). Os milagres têm uma relação ambígua com
a doutrina da criação: é possível argumentar que os milagres são apenas um
resultado necessário da crença na criação e no Criador (Lw. Reas. 3 [Moretón
2:108]) ou que era errado supor que o Criador “quebrou a regra de sua pró-
pria administração” (Tin. Cr. 10 [1730:116]), algo que ele, em todo caso, só
faz raramente (Wer. Diss. 4.1 [Ryhinerus 1:73]). A relação dos milagres com
a verdade e a falsidade não era ambígua da mesma maneira (Strz. Man. 1.2
[1828:14]), pois um milagre não podia ser a confirmação de uma falsidade
se viesse de D eus (Amrt. Teol. eclec. 4.2.2.2 [1752-1-IV87-90]). Ainda que
isso só aumentasse a ambiguidade (Gaz. Prael. 1.1.2.8.205 [1831-1:70]), pois
podia significar que “se os milagres podem ser realizados por seres maus e
também por seres bons, a pior religião pode ter mais milagres porque precisa
mais deles” (Tin. Cr. 12 [1730:192]). Negar a possibilidade deles equivalia a
desobedientemente negar a existência de Deus (Lmp. Betr. 3.16 [1756-11:341];
Wlff. Nat. Gott. 450 [1744-11:61-62]), mas os milagres tinham de estar relacio-
nados com seu “propósito especial e importante” (Tol. Mist. 3.4 [1696:152])
à parte do qual eles não eram críveis (Wer. Diss. 4.1 [Ryhinerus 1:72-73]).
A OBJETIVIDADE DA REVELAÇÃO TRANSCENDENTE

Funcionalmente, a definição mais útil de “o que as Escrituras e nós de-


nominamos milagre” era: “as mesmas obras, ou obras da mesma natureza,
que aquelas feitas por Moisés e Cristo”. Essa definição incluía os milagres,
com o a travessia do mar Vermelho por Moisés (Hdly. Fit. [1702:3]; Mrck.
Comp. 20.11 [Velzen 18:392]; Zinz. Zst. 34 [Beyreuther 3-11:276-86]; Conc.
Reí. ήν. 2.1.3 [1754-1:77-91]), mas, no sentido mais fundamental, (Mrck. Exeg.
exerc. 6.4, 6.8 [Velzen 9:95-98, 108]) significava que a encarnação do Logos
e a salvação operada por ele eram os “dois maiores e mais extraordinários
milagres” (Men. Did. 2.6 [Blantês, p. 154]). Cristo realizou maravilhas (Gaz.
Prael. 1.1.3.3 [1831-1:106-25]) que, com o evidências de que ele era o Messias
prometido (Spen. Mess. [1701:61-67]), não foram “nem inventadas pelos
evangelistas nem realizadas pelo poder natural ou mágica” (Bert. Teol. disc.
29.6 [1792-VL90]); as três horas de escuridão na Sexta-Feira Santa (Arb.
Des. myst. 2.17 [1764:312]), relatadas em todos os evangelhos sinóticos, não
podiam ser explicadas da perspectiva da natureza com o um eclipse (Frnck.
Pass. Marc. 11 [1724:310]; Lmp. Betr. 1.18 [1756-1:407-8]; Mmchr. Orig. ant.
2.14.4 [1749-1:285]). Os eventos da história do N ovo Testamento eram mais
difíceis de ser cridos sem as histórias de milagre que com estas (Wer. Diss.
4.3 [Ryhinerus 1.88]), mas essas histórias, com toda a aceitação da “doutrina
total [de Cristo] com todas suas partes”, também fazem sentido (Wer. N . T.
[1756:159]).
Os críticos, em resposta a essas defesas, consideravam os milagres uma
concessão aos contemporâneos de Jesus (Sem. Frag. 47 [1780:344]) que,
quer eles cressem que os milagres eram genuínos quer não (Reim. Apol.
2.2.2.6 [Alexander 2:157]; Sem. Rei. 29 [Schütz, p. 244]), buscavam “sinais”
(ICo 1.22); os escritores pagãos da época ficaram totalmente em silêncio a
respeito das trevas na Sexta-Feira Santa (Gib. Dec. 15 [Bury 2:70]) (embora
os apologistas ortodoxos declarassem encontrar evidência nesses escritores
pagãos) (Gtti. Ver. rei. 5.31.1 [1750-1:421-22]). Todos reconheciam que os
milagres provocavam “inveja” (Men. Did. 1.2 [Blantês, p. 15]) entre esses
contemporâneos, e que muitos deles que seguiam o operador de milagres
o abandonaram quando foi crucificado (Bec. Lop. Nuev. Ab. [1739:1]; Edw.
R elAff. 2 [Miller 2:148-49]; Frnck. Pass. Marc. 10 [1724:289-91]). Os primei-
ros milagres, com o a transformação da água em vinho, receberam atenção
particular, enquanto os milagres destrutivos, com o a maldição da figueira,
criaram dificuldades particulares (Beng. Gnom. Jo 2:11 [Steudel, p. 330]; Ost.
Arg. ref. Jo 2 [1720-11:120-21]). Acima de tudo, era necessário defender contra
os críticos a “veracidade” do “milagre da concepção sobrenatural” (Beng.
Milagre, mistério e autoridade

Gnom. Mt 8:32 [Steudel, p. 62-63]; O st .A rg. ref. Mt 21.1-22 [1720-11:33]) e


do nascimento de Cristo (Baum. Pred. 3.8 [Kirchner 3:621]), em que Maria
era tanto virgem quanto mãe de D eus (Deutsch. Lut. 2.3.2 [1698:92-93]), e
da ressurreição do Senhor (Men. Did. 5.1 [Blantés, p. 226]) que, por causa da
“conexão entre a ressurreição de Cristo e a ressurreição dos mortos” (Bert.
Diss. hist. [1753-1:249-50]; Mos. Vind. disc. 3.1.5 [1722:339-41]), era, na igreja
primitiva (Beng. Gnom. 1Cio 15:12 [Steudel, p. 675-76]), um com ponente
especial do “milagre [total] da redenção” (Baum. Pred. 2.11, 2.9 [Kirchner
2:370, 309]; Baum. Pred. 2.8 [Kirchner 2:278-79]).
Contudo, o lugar dos milagres na igreja primitiva provocou várias difi-
culdades para si mesma (Span. Εν. vind. 1.45 [Marck 3:182-87]). Se milagres
com o o da conversão de Paulo (Lang. Paul. 1.1.2 [1718:16]) provavam a ins-
piração dos escritores apostólicos pelo Espírito Santo (Brnt. Rom. [1688:56-
57]), será que a cessação de milagres com o o falar em línguas (Ost. A rt. ref.
ICo 12 [1720-11:217-18]) provavam que esses milagres “não [eram] mais
necessários” (Mid. Mir. 4 [1749:119]) para garantir a presença do Espírito
(Baum. Pred. 3.1 [Kirchner 3:16-17]) e também que “nenhum homem é mais
capaz de pecar” contra o Espírito Santo (Brnt. A rt. X X X IX 16 [1700:141])
do qual os evangelhos falam (Zinz. Off. Red. 21 [Beyreuther 2-IV:225-32])?
Essas perguntas alcançavam não só a interpretação dos milagres no Antigo
Testamento, mas acima de tudo a posição dos supostos milagres pós-bíblicos
(Mrck. Scrip, exerc. 10.16 [Velzen 10:620]; Reim. Apol. 1.5.1.3 [Alexander
1:688]). Os apologistas, embora fossem cuidadosos em não sustentar que os
milagres eram uma atestação (Mayr. Red. 14 [1702:771]; Drnd. Fid. vind. 3.53
[1709:508-11]) da validade de supostas revelações particulares (Amrt. Rev. 1.22
[1750:134-35]), argumentavam que a história de todos os séculos era cheia de
milagres, provando a superioridade da doutrina católica-romana em relação à
doutrina protestante (Grig. Mont. Vr. dév. 19 [Gendrot, p. 496-97]; Bert. Teol.
disc. 1.6, 33.8 [1791-1:56, VIL125-26]). Os depreciadores desconsideravam
esses “milagres pós-bíblicos” (Gaz. Prael. 1.2.3.7.3.321 [1831-1:116]), mes-
mo do século II, com o “simulações engenhosas” e “os milagres mentirosos
dos papistas” (Sem. Rei. 29 [Schütz, p. 238-39]) que foram “evidentemente
forjados ou copiados segundo os originais do paganismo” (Span. H. e. 2.8
[Marck 1:661-62]), talvez “inventados por pagãos e judeus” (Edw. Rei. A ff
3.5 [Miller 2:309]). Eles também desconsideraram, com o “insignificantes”
(Mid. Ltr. Rom. [1729:62]) ou com o “falsificações insolentes” (Tol. Amjn.
[1699:42-43]) os milagres atribuídos pela tradição ortodoxa a figuras do
século IV com o Espiridião (Mid. Mir. 4 [1749:147]; Tin. Gr. 8 [1730:90])
118 ♦♦♦ A OBJETIVIDADE DA REVELAÇÃO TRANSCENDENTE

ou atribuído por Atanásio (Soer. H e. 1.12 [Hussey 1:90-92]), o primeiro


defensor da doutrina nicena da Trindade (Bulg. Kat. 73 [1940:184]), ao pio-
neiro do monasticismo em sua obra Vida de Antônio (veja vol. 1, p. 151). Os
sustentadores defendiam Atanásio não só por sua lealdade à sé romana (Bert.
Diss. hist. [1753-111:192]) e por sua integridade (Nss. Dipp. 2 [1701:33]), mas
também por sua obra Vida de Antônio; eles, contudo, diferenciavam entre
os milagres bíblicos (Walt. Mir. 3 [1756:157]), que eram “assuntos de fé”, e
esses relatos “dos pais primitivos e dos historiadores da igreja” (Walt. Mir. 1
[1756:35]), que tinham de ser avaliados com cuidado por sua credibilidade e
que, de jeito nenhum, desacreditavam a “longa série ininterrupta de grandes
milagres” na Bíblia (Hdly. Fit. [1702:20]). Essas distinções, que não compor-
tavam com facilidade as descrições protestantes de milagres “diários” (Scriv.
Seel. 2.1 [Stier 3:317]; Frnck. Pred. Adv. 2 [1699:14]), em especial na Reforma
(Hrn. H. e. 3.1.1 [Leydecker 1:300]) ou nas vindicações posteriores da causa
protestante, também podiam ter o efeito oposto do pretendido (Schpf. Fut.
10.4-5 [1717:34-35]; Lschr. Dr. Pred. 1 [1738:18, 27]). Alguns protestantes
foram levados a concluir que o m esm o critério que autenticava os milagres
do N ovo Testamento também sustentava (ap. Mid. Mir. int. [1749:xlii]),
conforme defendiam os católicos-romanos (Gib. Dec. 15 [Bury 2:29-30]), a
“crença implícita de que o dom de poderes milagrosos continuou na igreja
durante os quatro ou cinco primeiros séculos do cristianismo” (Mmchi. Orig.
*«¿2.17.3 [1749:409-13]; Gaz .Prael 1.1.3.4.288,294 [1831-1:126-27]; Gtti. Ver.
eccl. 1.2.4.27 [1763:15]), e eles vieram a aceitar, pelo menos por um tempo, “a
maioria das principais doutrinas do papado” (Gib. Aut. 3 [Saunders, p. 82-83]).
A conclusão, com mais frequência, levava a conclusão na direção opos-
ta: o critério usado para desacreditar “os milagres mentirosos dos papistas”
(Edw. Rei. Aff. 3.5 [Miller 2:309]) não podia deixar intocada “a história da
doutrina e milagres do nosso Salvador” com o “o genuíno alicerce sobre o
qual repousa o cristianismo” (Mid. Mir. int. [1749:xciv]) e “a evidência mais
clara que D eus podia fornecer” (Brnt. A rt. X X X I X 16 [1700:140-41]). O
exame dessa evidência no N ovo Testamento (Tol. Mist. 2.3 [1696:47]) mostrou
que foi dito que os milagres produziam fé, ainda que Jesus só os realizava na
presença daqueles que criam (Ost. Cat. [1747:17, 23]; Ost. Arg. ref. Jo 2, Mt
17 [1720-11:121, 27]). Então “qual seria o propósito de todos esses milagres
se as doutrinas de Cristo eram incompreensíveis ou [se] o fato de que éramos
obrigados a acreditar revelasse não fazer sentido?” (Reim. Apol.2.2.1.5 [Ale-
xander 2:133-35]; Frnck. Pred. Trin. 19 [1699:16]; Tol. Mist. 2.3 [1696:49]),
perguntavam aqueles que, com o diziam seus oponentes, recusavam-se a
Milagre, mistério e autoridade i-i-9

aceitar qualquer milagre que desafiasse a razão (Mos. Tol. 10 [1722:51-52]).


Os milagres serviam com o “cartas de crédito” (Wer. Diss. 4.1 [Ryhinerus
1:71]) cujo objetivo era provar “que temos de receber essas doutrinas tanto
com o verdadeiras quanto com o boas, as quais não saberiamos ser verda-
deiras e boas sem esses milagres” (Lw. Reas. 3 [Moretón 2:107]; Stod. Com.
15 [1719:85]), mas, nessa nova era, passou a ser necessário “demonstrar a
verdade dos próprios milagres contra os descrentes obstinados” (Mrck. Text,
exerc. 8.1 [Velzen 14:52]; Bert. Diss. hist. [1753-1:227-28]). Um tratado, que
com eçou argumentando pela verdade da doutrina cristã, alicerçado no fato
de que “há maiores e mais milagres de um lado que do outro” (Hdly. Fit.
[1702:6]) prosseguiu para reverter o argumento: “Uma vez que acredito que
Jesus Cristo era o Filho de D eus [...] porque ele ensinou uma doutrina tão
excelente e porque ele m esmo foi tão perfeitamente bom e santo, não posso
participar dessa crença apenas por causa dos milagres” (Hdly. Fit. [1702:20];
Zinz. Steb. 5 [Beyreuther 2-1:43]). D o lado negativo, isso também podia levar
os defensores do milagre a atacar seus oponentes por preferirem um “obje-
to milagroso a um objeto salvador” (Wer. Diss. 10.3 [Ryhinerus 1:179]; Tor.
Car. 1.3 [1779-1:164]) e, seus detratores satíricos a definir “uma ortodoxia
divina correta” com o aquela a quem “nada, além do maravilhoso e do im-
provável”, agradaria (Mid. Wat. [1731:15]). D o lado positivo, significava que
os pregadores tradicionais — desde que esses milagres não estabeleciam a
fé, mas antes eram estabelecidos pela fé, — descreviam “a fé dos cristãos”
como “mais que todos os milagres” (Zinz. Lond. Pred. 2.6 [Beyreuther 5-1:200];
Zinz. Rei. 5 [Beyreuther 6-1:78-79]) e parafraseavam a réplica apologética
de Agostinho (Neum. Funf. 1 [1726:1:172]; Wer. Diss. 4.1 [Ryhinerus 1:74];
Mid. Mir. 4 [1749:137]) de que “para nós basta esse grande milagre, que o
mundo todo acredite sem qualquer milagre” (Ag. Civ. 22.5 \CCSL 48:812]).
Mais uma vez, foi um hom em das letras, em vez de um teólogo profissional,
que forneceu a formulação epigramática mais eficaz para essa percepção de
que o milagre vem da fé, não a fé do milagre: “O filho mais querido da fé é
o milagre” (Gth. Fst. 1.766 [Trunz, p. 31]).
O mistério não teve uma história mais fácil que o milagre. Um século,
em cuja véspera o livro de Toland intitulado O cristianismo não misterioso veio
a ser uma controvérsia internacional e interdenominacional, que se voltou
reiteradamente à definição e resolução do mistério enquanto lidava com a
atitude do Uuminismo na fé e na doutrina cristãs (Pff. Hist., teol. 3.8 [1724-
11:293-95]). “Mistério” não era apenas um nom e especial para ignorância:
“Nada pode ser dito ser um mistério porque não temos uma noção adequada
A OBJETIVIDADE DA REVELAÇAO TRANSCENDENTE
120 ♦

desse fenômeno ou uma percepção distinta de todas suas propriedades de


imediato; pois então tudo seria um mistério” (Tol. Mist. 3.2 [1696:75]). Em
outra passagem, seu autor deixou claro que se opunha ao uso de mistério
que levava à “tirania e à superstição” (Tol. Pan. 2.1 [1720:49]), uma vez que
os “mistérios para divertir os entusiastas” e “as cerimônias para enfeitiçar o
vulgar” eram as “duas formas que nunca falham em fazer a superstição pre-
valecer” (Tin. Cr. 11 [1730:170]). Esses ataques à “superstição” eram dirigidos
principalmente contra o catolicismo-romano e à ortodoxia oriental (Tin. Cr.
8 [1730:85]; Reim. Apol. 1.1.5.4 [Alexander 1:151-52]), com frequência, em
nome da “grande simplicidade” (Span. H. e. 3.4 [Marck 1:721]) das cerimônias
cristãs primitivas. Contudo, até onde iam, as definições católicas-romanas
ou ortodoxas orientais de “mágica supersticiosa” (Cone. Teol. cr. 1.3.2.11
[1772-111:57-61]) com o “falsa religião ou adoração falaciosa, quer dirigida
ao verdadeiro D eus quer a um falso deus” (Af. Lig. Teol. mor 3.1.1 [Gaudé
1:370]; Mrkrd. Off. 7 [1722:26-28]), mesmo se esta envolvesse cerimônias
cristãs autênticas (Cmrda. Const, ap.2.13 [1732:147]) ou o uso da Bíblia, se-
riam aceitáveis (Amrt. Teol. eclec. 12.9.51 [1752-3-1:433]), talvez com a adição
de que se referiam a “todas as cerimônias e todas as ações externas que não
levam alguém a ações internas”, com o essas cerimônias surgidas em “todos
os melhores sistemas de leis humanas entre os gentios” (Poir. Oec. div. 3.10
[1705-1:720]; Ost. Arg. ref. Mt 12:1-21 [1720-11:1 η ; Krb. Diar. [1700:199-
200]), com o o pensamento de Platão e de Cícero, e entre os cristãos com mais
frequência em áreas com o a prática eucarística e o culto dos santos (Jcksn.
Rem. [1731:14-15]; Gaz. Proel 2.2.102 [1831-11:30]; Ag. Doc. Cr. 2.20.30 \CCSL
32:54]). Cada denominação (Span. H. e. 7.3 [Marck 1:1181-82]; Span. Εν. vind.
1.42 [Marck 3:166-71]) reconhecia o perigo da superstição ao “afirmar que
esta se infiltrara em todos os outros grupos” (Tin. Cr 11 [1730:168]), embora
na “celebrada controvérsia sobre se o ateísmo é preferível à superstição ou
não” (Mos. Tol. 28 [1722:152]), os radicais considerassem a superstição um
perigo maior (Tin. Cr 8 [1730:99]; Gib. Dec. 21 [Bury 2:350]) enquanto os
teólogos da igreja de várias posições percebiam o ateísmo com o a ameaça
mais séria, apesar de que rejeitassem ambos (Strz. Man. 2.1 [1828:48]; Wer.
Mise. 14.2 [Ryhinerus 2:244]; Zinz. Soc. 4 ,1 3 [Beyreuther 1-1:40,133]).
Embora os estudiosos radicais citassem o uso do N ovo Testamento
para validar esse entendimento de mistério (Tol. Mist. 3.3 [1696:91]) com o
“uma coisa inteligível em si mesma, mas tão velada para outros que não
pode ser conhecida sem revelação especial” (Tol. Mist. 3.1 [1696:72-73]), o
estudo da palavra realizado por estudiosos menos iconoclastas continuava
Milagre, mistério e autoridade Λ 121

a sustentar a distinção tradicional entre “secreto” (Bulg. Kat. int. [1940:11];


Sth. Animad. 1 [1693:6]) e “revelado” (Mrck. Exeg. exerc. 10 [Velzen 9:177-
80]) e a definição tradicional de mistério com o “aquilo que pela natureza das
coisas é incompreensível na criação e providência” (Lw. Reas. 3 [Moretón
2:103-4]). Por definição, uma “obra da sabedoria e poder divinos” não era só
“perfeito”, mas “transcendente” (Men. Did. 5.3 [Blantês, p. 241]; Bec. Lóp.
Sab. prod. 1 [1752:7]). E se toda essa obra tinha de “ser julgada por nossas
noções e faculdades comuns”, era “inútil” (Wer. Diss. 18 [Ryhinerus 1:337])
tentar persuadir alguém a aceitar “os principais mistérios da fé” como “uma
verdade revelada por Deus, acima do poder da razão natural de decifrar ou
compreender” (Sth. Animad. 1 [1693:2]; Zinz. Lond. Pred. 5.5 [Beyreuther
5-11:177]). Aqueles que defendiam a nova dependência da razão contra a
acusação de que isso dissiparia todo mistério da religião estavam preocupados
em identificar os “inumeráveis assuntos que não podem de m odo algum ser
computados entre os mistérios, mas que, não obstante, fazem a revelação
parecer ofensiva” (Reim . Apol. 1.1.3.10 [Alexander 1:115]). Os teólogos da
igreja do século XVIII, em sua avaliação de que esses assuntos deviam de
fato ser considerados com o mistérios, respondiam a uma distinção proposta
entre “religião interna e real”, que se preocupava com a moral, e religião
“externa”, que se dizia ser “sem realidade” — distinção essa que lhes parecia
rejeitar com o irreais todas “as verdades e instituições misteriosas de Cristo”
(Lschr. Pens. [1724:16]).
Para eles, ser teólogo significava acima de tudo “ensinar os mistérios
em sua transcendência” (Mayr. Red. 5 [1702:404]). Isso sugere a obrigação
de reconhecer que “isso é um mistério” e, a seguir, “conhecê-lo” (Wer. Diss.
10.3 [Ryhinerus 1:177]), o que não era a mesma coisa que tentar entendê-lo
de tal maneira a dissipar “o mistério do Senhor naqueles que creem nele”
(Nss. Dipp. 1 [1701:19-20]). Os teólogos, ao realizar essa obrigação, reviam
todas as principais doutrinas cristãs que, conforme seus oponentes estavam
cientes (Tin. Cr. 12 [1730:222]), foram apresentadas pela igreja com o “os
principais mistérios da fé” (Wer. Diss. 18 [Ryhinerus 1:337]; Cone. Rei. ήν. 3.4-6
[1754-1:372-84]). O problema do mal tinha de ser considerado um “mistério”
(Frnck. Pass. Marc. 1 [1724:13]); a ressurreição do corpo, um “mistério inson-
dável” (Strz. Man. 2.4 [1828:67]) e a doutrina da predestinação, um “mistério
celestial” (Scriv. Seel. 3.8 [Stier 5:57]). A “economia da encarnação” do Filho
de D eus era um grande mistério, e havia outros elementos de mistério nos
evangelhos (Men. Did. 5.3 [Blantês, p. 241]; Zinz. Off. Red. 1.2 [Beyreuther
2-111:34-55]; Terst. Abr. 2.1.17 [Becher 2:162-63]); mas era acima de todos
122 A OBJETIVIDADE DA REVELAÇÃO TRANSCENDENTE

“ao mistério de Cristo na cruz” e ao misterioso clamor de abandono de Cristo


que a fé se voltava (Lw. Ser. Cl. 17 [Moretón 4:174]; Terst. Abr. 2.6.5 [Becher
2:207]; Brnt. A rt. X X X IX 2 [1700:55]). Embora o uso do termo “mistério”
(E f 5.32; veja vol. 3, p. 261; vol. 4, p. 324, 365, 379) em uma passagem do
N ovo Testamento sobre o matrimônio continuasse a fornecer justificativa
exegética para incluir o matrimônio entre os sete sacramentos da igreja (Ces.
V. Ges. Cr. 1 [1830:8]; Hno. Teol. 8.8.2.2 [1785-VIII:488]), a exegese mais
precisa mostrou que “nenhum matrimônio humano além da própria união
de Cristo e da igreja é o que está sendo chamado de mistério” (Beng. Gnom.
E f 5.32 [Steudel, p. 774]; Mrck. Comp. 29.35 [Velzen 18:576]); não obstante,
havia alguns protestantes que agora encontravam no próprio matrimônio “um
primeiro princípio” e “o maior mistério”, e, nesse sentido, um sacramento
(Zinz. Zst. 26 [Beyreuther 3-11:207]; Zinz. Gem. 5 [Beyreuther 4-1:106]; Zinz.
Aug. Conf. 18,20 [Beyreuther 6-11:195, 353]), e alguns que ensinavam que ele
continuaria no céu (Swed. Gael. 40.366 [1890:229]).
D e todos os mistérios da fé, o dogma da “Trindade de D eus” (Hno. Teol.
3.2.3.6 [.1785-111:393-94]), pelo consenso ecumênico, era o mais fundamental
e o mais “sublime mistério do Senhor”, mas agora, graças aos “ateus e he-
reges”, em vez disso, passou a ser um “vasto campo de batalha” (Nss. Dipp.
2. [1701:24]; Zinz. Rei. 1 [Beyreuther 6-L8-9]; Ors. 1st. 21.71 [1747-IX:332];
Qnl. Ex.piét. 1.4 [1693:15]). Esses críticos, ao reverter a usual polaridade da
Reforma (Sherl. Vind. pr. [1690:A2r]), acusaram que o dogma da Trindade
foi estabelecido pela tradição (Pff. Hist., teol. 2.10 [1724-1:305]; veja vol. 4, p.
251-52,394) e não podia ser demonstrado pela Escritura (Sem. Rei 26 [Schütz,
p. 220-22]), enquanto os teólogos católicos-romanos e ortodoxos orientais
ainda tentavam provar o dogma a partir da Escritura (Bulg. Kat. 72 [1940:182]),
às vezes só da Escritura (Bert. Teol. disc. 7.4 [1792-11:15-17]), começando
com “a primeira confissão da ortodoxia” (Men. Did. 2.1 [Blantès, p. 93]), as
palavras de Natanael: “Mestre, tu és o Filho de D eus” (Jo 1.49). Teólogos
que discordavam a respeito de quase tudo mais juntaram-se na advertência
contra a tentativa de tornar a Trindade aceitável para a razão (Dipp. Ort. 4
[1699:51]; Nss. Dipp. 2 [1701:24-25]; Zinz. Zst. 44 [Beyreuther 3-11:351]); isso
levou alguns a rejeitá-la com o “um mistério metafísico” (ap. Naud. Kouak.1
[1699:28]) que “pervertera toda a igreja cristã” (Swed. Ver. Chr. 3.177,11.634
[1771:134, 386]), um daqueles “paradoxos ortodoxos” que eram de fato
“incompreensíveis” (Tin. Cr. 12 [1730:206]), e outros que ainda a aceitavam
para criticar a confecção de “muitas explicações de um mistério difícil de
entender [...] e indispensável para a salvação” (Jeff. Ep. 27.ii.1821 [Adams,
Milagre, mistério e autoridade ♦♦♦ 123

p. 402-3]; Reim. Apol. int. 6 [Alexander 1:48]). Zinzendorf, em um esforço


para dar sentido à Trindade “insondável” (Brnt. Art. X X X I X 8 [1700:106]),
descreveu o Espírito Santo com o a “Mãe” (Zinz. Sieb. 1 [Beyreuther 2-1:5-
7]; Zinz. Gem. 3 [Beyreuther 4-1:71-75]) junto com o Pai e o Filho, mas essa
noção foi rejeitada com o um reavivamento “insolente” de uma heresia antiga
(Zinz. Gem. 27 [Beyreuther 4-1:368-80]; Zinz. Zst. 13 [Beyreuther 3-11:90]). A
tentativa de um teólogo anglicano de fornecer uma “justificativa” do dogma
ao descrever as “três pessoas divinas” (Beng. Brud. 1.1.12 [1751:57-73]; Mos.
Vind. disc. 1.5.7 [1722:105-6]) com o tão “mutuamente cientes uma da outra”
que eram “verdadeira e propriamente numericamente uma” (Sherl. Vind. 4
[1690:49]) levou um defensor do trinitarismo ortodoxo a dirigir acusações de
triteísmo contra “as noções novas e heterodoxas desse autor sobre a Trindade”
(Sth. Animad. 8 [1693:239]), fundamentado no fato de que era a identidade da
essência que tornava a Trindade una (Sth. Animad. 3 [1693:68-89]). A posição
desse teólogo, por sua vez, foi denunciada por um oponente muito mais
radical que achava “chocante” supor “que os ditames da sabedoria infinita
não carregam sua própria evidência com eles” (Tin. Cr. 10 [1730:125]); pois,
nas palavras de outro contemporâneo, “nem Deus nem quaisquer de seus
atributos são tão misteriosos para nós para precisar de ideia adequada” (Tol.
Mist. 3.2 [1696:81]). N o Continente, outro defensor do trinitarismo ortodoxo,
rejeitando a calúnia de que a doutrina da Trindade era “uma questão frívola”
(Lschr. Pens. [1724:29-30]), devotou todos os sermões de domingo da igreja
do ano de 1732 à afirmação do caso bíblico por essa doutrina (Lschr. Dr. Pred.
1,3 [1733:6,61]), enquanto um estudioso da história, citando o curso incerto
que tomara o desenvolvimento da doutrina no período patrístico (Sem. Erkl.
2 [1777:209]), distinguía entre uma “fé [básica] na Trindade compartilhada
por todos os cristãos, mesmo aqueles que não eram muito sofisticados”
(Sem. Erkl. 2 [1777:191]) e as questões que os estudiosos de teologia eram
obrigados a levantar a respeito dela (Sem. Erkl. 1.3 [1777:73]).
Tanto o problema do milagre quanto a questão do mistério podia ser
interpretado com o funções, ou implicações, da questão da autoridade que
podería assim se tornar mais uma vez “o artigo fundamental do qual [...]
nossa igreja [e todas as outras igrejas] depende” e, por conseguinte, a chave
para todas as outras doutrinas (Bnrt. Art. X X X IX . int. [1700:]; Mrck. Exeg.
exerc. 44.1 [Velzen 9:703]; Sherl. Def. 2 [1675:150]; Wer. Diss. 15 [Ryhinerus
1:259]; veja vol. 4, p. 172, 329). Embora alguns considerassem os milagres
uma confirmação da autoridade pelo menos nos tempos bíblicos (Hdly. Fit.
[1702:11]), se não na vida atual da igreja (Brnt.Art. X X X IX V) [1700:176-77]),
124 A OBJETIVIDADE DA REVELAÇÃO TRANSCENDENTE

um teólogo que aceitasse a inerrância da Bíblia e a credibilidade dos milagres


poderia chamá-la de “petição de princípio”, ou seja, transformando a conclu-
são em uma premissa para provar os milagres pela Escritura ou a Escritura
pelos milagres (Wer. Diss. 4.1 [Ryhinerus 1:71]). Os teólogos que tentavam
eliminar qualquer “mistério da fé” desnecessário invocavam a autoridade do
N ovo Testamento ao fazer isso (Reim. Apol. 2.1.2.3 [Alexander 2:43-44]), e
aqueles preocupados quanto ao surgimento da superstição na igreja primitiva
culpavam a negligência da autoridade escriturai (O st.Arg. ref. pr. [1720:A3r]);
para outros, a autoridade da Escritura, dos pais e das bulas papais juntos pro-
vavam a realidade da ordem sobrenatural (ISm 28.7-25; Ag. Civ. 18.18 \CCSL
48:608]; Bnl .Anim. cr. 1 5 ,2 5 ,3 5 [1751:15,22,40]). O movimento pietista era
visto com o tendo transformado a rejeição de toda “falsa autoridade” e “a
eliminação da autoridade humana” (Beng. Gnom. Jo 9:25 [Steudel, p. 376]) em
um de seus principais objetivos (Nmnn. Spen. [1695:55]) porque o pietismo
atacava com o “desprezíveis” esses intérpretes “que, ao determinar o sentido
da Escritura, dependiam apenas ou mesmo principalmente da autoridade”,
em vez da experiência (Frnck. Mand. Scrip. 10 [1706:114]).
Embora os teólogos protestantes vissem a autoridade da igreja com o
uma questão resolvida para os católicos-romanos, a questão da autoridade
transformara-se de fato em uma questão veemente e intensa em toda a de-
nominação (Wlch. Ρ01.32Λ.2 [1752:605]; Gtti. Coll. 3.9.1 [1727:589]; Strz.
Man. 1 [1828:1-44]; veja vol. 4, p. 359). Os decretos do Concilio de Trento
declararam que a negligência consciente da tarefa de pregar era um pecado
mortal (CTrid. 24. Decr. 4 [Alberigo-Jedin, p. 763]), e havia uma necessidade
tremenda de “pregadores nessa época que dissessem com Paulo: ‘Falamos
da sabedoria de D eus’ ” (Af. Lig. Teol. mor. 1.3.1.269 [Gaudé 1:548-49]; Grig.
Mont. Am. sag. 8.97 [Gendrot, p. 144]; ICo 2.7). A ênfase na experiência
no protestantismo levantou mais uma vez a perene inquirição nos “perigos
de um ministério impenitente” (Tnnt. Dang. [1742]) e na capacidade de um
pregador descrente para falar uma palavra genuína de D eus (Nss. Dipp. 1
[1701:23]), e a reforma litúrgica protestante transformou o uso e a autori-
dade da Escritura em um assunto tão vital (Ost. Arg. ref. pr. [1720:Alr]) que
sua confiabilidade com o a palavra de Deus (Ost. Cat. [1747:21-25]) era “o
princípio sobre o qual nossa fé deve estar alicerçada” (Ost. Cat. [1747:27]).
D e acordo com alguns observadores, a aceitação da autoridade da Escritura
não fornecia nenhum fundamento para discriminar entre os professores or-
todoxos e os hereges (Byl. Com.phtl. 2.10 [1713-1:488]), uma vez que ambos, a
despeito de recorrerem “à analogia da fé” (Mrck. Comp. 2.45 [Velzen 18:57]),
Milagre, mistério e autoridade
♦ 125
adequavam sua interpretação da Escritura, certa ou errada, aos volumosos
sistemas e formulários de suas diversas com unhões” (Tol. Mist. int. [1696:5]);
e a discussão da autoridade logo levou a um argumento circular (Tin. Cr. 12
[1730:186]). Por isso, as questões da autoridade e da inspiração bíblica “não
[tinham de] ser computadas entre os artigos fundamentais da fé cristã” (Sem.
Erkl. 1.3 [1777:65]).
Isso se aplicava acima de tudo às questões sobre a relação da Escritura
e da igreja surgidas durante os debates da Reforma sobre o cânone (veja vol.
4, p. 274-75,331-35, 344-45). Os teólogos ortodoxos orientais iniciaram um
catecismo com uma lista do cânone (Drnd. Fid vind. 4.13 [1709:570-76]; Sem.
Erud. [1765-1:6-7]); os católicos-romanos, a despeito das objeções protestan-
tes a ele (Strz. Man. 1. pr. [1828:3-5]), defenderam a lista de cânone adotada
em Trento (Wlch. Pol. 3.2.1.20 [1752:627-28]). Urna vez que todos tinham de
confiar principalmente no testemunho dos primeiros autores cristãos, com o
Eusébio e Jerónimo (Allat. Purg. 41, 47 [1655:268-70, 294-99]), a continua
necessidade de “ter o cânone da Escritura fixado em sua devida luz” (Span.
H. e. int. 2-3 [Marck 1:489-90]; Mos. Vind. disc. 3.2.3, 3.2.9 [1722:346, 365];
Tol. Λ myn. [1699:59-60]) se manifestava na tensão entre o apelo dos teólo-
gos protestantes a “uma tradição inquestionável e inconteste” apoiando o
cânone e sua declaração de que “a autoridade desses livros não tem origem
em qualquer julgamento que a igreja faça referente a eles” (Brnt. A rt. X X -
X I X 6 [1700:81]). Um dos temas “mais celebrados” dos debates da Reforma
(Gaz. Praed. 2.2.2.63 [1831-1:161]), enunciado na fórmula de Agostinho (veja
vol. 4, p. 331-32): “N ão devo acreditar no evangelho a não ser movido pela
autoridade da igreja católica” (Ag. Ep.fund. 5 [CSEL 25:197]; veja vol. 1, p.
306) entendido com o sentido pelo menos de que a igreja tinha a autoridade
para decidir o que pertencia ao cânone e o que não pertencia (veja vol. 4, p.
189), agora ajudava os católicos-romanos a substanciar a tese de que “a igreja
católica-romana é a mãe e mestra das outras [igrejas]” (Ang. Sil. CTrid. 15
[1675:P10v-Q4v]), enquanto os protestantes continuavam a defender que a
fórmula não falava de “autoridade para comandar” (Pff. Hist. teol. 2.10 [1724-
1:290]), mas apenas de “autoridade objetiva da igreja enquanto acreditava
nas Escrituras” (Mrck. Comp. 2.7 [Velzen 18:24]). A teologia católica-romana
também precisava deixar claro que uma coletânea com o a compilação de
Graciano da lei canônica “não tem nenhuma autoridade” além da autoridade
de suas fontes (Bert. Teol. disc. 20.19 [1792-IV:177]).
A oração e a promessa de Cristo (Lc 22.32; Mt 16.18) garantiam a in-
falibilidade de Pedro e seus sucessores. Mas os defensores da autoridade da
1 2 6 ♦♦♦ A OBJETIVIDADE DA REVELAÇÃO TRANSCENDENTE

igreja católica-romana (Gtti. Ver. eccl. 1.11.1.3 [1763:107]), respondendo à


acusação de que estavam estendendo de forma ilegítima essa autoridade de
assuntos da fé para assuntos triviais (Qnl. Clém. IX. pr. [1700:viii]; Qnl. Déf.
égl. Rom. 1.5 [1697:96]; Budd. Mod. 20 [1720:556-57]), desenvolveram uma
categoria de “questões do fato doutrinai” (por exemplo, se Ario ensinara
as heresias atribuídas a ele) (Amrt. Teol. eclecA.2.\.6 [1752-1-IV:55]; Ors. 1st.
11.4,11.29 [1747-V:5,42]) sobre as quais a igreja e o papa podiam reivindicar
infalibilidade ao falar “ex cathedra”. Essa expressão não significava “infalibi-
lidade em geral” (Brnt. A rt. X X X I X 19 [1700:176]), conforme seus críticos
protestantes a denominavam, mas continha a estipulação que o papa, “na
definição dos artigos pertencentes à fé e à moral”, tinha de falar só “depois
de demonstrar diligência moral na determinação do sentido da Escritura e da
tradição uniforme das igrejas” e, por conseguinte, que ele não podia, depois
de seu primeiro jantar após ser eleito, tomar sobre si mesmo “expor todas as
controvérsias teológicas” que estiveram inquietando os estudiosos durante
anos (Amrt. Teol. eclec. 4.2.1.4 [1752-l-IV:25-26]). Por conseguinte, um papa
que definisse a doutrina “em contradição à tradição manifesta e o sentido
evidente da igreja” não estaria falando “ex cathedra”; nem, tampouco, o
papa H onorio I estivera falando com essa autoridade (Amrt. Teol. eclec. 4.2.1.4
[1752-1 -IV:39-42]; Drnd. Diss. 1.7.10 [1703:50]). Os defensores da autoridade
escriturai — opondo-se à atribuição católica-romana de autoridade às “es-
cassas” tradições pós-bíblicas (Baum. Pred. 1.12 [Kirchner 1:400, 407]) e às
declarações de nova revelação entre alguns protestantes e católicos-romanos
(Amrt. Rev. 1.2 [1750:6]; Ag. Cat. rud. 6.10 \CCSL 46:130-31]) — continua-
ram a afirmar que o Espírito Santo não manteve a verdade secreta durante
séculos, mas falara com decisão ao inspirar a Escritura (Dor. Pet. 3 [1718:13]).
Sugerir que podia haver na Escritura uma palavra ou sílaba ociosa, confor-
me citavam Basilio de Cesareia (Bas. Hex. 10 [50 26:382]), era uma blasfêmia,
pois era “o mais firme dos axiomas” (Frnck. Pred. Epif. 2 [1699:23-24]) que
nem mesmo a menor parte da Escritura podia ser quebrada: a “revelação”
sugeria “inspiração” (Beng. Gnom. Jo 10:35 [Steudel, p. 381]; Jo 10.35). Os
evangelhos eram “oráculos de sabedoria divina” (Ost.Arg. ref. pr. [1720:A3r]),
e a doutrina dos apóstolos, sendo “divina e ‘digna de toda aceitação’ ” (lTm
1.15; Grig. Mont. Am. sag. 12 [Gendrot, p. 166-73]; Lpm. Ghm. 14 [1719-
11:967]), também foi inspirada quando um apóstolo usou uma fórmula com o
“não tenho mandamento do Senhor, mas dou meu parecer” (ICo 7.25;
Neum. Marp. 2.4 [1727:100]). N ão só as grandes “verdades” da Escritura, mas
suas “figuras de linguagem” (Wlff. Nat. Gott. 249 [1744-1:252]) ou notícias
Milagre, mistério e autoridade ♦♦♦ 127

históricas tinham de ser explicadas de m odo a evitar a aparência de que a


Bíblia podia se contradizer (Deutsch. Lut. 1.4.2 [1698:35]; Spen. Bed.lA.57
[Canstein 1:303-4]). A inerrância que pertencia a Cristo em virtude de sua
pessoa foi transmitida também para os escritores sagrados da Bíblia (Mrck.
Comp. 2.23 [Velzen 18:38]; Zinz. Off. Red. 1.8 [Beyreuther 2-111:129]), e um
franciscano (Mrchn. Sacr. Bib. 1.5 [1874:94]) pôde acusar Tomás Caetano de
“heresia” (Caj. Mos. Gen. 2:21 -22 [1539:xxiv]) por negar que Eva fora criada,
no sentido literal, da costela de Adão (Drnd. Fid. vind. 2.3 [1709:212-14]). Às
vezes, essa asserção de que a Bíblia não tinha contradição significava que “as
fontes originais da nossa religião têm origem divina à medida que transmitem
as verdades cristãs para nós” (Sem. Erkl. 3 [1777:317]), mas não que todas as
partes da Escritura “têm a mesma autoridade que fonte divina” (Sem. V. T.
Int. 1.4.50 [1773:188]). Uma vez que “todos sabem” (Sem. Erkl. 1.3 [1777:42])
que Lutero, a despeito de sua conversão por meio da leitura da Escritura, não
ensinava a inspiração verbal, afirmava-se que essa “crítica livre” (Nss. Dipp.
1 [1701:19]) estava mais de acordo com seu espírito que com a ortodoxia de
seus epígonos (Sem. Erkl. 1.5 [1777:97]), que continuaram a identificar a “Es-
entura” e a “palavra de D eus” (Nss. Dipp. 1 [1701:11]) e definindo a si mesmos
contra a acusação de ensinar “uma mera teologia da letra” (Deutsch. Lut. 1.2.6
[1698:14]). Alguns de seus oponentes católicos-romanos tinham o cuidado de
especificar que a iniciativa divina na inspiração se estendia ao “conteúdo”, mas
não às “palavras e linguagem” da Escritura (Amrt. Teol. eclec. 4.2.1.8 [1752-1-
IV:67-68]), e eles, por conseguinte, não ensinavam a inspiração verbal no sentido
postulado pela ortodoxia luterana e católica-romana (veja vol. 4, p. 413-18),
que declaravam que, ao inspirar um escritor bíblico, “o Espírito de Deus pode
revelar [...] e ditar para ele [...] mistérios que, do contrário, estariam acima do
alcance do raciocínio dele” (Edw. RelAff. 3.6 [Miller 2:330]). A ortodoxia da
variedade oriental também afirmava a inspiração (se não bem a inspiração
verbal) da Escritura (Eug. Bulg. Ort. 5 [Metaxas, p. 22]), mas insistia que os
diversos sentidos dessa Escritura inspirada (Bulg. Kat. 61 [1940:132-34]) só
podiam ser decididos pela “igreja católica” (Eug. Bulg. Ort. 5 [Metaxas, p.
24]), e não a partir do mero texto. E o texto-prova padrão para a doutrina da
inspiração (2Tm 3.16; veja vol. 4, p. 413-18) podia, em vez disso, até ser lida
pelos protestantes radicais com o um princípio excludente: “Será que Paulo
não supunha que só a Escritura útil, aproveitável e eficaz era divinamente
inspirada (Tin. Cr. 13 [1730:328])?
A interpretação concreta da Escritura, portanto, podia afinal gerar mais
dificuldade que a interpretação abstrata da doutrina da inspiração. Uma
128 ♦í♦
AOBJETIVIDADE DAREVELAÇÃOTRANSCENDENTE

dogmática que não presta a devida atenção à primazia da exegese bíblica


“repousa em um alicerce escorregadio”, advertira Francke (Frnck. Mand. Scrip.
6 [1706:72]; Frnck. Meth. 1.9 [1723:26-27]; Frnck. Id. 28 [Peschke, p. 185]). O
princípio “inegável” de que não só um estudioso, mas qualquer um, também
sem as línguas originais, podia extrair da Escritura todo o necessário para a
salvação (Wet. N . 7. [1756:110]; O st Arg. ref. pr. [1720:A2v]) tinha de vir acom-
panhado do aviso que a menos que esse leitor pratique o “discernimento” o
resultado seria uma “perigosa decepção” (Ost·Arg. ref. pr. [1720:C2v]). Logo
ficaria evidente que várias interpretações bíblicas iam umas contra as outras,
e as regras metodológicas, com o procurar “a intenção do autor” (Wer. Mise.
23.5 [Ryhinerus 2:344-45]) ou “não ser guiado por sua opinião preconcebida,
mas ler de forma imparcial e apartidária” (Lschr. Unfehl. 12 [1724:85]), somem
em face do fato óbvio de que não era uma exegese “apartidária e imparcial”,
mas “os sistemas e formulários de suas diversas com unhões” (Tol. Mist. int.
[1696:5]) que determinavam com o os exegetas confessionais interpretavam
a Escritura. Essas interpretações confessionais, com frequência, tiravam
palavras ou passagens do contexto (Wet. N. T. [1756:116]; Reim. Apol. int.
5 [Alexander 1:46]). Se era necessário em geral mais de uma passagem para
“levantar uma teoria ou criar uma doutrina” (Brnt. Art. X X X IX 9 [1700:115]),
parecia “axiomático” que um texto obscuro, por meio do uso de “analogia,
texto, contexto e paralelismo” (Lang. Paul. 2.2.1 [1718:331-32]), fosse expli-
cado com base no que as palavras da Escritura disseram em outra passagem
que não era o assunto da controvérsia (Wer. Mise. 23.4 [Ryhinerus 2:341];
Zinz. Land. Pred. 1.7 [Beyreuther 5-1.49]). Para outros, um conflito em que os
textos podiam ser entendidos em diferentes sentidos sugeria que se deixara
que as coisas fossem determinadas pela razão (Tin. Cr. 4 [1730:37]), pela
“luz natural ou os princípios gerais do nosso conhecimento” (Byl. Com.phil.
1.1 [1713-1:135]). Contudo, isso também não resolvia o problema, uma vez
que para alguns intérpretes a alegoria e a tipologia eram necessárias “para a
satisfação da nossa razão” (Mid. Wat. [1731:21]), enquanto para outros elas
eram exatamente o oposto (Sem. V. T. Int. pr. [1773:Blv]). Entrementes, para
os professores católicos-romanos e ortodoxos orientais tudo isso provava
mais uma vez a necessidade de uma igreja infalível (Rndt. Diss. 4 [Salaville,
p. 24]; Strz. Man. 1 [1828:1-44]).
O Antigo Testamento, pelo menos de início, forneceu muitos dos mais
complexos enigmas exegéticos — e supostamente o mais seguro deles. Em-
bora se diga que o Antigo Testamento tem “o m esm o” conteúdo do N ovo
Testamento (Ost. Arg. ref. pr. [1720:B3v]), todos, incluindo a maioria dos
As verdades contingentes da história 1 29
w
intérpretes ortodoxos, objetavam à prática de orar os salmos imprecatorios
contra os inimigos pessoais do indivíduo (Neum. Rch. 18 [1751:580]). Ape-
sar de Tomás de Aquino ter adotado uma exegese mais literal dos relatos da
criação em Gênesis (Tos. Aq. S. t . 1.74.2 \Ed. Leon. 5:190-91]), a interpretação
não literal de Agostinho dos “dias” nunca foram condenados pela igreja
(Nrs. Vind.Aug. 4.9 [Berti 2:379-81]); e alguns protestantes, em oposição ao
padrão visto em meio a seus colegas (Bert. Teol. disc. 11.2 [1792-11:184-87]),
estavam incentivando tal interpretação não só da criação (Lmp. Teol. rud. 4.6
[1729:23]), mas também da queda (a qual Agostinho interpretara de forma
literal) (Sem. Erkl. 3 [1777:285]). Alguns chegaram até mesmo a chamar
a interpretação cristológica do Antigo Testamento (Ag. Pecc. merit. 2.22.36
[CSEL· 60:107-8]), que a maioria dos exegetas cristãos de todas as igrejas ainda
praticavam (O st.A rg. ref. SI 2 ,8 ,2 2 [1720-1:328,331,339]), de nada mais que
“a divertida atividade da imaginação” (Reim .Apol. 1.5.2.2 [Alexander 1:727]),
e não uma exegese a ser encarada com seriedade intelectual, uma vez que
o Antigo Testamento continha, na melhor das hipóteses, “uma apreensão
imperfeita de algumas das verdades da religião natural” (Reim. Apol. 1.5.1.1,
1.5.4.16 [Alexander 1:685, 813]). Os intérpretes menos drásticos (Ost. D%.
serm. 4 [1722:126-27]) deixaram aberta a questão de se as passagens do Antigo
Testamento citadas no N ovo Testamento referiam-se de fato aJesus Cristo ou
não (Ern. Opuse. 10 [Fritsch, p. 447-48]; Sem. V. T. Int. 1.3.38 [1773:105-8]),
mas eles especificaram que para estabelecer um ensinamento com o carac-
teristicamente doutrina cristã era necessário prová-lo diretamente de fontes
da nova aliança” (Sem. Erkl. pr. [1777:B4r]). Os defensores da objetividade
da revelação em todas as igrejas, nem sempre argumentando a partir das
possíveis implicações de uma posição antagônica, soaram o alarme que tal
metodologia ameaçava não só o milagre, mas o mistério; não só o mistério,
mas a autoridade — e não só a autoridade da igreja, mas a autoridade da
Escritura; e na Escritura, não só a autoridade do Antigo Testamento, mas
a do N ovo Testamento; e no N ovo Testamento, não só a autoridade dos
apóstolos “totalmente enganados”, mas a do próprio Jesus Cristo (Tin. Cr.
13 [1730:258-59]; Jcksn. Rem. [1731:40-41]).

As verdades contingentes da história


Milagre, mistério e autoridade — qualquer que seja sua posição científica,
filosófica ou teológica — eram todos também questões de história. Foi dito
que a ortodoxia é a chave para a história (Strz. Man. 7.3 [1828:304-21]), e o
defensor de um milagre bíblico argumentou por sua credibilidade a partir da
“história desse evento milagroso” e da história da subsequente crença nele
ISO ♦♦♦ AOBJETIVIDADE DAREVELAÇÃOTRANSCENDENTE

(Mrck. Scrip, exerc. 10.16 [Velzen 10:620]); o crítico do sobrenaturalismo or-


todoxo procurava antecipações históricas da “mesma noção de mistério que
tenho” (Tol. Mist. 3.3 [1696:118]; Dipp. Ort. 6 [1699:90-91]); e o oponente
da “sujei[ção] a nossa crença de forma implícita e indiferente à mera força
da autoridade” esforçava-se para provar que isso “com certeza destruiría o
uso de toda a história” (Mid. Mir. 5 [1749:231]; Bl. Unfehl. 28 [1791:562-98]).
N o desenvolvimento da teologia cristã, o século XVIII (e, depois, o XIX)
foi o tempo que um teólogo do século X X denominou “a visão não muito
edificante de um voo geral dos cérebros mais talentosos e engenhosos no
estudo da história” (Brth. Prot. teol. [1947:384]), em especial na história da
doutrina (Ern. Opuse. 13 [Fritsch, p. 513-34]).
Muitos desses “cérebros mais talentosos e engenhosos” (Zinz. Zst. 17
[Beyreuther 3-11:105]) estavam cientes de seu papel pioneiro. “Vou além dos
outros teólogos” (Amrt. Tom. Kemp. 2.1.1-2 [1761:10]), declarou um histo-
fiador “crítico” católico-romano ao investigar a doutrina das indulgências
empregando “um novo m odo para tratar as controvérsias teológicas mais
importantes com maior exatidão, visto que estou expondo a história dessa
doutrina” (Amrt. Ep. 1742 [Friedrich, p. 62]). Um protestante contemporâ-
neo dele expressou sua “alegria em viver em uma era na qual esse ramo da
teologia começa a florescer” ao atrair os estudiosos “mais destacados e mais
eruditos” (Pff. Hist., teol. 4. prol. [1724-111:1]): “Está além das palavras o quão
nobre, quão destacado, quão necessário, quão útil e quão vasto é esse estudo
da história do dogma” (Pff. Hist., teol. 4.4 [1724-111:185])! Ele podería iluminar
o estudo da história da filosofia e, por sua vez, ser iluminado por ele (Budd.
Phil. ebr. pr. [1720:A6v]). A história foi usada para introduzir um catecismo
(Ost. Cat. [1747:1-11]), expor uma confissão da Reforma (Brnt. A rt. X X X IX .
pr. [1700:iii-v]), examinar o desenvolvimento da bruxaria (Bnl. Anim. cr. ap.
[1751:177-87]), fazer uma análise crítica do conflito da ortodoxia oriental com
o islamismo, provar que Pedro estivera “pessoalmente” em Roma (Komn.
Prosk. 3 [Christophoros, p. 27]) e demonstrar que houvera a continuidade da
doutrina desde os dias apostólicos (Gtti. Her. eccl. 2.2.13 [1763:224-30]) —
exceto, é claro, por alguma “mudança contingente e acidental” (Bert. Teol.
disc. 23.2 [1792-V3]).
Gotthold Ephraim Lessing, um dos cérebros mais talentosos de todos
no século XVIII e a quem um ortodoxo anglicano do século seguinte des-
creveria com o “cético, mas provavelmente mais cristão” que seus oponentes
ortodoxos (Pus. Hist. 1 [1828-1:51]), reconheceu que os elementos “contin-
gentes” e relativos da história da doutrina não podiam ser descartados com
As verdades contingentes da história ♦♦♦ 131

tanta facilidade. Ele, em uma fórmula que continuaria a ecoar no século XIX
(Kierk. Afs. Uvid. Eft. 2.2.3 [Drachmann 7:74-85]), declarou que “as ver-
dades históricas contingentes nunca servem com o prova para as verdades
necessárias da razão”; “se não tenho fundamento histórico com que objetar
à declaração de que Cristo ressuscitou um homem dos m ortos”, continuou
ele, “será que, por conseguinte, devo considerar verdade que Deus tem um
Filho segundo sua própria imagem?” Era uma falácia lógica “pular dessa
verdade histórica para uma classe totalmente distinta de verdades e me pedir
para alterar meus conceitos metafísicos e morais de acordo com isso” (Less.
Bem [Rilla 8:12-14]). Argumentar na direção oposta não era menos falacioso
(Reim. Apol. 2.3.1.4 [Alexander 2:186]). A história, na melhor das hipóteses,
produzia uma “certeza moral” (Amrt. Tom. Kemp. 2.1.25,4.conc.223 [1761:13,
251]), e seu resultado era uma consciência ainda mais profunda de inexplicá-
vel “diversidade” (Rndt. Diss. 2 [Salaville, p. 9]). Um estudioso que começara
com a suposição da “imutabilidade da teologia” (Sem. Erkl. pr. [1777:A6r])
aprendeu com sua pesquisa na “história das formas públicas de doutrina”
(Sem. Rei. 21 [Schütz, p. 182]) que na teologia havia “mutação constante”
não menos que em outras áreas do conhecimento humano (Sem. Erkl. pr.
[1777:A6r-A6v]). Um teólogo, com o um resultado desses argumentos histó-
ricos, reclamou da “infidelidade nunca prevalecer tanto em alguma era com o
nessa, em que esses argumentos são tratados com maior vantagem” (Edw.
Rei. Aff. 3.5 [Miller 2:305]), quando pupilos não ortodoxos tiravam conclu-
sões radicais da instrução histórica de seus professores ortodoxos (Mos. Tol.
6 [1722:20-21]). Essa “nova religião cristã [radical] surgiu por intermédio
de uma nova história”, mas “visto que o conhecimento histórico precede o
conhecimento universal”, era possível afirmar que “a religião cristã, precisa-
mente por ter muito conteúdo histórico”, podia servir com o um m eio para
a religião universal (Sem. Rei. 42 [Schütz, p. 353-54]).
A teologia histórica precisava ser separada dos outros departamentos
da teologia (Ern. Opuse. 13 [Fritsch, p. 514]). Pelo fato de “os historiadores
serem suspeitos de transformar seu herói no que eles acham que ele deveria
ser, em vez de apresentá-lo com o realmente era” (Tol. Milt. ded. [1699:7]), a
distinção entre escrever uma história e escrever um panegírico era essencial
(Ors. 1st. pr. [1747-I:viii]). A distinção entre a teologia histórica e a teolo-
gia polêmica foi um elemento importante na mudança de situação entre o
catolicismo-romano e o protestantismo (Bl. Unfehl. 26 [1791:533]), talvez
também entre o catolicismo-romano e a ortodoxia oriental (Anf. Pan. serm.
3 [1817:29]). Um teólogo protestante e crítico podia descartar Epifânio, o
132 A OBJETIVIDADE DA REVELAÇÃO TRANSCENDENTE

polemista implacável do século IV, como “escriba” (Sem. E rk l 2 [1777:236]),
mas até mesmo um historiador protestante ortodoxo criticava Epifânio por
caluniar Orígenes (Span. H. e. 3.9 [Marck 1:765]), e um católico-romano
ortodoxo não o acharia suficientemente histórico no tratamento da heresia
(Pnch. Diet. pr. [1736:C2v]), enquanto outro rejeitava sua interpretação de
outras questões históricas (Gtti. Ver. rei. 5.40.1 [1750-1:463-64]). D e todos
os métodos para lidar com a polêmica da teologia, o único que agora mais
se recomenda, no lugar do antigo “caçador de heresia”, tinha de começar
com “um relato histórico da origem, desenvolvimento, vicissitudes, doutrinas
distintivas e escritores dos principais grupos” (Wlch. Pol. int. [1762:16-17]).
Era “tão sectário, não tão histórico” (Sem. Frag. 1 [1780:9, 1]) criticar o uso
da abordagem histórica para a doutrina do Antigo Testamento (Ost. D%.
serm. 2 [1722:44]; Sem. Erud. [1765:1:7-8]); inversamente, a recusa em usar a
história das doutrinas para se envolver no argumento sectário (Budd. Phil. ehr.
pr. [1720:A8v]) podia trazer sobre o historiador a acusação de se esconder
atrás de suas fontes sem se comprometer pessoalmente (ap. Budd. Mod. 8,
20 [1720:507, 554]). Embora seu principal pupilo estivesse profundamente
atraído pelo campo (Zinz. Aug. conf. 19 [Beyreuther 6-11:308]), um dos prin-
cipais expoentes do século de compromisso pessoal na religião, conforme
concordavam os críticos e os discípulos (Mayr. Mis. 5.2 [1692:47-48]; Canst.
Spen. 15 [1711:41]), estava em seu ponto mais vulnerável quando se tratava
de estudos históricos (Elrlss. Ene. 2.5.13 [1837:232-33]).
Ainda assim, até m esm o ele e seus associados estavam dispostos a exa-
minar a história em busca de precedentes (Spen. Gtts. ep. ded. [1680:A6v])
e a tirar instrução dela, com o também estavam todos os outros (Bert. Aug.
pr. [1747-I:lxi]). Os teólogos conservadores descobriram nisso um modelo
para a relação Igreja-Estado (Bulg. Kat. 62 [1940:139-40]), evidência degover-
nança e providência divinas, uma fonte para resolver os enigmas da profecia
escriturai (Wer. Mise. 15.7 [Ryhinerus 2:270]), uma confirmação da verdade
da palavra de Deus e um fundamento para a “prudência” cristã (Mrck. Pent.
Gn 49.10 [Velzen 1:124,127]; Lmp. Hist., prol. [1747:1-2]); para alguns deles
(Frnck. Meth. 4.6 [1723:263]), isso também confirmava “a sucessão ininter-
rupta” de ordenação de bispos (Lw. Bngr. 1 [Moreton 1:9]). H ouve erros
históricos referentes à autoria das liturgias (Rndt. Diss. 4 [Salaville, p. 23]); e
foi uma lição de história o fato de os protestantes, a despeito de seu ataque
ao ritualismo (Zinz. Gem. 30 [Beyreuther 4-11:30-48]), não terem tido sucesso
em evitar as cerimônias religiosas (Rndt. Lit. Or. int. 1.8 [1716-I:lxxiii]), mas
também que a “influência sacerdotal nos assuntos seculares e a superstição”
As verdades contingentes da história Λ♦ 133

eram um fenôm eno crônico da história eclesiástica (Tin. Cr. 13 [1730:281];


Sem. Rei. 32 [Schütz, p. 261]), junto com “um labirinto de incontáveis, inú-
teis e desamorosas” disputas a respeito da ortodoxia (Reim. Apol. 1.1.5.9
[Alexander 1:167]) e a constante representação equivocada das opiniões dos
adversários (Tin. Cr. 11 [1730:160-61]). A partir da história das controvérsias
entre os eruditos era possível ver que as diferenças quanto a “assuntos sobre
os quais não havia conhecimento firme e certo” não afetavam a certeza da
fé (Sem. Erud.. [1765:11:125]), e que mesmo em assuntos que a afetavam, as
diferenças de crença eram inevitáveis (Sem. N . T. Int. 2.1.68-69 [1767:173]).
Um revisionista dogmático católico-romano, sob o título “resultados dessa
história”, fez propostas para redefinir a prova e a autoridade doutrinais (Bl.
Unfehl. 28 [1791:562-98]). Contudo, em meio a todos esses esforços de “vol-
tar à condição de tempos [passados]” a fim de entendê-las (Sem. N . T. Int.
2.2.72 [1767:182]), havia pelo menos alguns que, embora não fossem eles
mesmos historiadores, apreenderam a inadequação da “força de argumentos
para a verdade do cristianismo tirados da história” (Edw. Rei. Aff. 3.5 [Miller
2:303]; Lw. Ser Cl. 17 [Moreton 4:177]) e também de argumentos históricos
“contingentes” contra o cristianismo (Less. Ben>. [Rilla 8:12]). Atribuir a
Deus o “conhecimento de toda a história” (Wlff. Nat. Gott. 105 [1744-1:79]),
incluindo suas contingências e também suas causas primeiras (veja vol. 4, p.
84-87), não concede um conhecimento similar ao historiador mortal. “O
teólogo”, de acordo com um historiador, “pode ceder à prazerosa tarefa de
descrever a religião com o se ela descesse do céu, adornada com sua pureza
nativa”; mas o historiador tinha a “obrigação mais melancólica” de descrever
“a inevitável mistura de erro e corrupção que ela contraiu na longa moradia
na terra” (Gib. Dec. 15 [Bury 2:2]).
Esse reconhecimento das limitações inerentes da metodologia histórica
também podia vir da prática da pesquisa histórica. A ingênua autoconfiança de
que “o senso comum é sempre suficiente para determinar quanto a maior ou
menor probabilidade da evidência histórica” (Jcksn. Rem. [1731:31]) depara-se
com a descoberta de que a “evidência é uma qualidade relativa” (Byl. Com.
phil. 2.1 [1713-1:268]). Isso se aplicava não só à data da morte de Justiniano
(Nrs. Sjn. quint. 9.2 [Berti 2:73]), mas também à data do nascimento de Cristo
(Span. H. e. 1.2 [Marck 1:522]; Mrck. Syl. 1.1 [Velzen 15:1]). Se era necessário
reconhecer na conduta com os desenvolvimentos recentes e contemporâ-
neos que “uma história dos fatos dogmáticos é muito mais difícil que uma
[história] que lide com os eventos comuns” (Qnl. Clém. IX. int. [1700:1]),
isso era ainda mais verdade afortiori para os fatos dogmáticos do passado da
13 4 ♦♦♦ AOBJETIVIDADE DAREVELAÇÃOTRANSCENDENTE

igreja (Dipp. Hrt. pr. [1706:Blv]) também porque a “história doméstica” da


doutrina e da vida cristãs eram com frequência mantidos em segredo (Sem.
N . T. Int. 1.2.39 [1767:89]). Uma das maiores dificuldades de todas surgiu na
conduta com “as ditas histórias de heresia”, pois quanto mais estas se aproxi-
mavam das origens cristãs, mais obscuras elas ficavam (Mos. Vmd. disc. 1.5.1
[1722:88]). Embora alguns teólogos objetassem às acusações de falsificação
e adulteração maciças (Allat. Syn. Eph. 50 [1661:274-85]; Mmchi. Orig. ant.
1.3.17 [1749:146]), parecia necessário admitir que as fontes eram às vezes
corrompidas pela intrusão de “falsificações toscas” (Mid. Ltr. Rom. [1729:38];
Tol. Milt. [1699:91-92]; Tol. Amyn. [1699:14-15]). N o século XVIII (Pff. Hist,
teol. prol. [1724-1:7-8]), alguns ainda estavam preparados para atribuir uma
grande probabilidade de genuinidade a documentos apócrifos, com o o Reco-
nhecimentos de Clementino (Frnck. Pred. Laet. [1700:12-18]), a correspondência
entre Cristo e Abgaro de Edessa (Bert. Teol. disc. 29.6 [1792-VL91-93]; Eus.
H. e. 1.13.6-10 \GCS 9:86-88]) e os escritos de Dionisio, o areopagita, sob
pseudônimo (veja vol. 1, p. 346-50) (embora a maioria agora estivesse disposta
a renunciar a Sobre a doação de Constantino (veja vol. 4, p. 151-53), a despeito de
seus nobres defensores) (Bert. Diss. hist.. [1753-111:149-52]); mas mesmo um
estudioso tão bem informado quanto Agostinho confundira várias heresias
antigas (Mos. Vind. disc. 1.6.10 [1722:146-49]). O avanço do cristianismo
primitivo foi atestado historicamente por fontes acima de qualquer dúvida
razoável (Sem. Rei. 4 [Schütz, p. 32]); mas, no tratamento desses textos, “em
especial aqueles que dizem respeito a pontos da doutrina” (Lmp. Ew. Str. 2
[1729:248]), contexto histórico, incluindo o suprido pela história secular (Sem.
Erud.. [1765-11:17-18]), era um componente essencial para a determinação do
sentido de palavras-chave e conceitos-chave (Sem. N . T. Int. 1.1.1 [1767:28]).
A periodização dá história da igreja era uma atribuição teológica e meto-
dológica (Terst. Abr. 1.11-14 [Becher 2:119-56]). O entendimento da igreja
e de sua história pela ortodoxia oriental levou a essa divisão típica: a era
de Cristo a Constantino com o o primeiro período; a era dos sete concilios
ecumênicos (“em que a igreja ocidental participou com o uma genuína igreja
irmã”) com o o segundo período; o tempo do cisma Oriente-Ocidente até a
queda de Constantinopla com o o terceiro período; e o atual até 1453 com o o
quarto período (Strz. Man. 5.1 [1828:192-93]). N o Ocidente, o dispensaciona-
lismo apocalíptico do final da Idade Média (veja vol. 3, p. 355-57) se preocu-
pava com um esquema de períodos (Mrck. Apoc. pr. 5-6 [Velzen 8:B2r-B3r])
para o qual os parágrafos finais de A cidade de Deus, de Agostinho (Ag. Civ.
22.30 [CCSL 48:865-66]), sobre as sete eras da história do mundo suprira o
As verdades contingentes da historia ♦ > 135
Ψ
programa; e a teologia reformada da aliança despertara novo interesse nos
sucessivos estágios — natureza, lei e graça — na história da conduta de Deus
com seu povo (veja vol. 4, p. 432-43). Como “a política externa por meio da
qual a igreja é governada” não era “uma obra da invenção humana” (Bianch.
Pot. 2.1.2 [1745-111:116]), mas a instituição do próprio Cristo, era possível
argumentar que a vida de Cristo tinha de ser incluída com o o início da história
da igreja; mas as considerações teológicas e metodológicas argumentavam
por começar com o livro de Atos dos Apóstolos, não com os evangelhos
(Ors. 1st. 1.1 [1747-1:1]).
Era possível esperar que os historiadores protestantes, seguindo o pre-
cedente historiográfico dos reformadores (Ern. Opuse. 13 [Fritsch, p. 531]),
vissem o surgimento do anticristo papal e da Reforma com o marcando
importantes divisões (Hrn. H. e. 1.1.15 [Leydecker 1:119]; Span. H. e. 11.5
[Marck 1:1525-32]). Um sistema de teologia histórica identificou três estágios:
do tempo de Cristo ao surgimento do anticristo; do surgimento do anticristo
à Reforma; e da Reforma até o presente (Hrn. H e . 1. int. [Leydecker 1:99]).
Uma periodização mais elaborada distinguía seis eras (a era apostólica; o pe-
ríodo até Constantino; desse período até o início do anticristo; desse período
até a Reforma; da Reforma ao Tratado de Passau, em 1552 (Lmp. Ghm. 12
[1719-1:716]); e de 1552 até a presente data), com uma sétima ainda por vir
(Lmp. Hist. 2.21 [1747:71-72]). Contudo, permanecia um forte “preconceito
contra o sistema de períodos” em operação nesses constructos históricos
(Mrck. Apoc. pr. 35-37 [Velzen 8:B3v-B4r]). A conversão de Constantino (veja
vol. 3, p. 356; vol. 4, p. 151,392-93), com o fora antes, era o ponto mais claro
de divisão não só entre as épocas históricas, mas também entre as teorias
históricas através das linhas denominacionais: a hagiografía ortodoxa oriental
continuou a considerar o imperador com o santo (Strz. Man. 1.3 [1828:24-
25]); os católicos-romanos conservadores insistiam que ele não era a fonte da
autoridade papal (Coz. Graec. 4.16.484 [1719-11:283]), e os dois grupos e os
historiadores protestantes aclamavam sua genuína, “se não total”, conversão
como o evento que trouxera a paz para a igreja (Ors. 1st. 10.81 [1747-IV:329-
80]; Bert. Diss. hist. [1753-111:46]; Span. H. e. 4.3 [Marck 1:826]; Lmp. Hist. 2.5
[1747:137]); os críticos protestantes e católicos-romanos atacavam o uso de
Constantino do poder político para impor a ortodoxia doutrinai, e (ecoando
a doutrina da justificação de Lutero) (Zinz. Soe. 2 [Beyreuther 1-1:20-21]; Byl.
Com.phil. 4.30 [1713-11:433]; Bl. Unfehl. 13 [1791:144-45]) falavam dele como
“crente e ímpio ao mesmo tem po” (Reim . Apol. 1.1.5.5 [Alexander 1:153];
veja vol. 4, p. 218-20).
136 ♦ ♦V AOBJETIVIDADE DAREVELAÇÃOTRANSCENDENTE

Essas diferenças historiográficas refletiam as diferenças no entendimento


teológico da antiguidade cristã e sua autoridade. O padrão mais “preciso e
cuidadoso” (Bl. Unfehl. 14 [1791:204-14]) dessa autoridade foi enunciado na
obra Admoestação, de Vicente de Lérins (veja vol. 1, p. 336-42), que apareceu
em dezenas de edições e traduções durante o século XVII em toda a Europa
(embora fosse reconhecido que Lérins, com o semipelagiano, tenha dirigido
originalmente a obra contra a doutrina agostiniana da graça) (Nrs. Hist..pel.
2.11 [Berti 1:330]; Bert. Teol. disc. 15.3 [1792-111:170-72]): o que fora crido “em
todo lugar, sempre e por todos [ubique, semper, ab omnibus\ ” (Vine. Ler. Comm.
2.3 [Moxon, p. 10]). Os anglicanos (Mcks. Ltrs. 1 [1705:30-31]) citavam isso
com o um princípio e o empregaram para questionar o padrão normativo da
doutrina agostiniana (Brnt. Λτί. X X X IX 9 [1700:113-15]), embora reconhe-
cendo que os “escritores [católicos-romanos] fazem uso desse preconceito
em favor da antiguidade primitiva que prevalece até mesmo nesse país pro-
testante, para atrair pessoas fracas para sua causa” (Mid. Mir. int. [1749:xli]).
Os católicos-romanos, a despeito de sua defesa, foram incitados por seus
oponentes protestantes (Gtti. Coll. 3.1.4 [1727:433]) a ir além, citando o que
fora crido “em todo lugar, sempre e por todos [ubique, semper, ab ómnibus]”, e
a descartar essas “novas doutrinas heréticas” com o o purgatório e a negação
tanto da Bíblia quanto do cálice para a laicidade (Mayr. Red. 1 [1702:184-85]).
Embora estivesse evidente que, nas palavras de um escritor do início do
século X IX, “a Regra de Vicente não é de caráter matemático nem demons-
trativo, mas moral, e exige julgamento prático e bom senso na sua aplicação”
(Newm. Proph. Off. 2.6 [V. Med. 1:55-56]; Newm . Dev. int. 8 [Harrold, p. 11-
12]), ela postulava a existência de um consenso patrístico que, se não bem “o
senso unânime dos antigos doutores” (Amrt. Teol. eclec. 3.2.4 [1752-1-111:121]),
constituía, também para os protestantes ortodoxos, “um testemunho da igreja,
embora de modo algum um princípio de fé” (Nmnn. Er. [1701:187]). Portanto,
eles falavam na “pureza” do “cristianismo dos primeiros séculos”, pelo me-
nos “em comparação com os que se seguiram” (Ost. Corrupt. 2.1 [1700-11:6];
Terst. Abr. 2.15, 2.16.2 [Becher 2:309-19]; Wsly. Sen». 4.1.10 [Baker 1:165]),
louvando-os também pela “crença correta a respeito da sagrada Escritura, a
Trindade, a divindade de Cristo, a justificação e a eucaristia” (Lmp. Hist. 2.3
[1747:95]). Contudo, esses séculos, em algumas dessas mesmas doutrinas,
pareceram apresentar algo menos que uma ortodoxia unificada (Ag. Civ. 20.7
[CCSL 48:708-12]). O milenarismo, conforme indicara a crítica de Agostinho,
fora propagado; mas conform e admitiu a erudição protestante, a atenção à
doutrina da justificação não o foi (Bert. Teol disc. 3.8 [1792-1:138-39]; Amrt.
As verdades contingentes da história 137

Teol. eclec. 1.4.5 [1752-1-1:76]; veja vol. 4, p. 221-22, 348-49). N o século II,
as doutrinas antropomórficas de Deus circularam entre os professores or-
todoxos (Poir. Fid. rat. 3.2.6 [1708:34-35]; Bert. Teol. disc. 2.2 [1792-1:75]) e
até mesmo “para a questão: ‘Quem é Jesus Cristo?’, eles costumavam dar
respostas bem divergentes” (Sem. Rei. 3 [Schütz, p. 29-30]).
As polêmicas protestantes, imitando as apologias da Reforma (Jwl.
Apol. 3 [Booty, p. 41]), tentavam contrapor um consenso patrístico contra
a doutrina católica-romana moderna (Lmp. Hist. 2.5 [1747:137]). Mas a
pesquisa histórica foi combinada com a mudança teológica para deixar claro
que houve “alguns pais contra outros, os mesmos pais contra eles mesmos,
um consenso de pais de uma era contra um consenso de pais de outra era, a
igreja de uma era contra a igreja de outra era” (Chil. Rei. Prot. 6.56 [1727:27];
Tin. Cr. 13 [1730:291-92]; Tol. Mist. int. [1696:2]). Os pais da Antiguidade
eram “extremamente crédulos e supersticiosos” Mid. Mir. pr. [1749:xxxi]);
os “labirintos” deles não eram necessários em uma era da razão (Tol. Mist.
pr. [1696:xxiii]). Justino Mártir fora culpado de “erros” (Bert. Diss. hist..
[1753-11:128]); Ireneu foi um “diligente coletor e proclamador das tradições
apostólicas” (Mid. Mir. 3 [1749:44]), mas o autor de “escritos [antes] infelizes”
(Sem. Erkl. 2 [1777:234-35]); Tertuliano foi um estudioso erudito, mas um
“dilema” teológico (Sem .Erud. [1765-1:100]; Byl. Com.phil. 2.3 [1713-1:312-
13]); Clemente de Alexandria foi “o primeiro que tentou dar ao cristianismo
uma forma científica por intermédio da filosofia” (Bl. Unfehl. 10 [1791:98];
Tol. Mist. 3.3 [1696:118]), mas agora é o suposto patrono dos deístas; e Cri-
sóstomo foi “o professor do mundo”, mas provavelmente um semipelagiano
(Atan. Par. Epit. 3.2 [1806:288]; Thdt. H. e. 5.34.11 [6 0 1 9 : 3 3 6 ]). O estudo
patrístico revelou não consenso, mas “divisões infinitas” (Bert. Teol. disc.
15.2 [1792-111:164-65]) e “pluralidade de hipóteses” — a anomalia de uma
“ortodoxia pluralista” (Sem. N . T. Int. 2.1.59 [1767:141-42]).
Orígenes de Alexandria, com o tem sido ao longo da história da erudi-
ção patrística oriental e ocidental (Dipp. Hrt. 2 [1706:17]), era o precedente
crucial para qualquer reconstrução histórica (Ptz. Sed. inf. 2.9 [1763:128]). Sua
“constância” na perseguição e no martírio (Ors. 1st. 5.61 [1747-11:440-41]), sua
“suprema e incomparável erudição em todos os campos do conhecimento,
mas acima de tudo nas sagradas Escrituras” (Hrn. H. e. 1.2.13 [Leydecker
1:153]) e sua disposição “de submeter todos seus escritos à igreja” (Pnch.
Diet. [1736:334-48]) produziram um “amor cego por Orígenes” (Nrs. Syn.
quint. 6 [Berti 2:49]). Todavia, a própria “força da imaginação de Orígenes e
seu apego a suas idéias platônicas e pitagoristas” (Ors. 1st. 6.28 [1747-111:68])
13 « <♦ AOBJETIVIDADE DAREVELAÇÃOTRANSCENDENTE

também foram responsáveis por “muitos erros” em sua teologia e na teolo-


gia de seus discípulos (Ors. 1st. 6.15 [1747-111:35]; Zinz. Zst. 29 [Beyreuther
311:225‫)]־‬. Orígenes — embora seu professor Clemente de Alexandria pu-
desse ser exonerado da acusação de arianismo antes de Ario (Bert. Teol. disc. 8.6
[1792-11:80-83]) — era visto com o “o primeiro ariano” (Drnd. Fid. vind. 1.12
[1709:34]). Enquanto os comentaristas da doutrina católica-romana do purgató-
rio (Anf. Pan. serm. 12-13 [1817:110-20]) contraataques da ortodoxia oriental
e do protestantismo se esforçavam para desvinculá-la do universalismo de
Orígenes (Gtti. Ver. eccl. 2.10.1.1 [1763:323]; Allat. Purg. 40 [1655:164-68]),
tanto os críticos do purgatório quanto os defensores modernos do universa-
lismo fizeram a conexão (Lmp. Teol. rud. 28.7 [1729:108]; veja vol. 1, p. 164).
A despeito do esforço de estudiosos “mais recentes para defender a pessoa
de Orígenes contra três concilios ecumênicos” (Pet. Mist. pr. 3 [1700-I:Alv])
que o condenaram e aclamaram “sua doutrina da graça divina não só com o
‘católica’, mas a ‘mais católica de todas’ ” (Nrs. Syn. quint. 12 [Berti 2:131]),
ele foi de fato o pai do pelagianismo (Nrs. Syn. quint, pr. [Berti 2:vii]). Ainda
assim, esse homem cujos livros constituíam “uma mina de opiniões disformes
e um corpo de teologia com uma mistura de ensinamentos platônicos que
adulteraram todo o sistema da doutrina cristã” (Ost. 1st. 22.26 [1747-X:35-36]),
pelo que ele foi condenado no Segundo Concilio de Constantinopla, em 553,
fora “restaurado à comunhão e paz” (Ors. 1st. 41.70 [1747-XVIII:332-38];
veja vol. 1, p. 340-41) com a igreja, na qual ele também morrera (Ors. 1st. 7.33
[1747-111:200]). E na atmosfera do século XVIII, com seu crescente reco-
nhecimento e aceitação de um pluralismo, em vez de um consenso patrístico
simplista, desenvolveu essa reinterpretação de Orígenees (veja p. 175-76,
285-86 abaixo) cujo resultado tinha de ser, se não a canonização oficial, então,
uma eventual reabilitação não só de sua piedade e espiritualidade com o “um
homem da igreja” (Lub. Hist., esp. 2 [1950:47-91]), mas de sua doutrina em
alguns dos exatos pontos que o tornaram suspeito.
A era da Reforma, lado a lado com a era patrística, ocupou um lugar especial
na história da igreja e de sua doutrina; a relação entre os dois períodos veio a ser
um topos (tema recorrente principalmente em obra literária; lugar-comum) da
historiografia protestante (Lschr. Dr. pred. 1 [1733:16-17]). U m dos motivos
era a origem na Reforma dos padrões doutrinais por meio dos quais as igrejas
continuavam a se definir (veja vol. 4, p. 58-61). N esse sentido era possível
afirmar que a Reforma foi “uma grande bênção para o mundo” (Brnt. A rt.
X X X IX 11 [1700:126]) e que “provara ser assim até m esm o para a igreja de
Roma”, que tivera de admitir que a Reforma de Lutero, por seu “amor pela
As verdades contingentes da historia ♦♦♦ 139

palavra de D eus”, era imortal (Mayr. Red. 3 [1702:305]). Acima de tudo, ocu-
pava essa posição entre aqueles que se consideravam os herdeiros da “obra
da Reforma, abundante em graça” (Deutsch. Lut. 1.3.10 [1698:27]; Zinz.
Horn. 25 [Beyreuther 3-1:254]), com o os estudiosos da Biblia que se sentiram
capazes de declarar: “e sem fanatismo sectário: a Reforma é e continua a ser
a época mais importante da igreja crista no Ocidente” (Beng. Brud. 1.3.28
[1751:230]). Até mesmo Emanuel Swedenborg, em apoio a sua nova per-
cepção da vida eterna (veja p. 229 abaixo), teve de declarar que Lutero, após
sua morte, tendo sido “um propagador e defensor muito cáustico de seus
próprios dogmas” sobre a primeira vinda para o céu, “passou, [por fim], por
uma mudança de estado” e aprendeu a verdadeira natureza da igreja (Swed.
Ver. Chr. 14.796 [1771:480-81]).
D e um m odo particular, a doutrina de Lutero — e também a pessoa
“desse defensor especial do Senhor dos exércitos” (Wsly. Serm. 1.3.9 [Baker
1:129]) — estava em seu direito de vir a ser um capítulo da teologia histórica
e da dogmática, gerando uma biblioteca de apologias, biografias e resumos
sistemáticos de seu pensamento. Os devotos da comemoração de “Martinho
Lutero, o profeta da Alemanha, o restaurador e defensor da verdadeira reli-
gião” (Mayr. Red. 3 [1702:261-62]; Schpf. Lut. 2.1 [1717:4]), enfatizando que
não era a mesma coisa que a adoração dos santos católicos-romanos (Schpf.
Lut. 7.3 [1717:24-25]), ultrapassaram as linhas dos luteranos ortodoxos; os
panegíricos deles sobre “o imortal Lutero” (Mayr. Red. 3 [1702:218-346]) e
as defesas da doutrina e vida dele contra as distorções católicas-romanas o
celebravam com o (com um título bíblico concedido originalmente a Paulo
[At 9.15]) “o instrumento escolhido de Cristo” (Lschr. Unfehl. 13 [1724:94-
96]; Neum. Rch. 18 [1751:576]) e seguiram o sermão em seu funeral o vendo
como “indubitavelmente” (Bgn. Lut. [1546:A4r]) o anjo com o evangelho
eterno predito no livro de Apocalipse (Neum. Funf. 2 [1726-1:398-99]; Mayr.
Red. 1 [1702:16-132]; Ap 14.6). Os pietistas, que os ortodoxos acusavam de
desprezar e caluniar Lutero (ap. Frnck. Ber. obs. 1 [Peschke, p. 57]), afirmaram
sua continuidade com a “fé heroica” desse “grande hom em ” e sua “sólida
doutrina teológica” (Canst. Spen. 18 [1711:51]; Zinz. Soe. 25 [Beyreuther
1-1:254]), declarando que nenhuma outra reforma da igreja (nem deles mes-
mos) (Maj. Mayr. [1705:12]) poderia reivindicar vir de Deus se fosse contrária à
de Lutero (Frnck. Ber. obs. 1 [Peschke, p. 255]; Tlnz.Aug. Conf. 19 [Beyreuther
6-11:325]). Os que mediaram entre o pietismo e o racionalismo se juntaram no
reconhecimento dele com o um dos que resgataram a Bíblia da obscuridade
medieval (Baum. Pred. 1.12 [Kirchner 1:407-8]), mas se desassociaram dos
140 ΛΨ AOBJETIVIDADE DAREVELAÇÃOTRANSCENDENTE

“imitadores prudentes” de Lutero que o seguiam de acordo com a letra, mas


não de acordo com o espírito (Sem. Erud. [1765-II:A3r]). Os historiadores
reformados, para quem Calvino era um “instrumento especial de D eus para
a propagação da verdade” (Lmp. Hist. 2.12 [1747:370]; Span. Εν. vind. 1.12
[Marck 3:45]), não obstante, saudavam Lutero (de um m odo que muito pou-
cos historiadores luteranos saudaram Calvino) com o “um grande hom em ”
(Wlch. Rei. aus. 4.1.6 [1733-1:400-401]) e “um defensor intrépido da verdade”
que ousara fazer coisas que o mundo todo tinha de admirar (Lmp. Hist. 2.12
[1747:371 ];Terst. Abr. 2.16.8 [Becher 2:325]). Os teólogos católicos-romanos,
embora não renunciassem à iniciativa polêmica (Hrn. H. e. 3.1.29 [Leydecker
1:327-28]), foram obrigados pela pesquisa mais recente a revisar polêmicas
anteriores (Pnch. Diet. [1736:253-66]; Ptz. Sed. inf. 3.5 [1763:161-66]) e “junto
com muitos historiadores a desculpá-lo do erro” de negar a presença real,
embora ainda fosse verdade que ele negava a transubstanciação (Drnd. Fid.
vind. 4.36 [1709:632]). “D epois de uma discussão justa”, resumiu um crítico
historiador, “temos antes de ficar mais surpresos com a timidez que escan-
dalizados com a liberdade dos nossos primeiros reformadores” (Gib. Dec.
54 [Bury 6:125]).
Apesar de toda essa continuidade, era a descontinuidade entre a Reforma
e a história prévia que agora mais chamava atenção: era uma “monstruosida-
de”, acusou um teólogo católico-romano, “combinar a doutrina de Calvino
e a de A gostinho” (Gtti. Ver. eccl. 2.7.4.14 [1763:279]), conforme faziam os
professores reformados desde a época de Calvino (veja vol. 4, p. 286-92).
Um estudioso católico-romano se empenhara “em provar que as indulgências
existiram em todas as épocas na igreja de D eus” (Amrt. Indulg. pr. 2 [1735-
1:3]; Gtti. Ver. eccl. 1.4.2 [1763:36-38]) e reimprimiu o texto completo das 95
Teses para demonstrar a ruptura de Lutero com a tradição doutrinai (Amrt.
Indulg. 2.1.23 [1735-11:16-19]; veja vol. 4, p. 198-200). A evolução da atitude
de Lutero (veja vol. 4, p. 200-202, 316-17) em relação ao purgatório era uma
documentação dessa descontinuidade (Allat. Purg. 35 [1655:252]), com o tam-
bém o era sua idiossincrática exegese bíblica (Remp. Cour. 6 [1698:B3v]). N o
lado protestante, essa mesma novidade da exegese da Reforma a transformou
em um mom ento decisivo da história (Sem. N . T. Int. 2.2.70 [1767:175]). Sua
descontinuidade provou, para dois norte-americanos com teologías drástica-
mente contrastantes (Edw. Rei. Aff. pr. [Miller 2:86-87]), que ali houvera “uma
parada no progresso [da Reforma]”, de m odo que os reformadores deixaram
inacabada “a metade da Reforma de Lutero e de Calvino”, deixando para
seus herdeiros a incumbência de “completar o que eles começaram e nos
As verdades contingentes da historia *♦y 141

colocar no ponto em que os evangelistas nos deixaram” (Jeff. Ep. 26.VÜ.1818


[Adams, p. 385]). Embora a Reforma, de acordo com os radicais, tivesse
feito progresso substancial “chegando mais perto da verdadeira fé do que
chegaram as trevas do papado” (Felb. Hnd. 3 [1799:73]), ela não penetrou
nas raízes da “verdadeira heresia” (Dipp. Ort. 8 [1699:10618‫ )]־‬e foi incapaz
de se livrar de vestígios remanescentes com o o batismo infantil (Felb. Hnd. 3
[1799:73]), o uso de coação para forçar a conformidade doutrinai (Byl. Comp.
phil. 4.31 [1713-11:450-51]), a autoridade da letra morta da Escritura e o apelo
à “fé cega” (Dipp. Hrt. 2 [1706:23-24]). Os pietistas evangélicos também
foram — injustamente, no julgamento deles (Reim. Apol. 1.1.3.9 [Alexander
1:114]; Lang. Nacb. 9.1 [1707-IX:8-9]) — atacados por preferir os escritos do
jovem Lutero a seus escritos posteriores e mais dogmáticos (Han. Consist.
27.x. 1709 [Neumeister, p. 115]) porque acusaram a própria Reforma de “cair”
(Terst. Abr. 2.16.9 [Becher 2:325]) e que a doutrina do sacerdócio universal
de todos os cristãos (veja vol. 4, p. 239) “fora perseguida com afinco desde
a época de Lutero” (Spen. Pt. Des. [Aland, p. 60]).
O lema de “continuação da Reforma” e “correção dos defeitos que ainda
permanecem” (Spen. Pt. des. [Aland, p. 42]) expressavam uma convicção am-
píamente defendida: era “o direito ao julgamento privado no qual permanece
toda a Reforma” (Wsly. Serm. 39.10 [Baker 2:86]). O “único fundamento”
da Reforma ou “o princípio protestante” foi definido por um teólogo suí-
ço com o sentido de que “todos os cristãos não só têm o direito, mas, na
consciência, são obrigados a examinar com seu próprio julgamento todos
os dogmas da religião, independentemente da fonte a partir da qual estes são
propostos” (Wer. Diss. 24 [Ryhinerus 1:414]). Mas será que isso significava
“todos os dogmas”, não só os característicos dos católicos-romanos ou dos
ortodoxos orientais, mas a própria ortodoxia trinitária e os “muitos rituais
e doutrinas” (Mid. Mir. int. [1749:ci]) que os reformadores mantiveram?
“Eu e outros”, escreveu um estudioso, “queremos chegar a um julgamento
diferente” daquela da geração confessional, de acordo com quem “Lutero
realizou perfeitamente a Reforma” (Sem. Erkl. 3 [1777:272]). Conforme
entendia um escritor anglicano, “nossos primeiros e principais reformado-
res, no reinado de Henrique VIII, não tinham o poder para levar a Reforma
tão longe quanto desejavam” (Mid. Mir. int. [1749:ci]; Wsly. Serm. 61.29
[Baker 2:464-65]). Contudo, a rejeição dos reformadores das “leis humanas
da igreja” não devia ser entendida com o uma sugestão, argumentou outro
anglicano, “de que avançamos essa autoridade [que] não é fundamentada em
quaisquer leis humanas, mas é a autoridade de Cristo” (Lw. Bngr. 3 [Moreton
142 ♦ ♦ ♦ AOBJETIVIDADE DAREVELAÇÃOTRANSCENDENTE

1:196]). O medo de que todas as igrejas que saíram da Reforma pudessem


sofrer apostasia da fé do cristianismo (Lschr. Hor. [1734:14]; Lschr. Dr. pred.
1 [1733:21]) abrandou a celebração protestante da doutrina da Reforma
com o um tesouro que “permanecería intato por todo o tempo, até o fim do
mundo” (Schpf. Lut. 1.4 [1717:3]), bem com o a celebração católica-romana
do “papado e da verdadeira igreja católica, para a qual [é prematuro] entoar
o réquiem” (Remp. Eut. 4 [1699:16-17]).
Também foi essa mesma tradição — a tradição supostamente compartí-
lhada pelos pais e concilios da Antiguidade, bem com o as tradições específicas
da Reforma (incluindo sua tradicional negação da autoridade da tradição) —
veio a ser classificada entre as “verdades contingentes da história”, a partir das
quais era ilegítimo argumentar em favor das “verdades necessárias” (Less. Bew.
[Rilla 8:12-14]). A ortodoxia oriental e o catolicismo-romano ainda punham
os concilios da igreja junto com a Escritura com o autoridade (Atan. Par.
Epit. 4.29 [1806:400-401]); Ang. Sil. CTrid. 17 [1675:R6r-R6v]) e discutiam
a questão de se era necessária uma maioria em um concilio para estabelecer
essa autoridade (Amrt. Brd. [Friedrich, p. 36-37]; veja vol. 4, p. 165), mas
um católico-romano que aceitasse os princípios do Uuminismo afirmava
a metodologia à qual pertencia boa parte do futuro: “Os concilios, a partir
de agora, não podem ter qualquer função na dogmática, exceto uma função
histórica. Eles são apenas uma parte da história do dogma” (Bl. Unfehl. 28
[1791:577]). Isso se aplica aos concilios de Niceia e Calcedonia (Bl. Unfehl.
13 [1791:179]) aceitos em geral da perspectiva ecumênica e ainda mais ao
Concilio de Trento (Bl. Unfehl. 28 [1791:564]). Era característico da “filosofia
hebraica” contida no Antigo Testamento que ela fosse derivada da tradição, e
não da razão, com o o era a filosofia grega (Budd. Phil. ebr. pr. [1720:Blr-Blv]).
Mas o testemunho dos pais da igreja, com o Orígenes (veja vol. 1, p. 125-31),
para a existência de uma tradição que estivera presente “indubitavelmente
desde o tempo do cristianismo primitivo” não podia mais ser aplicada a uma
“tradição dogmática” supostamente uniforme, uma vez que havia de fato
grande “variedade em sua aplicação” em vários lugares; a tradição tinha de
ser lida de forma crítica se fosse para ser usada para a “história e interpretação
genuínas” (Sem. V. T. Int. prol. 1-2 [1773:2-3]).
A tradição, lida dessa maneira, com frequência esclarecia, mas às vezes
também relativizava, a história das doutrinas da igreja (Tin. Cr. 1 [1730:11]).
N os debates sobre a relação da graça suficiente com a graça eficaz, a história
da doutrina mostrou que, de resto, os doutores ortodoxos da igreja negaram
às vezes a primeira no interesse de afirmar a segunda (Bert. Teol. disc. 18.8
As v e rd a d e s c o n tin g e n te s d a h istó ria ♦♦♦ 143

[1792-IV:38-43]; Marc. Inst. 27 [Tomassini 5:5-95]). A continuidade da dou-


trina da presença real podia ser substanciada da perspectiva histórica (Hno.
Teol. 7.4. pr. 1.3 [1785-VII:367-69]). A pesquisa histórica demonstrou que
sempre havia existido um cargo ministerial distinto na vida e ensinamento
da igreja (Deutsch. Lut. 1.3.9 [1698:26]; Lw. Bngr. 2 [Moretón 1:34]) (embora
o título “bispo” nem sempre tenha significado a mesma coisa) (Hdly. Def. 6
[1707:69-79]), mas também que além de sua autoridade houvera associações
extraeclesiásticas; a história substanciava a primitiva “instituição de bispos ou
presbíteros” (Mmchi. Orig. ant. 4.1.3.1 [1749-IV:271]), mas não de cardeais
(Cmrda. Const, ap. 2.5 [1732:113-16]). A autoridade papal ou a infalibilida-
de papal era uma candidata óbvia para o tratamento histórico já que seus
defensores eram obrigados a explicar qualquer abuso de autoridade (por
exemplo, por parte de Bonifácio VIII) (Bianch. Pot. 1.6.6 [1745-11:477-502])
ou qualquer exceção irrefutável à infalibilidade (em geral, H onorio I) (veja p.
311-13 abaixo); mas, na prática, esse método de relativização se aplicava “não
só contra a infalibilidade dos papas, mas também contra a infalibilidade dos
concilios gerais e contra a autoridade da tradição oral. Pois aqui a tradição, em
uma sucessão de muitas eras, foi totalmente mudada da doutrina de tempos
anteriores” (Brnt. A rt. X X X IX 19 [1700:18η).
A descoberta histórica que “nenhum período da história da igreja é
completamente bom ”, nem mesmo a era apostólica (Zinz. Zst. 20 [Beyreu-
ther 3-11:152, 155-56]), e que inegavelmente houve um desenvolvimento da
doutrina que criou problemas para as posições doutrinais de todas as igrejas.
“Os católicos”, conforme um luterano ortodoxo resumiu essa descoberta,
“são ainda menos capazes que os luteranos de apontar um único pai da igreja
que concordasse com eles em todos os pontos e que não escrevesse nada
que fosse contrário a eles”; quando esse luterano ortodoxo prosseguiu para
acrescentar que isso “não [era] necessário, pois não causa nenhum dano à
verdade se alguém não consegue apontar esse um pai da igreja” (Lschr. Un-
fehl. 11 [1724:78]) que, por intermédio da pesquisa histórica, não escondeu
o desaparecimento do consenso patrístico ortodoxo sobre o qual todos os
lados, no cisma Oriente-Ocidente e mais uma vez na Reforma, contendiam
(veja vol. 2, p. 167-216; vol. 4, p. 240-41, 289-90, 331-336, 395). Os argu-
mentos dos estudiosos orientais e protestantes (veja vol. 2, p. 297-99; vol. 4,
p. 316-17), apontando a falta de evidência histórica para a doutrina do pur-
gatório (Eug. Bulg. Ort. 12 [Metaxas, p. 50]; Wlch. Pol. 3.2.13.10 [1752-789-
90]), obrigaram seus defensores a recorrer não só ao testemunho patrístico,
mas em particular às conhecidas palavras de Basilio de Cesareia (Coz. Graec.
144 ♦♦♦ AOBJETIVIDADE DAREVELAÇAOTRANSCENDENTE

6.15.8821719] 83‫־‬-IV:255-56]) sobre a tradição não escrita — uma tradição


não escrita (Bas. Spin 27.66 [SC 17b:478-82]; veja vol. 4, p. 184) cuja existên-
cia teve de ser apresentada a posteriori (Gaz. Prael. 1.2.1.1.15 [1831-1:137]) a
partir do dogma católico-romano posterior (Allat. Purg. 35 [1655:251-56]).
O apelo do Oriente às mesmas autoridades com o prova para a antiguidade
do culto de imagens entrou em confronto com a pesquisa histórica sobre
quando e com o esse culto surgiu (Eug. Bulg. Ort. 6 [Metaxas, p. 25]; Komn.
Prosk. 5 [Christophoros, p. 43]). Até mesmo os protestantes tiveram de
admitir que, na liturgia da eucaristia, a consagração por meio das palavras:
“Este é o meu corpo” (Span. H e. 5.5, 8.7 [Marck 1:971-72, 1303-8]; Hrn.
H. e. 1.3.24 [Leydecker 1:201]), fora transmitida originalmente pela tradição
oral e, por conseguinte, era mais antiga que o N ovo Testamento (Rndt. Pit.
or. int. 1.1 [1716-I:iii-vi]); mas o esforço para usar essa evidência para apoiar
uma “tradição [litúrgica] apostólica” (Rndt. Diss. 4 [Sallaville, p. 27]) ou uma
crença uniforme “em todas as línguas” sobre “uma única fé antiga referente
à eucaristia, que os reformadores acusaram em vão de ser uma novidade”
(Rndt. Lit. or. pr. [1716-I:E4v]), foi difícil de acomodar com os resultados
da erudição patrística — principalmente, sem dúvida, conforme executado
pelos estudiosos patrísticos protestantes (Span. H. e. 4.5 [Marck 1:849-51]).
Por sua vez, a tentativa de estigmatizar a doutrina da presença real ensinada
por Radberto contra Ratramno com o um “novo erro” e a negação de Be-
rengário da presença real com o “uma luz em meio às trevas” era um reflexo
mais da teologia calvinista que da crítica historiográfica com o tal (Hrn. H.
e. 2.2.10, 2.2.14 [Leydecker 1:265, 269]; Span. H. e. 9.10 [Marck 1:1375-79];
veja vol. 3, p. 110-16, 230-52).
N o entanto, o calvinismo ortodoxo, o anglicanismo e o luteranismo não
ficaram menos ofendidos que a ortodoxia oriental e o catolicismo-romano
quando a mesma crítica historiográfica foi aplicada às doutrinas que eles todos
mantinham em comum, acima de tudo as doutrinas da Trindade e da pessoa
de Cristo. O Filioque, o prolongado conflito entre o Oriente e o Ocidente a
respeito da processão do Espírito Santo, para a qual nem a exegese, nem a
especulação, nem, tampouco, a política da igreja foram bem-sucedidas em
provar uma resolução (veja vol. 2, p. 202-16), estava agora sujeita à resolução
do exame histórico (Wlch. Spin pr. [1751:A4r]). Um catálogo histórico de
heresias trinitárias conform e relatadas por Epifânio (Atan. Par. Epit. 1.2.4
[1806:156-57]); uma história completa de Ario e o arianismo Pnch. Diet.
[1736:53-74]); “um relato sucinto da heresia sabelianista e os argumentos
aos quais os pais católicos recorreram para se opor a ela” (Sherl. Soc. 3
Λ5 verdades contingentes da historia Λ 145
w
[1698:124-49]); urna extensa historia do desenvolvimento da cristologia no
século V (Bert. Teol. disc. 26.15-18 [1792-V:235-59]); uma análise crítica da
cronologia da controvérsia sobre os “três capítulos” no século VI (veja vol.
1, p. 280-82) — qualquer uma dessas formas de digressão histórica ainda
podia ser, em todas essas igrejas, um m étodo para introduzir um ensaio em
teologia dogmática (Nrs. Syn. quint. 3 [Berti 2:15-20]). Mas os historiadores
também tinham de lidar com a adoração primitiva do Filho de D eus como
divino (Mos. Vind. disc. 1.8.6 [1722:225]) e com a vexatória questão de por
que a doutrina ortodoxa do Espírito Santo levara um tempo excessivamente
longo para ser desenvolvida se era ensinada “em todos os lugares, sempre
e por todos” (Ors. 1st. 14.105 [1747-VL266-68]; Zinz. Gem. 3 [Beyreuther
4-1:51-52]) e, por conseguinte, tiveram de lidar com a questão de “se a igreja
primitiva, ou seja, seus professores, procuravam [de algum modo] um credo
ou não” (Sem. Frag. 24 [1780:155]) na fórmula bastimal: “Em nom e do Pai
e do Filho e do Espírito Santo” (Mt 28.19,20).
Quando o historiador que levantou a ultima questão foi em frente para
estipular: “N em garantimos que tudo não conhecido nem feito nos primeiros
séculos é automaticamente incorreto” (Sem. Frag. 24 [1780:155]), esse reco-
nhecimento da variedade nos modos de doutrina — conforme documentado
na história dos cinco primeiros séculos (Sem. Erud. [1765-1:158]) e também
no desenvolvimento posterior da doutrina segundo as confissões da era da
Reforma (Sem. Erkl. 1.2 [1777:28]) — a despeito dos esforços desse historia-
dor, não podia parar pouco antes do santuário privilegiado do século I (Sem.
Erkl. 2 [1777:197]). A tentativa de usar a cronologia com o um fundamento
para chegar à distinção em autoridade entre os escritos “canônicos” do N ovo
Testamento e os escritos “eclesiásticos” dos séculos posteriores foi frustrada
da perspectiva histórica (Lmp. Hist. 2.2 [1747:74]) e, por essa razão, comba-
tida do ponto de vista teológico. Se a teologia ortodoxa teve de admitir que
houvera revelação progressiva ao longo da história do Antigo Testamento
(Ost. Ds(. serm. 2 [1722:49]), será que não tinha de reconhecer uma progressão
similar ao longo da história da igreja desde o N ovo Testamento (Ost. D%.
serm. 8 [1722:290]) e, por conseguinte, um esclarecimento dos ensinamentos
obscuros de Cristo conforme dados aos primeiros discípulos (Ost. Arg. ref.
pr. [1720:B4v])? A despeito dos avisos para usar de “moderação” (Frnck.
Meth. 3.19 [1723:98]; Frnck. Pred. Epiph. 3 [1699:6]) na aplicação do método
histórico para o estudo da Escritura, os ensinamentos de Cristo e a pessoa
de Cristo não podiam mais ficar isentos do uso de tal método.
I 46 A OBJETIVIDADE DA REVELAÇÃO TRANSCENDENTE

O dogma cristológico e o Jesus histórico


Pois a historia era historia: insistindo que a historia sagrada era historia
no sentido que ela acontecera de fato (Bert. Teol. disc. 12.2 [1792-111:7-8])
sugeria necessariamente a concordância que ela também era história no
sentido que estava sujeita a mudança. “Em um mundo superior é difieren-
te”, diria um importante defensor da ortodoxia do século XIX, “mas aqui
embaixo viver é mudar, e [amadurecer] é mudar com frequência” (Newm.
Dev. 1.1 [Harrold, p. 38]). O Deus além do tempo, por meio da encarnação,
ficou sujeito à sequência do tempo e, assim, era possível — e permissível
(Eug. Bulg. Ort. 4 [Metaxas, p. 20]) — sujeitar a vida desta vida no tempo
para o estudo da evidência histórica. Se a evidência mostrasse que Quirino
era de fato governador da Síria quando Jesus nasceu (Cone. Rei riv. 2.1.7
[1754-1:121-22]; Mmchi. Orig. ant. 2.1.4.5 [1749-1:288-92]; Beng. Gnom. Lc2:2
[Steudel, p. 225]), mas que os relatos do estigma de Francisco de Assis eram
“mentiras descaradas” (Lmp. Hist. 2.10 [1747:295]), o m étodo para avaliar
essa evidência precisava ser consistente. E se nos relatos do evangelho da
ressurreição, a própria ausência de evidência de muitos testemunhos (Ost.
Arg. ref. Mt 28, lC o 15 [1720-11:46, 220]) demonstrava algo “do caráter de
um historiador totalmente honesto” (Wer. Diss. 4.3 [Ryhinerus 1:90-91]), as
contradições entre esses relatos, para outros, parecia prova de “manipulação”
(Reim .Apol. 2.3.1.3 [Alexander 2:183]). Uma era historicamente consciente,
em que os cristãos eram admoestados por um irmão em Cristo a “não aceitar
a religião cristã sem crítica e cegamente” (Spen. Mess. pr. [1701:v]) e a fazer
“um estudo exegético do fundamento de todas as outras partes da teologia”
(Spen. Bed. 2.1.2 [Canstein 1:329]), viu uma oportunidade especial para “a
pesquisa acadêmica diligente” (Dipp. Hrt. 1 [1706:10-11]) nos livros históricos
da Bíblia (Sem. Erud. [1765-1:25-27, 49]).
Os estudiosos da Bíblia, ficando com o ficaram na sucessão do humanis-
mo de Erasmo (Sem. N . T. Int. pr. 8 [1767:19]), continuaram a transformar
a filologia sagrada — línguas bíblicas e crítica do texto — no alicerce dessa
pesquisa (veja vol. 4, p. 377-82). Entre os estudiosos da Bíblia da história
cristã do Ocidente, os mais influentes foram os dois tradutores, Jerónimo e
Lutero. Jerónimo, “o maior dos pais”, por causa de sua ortodoxia e de sua
erudição (Nrs. Hist. pel. 1.2 [Berti 1:13-14]; Sem. Erud. [1765-1:21]), tinha
qualificação única (Bec. Lóp. Nuev. Ab. [1739:14]), talvez tenha sido até
mesmo “predestinado pela providência” (Ors. 1st. 20.32 [1747-IX:80]), para
empreender a tarefa de traduzir a Bíblia para o latim; todavia, todos tiveram
de admitir que a filologia bíblica progredira desde a Septuaginta e da Vul-
O dogma cristológico e o Jesus histórico ♦ ♦ ♦ 147

gata (Bert. Diss. hist. [1753-1:177]). Entre os protestantes, os estudiosos de


todas as facções fizeram elogios similares para a tradução de Lutero para o
alemão com o incorporando o melhor conhecimento bíblico de sua época
(Neum. Rch. 23 [1751:749]; Lang. Paul. 1.2.2 [1718:59]; Sem. V. T. Int. 2.2.123
[1773:352]), mas eles também concordavam que a tradução precisava agora
ser corrigida à luz de pesquisa mais recente (Frnck. Ber. ohs. 1-3 [Peschke, p.
257-63]). O chamado para a crítica acadêmica veio com maior urgência da-
queles que queriam que a ortodoxia recebida fosse revisada ou rejeitada (Tin.
Cr. 6 [1730:66]), embora a cautela do estudo acadêmico teológico só fosse
legítima se fosse “útil para a única coisa necessária” (Lw. Cr.perf. 14 [Moretón
3:237]) lançada por aqueles que viam a continuidade do racionalismo entre
um determinado tipo de ortodoxia e um determinado tipo de antiortodoxia
(Zinz. Gespr. 1 [Beyreuther 1-111:5]). N ão obstante, a acusação ouvida com
frequência de que o pietismo era endémicamente hostil ao estudo acadêmico
filológico foi refutada pela obra de estudiosos (Gtz. Unt. [1693:G4r]), com o
August Hermann Francke que, com o professor de grego e línguas orientais
(semíticas) na Universidade de Halle (Frnck. Meth. 3.15 [1723:88]), estimulava
o estudo das línguas bíblicas e, ao mesmo tempo, salientava as limitações de
um entendimento superficialmente historicista da Escritura (Frnck. Mand.
Scrip. 1 [1706:2]; Frnck. Id. 26-27 [Peschke, p. 182-83]), e Johann Albrecht
Bengel, cujas realizações técnicas eram elogiadas por estudiosos de todas as
facções e de todas as denominações (Sem. N . T. Int. pr. 10 [1767:25]; Krks.
Teol. diat. 8 [1898:131]; Ub. Int. 1.3. prol. [1886-11:503]; Rti. Recht. 1.11.73
[1882-1:606-8]).
Bengel, importante crítico do texto do N ovo Testamento e um firme
crente na inspiração da Biblia (Beng. Gnom. pr. 8 [Steudel, p. xx]), concordava
com seus oponentes que os mesmos princípios e métodos da crítica do texto
tinham de ser aplicados à Escritura com o a qualquer outro texto (Sem. N.
T. Int. 1.1.14 [1767:35]). A “vírgula joanina”, ljo ão 5.7, com o o era para os
humanistas, foi o problema “mais vexatório” (Mrck. Text, exerc. 46.1 [Velzen
14:441]; veja vol. 4, p. 417) na crítica de texto não só entre os estudiosos
e os teólogos, mas também entre os leigos. Ela “não [era] encontrada em
manuscritos e versões antigas extraídas deles”, observou um pregador (Pff.
Hist. teol. 2.10 [1724-1:295]), acrescentando: “Por sua vez, ela é encontrada
em muitos outros” (ap. Zinz. Gespr. 9 [Beyreuther 1-111:84]; Tnnt. Serm. 22
[1744:424]). Os inimigos da doutrina da Trindade citavam essa “última in-
terpolação” com o evidência da ortodoxia adulterando o texto bíblico (Reim.
Apol. 2.5.1.7 [Alexander 2:436]; Milt. Doct. 1.5 [Patterson 14:214-16]), susten-
148 ♦♦♦ A OBJETIVIDADE DA REVELAÇÃO TRANSCENDENTE

tando (embora sem evidência histórica) que fora usada ou inventada pelos
defensores do “hom oousios” no Concilio de Niceia (Dipp. Ort. 5 [1699:65]).
Alguns defensores da doutrina ortodoxa rejeitavam as explicações de que
ela entrara no texto por descuido ou engano (Bert. Teol. disc. 7.3 [1792-11:11-
14]) e a citavam com o autêntica. Um deles “não [tinha] a mais leve dúvida
de que João realmente escreveu isso” (Strz. Man. 5.2 [1828:197-98]; Wsly.
Serm. 55 [Baker 2:374-86]; Mrck. Comp. 5.18 [Velzen 18:110-11]) e expressou
indignação pelo fato de “entre os protestantes haver alguns que afirmavam
ser estudiosos de teologia que [a] questionavam ou negavam” (Neum. Rch.
24 [1751:782-83]; Terst. Abr. 1.3.1,1.3.12 [Becher 2:49, 54]). Ainda assim, a
“primeira e principal” prova bíblica para o dogma permanecia na passagem à
qual “os pais católicos sempre recorriam” (Sherl. Soc. 1.2 [1698:4]; Sherl. λ/ind.
6 [1690:209-10]; Zinz. Lond. Pred. 1.8,5.12 [Beyreuther 5-1:62-63, 5-11:195]),
a fórmula batismal trinitária na “incumbência e com issão” de Cristo em
Mateus 28.19 (Brnt. A rt. X X X I X 1 [1700:38]; veja vol. 1, p. 226-29; vol. 4,
p. 399), a qual aqueles que consideravam a vírgula joanina com o genuína e
também os mais extremos entre os que rejeitavam a ligação com ela (Beb.
Gl. 2 [1685:33]; Strz. Man. 5.2 [1828:197-98]; Reim. Apol 2.1.3.6 [Alexander
2:89-90]); mas a despeito das aspersões dos últimos sobre a autenticidade da
vírgula (Reim. Apol. 2.5.1.2 [Alexander 2:427]), a atestação do texto no evan-
gelho de Mateus era praticamente unânime, e os teólogos da igreja de todas
as confissões a comentavam com impunidade (Strz. Man. 2.5 [1828:69-70];
Drnd. Fid. vind. 1.11 [1709:32]; Mrck. Comp. 1.17 [Velzen 18:109-10]; Zinz.
Gem. 3 [Beyreuther 4-1:46-76]).
Além de qualquer autenticação do texto do N ovo Testamento, a inter-
pretação do texto, dependia de pressuposições hermenêuticas do intérprete.
“Alguém que nunca aprendeu grego e hebraico”, prometia Zinzendorf, “pode
se tornar um exegeta por meio de uma hermenêutica fundamentada nas
feridas de Cristo” (Zinz. Hom. 33 [Beyreuther 3-1:363]), um cristocentrismo
para o qual ele reivindicava a teologia da cruz de Lutero com o um prece-
dente: era um “desastre” na teologia (Zinz. Red. 1 [Beyreuther 1-11:12]; veja
vol. 4, p. 220-31) começar com a doutrina de Deus, em vez de com a dou-
trina de Cristo (Zinz. Red. 1 [Beyreuther 1-11:12]) ou definir o pecado com o
fazer algo mal, em vez de com o se recusar a acreditar em Jesus (Zinz. Off.
Red. 21 [Beyreuther 2-IV:218-19]). Um índice conveniente para os sistemas
hermenêuticos alternativos para os evangelhos continuou a ser fornecido
pelos vários títulos para Jesus Cristo. A ortodoxia oriental falava dele com o
“rei, legislador e juiz” (Frnck. Pred. Epiph. 2 [1699:40-42]; Zinz. Lond. Pred.
O dogma cristológico e o Jesus histórico

1.4 [Beyreuther 5-1:23-28]; veja vol. 1, p. 188-201), urna variante da tríade de
títulos conhecidos a partir das Institutas de Calvino, mas já presente na Histó-
ria eclesiástica, de Eusébio (Atan. Par. E pit.3.\3 [1806:340-43]; Strz. Man. 2.4
[1828:58]), “profeta, sacerdote e rei”; a fórmula com o uma unidade ou em
uma ou mais de suas partes, a despeito da crítica, desfrutava de ampio suporte
(Calv.Inst. [1559] 2.15 [Barth-Niesel 3:471-81]; E u s .//. e. 1.3.7-9 [GCS9-.32]),
até mesmo dos socinianos (embora eles fossem acusados de usá-la “em um
sentido totalmente distorcido”) (Ern. Opuse. 6 [Fritsch, p. 384-91]). Como essa
tríade, o título “Redentor” com o aquele que foi “o comprador e o preço” e o
“Mediador” com o um objeto de fé mais apropriado que a expressão “Filho
de D eus” (Stod. Sfy. 3 [1687:41-43]; Drnd. Diss. 2.26.2 [1703:193]; Baum.
Pred. 2.2 [Kirchner 2:62-69]; Nss. Dipp. 3 [1701:34]; Frnck. Pred. Epiph. 2
[1699:48-49]) tinha a vantagem de harmonizar sua pessoa e sua obra (Wlch.
Pal. 2.4.50 [1752:239]). Os oponentes racionalistas da cristologia dogmática
(Edw. Reí. Aff. 3.1 [Miller 2:236]) tendiam a falar dele com o o “fundador de
urna nova religião” (Baum. Pred. 2.3 [Kirchner 2:93]; Zinz. Lond. Pred. 3.6
[Beyreuther 5-1:361-62]). O livro Cântico dos cânticos e o Apocalipse, de
João (Sem. Rei. 3 [Schütz, p. 27]), os dois difíceis de interpretar por meio dos
métodos da hermenéutica crítica-histórica, foram uma fonte particularmente
fecunda de títulos para Cristo (Mrck. Cant. pr. [Velzen 2:Blr]; Mrck. Apoc.
pr. 91 [Velzen 8:J4r]); além de rei, sacerdote, pastor e irmão (Zinz. Hom.
24 [Beyreuther 3-1:237]), “a palavra ‘noivo’ é o nome mais doce aplicado
ao nosso Salvador na sagrada Escritura” (Pet. Hch^t. 6.8 [1701:198-99]). O
termo “Salvador \Heiland\” passou a ser tão comum no uso dos pietistas e,
em especial, dos morávios, para quem era “uma teologia completa de Deus,
uma teologia sistemática” (embora na relação orgânica com “a teologia de
Deus Pai”) (Zinz. Gem. 35 [Beyreuther 4-11:110-11]; Zinz. Lond. Pred. 3.4,6.2
[Beyreuther 5-1:390, 5-11:331-32]), que outros pietistas mesmo objetavam o
termo com o um clichê (Beng. Brud. 1.1.14 [1751:12]).
A cristologia, carregando com o fez a tradicional autoridade de um mi-
lênio e m eio de desenvolvimento dogmático ortodoxo, articulada acima de
tudo pelos concilios de Niceia e da Calcedonia (veja vol. 1, p. 211-21, 263-
72), representava o “consenso” de todas as igrejas e teólogos das principais
linhas — anglicanos e ortodoxos orientais, bem com o “o dr. Lutero com
quem as igrejas reformada e católica concordavam” (Zinz. Gem. 3 [Beyreu-
(her 4-1:67]). Os críticos, evangélicos ou racionalistas, viam a terminologia
técnica da cristologia sobre “união hipostática” (Zinz. Hom. 14 [Beyreuther
3-1:136]) e “transmissão de propriedades” ou “pessoas” e “naturezas” como
ISO ♦♦♦ A OBJETIVIDADE DA REVELAÇÃO TRANSCENDENTE

uma helenização do evangelho e “uma discussão acadêmica da filosofia pagã”


(Dipp. Orí. 4 [1699:52]) que obscurecía a mensagem do Jesus histórico; mas
citando que o decreto calcedônio com o um consenso fornecia o fundamen-
to para o exame doutrinai de outras questões cristológicas (Lmp. Hist. 2.6
[1747:176]) — incluindo a questão do Jesus histórico. A linguagem de Paulo
sobre “Cristo Jesus [...], embora sendo D eus” (Mrck. Exeg. exerc. 41-42 [Velzen
9:661-89]; Fp 2.5,6) não era apenas simbólica, mas ajudava a explicar o termo
usado por ele no versículo seguinte, “mas esvaziou-se a si m esm o” (Fp 2.7),
uma vez que o sentido paradoxal desse versículo era que “ele esvaziou a si
mesmo de um m odo que não esvaziava” (Eug. Bulg. Orí. 4 [Metaxas, p. 19];
Fil. Sl 124 [519c. FU. 3:65-70]); o primeiro e o último versículos do prólogo do
evangelho de João (Jo 1.1,1.14) eram o exemplo supremo em todo o grego,
quer pagão quer cristão, da “diferença entre ‘ser’ e ‘se tornar’ ” (Beng. Gnom.
Jo 1:14 [Steudel, p. 322]).
A linguagem técnica do dogma cristológico não estava confinada às
dogmáticas, mas também permeava a devoção ortodoxa (Fuse. Sac. cr.
[1756:21-22]; Neum. Funf. 2 [1726-1:216]), e era defendida pelos pietistas,
com o Spener (Spen. Mess. [1701:43-47]), a despeito da acusação de que eles “a
[tinham] abolido” (Nmnn. St. Ver. 29 [1696:69]). Os pietistas também foram
acusados de ser fiéis a uma cristologia que “praticamente não [era] diferente
daquela da Reforma” (Deutsch. Lut. 2.3.11 [1698:98-99]; veja vol. 4, p. 258),
a qual os luteranos ainda acusavam de ser fundamentalmente racionalista
(Gtz. Bek. [1696:24-25]); mas os teólogos reformados foram acompanhados
pelos teólogos católicos-romanos na denúncia da doutrina dos “ubiquistas”
luteranos com o “louca” e “monstruosa” (Arb. Des. mjst. 5.6.50 [1764:617];
Bert. Teol disc. 27.1 [1792-V:270-73]) por ensinar que os atributos “intrans-
missíveis” (Hrn. H. e. 3.1.45 [Leydecker 1:352]; Mrck. Comp. 19.25 [Velzen
18:383]; Span. Εν. vind. 3.6 [Marck 3:460]) da natureza divina com o a ubiqui-
dade fora transmitido à natureza humana de Cristo (Lmp. Teol. nat. 236-37
[1734-68-69]). N o século XVIII, havia em relação a essa questão, com o na
maioria da cristologia (veja vol. 4, p. 421-32), uma sensibilidade especial em
relação àqueles aspectos da tradição ortodoxa em que a natureza humana
de Jesus fora afirmada e enfatizada (Atan. Par. Epit. 3.4-5 [1806:300-307]).
As duas variantes textuais do decreto da Calcedonia (veja vol. 2, p. 81) eram
teologicamente corretas: a pessoa divina-humana de Jesus Cristo (veja vol. 1,
p. 269-70) era “de duas naturezas”, mas também “em duas naturezas” (Atan.
Par. Epit. 3.7 [1806:313-17]). A cristologia ortodoxa exigia a condenação da
heresia apoünarista (veja vol. 1, p. 237, 256) de que o Logos divino tom ou
O dogma cristológico e o Jesús histórico ♦♦♦ 151
o lugar da alma na natureza humana de Jesus: ele era totalmente humano e
totalmente histórico (Pnch. Diet. [1736:49-51]; Drnd. Fid. vind. 1.35 [1709:118-
21]; Bulg. Kat. 73 [1940:185-86]), possuindo uma alma totalmente humana
(Amrt. Teol. eclec. 8.1.6 [1752-2-111:22]) e também o que mais era necessário
para a humanidade genuína, incluindo uma vontade humana distinta e uma
“ação” humana distinta (Amrt. Teol. eclec. 8.4.1 [1752-2-111:62-63]), embora
sem a possibilidade de pecado (Bert. Teol disc. 26.10 [1792-V:211-12]; Sem.
Rei. 3 [Schütz, p. 26-27]; veja vol. 2, p. 86-100).
“Então quem é ou quem foi esse Jesus?” (Bert. Teol. disc. 26.10 [1792-
V:211-12]), essa era “uma questão parcialmente de conteúdo histórico, par-
cialmente de conteúdo moral” (Sem. Rei. 3 [Schütz, p. 26-27]). Até mesmo um
pensador que reduziu a “revelação externa” à religião natural tinha de lidar
tanto com o conteúdo histórico quanto com o conteúdo moral da questão,
a “evidência [histórica] suficiente de uma pessoa ser enviada por D eus” e o
“nobre exemplo [moral]” dessa “pessoa divina” (Tin. Cr. 1 [1730:9]). Jesus,
independentemente de quem fosse e do que tivesse feito, era “o mensageiro
de D eus tocando sua mente e o teor da aliança em direção ao pobre mundo”
(Bnyn. Lw. Gr. 2 [Sharrock 2:100]) — mais que um profeta, com o todos que
confrontaram o islamismo tinham motivo especial para continuar a insistir
(Lschr. Del. [1707:11]), mas com certeza não menos que um profeta (Eug.
Bulg. Ort. 4 [Metaxas, p. 19-20]). Ele pregava o amor de D eus e o reino de
Deus (veja vol. 2, p. 246-61), mas também forneceu “um exemplo santo”
a ser seguido (Mynst. Betr. 25 [1846-1:302]). “Colocar a pessoa de Cristo
em oposição a seu evangelho”, por conseguinte, com o se a obediência à
mensagem dos evangelhos não fizesse parte da reverência por sua pessoa,
simplesmente não poderia ser (Sherl. Def. 3 [1675:295-96]), porque o que
Jesus ensinou e fez eram inseparáveis: “as duas [coisas] são uma” (Fil. Sl. 50
\Soc. Fil. 2:51]). N o esforço para recuperar “o caráter de Jesus Cristo” e “o
esboço de um sistema da mais sublime moralidade que já saiu dos lábios de
um hom em ” (Jeff. Ep. 31.X.1819 [Adams, p. 388]), havia alguns que acha-
vam que a estrutura literária dos evangelhos tornou a tarefa de “abstrair o
que é de fato dele no despropósito em que está enterrado” mais complexa
e ambígua do que supunha esse reducionismo racionalista (Ost. Arg. ref. pr.
[1720:B4v-Clr]; Lw. Dem. Er. [Moreton 5:25]). Quanto do que ele ensinou de
fato era novo (Tin. Cr. 5 [1730:48]) e quanto foi a reafirmação da moralidade
judaica permaneceu em discussão (Sem. Frag. 5 [1780:37]). E que, por sua
vez, levantou a questão declarada no título do livro mais sensacional sobre
o assunto escrito no século XVIII (Reim. Apol. 1.1.5.9, 2.1.2.3 [Alexander
A OBJETIVIDADE DA REVELAÇÃO TRANSCENDENTE
152 w
1:165,2:45]) por Hermann Samuel Reimarus, publicado postumamente — e
anonimamente — por Lessing: A intenção deJesus e de seus discípulos (Less. Frag.
epil. [Rilla 7:812-52]; Less. Zw. int. [Rilla 8:254-58]).
Embora a expressão “dogma cristológico”, falando estritamente, referia-se
apenas à pessoa de Cristo (veja vol. 3, p. 186), não havendo nenhum dogma
de sua obra aceito ecuménicamente, tanto o Oriente quanto o Ocidente
discutiram com o fizeram pela cristologia ortodoxa não apenas para proteger
um sistema de metafísica sagrada, mas para afirmar um m odo de salvação.
Todos, independentemente do conteúdo específico, estavam de acordo que
Cristo era o que era a fim de fazer o que fez; entre as teologías alternativas da
encarnação (veja vol. 1, p. 251-63) instituídas pelo dogma de Niceia e Calce-
dônia sobre a pessoa do Deus-homem, as tradições particulares e os teólogos
individuais selecionaram uma ou outra em relação às metáforas alternativas
que tinham para a obra redentora de Jesus. Era consistente com a tradição
ortodoxa quando os críticos do dogma cristológico também tornaram as
teorias recebidas da redenção em um objeto de sua crítica. Há muito a ser
dito em favor da hipótese histórica de que a rejeição da cristologia calcedonia
e a busca pelo Jesus histórico eram a principal intenção em uma redefinição
da doutrina da expiação.
Com o a crítica do século XVIII do dogma cristológico coexistira com
seu continuado apego à crença, ao ensinamento e à confissão oficiais das
igrejas, também as teorias tradicionais da expiação ainda forneciam a defi-
nição púbica da obra de Cristo mesmo quando várias revisões delas eram
propostas. A expiação era um tópico que “tem de ser tratado estritamente e
com a justa exatidão de expressão” (Brnt .A rt. X X X IX . 2 [1700:53]) porque
havia coisa demais em jogo. “Um livro ou tratado especial em oposição ao
‘mérito de Cristo’ é um dos ardis mais malignos do perverso inimigo” (7.1n7.
Horn. 5 [Beyreuther 3-1:57]), advertiu um pregador e líder da igreja, ao qual
se juntaram vários defensores desse conceito de “mérito” (Nss. Dipp. 3
[1701:35-36]). Os protestantes atacavam as doutrinas católicas-romanas do
mérito e da graça desde a Reforma (veja vol. 4, p. 209-18), mas eles teriam
se juntado a seus oponentes na afirmação do ensinamento de seu ancestral
em comum, Agostinho (Ag. Praed. sanct. 15.30 [PL 44:981 -82]), de que Cristo
não merecera sua própria encarnação (Amrt. Teol. eclec. 8.3.2 [1752-2-111:55]),
mas, por meio de sua encarnação e redenção, merecera graça para a huma-
nidade (Ag. Pecc. merit. 1.33.62 \CSEL 60:63]). Os protestantes ortodoxos
atacaram os pietistas por seu suposto afastamento das doutrinas do mérito
e da graça da Reforma (Albrt. Vind. 1.13 [1695:21-22]), mas ambos usavam
boa parte da mesma linguagem para afirmar que “sem o mérito de Cristo
O dogma cristológico e o Jesus histórico 153

quando este se tornou nosso” era impossível alcançar a salvação (Spen. Bed.
1.1.62 [Canstein 1:315]; Mayr. Red. 13 [1702:747]). A cruz era o trono real
e o alicerce da igreja (Men. Did. 5.17, 1.7 [Blantês, p. 344, 73]), “o alicerce
da nossa justificação” e também “o princípio da nossa santificação” (Ost.
D% serm. 5 [1722:184-85]). Ela tinha de ser defendida contra a acusação de
que a morte de Cristo, uma vez que ele disse que estava entregando sua vida
espontaneamente (Jo 10.18), era suicídio (Drnd. Fid. vind. 1.58 [1709:186]);
o paradoxo era que “o indivíduo impassível sofre, o D eus imortal morre”
(Men. Did. 1.6 [Blantês, p. 65]).
Duas das objeções mais fundamentais contra “a expiação pelos pecados
feita pelo Filho de D eus” eram que “é um sacrifício humano, que a própria
natureza abomina” e que “representa Deus punindo o inocente e absolvendo
o culpado” (ap. Lw. Reas. 1 [Moretón 2:75-80]). A primeira delas era às vezes
elaborada pela acusação, em uma alusão ao fato de Isaque ter sido amarrado
(Gn 22.1-19), de que essa visão da expiação não era nada mais que “uma
confirmação da lei judaica admitindo os sacrifícios humanos” (Ap. Jcksn.
Rem. [1731:22]). O repúdio do “sistema de salvação”, conceito a conceito,
sentença a sentença, com o falso e cheio de contradições” (Reim. Apol. 2.5.3.16
[Alexander 2:516]) também exigia uma nova tradução e reinterpretação do
capítulo 53 de Isaías (Reim. Apol. 1.5.2.7-8 [Alexander 1:742-49]), visto,
segundo a visão da igreja primitiva (Srtz. Man. 1.2 [1828:18-19]), com o afir-
mando de forma mais ampla que qualquer passagem do N ovo Testamento
(veja vol. 1, p. 39-40) que o caráter substitutivo da morte de Cristo, na frase
medieval, viera “não apenas para nós, mas por nossa causa” (Men. Did. 1.3
[Blantês, p. 31]; Bnyn. Lw. Gr. 2 [Sharrock 2:106-9]; veja vol. 3, p. 192-93).
Mas a descrição da morte de Cristo com o “um sacrifício no m onte G ólgota”
que “ele ofereceu a Deus para expiar nossos pecados, libertar-nos da morte
e capacitar-nos a adquirir o direito à vida eterna” (Ost. Arg. ref. Jo 19:17-42
[1720-11:148]), significava que a “necessidade” desse sacrifício não veio de
Deus Pai nem do próprio Cristo, mas da humanidade pecaminosa (Poir. Oec.
div. 3.17 [1705-11:820]), em cujo lugar Cristo oferecera obediência tanto ativa
quanto passiva (Mrck. Comp. 20.17 [Velzen 18:397]; veja vol. 4, p. 227-28).
Essa definição de “Cristo no nosso lugar” tinha de ser “preservada mais que
todas as outras doutrinas” (Frnck. Pass. Joh. 4, 9, 1 [1733:73-74, 148, 18]).
Contudo, é paradoxal que exatamente quando a ênfase nas feridas de Cristo
estava ficando mais explícita (Zinz. Soc. 14 [Beyreuther 1-1:147]), a suposição
natural da concordância cristã universal sobre a expiação sacrificial passasse
ela mesmo a ser questionada (Zinz. Hom. 5 [Beyreuther 3-1:51]).
15 4 A♦ A OBJETIVIDADE DA REVELAÇAO TRANSCENDENTE

Essa questão também envolvia, em parte, a segunda crítica, a ideia com-


pleta do “terrível julgamento de sangue que Deus pronunciara sobre seu Filho
unigénito na Sexta-Feira da Paixão” (Mayr. Red. 13 [1702:731]). O próprio
ponto sobre o qual os críticos mais radicais concordam com o dogma cristo-
lógico, a suprema força moral e a absoluta inocência do homem Jesus com o
a incorporação de “toda excelência humana” (Jeff. Ep. 21.V.1803 [Adams,
p. 331]) pareciam ser violadas pela descrição de Cristo em sua morte com o
a revelação da justiça punitiva de Deus (Edw. Rei. Aff. 1 [Miller 2:123-24])
por intermédio de “uma punição exemplar de Deus sobre o pecado” (Lmp.
Betr. 1.14 [1756-1:318]). Alguns defensores da ortodoxia tentavam abrandar
a dureza dessa imagem ao sugerir que “para ter uma ideia verdadeira do cris-
tianismo não podem os considerar nosso abençoado Senhor com o sofrendo
em nosso lugar, mas com o nosso representante, agindo em nosso nom e”
(Lw. Ser. Cl. 17 [Moreton 4:175]), ou lembrando a alma que crê do infinito
valor que Cristo colocava nela ao sofrer por ela (Scriv. Seel. 1.3 [Stier 3:74]) ou
descrevendo Cristo em sua paixão com o “a verdadeira garantia para todos
os eleitos” (Lmp. Betr. 1.15 [1756-1:343]). Mas o resultado da doutrina da
Reforma da justificação pela fé, a imputação recíproca dos pecados humanos
a Cristo e de sua justiça aos pecadores (Nss. Dipp. 3, 4 [1701:36, 37]; Bnyn.
Lw. Gr. 2 [Sharrock 2:86]; veja vol. 4, p. 213-15, 217, 218-20, 352-54, 394-
95), só parecia exacerbar a imagem de “o Deus justo, o D eus irado” (Mayr.
Witt. 1 [1686:1η) e “o D eus amargurado” (Mayr. Red. 13 [1702:739]) que foi
apaziguado pelo “sangue de Jesus” (Men. Did. 1.7 [Blantês, p. 75-76]) que,
como o sangue do Logos encarnado, tinha valor infinito. N em todos achavam
ainda convincente falar com o se “a suficiência de Cristo com o mediador”
(Edw. Rei. Aff. 3.4 [Miller 2:273-74]) fosse uma confirmação desse “sentido
da beleza moral das coisas divinas” (Swed. Ver. Chr. 11.640 [1771:389]), e
alguns até achavam que “a imputação do mérito e da justiça de Cristo era
impossível” (Swed. Ver. Chr. 11.640 [1771:389]).
Os dois temas da morte de Cristo com o um sacrifício e com o uma
vindicação da justiça divina engenhosamente reconciliadas na doutrina da
expiação com o satisfação pelo pecado desenvolvida por Anselmo (veja vol. 3,
p. 129-44) que, junto com sua consequência no dogma cristológico, sobreviveu
à Reforma (veja vol. 4, p. 156-57,161-63, 238, 359-61) e estava, na verdade,
ainda mais fortificada agora que estivera nos ensinamentos medievais. Embora
fosse antropopatismo falar de um “conflito” (Men. Did. 1.7 [Blantês, p. 74];
Grig. Mont. Am. sag. 4.42 [Gendrot, p. 113]) entre “a justiça de D eus e sua
misericórdia [que] abraçasse e cumprisse o grande mistério da nossa redenção”
O dogma cristológico e o Jesus histórico ♦♦♦ 155

(Wsly. Hom. 1.3 \LPT, p. 125]; Bert. Teol. disc. 2.3 [1792-1:80-81]), ambos os
atributos foram descritos com igual clareza na Escritura, e nenhum dos dois
era para ser elevado acima do outro (Dor. Pet. 12-13 [1718:35-36]): “não há
justiça em D eus sem misericórdia nem misericórdia sem justiça” (Lw. Reas.
2 [Moretón 2:98]). A ortodoxia, à objeção que “a justiça e a misericórdia não
podem ser exercidas ao mesmo tempo em uma e mesma instância sobre o
mesmo objeto” (Tin. Cr. 4 [1730:40]; Tnnt. Disc. 1 [1745:29-30]; Wsly. Hom.
1.1 [.LPT\ p. 124]), apresenta a doutrina da satisfação pelo pecado por meio da
“substituição voluntária” da morte de Cristo “ficando no lugar dos pecadores”
(Bnyn. Lw. Gr. 2 [Sharrock 2:108]; Stod. Sfty. 11 [1687:322]) tanto com o o
resultado da justiça de D eus contra o pecado quanto o método pelo qual “a
bondade e a misericórdia de D eus” alcançaram seu fim desejado na salvação
humana (Poir. Teol. cr. 1.1.2 [1690-1:15]; Brnt. A rt. X X X I X 13 [1700:131];
Nss. Dipp. 5 [1701:43]; Terst. A b r .U .l [Becher 2:214-15]).
Essa doutrina da obra de Cristo, pelo menos no Ocidente, ainda que
também em parte no Oriente, representava quase tanto de um fundamento
em com um quanto o dogma da Calcedonia sobre a pessoa de Cristo (Strim.
Un. Ev. 1.2 [1711:4]). N ão obstante, os expositores católicos-romanos tinham
a vantagem, que seu sistematizador Anselmo também tivera, de conseguir
conectar a “satisfação condigna da justiça ultrajada por Cristo” (Fuse. Sac. cr.
[1756:11]; Amrt. Teol. eclec. 8.2.4-5 [1752-2-111:39-44]; veja vol. 3, p. 185; vol.
4, p. 316) com a ideia de satisfação pelo pecado no sacramento da penitência,
com o um “dogma católico confirmado pela perpétua tradição dos pais” (Bert.
Teol. disc. 28.4 [1792-VI: 18-20]; Amrt. Teol. mor. 13.12-13 [1757-11:290-304]).
Os protestantes radicais tinham uma vantagem correspondente em conse-
guir atacar os dois tipos de satisfação pelo pecado com o “engano” (Dipp.
Hrt. 1 [1706:14]; Tin. Cr. 13 [1730:289]). Mas os protestantes evangélicos só
podiam seguir o precedente dos reformadores (Sem. Rei. 22, 23 [Schütz, p.
184,196]) na acusação de que a prática da satisfação penitencial “desacredi-
tara o valor dessa satisfação [pelo pecado]” oferecida por Cristo (Brnt. Rom.
[1688:25]). A insistência deles de que a salvação vinha só pela graça (Bnyn.
Lw. Gr. [Sharrock 2:119]), sem obras, teve seu resultado na doutrina da satis-
fação pelo pecado por intermédio de Cristo com o “o principal fundamento
da doutrina apostólica” (Frnck. Id. 45 [Peschke, p. 197]; veja vol. 4, p. 74-
75, 212, 434-35, 450); e o locus classicus para a doutrina agostiniana da graça,
“isso não depende do desejo ou do esforço humano, mas da misericórdia de
D eus” (Rm 9.16), provava que todos precisavam da “satisfação e sacrifício
de Cristo na cruz” (Zinz. Red. 1, 2 [Beyreuther 1-11:21, 34]; Wsly. Serm. 5.4.7
156 À A OBJETIVIDADE DA REVELAÇÃO TRANSCENDENTE

[Baker 1:197]; Wer. Diss. 29 [Ryhinerus 1:484]). A morte de um santo ou


mártir fornecia um exemplo (Poir. Oec. div. 14.3 [1705-11:85]), mas a morte
de Cristo conferiu mérito eterno para igualar a punição eterna merecida pelo
pecado (Neum. Funf. 1 [1726-1:125]; Lmp. tiw. Str. 1 [1729:127-28]; Poir. Oec.
div. 3.5 [1705-11:660-61]).
O calvinismo ortodoxo, contra as usuais objeções arminianas (Lmp.
Teol. rud. 15.23-25 [1729-11:66-67]; veja vol. 4, p. 327-29), defendia a “satis-
fação” pelo pecado com o preferível à teoria da “graciosa remissão” (Mrck.
Comp. 20.27 [Velzen 18:408-9]; Tnnt. Disc. 1 [1745:24]); e era contra as
objeções socinianas padrões (ap. Sheri. Def. 6 [1695:512]), que foram além
do arminianismo (veja vol. 4, p. 395-402) ao atacar a ortodoxia na pessoa e
também na obra de Cristo, os teólogos de várias confissões insistiam que a
“satisfação” (Wlch. Pol. 2.4.61, 2.4.63 [1752:253-54, 256]) pelo pecado era
genuinamente escriturai, a despeito da ausência do termo na Escritura (Wet.
N . T. [1756:133]). Mas agora os críticos, além dessas igrejas da ala esquerda
da Reforma, estavam levantando nas igrejas confessionais o questionamento
das suposições da doutrina da satisfação pelo pecado. Era, afirmavam eles,
“oposto à sagrada Escritura” (Dipp. Ort. 8 [1699:111-12]). Ela “desonrava”
a D eus pela interpretação equivocada dele com o “uma parte injuriada que
quer satisfação ou reparação da honra”; mas “Deus, com o não pode nunca
ser injuriado, também nunca quer reparação e [...] não pode ganhar nenhuma
satisfação adicional” (Tin. Cr. 4 [1730:38]). Por conseguinte, a própria ideia
de satisfação pelo pecado era desnecessária (Reim. Apol. 2.5.3.6 [Alexander
2:488]). “Todas essas objeções”, conforme acreditava um defensor, “proce-
diam dessa suposição de que a expiação, ou satisfação [pelo pecado], quando
atribuída a Jesus Cristo, não significa nem mais nem menos; nem, tampouco,
opera de qualquer outro m odo do que quando são usadas com o termos nas
leis humanas ou na vida civil” (Lw. Reas. 1 [Moretón 2:80]). E, por essa razão,
seria uma brincadeira “de criança” (Poir. Oec. div. 4.3 [1705-11:88]) objetar a
palavra “satisfação” e uma falsa alternativa para exigir a escolha entre a ne-
gação da satisfação e a aceitação de “uma divindade furiosa e sem misericór-
dia” (Sheri. Def. 1, 4 [1675:34, 391-92]). Embora o termo estivesse ausente,
o conceito estava presente em toda a Escritura (Ern. Opuse. 16 [Fritsch, p.
562]; Mayr. Red. 14 [1702:761-62]). O verdadeiro fundamento da objeção
ao termo “satisfação” não era sua ausência da Escritura, mas uma repulsa a
termos que a Escritura usava com frequência, com o “redenção” (ap. Zinz.
Red. 8 [Beyreuther 1-11:104]) e, por conseguinte, no entendimento ortodoxo
da “intenção de Jesus” com o Salvador e Redentor.
O dogma cristo lógico e o Jesus histórico 157

A isso, os críticos objetavam que mesmo se esse entendimento da in-
tenção de Jesus, associado com o dogma cristológico, pudesse declarar com
legitimidade ser escriturai, ele não representava “o sistema de Jesus, mas
antes os de seu discípulo João” (Reim. Apol. 2.1.2.11 [Alexander 2:66]) ou
que do “principal originador e fundador do cristianismo” com o um sistema,
o apóstolo Paulo (Reim. Apol. 2.Ó.2.2, 2.5.1.6 [Alexander 2:546, 435]). O
apóstolo Paulo — embora ainda identificado com o “o mais eminente servo
de Cristo que já viveu” (Edw. Rei. Aff. 1 [Miller 2:109]) e com o o escritor de
todas as epístolas atribuídas a ele (incluindo às vezes, com base no que foi
dito ser “a tradição comum da igreja”, a epístola para os Hebreus) (Ors. 1st.
2.5 [1747-1:208];Drnd.AV.ix 1.6.9-10 [1703:18-19]) — agora era selecionado
por alguns críticos com o o “primeiro corruptor das doutrinas de Jesus” (Jeff.
Ep. 13.iv. 1820 [Adams, p. 392]). Essa noção estava ligada não só à doutrina da
graça, da qual ele era considerado o principal expositor da perspectiva teoló-
gica e o principal exemplar da perspectiva pessoal, mas também à doutrina da
redenção (Lang. Paul 1.1.2 [1718:23]). Os teólogos ortodoxos admitiam que
os discípulos de Jesus, a partir da vida e ensinamento dele, não entendiam a
doutrina de sua natureza divina nem “as doutrinas concernentes à morte e à
natureza de Cristo, à necessidade e aos méritos de seu sacrifício e à expiação
pelos pecados do mundo” (Lw. Dem. Er. [Moreton 5:27]), mas que tudo
isso veio a ficar claro para seus discípulos depois da Páscoa e do Pentecoste
(Beng. Gnom. Rm 1:4 [Steudel, p. 538]). Mas agora foi dito que a explicação
para a falha deles em entender era que ele não ensinara essas doutrinas nem
pretendera ensiná-las. Assim, a pergunta: “Então quem é ou quem foi esse
Jesus?”, era “uma questão parcialmente de conteúdo histórico, parcialmente
de conteúdo moral” (Sem. Rei. 3 [Schütz, p. 26-27]).
Portanto, a questão fundamental, quer histórica quer moral — também
para aqueles que ainda tentavam responder a essa pergunta com um grau de
fidelidade à tradição do dogma cristológico — era, na fórmula de Reimarus,
a relação entre “o sistema e a intenção de Jesus” com o podia ser histórica-
mente discernido e “o sistema e intenção que os discípulos [atribuíram a
ele] após sua morte” (Reim. Apol 2.2.2. con. [Alexander 2:173]). D e acordo
com o retrato do N ovo Testamento, a intenção de Jesus, também em seus
milagres (Wer. Diss. 4.2 [Ryhinerus 1:83]), era estabelecer um reino que não
era deste mundo e, finalmente, fazer isso por meio de sua morte (Baum. Pred.
3.10 [Kirchner 3.310-11]). Sua visita ao templo aos doze anos (Lc 3,41-51)
não significou que ele era algum tipo de “criança prodígio” (Zinz. Zst. 9
[Beyreuther 3-11:65]), mas que, na conduta com seus compatriotas judeus,
158 ♦♦♦ A OBJETIVIDADE DA REVELAÇÃO TRANSCENDENTE

ele se acomodava às tradições e às formas religiosas deles, agindo com o o


restaurador da sabedoria hebraica (Zinz. Off Red. 13 [Beyreuther 2-IV:26]).
Ele, também na conduta com os discípulos (Budd. Phil. Ehr. 23 [1720:112-
13]), acomodou-se à fraqueza humana deles e só revelou a verdade completa
para eles “gradualmente” (Baum. Pred. 1.2 [Kirchner 1:48-49]). Jesus — a
despeito da “franca confissão” (Lmp. Betr. 2.7 [1756-1:581-85]) a respeito de
si mesmo com a palavra “sou” em resposta à pergunta do sumo sacerdote:
“Você é o Cristo, o Filho do D eus Bendito?” (Mc 14.61,62) — “esvaziou-se
a si m esm o” (Fp 2.7) em sua condição de humilhação e admitiu sua ignorân-
cia sobre “o dia e a hora” do julgamento final (Baum. Pred. 3.10 [Kirchner
3:311]). As passagens dos evangelhos (Pet. P/chff 13.8, Mt 24:36; veja vol. 1,
p. 216) que pareciam predizer que isso aconteceria antes da morte de alguns
dos discípulos (Mt 16.28; Jo 21.22) tinham de ser explicadas (Mrck. Exeg.
exerc. 26.7, 35.7 [Velzen 9:534, 617]; Sem. Frag. 38 [1780:308]): não era justo
tirar do contexto as declarações que vieram da condição de humilhação (Zinz.
Red. 5 [Beyreuther 1-11:65]).
Reimarus e outros começaram a argumentar que essa explicação da vida
e do ensinamento de Jesus, e em particular de seu sofrimento e morte, tinham
agora de ser julgados não pelo dogma cristológico, com sua linguagem sobre
estados de humilhação e exaltação, mas pela “busca do Jesus histórico”. A
entrada triunfal em Jerusalém no Sábado de Ramos (Mt 21.1-11), que os
adeptos do dogma interpretado com o reconhecimento de sua natureza divina
e preparação para sua morte e ressurreição (Men. Did. 1.6 [Blantés, p. 63-70]),
era lida pelos críticos radicais com o sua tentativa malograda de estabelecer
um reino de D eus teocrático na terra (Reim. Apol. 2.3.1.2 [Alexander 2:180]).
A ortodoxia interpretou as palavras de agonia no Getsêmani: “Afasta de mim
este cálice” (Mt 26.39; Mmchi. Orig. ant. 2.14.4 [1749-1:277-78]) à luz da per-
gunta anterior feita aos discípulos: “Podem vocês beber o cálice que eu estou
bebendo?” (Mc 10.38,39; Fil. 37. 51 [Soc. FU. 2:60]). Bem, essa aceitação do
sofrimento e da morte (Frnck. Pass. Marc. 2, 3, 7 [1724:38, 71-72, 192-93]),
que ele “sempre tivera diante dos olhos desde que saiu do deserto e assumiu
sua função de ensinar” (Zinz. Horn. 21 [Beyreuther 3-1:210]; Zinz. Rei. 1
[Beyreuther 6-1:12-13]), fora completamente revertida em um esforço “se
de alguma maneira fosse possível escapar de sua morte” (Reim. Apol. 2.2.2.3
[Alexander 2:150]). O clamor de abandono na cruz: “Meu Deus! Meu Deus!
Por que me abandonaste?” (Mt 27.46; SI 22.1), que “pretendia expressar o
fardo do pecado de toda a raça humana que ele estava carregando”, o mal
e a vergonha de tudo isso, transformou-se em uma exclamação de angústia
A essência da verdadeira religião 159

diante do desapontamento final de toda sua esperança messiânica e sonhos


para a restauração do reino a Israel (Frnck. Pass. Marc. 11 [1724:319-20];
Lmp. Betr. 4.14 [1756-11:643]; Mrck. SjL 10.3 [Velzen 15:310-11]; Hno. Teol.
6.2.16.5 [1785-11:479]; Reim .Apol. 2.3.1.1 [Alexander 2:179]). E a crença na
ressurreição de Jesus também era vista com o um evento na história da igreja
primitiva (veja p. 302 abaixo), em vez de na história do próprio Jesus, ou, se
possível, ela era simplesmente eliminada por completo da história (Jeff. Lj.
[Adams, p. 297]).

A essência da verdadeira religião


Revisar a história de Jesus do triunfo à tragédia e, depois, da tragédia
ao páthos (Reim. A pol 2.5.3.3 [Alexander 2:481]) era uma completa ruptura
com toda a tradição da doutrina cristã; mas essa revisão, tanto com o uma
questão “histórica” quanto com o uma questão “moral” (Sem. Rei. 3 [Schütz,
p. 26-27]), também abriu de uma nova maneira a investigação da essência da
religião e da essência do evangelho. Reimarus, após descrever com o o sonho
teocrático de Jesus foi reduzido a nada, prosseguiu na mesma hora para falar
sobre “a religião razoável, simples, exaltada, santa e prática” de Jesus, pre-
tendida para toda a humanidade (Reim .Apol. 2.1.1.7 [Alexander 2:27]; Sem.
Frag. 20 [1780:108-9]). O século XVIII encontrou no Jesus dos evangelhos
o problema e também a solução para sua busca por uma “religião universal”
(Zinz. Gem. 17 [Beyreuther 4-1:265]). Ele não deixara um resumo de ensina-
mentos (Sem. Erud. [1765-1:56]) e, por conseguinte, era necessário distinguir
histórica e moralmente entre esse elemento do ensinamento atribuído a ele
que o representava com o “o mestre de toda a raça humana” que recorria à
razão e à experiência universal e que o transformava em pouco mais que o
reformador de um judaísmo corrupto, que citara e confirmara a autoridade
do Antigo Testamento (Reim. Apol. 2.1.1.6 [Alexander 2:25]). O primeiro
desses se caracterizava pela “genuína simplicidade e perspicuidade” e “todas
suas doutrinas e regras são clara e distintamente estendidas a nós não com o a
divindade pagã” (Brnt. Rom. [1688:8-9]; Reim. Apol. 2.1.1.9 [Alexander 2:35]).
A busca por uma religião universal veio a ser uma busca pela “soma
total” ou pela “própria essência” Qab. Sal 18 [Basler, p. 212]) da religião,
bem com o pelo que um teólogo russo ortodoxo (Tnnt. Disc. 6 [1745:312])
denominava de “o espírito do verdadeiro cristianismo” (Fil. Sl. 116 [Soc.
Fil. 3:33]), a essência do evangelho no meio do caminho entre os extremos
do ateísmo e da superstição; do entusiasmo e da intolerância (Sem. Rei 25
[Schütz, p. 209]; veja p. 119-20 acima). Se a história era uma documentação
da variedade caleidoscópica da doutrina (Tin. Cr. 7 [1730:76]), não era pos-
1 60 ♦ ♦♦ ♦ A OBJETIVIDADE DA REVELAÇAO TRANSCENDENTE

sível equiparar a essência (Wsly. Serm. 39.1.9 [Baker 2:85]), em um reductio ad


absurdum (redução do absurdo) do cânone vicentino, com tudo o que sempre
fora ensinado em todos os lugares por todos; antes, era tarefa do teólogo,
junto com outros estudiosos da teologia, discriminar “o que é essencial na
religião e doutrina cristãs” do “que pode ser denominado verdadeiramente
acidental e constantemente mudado” (Sem. Frag. pr. [1780:A3r]), com apenas
“valor temporário” (Bl. Unfehl. 10 [1791:80]). Uma definição de uma igreja
verdadeira, por conseguinte, podia ser “uma sociedade que preservou as coisas
essenciais e fundamentais do cristianismo” (BrntMrá X X X IX Í9 [1700:180]).
Essa definição não podia levar além de uma recitação de posições confessio-
nais (ou anticonfessionais). Podia ser predito que um herdeiro da Reforma
protestante definiría a justificação pela fé com o a essência da religião cristã
(Ost. Arg. ref. Rm 3 [1720-11:188]); outro citaria Calvino com o prova de que
a genuína humildade era “uma das coisas mais essenciais pertencentes ao
verdadeiro cristianismo” (Calv. Inst. [1559] 2.2.11 [Barth-Niesel 3:253-54]).
A partir dos ditos de Jesus (Edw. Rei. Aff. 3.6 [Miller 2:315]; Lw. Ser. Cl. 16
[Moreton 4:163]), como: “Com isso todos saberão que vocês são meus dis-
cípulos, se vocês se amarem uns aos outros” (Jo 13.35), ficou evidente que
“a essência de toda religião verdadeira repousa no amor santo” (Edw. Rei.
Aff. 1 [Miller 2:107]); mas os radicais encontraram nessas mesmas palavras
um fundamento para excluir a “palavra, os sacramentos e a ortodoxia sã”
completamente da essência (Dipp. H it. 1 [1706:5-6]; Tin. Cr. 5 [1730:53-54];
Nss. Dipp. pr. [1701:9]) e para transformar esse “amor” em uma qualidade
universal. Por isso, eles foram atacados com o subversivos do “cerne e âmago
da nossa fé cristã” (Swed. Ver. Chr. 6.357 [1771:231]): eles estavam certos em
definir a essência com o a união com Cristo, mas a palavra e os sacramentos
eram uma parte indispensável disso (Nss. Dipp. 14 [1701:83-84]). A essên-
cia da união com Cristo e do verdadeiro cristianismo estavam contidas nas
palavras de João Batista sobre Cristo: “É necessário que ele cresça e que eu
diminua” (Jo 3.30).
O mínimo irredutível da “essência” (Scriv. Seel. 3.24 [Stier 5:803]), alter-
nadamente, podia se reduzir a uma aceitação de Jesus com o nada mais que
um mestre enviado por Deus (Bl. Unfehl 26 [1791:537]) ou, em adição, com o
divino (Ost. Arg. ref. Hb. 1 [1720-11:286]) ou, em adição, com o “o Salvador
e Senhor pessoal do indivíduo” (Frnck. Id. 4 [Peschke, p. 173]) por meio de
seu sofrimento, morte e ressurreição. Em todo caso, todos concordavam que
a essência era mais que uma “opinião” (Zinz. Soc. 21 [Beyreuther 1-1:212-
13]), mas que tinha de incluir a dimensão da prática (Poir. Oec. div. 4.4 [1705-
A essência da verdadeira religião Λ
♦ 161
11:98]). Um escritor definiu o “novo nascimento” e o “princípio de uma nova
vida”, mas não os “artigos de fé” (Lw. Cr perf. 2 [Moreton 3:25]) com o “a
própria essência e alma do cristianismo”. Contudo, esse escritor, na mesma
obra, afirmou que “toda a estrutura do cristianismo” foi construída sobre as
“grandes doutrinas” da “deplorável corrupção da natureza humana e seu novo
nascimento em Jesus Cristo” (Lw. Cr. peif. 1 [Moreton 3:12-13]) e rejeitou a
ideia de que o cristianismo era “uma escola para o ensino da virtude moral,
do refinamento [das] nossas maneiras ou de nossa formação para levar uma
vida neste mundo com decência e gentileza” (Lw. Cr. perf. 2 [Moreton 3:23,
25]). A essência da religião foi definida por um autor — a quem o ortodoxo
chamava de “pernicioso” e “detestável” (Cone. Rei. m. 2.2.Ó.2 [1754-1:319-20])
— com o consistindo dos “julgamentos que nosso espírito forma em relação
a Deus, e os sentimentos de respeito, temor e amor que nossa vontade tem
por ele” (Byl. Com.phil. 1.2 [1713-1:153]); ou talvez fosse “o hom em interior
ou o novo homem, cuja alma é fé e cujas expressões são o fruto da vida”
(Spen. Pi. Des. [Aland, p. 79]).
Para alguns, essa essência específicamente sugeria referência ao “mérito
de Jesus Cristo” (Ost. D% serm. 4 [1722:149]) ou profissão “explícita ou im-
plícita de que Jesus satisfez por nossos pecados” (Edw. Rei. Aff. 3.12 [Miller
2:413]); mas, para outros, a noção de satisfação pelo pecado podia ser elimina-
da “sem causar nenhum prejuízo para a essência da religião cristã” (Sem. Rei.
23 [Schütz, p. 198]) e o mesmo era verdade para a doutrina da predestinação
(Strim. Un. Εν. 1.24 [1711:31 -32]). Uma definição da essência— parafraseando
o axioma de Filipe de Melâncton (Mel. Loc. [1521] [Plitt-Kolde, p. 63]; veja
vol. 4, p. 220) de que “conhecer Cristo é conhecer os benefícios que vêm
dele” — desviou a atenção da confissão de que o Pai, o Filho e o Espírito
Santo “são três pessoas” para a afirmação dos “benefícios” associados a eles
(Sem. Frag. 10 [1780:57]); as “formas e definições religiosas [dogmáticas] da
igreja” não pertenciam “à essência da religião cristã” (Dipp. Ort. 5 [1699:72-
73]) que, de acordo com o ensinamento de Jesus, consistiam nos dois grandes
mandamentos para amar a Deus e amar ao próximo (descritos também pelos
ortodoxos com o “a mãe de todas as virtudes”) (Mt 22.37-40; Lc 10.27; Swed.
Cael. 3.15, 27.238 [1890:18, 135]; Reim .Apol. 2.1.1.8 [Alexander 2:30]; Strz.
Man. 3.4 [1828:116]). Os que propuseram essas redefinições foram acusa-
dos de limitar a essência aos elementos naturais do cristianismo à custa dos
elementos sobrenaturais (Lschr. Pens. [1724:15]).
O que eles estavam fazendo de fato era continuar na serena confiança
de que essa essência do evangelho, em seu conteúdo, provaria ser idêntica
A OBJETIVIDADE DA REVELAÇÃO TRANSCENDENTE
162 *
ao melhor da “religião natural” (Wlff.A nt. Gott. 40 [1744-1:28]). A pesquisa
histórica, no sentido usual, não descobriría a essência (Sem. Rei. 15 [Schütz,
p. 108]), nem, tampouco, a busca pela essência, por sua vez, podia “refutar
ou invalidar essa evidência histórica sobre a qual o cristianismo foi fundado”
(Lw. Reas. int. [Moreton 2:57]), pois “os registros de toda a história” deixavam
claro que a “religião natural”, nesse sentido, nunca existira concretamente
em qualquer nação (Sem. Rei. 16 [Schütz, p. 115]), mas tinha de ser separada
das revelações, cerimônias e tradições das religiões históricas (Mid. Wat.
[1731:50]). Ainda assim, conform e afirmou um teólogo grego ortodoxo,
se “o conhecimento de que D eus existe está naturalmente implantado em
nós” (Atan. Par. Epit. 1.1.1 [1806:49]), os defensores do conhecimento so-
brenatural também tinham de encontrar alguma congruência entre os dois
(Ern. Opuse. 23 [Fritsch, p. 617-40]), pelo menos reconhecendo que a regra
de ouro (Mt 7.12) era “uma lei natural e, ao mesmo tempo, divina” (Mrkrd.
Off. 14 [1722:100]) e que “os D ez Mandamentos (Ex 20) contêm a substância
da religião natural” (Jcksn. Rem. [1731:13]; Drnd. Diss. 2.2.7 [1703:119]); por
isso, alguns pecados proibidos pela lei revelada também foram proibidos pela
lei natural e vice-versa (Af. Lig. Teol. mor. 3.5.7.759 [Gaudé 2:203-4]). Além
disso, idéias com o virtude, perfeição e beleza, em um plano, eram “puramente
naturais e humanas”, mas, em Cristo, todas se tornaram “completamente
divinas e sobrenaturais” (Poir, Teol. cr. 1.1.3 [1690-1:27]). Até mesmo além
disso, muitos teólogos ensinavam que havia um apetite natural pela visão
de D eus (Bert. Aug. 2.1 [1747-1:197-206]; veja vol. 3, p. 357-60) e, de outros
modos, transformaram o conceito do que era “natural” uma parte essencial
da teologia cristã (Bert. Aug. 2.3 [1747-1:272-73]). Assim, havia uma conti-
nuidade entre o conhecimento natural e o revelado (Ost. Cat. [1747:15]) que
tornava possível (a despeito da acusação de que os manuais ortodoxos nunca
fizeram isso) (Reim .Apol. 1.1.2.2 [Alexander 1:84]) de prosseguir a partir do
caso para a religião em geral e daí para o caso da religião cristã em particular
(Ost. D Z. serm. 1-2 [1722:1-78]).
Os teólogos radicais do século XVIII estavam preparados para ir bem
além disso, insistindo que “há uma religião da natureza e da razão escrita no
coração de cada um de nós desde a primeira criação, por m eio da qual toda a
humanidade deve julgar a verdade de qualquer religião instituída” (Tin. Cr. 6
[1730:60]) (em especial as instituições do cristianismo tradicional) e citando
na sustentação as palavras do apóstolo sobre “tudo o que for verdadeiro”
(Fp 4.8; Tin. Cr. 12 [1730:205]). Mas os defensores da ortodoxia lembraram
seus colegas radicais que grande parte do argumento usado contra a religião
A essência da verdadeira religião ♦♦♦ 163

tradicional revelada seria com a mesma facilidade usada contra a religião natu-
ral e que a expressão “homens naturais” (Lw. Reas. 1 [Moretón 2:66]), no uso
bíblico, não se referia aqueles que não tinham recebido a graça nem o Espírito
Santo (Spen. Gtts. 2 [1680:17]). Talvez Sócrates tenha sido um defensor de
algumas das verdades da religião natural, mas não havia salvação com base
na religião natural (Zinz. Soc. 4 [Beyreuther 1-1:39-40]; Prstly. Soc. 2 [1803:6]).
A revelação — quer vista com o não mais que uma reedição da religião
da natureza (Span. Εν. vind. 2.16 [Marck 3:298-99]) quer com o uma conclusão
dela (Tin. Cr. 12 [1730:199-200]) que seria necessária mesmo se a humanidade
tivesse continuado em estado de perfeita inocência (Lw. Reas. 1 [Moretón 2:60-
61,70]) — precisava, com o acontecera ao longo da história cristã, localizar-se
em sua relação com a razão. A necessidade não era de m odo algum uniforme
de lado a lado das culturas e de lado a lado das igrejas (veja vol. 1, p. 63-64,
350-52; vol. 2, p. 59-60; vol. 3, p. 132-44, 308-20, 337-46; vol. 4, p. 120-22,
125-26,230,258,418-21). Um estudioso observou “a ausência, em meio aos
toscanos, de qualquer da hostilidade declarada entre a ciência e a ortodoxia
que assolava além dos Alpes” porque no pensamento florentino “toda rami-
ficação de aprendizado, em alguma extensão, era uma parte da teologia” (Co-
chrane [1961], p. 103-4); da mesma maneira, um católico-romano, na França,
podia falar de Jesus Cristo com o a “profundidade da riqueza da sabedoria e
do conhecimento” (Rm 11.33; Grig. Mont. Am. sag. 1.12 [Gendrot, p. 99]).
Contudo, o uso da razão era tão fundamental para a ausência de hostilidade
ali quanto o era a hostilidade em outro lugar, porque era fundamental para o
próprio empreendimento teológico. Nenhuma doutrina da teologia, exceto
talvez para a Trindade (Brnt. Art. X X X I X 1 [1700:17]), estava tão comple-
tamente associada com a noção de mistério e as declarações de revelação
quanto a eucarística (Swed. Ver. Chr. 13.699-700 [1771:430-31]); “mistério
[μυστήριον]”, desde os tempos patrísticos, era o termo grego para “sacramen-
to” (Fén. Ep. 28.V.1687 0Gosselin 7:200]). Embora os defensores da presença
real exigissem que “a razão tem de ser mantida cativa aqui” (Neum. Funf.
1, 2, 3 [1726-1:78, 363, 456]), as disputas sobre a presença, que podiam ser
consideradas providenciais a despeito da devastação que provocavam (Zinz.
Zst. 25 [Beyreuther 3-11:196]), provaram quão indispensável era a razão, por
meio do uso de conceitos da lógica com o análise, definição e contradição
(Sem. N . T. Int. 1.3.5.7 [1767:129]), na interpretação da revelação (Wer. Diss.
11 [Ryhinerus 1:200]) ou, no que diz respeito ao assunto, na defesa da reve-
lação contra a razão (Blrt. S. T. Grat.3.2 [Lequette 3:77-80]).
164 Λ A OBJETIVIDADE DA REVELAÇÃO TRANSCENDENTE

“A verdadeira condição da questão”, então, “não [era] se a razão tem de
ser seguida, mas quando é melhor segui-la” (Lw. Reas. 4 [Moretón 2:116];
veja vol. 3, p. 308, 312). A proposição atribuída a Abelardo de que a “fé
está sujeita à razão” (Pnch. Diet. [1736:1]) era herege também em sua versão
do século XVIII (Mos. Tol. 10 [1722:50]). Também era um equívoco tratar
com o um artigo de fé uma conclusão teológica cuja principal premissa veio
da revelação, mas cuja premissa secundária veio da razão (Amrt. Teol. eclec.
4.2.1.2 [1752-1-IV: 14]). Os remonstrantes, que começaram com um protesto
contra as doutrinas calvinistas do pecado e da predestinação (veja vol. 4, p.
297-304), pareciam, para seus oponentes, terem caído no racionalismo com
consequências devastadoras para toda a doutrina cristã (Poir. Fid. rat. 1.11,
1.16 [1708:12-13, 23]). A obra Λ consolação da filosofia, de Boécio, embora
celebrada com o o foi com o uma obra-prima da filosofia cristã (veja vol. 1,
p. 62-64, 350-52; vol. 3, p. 318), poderia agora ser atacada com o um livro
“no qual o Salvador e sua redenção são totalmente esquecidos” (Zinz. Gem.
8 [Beyreuther 4-1:148]). Nas universidades, a lógica e a metafísica eram
preferidas ao catecismo (Frnck. Bcht. [Peschke, p. 99]); a ética filosófica,
à ética cristã (Ost. Eth. prol. 2 [1727:5]); e a helenização do cristianismo à
exposição fiel da “doutrina dos hebreus” contida na Escritura (Budd. Phil,
ehr. 18 [1720:70]; Frnck. Meth. 3.20 [1723:108]). Spener, embora os adeptos
da ortodoxia luterana o atacassem com o racionalista e patrono do misticis-
m o extremo (Deutsch. Put. 1.2.4 [1698:12-13]; Mayr. Mis. 4.6 [1692:45-46]),
dissociou-se de ambos; da mesma maneira; outros teólogos protestantes,
apesar de talvez com menos sucessos (Spen. Bed. 1.1.13 [Canstein 1:95]; Spen.
Beant. 4.13 [1693:107]), tentaram se dissociar das várias filosofias racionalistas
(Wlff. Nat. Gott. 295 [1744-1:294]; Sem. Erkl. 1.4, 2 [1777:82, 147-50]). O
século XVIII, a despeito de sua jactância de ser “um século de iluminismo
[un siècle éclairè]”, foi um tempo de “cegueira do espírito” (Poir. Teol. cr. pr
[1690-I:A3r-A3v]; Poir. Chr. ed. 35 [1694:46]); a despeito de sua exaltação da
razão, o racionalismo era ele mesmo “irracional” (Mid. Wat. [1731:56]); e a
despeito de sua rejeição da autoridade, teve de admitir que “o conhecimento
natural, ou a luz da natureza, é um conhecimento e luz que é tornado natural
por nós por meio da mesma autoridade que torna uma determinada língua,
determinados costumes e modelos de comportamento naturais para nós”
(Poir. Fid. rat. 1.16 [1708:23]).
A igreja ortodoxa, a sua própria maneira, tinha tanto em jogo quanto
o racionalismo tinha (Stod. Gd. Cr. [1714:36-38]) na busca pelo que Kant
denominava de “religião só nos limites da razão” (Knt. Rei. [Cassirer 6:139-
A essência da verdadeira religião 165

353]). Fosse qual fosse sua posição na apologética dos séculos anteriores, o
método descrito por um teólogo ortodoxo oriental com o “a demonstração
silogística” da existência de Deus (Mid. Mir. int. [1749:xcii]; Reim. Apol. int.
[Alexander 1:62]) tornara-se agora, desde João de Damasco e de Tomás
de Aquino (Atan. Par. Epit. 1.1.1 [1806:49-51]), “o grande e sólido argu-
mento sobre o qual repousa a religião” (Wlff. Nat. Gott. 413 [1744-11:4]). O
catolicismo-romano, tradicionalmente, fizera mais da prova racional para sua
doutrina do que o fizera o protestantismo confessional (Brnt. A rt. X X X IX 1
[1700:21]; Bert. Teoldisc. prol. 2 [1792-1:5]), mesmo no auge da era ortodoxa;
o pietismo desconfiava ainda mais de uma “doutrina pura” (Cone. Rei. riv.
5.1.2 [1754-11:155-62]; veja vol. 4, p. 418-21) na qual “a sabedoria do mundo
é introduzida gradualmente na teologia” (Spen. Pr. Des. [Aland, p. 22]; Frnck.
Meth.3.20 [1723:106]). Mas agora havia protestantes que consideravam que
“o principal interesse dos pregadores [é] mostrar a racionalidade ou bom
senso das doutrinas que ensinam” (Tin. Cr. 11 [1730:151]) e que viam esses
pregadores com o cristãos autênticos (Reim. Apol. int. 13 [Alexander 1:63-
64]). D e acordo com a ortodoxia, a religião natural só podia ficar perfeita
“com a adição da revelação” (Jcksn. Rem. [1731:9]), mas o inverso também
era verdade: a consideração da religião natural fora boa para o cristianismo
ortodoxo (Sem. Rei. 35 [Schütz, p. 279]), cuja doutrina foi desenvolvida sobre
a razão e também sobre a revelação de Cristo (Dipp. Ort. 9 [1699:118-24]);
e havia questões na teologia tradicional, com o a predestinação (Lw. Reas. 2
[Moretón 2:92-93]), que alguns (embora nem todos) teólogos interpretavam
com o pertencendo à razão, em vez de à revelação (Brnt. A rt. X X X IX 17
[1700:147]), bem com o outras questões, com o a doutrina dos anjos, que
pertenciam a ambas (Amrt. Teol. eclec.2.\.\ [1752-1-11:1]).
A essência da religião verdadeira, em seu conteúdo, provou com fre-
quência ser de igual duração (veja vol. 1, p. 70-74) que os dois aprnñs que a
doutrina cristã tomava por garantidos desde a igreja primitiva: a definição da
natureza de Deus com o absoluto e a definição da alma humana com o imortal
(Cone. Rei. riv. 5.1.1.8 [1754-11:316]; Mmchi. Orig. ant. 3.2.1 [1749-111:272]);
Tnnt. Serm. 4 [1744:87-106]). A teologia ortodoxa — aplicando o princípio,
formulado por Tomás de Aquino, mas afirmado durante séculos por seus
predecessores no Oriente e no Ocidente, de que a “graça não anula a natureza
(veja vol. 3, p. 338-46), mas a completa” — construiu, com a autoridade da
revelação, seu dogma da Trindade fundamentada no primeiro desses aprioris
e sua doutrina da ressurreição e vida eterna fundamentada no segundo deles.
A justificação bíblica para identificar esses a prioris com o a essência parecia
166 ♦♦♦ A OBJETIVIDADE DA REVELAÇÃO TRANSCENDENTE

ser fornecida pelo versículo: “Sem fé é impossível agradar a Deus, pois quem
dele se aproxima precisa crer que ele existe e que recompensa aqueles que o
buscam” (Hb 11.6) (não só nesta vida, mas sobretudo na vida por vir) (Drnd.
Diss. 1.8.2 [1703:21]; Arb. Inst. 1.20.4 [1765:99]). As duas exigências desse
versículo serviram com o uma questão vital a vários intérpretes desse período.
Para Zinzendorf (Zinz. Soc. 29 [Beyreuther 1-1:271-72]), as duas exigências
forneciam o ponto de partida para considerar as “verdades fundamentais”
da verdadeira religião; para Burnet (Brnt. A rt. X X X IX . 7 [1700:101-2]), “o
fundamento da religião”; e para Eusébio Amort, a prova de que “para os
pagãos, a fé implícita nesses mistérios é suficiente” mesmo sem as doutri-
nas com o a da Trindade, da encarnação e da ressurreição (Amrt. Teol. eclec.
4.2.3.16-17 [1752-1-IV:99]).
N esse período, os defensores da doutrina da igreja percebiam que ela,
pela primeira vez em sua história, enfrentava um questionamento dessas ver-
dades fundamentais de toda a religião e também de seus dogmas específicos.
Ficou evidente para todos que, desde a Reforma (Zinz. Gespr. 6 [Beyreuther
1-111:50-51]), fora perdido o sentimento de reverência e que em seu lugar
vieram “os detestáveis sentimentos de irreligião e descrença que atacam a
própria religião e levam ao ateísmo” (Ost. D%. serm. 12 [1722:415]; Neum.
Hnd. [1700:A3v]). O ateísmo passou a ser um item na agenda teológica. Tal-
vez houvesse uma diferença entre agnosticismo e ateísmo (Mrck. Comp. 1.17
[Velzen 18:8]; Wlch. Pol 2.1 [1752:87-101]), mas não havia nenhuma entre
o escárnio declarado e a subversão sútil (Wlff. Nat. Gott. 427 [1744-11:26]).
Quando seus oponentes, na Antiguidade clássica, idealizaram a tolerância
religiosa (Mos. Vind. disc. 1.6.2 [1722:123]), os teólogos ortodoxos (Byl. Comp.
phil. pr. [1713-1:124]; Gib. Dec. 2 [Bury 1:28-33]) argumentaram que não eram
“aqueles que criam na religião, mas os infiéis e ateus que em todos os países
sempre foram os mais severos perseguidores e mais cruéis opressores de toda
liberdade civil e também religiosa” (Mid. Wat. [1731:54-55]). Era difícil, ou
impossível, confiar nos adeptos do ateísmo (Pnch. Diet. [1736:79]) porque
essa concepção não só era anticristã, mas também absurda (Lmp. Teol. nat.
119-31 [1734:36-42]), rejeitando com o fazia a evidência que, de acordo com
Romanos 1.20, eram “desde a criação [...] vistos claramente” (Drnd. Fid. vind.
1.1 [1709:1-5]; veja vol. 1, p. 38). O sermão do apóstolo Paulo, no Areópago
(At 17.22-31), também continuava a ser uma sinopse conveniente da teolo-
gia natural e um resumo das doutrinas e obrigações; mas sua fórmula quase
de credo (talvez com origem no pensador grego Epimênides) (Amrt. Teol.
eclec. 1.1. pr. [1752-1-1:1]; O st. Arg. ref. At 17 [1720-11:172];Tnnt. Serm. 15,21
A essência da verdadeira religião ♦♦♦ ‫ ג‬67

[1744:305-6,405]; Lang. Paul 1.2.3 [1718:87]): “nele vivemos, nos movemos


e existimos” (At 17.28) passou a ser uma resposta congregacional no ritual de
adoração secular que alguns deístas estavam propondo com o um substituto
para as liturgias ortodoxas (Tol. Pan. 2.2 [1720:54-55]).
A partir dessas passagens bíblicas, ficou claro que a teologia natural era
um artigo de fé: com o o Primeiro Concilio Vaticano (veja p. 244-45 abaixo)
teve de decretar no século seguinte, o ensinamento da revelação era que a
existência de D eus com o um “ser independente e eterno do qual todos os
seres que estão no mundo dependem” (Wer. Mise. 15.1 [Ryhinerus 2:252-55])
foi estabelecida não só pela revelação, mas também pela razão (Lmp. Teol. nat.
40-41 [1734:15-16]). A doutrina de Deus com o Criador, sem o qual a realidade
do mundo era impensável (Wlff. Nat. Goff. 486, 381 [1744-11:116-17,1:375-
77]), era “a primeira verdade” junto com sua doutrina resultante (vista também
na tendência dominante na época de falar de Providência, em vez de falar de
Deus) (Ost. Arg. ref. Gn 1 [1720-1:1]; Neum. Rch. 2 [1751:59]) de “uma provi-
dência que se estende a todas as coisas tanto naturais quanto livres” (Hno. Teol.
1.1.8 [1785-1:247-74]; Wsly. Serm. 67 [Baker 2:535-50]; Gaz. Prael 1.1.1.6.176
[1831-1:32]; Fén. Inst. 4 [Gosselin 6:78]), realizando sua vontade m esm o por
intermédia da guerra. A razão e a natureza confirmavam o m onoteísm o pelo
contraste com a crença irracional em muitos deuses, bem com o a doutrina da
“simplicidade” de Deus pelo contraste com a complexa natureza das criaturas
(Ern. Opuse. 14 [Fritsch 537-56]; Terst. Ep. 1.82-83 [Becher 5:181-85]; Terst.
Abr. 1.5.18 [Becher 2:72]; Zinz. Aug. Conf. 20 [Beyreuther 6-11:343]). Pois a
“simplicidade” era um passo lógico, ainda por meio da teologia natural, para
a imutabilidade de D eus com o “o ser mais perfeito” (Lmp. Teol nat. 221-25
[1734:55-68]; Amrt. Teol eclec. 1.3.1 [1752-1-1:33]) e, por conseguinte, para a
impassibilidade divina, à luz da qual a linguagem bíblica sobre a tristeza e a
ira divinas tinham de ser explicadas (Fén. Tr. ex. [Gosselin 1:76]; Wlff. Nat.
Gott. 35 [1744-1:24-25]; Tnnt. Serm. 6 [1744:136]; Wlff. Nat. Gott. 35 [1744-
1:15]). Todos os princípios da doutrina cristã de Deus, exceto pela Trindade
“que peculiarmente pertence à religião cristã” (Wlff. Nat. Gott. 75, 224, 276
[1744-1:48-50, 231, 271]), foram “fundamentadas nos princípios da religião
natural” (Brnt. Art. X X X IX . 1 [1700:17]) e, por conseguinte, estavam expostas
à ameaça quando esses mesmos princípios foram questionados.
Também era a doutrina ortodoxa que, sem o auxílio da revelação da razão,
conseguiu provar que Deus possuía um conhecimento perfeito do passado
(Wlff. Nat. Gott. 166 [1744-1:173-75]) e era o juiz dos vivos e dos mortos
(Lmp. Teol. nat. 360-64 [1734:108-9]). Por conseguinte, os proponentes de
168 Λ A OBJETIVIDADE DA REVELAÇÃO TRANSCENDENTE

“uma religião puramente racional” insistiam que a imortalidade da alma era
um com ponente essencial dela (Reim .Apol. 1.5.2.1,1.5.4.1 [Alexander 1:721,
769]). A estreita conexão entre as doutrinas de D eus e da alma significavam
que aqueles que negavam a imortalidade estavam “no caminho para o ateis-
m o” (Wlch. Pol. 2.1.18 [1752:101]). Existia havia muito tempo diferenças
de opinião entre os filósofos a respeito da natureza da alma (Men. Did. 2.3
[Blantês, p. 117]); agora havia controvérsia também entre os teólogos sobre a
imortalidade da alma (Swed. Cael 1 [1890:11]; Pff. Hist., teol. 2.10,3.8 [1724-
1:323-24, 11:269-74]). Esta precisava ser defendida contra seus negadores
passados e presentes, que se refugiavam na noção de “aniquilação” (Drnd.
Fid. vind. 2.10 [1709:231-35]). A despeito do esforço em negar que não havia
nenhuma menção à alma na Escritura hebraica antes do cativeiro babilônio
(Mrck. Comp. 16.11-12 [Velzen 18:330-31]; Lmp. Ew. Str. 1 [1729:149-50];
Reim. Apol. 1.5.4.4 [Alexander 1:775]), “a hipótese da imortalidade da alma
humana” (Atan. Par. Epit. 2.2.8 [1806:262]) foi identificada com o doutrina
bíblica (Scriv. See¿. 1.2 [Stier 3:46]), na verdade, com o o alicerce e o conteúdo
essencial da doutrina cristã da ressurreição (Strz. Man. 2.1,2.5 [1828:49,76]).
O imperativo “alcançar a vida eterna” (Mysnt. Betr. 58 [1846-11:312-22]) era
universal, e a imortalidade era “uma verdade reconhecida em todo o mundo”
(Scriv. See¿. 5.1 [Stier 7:29]; Cone. Rei riv. 5.1.18.1 [1754-11:320-28]). Contudo,
isso não provava que surgira da razão pura (Spen. Bed. 1.1.19 [Canstein 1:109])
nem das práticas fúnebres pagãs, uma vez que viera originalmente da revelação
divina antes dos sistemas dos filósofos pagãos (Mos. Tol. 26 [1722:143-44]),
que, independentemente de suas teorias, continuaram a considerar o pros-
pecto da morte com terror (Zinz. Gespr. 9 [Beyreuther 1-111:80]).
As doutrinas de Deus e da imortalidade eram uma documentação da rela-
ção ambígua entre essa essência da religião verdadeira e as religiões históricas
específicas (veja vol. 4, p. 383-84). Os esforços anteriores para apresentar uma
afinidade positiva entre elas foi alvo de crítica (Lmp. Teol. rud. 2.6 [1729:17-
18]), mas a tentativa de encontrar “uma unidade de desígnio” na “grande
variedade” das religiões e por trás delas persistia, embora complicada nos
tempos modernos pelas viagens de descobertas (Ost. D%. serm. 2 [1722:64]).
Conforme essas viagens contribuíam para “novas percepções da religião
pagã” (Mrkrd. Off. 16 [1722:132]; Wsly. Serm. 63.1-4 [Baker 2:485-87]; Wlff.
Nat. Gott. 429 [1744-11:31-32]; Brnt. A rt. Χ Χ Χ ΙΧ Λ [1700:18]; Wilb. Pr. Vw.
2 [1798:26]; Manuel [1959], p. 15-53), uma teologia natural, fundamentada
principalmente na teologia filosófica da Antiguidade clássica (veja vol. 1, p.
38-61; vol. 4, p. 353-62) com apenas atenção ocasional às religiões pré-cristãs
A essência da verdadeira religiõo ♦♦♦ 1&9

das pessoas que agora pertenciam à igreja, tinha agora de confrontar novos
dados sobre as nações em que não parecia haver “nenhuma adoração” de
uma divindade (Tnnt. Serm. 4 [1744:101]). A o mesmo tempo, a descoberta
de relatos de um dilúvio “entre todos os povos e autores mais antigos” (Ost.
Arg. ref. Gn 5 [1720-1:5-6]; Pal. Evid. 1.2.1 [Wayland 3:171]; Ost. Arg. ref. Gn
5 [1720-1:5-6]) ajudou a confirmar o relato de Gênesis; e o contínuo apelo
aos padrões paralelos entre Sócrates e Jesus, entre a Quarta bucólica de Virgílio
ou os livros sibilinos e os evangelhos (Tol. Pan. 1.2 [1720:4]; Tnnt. Serm. 20
[1744:389]; Prstly. Soc. [1803:48]) e entre os escritos herméticos da Antiguidade
posterior (Atan. Par. Epit. 3.2 [1806:293-95]; Reim. Apol. 1.5.2.6 [Alexander
1:738-39]) e as Escrituras cristãs foram enriquecidos pela consciência mais
profunda de outros sábios (Dipp. Ort. 6 [1699:89-91]), em especial Confucio,
cujas “máximas claras e simples” (Zinz. Rei. 5, 6 [Beyreuther 6-1:89, 112])
podiam ser usadas “para ilustrar as [máximas] mais obscuras” de Cristo (Tin.
Cr. 13 [1730:342]). D a perspectiva negativa, os paralelos entre as religiões não
cristãs e as práticas cristãs supriam argumentos para as polêmicas contra o
culto dos santos (Mid. Ltr. Rom. [1729:31]). Os deístas, com o Toland, foram
acusados de colocar “as religiões tradicionais em um patamar”, incluindo o
próprio cristianismo (Lw. Reas. 3 [Moretón 2:112]), mas os teólogos da igreja
tentaram esclarecê-los. A taxonomía que enumerava quatro grupos — todos
os de paganismo agrupados e, depois, os três livros de m onoteísm os do ju-
daísmo, cristianismo e islamismo — era representativa desse esforço (Ost.
Cat. [1747:15-16]).
D esses, o islamismo continuou a evocar uma variedade de respostas
dos cristãos. Entre aqueles para quem a queda de Constantinopla, em 1453,
ainda era uma lembrança poderosa (Men. Did. 1.4 [Blantês, p. 44-47]; Coz.
Graec. 5.23.1294 [1719-111:315]), alguns articularam uma escatologia em que
a iminente “queda do maometismo” seria um sinal de que o julgamento final
estava perto (Strz. Man. 5.1 [1828:193-94]). A trégua militar e política entre
a ortodoxia oriental e o islamismo foi uma ocasião para dar ação de graças a
Deus, mas também para expressões de cautela por parte dos cristãos (Fil. SI.
136 [Soc. Fil. 3:132-38]). Alguns polemistas cristãos apontaram para o método
mulçumano de propagação por meio da conquista com o uma demonstração
palpável de sua falsidade (Pal. Evid. 2.9.3 [Wayland 3:331-45]; Cone. Rei. riv.
2.2.4 [1754-1:298]), enquanto outros esperavam que, com a genuína reforma
cristã, “a grande pedra de tropeço seria felizmente tirada do caminho, a saber,
a vida dos cristãos, e os maometanos olhariam para eles com outros olhos”
(Wsly. Serm. 63.21 [Baker 2:495-96]). Ainda outros equiparavam “as principais
170 ♦♦♦ A OBJETIVIDADE DA REVELAÇÃO TRANSCENDENTE

coisas que encontro inculcadas no Alcorão” com “algumas das principais


ramificações da religião natural” (Tnnt. Serm. 1 [1744:24]), uma equação que
permitiu um dos apelos mais eloquentes pela tolerância religiosa no sécu-
lo XVIII (ou em qualquer outro), o de Lessing, em N atã 0 sábio, incitar os
judeus, os cristãos e os mulçumanos a reconhecer sua origem em comum e a
tratar uns aos outros com a consciência de que cada um tinha algum tipo de
reivindicação legítima a seu legado em comum (Less. Nath. 3.7 [Rilla 2:403-8]).
Em uma categoria por si mesma com o uma questão persistente e fun-
damental para a própria definição da essência do cristianismo, a despeito
de sua consciência existencial do islamismo, ainda estava — com o fora,
quer conscientemente quer não, por intermédio da história cristã desde seu
início (veja vol. 1, p. 34-47; vol. 2, p. 218-34) e passaria a ser ainda mais no
século X X (veja p. 391-92 abaixo) — a conexão positiva e negativa entre o
cristianismo e o judaísmo. Havia um reconhecimento de que a frase “Eu Sou
o que Sou” (Ex 3.14), conforme revelada por Moisés, era “o único nome
apropriado e incomunicável de D eus” (Tnnt. Serm. 5 [1744:110]) e de que
o m onoteísm o fora “o principal desígnio do todo do Antigo Testamento”
(Brnt. A rt. X X X IX . 1 [1700:24]), sem o qual não haveria uma doutrina cristã
de Deus. Jesus foi “um judeu observante, um patriota” (Zinz. Aug. Conf. 20
[Beyreuther 6-11:335]; Zinz. Soc. 25 [Beyreuther 1-1:250]) e quando falou de
Deus com o “meu Pai”, ele referia-se “a ninguém menos que o D eus dos
judeus, o m esm o D eus que os judeus da época adoravam” (Zinz. Zst. 39
[Beyreuther 3-11:316-17]). Por essa razão, havia alguns pensadores cristãos
que defendiam o judaísmo e os judeus contra a hostilidade cristã (Sem. Frag.
39 [1780:309]) ou que sustentavam que não cabia aos gentios cristãos culpar
os judeus pela morte de Cristo (Wer. Diss. 4.3 [Ryhinerus 1:90]), uma vez
que nem todos eles estiveram envolvidos com essa morte e que os gentios
estiveram igualmente enredados com ela (Frnck. Pass. Joh. 3 [1733:45-46]).
Um dos subprodutos da escatologia pietista foi um aumento da expectativa
fundamentado no nono, décimo e décimo primeiro capítulos de Romanos
(veja vol. 1, p. 44) de que, ao contrário da interpretação de Lutero, “toda a
Israel seria [de fato] salva” (Spen. Pt. Des. [Aland, p. 43-44]), conform e pro-
metido na passagem (Rm 11.26). Para muitos pietistas, essa total conversão
dos judeus ao cristianismo estava “acima de qualquer dúvida” (Hfkntz.yW.
[1706:7-8]; Terst. Ep. 2.122 [Becher 6:269-71]), mas seus críticos ortodoxos
entendiam isso com o algo “mais a ser desejado que esperado” (Dor. Pet. 20
[1718:53]) e continuaram defendendo a exegese restritiva de Lutero (Nmnn.
Spen. [1695:43-55]). Embora o povo judeu não tivesse de fato conseguido
A essência da verdadeira religião ♦♦♦ 171
pregar sua religião em todo o mundo (Byl. Com.phil 2.4 [1713-1:327]), a men-
sagem do Antigo Testamento nunca ficara limitada a esse único povo, mas se
pretendera que fosse universal (Frnck. Pred. Trin. 2 [1699:30]): a história do
povo de Israel era a história de todos os povos (Strz. Man. 7.3 [1828:308]).
Essas declarações, no entanto, têm de ser vistas em relação à maioria
da doutrina sobre o sentido da história judaica, expressa até mesmo em ma-
nuais de devoção mística (Arb. Des. myst. 2.17 [1764:312]): que Deus estava
derramando vingança no povo judaico pela morte de seu Filho, e que os
judeus continuavam a ser culpados de atrocidades contra os cristãos (Bec.
Lóp. Sab.prod. 1 [1752:11]; Ost. Arg. ref. Mt 27:1-26 [1720-11:44]; McGl. Ess.
1.8 [1786:143]). A exegese cristã ortodoxa /(Lschr. Dr. pred. 1 [1733:4]) —
ao atacar tanto “os obstinados judeus quanto os vãos estudiosos seculares,
que infelizmente tomaram o lado deles” (Bnt. Diss. apol. 1.23,2.84 [1747:17,
72]) — defendia a aplicação direta do Antigo Testamento não a Israel e ao
judaísmo, mas a Cristo e à igreja. Um cristão convertido do judaísmo provou
isso a partir da correspondência ponto por ponto entre a vida de Cristo e os
escritos dos profetas (ap. Hfkntz./W . [1706:14]; veja vol. 2, p. 221-22). O uso
de plurais em hebraico para D eus ainda era prova para a doutrina da Trinda-
de (Drnd. Fid. vind. 1.11 [1709:31-32]) e, a despeito das objeções que foram
levantadas contra isso, o testemunho de Josefo de Jesus era autêntico (Span.
H. e. 1.5 [Marck 1:533-34]; veja vol. 1, p. 41). A profecia de Jacó sobre Judá
(Gn 49.10), com o “um oráculo que determina a época da vinda do Messias”,
continuou a servir com o o principal foco para o argumento cristão de que
o lugar do judaísmo na história da salvação era apenas provisional, embora
providencial (Ost. Arg. ref. G n 49 [1720-Γ.33]; Strz. Man. 1.2 [1828:15]; Atan.
Par. Epit. 3.3 [1806:196-97]; Wsly. Serm. 66.1.2 [Baker 2:523]). Reimarus tentou
explicar o uso da profecia com o uma referência a Jesus Cristo (Reim. Apol.
I. 5.2.4 [Alexander 1:732-34]), e a exegese judaica dela com o uma referência
meramente à história de Israel que exigia uma resposta cristã (Spen. Mess.
[1701:18-25]). U m estudioso reformado devotou um abrangente e erudito
comentário filológico e teológico a cada um dos termos-chaves hebraicos
no versículo, justificando a interpretação cristocêntrica do versículo (Mrck.
Pent. Gn. 49:10 [Velzen 1:119-84]). Ele significava o que sempre significara:
que a aliança de D eus (veja vol. 1, p. 74-75; vol. 2, p. 59, 223-25; vol. 3, p.
303-304), que “antes fica restrita aos estreitos limites do judaísmo, agora
tinha de ser [...] estendido a todos os povos, línguas e reinos” (Baum. Pred.
3.6 [Kirchner 3:179-210]).
172 ♦♦♦ A OBJETIVIDADE DA REVELAÇÃO TRANSCENDENTE

Os cristãos, a despeito da admiração por Maimônides com o “o maior
ornamento de seu povo” (Budd. Phil, ebr 31 [1720:154]), discordavam de gran-
de parte do judaismo pós-bíblico com o um conjunto de tradições corruptas
alicerçadas em uma “exatidão insatisfatória e literal” (Lw. Dem. er. [Moretón
5:18]) e muitíssimo preocupadas com as trivialidades do comportamento
ritual e atacaram o Talmude com o uma distorção da mensagem bíblica (Bnl.
Diss. apol. 6.9 [1747:290-91]; Zinz. Gespr. 13 [Beyreuther 1-111:110-20]).
“O sistema deles era o deísm o”, declarou um intérprete radical, “ou seja, a
crença em um único Deus. Mas as ideias que tinham dele e de seus atributos
eram degradantes e ofensivas” (Jeff. Syl. 2 [Adams, p. 332]). Outro pensador
cristão — repetindo a antiga acusação de que o judaísmo era “pelagiano”
em sua doutrina do pecado e da graça (Ag. Spin et lift. 8.13-14 \CSEL 60:164-
66]) — tom ou isso com o a origem de outros erros judaicos (Wlch. /V .2.3.6
[1752:133]). O judaísmo, com o fora antes, passou a ser o alvo dos ataques
filosóficos-teológicos que almejavam, adicionalmente ou até principalmente,
a particularidade do próprio cristianismo. Nas mãos de Reimarus, a imagem
de Deus no Antigo Testamento era de um pequeno tirano, cuja “lei” revelada
(Reim .Apol. 1.5.1.6-7 [Alexander 1:698-705]), com seus ridículos mandamen-
tos com o o do sábado, continham muito pouco da essência da verdadeira
religião (Reim. Apol. 1.5.1.4 [Alexander 1:690-94]) e que nunca prometera um
Salvador, conforme afirmava o cristianismo (Reim. Apol. 1.5.2.1 [Alexander
1:721]). “Acho difícil de entender”, concluiu Reimarus, “que Deus, de tantas
nações mais sábias e mais obedientes e tratáveis, escolhería um povo obstinado
e pervertido com o sua posse e seu amado” (Reim. Apol. int. 8 [Alexander
1:51]; Mid. Wat. [1731:29]).
Para um número cada vez maior, conforme os defensores da ortodoxia
foram forçados a reconhecer (Schtz. Haer. 2.11 [1724:48]), o resultado dessa
busca pela essência da verdadeira religião era um sentimento de distancia-
mento das declarações conflitantes de verdade das várias seitas cristãs e até
mesmo das várias religiões do mundo. “A queixa era geral”, observou um
crítico da ortodoxia, “da frieza e indiferença com que as pessoas receberam
os pontos especulativos do cristianismo e todos seus rituais sagrados” (Tin.
Cr. 1 [1730:2]); os líderes da igreja culpavam a preocupação com a religião
natural. Havia amplo reconhecimento de que a unanimidade religiosa e
doutrinai era impossível exceto sobre alguns poucos “primeiros princípios
gerais” (Reim .Apol. 1.1.5.13 [Alexander 1:177]). Por conseguinte, conforme
Thomas Jefferson observou, “a religião está bem sustentada; de vários tipos,
na verdade, mas todos bons o bastante; todos suficientes para preservar a paz
A essência da verdadeira religião Λ
Ψ 173
e a ordem” (Jeff. Vir 17 [Peterson, p. 287]). Qualquer coisa mais que isso não
tinha de ser im posto à consciência de alguém (Tol. Milt. [1699:79]). E irônico
que o século XVIII também tenha sido um tempo de rápida expansão do
esforço missionário cristão, em especial no protestantismo pietista depois
de um período de relativa inatividade na esteira da Reforma (Zinz. Zst. 24
[Beyreuther 3-11:186-92]). Muitas das implicações doutrinais dessa expansão
se fizeram sentir apenas mais tarde (veja p. 366-67 abaixo).
N o entanto, mesmo agora essas preocupações levantaram com nova força
e pungência a situação do resto da raça humana: “Minha própria salvação”,
exclamou Reimarus, “perde-se em meio aos clamores comoventes de milhões
de almas condenadas à tortura sem-fim!” (Reim.A pol int. 7 [Alexander 1:50]).
Ou na formulação de Tindal, seria possível “dizer que [Cristo] foi enviado
com o um Salvador da humanidade se ele vem para fechar as portas do céu
contra aqueles a quem antes elas estavam abertas, desde que seguissem os
ditames da consciência?” (Tin. Cr. 13 [1730:250]). Durante esse período, um
pequeno número de cristãos radicais, na Inglaterra e no Continente, tornou
claro e definido o que um número muito maior parece considerar pelo me-
nos uma possibilidade e uma hipótese (Swed. Cael. 36.318 [1890:191]) — a
universalidade da salvação (Dipp. Ort. 6 [1699:86-87]). Se “todas as nações do
mundo estão de acordo no artigo essencial do cristianismo”, o amor a Deus
e ao próximo (Swed. Cael 3.15,27.238 [1890:18,135]), a isso parece se seguir
que tudo finalmente seria reconciliado em um (Pet. Myst. pr. 11 [1700-I:B4r]).
Esse era “o evangelho eterno, a mensagem jubilosa da ‘restaurafção] [de] todas
as coisas’ ” (At 3.21), seja qual fosse o sentido original dessa frase bíblica (Ern.
Opuse. 9 [Fritsch, p. 437-41]). Esse reavivamento do universalismo evocava
o amplo ataque da ortodoxia. “Para a universalidade de todos os hom ens”,
declarou um calvinista, “substituímos a universalidade do eleito” (Cone. Rei.
riv. 2.2.8.1 [1754-1:330]; Naud. Myst. 2.3.82 [1713:203-4]); Wrns. Myst. 17.14
[1729:190]). O universalismo, insistia um pregador luterano da corte (Mrck.
Comp. 20.25 [Velzen 18:408]), era uma extensão injustificável do amor de Deus
(Engsch. Pet. [1720:89, 110]) e uma violação dos meios da graça aos quais a
igreja estava ligada, embora Deus, conforme tinha de ser reconhecido aos
universalistas (Dipp. Ort. 6 [1699:92]), não estivesse obrigado a agir conforme
esses meios (Stod. Conv. 3 [1719:13]; Tnnt. Nec. 1 [1743:8]).
As duas principais origens para o desenvolvimento da teologia especu-
lativa — Orígenes, no Oriente, e Agostinho, no Ocidente — também eram
figuras-chaves no desenvolvimento da resposta cristã à questão da particu-
laridade e universalidade. Além disso, para cada um deles, uma passagem das
174 ♦♦♦ A OBJETIVIDADE DA REVELAÇÃO TRANSCENDENTE

epístolas paulinas fora o cerne do problema: para Agostinho, a declaração de


ITim óteo 2 de que “Deus, nosso Salvador, [...] deseja que todos os homens
sejam salvos e cheguem ao conhecimento da verdade” (lT m 2.3,4); para
Orígenes, a promessa de 1Corintios 15 no fim da historia de que “quando,
porém, tudo lhe [a Cristo] estiver sujeito, então o próprio Filho se sujeitará
àquele que todas as coisas lhe sujeitou, a fim de que Deus seja tudo em to-
dos” (ICo 15.28).
O s artifícios de Agostinho para harmonizar essa universalidade da von-
tade de D eus para a salvação de “todos os hom ens” com sua doutrina da
predestinação absoluta (Gaz. Prael 2.5.3.178 [1831-11:155-56]), de acordo
com a qual a particularidade da vontade de Deus para a salvação só de certos
indivíduos sempre alcança seu objetivo, levou-o a propor várias soluções
exegéticas (veja vol. 1, p. 324), que continuaram a exigir séria atenção desde
a Idade Média até o século XVIII (veja vol. 1, p. 328-30; vol. 3, p. 126-28,
330; vol. 4, p. 90-91,302). A sugestão de Agostinho de que “tudo” se referia
a todas as classes de seres humanos, não a todos os indivíduos parecia es-
pecialmente atraente (Amrt. Teol eciecA.6.3 [1752-1-1:125-27]; Bert. Aug. 4.1
[1747-11:127]). As doutrinas da predestinação do calvinismo no século XVI
e do jansenismo no século XVII (Bert. Teol. disc. 17.4 [1792-111:224-25]),
ambas as quais reivindicavam de forma contundente o legado agostiniano
(veja vol. 4, p. 289-90, 444-54) e afirmavam que havia “apenas uns poucos
que vão para o céu” (Bnyn. Lei gr. 2 [Sharrock 2:143]), tornaram imperativo
afirmar a doutrina da vontade salvífica universal de D eus (Baum. Pred. 1.10
[Kirchner 1:309-11]) enquanto afirmam que isso não exigia que toda punição
fosse de fato corretiva (Ag. Civ. 21.13 [CCSL 48:778-80]; Cone. Rei. riv. 5.2.13
[1754-11:444-55]). H ouve alguns que encontraram ajuda na distinção medie-
vai entre o “antecedente” universalista (Bert. Teol. disc. 5.1 [1792-1:215-16];
veja vol. 4, p. 90) e a “consequente” vontade particularista de D eus (CTrid.
6. Dec. 3 [Alberigo-Jedin, p. 672]). Com o o Concilio de Trento colocou a
questão: “Embora [Cristo] tenha morrido por todos, ainda assim, nem todos
recebem o benefício de sua morte, mas apenas aqueles a quem o mérito de
sua paixão é transmitido” (Bert. Aug. 4.1 [1747-11:201]; Hno. Teol. 6.1.16.3
[1785-VL379-83]).
Essas resoluções para o paradoxo continuaram a afirmar a lealdade
daqueles em toda a igreja que defendiam o ensinamento tradicional sobre a
justiça divina (Dor. Pet. 8 [1718:23-24]), quer esta incluísse dupla predestina-
ção quer não. Os radicais que ameaçavam mudar o inferno em purgatório,
contra os “universalistas reformados” (Mrck. Comp. 20.24 [Velzen 18:405-8];
A essência da verdadeira religião ♦♦♦ 175
Engsch. Pet. [1720:119]), argumentavam que o universalismo (Strim. Un. ev.
1.22 [1711:29-31]; Tnnt. Nec. 1 [1743:23,11]) não era uma implicação neces-
sária da misericórdia divina (Dor. Pet. 12 [1718:34]; Stod. Sfiy. 10 [1687:275]).
Todavia, muitos estavam cada vez mais inclinados a “ampliar a misericórdia
de D eu s” mais que sua justiça e, por conseguinte, ver com novos olhos es-
sas passagens do N ovo Testamento que “pareciam transmitir que aqueles
que fazem o melhor uso possível da pequena medida de luz que lhes é dada
serão julgados de acordo com isso” (Brnt. A rt. X X X IX . 18 [1700:172-73];
Poir. Oec. div. 3.13 [1705-1:749-62]). Para um pequeno número, mas cada vez
maior, isso ainda não era suficiente. “Será que não é obrigação”, pergunta-
vam eles, “daqueles que tornam qualquer revelação externa tão necessária
para a felicidade de toda a humanidade mostrar com o isso é consistente com
a noção do ser de D eus universalmente benevolente não ter revelado esse
fato para todos seus filhos quando todos têm a mesma necessidade disso?”
(Tin. Cr. 12 [1730:196]). As palavras de Paulo em ITim óteo 2, à luz dessa
pergunta, pareciam ser “total universalismo” (Pet. Myst. pr. 2 [1700-I:Alr]),
e a especulação de Orígenes sobre a salvação universal parecia ainda mais
atraente que nunca.
Embora a condenação dessa especulação pela igreja da Antiguidade (veja
vol. 1, p. 164-65) também se aplicasse aos defensores modernos da salvação
universal (Engsch. Pet. [1720:95]), eles, em alguns aspectos, pareciam ser
piores que Orígenes, pois este a apresentara apenas com o uma possibilida-
de (Lmp. Ew. Str. 2 [1729:196-206]), e não tinha conhecimento dos perigos
dessa doutrina (Neum. Wied. 5 [n.d.:83]). A ortodoxia rejeitou o esforço de
alguns dos seguidores atuais de Orígenes de atribuir a doutrina universalista
da “restauração” deste a Gregário de Nissa, cuja posição com o pai da igreja
de inquestionável ortodoxia lhe rendeu imerecida respeitabilidade (Allat. Purg.
23 [1655:166-77]; Lmp. Ew. Str. 1 [1729:173]). Orígenes foi levado a se desviar
pela teoria da preexistência das almas (Brnt. A rt. X X X IX . 9 [1700:110]) e
uma versão relacionada da doutrina do livre-arbítrio (Tnnt. Nec. 1 [1743:23];
Lmp. Ew. Str. 2 [1729:206, 307]), e ele forçara seu universalismo à salvação
final não só de toda a raça humana, mas também do demônio, uma teoria
condenada na época e que precisa ser rejeitada agora (Engsch. Pet. [1720:15]).
N ão obstante, sua formidável posição com o talvez o exegeta mais bri-
lhante do cristianismo primitivo tornou impossível evitar a responsabilidade
de aceitar o aparente universalismo da profecia em 1Corintios 15 (Ern. Opuse.
10 [Fritsch 448-49, 460-61]; Sem. Erud. 1759-1:39]) de que Cristo, no final,
entregaria seu reino particular ao governo universal de Deus, que seria então
176 * A OBJETIVIDADE DA REVELAÇÃO TRANSCENDENTE

“tudo em todos” (Zinz. Aug. Conf. 4 [Beyreuther 6-11:96-97]). Essas palavras


não eram inconsistentes com a doutrina ortodoxa da Trindade (Spen. Bed.
1.1.55 [Canstein 1:298-300]), pois pertenciam “apenas ao propósito do reino
econôm ico de Cristo, que ele estava administrando na igreja militante na terra
até o julgamento final” (Lmp. Hw. Str. 1, 2 [1729:53, 66]) e, por conseguinte,
a seu reino por meio da palavra e do sacramento, que seria substituído pela
igreja triunfante; essas palavras não podiam ser usadas para sustentar a salva-
ção universal. Conforme os credos e confissões da igreja afirmavam de modo
unânime: “Seu reino não terá fim” (Zinz. Red. 4 [Beyreuther 1-11:57]). Houve
ainda — em face das “especulações” universalistas de Orígenes e também das
“especulações” ligadas à predestinação de Agostinho {Symb. Nic. —CP [Schaff
2:57]; Conf. Aug. 3.4 [Bek., p. 54]) — um aprofundamento do sentimento de
que era possível afirmar de forma inequívoca a doutrina da redenção final do
demônio e, ainda assim, que o indivíduo devia manter essa noção com o “o
desejo de um coração devoto” (Zinz. Hom. 30 [Beyreuther 3-1:307]).
As noções da existência de Deus e da imortalidade da alma, conforme
o conteúdo fundamental da essência da verdadeira religião, não só corres-
pondiam as pressuposições não testadas — e até aqui tudo menos inques-
tionáveis — e naturais da revelação sobrenatural. Elas também eram o que
Immanuel Kant identificava com o “as duas proposições essenciais da razão
pura”; pois nenhuma delas, conforme argumentava ele, jamais conseguida
prover “demonstrações suficientes” da razão pura e seriam “sempre trans-
cendentes para a razão especulativa” (Knt. Krit. rn. Vern. 2.1.2 [Cassirer
3:500-12]). N em aqueles que as defendiam fundamentados apenas na razão
nem os que as rejeitavam com base nesses fundamentos podiam reivindicar
a verificabilidade objetiva e racional. O esforço filosófico de Kant — embora
esse seu “aspecto negativo” não consistisse em “uma tentativa de discutir ou
até mesmo de lançar dúvida na realidade ou irrealidade metafísica” dessas
proposições essenciais — com certeza, não consistia em uma “crítica dos
meios pelos quais era conhecido” e do meio pelo qual tinha de ser estabele-
cido (Brth. Prot. teol. [1947:245]). Os defensores da doutrina recebida, citando
a fórmula apostólica: “Passo agora a mostrar-lhes um caminho ainda mais
excelente” (ICo 12.31), a saber, o caminho do amor, viam-se agora obriga-
dos a se voltar para qualquer lugar em busca de prova (Zinz. Pond. Pred. 4.14
[Beyreuther 5-11:116]; Beng. Gnom. ICo 12:31 [Steudel, p. 667]; Wsly. Serm.
24.3.2-3 [Baker 1:542-43]).
3
A teologia do coração

Quando Immanuel Kant, autor de uma definição do Iluminismo (veja


p. 113 acima) que é tudo menos canônica e da obra Crítica da ra^ão pura,
na qual os princípios fundamentais da “essência da verdadeira religião”
foram identificados com o antinomias que não podiam ser provadas nem
desmentidas só pela razão (veja p. 176 acima), concluiu sua obra Crítica da
ra^ãoprática, de 1788, com a confissão de que “duas coisas enchem a mente
com maravilhamento e temor sempre novo e cada vez maior”, a saber, “o
céu estrelado acima de mim e a lei moral em mim” (Knt. Krít. pr. Vem. 2.
con. [Cassirer 5:174]), muitos defensores da fé no século XVIII viram essa
declaração com o uma confirmação filosófica da crença, já difundida entre
os teólogos durante aquele século, de que Deus abria uma porta para a fé
depois de ter fechado outra porta. “A lei moral em mim” e toda a gama de
afetos, obrigações e experiências que a acompanham na vida interior podiam
se destacar mesmo quando os fundamentos supostamente transcendentes
da fé demonstrados pelo “céu estrelado acima de mim” estavam sujeitos a
persistente ataque. “As vezes fico quase inclinado a acreditar”, comentou um
observador especialmente arguto e sensitivo, “que a sabedoria de Deus, na
maioria das últimas eras, permite que a evidência externa do cristianismo seja
mais ou menos obstruída e dificultada por esse mesmo propósito de que os
homens (em especial, reflexivos) não podem descansar completamente aí,
mas são obrigados também a examinar seu interior e prestar atenção à luz
que brilha em seu coração” (Wsly. Rei. cl. 3.4-5 \LPT, p. 192]).
Nada, assim parecia, podia ser mais “oportuno” (Wsly. Serm. 1.3.8 [Baker
1:128]); pois por causa dos “fariseus modernos” que “aprenderam a falar de
modo um pouco mais ortodoxo sobre o novo nascimento” enquanto con-
tinuavam “muitíssimo estranhos ao sentimento de experimentá-lo” (Tnnt.
1/8 ♦♦♦ A TEOLOGIA DO CORAÇÃO

Dang. [1742:11-12]) com o sempre, a resposta autêntica para a crise da orto-


doxia provocada pelos “tempos calamitosos em que vivem os” (Terst. Bros.
3.3 [Becher 5:127]) foi uma “experiência” mais intensa da “santa reclusão
com o noivo celestial” (Arb. Des. myst. pr. [1764:A3r], Arb. Inst. pr. [1765:iiir]).
Quando os promotores dessa vida interior falavam de “teologia”, eles não
se referiam ao “Iluminismo \Aufklarung]” humano, mas à “iluminação divina
\gottliche Erleuchtung^” (Spen. Gtts. 5 [1680:185-86]). A o lema do Iluminismo:
“Ouse saber” (veja p. 113 acima), eles opuseram o lema do evangelho: “Ouse
acreditar” (Wsly. Serm. 21.1.12 [Baker 1:482]). “O quase cristão” (Wsly. Serm.
2.1 [Baker 1:131]), o crente nominal, mas não de fato, precisava progredir
para “a principal fonte da religião prática” (Terst. Bros. 2.2 [Becher 4:47]),
ou seja, “da mera religião externa” (Tnnt. Serm. 2 [1744:29]) para a “religião
do coração” (Wsly. Serm. pr. 6 [Baker 1:106]), que estava além do argumento
racional (Zinz. Lond. Pred. 2.1 [Beyreuther 5-1:154]). “Deus busca o coração
inteiro, a alma completa” (Mrkrd. Off. 3 [1722:11]), assim, o argumento da
moralidade para a religião e da experiência subjetiva da alma para a realidade
de D eus (Wlff. Nat. Gott. 366 [1744-1:360]) não era menos legítimo que os
argumentos cosm ológicos tradicionais para a existência de D eus (veja vol. 3,
p. 337-46; vol. 4, p. 418-21). John Jamieson — para documentar essa teologia
nova e simples, compreensível para qualquer coração sincero — pregou uma
série de cinquenta sermões, cada um dos quais tratando de algum aspecto da
superioridade da religião do coração sobre a do entendimento (Zinz. Lond.
Pred.S.\ [Beyreuther 5-1:157-58]; Wsly. Serm. int. 1 [Baker 2:155-56]), e Pierre
Poiret publicou uma coletânea de tratados em francês (Jam. Serm. 32 [1789-
11:136]) sobre esses temas e relacionados a eles por aqueles que o subtítulo
identificava com o “almas simples e puras” passadas e presentes, sob o título
geral Aí teologia do coração (Poir. Teol. cr. [1690:i]). Cada um dos temas doutrinais
envolvidos na defesa da objetividade da revelação transcendente era suscetível
de tratamento, e de defesa, em outra modalidade.

A transposição afetiva da doutrina


O milagre, o mistério e a autoridade, cuja validade com o realidades objeti-
vas parecia ter chegado a um beco sem saída (veja p. 114-28 acima), adquiriram
nova vida quando eles, em vez disso, passaram a ser formas de falar sobre a
validade subjetiva da experiência interior. O milagre era visto em relação a sua
“utilidade para a alma do cristão individual” (Frnck. Pred. Epiph. 2 [1699:55])
com o aquilo por meio do qual “passamos a ser com o crianças em nossa
devoção e simplicidade de coração” (Terst. Bros. 1.2 [Becher 3:63]); nesse
A transposição afetiva da doutrina 179

sentido, “toda resposta à oração é apropriadamente um milagre” (Wsly. Serm.


6.7.22 [Baker 2:546]), quando D eus move o coração (Fén. Inst. 32 [Gosselin
6:141]). Até mesmo os defensores do mistério sobrenatural lançaram mão
do argumento de que se “refere ao mistério do Senhor no interior daqueles
que creem nele” (Nss. Dipp. 1 [1701:19-20]) e distinguiam os mistérios da
superstição precisamente sobre o fundamento de que as últimas “não levam
um hom em à vida interior (Poir. Oec. div. 3.10 [1705-1:720]), aos íntimos re-
cessos de seu coração”; o mistério era incompreensível, enquanto a virtude
e a moralidade eram visíveis (Cone. Rei. riv. 3.1 [1754:355-56]). Entrementes,
seus oponentes radicais distinguiam o cristianismo autêntico e original, uma
“religião interior natural” que era “antes fácil e clara” (Tin. Cr. 8 [1730:92]),
dos “mistérios” posteriores que surgiram quando o “cristianismo foi posto no
mesmo patamar dos mistérios de Ceres ou das orgias de Baco” (Tol. Myst. 3.5
[1696:160]), os quais “os sacerdotes [...] impuseram à credulidade das pessoas”
(Tin. Cr. 13 [1730:282]; Mt 7.29). A “autoridade [εξουσία] [especial]”, que o
N ovo Testamento atribuiu ao ensinamento de Cristo com o a qualidade que
o distinguía de seus contemporâneos (Zinz. Rei. 5 [Beyreuther 6-1:82]; Tnnt.
Dang. 1742:6]), referia-se à experiência do coração, ao sentimento interior
por m eio do qual a palavra exterior se autenticava (Beb. Gl. 1 [1685:24-25];
Cone. Rei. riv. 4.15 [1754-11:132]).
N em era necessário aceitar com o válidas todas as conclusões negativas às
quais pareciam que a pesquisa histórica levava (veja p. 129-46 acima). Assim,
a análise crítica histórica da exegese cristã das ditas profecias messiânicas do
Antigo Testamento concluiu que um cristão que, ainda assim, conseguia “ver
Cristo no Antigo Testamento em uma passagem na qual outra pessoa não
parecia vê-lo de maneira alguma” tinha acima de tudo de ter certeza de “que
também o recebe no coração, com sua brandura e gentileza, para que não o
veja em vão” (Ern. Opuse. 10 [Fritsch, p. 477]). A “breve história da igreja”
apresentada na parábola dos trabalhadores na vinha (Mt 20.1-16) podia, e
devia, ser aplicada também às diversas gerações dos indivíduos (Frnck. Pred.
Sept. [1700:12-13]). Mas o que era necessário era uma nova historiografia
“que lidasse com outra coisa que não a caça de heresia e os vários assuntos
misturados que são conduzidos no mundo em nom e da religião” (Zinz. Aug.
Conf. 19 [Beyreuther 6-11:305-7]). Essa história, ao se concentrar em figuras
com o de Bernardo de Claraval, Boaventura, os hussitas e Lutero (Fuse. Sac. cr.
[1756:9]), identificaria a sucessão ao longo dos séculos daqueles que mostra-
ram “que a noiva [a igreja] tem estado sempre apaixonada por seu noivo” e,
por conseguinte, descobriría a continuidade genuína, em vez do movimento
18 0 A TEOLOGIA DO CORAÇÃO

em ziguezague da história da igreja do “hiato” para a “lacuna” que agora


dominava os relatos históricos (Zinz.^4#g. Conf. 19 [Beyreuther 6-11:307-10]).
As controvérsias passadas e presentes sobre a pessoa e a obra de Cris-
to, com o parte da história da igreja, exigiam uma mudança semelhante de
perspectiva (veja p. 146-59 acima). Um tratado franciscano, que confessou
na terminologia técnica do Concilio da Calcedonia, de 451 (veja vol. 1, p.
269-72), o antigo dogma ortodoxo da “união hipostática” entre “a divindade
impassível e gloriosa” da segunda pessoa da Trindade e “a fraqueza mortal”
(Fuse. Sac. cr. [1756:21-22]) da natureza humana de Jesus Cristo e que repe-
tia as fórmulas dogmáticas contra o monotelismo do Terceiro Concilio de
Constantinopla, de 681 (veja vol. 2, p. 92-100), sobre sua “mais santa dupla
vontade” (Fuse. Sac. cr. [1756:9-10]), invocava toda essa linguagem de credo
a fim de promover uma devoção ao culto do sagrado coração de Jesus. A
ênfase na transfiguração de Cristo (veja vol. 2, p. 280,285) com o o evento por
meio do qual Cristo veio a se manifestar depois de ter “escondido o poder
de seu reino” (Fl. SI. 186 [Soc. Fil. 3:374]) continuou a ser uma marca carac-
terística do dogma e devoção ortodoxos orientais em oposição à “filosofia
desta geração” (Fil. SI. 12 [Soc. Fil. 1:101]), mas, para outros, podia também
significar que “o antegozo da vida eterna consiste na transfiguração de Cristo
em nosso interior” (Frnck. Pred. Epiph. 6 [1699:37]). Da mesma maneira, a
interpretação da morte de Cristo com o a satisfação prestada à justiça divina
pelo pecado humano, que era igualmente uma marca característica do dogma
e devoção ocidentais (Franck. Pred. Adv. 3 [1699:74-75]; veja vol. 3, p. 177-
86), passou a ser um meio para a iluminação do Espírito Santo no coração do
indivíduo, por intermédio da consideração dos “pesares da alma” de Cristo
(Mrck. Syl. 8.1 [Velzen 15:253]), que eram o conteúdo e o preço da satisfação
pelo pecado (Zinz. Red. 7 [Beyreuther 1-11:91]). “O que ele sofreu por nós”
ainda era “o principal objeto” de uma contemplação da cruz e da paixão
que agrada a Deus; mas uma teologia não seria “genuinamente apostólica”
se deixasse de “construir sobre esse alicerce também as doutrinas divinas de
com o Cristo existe, vive, habita e opera em nós por meio da fé” (Frnck. Pass.
Marc. pr. [1724:A4v-A5v]).
Para muitos defensores e também para a maioria dos críticos da crença
tradicional, a busca pela essência da verdadeira religião (veja p. 159-76 acima)
com o uma “presença [objetiva] de coisas fora de mim m esm o” parecia ter se
esfacelado (Lmp. Teol. nat. 66 [1734:21]). N o lugar dessa “essência rançosa
e fria do cristianismo” era necessário (Frnck. Pred. Adv. 1 [1699:63]), preci-
sámente em uma “exposição da doutrina cristã, ponderar seriamente” (Arb.
A transposição afetiva da doutrina ♦♦♦ 181
Inst. 1.20.1 [1765:98]; Wsly. Serm. 3.2.1-2 [Baker 1:147]) e “despertar” para a
descoberta de que a essência não consistia de “conhecimento, comprovação
e palavrório nem de altas especulações” nem, tampouco, “de todos os tipos
de opiniões estranhas”, mas o “verdadeiro cristianismo consiste disto: que
o indivíduo reconheça o Senhor Jesus com o Salvador pessoal e Senhor”
(Frnck. Id. 4 [Peschke, p. 173]; Wsly. tRel. ci. 2.7 [.LPT [ p. 189]). Para a lamen-
tável questão levantada pelo relativismo: “Onde será que está a verdadeira
religião cristã em meio a tantas formas de religião?”; a resposta era: “Ela está
completamente na alma de todos os verdadeiros cristãos independentemente
da facção”, que era de fato onde ela sempre estivera (Sem. Rei. 11 [Schütz,
p. 61]). Os afetos humanos foram dados por D eus “para que possam ser
subservientes ao principal objetivo dos homens, e o grande propósito para o
qual D eus os criou, ou seja, o propósito da religião” (Edw. Rei. Aff. 1 [Miller
2:122]). Embora o Espírito Santo não contradissesse a razão, ele transcendia
a razão e era “a divindade que habita n o” coração humano (Lw. Cr. perf. 9
[Moreton 3:150]) de m odo que “o sentimento que repousa naturalmente no
coração humano” (Mynst. Betr. 3 [1846-1:20-31]) enquanto ele se movia além
dos “pensamentos” para os “sentimentos afetivos” (Fén. Man.piét. 1 [Gosselin
6:7-8]) era uma prova da existência de D eus e uma forma de descobrir os
atributos de Deus; pois “uma vez que Cristo mesmo fale ao coração (Wlff.
Nat. Gott. 70 [1744-1:43-4]), a evidência mais forte não terá força” (Jam.
Serm. 40 [1789-11:277]). A essência da verdadeira religião era mais que afeição
subjetiva (Edw. Rei. Aff. 1 [Miller 2:120]), mas não era menos que isso; não
podia ser equiparada à moralidade, mas também não podia ser separada dela
(Lschr. Pens. pr. [1724:7]).
A dicotomía (veja vol. 4, p. 67) entre a autenticidade dessa “teologia [pri-
vada] do coração” e a artificialidade da teologia confessional pública e política
das igrejas, entre a religião “privada” e “pública” (Sem. Rei. 1 [Schütz, p. 4-5]),
que se aplicava a todas as igrejas “em todos os tipos de formas” (Sem. Rei.
11 [Schütz, p. 64-65]), era uma epítome da crise da ortodoxia. Começava a
soar anacrônica quando um recém-designado professor de teologia afirmou
a continuidade entre sua cátedra na universidade e seu cargo pastoral (Lschr.
Del. [1707:9]). A indiferença de uma teologia do coração com os pormenores
da distinção doutrinai entre as várias confissões parecia substituir a experiência
obtida por intermédio da Escritura (Terst. Ep. 2.76 [Becher 6:172-77]; Wrns.
Myst. 9.3 [1729:92]), sugerindo uma rejeição da obrigação ortodoxa de “con-
fessar tanto privada quanto publicamente os dogmas necessários da igreja
católica” conform e definidos na “fé ortodoxa irrepreensível e nas tradições
182 ♦ ♦ ♦ A TEOLOGIADOCORAÇÃO

da igreja, evitando toda inovação” (Mrkrd. Off. 4 [1722:15]); e representava


nada menos que um reversão da relação entre “ensinar” e “confessar” (e
isso para não falar em “crer”) na própria definição de doutrina (veja vol. 1,
p. 25-29; vol. 4, p. 58-61). As igrejas da Reforma (Sem. Erud.. [1765-11:147]),
em sua posição pública, por uma mistura de motivos políticos e teológicos,
lançaram declarações confessionais, em uma variedade confusa (Sem. Rei. 18
[Schütz, p. 138-40]). Mas a intenção era que elas fossem apenas declarações
de independência de uma igreja despótica e, por conseguinte, possuíssem
agora “apenas uma autoridade externa e política” (Sem. Rei. 38 [Schütz, p.
310-12]), e não propriamente o tipo de norma doutrinai que passaram a ser
em algumas igrejas (Sem. Rei. 19 [Schütz, p. 145]).
Portanto, a “teologia, com o um chamado e uma profissão de acadêmicos,
tem um propósito totalmente distinto daquele da religião cristã com o uma
afiliação pública e política das pessoas” (Sem. Erkl. 1.2 [1777:39-40]''. Disso,
seguia-se que “a preparação para a erudição teológica no nosso século é e
deve ser completamente diferente” do que foi nos séculos anteriores (Sem.
Erkl. 2 [1777:158-61]). O teólogo individual, funcionando “privadamente”
com o um estudioso acadêmico e professor de cristianismo, “não [tem] dog-
mas”: ele não era responsável por nenhuma “doutrina pública” de qualquer
igreja, mas apenas junto ao fórum da consciência (Sem. Rei. 28 [Schütz, p.
234-35]), e sua obra tinha autonomia técnica (Ern. Opuse. 11 [Fritsch, p.
484]). N o computo geral, o julgamento não foi tão severo quando um crítico
dessa posição declarou que ela, executada de m odo consistente, equivalia ao
“enterro” da confissão, credo e doutrina da igreja (Casp. Beyl. 1 [1724:20]).
Ainda assim, era possível afirmar que “essa nossa confissão, essa religião do
coração, transforma todos aqueles livros simbólicos cuja verdade ela aceita
nos puros credos do coração” (Zinz. Gem. 1 [Beyreuther 4-1:6]), a forma
com o as confissões queriam ser entendidas. Se todos os livros simbólicos
tivessem de ser destruídos, eles poderíam ser reconstruídos a partir do que
está no coração dos verdadeiros cristãos (Zinz. Aug. Conf. pr. [Beyreuther
6-II:iv]; Syn. Br. Auf. [1748] [Beyreuther 6-11:4]).
Por conseguinte, os principais credos e confissões das igrejas históricas,
cada um de sua própria maneira, todos se prestaram à transposição à luz da
teologia do coração, o termo “cremos” passou a ser “creio” (Zinz. Eond. Pred.
1.12 [Beyreuther 5-1:109]). Isso estava acontecendo não só no protestantismo
britânico e Continental, o que, em algum sentido, era esperado, mas também
na ortodoxia oriental e no catolicismo-romano, em que a mudança também
conseguiu se vincular aos desenvolvimentos anteriores na espiritualidade
A transposição afetiva da doutrina 183

e na teologia (veja vol. 2, p. 273-89; vol. 3, p. 357-60). Os cristãos orientais


— contra a teologia ocidental, quer católica-romana quer protestante — ar-
gumentavam que todos os dogmas da igreja já estavam contidos nos credos
históricos, em especial naqueles dos concilios de Niceia e de Constantinopla
(Strz. Man. 1.3, 1.4 [1828:22, 40-41]); mas parecia apropriado acrescentar a
explicação de que a intenção era que esses dogmas fossem aceitos e seguidos
pessoalmente pelos cristãos individuais (Strz. Man. 2.3 [1828:54]), uma vez
que o “dogma” passara a ser um “mandamento” (Fil. Sl. 279 [50c. Fil. 4:401-
6]). O Concilio de Trento, contra a Reforma protestante, definiu “o legítimo
uso das imagens” (veja vol. 4, p. 327-29) com o aquele que conferia a ele a
“honra e a veneração devidas”, mas sem qualquer noção de “divindade ou
virtude” nas imagens com o tal (CTrid. 25 Deer. 1 [Alberigo-Jedin, p. 775]);
mas era necessário explicar que o propósito dessa legislação doutrinai era
“espiritualizar nossos afetos” e despertá-los para “uma autêntica devoção”
(Arb. Des. myst. 3.12 [1764:471]).
A doutrina das confissões protestantes passou por uma transposição si-
milar. Gilbert Tennent, contra Zinzendorf e os morávios, defendeu a Confissão
defé de Westminster (Tnnt. Nec. 3 [1743:60]) com o um “precioso sistema de
verdades”, parte do “harmonioso sufrágio das igrejas reformadas” de todas
as terras em suas confissões (Tnnt. Disc. pr. 1 [1745:iv, 45-46]; Tnnt. Serm. 1
[1744:10-11]); mas isso, afirmou ele em um discurso intitulado Os perigos de
um ministério ao não convertido, era a clara sugestão dos “pontos de calvinismo”
afirmados nesses padrões que “o ministério dos homens naturais é perigoso”
e que a conversão pessoal do ministro era requisito para o ministério eficaz
(Tnnt. Dang. [1742:9]). John Wesley — contra o intelectualismo no qual às
vezes, conform e acusou, a dogmática confessional tinha caído (Wsly. Rei. cl.
3.5-6 [LPT, p. 192-93]) — acusou que “um homem pode aderir a três ou vinte
e três credos [...] e ainda assim não ter de m odo algum a fé cristã” (Wsly. Rei
cl. 2.5 [LPT, p. 189]), uma vez que a real natureza da verdadeira religião não
consistia em “ortodoxia ou opiniões corretas” (Wsly. Serm. 7.1.5-6 [Baker
1:220]), mas estava “ainda mais profunda no ‘ser interior’ ” (lP e 3.4); contudo,
Wesley tinha certeza que, nessa insistência com o em sua teologia em geral,
estava de acordo com os 39 Artigos da Igreja da Inglaterra, em que “nossa
própria igreja [anglicana] (como de fato na maioria dos pontos) se comporta
exatamente segundo a [igreja] primitiva” (Wsly. Serm. 13.1.3 [Baker 1:317-18]).
Uma das tentativas mais ambiciosas no século XVIII de transformar
um livro simbólico em um “credo do coração” — tentativa essa que pode,
portanto, servir com o o fundamento para rever o fenôm eno em todas as
184 ♦♦♦ A TEOLOGIADO CORAÇÃO

confissões — foi a reinterpretação da Confissão deAugsburg na obra Vinte e um


discursos sobre a Confissão deAugsburg, de Nikolaus Ludwig Graf von Zinzendorf,
de 1747/48. Os vinte e um discursos não correspondiam ao “sumário das
doutrinas” ( Conf.Aug. conc. \Bek., p. 83c]) nos primeiros vinte e um artigos
da confissão, mas reformula tanto a sequência quanto o conteúdo desses
artigos (Zinz. Aug. Conf. 21 [Beyreuther 6-11:360]). A crítica de Zinzendorf
de que a confissão exterior sem a convicção interior era uma simulação (Zinz.
Rei. 2 [Beyreuther 6-1:17]) pareceu a seus críticos substituir o critério con-
fessional da doutrina pura e do entendimento correto pela “sensação pura
sem entraves para o entendimento” (Beng. Brud. 2.43 [1751:322-23]; Tnnt.
Nec. 3 [1743:60]). Mas ele se sentiu capaz de afirmar a autoridade do Livro de
Concórdia para seu princípio de que a fé “não [estava] nos pensamentos nem
na mente, mas no coração, uma luz acesa no coração” (Zinz. Ojfi Red. 12
[Beyreuther 2-IV:112]). Ele não poderia, explicou Zinzendorf, ter qualquer
parte na “rejeição da Confissão deAugsbur¿, (Zinz .Aug. Conf. 21 [Beyreuther
6-11:363-64]) que passou a ser moda entre certos teólogos. Ele apreciava a
confissão porque, em suas próprias polêmicas contra a “demonstração e
a disputa” (Zinz. Zst. 44 [Beyreuther 3-II.351-52]), ela recusava de forma
consistente a “demonstração” a priori de artigos de fé, mas se contentava
em “afirmá[-los]” com base na Escritura (Zinz. Aug. Conf. 13 [Beyreuther
6-11:232-33]); e ele deu crédito à Confissão de Augsburg por ter resgatado seus
próprios irmãos em Cristo do caos doutrinai a que sua ingenuidade teológica
os levara (Zinz .Aug. Conf. 21 [Beyreuther 6-11:366]).
Os Vinte e um discursos sobre a Confissão de Augsburg, com o um credo do
coração, não iniciam seu primeiro artigo com a doutrina de D eus com o
Trindade, com o o faz a Confissão de Augsburg ( Conf. Aug. 1 [fíek., p. 50-51]),
mas com um exame da “vasta diferença” entre doutrina e fé, entre “ser
cristão” e apenas “reconhecer a verdade” (Zinz. Aug. Conf. 1 [Beyreuther
6-11:41]): o Catecismo menor, de Lutero, transpôs as palavras iniciais do Credo
dos Apóstolos (Sjmb.Apost. [Schaff2:45]): “Creio em D eus [...] Criador” (Lut.
Kl. Kat. 2.2 [Bek., p. 510]) para “Creio que Deus me criou” (Zinz. Aug. Conf.
4 [Beyreuther 6-11:93]). Um autor que exigisse que o indivíduo “cresse em
tudo que nossa santa mãe, a igreja de Roma” (Arb. Inst. 1.20.9 [1765:105])
sustenta em relação aos artigos de fé definiría a “doutrina cristã” (Arb. Des.
mjst. 3.4 [1764:374]) com o a contemplação da virtude (Arb. Inst. 1.20.26
[1765:137]), que se pretendia fosse apreendida pela emoção. “Os novos he-
reges”, conforme foi dito aos católicos-romanos franceses, eram aqueles que
se esforçavam para “estabelecer os dogmas da doutrina por conta própria”
A transposição afetiva da doutrina 185

(Pnch. Diet. pr. [1716:B3v]); contudo, as “questões de doutrina” não eram um


assunto originalmente de conhecimento, mas do coração (Fén. Ep. 10.iii.1696
[Gosselin 8:453]). Conforme Crisóstomo observou: “Cristo discursou rara-
mente sobre dogmas” e os mistérios da fé (Chris. Mat. 64.4 [PG 58:614]),
mas quase exclusivamente sobre a “sinceridade de vida” (Cone. Rei. riv. 3.7
[1754-1:385]); e o mesmo podia ser dito sobre o próprio Crisóstomo (Bert.
Teal. disc. 15.2 [1792-111:164-65]). Embora “o cristianismo real, genuíno”
fosse tanto “um princípio na alma” quanto “um esquema, ou sistema, de
doutrina”, ele, também com o o último, era “aquele sistema de doutrina que
descreve o caráter [cristão] [...] e as promessas que serão minhas” (Wsly. Rei.
cl. 2.1 [LPT, p. 188]); qualquer outro sistema não era mais que um “esqueleto
para o corpo do ensinamento” (Zinz .Aug. Conf. 21 [Beyreuther 6-11:364]).
A advertência do N ovo Testamento contra aqueles que “causam divisões
e colocam obstáculos ao ensino” (Rm 16.17) referia-se “às principais doutrinas
da religião”, o alicerce da verdadeira piedade (Tnnt. Serm. pr. [1744:i]), mas
essa advertência era dirigida específicamente contra aqueles que “alienavam
as em oções dos homens bons uns dos outros” (Tnnt. Nec. 3 [1743:51]). O
termo “doutrina” referia-se a muito mais que os credos, confissões e dogmas
que eram o material da teologia dogmática: havia uma “doutrina” da vida
monástica (Arb. Inst. 8.14 [1765:649]), uma “doutrina” sobre a cura da alma
(Bec. Lóp. Nuev. Ab. [1739:3]) e sobre o exercício da compaixão em rela-
ção aos outros (Bec. Lóp. Sab. prodÃsxt. [1752:5]), uma “doutrina” do modo
apropriado de conduzir uma eleição papal (Cmrda. Const, ap. pr. [1732:vi]),
uma “doutrina” sobre a pureza e perfeição moral (Arb. Des. myst. 1.2, 1.4
[1764:21, 38]). Conforme colocou um teólogo: “A proposição ou doutrina
que levantaria [...] é esta: a verdadeira religião, em grande parte, consiste nas
santas afeições” (Edw. Rei. Aff. 1 [Miller 2:95]); ou, na fórmula de outro teó-
logo, “o que o cristianismo (considerado com o uma doutrina) prometeu é
realizado na minha alma” (Wsly. Rei. cl. 2.12 [LPT, p. 191]). N ão era apenas
uma descrição, mas, em algum sentido, era também um critério quando um
teólogo dinamarquês declarou: “A doutrina em que minha alma encontra
resposta é uma verdade divina” (Mynst. Praed. 60 [1845-11:347]).
Toda doutrina, incluindo a própria doutrina da Trindade, tinha de estar
à altura desse critério. Zinzendorf estava convencido de que com o “nenhum
sistema [...] pode tomar legítimamente seu início do mistério da sagrada Trin-
dade”, o primeiro artigo da Confissão de Augsburg era “um item separado do
resto” (Zinz .Aug. Conf. 2 [Beyreuther 6-11:60-61]). Os teólogos acadêmicos
“que não amam seu Salvador”, não obstante, podiam continuar “falando
18 6 A TEOLOGIADO CORAÇÃO

sobre ο mistério da Trindade” (Zinz. Re¿. 1 [Beyreuther 6-F8-9]). A questão


decisiva na doutrina da Trindade não era, conforme supunham esses teólogos,
o que o Pai, o Filho e o Espírito Santo eram uns para os outros, mas “o que
eles são para nós” (Zinz. Lond. Pred. 5.12 [Beyreuther 5-11:294]). Pôr em uma
fórmula tão absolutamente disjuntiva quanto essa — e o próprio Zinzendorf
nem sempre falava dessa maneira — sua polêmica era com certeza extrema
mesmo em sua época, mas era um exemplo extremo de uma tendência mais
geral a salvar a doutrina da Trindade ao transpô-la. “Austin [...] explica essa
Trindade em Unidade por meio de exemplos de consciência mútua” (Sherl.
Vind. 5 [1690:126]), e a exploração pioneira de Agostinho das “trindades no
íntimo do ser humano” que refletia a Trindade divina (veja vol. 3, p. 50-53)
foi tanto um m odelo quanto uma justificação para a continuação e expansão
dessas especulações. A Trindade, para o compilador de um manual para no-
vatos na vida religiosa, servia principalmente com o um meio para explicar a
relevância de fazer o sinal da cruz na adoração privada e pública (Arb. Inst.
1.20.3-5 [1765:98-101]). O editor de A teologia do coração achou possível resolver
os conflitos históricos do Oriente e Ocidente a respeito do Filioque ao transpor
o Pai, o Filho e o Espírito Santo para as “propriedades da alma”, cada um
dos quais procedia dos outros dois (Poir. Oec. div. 1.14 [1705-1:199-200]). “O
conhecimento do D eus três em um”, que Wesley acreditava ser o significado
da verdadeira ortodoxia, “está entretecido em toda fé cristã verdadeira, em
toda religião vital” (Wsly. Serm. 55.17 [Baker 2:385]).
Os dogmas da Trindade e das duas naturezas em Cristo, “artigos de fé”
que eram (Arb. Inst. 1.20.11 [1765:111-14]), podiam, portanto, ser resumi-
dos na exclamação de que Cristo era o “rei do meu coração” (Strz. Man. 7.2
[1828:303]). Por isso, era possível resumir “todo o conteúdo” da doutrina
cristã como: “pertencemos ao Salvador e passamos a ser um coração e uma
alma com ele, de modo que sua morte e sofrimento [...] jazem constantemente
em nosso coração” (TÀnz.Aug. Conf. 9 [Beyreuther 6-11:186]). Era uma espe-
rança vã e sem fundamento confiar em “um conhecimento histórico de Cristo,
se no processo Cristo permanece estranho a nós e distante de nós”, embora
isso não seja entendido com o sugerindo “no mínimo” que a historicidade dos
eventos do evangelho (Terst. Bros. 2.3 [Becher 4:88-89]), com o a ascensão de
Cristo, não tinha importância. Mas também era possível que sob o invólucro
de uma defesa ortodoxa da historicidade e da verdadeira doutrina, “que eles,
sob o pretexto de querer pregar ‘Jesus para n ós’, tenham a audácia de roubar
Jesus do nosso coração — aquele mesmo que quer ser ‘Jesus em n ós’ ” (Lang.
Nach. 1.11 [1707-1:85]). Cada uma das três funções de Cristo com o profeta,
A transposição afetiva da doutrina ♦♦♦ 187

sacerdote e rei (veja p. 148 acima) tinha de ser entendida não só “externa e
umversalmente”, mas acima de tudo “interna e individualmente” (Terst. Abr.
2.3.10-22 [Becher 2:178-84]). Por conseguinte, “ir a Jesus” com o profeta,
com certeza, significava encontrá-lo na palavra da Escritura, mas isso seria
em vão a menos que “o Espírito Santo opere fé em nós (Frnck. Pred. Laer.
[1700:52]) e por meio de seu poder nos traga para a graça de Cristo”, uma
pessoa de cada vez (Zinz. Aug. Conf. 4 [Beyreuther 6-11:102]). A doutrina de
Cristo era a doutrina do novo nascimento. A devoção católica-romana ao
sagrado coração de Jesus (Fuse. Sac. cr. [1756:9]) encontrou sua contraparte
nas admoestações protestantes com o as de Gerhard Tersteegen: “N osso co-
ração inteiro passa a ser o coração de Jesus, de m odo que ele pode imprimir
seu selo nele e dizer: ‘Este é meu coração’ ” (Terst. Bros. 4.6 [Becher 6:241]).
A transposição emocional da doutrina cristã envolvia todos os artigos
de fé na tradição e todas as questões sobre as quais as igrejas e os teólogos
tinham estado em conflito, para cada um dos quais seria possível aplicar o
princípio de que “não queremos entrar em controvérsias; [...] apenas inves-
tiguemos nosso próprio coração, nossa própria consciência” (Terst. Bros.
2.3 [Becher 4:87]). Os sete sacramentos, conforme afirmados pela Igreja
Ortodoxa Oriental (e também pelo catolicismo-romano) (veja vol. 2, p. 309;
vol. 3, p. 258-59), descreviam a peregrinação da alma desde o nascimento
até a morte (Strz. Man. 6.1 [1828:233-34]). A “presença real” de Cristo no
sacramento da eucaristia era uma presença “no corpo e na alma”, unindo-se
à alma do cristão (Arb. Inst. 20.14 [1765:119]; Zinz .Aug. Conf. 18 [Beyreuther
6-11:294]). A diferença entre a doutrina da presença real e o ensinamento de
que “não vem os nada mais [nos elementos] que o pão é o símbolo e o selo do
corpo crucificado de Cristo, que é verdadeiramente apresentado [<ixhibitum] na
santa ceia” (Wer. Diss. 10.1 [Ryhinerus 1:165]) podia, então, ser reinterpretada
para significar que a eucaristia seria benéfica para todos independentemente
das teorias deles sobre a presença — desde que apenas acreditassem de fato
no que confessavam, fosse o que fosse que confessassem (Poir. Oec. div. 4.7
[1705-11:169-70]). E quando uma criança em sua primeira comunhão decía-
rava: “N ão entendo tudo isso, mas me dá um bom sentimento”, isso “não
[era] tão ruim”, uma vez que a “Escritura chama isso de um sentimento que,
com frequência, é tão bom quanto se a pessoa entendesse as palavras” (Zinz.
Gespr. 3 [Beyreuther 1-111:24]).
Conforme esse apelo ao precedente escriturai sugere, havia um caso forte
a ser montado — um forte caso exegético e hermenêutico e também teológico
e psicológico — para um m étodo de estudo da Bíblia que enfatizasse não só
!88 A TEOLOGIA DO CORAÇÃO

a autoridade dela, mas acima de tudo sua aplicação pessoal (Frnck. Pass. Jo. 6
[1733:98]): “A Escritura não interpretada pelos léxicos e dicionários, mas pelas
doutrinas reveladas por Deus e pelo ensinamento interior e unção do Espírito
Santo” (Lw. Dem. Er. [Moreton 5:20]). O elemento afetivo, também nas passa-
gens em que não havia referência explícita a ele, tinha de ser tirado do texto da
Escritura (Frnck. Mand. Scrip. 10 [1706:107]). A palavra de Deus na Bíblia era de
fato uma luz, mas uma luz cuja intenção era que brilhasse “não apenas diante
dos nossos olhos, mas em nosso coração” (Frnck. Pred. Epiph. 2 [1700:11-12]).
Até mesmo os detalhes insignificantes e “externos” da história bíblica tinham
o propósito de beneficiar “nossa alma” (Frnck. Pass.Jo. [1733:126]) e tinham
de ser lidos dessa maneira. O ponto do principal texto-prova sustentando a
inspiração da Escritura (2Tm 3.16) era enfatizar quão “útil” (veja vol. 4, p.
413-18) a Escritura era em sua “autoridade majestosa e imperiosa” a fim de
tranquilizar individualmente o cristão (Stod. SJty. 11 [1687:336-37]; Stod. Com.
10 [1719:47]). As advertências ortodoxas de que “a palavra externa de Deus
também é a voz interna de D eus” (Deutsch. Lut. 1.4.13 [1698:43-44]), de
m odo que as duas não podem ser separadas, atacava o que era considerado
ter passado a ser uma ênfase excessiva no elemento subjetivo na exegese.
Contudo, o mesmo teólogo que advertira contra “a dependência excessiva do
sentimento pessoal na interpretação da Escritura” (Wer. Diss. 19 [Ryhinerus
1:352-53]), não obstante, podia falar sobre “a certeza subjetiva” que tem
de acompanhar “a certeza objetiva” da exegese (Wer. Mise. 23.1 [Ryhinerus
2:331]). “Quem desejar ir adiante na interpretação da Escritura”, advertiu
Bengel, “tem de explorar para ver de onde vem a motivação pessoal para
fazer isso” (Beng. Gnom. pr. 6 [Steudel, p. xix]).
Uma campanha desse tipo para recuperar a centralidade da “prática”
na definição do cristianismo, por sua própria natureza, estava preocupada
com a piedade secular e o exercício da vida cristã, bem com o com as estru-
turas e instituições concretas da igreja. Esse tipo de campanha exigia uma
“ênfase renovada na pregação bíblica e na experiência do arrependimento e
do novo nascimento, o estabelecimento de conventículos para a edificação
e admoestação mútuas dos cristãos “nascidos de novo” e uma reforma do
treinamento pastoral que colocaria menos ênfase na teologia escolástica
polêmica e mais no desenvolvimento de um ministério sensível preocupado
com a vida devocional e moral prática dos paroquianos” (Erb. [1983], p. xiii).
Contudo, essa resolução “evita todas as abstrações quando diz respeito a
assuntos do coração” (Syn. Br. Auf. [1748] [Beyreuther 6-11:12]) e acima de
tudo para se concentrar nos “assuntos puramente internos” (ZÀnz.Aug. Conf.
Deus e a alma

14 [Beyreuther 6-11:264]) não podia evitar a conexão inseparável (em ambas


as direções) entre a vida cristã e a teologia cristã (Spen. Gtts. 5 [1680:212-13]).
A advertência contra a dependência exclusiva de um entendimento inte-
lectual da doutrina ou da “emoção do coração e da consciência”, argumentou
um líder pietista na Alemanha protestante que tudo isso leva “a uma contí-
nua e persistente luta penitencial, à obra de fé e de amor e à [experiência de]
paciência e esperança” (Frnck. Pred. pr. [1700:B5v]). Um contemporâneo na
Espanha católica-romana com quase as mesmas palavras iniciou seu tratado
sobre as dificuldades que a alma encontrava em sua vida devocional com
um catálogo análogo dos três com ponentes da teologia do coração: “Não
se pode duvidar que as almas abençoadas, as que alcançam o topo da perfeição
nesta vida mortal, são pouquíssimas e raras”; isso era, continuou ele, o que
“a experiência nos ensina” e o que “ 0 Espírito Santo diz” (Arb. Des. myst. int.
[1764:1-2]). E o arcebispo Fénelon descreveu o estado de graça em termos
semelhantes: “N esse estado, a justiça não só é imputada, mas é na verdade
garantida à alma. Isso não significa que a alma tem um espírito de egoísmo,
exatamente o oposto da perfeição·, esse estado, antes, passa a ser real na alma
por intermédio da infusão do Espírito Santo e por meio da entrega total da alma
e sua atividade” (Fén. Ep. ll.v.1689 [Masson, p. 136-37]).

Deus e a alma
N ão foi uma invenção da teologia pietista do século XVIII — antes foi
um dos m étodos padrões da piedade e teologia cristãs em todos os séculos
(Wlff. Nat. Gott. 78 [1744-1:52-53]) — extrair uma correlação entre a obje-
tividade de D eus e a subjetividade do ego. A celebrada fórmula cristológica
da “preexistência, da kenosis e da exaltação” (veja vol. 1, p. 263-72) nas epís-
tolas paulinas foi apresentada com estas palavras: “Seja [essa] a atitude de
vocês” (Fp 2.6-11); e a declaração mais explícita da doutrina da redenção
em outra passagem dos evangelhos sinóticos (veja vol. 1, p. 161-63) — “O
Filho do homem, que não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua
vida em resgate por muitos” — tomou a forma de uma oração subordinada
sustentando a admoestação de Jesus para seus discípulos: “Quem quiser
tornar-se importante entre vocês deverá ser servo” (Mt 20.26-28). Agostinho
forneceu a correlação dessa expressão clássica (veja vol. 1, p. 70) em um de
seus primeiros escritos: “O que você quer saber? Desejo conhecer Deus e a
alma, ou seja, tudo” (Ag. Soliloq. 1.2.7 [PL 32:872]). Esse recurso, nas mãos
de Agostinho e, presumivelmente, também nas do apóstolo Paulo e dos es-
critores dos evangelhos, pressuporia o ensinamento da igreja com o um dado
objetivo e, então, prosseguiría para fundamentar a experiência e a exortação
I9O ♦♦♦ A TEOLOGIA DO CORAÇÃO

subjetivas nisso. Mas agora que a objetividade era ela mesma questionada, a
subjetividade poderla ser chamada a assumir o ônus de verificar o que fora
até aquí capaz de tomar com o garantido.
Alguma combinação das duas metodologias estava em operação na decía-
ração de que “uma reflexão atenta sobre o que percebemos em nós mesmos
nos leva mais adiante do que seja o que for para formar pensamentos justos e
verdadeiros de D eus”, de m odo que “o modo mais intenso de estruturar uma
ideia de D eus é avaliar nossa própria alma” (Brnt .A rt. X X X IX , 1 [1700:41]).
As qualidades da alma, com o a consciência do ego, tinham, portanto, com os
ajustes apropriados de eliminar quaisquer concepções indignas, de ser tam-
bém predicados de Deus, com o os atributos de Deus, com o a onipresença
(Wlff. Nat. Gott. 86, 134, 213 [1744-1:60, 117, 222]), estavam “refletidos no
coração [do cristão]” (Frnck. Gl. 1 [1691:C3r]). A teologia tradicional usa-
va a palavra da sarça ardente para Moisés, “Eu Sou o que Sou” (Ex 3.14),
com o o fundamento para “uma metafísica do Ê xodo” (veja vol. 1, p. 73),
que legitimou a linguagem de ontologia com parte da doutrina cristã; o que
a passagem significava agora era “que D eus sempre quer ser reconhecido e
conhecido de acordo com sua presença na alma” (Zinz. Soc. 6 [Beyreuther
1-1:59]). A obra Suma teológica, de Tomás de Aquino, dedica-se à exposição dos
atributos divinos após demonstrar a existência objetiva de D eus por m eio de
argumentos cosm ológicos de causalidade, movimento e coisas semelhantes
(veja vol. 3, p. 337-346); agora parecia mais convincente começar um resumo
da teologia ao tornar o conhecimento pessoal e a iluminação pessoal os tópi-
cos de um capítulo intitulado “Sobre os meios de conhecer a D eus” (Terst.
Abr. 1.1 [Becher 2:11-25]) e, depois, retomar, por sua vez, as doutrinas dos
atributos divinos e da Trindade (Terst. Abr. 1.2 [Becher 2:25-49]). Era um
“erro” interpretar até mesmo a “religião natural” com o “a obra, ou efeito,
da razão natural” (Terst. Abr. 1.3 [Becher 2:49-58]), em vez do coração; era
tão verdade para a religião natural quanto o era para a religião revelada que
“a razão não é o poder, ou força, da nossa religião porque o que nosso co-
ração é, ou seja, nossa religião” (Lw. Dem. er. [Moreton 5:93-95]) e “muita da
verdadeira religião está nas afeições” (Edw. Rei. Aff. 1 [Miller 2:106]).
D e acordo com a exegese patrística, a intenção da pergunta bíblica: “Pois,
quem dentre os homens conhece as coisas do homem, a não ser o espírito do
homem que nele está?” (lC o 2.10,11), em seu contexto, era expressar uma
analogia psicológica humana para o conhecimento de Deus que foi adquirido
de modo único e, depois, revelado pelo Espírito Santo de D eus (Bas. Spir.
16.40 [AC 17b: 183]; Hil. Trin. 9.69 [CCAL62A:449-50]);agoraessapergunta
Deus e a alma ♦♦♦ 191

passara a ser o “indubitável” texto-prova bíblico para a atividade direta de


Deus na alma humana (Pen. Inst. 22 [Gosselin 6:122]; Strz. Man. 2.5 [1828:72]).
A alma podia ser definida com o “a vida e o fundamento dos sentimentos
e percepções sensoriais [de uma pessoa] — de amor, afeições, ira e desejo”
(Terst. Abr. 1.8.5 [Becher 2:93]); e era por intermédio “do desejo da alma”,
às vezes denominada “coração” ou “vontade” (Poir. Cbr. ed. 7 [1694:12]), que
a graça de D eus entrava na pessoa. Paradoxalmente, embora a graça viesse
por intermédio do ego, “a operação da graça nos separa de nós m esm os”
(Fén. Inst. 36 [Gosselin 6:149]), e “o descanso eterno da nossa alma” (Terst.
Bros. 3.8 [Becher 5:334-80]) era alcançado por meio da meditação, “sempre
mais profunda e íntima” (Fén. Man.piét. 1 [Gosselin 6:7]), por meio da qual
a verdade da graça divina “entra na própria substância da nossa alma” (Strz.
Man. 5.2 [1828:197-98]). Jesus, “o noivo da alma” (Terst. Bros. 2.4 [Becher
4:139]), foi “um homem que sofreu pela nossa alma, batalhou por nossa alma,
orou por nossa alma” (Strz. Man. 1. pr. [1828:2]). Quando uma pessoa, por
meio do “belo e apaixonado livre-arbítrio da alma, corre para Jesus” (Terst.
Bros. 3.1 [Becher 5:23]), esse era o caminho “do progresso da alma” (Fén.
Inst. 40 [Gosselin 6:154]) por intermédio do abandono do mundo externo e,
a seguir, até m esm o do “eu”, para encontrar esse “descanso eterno da nossa
alma” (Terst. Bros. 3.8 [Becher 5:334-80]). Contudo, a “vontade” e os “afetos”
(Edw. Rei. Aff. 1 [Miller 2:97]), bem com o o “desejo” e o “entendimento”, ao
longo do processo, continuavam a ser parte da “única e mesma alma” (Stod.
Com. 13 [1719:57-58]).
A frase “única e mesma alma”, por sua vez, era outra forma de falar
sobre a única e mesma pessoa individual e “singular”. “Você tem”, advertiu
John Wesley, “de ser singular ou está condenado. O caminho para o inferno
não tem nada de singular, mas o caminho para o céu é todo singularidade”
(Wsly. Serm. 31.4 [Baker 1:672-73]). Os cristãos primitivos transformaram
isso em sua principal preocupação “que cada um tem de abastecer sua mente
com os mais elevados pensamentos e ensinamentos” (Mmchí. Orig. ant. 3.2.
pr. [1749-111:271]) de m odo a moderar a vontade individual e subjugar seus
desejos malignos (Elrt. Morf. 1.13 [1931-1:151-53]). Lutero (embora princi-
pálmente nas versões impressas de seus sermões, conforme editados por
seus discípulos) (Lut. Post. Chr. \WA 10-1-1:74]) falara sobre o indivíduo ser
unido a D eus ou Cristo em “um pão [ein kuchen]” (Zinz. Zst. 39 [Beyreuther
3-II.321]); agora era necessário “que cada um de nós aplicasse isso a nós
mesmos, cada um de nós por si m esm o” (Frnck. Pass. Marc. 5 [1724:148]).
Cada um tem de ser capaz de dizer pessoal e individualmente: “Eu, um ser
192 * A TEOLOGIA DO CORAÇÃO

humano perdido, fui encontrado. Eu, um ser humano condenado, recebi a


graça” (Zinz. Red. 7 [Beyreuther 1-11:96]). As profundezas da alma individual
eram “impenetráveis”, a não ser por Deus (Fén. Inst. 18 [Gosselin 6:103]); não
foi só a solidão, portanto, “a escola do espírito inspirador”, mas o “amor pela
solidão e pela oração interior” era o ponto indispensável do encontro entre
Deus e a alma (Gib. Dec. 50 [Bury 5:337]; Terst. Ep. 1.94 [Becher 5:212]; Arb.
Des. myst. 4.1, 3.26 [1764:565, 551-52]). N ão há dúvidas quanto ao caráter
crucial da decisão individual para toda a vida e doutrina cristãs: “Temos de
ficar pessoalmente familiarizados com o Salvador; do contrário, toda teologia
não serve para nada” (Zinz. Lond. Pred. 2.2 [Beyreuther 5-1:163]).
Na base desse individualismo está uma distinção fundamental entre “in-
terno” e “externo”, em especial quando aplicada à adoração e à devoção. As
vezes a distinção podia tomar a forma hiperbólica de declaração categórica
de que “a verdadeira religião não consiste [...] em qualquer coisa externa, em
qualquer coisa externa ao coração” (Wsly. Serm. 7.1.3 [Baker 1:218-19]). Era
característico da maioria das pessoas que “elas servem a D eus apenas de um
modo externo”, contentando-se com as “cerimônias”, enquanto “o coração
delas permanece muito distante de D eus” (Terst. Bros. 1.1 [Becher 3:33]);
essa observância externa, em detrimento da iluminação interna (Spen. Gtts.
8 [1680:375]), causou “prejuízo inexprimível”. N ão só a maioria dos israelitas
permaneceu “alheio à parte espiritual interna da religião e se apoiou nas ex-
ternas”, mas isso continuava “agora sob a dispensação do evangelho” (Tnnt.
Disc. 4 [1745:196]). A “hipocrisia” da escrupulosa evitação da “poluição”
externa no próprio ato de trair “o puro, inocente e imaculado Jesus” (Frnck.
Pass. Jo. 3 [1733:49-50]) não era uma atitude exclusiva dos inimigos de Cristo,
mas sempre era revivido quando os cristãos “realizam o culto externo, mas
negligenciam o interno” ao agirem mais a partir do costume que da verdade
(Frnck. Pred. Epiph. 1 [1700:2η).
Uma festa com o a Páscoa, para ser “plena e completa”, tinha de ser ce-
lebrada tanto publicamente quanto “no interior da alma” (Fil. 37. 18, 27 [Soc.
Fil. 1:142,198-99]). Pois a antiga convocação litúrgica, “levante seu coração
\sursum corda]” (Cir. H. Cateq. 23.4 [Reischl-Rupp 2:382]), exigia exatamen-
te isso, a elevação do coração, não só das mãos, ao Senhor (Lmp. Brt. 13
[1737:207-8]). “Ir” à missa não significava apenas “comparecimento”, mas
“atenção” (Af. Lig. Teol. mor. 1.3.1.313 [Gaudé 1:576-78]), atenção essa tanto
do corpo quanto da alma, exatamente com o a “preparação” de um sacramento
válido exigia a “intenção” do celebrante (Arb. Des. myst. 2.6 [1764:202]). D e
acordo com o decreto do Concilio de Florença, de 1439 (Drnd. Diss. 2.26.6,
Deus e a alma ♦♦♦ 193
*

4.17 [1703:194,369]), para um sacramento ser válido, “a pessoa ministrando


o sacramento” tinha de ter “a intenção de fazer o que a igreja faz” (CFlor.
[1438-45] Deer. Arm. 5 [Alberigo-Jedin, p. 540-41]). Mas citar essa fórmula na
atmosfera do século XVIII tendia a deixar o conceito de “intenção” aberto
à interpretação de que o exigido era “a fé ou probidade do ministro” (ap.
Af. Lig. Teol. mor. 6.2.1.13 [Gaudé 3:13]), a despeito do que fora “repetida-
mente definido pela igreja” (Amrt. Teol. eclec. 9.5.4 [1752-2-IV:108]), que não
julgava os pecados ou heresias “puramente mentais” na determinação da
aptidão para o ministério (Cmrda. Const, ap. 2.35 [1732:236]). N em mesmo
a repetição do principal texto-prova usado por Agostinho para estabelecer
a objetividade da graça sacramental (Ag. Ev. João 46.6 \CCSL 36:402]; Ag.
Bat. 4.11.17 [CSEL 51:241]) — “Os mestres da lei e os fariseus se assentam
na cadeira de Moisés. Obedeçam-lhes e façam tudo o que eles lhes dizem”
(Mt 23.2,3; veja vol. 4, p. 158, 342) — conseguia dissipar essa interpretação
(Spen. Gtts. 7 [1680:366-74]). Alguns insistiam que a passagem falava apenas
de obediência ao “magistrado civil” (ap. Marck. Exeg. exerc. 27 [Velzen 9:537-
46]), não ao ministro não convertido (Tnnt. Dang. [1742:15]); e a pesquisa
histórica mostrou que os predecessores de Agostinho, com o Cipriano (Cip.
Ep. 67.3 [CSEL 3:737]), exigiam do ministro de um sacramento não só que
“a congregação o selecionasse”, mas que ele pessoalmente tivesse “uma fé
em Cristo verdadeira e sólida” (Mck. Vor. [1747:24]).
Embora “os sentimentos, convicções e impressões internas” fossem
“mais importantes” que a participação externa nos “meios de graça” (Terst.
Bros. 1.3 [Becher 3:99]), isso não tinha de ser entendido “com o se a religião
externa não fosse absolutamente nada” (Wsly. Serm. 16.1.5 [Baker 1:380]).
Como grande parte da origem da oposição à igreja e à revelação estivesse “na
luta interna” do indivíduo, da qual “o tormento externo” era uma expressão
(Cone. Rei. riv. 4.15 [1754-11:124]; Fén. Ep. 6.iv.l689 [Masson,p. 104]), adistin-
ção entre “interno” e “externo” podia facilmente passar a ser uma dicotomía
absoluta, que era com o alguns críticos da igreja a estavam construindo. Eles
pareciam encontrar corroboração em um dos ditos mais conhecidos dos
evangelhos por meio do qual, conforme colocou Agostinho, “som os man-
dados de volta para dentro depois de ter saído pelas portas” (Ag. Ev. Jo. 15.25
[CCSL 36:161]); as palavras de Jesus para a mulher samaritana: “N o entanto,
está chegando a hora, e de fato já chegou, em que os verdadeiros adoradores
adorarão o Pai em espírito e em verdade” (Jo 4.23). Tanto na Inglaterra quanto
no Continente, a acusação de que a interpretação desse versículo, “passara a
ser outra coisa [...] em muitos países cristãos” (Hdly. Kngdm. [1717:6]) estava se
194 ♦♦♦ A TEOLOGIA DO CORAÇÃO

transformando em um ataque fatal à piedade igrejeira. Contudo, os patronos


e os reformadores da piedade igrejeira também estavam tornando o uso do
versículo eficaz (Fén. Man.piét. 5.10 [Gosselin 6:62]; Fén. Inst. 22 [Gosselin
6:124]). Fénelon citou-o várias vezes acrescentando que “todo o resto não é
nada além de uma religião consistindo de cerimônias” (Fén. Inst. 2 [Gosselinn
6:74]). Pietro-Maria Gazzaniga, citando os comentários de seu mestre, Tomás
de Aquino, sobre “espírito e verdade” (Tos. Aq. S. T. 2.2.84.2 ad 1 \Ed. I^eon.
9:213]), protestou contra a apropriação indevida dessas palavras de Cristo
pelos inimigos de sua igreja e de sua adoração pública (Gaz. Prael. 1.1.2.2.13-
14 [1831-1:42-43]). Os membros da igreja protestante também atacaram “o
empenho de Satanás desde o início do mundo de separar o que D eus juntara,
de separar a religião interna da externa” (Wsly. Serm. 27. int. 1 [Baker 1:592];
Frnck. Pred. pr. [1700:B4v]). Deus exigia tanto a adoração interna quanto a
externa, e nenhuma delas sem a outra (Gaz. Prael. 1.1.2.2.11 [1831-1:42]).
A dicotomía entre a adoração interna e a externa, de muitas maneiras
(embora de modo algum de todas as maneiras), correspondia a uma dicotomía
entre o indivíduo e a igreja. Quando um descendente teológico do pietismo
morávio, no início do século XIX, definiu a diferença entre o protestantismo
e o catolicismo-romano (e também a ortodoxia oriental) com o consistindo
nisto: que “o primeiro torna a relação do indivíduo com a igreja dependente
da sua relação com Cristo, enquanto o último, ao contrário, torna a relação
do indivíduo com Cristo dependente da sua relação com a igreja” (Schl.
Chr. Gl. 24 [redeker 1:137]) — diferença essa que ele m esm o tentava trans-
cender (Schl. Chr. st. 2.1 [Reimer 12:516-25]) — ele estava refletindo uma
polaridade que apareceu de fato no protestantismo, no catolicismo-romano
e na ortodoxia oriental durante o século precedente. Um membro da igreja
católica-romana, exortando seus leitores que “Deus está batendo à porta do
seu coração”, descreveu o contraste na direção quase completamente oposta:
“Se você quiser uma transformação séria, não com ece de fora, com o o fazem
os protestantes. [...] Antes, voltem-se para si mesmos. Que transformação
abençoada e sólida seria essa! Quanto mais você se transforma desse modo,
menos precisa reformar a igreja” (Fén. Aut. égl. [Gosselin 1:203]). O propósito
da pregação “não [era] criar congregações nem encontrar ou preservar uma
denominação religiosa, mas guiar os indivíduos ao próprio coração deles”, de
acordo com aquele que foi ele mesmo o fundador de uma nova denominação
religiosa e que criou muitas congregações em várias terras (Zinz. Pond. Pred.
4.2 [Beyreuther 5-11:14]).
Deus e a alma ♦♦♦ 195
Se Jesus — com o a maioria dos tradutores e intérpretes, independen-
temente da denominação, entendiam um conhecido dito dos evangelhos
— tivesse dito: “O Reino de D eus está dentro de vocês” (Lc 17.21, NTLH)
(em vez de: “o reino de Deus está entre vocês” [Lc 17.21; NVI], conforme
exegetas posteriores vieram a entender o versículo), esse poderia ser combi-
nado com o outro dito de João 4.23 a fim de produzir a admoestação: “Este
é o Reino de D eus que está dentro de vocês, essa é a adoração em espírito e
em verdade” (Fén. Let. div. [Gosselin 1:102, 144]); e poderia ser combinado
com ainda outro dito de Jesus: “Busquem, pois, em primeiro lugar o Reino
de D eu s” (Mt 6.33). Mas o indivíduo e a igreja “não [eram] mutuamente ex-
cludentes” (Wsly. Serm. 29.23 [Baker 1:644]), uma vez que a oração eficaz era
possível em particular ou na comunidade (Terst. Bros. 4.3 [Becher 6:125]). Por
conseguinte, uma definição de igreja era “um corpo de homens firmemente
unidos a fim de, primeiro, cada um salvar a própria alma, depois, auxiliar os
outros na prática de sua salvação” e na realização das tarefas de evangelismo
e serviço (Wsly. Serm. 52. int. 2 [Baker 2:302]). Nessa definição protestante,
a sequência de “primeiro” e “depois” era relevante. Um Manual ortodoxo
oriental tratou Cristo em seu segundo livro com o “o noivo da igreja” (Strz.
Man. 2.5 [1828:80]) e, depois, em seu terceiro livro com o “noivo da nossa
alma” (Strz. Man. 3.5 [1828:133]; Fén. Inst. 22 [Gosselin 6:124]); pois o pro-
pósito da “autoridade da igreja” (Mt 28.18-20), continuou em seu quinto
livro, era “ensinar ou, antes, esclarecer ou, antes, iluminar, a alma humana”
(Strz. Man. 5.3 [1828:204]) porque Cristo (ao mesclar os dois elementos) era
“a alma da igreja” (Strz. Man. 5.5 [1828:219-20]). A igreja, portanto, era “a
coluna e fundamento da verdade” (lTm 3.15; Strz. Man. 5.3 [1828:209]); e
embora a igreja — para boa parte do protestantismo (veja vol. 4, p. 237-38)
e também para o agostinismo no catolicismo-romano (veja vol. 4, p. 135-
37) — no sentido estrito da palavra, fosse composta apenas dos indivíduos
verdadeiramente eleitos, esse manual a denominava de “a congregação tanto
dos chamados quanto dos eleitos [...] tanto dos pecadores quanto dos justos,
[todos] aqueles que têm a mesma confissão de fé” (Strz .Man. 5.1 [1828:187]).
N o contexto de uma ênfase mais profunda na natureza interna da autên-
tica adoração “em espírito e em verdade”, tanto a prática quanto a teologia
da época voltaram com interesse renovado na relevância doutrinai da ora-
ção pessoal (Terst. Abr. 2.1 [Becher 2:261-77]). Essa noção fora formulada
inicialmente na teologia patrística (veja vol. 1, p. 151-54), mas a “doutrina
da oração” não era um dogma da igreja no sentido preciso do termo que o
I96 A TEOLOGIA DO CORAÇÃO

eram as doutrinas da Trindade e da pessoa de Cristo. Antes, a oração, tanto


pessoal quanto coletiva, junto com os mandamentos que governavam a vida
cristã, era vista com o a expressão inequívoca e o resultado inevitável do
ensinamento da igreja e, ao mesmo tempo — em particular na fórmula: “a
regra da oração era estabelecida pela regra da fé” (veja vol. 1, p. 342) que se
referia principalmente à oração coletiva e litúrgica, e não à devoção privada e
individual — com o sua pressuposição autoritativa durante esse período, por
exemplo, na doutrina de Maria (Af. Lig. Gl. Mar. 1.4.1 [Prato, p. 97]).
Mas agora era a oração pessoal do indivíduo, “a comunicação mais
secreta e mais íntima com Deus; a oração [era] a fonte necessária de todo
bem ” (Fén. Inst. 1 [Gosselin 6:73]) que exigia nova atenção (Ag. Serm. mont.
2.3.11 [CCSL 35:101-2]). Agostinho recomendara a “oração do coração”
(Arb. Des. myst. 2.1 [1764:168]) com o essencial; e, acima de tudo, as “doces
sensações” e a “imaginação fervorosa” que a acompanham com o resultados
“externos” (Fén. Inst. 26 [Gosselin 6:129]), essa “oração interna do coração
e comunicação secreta com o Deus que se crê estar presente internamente é
o melhor, na verdade o único, meio para dominar todos os inimigos” (Terst.
Ep. 2.67 [Becher 6:149]). O sucesso inicial do evangelho em subjugar seus
inimigos pagãos teve o resultado “não só da doutrina ou de um bom exem-
pio, mas também da oração” (Mmchi. Ong. ant. 3.2.2 [1749-111:276]). Ainda
era verdade que “é a oração que acaba com todas as disputas” (Fén. Aut. égl.
[Gosselin 1:202]). A oração era uma “ação salvífica” e um dos “dons essen-
ciais do Espírito Santo” (“ação [ενέργεια]” e “essencial [ουσιώδη]” [Strz. Man.
4.2 (1828:146-58)], ambos são termos técnicos da versão característicamente
ortodoxa oriental da doutrina de Deus com o Trindade) (veja vol. 2, p. 287-89).
Pois “o desígnio da oração não é mover Deus, mas a nós m esm os” (Tnnt.
Serm. Rog [1700:145]), a promessa de Cristo de que a oração dirigida ao Pai
em seu nom e sempre seria respondida (Jo 15.15) era um exemplo típico de
todo o mistério da redenção (Frnck. Pred. Rog. [1700:45]).
Quando a defesa catóüca-romana contra a acusação de proibir isso ficou
clara (Gtti. Ver. eccl. 1.15.3.8 [1763:154]), um dos principais meios de cultivar
a devoção pessoal era a leitura privada da Bíblia (veja p. 99 acima), da qual
viria “a piedade do evangelho” (Lw. Ch. ser. 3 [Moreton 4:29]), porque “nada
é um meio provável de nos encher com o espírito e o temperamento [de
Cristo] com o a frequência na leitura dos evangelhos”. Mas o indivíduo tinha
de “lê-los [...] não para saber o que eles continham, mas para encher nosso
coração com o espírito deles” (Lw. Cr. perf. 13 [Moreton 3:231-32]), o que
exigia acima de tudo que a leitura dos evangelhos fosse feita pelo indivíduo
Deus e a alma ♦♦♦ 197

mesmo e para si mesmo. Cada vez mais o cenário mais apropriado para essa
edificação parecia não ser a adoração pública, mas a devoção privada. Um
escritor devocional católico-romano (junto com escritores protestantes)
(Spen. Beant. 2.20 [1693:120]; Frnck. Id. 19 [Peschke, p. 178]), sem a intenção
de depreciar a liturgia e os sacramentos da igreja, aconselharia que “a oração é
o canal comum pelo qual Deus comunica suas graças, em particular sua sabe-
doria” (Grig. M ont .Am . sag. 15,184 [Gendrot, p. 193]). D a mesma maneira,
os escritores devocionais protestantes — sem nenhuma intenção de depreciar
a pregação pública ou a admoestação bíblica contra deixar “de reunir-nos
com o igreja, segundo o costume de alguns” (Hb 10.25), que significava que
“ouvir é impor a nós mesmos ainda mais estritamente que ler” (Lschr. Hor.
[1734:26-27]) — ainda assim podia exortar que era por intermédio do estudo
pessoal da Bíblia, obrigação de “todos os adultos” (Beb. GL 1 [1685:23]; Terst.
Abr. 1.1.14 [Becher 2:18-20]), mas também das crianças, que o indivíduo se
torna um “cristão devoto que realmente crê” (Frnck. Unt. 2 [Peschke, p. 217];
Frnck. Id. 5 [Peschke, p. 174]; Zinz. Hom. 15 [Beyreuther 3-1:143]) porque a
leitura trazia para o cristão certas “vantagens para a nutrição e manutenção
da piedade e da devoção, algo que só a leitura pública não podia trazer”
(Ost. Arg. ref. pr. [1720:A4r]; Ost. Eth. 3.3.5 [1727:283-90]). D e acordo com
Francke, “o Espírito Santo tem de fato bom resultado na pregação sobre a
fé”, mas isso sugeria que “o indivíduo começa [por conta própria] a pesquisar
a sagrada Escritura” (Frnck. GL 1 [1691:B2v]).
A Escritura era a base para a meditação (Franck. Meth. 3.10 [1723:73-
76]); da mesma maneira, a formação das afeições por meio da meditação
era a base da exegese sã, também porque para entender um texto era com
frequência necessário entender as afeições dos próprios escritores bíblicos
(Frnck. Maná Scrip. 8, 10 [1706:95, 105]; Frnck. Meth. 3.23 [1723:132]; Ost.
Eth. 3.3.5 [1727:285]), que não foram apenas instrumentos passivos na escrita
do evangelho (Lang. Paul. 2.2.2 [1718:334-35]). Esse método de interpretação,
longe de afastar a autoridade da Escritura (Frnck. Mand. Scrip. 10 [1706:112]),
capacitava o leitor moderno a entendê-lo “com o se Deus estivesse falando
agora mesmo sobre mim e para mim ou sobre a atualidade e para a atualidade”
(Terst. Abr. 1.1.16 [Becher 2:22]). Contudo, o desrespeito com a palavra de
Deus ficara “inacreditavelmente maior do que é possível imaginar” (Baum.
Pred. 2.9 [Kirchner 2:320]), mesmo entre aqueles que frequentavam a igreja.
Talvez a adoração pública, idealmente, tivesse de ser mutuamente apoiadora
com o a igreja e a Escritura o eram (Deutsch. Put. 1.5.17 [1698:54-55]; Beng.
Gnom. pr. 5 [Steudel, p. xix]). Mas era muito fácil supor que um sermão era
I98 ♦♦♦ A TEOLOGIA DO CORAÇÃO

dirigido a outra pessoa, tanto quanto o era descartar o julgamento final com o
um prospecto remoto; por essa razão, a palavra de Deus tocava o indivíduo
com mais eficácia em particular ou em pequenos grupos (Frnck. Bcht. [Pes-
chke, p. 102]), e o prospecto do julgamento divino teve seu maior impacto
com a percepção individual de que “mesmo se o dia do julgamento estiver
distante, ainda morrerei” (Neum. Funf. 1 [17261:4‫ ;]־‬Mayr. Ger. [1708:25]; Lw.
Ch. Ser. 3 [Moreton 4:25]). A piedade característica da igreja e, ainda assim,
individualista afirmava: “Som os verdadeiros membros do reino de D eus
quando o reino de Deus está em nós, quando o espírito da religião é o espírito
da nossa vida” (Lc 17.21; Lw. Cr. perf. 9 [Moreton 3:142]). Nessa atmosfera,
um individualismo mais radical que achava a doutrina da igreja irrelevante,
se não antiquada, descartava a piedade característica da igreja com o estranha,
se não com o supersticiosa, e se voltava para a devoção privada e o estudo da
Bíblia com o um substituto, em vez de apenas com o um suplemento.
O elo de ligação entre a alma individual e Deus era a fé, que era “o início
e o efeito da sabedoria em nossa alma” (Grig. Mont. Am. sag. 15.187 [Gen-
drot, p. 195]) — no entanto, não qualquer fé, mas a fé pessoal genuína (Wsly.
Serm. 18.1.2 [Baker 1:418]). Essa fé “não [era] apenas teórica ou especulativa”,
não era a mesma coisa que a “iluminação comum” disponível também para
todos os descrentes (Stod. Sfty. 1 [1687:5]). N em podia, por outro lado, ser
o tipo de fé irracional e anti-intelectual (Poir. Fid. rat. 2.21 [1708:29-32]) que
se expõe à acusação dos detratores que “nada [...] faz as pessoas acreditarem
mais rápido que estar amedrontado” (Reim. Apol. 1.1.2.5 [Alexander 1:91]).
Era inegável que muito do que passava por fé entre os cristãos mais conven-
cionais não era nada mais que “fé histórica” (Stod. Gd. Cr. [1714:26]; Frnck.
Pass. Marc. 7 [1724:194]; veja vol. 4, p. 218-219), a crença em um sentido geral
que algo aconteceu (Wsly. Serm. 43.2.2, 5.4.2 [Baker 2:161, 1:194]), mas não
acreditar “em um sentido mais particular [...] não só que ‘D eus em Cristo
estava reconciliando consigo o mundo’, mas também que Cristo ‘me amou
e se entregou por mini ” (2Co 5.19; G1 2.20; grifo do autor). Essa era uma
“fé viva” porque “o coração [do cristão] vive nessa fé e por intermédio dela
se acha poderosamente atraído para Cristo, ansiando com desejo interior e
apaixonado estar cada vez mais unido a ele” (Frnck. Pass. Marc. 7 [1724:196]);
a fé genuína, por conseguinte, “não [era] uma cadeia de idéias na mente, mas
também uma disposição do coração” (Wsly. Serm. 1.1.4 [Baker 1:120]), que
“não [podia ser] um coração hipócrita, mas um coração sincero” (Frnck. Pred.
Epiph. 3 [1699:15]). Por essa razão, a fé “não [era] construída sobre alicerce
precário”, mas era “confiar em Deus, por intermédio de Jesus Cristo, para
Deus e a alma ♦♦♦ 199

a salvação, conforme oferecida no evangelho” (Stod. Sfy. 5 [1687:95-96]).


Era possível dizer que só essa fé “real” trazia a “justificação só pela fé, sem
obras”, pela qual os reformadores discutiam (Stod. Conv. 3 [1719:12]; Wsly.
Serm. 5.4.6 [Baker 1:196]); além disso, não as obras, mas só uma fé real podia
alcançar a “santificação” que era seu resultado necessário e efeito secundário
(Wsly. Serm. 43.3.3 [Baker 2:163]).
Embora a fé, de acordo com a doutrina da Reforma (veja vol. 4, p. 202-
20), fosse a única condição para a justificação, ainda assim, “tanto o arre-
pendimento quanto os frutos adequados para o arrependimento, em algum
sentido, são necessários para a justificação. Mas eles não são necessários no
m esm o sentido que a fé nem no mesmo grau” (Wsly. Serm. 43.3.2 [Baker
2:162-63]). Embora a graça soberana de Deus, de acordo com os decretos
do Sínodo de Dort, fosse “irresistível” naqueles a quem D eus predestinara
(veja vol. 4, p. 300-307), a nova ênfase na conversão e no arrependimento
levou até m esm o descendentes da Reforma a enfatizar seu caráter “voluntá-
rio” (Terst. Bros. 3.2 [Becher 5:58]; Baum. Pred. 1.5 [Kirchner 1:147]) e, por
conseguinte, sua resistibilidade. N esse sentido, o arrependimento (Tnnt. Disc.
6 [1745:341]), “um dos principais assuntos do ministério de Paulo” (Stod.
Conv. 5 [1719:20]), era uma transformação radical da mente e a obtenção do
autoconhecimento (Wsly. Serm. 7.2.1, 14.1.1 [Baker 1:225, 336]), o resultado
de “uma verdadeira e ardente luta penitencial que acontece primeiro no co-
ração” (Frnck. Pred. Jub. [1699:24]). Nessa luta penitencial, o anseio da alma
por D eus (Grig. Mont. Am. sag. 15.181 [Gendrot, p. 190-91]), embora nem
sempre expresso verbalmente (Scriv. Seel. 2.5 [Stier 1:575]), era o “antecedente
para a conversão, mas não era parte da [própria] conversão” (Stod. Conv. 1
[1719:3]). A neutralidade do coração entre Deus e Satanás, por intermédio da
proclamação tanto da lei quanto do evangelho (Mysnt. Pr. 51 [1845-11:235]),
foi substituída pela fé em Cristo (Frnck. Pred. Oc. [1700:30]), o que, falando
estritamente, era “o primeiro ato de conversão” (Stod. Conv. 4 [1719:15]). A
“aposta de Pascal [argument dupan]” (veja vol. 4, p. 420-21), com seu eco da
definição de Lutero da fé com o aposta (veja vol. 4, p. 229), era bem adequada
para essa insistência renovada de que o poder “transformador” de uma con-
versão “ligada a uma mudança de natureza” (Edw. Rei. Aff. 3.7 [Miller 2:340])
e afeições era diametralmente oposta ao mero “cristianismo da razão” (Frnck.
Pass. Marc. 12 [1724:358]). As lágrimas de Cristo por causa de Jerusalém (Le
19.41,42) foram um sinal de que o arrependimento não deve mais ser adiado
(Frnck. Pred. Adv. 3 [1699:94, 99]), mas que “temos de ser convertidos em
nosso próprio coração” (Terst. Bros. 2.6 [Becher 4:223]) por meio de uma
200 A TEOLOGIA DO CORAÇÃO

“conversão salvífica” genuína e uma “obra [divina] de regeneração” (Stod.
Com 1 [1719:1-2]).
Para o desenvolvimento da doutrina cristã, conforme característica da
vida da igreja cristã ou do cristão individual, nenhuma controvérsia teológica
da época refletiu de forma tão acurada as implicações dessa exigência quase
universal por conversão e mudança em todas as igrejas com o o “longo con-
flito” (Pff. Hist. teol. 2.10 [1724-1:280-84]) provocado pelo pietismo sobre a
questão da “teologia do não regenerado \teologia irregenitorum]”·. será que “é
essencial, ou não, que em primeiríssimo lugar alguém que estuda teologia
tenha o conhecimento e a experiência de ter se convertido de fato a D eu s”
(Frnck. Meth. 2.4 [1723:37]) — essencial, ou seja, não apenas para a salvação
eterna (como em geral se concordava), mas para o correto entendimento da
Escritura e da doutrina cristã? Ou será que “um pagão, ignorante de toda
revelação divina, se encontrasse um papel” com as palavras de instituição da
eucaristia escritas nele “saberia a que dizia respeito?” (Lw. Dem. er. [Moreton
5:12]). N ão só os teólogos pietistas, mas também os teólogos ortodoxos de
todas as igrejas ensinavam que a “doutrina” e a “vida”, ou a “doutrina” e a
“disciplina”, tinham de estar coordenadas (Lschr. D r.pred. 1 [1733:8]; Wer.
Mise. 16 [Ryhinerus 2:293]; Nrs. Hist. pel. 2.3 [Berti 1:243,44]). Mas conforme
observou Jonathan Edwards, “os enganos de Satanás e o coração ímpio e
enganador [...] podem estar ligados a um bom conhecimento doutrinai da
religião” (Edw. Rei. Aff. 2 [Miller 2:183]), uma vez que o entendimento espi-
ritual “não consiste de qualquer conhecimento doutrinai novo” (Edw. Rei.
Aff. 3.4 [Miller 2:278]), mas era um “entendimento sobrenatural das coisas
divinas peculiar aos santos e do qual aqueles que não são santos não possuem
nada” (Edw. Rei. Aff. 3.4 [Miller 2:270-71]). Por essa razão, era essencial iden-
tificar com o “falsos mestres” não só aqueles que ensinavam a falsa doutrina,
mas também aqueles que eram falsos no coração mesmo que ensinassem a
doutrina ortodoxa (Frnck. Pred. ep. ded. [1700:A7r-A7v]).
Todos reconheciam que o entendimento filológico técnico do texto grego
ou hebraico da Escritura era possível sem a conversão ou o entendimento
espiritual, mas “a interpretação sã” da Escritura tinha de envolver não só o in-
telecto ou a erudição (Spen. Gtts. 1 [1680:9]; Spen. Bed. 1.1.39 [Canstein 1:224];
Lang. Paul. 2.2 [1718:315]; Edw. Rei. Aff. 3.4 [Miller 2:280]), mas também a
pessoa do intérprete (Frnck. Mand. Scrip. 11 [1706:116-19]). O apóstolo Paulo
atribuía “o verdadeiro conhecimento divino só à iluminação divina” (Spen.
Gtts. 3 [1680:75]), não a uma apreensão filológica externa do texto bíblico.
“O que estou negando”, anunciou o teólogo pietista Joachim Lange, “[é] que
Deus e a alma ♦♦♦ 201

um professor ímpio e não regenerado possa ensinar a palavra de Deus [...] de


m odo são e sem adulteração” (Lang.Antibarb. [1709-1:186]). Essa percepção
seria, disse ele em outro lugar, “uma deificação da letra da Escritura” à custa
do espírito da Escritura (Lang. Nach. 5.9 [1707-V:70]). N em todo tipo de
“conhecimento literal”, mesmo que estivesse “em conformidade com a letra
da Escritura e, portanto, fosse verdadeiro”, podia ser denominado “espiritual,
divina, vivo e sobrenatural” (Lang.Antibarb. [1709-1:21, 31]). Lange e outros
pietistas foram denunciados por essa definição de doutrina e exegese bíblica
(Casp. Beyl. 8-14 [1724:56]). Quando alguns levaram o argumento pietista
mais adiante e atacaram a noção de uma teologia do não regenerado com o
“a primeira decepção da razão” (Dipp. Ort. 4 [1699:47]), seus adversários
ortodoxos garantiram que eles tinham levantado alguns pontos válidos (Nss.
Dipp. pr. [1701:8]); mas eles tinham ido longe demais, uma vez que a Escritura
fora pretendida também para ser lida por pessoas ainda “não convertidas”
(Nss .Dipp. 1 [1701:19]). Essa ênfase na “iluminação” do intérprete bíblico era
“uma espécie de donatismo” (Neum. Marp. 2.1 [1727:51-52]): isso confundia
a posição pessoal subjetiva do teólogo com sua tarefa eclesiástica objetiva.
A reconsideração da relação entre Deus e a alma e a afirmação de que “os
homens podem ter o conhecimento de sua própria conversão” (Stod. Conv.
15 [1719:78]) levantou com nova insistência a questão da garantia da graça e
da eleição. “Antes de saber se foi eleito”, aconselhou Bunyan (Bnyn. Lw. gr. 2
[Sharrock 2:215]), “você tem de crer em Jesus Cristo”; a fé era a chave para a
certeza (Span. Εν. vind. 1.36 [Marck 3:145-46]). A doutrina desenvolvida pela
Reforma da justificação pela graça por intermédio da fé foi fundamentada na
especificação de que a graça não era algo subjetivo no homem (veja vol. 4, p.
213-15), mas “uma propriedade da divindade, por meio da qual ele [Deus]
é inclinado a distribuir bondade imerecida gratuitamente a suas criaturas, e
o faz de forma soberana” (Tnnt. Serm. 17 [1744:328]). A graça era o alicerce
da fé, conform e sustentava Calvino (Calv. Inst. [1559] 3.2.7 [Barth-Niesel
4:15-16]). Mas o Concilio de Trento (veja vol. 4, p. 358-59), em oposição a
Calvino e a Lutero, advertira que, a não ser por meio de revelação especial,
ninguém tem certeza da salvação (Gaz. Prael. 2.6.6.218 [1831-11:202]); essa
advertência estava sendo repetida agora. “N ão é absolutamente necessário”,
argumentou Fénelon, “que o indivíduo sempre tenha certeza da salvação”;
antes, “a condição da alma que D eus quer tornar perfeita” em última análise
exigia estar preparado para abandonar qualquer certeza (Fén. Ep. 11 .viii.l 689
[Masson, p. 249]). Quando os protestantes radicais lançaram agora uma polê-
mica contra Trento sobre a questão da certeza (Pet. Hch^t. 4.15 [1701:130]),
202 ♦♦♦ A TEOLOGIA DO CORAÇÃO

isso podia ser lido como a concretização da perene crítica catóüca-romana de


que a definição escolástica subjetiva de graça com o um “habitude” (hábito)
(veja vol. 4, p. 209-218) na alma humana, os reformadores correram o risco de
substituir uma definição subjetiva de fé com o “garantia” (veja vol. 4, p. 218-19),
que podería se tornar o fundamento da certeza pessoal quanto à justificação.
O pietismo, quer radical quer conservador, era percebido com o uma
ameaça à Reforma ortodoxa na doutrina da justificação porque o movimen-
to, por seu subjetivismo, parecia ter transformado esse perigo em realidade
(Deutsch. Lut. 1 [1698:3]). U m guia de piedade do século XVII afirmava a
posição ortodoxa de que a justificação era, “sem dúvida, o principal artigo
da religião cristã”, em relação à qual “todos os outros pontos da doutrina são
secundários” (Scriv. Seel. 2.7 [Stier 4:65]). A biografia autorizada de Spener se
esforçou para incluir a certeza de que ele se “mantivera firme” na doutrina
da justificação pela fé (Canst. Spen. 26 [1711:64]) e de que ele mesmo falou de
estar “inquieto e também amedrontado” com o que considerava a fraqueza
e confusão contemporâneas a respeito dessa doutrina. (Spen. Bed. 1.1.13
[Canstein 1:93-94]). Todavia, foi de fraqueza e de confusão fundamental
entre justificação e santificação que o próprio Spener foi acusado (Deutsch.
Lut. 2.4.1 [1698:101]). Pois em resposta à pergunta se D eus continuava a
manter a porta da graça aberta para todos, até m esm o para os caídos, ele e
seus associados (Nmnn. Er. [1701:176-85]), essa era a acusação, “não têm
escrúpulo em responder: N ão” (Nmnn. Term. [1700:8]).
N ão um subjetivismo que solapava a ortodoxia doutrinai (veja p. 159
acima), mas um cristocentrismo que a resgatou do intelectualismo que
ameaçava distorcê-la foi o que Spener e seus contemporâneos de todas as
igrejas alegavam ter recuperado. Em uma época em que o fundamento bíblico
objetivo para a ortodoxia cristológica era cada vez mais questionado e que as
passagens do N ovo Testamento com o a do clamor de abandono na cruz eram
usadas com o uma contradição dessa ortodoxia (Reim. Apol. 2.3.1.1 [Alexan-
der 2:179]), havia uma atração poderosa na tese, m esmo que sua formulação
pudesse parecer “tosca”, de que “a menos que primeiro tenhamos ‘Cristo
em n ós’, não temos ‘Cristo por n ós’ ” (Nurn. Sen. 20.x. 1707 [Neumeister, p.
284]). O conceito de “Cristo em nós” significava estabelecer e preservar uma
relação saudável entre D eus e a alma humana, era necessário contemplar a
relação entre Deus e a “alma verdadeiramente humana” de Cristo (Lmp. Betr.
2.2 [1756-1:499]). Um dos “remédios para a tristeza” disponível para “a alma
debilitada e humilhada” em sua condição atormentada (Fén. Inst. 15 [Gosseün
6:98]) era um estudo da subjetiva “tristeza mortal” (Mt 26.38) de Jesus no
Deus e a alma ♦♦♦ 203
jardim do Getsêmani e na cruz em que ele, “prensado a ponto de morrer,
clamou com uma voz que veio verdadeiramente do coração: ‘Meu Deus! Meu
Deus! Por que me abandonaste?’ ” (Lmp. Betr. 3.1 [1756-11:14]; Fuse. Sac. cr.
[1756:19-20]; Mc 15.34; SI 22.1). O clamor de abandono e a linguagem do
N ovo Testamento sobre sua “obedifência] até à morte, e morte de cruz” (Fp
2.8) quando combinado com a linguagem de Cântico dos Cânticos no clamor:
“Você fez disparar o meu coração, minha irmã, minha noiva” (Ct 4.9) levava
à contemplação do sagrado coração de Jesus, despedaçado na cruz (Fuse. Sac.
cr. [1756:7]). Jesus foi “um hom em que sofreu por nossa alma, batalhou por
nossa alma e orou por nossa alma” (Terst. Bros. 2.4 [Becher 4:139]).
Esse também foi um tempo em que toda a tradição da igreja sobre Maria
estava sob ataque. O debate sobre a doutrina católica-romana da concepção
imaculada de Maria (Pff. Hist. teol. 2.10 [1724-1:346-47]; Amrt. Teol. eclec.l.2.4
[1752-2-11:36-51]) continuou com sua diversificada história medieval; o pro-
testantismo continuou a rejeitar essa doutrina (Nrs. Vtnd. Aug. 5.11 [Berti
2:423-24]), enquanto a ortodoxia oriental não precisava dessa doutrina, ceie-
brando a natividade de Maria e dedicando igrejas a ela (Lmp. Teol. rud. 12.20
[1729:55]; Baum. Pred. 3.9 [Kirchner 3:282]) sem ser obrigada a apresentar
uma definição explícita de com o e por que ela ficara isenta da regra universal
do pecado original (Fil. SI. 19 [Soc. Fil. 1:150]). Outro tópico de debate era a
ortodoxia mariológica dos reformadores, todas as quais conservavam a dou-
trina do nascimento virginal e muitas das quais também mantinham o título
“mãe de D eus” (veja vol. 4, p. 328-29). Alguns dos descendentes da Reforma
deploravam a tendência “de desmerecer tanto a virgem abençoada, de um
lado, quanto ela, de outro lado, era exaltada demais” (Brnt. A rt. X X X IX . 2
[1700:51]) e, sem cair no que consideravam uma mariologia supersticiosa
(Mayr. Red. 1 [1702:151-52,169]), tentavam reabilitar uma imagem evangélica
dela com o aquela que deu à luz a Cristo, e não só fisicamente, mas também
espirirualmente (Lschr. Hor. [1734:34]).
As visões subjetivas, na devoção católica-romana, eram usadas para cor-
roborar doutrina mariológicas com o a da concepção imaculada (Gtti. Ver. eccl.
1.7.3.15 [1763:65-66]); da mesma maneira, a contemplação da subjetividade
de Maria similar à contemplação da vida interior de Cristo podia ser apre-
sentada com o um caminho para o autoconhecimento (Grig. Mont. Vr. dév.
213 [Gendrot, p. 629-30]). A resposta de Maria a Gabriel na anunciação (Lc
1.38), à parte da humildade do próprio Cristo, era o exemplo da essência da
submissão à vontade de D eus (Fén. Inst. 18 [Gosselin 6:104]): “O que seria
de nós”, perguntou um pregador ortodoxo, “na devoção ilimitada, se ela não
204 ♦♦♦ A TEOLOGIA DO CORAÇÃO

tivesse respondido ao mensageiro celestial: ‘A conteça com igo conforme a tua


palavra’?” (Fil. Sl. 28 [Soc. Fil. 1:250]). Essa resposta a tornou a “mãe de Deus
[Θεοτόκος, Bogorodica]” (Men. Did. 5.1 [Blantês, p. 228-29]), um título cuja le-
gitimidade, conforme estabelecido pela igreja da Antiguidade, precisava mais
uma vez ser defendido (Bert. Diss. hist.. [1753-111:386-88]). O “maximalismo
mariológico” de João Duns E scoto (Drnd. Fid. vind. 1.38 [1709:129-32]; veja
vol. 4, p. 104-107) foi parafraseado durante esse período em um dos livros
mais influentes já escrito sobre Maria,A s glórias deMaria, de Afonso de Ligório,
que atribuía autoridade presumida a “uma opinião quando tende de alguma
maneira honrar a virgem mais abençoada, quando tem algum fundamento
e quando não é contrária à fé ou aos cânones da igreja ou da verdade” (Af.
Lig. Gl. Mar. 1.5.1 [Prato, p. 123]).
Maria, nessa percepção, era “a imagem viva de D eus” e “a principal obra
de suas mãos” (Grig. Mont. Vr. dév. 50 [Gendrot, p. 515]). Ela também era a
“advogada dos pecadores” (Af. Lig. Gl. Mar. 1.6 [Prato, p. 144-77]), separada
da humanidade e até mesmo de todos os outros santos porque só ela recebeu
a glória de D eus completamente, e não apenas em parte (Men. Did. 5.19
[Blantês, p. 358]). Até mesmo a linguagem aparentemente dura que Cristo
usou às vezes com ela (Jo 2.4; Mc 3.33) pretendia de fato honrá-la (Af. Lig.
Gl. Mar. 1.6.1 prato, p. 148-49]; Fil. SI. 131 [Soc. Fil. 3:109-14]). A profecia
de que a espada atravessaria a alma dela (Lc 2.35) foi cumprida quando ela
participou da crucificação de Cristo (Men. Did. 1.7 plantes, p. 84]), ofere-
cendo com pesar a vida de seu Filho ao Pai para a salvação da humanidade
(Af. Lig. Gl. Mar. 2.9 prato, p. 394-411]). Assim, também a morte (ou “dor-
mição”) da “rainha do céu” (Af. Lig. Gl. Mar. 2.7 prato, p. 362-78]) provou
que ela foi uma participante verdadeiramente humana na sorte com um de
toda a humanidade (Men. Did. 5.19 plantes, p. 356]); mas a ressurreição de
Maria (que os protestantes, é claro, negavam com o não bíblica) (Lmp. Teol.
rud. 29.2 [1729:109]) também a separou no fim de sua vida (Fil. SI. 362 [Soc.
Fil. 5:163-66]). Todas essas experiências da própria vida interior de Maria a
tornaram singularmente acessível às orações dos pecadores com o “media-
dora” (veja vol. 3, p. 203-19) — não na verdade mediadora da graça justifi-
cadora de D eus, que veio por intermédio só do mérito de Cristo Af. Lig. Gl.
Mar. 1.5 prato, p. 118-19]), mas das outras graças e bênçãos, de m odo que
a devoção a ela era inseparável da devoção a ele com o “o objetivo final de
todas nossas devoções” (Grig. Mont. Vr. dév. 61-62 [Gendrot, p. 523-24]; Lc
17.21). Portanto, “O reino da mais santa virgem”, com o o reino do próprio
Deus, estava principalmente “ ‘no íntimo’, ou seja, na alma” (Grig. Mont.
Vr. dév. 38 [Gendrot, p. 508]).
Perfeição evangélica ♦♦♦ 205

Essa “imagem do coração” de Cristo ou de Maria, quer escrita na lingua-


gem tradicional da tripla forma da teologia mística (purgação, iluminação e
união) quer não (Arb. Des. myst. 3.20 [1764:510-18]), era um caminho para o
completo autoconhecimento (Grig. Mont .Am . sag. 17.203 [Gendrot, p. 204]),
que, embora indispensável, era inatingível por qualquer outro meio (Neum.
Funf. 1 [1726-1:112]). O homem natural à parte da graça estava “seguro porque
é totalmente ignorante de si m esm o” (Wsly. Serm. 9.1.3 [Baker 1:252]). Por
conseguinte, voltar-se para si mesmo era um passo necessário em direção à
fé (Lang. Nach. 6.3 [1707-VL16]) porque “o conhecimento de nós mesmos
torna a vida humana uma condição de infinita importância colocada em um
ponto tão amedrontador entre duas eternidades” (Lw. Cr. perf. 1 [Moreton
3:14]). A observância cuidadosa e sincera da condição da alma era uma
obrigação contínua (Terst. Bros. 4.1 [Becher 6:33]; Ter st. Abr. 1.1.1-2 [Becher
2:11]). Embora houvesse “vários graus da nossa convicção desse assunto a
respeito de nós m esm os” (Tnnt. Disc. 1 [1745:48]), a verdadeira questão não
era “qual opinião [teológica] é a sua”, mas se “você está [ou não] consciente
em si mesmo de que é o hom em que tenho [...] descrito” (Wsly. Rei. cl. 1.15
[LPT, p. 18η).
Os que usam esses métodos para “descrever” e encorajar a introspecção
e a contemplação que nutrem uma associação íntima entre D eus e a alma,
não obstante, estavam cientes de seus perigos potenciais. Eles reconheciam
que era muito fácil o método degenerar em uma atitude que “não [estava]
suficientemente preocupada com o entendimento, mas se satisfazia com
apenas ‘ter’ e ‘experimentar’ ” a associação (Zinz. Ij>nd Pred. 1.3 [Beyreuther
5-1:19]). Nenhum a quantidade de introspecção egocêntrica ou “rigor de
exame” traria “certeza” se fosse isolado do esforço moral: o apóstolo Paulo
“conseguiu a certeza de ganhar o prêmio mais pela corrida [empreendida]
que pela consideração” (Edw. Rei. Aff. 3. pr. [Miller 2:196]). D onde a forma
mais eficaz de provar “a verdade de sua fé” era “pela santidade que acom-
panha e flui da fé em Jesus Cristo” (Stod. Sjty. 9 [1687:24η). Por essa razão,
os doutores da vida interior nesse período, com o Francke, Arbiol e Fénelon
ligaram de forma consistente a “alma” à “perfeição” (e essas duas ao “Espírito
Santo”) (Frnck. Pred. pr. [1700:B5v]; Arb. Des. myst. int. [1764:1-2]; Fén. Ep.
ll.v.1689 [Masson, p. 136-3η).

Perfeição evangélica
Seria perigoso para a teologia do coração descrever a relação entre Deus
e a alma com o se a vida interior da alma fosse um fim em si mesmo. Os
agostinianos do século XVIII (Bert. Aug. 3.1 [1747-1:339]) evocaram que
206 Λ A TEOLOGIA DO CORAÇÃO

Agostinho distinguía entre as coisas que se pretendia que fossem “usadas


[«//]” e as que se pretendia que fossem “deleitadas \fru2\ ” e que ele pusera
Deus na última categoria (Ag. Doc. Cr. 1.3.3-1.5.5 [CCSL 32:8-9]; Ag. Cm 11.25
\CCSL 48:344-45]). Mas esse “deleite de D eus \ffuitio Dei\” não sugeria de
forma alguma que o Senhor soberano do céu e da terra passaria a ser um
meio pelo qual a criatura obteria uma autorrealização solipsista (Edw. Rei.
Aff. 3.2 [Miller 2:240]). D o contrário, quando o coração estivesse finalmente
fundamentado na graça (Frnck. Pred. Inv. [1699:43]) e “tão logo o Salvador
tomasse posse do coração [...] ele logo diz ao [coração] a diferença entre o
certo e o errado” (Zinz. Beth. 2 [Beyreuther 6-IV:23]). A vida interior podia
ser nada mais nada menos que um obstáculo menor à vontade de D eus por
perfeição do que o eram as circunstâncias exteriores da sociedade (Fén. Ep.
26.vii.1689 [Masson, p. 224-25]): conform e o profeta Jeremias prometera (Jr
31.31), a autêntica moralidade tinha de ser inserida com o uma lei escrita no
coração (Zinz. Lond. Pred. 4.7 [Beyreuther 5-11:57]).
N o esforço para substituir “a evidência externa do cristianismo”, que
viera a ficar “mais ou menos difícil e comprometida”, com um apelo aos “ho-
mens (em especial, de reflexão) [...] para também examinarem a si mesm os e
prestarem atenção à luz brilhando em seu coração” (Wsly. Rei. cl 3.5 \LPT, p.
192]), a dimensão moral da conversão, transformação e renovação interiores
parecia fornecer um com ponente indispensável para as novas apologéticas.
“Quando o clero não tem religião e o povo está repleto de superstição”,
observou um sátiro, “a igreja, com certeza, está em uma condição de flo-
rescimento”. Mas a igreja, acrescentou ele, corria “grande perigo quando os
homens colocam sua religião na moralidade” (Tin. Cr. 11 [1730:169]), uma vez
que, conforme sugeriu outro crítico, os vícios do clero, para o olho filosófico,
são muito menos perigosos que suas virtudes” (Gib. Dec. 49 [Bury 5:299]).
A igreja, para fazer frente a esse perigo em seu próprio terreno, precisava
reconhecer que a apresentação e a defesa da mensagem cristã com o “religião
revelada” tinham de transformar a “santidade” em seu tema (Cone. Rei riv. 3.1
[1754-1:355]): independentemente de qual seja a posição filosófica de outras
declarações teológicas para a transcendência metafísica, era inegável que a
vida e a ética cristãs se caracterizavam pela “santidade transcendente” (Tnnt.
Serm. 13 [1744:259]); e fossem quais fossem as analogias entre o sobrenatural,
ou “afeições espirituais” e outras afeições mais “naturais” (Edw. Rei. Aff. 3.1
[Miller 2:208]), a noção pagã de amizade foi transcendida pela ideia cristã de
amor (Fén. Inst. 19 [Gosselin 6:113]), de m odo que “o cristianismo começa
exatamente no ponto em que a moralidade pagã termina” (Wsly. Serm. 21.1.9
Perfeição evangélica ♦♦♦ 207

[Baker 1:480]). Entre as “doutrinas [cristãs] a serem conhecidas, as promessas


e ameaças a serem cridas e os preceitos a serem obedecidos” (Tnnt. Disc.
6 [1745:312]), a forma doutrinai dos preceitos era o que, com poucos anos
de diferença entre um e outro, um bispo ortodoxo grego, um dominicano
italiano, um arcebispo francês e um anglicano que se negou a fazer juramento
se juntaram na identificação com o “perfeição evangélica” ou “a perfeição do
evangelho” (Men. Did. 1.5 [Blantês, p. 52]; Cone. Rei. riv. 3.15 [1754-1:455];
Fén. Ep. ll.viii.1689 [Masson, p. 247]; Lw. Ser. Cl. 3 [Moreton 4:22]). “A per-
feição da lei evangélica” também era um tema da pregação ortodoxa grega
no final do século (Blach. Log. 7 [1882:82-92]).
O imperativo de perfeição parecia ambíguo no sermão do monte: “Por-
tanto, sejam perfeitos com o perfeito é o Pai celestial de vocês” (Mt 5.48; Reim.
Apol. 2.1.1.8 [Alexander 2:30-33]). É possível identificar a diferença entre a
lei de M oisés e o evangelho com o repousando exatamente na “vida mais
perfeita” descortinada para os que creem no N ovo Testamento (Mrkrd. Off.
14 [1722:116]). N ão obstante, o próprio termo “perfeição”, mesmo com a
qualificação “perfeição do evangelho” ou “perfeição evangélica”, soava para
muitos ouvidos de m odo singularmente não evangélico e herege (Wsly. Serm.
43.1.9 [Baker 2:160]), uma vez que “a palavra tem vários sentidos” (Brnt.
Art. X X X IX . 16 [1700140]). Os novacianos, no século III, e os donatistas,
no século IV (Gtti. Coll. 3.3.5 [1727:480-81]), foram lembrados por terem
afirmado a possibilidade, talvez a necessidade, de uma igreja perfeita aqui
na terra e por terem declarado que esta aparecera na forma de sua própria
seita (Deutsch. Lut. 2.2.10 [1698:89-90]; veja vol. 1, p. 311-16). N esse perío-
do, Spener foi acusado de ensinar um falso perfeccionismo (Spen. Albrt. 12
[1696:10]), mas ele negou a acusação e se empenhou em explicar com o o
imperativo de perfeição tinha de ser entendido (Spen. Bed. 1.1.20 [Canstein
1 :1 1 0 - 1 2 ]), mesmo quando lembrou seus leitores que “não som os proibidos
de buscar a perfeição, mas som os estimulados em seguir em direção a ela”
(Spen. Pi. Des. [Aland, p. 47]). Os morávios, considerando-se os herdeiros
teológicos de Spener, sob a liderança de Zinzendorf, falavam com frequência
com o se a total perfeição moral fosse inalcançável deste lado do céu (Zinz.
Lond. Pred. 5.8 [Beyreuther 5-11:234]; Zinz. Gespr. 1 [Beyreuther 1-111:7-8]).
Eles, por esse perfeccionismo deles (Beng.Brud. 1.1.15 [1751:135]), foram por
sua vez atacados pelos teólogos da Europa e também dos Estados Unidos
(Tnnt. Nec. app. [1743:78]).
John Wesley, a despeito de sua dívida e afinidade com os morávios,
estava entre aqueles que os atacavam por essa posição, ele que chamara Zin-
208 ♦♦♦ A TEOLOGIA DO CORAÇÃO

zendorf de “aquele grande homem mau” (Wsly. Serm. 48.3.2 [Baker 2:249])
e equiparara o perfeccionismo deles com o antinomianismo (Wsly. Serm.
13.1.5 [Baker 1:318-19]). Contudo, Wesley foi ao m esmo tempo o porta-voz
mais eficaz no século XVIII para a definição de “perfeição evangélica”. Ele,
de um lado, afirmou que “um cristão está tão longe de ser perfeito quanto
de não cometer pecado” e que os “cristãos são salvos neste mundo de todo
pecado” (Wsly. Serm. 40.2.20,40.2.28 [Baker 2:116,120]); ele, de outro lado,
advertiu contra “a extrema possibilidade de causar danos dessa opinião
aparentemente inocente de que não há pecado em um cristão” e contra “a
inferência: ‘não sinto nenhum pecado, portanto, não tenho nenhum’ ” (Wsly.
Serm. 43.1.5-6, 43.3.11 [Baker 2:158-59, 166]). Esse tratamento paradoxal
da perfeição tem suas raízes no próprio N ovo Testamento. Uma passagem
prometia que “todo aquele que é nascido de D eus não pratica o pecado,
porque a semente de Deus permanece nele; ele não pode estar no pecado,
porque é nascido de D eus” (ljo 3.9); no entanto, essa noção “não é para ser
entendida com o se aquele que é nascido de D eus estava, por conseguinte,
em estado absoluto de perfeição e, a partir dali, incapaz de cair em qualquer
coisa que fosse pecaminosa” (Lw. Cr. perf. 2 [Moreton 3:27]), uma vez que
“João escreveu sua primeira epístola para os cristãos de sua época” (Edw.
Orig. sn. 1.1.4 [Miller 3:135]) e advertiu que “se afirmarmos que estamos
sem pecado, enganamo-nos a nós m esm os” (ljo 1.8). Outra passagem do
N ovo Testamento — pelo menos quando era interpretada de acordo com a
exegese dela feita pelos reformadores (veja vol. 4, p. 218-20) — descrevia o
cristão com o afligido por “outra lei [...], tornando-me prisioneiro da lei do
pecado” (Rm 7.23), o que significava que “a graça concedida na conversão
é imperfeita” (Stod. Conv. 16 [1719:88]).
Assim, “perfeição”, conforme observado por Wesley, podia significar
várias coisas (Wsly. Serm. 13.5.2 [Baker 1:333]). Embora um estudioso tenha
sugerido que “a doutrina da justificação desenvolvida por Wesley [...] não pode
ser lida com o uma peça refletida e equilibrada de instrução doutrinai, [...] [mas]
muito mais na condição de um diário de sua jornada teológica” (Deschner
[1960], p. 180), seu entendimento básico da perfeição parecia repousar na
distinção entre “aperfeiçoar a perfeição” e a “perfeição aperfeiçoada” (Wsly.
Serm. 40 [Baker 2:99-124]). A perfeição “aperfeiçoada” era um atributo es-
sencial de Deus, que era um “imenso oceano de todas as perfeições” (Wsly.
Re¿, cl. 1.12 [LPT, p. 186]), mas a perfeição, para o cristão, continuava a ser
um objetivo, em última análise reservado para a vida eterna (Beng. Gnomm.
Mt 19:21 [Steudel, p. 118]). “Aperfeiçoar” a perfeição, em contrapartida, era
Perfeição evangélica ♦♦♦ 209

um dom e um processo vivido aqui nesta vida; começava com o ato divino
da justificação pela graça por intermédio da fé, na qual o cristão era “reno-
vado, limpo, purificado e santificado” (Wsly. Serm. 1 3 . 5 . 2 [Baker 1 : 3 3 3 ] ) , mas
“não [...] inteiramente” e por meio do qual o cristão progredia em direção ao
objetivo e continuaria progredindo até o fim de sua vida. “Penso na justifica-
ção”, escreveu Wesley em seu Diário (Wsly. Dia. 1 4 . V . 1 7 6 5 [Jackson 3 : 2 1 2 ] ) ,
“exatamente com o o sr. Calvino pensa. N esse aspecto, não difiro dele em um
fio de cabelo”. A perfeição era o crescimento em direção à maturidade cristã
(Nss. Dipp. 7 [17 0 1 : 4 6 ] ; Ost. Etb. 1. 4 . 4 [17 2 7 : 1 1 6 - 1 7 ] ) . A obra de William Law,
Um tratadoprático sobre aperfeição cristã, que Wesley endossou e continuou a ler
a despeito de suas críticas ao autor (Wsly. Serm. 1 7 . X . 1 7 8 7 [LPT, p. 1 0 6 - 8 ] ) ,
confessava em sua introdução: “Se D eus não perdoasse as fragilidades e as
indecisões, o melhor dos homens não poderla ser recompensado” (Lw. Cr.
Pef. int. [Moreton 3 : 9 ] ) .
A doutrina da regeneração e perfeição, com o resultado da doutrina da
justificação, tiveram uma carreira surpreendentemente irregular na história
cristã, tendo com frequência sido tomadas com o garantidas, em vez de
explícitamente elaboradas em uma exposição teológica satisfatória. Isso,
pelo menos em parte, foi atribuído a uma certa relutância de falar sobre a
santificação por medo de cair na hipocrisia ou, de alguma maneira, de dar a
impressão de ser hipocrisia (Zinz. Lond. Pred. 4.7 [Beyreuther 5-11:55]). Com
certeza, o clássico ideal de “bondade combinado com beleza [καλοκαγαθία]”
podia reivindicar uma continuidade de suporte dos autores cristãos e também
dos autores pagãos (Mrkrd. Off. 19 [1722:192-97]). Contudo, embora fosse
exato recorrer simultaneamente a um consenso sobre a exigência de perfeição
entre “todos os pais, todos os autores ascéticos e todos os contemplativos
aprovados pela igreja” (Fén. Gr. préd. 1.5 [Gosselin 2:173]) e, ainda assim,
concluir que não havia “o mínimo indício da [noção de perfeição imaculada
absoluta] em qualquer escritor antigo ou moderno” (Wsly. Serm. 13.3.9 [Baker
1:324]), também continuava a ser verdade que “muitos teólogos tanto antigos
quanto modernos” permaneciam estranhamente silenciosos a respeito da
doutrina da regeneração (Stod. Api. 1 [1709:34]).
Os reformadores das várias denominações que exigiam melhorias e mu-
danças, com o em períodos anteriores (veja vol. 4, p. 180-82), recorreram a uma
imagem idealizada da moralidade da igreja primitiva (veja p. 66-67 acima), na
qual “só pouquíssimos” não levavam os imperativos morais a sério (Mmchi.
Orig. ant. 3. pr. [1749-111:2]). Um resumo de um dos relativamente poucos
tratamentos positivos da riqueza na igreja primitiva, Quem é 0 homem rico que
210 ♦♦♦ A TEOLOGIA DO CORAÇÃO

é salvo?, de Clemente de Alexandria (Clem. Q . d. s. \GCS 3:159-91]), serviu


com o urna forma de incutir uma atitude eticamente responsável em relação
à propriedade (Mrkrd. Off. 19 [1722:202-6]). Mais uma vez a interpretação
agostiniana da perfeição com o um atributo que não era possível alcançar
sob as condições da existência histórica e que só se aplicavam aos cristãos e
à igreja em um sentido escatológico produzido para ajustar as expectativas
irrealistas sobre uma vida imaculada e uma comunidade de santos à qual a
leitura superficial da Bíblia podia levar (Gtti. Coll. 3.3.5 [1727:480-81]; veja
vol. 1, p. 310-21). Ambrosio, o mentor de Agostinho, escreveu um livro,
Sobre as obrigações (De officiis), claramente modelado segundo a famosa obra de
Cícero de m esm o nom e (Ambr. Off. 1.7.24 [.PL 16:30]); quando um manual
ortodoxo grego de ética do com eço do século XVIII também adotou esse
título, o tratado de Ambrosio, a despeito de sua procedência ocidental e
latina, foi escolhido com o m odelo (Mrkrd. Off. 1 [1722:5]; veja vol. 2, p. 45).
N ão obstante, todas as igrejas, na ética não menos que na doutrina, ten-
diam a recorrer específicamente a suas próprias tradições. Por exemplo, João
Crisóstomo dominava a discussão da “temperança [σωροσυνη]” no ensina-
mento de um teólogo moral ortodoxo oriental (Mrkrd. Off. 12 [1722:69-70,
71-72, 78-79, 83]). A posição de autoridade doutrinai ocupada por Tomás
de Aquino deu a suas discussões sobre ética, quer filosófica quer teológica,
um lugar especial no catolicismo-romano do século XVIII, conform e ficou
evidente, por exemplo, nas várias definições de “justiça” na obra A suma de
Tomás de Aquino acomodada aosprocedimentos acadêmicos atuais de Charles-René
Billuart (Blrt. S. T.Jur.just. 5.1-2 [Lequette 4:81-86]). As interpretações equi-
vocadas a que estava submetida a doutrina da Reforma da justificação pela fé
sem obras já no século XVI fez com que a sinceridade e severidade moral dos
reformadores (Scriv. Seel. 4.12 [Stier 6:621]), conforme expressa na experiência
de Lutero de “julgamento \Anfechtung\” (veja vol. 4, p. 195-97), e a resistência
dos reformadores ao antinomianismo parecessem especialmente relevantes
para uma nova situação (Tnnt. Nec. 1 [1743:20-21];Tnnt. Disc. 3 [1745:178]).
A o m esmo tempo, aconteceu uma mudança irônica: os reformadores acusa-
ram o catolicismo medieval de exaltar as obras em detrimento da graça e da fé
(veja vol. 4, p. 211-12), mas agora os protestantes foram obrigados a admitir
que o moralismo exercia mais influência em muitas terras protestantes que
exercia no catolicismo-romano (Zinz.^»g. Conf. 14 [Beyreufher 6-11:252-54]).
Por conseguinte, uma das diferenças entre essas tradições da doutrina
ética e transposição ética da doutrina que estavam se tornando audíveis
agora era a consideração da própria questão de com o o imperativo moral se
Perfeição evangélica ♦♦♦ 211

relacionava com a doutrina cristã. A “doutrina cristã”, advertiría um escritor,


“é o único alicerce sólido e firme para a mais alta perfeição” (Arb. Inst. 1.19
[1765:91]). A teologia que permanecia no intelecto sem formar a vontade era
morta, mas o inverso também era verdade: a alma, se fosse para passar por
uma transformação verdadeira, tinha de ser modelada e reavivada por uma
teologia viva (Frnck. Meth. 1.2 [1723:4]). As obras de criação e providência
ensinavam santidade (Stod. Conv. 4 [1719:18]), mas elas não realizavam esta
no indivíduo (Lw. Ser Cl. 2 [Moreton 4:20]); para isso era necessária a graça
divina, e o perigo de perder a graça era a “única preocupação” do cristão
(Frnck. Pass. Marc. 10 [1724:301]). O amor, na justificação, era distinto de fé,
mas na regeneração, eles eram inseparáveis (Wsly. Serm. 5.2.1 [Baker 1:187]).
Era errado “afirmar que a santidade ou obediência universal tem de preceder
a justificação” (Baum. Pred. 1.4 [Kirchner 1:109-10]; Wsly. Serm. 5.3.2 [Baker
1:191]), mas não era menos errado esquecer que “o conhecimento de Deus
é inseparável da santidade” (Stod. Conv. 7 [1719:32]; Terst. Bros. 2.4 [Becher
4:155]). N a “impressionante expressão” da tradução de Lutero do N ovo Tes-
tamento, o cristão tinha de “perseguir \jagen\ a santificação” (Fp 3.14 [Lut.]).
Era necessário reconhecer que a “prática cristã é o sinal dos sinais” (Edw.
ReLAff. 3.12 [Miller 2:444]) e que “o cristianismo consiste de prática” (Spen.
Pi. Des. [Aland, p. 61]) porque, “na religião, a missão de conhecer [...] é prá-
tica, e o primeiro, sem o último, só serve para aumentar nossa culpa atual e
punição futura” (Tnnt. Disc. 5 [1745:249]). A “convicção sobre a verdade da
doutrina”, por si mesma, não é suficiente, uma vez que “a vida pura dos cristãos
é a única recomendação da doutrina pura” (Sem. Erkl. pr. [1777:B8v-Clr]),
e aqueles que desejam o consolo da graça tinham de ser diligentes em seu
exercício (Tnnt. Disc. 5 [1745:275]). Quando até mesmo críticos bem mode-
rados acusaram as igrejas protestantes de “caça [indiscriminada] à heresia”
(Lang. Mttl. 2.2 [1712:115-18];Zies. Unver. Gew. [1696:23]; Span. Cont. [Marck
3:894]), os defensores da ortodoxia não puderam discordar (Lschr. Dr. pred.
1 [1733:19]), uma vez que tinham de reconhecer que houvera momentos em
que o “zelo pela ortodoxia” fora inapropriado e que os teólogos fizeram mau
uso do termo “fé” para se referir apenas à doutrina em detrimento da vida
de santidade (Nss. Dipp. 5 [1701:44]). Mas eles insistiram que a prática por
si mesma não era suficiente para a salvação e que tanto a doutrina quanto a
moralidade eram necessárias (Wer. Mise. 16 [Rybinerus 2:293]; Ost. D%. serm.
5 [1722:190-91]; Lschr. Hor. [1734:2η; Lschr. D r.pred. 1 [1733:8]); o nome de
Deus, conform e ensinava o Catecismo menor de Lutero (Lut. Kl. Kat. 3.4 \Bek.,
p. 512]), era santificado “quando a palavra de D eus é ensinada de forma clara
212 Λ . A TEOLOGIA DO CORAÇÃO

e pura e nós, com o filhos de Deus, levamos uma vida santa de acordo com
ela” (Casp. Beyl. 2 [1724:35-36]; Zinz. Red. 5 [Beyreuther 1-11:66]; Zinz. Sieb.
6 [Beyreuther 2-1:55]). Contudo, também na cópia dos evangelhos dos defen-
sores da ortodoxia Jesus disse aos mestres da lei e aos fariseus “ortodoxos” de
sua época: “Se alguém decidir fazer a vontade de Deus, descobrirá se o meu
ensino vem de D eus” (Jo 7.17; Zinz. Soc. 21 [Beyreuther 1-1:211]; Zinz. Off.
red. 26 [Beyreuther 2-IV:298]). U m crítico do protestante ortodoxo (Dipp.
Hrt. 1 [1706:9]), transformando esse dito na epígrafe de um livro e o tema de
outro (Dipp. Orí. [1699]), poderia parafrasear outro dito de Jesus, no julgamento
final: “ ‘Malditos, apartem-se de mim’, vocês ortodoxos bem-intencionados,
mas malfeitores; [...] nunca ordenei que tivessem opiniões certas, mas que
fizessem as obras certas, pois esse é o fundamento para toda verdade e a
confissão desta” (Mt 25.41; Dipp. Hrt. 2 [1706:33]). Isso sugeria que na vida
e nas “obras certas” tinha de haver conformidade, mas que a doutrina e a
confissão da igreja agora se tornara pouco mais que “opiniões”.
D esde os debates da Reforma (veja vol. 4, p. 192-220,243-53) ou talvez
desde as epístolas de Paulo e de Tiago, a relação da vida e da doutrina está
enraizada acima de tudo na distinção e, ainda assim, conexão inseparável entre
as doutrinas da justificação e da santificação. William Law, em sua obra Um
chamado sério à vida devota e santa, afirmou com o fundamental o fato de que
“isso e apenas isso é cristianismo: a santidade universal em todos os aspee-
tos da vida” (Lw. Ch. ser. 10 [Moreton 4:90]). Mas ele não pretendia reduzir
o evangelho a um moralismo ignorando a redenção porque esse aspecto
fundamental era um resultado do fundamental que ele enunciara antes: “O
Filho de D eus nos redimiu para esse fim: que vivamos, por meio de uma
vida de razão e piedade, para a glória de Deus; essa é a única regra e medida
para toda ordem e condição de vida” (Lw. Ch. ser. 4 [Moreton 4:37]). Quando
Cristo disse: “A sua fé a curou!” (Mt 9.22); ele não se referia àquela fé que os
demônios também podiam ter (Tg 2.19), mas ao que Paulo descrevera com o
“a fé que atua pelo amor” (G15.6): os teólogos ortodoxos (Fil. 37. 58 [Soc. Fil.
2:105]), os pais do Concilio de Trento (veja vol. 4, p. 355-56) e John Wesley
(Wsly. Serm. 2.2.6 [Baker 1:139]), todos transformaram esse no texto favorito
para a relação resultante entre a justificação pela fé e a vida santa. Era na
verdade “consenso universal de todos que são ortodoxos” (Lang. Λ nribarb.
[1709-1:454]) (pelo menos de acordo com as definições da Reforma) que a
fé justificadora, embora “a palavra ‘justificar’ não tenha de ser entendida no
sentido moral” (Tnnt. Disc. 11 [1745:17]), ainda assim tinha de ser uma fé
viva, que produzia não só o perdão dos pecados, mas também uma renovação
Perfeição evangélica 21 3

da vida, e era um crasso “abuso da doutrina” da justificação (Lang. Antibarb.


[1709-1:455]) concluir a partir dela “que alguém pode ser salvo sem boas
obras” (Ost. Corrupt. 1.4 [1700-1:128-29]).
Os pietistas, para salvar a justificação desse abuso, interpretavam-na como
“uma ação [e estado] contínua”, com o uma linha, e não um ponto (Frnck.
Bcht. [Peschke, p. 94]). Mas, então, eles tiveram de se defender da acusação
de que, apesar do uso no N ovo Testamento, definir fé com o “obediência”
(Rm 1.5; 16.26) era uma confusão de “justificação” com “renovação” (Nss.
Dipp. 5 [1701:42]). Havia quase uma convicção universal de que era “da maior
importância” a recuperação da disciplina da igreja primitiva agora (Spen.
Pi. Des. [Aland, p. 49-51]; Frnck. Bcht. [Peschke, p. 103]), pois “Jesus Cristo
estabelecera a autoridade e a disciplina da igreja” (Ost. Arg. ref. Mt 18; 1Co
5 [1720-11:28, 209]; Ost. Cat. [1747:59-60]), e a igreja tinha de sustentar e
defender sua liberdade para exercer essa autoridade e disciplina (Dtr. Lmp. 51
[1717:94]; Lmp. Dtr. [1717:13]). O Espírito Santo que habitava na igreja primi-
tiva não conferiría verdadeira sabedoria a não ser para aqueles que não viviam
mais por conta própria (Grig. Mont. Am. sag. 16.194 [Gendrot, p. 199]). Isso
exigia “uma transformação real e também uma relativa” (Wsly. Serm. 40.1.4
[Baker 2:158]). O objetivo da “completa santidade” (Men. Did. 1.2 [Blantés,
p. 102]) continuava a ser um ideal mesmo quando parecia inalcançável (Lw.
Cr.perf. 14 [Moreton 3:235]) e, ainda assim, ela estava “evidente em todas as
direções que nenhum dos preceitos de Cristo era observado abertamente”
(Spen. Pi. Des. [Aland, p. 28]). Se nessa atmosfera ficava cada vez mais difícil
creditar as declarações de uma “teologia [ortodoxa] do coração”, necessária
para efetuar a transformação “real” e também a “relativa” à qual todos de
dentro e também de fora das igrejas foram chamados, a alternativa era “co-
locar religião na prática da moralidade em obediência à vontade de D eus”
(Tin. Cr. 13 [1730:298]), ou seja, “a prática dessas tarefas que resultam da
relação que mantemos com D eus e o hom em ” (Tin. Cr. 2 [1730:20]) ou, na
fórmula mais conhecida de Immanuel Kant, para a religião se definir com o
“o reconhecimento de todas nossas tarefas com o ordens divinas” (Knt. Re¿.
2. con. [Cassirer 6:227]).
Uma autoridade para a perfeição evangélica, autoridade essa que fosse
uma e ao mesmo tempo tanto moral quanto doutrinai (veja vol. 3, p. 159-
60, 169-71, 192), ainda permanecia inabalável, verificada pelo testemunho
interno do coração e intocada pelos ataques da “especulação” racionalista ou
pela ruptura de uma ortodoxia externa que consistia de “rotina de recitação”
(Terst. Bros. 3.5 [Becher 5:208]): o chamado à “ação” na imitação de Cristo,
214 ♦ ♦ ♦ A TEOLOGIA DO CORAÇÃO

conforme ensinado no N ovo Testamento, “um exemplo de virtude que, se


não fosse pela amedrontadora depravação da natureza, teña influência sobre
aqueles que vivem sob o evangelho, muito além de todos os outros exemplos”
(Edw. Orig. sin. 1.1.9 [Miller 3:199]). William Law, para sua exposição da per-
feição evangélica, usou de forma consciente a literatura devotional católica
e protestante (Lw. Cr. perf. 13 [Moreton 3:215-32]), acima de tudo a obra A
imitação de Cristo, de Tomás de Kempis (veja vol. 4, p. 92-93). Ele não estava
sozinho em lançar mão dessa obra nessa época, pois a despeito de ocasional
objeção (Naud. Myst. 1.1.2 [1713:3]), o reconhecimento do valor da obra ^4
imitação de Cristo ultrapassava as fronteiras entre as igrejas (Poir. Oec. div. 5.10
[1705-11:617]). Na Alemanha protestante, o luterano Johann Olearius traduziu
essa obra para o alemão em 1671; o reformado Gerhard Tersteegen também
fez o m esmo em 1727; e a obra recebeu a recomendação de Spener, Francke
e de Zinzendorf (Spen. Pi. Des. [Aland, p. 75]; Frnck. Id. 46 [Peschke, p. 198];
Zinz. Off. red. 1.1 [Beyreuther 2-111:9]). N a Alemanha católica-romana, em
1728, o agostiniano Eusébio Amort com pôs uma dissertação erudita e espe-
cializada com o parte de uma edição crítica, defendendo a autoria de Tomás
de Kempis (Amrt. Tos. Kemp. [1761]); no ano seguinte, o beneditino Tomás
de Aquino Erhard tentou provar que a obra Λ imitação de Cristo já era usada
no século XIII (Erdrd. Kemp. 13 [1729:72-75]) e deve ter sido escrita por
um m onge beneditino medieval (Erhrd. Kemp. 24 [1729:122-25]); e Johann
Michael Sailer, futuro bispo de Ratisbona, para quem A imitação de Cristo e os
escritos de Fénelon só ficavam atrás da Escritura em valor religioso, publicou
sua própria tradução da obra para o alemão em 1794 (Sail. Ep. 18.ii.1800
[Schiel, p. 195]), que ele recomendou para aqueles que eram “cristãos sinceros
[innijff'’ (Sail. Ep. 29.ix.1797 [Schiel, p. 157]); a tradução de Sailer continuou
a ser impressa no século XX.
A obra Λ teologia do coração, do protestante francês Pierre Poiret, em har-
monia com esses alemães protestantes e católicos-romanos, advertia: “Imite
Jesus Cristo, pois ele é o guia supremo das almas” (Poir. Teol. cr. 1.1.4 [1690-
1:51]; O st Arg. ref. Mt 10 [1720-11:15]), enquanto os luteranos ortodoxos e
outros luteranos ensinavam que “a imitação de Cristo também em sua cruz
e sofrimento é uma parte necessária do verdadeiro cristianismo” (Baum.
Pred. 3.10 [Kirchner 3:336]; Nss. Dipp. 4 [1701:39]). A obra A imitação de
Cristo, de acordo com os católicos-romanos da França e da Itália (Fén. Inst.
40 [Gosselin 6:153]; Fén. Gr.préd. 1.5 [Gosselin 2:174]), era uma autoridade
para a prioridade da prática sobre a definição teológica (Tos. Kemp. Im. Cr.
1.3 [Pohl 1:8-11]), mas também para a centralidade da virgem Maria para a
Perfeição evangélica ♦ ♦ ♦ 215

vida cristã (Af. Lig. Gl. Mar. 1.10 [Prato, p. 235-36]). A ortodoxia oriental e o
metodismo (veja vol. 4, p. 96) se juntaram na citação dos pais da igreja pri-
mitiva em apoio “da imitação do Deus que você adora” com o central para a
vida e a adoração cristãs (Mrkrd. Off. 16 [1722:125]; Strz. Man. 5.4 [1828:218];
Wsly. Serm. 29.6 [Baker 1:635]). Por essa razão, Gilbert Tennent pôde falar
para todas as igrejas quando definiu “a imitação de Cristo” com o consistin-
do “das virtudes morais das quais a lei é uma regra, sob a qual Cristo, com o
homem, foi feito e à qual ele se conform ou perfeitamente” (Tnnt. Disc. 4
[1745:199]). William Law interpretou o tema da imitação de Cristo com o a
principal inovação que Cristo introduzira em seus preceitos morais (Lw. Ser.
Cl. 20 [Moreton 4:215]) e estava disposto a identificar a imitação de Cristo
como “o único fim de todos os conselhos, ordens e doutrinas de Cristo” (Lw.
Cr. perf. 13 [Moreton 3:216]).
A subordinação a “todas as doutrinas” — que parecería ter de incluir a
doutrina ortodoxa sobre a pessoa e a obra do próprio Cristo — ao “principal
fundamento da religião” (Lmp. Ghm. 5 [1719-1:171-259]; Frnck. Id. 42 [Pes-
chke, p. 193]), a imitação de Cristo em sua cruz e sofrimento (Zinz. Soc. 28
[Beyreuther 1-1:266]) era uma arma que podia facilmente se voltar contra a
doutrina ortodoxa. Johann Konrad Dippel, sob o pseudônimo “Demócrito
cristão”, também jurou fidelidade ao “exemplo [de Cristo] para imitação”,
uma vez que “a doutrina e as palavras de Cristo são simples e claras, sem
qualquer contradição” (Dipp. Orí. 4 [1699:34-35]). N o entanto, apenas o
que equivalia a ficar ainda mais “simples e claro” um pouco mais adiante no
mesmo tratado, quando ele identificou os ditos hereges do passado, que se
opuseram à doutrina ortodoxa, com o “aquelas pessoas inocentes que eram
com frequência excomungadas pela ‘igreja verdadeira’ ”, embora tenham
sido eles, e não a ortodoxia, “que no m odo de viver se aproximaram mais
das palavras e exemplo de Cristo” (Dipp. Ort. 7 [1699:102]). William Law
mostrou seu conhecimento desse grande perigo quando lembrou a seus lei-
tores: “Poderiamos fazer e sofrer tudo que o próprio Cristo fez ou sofreu,
contudo, se tudo não fosse feito no mesmo espírito e disposição mental de
Cristo, não teríamos nada de seu mérito” (Lw. Cr. perf. 2 [Moreton 3:33]).
Contudo, o “espírito e a disposição mental de Cristo” apresentados nos
evangelhos incluíam, com frequência em uma mistura desconcertante, os dois
elementos que a Reforma, com base nas epístolas paulinas, expôs com o a dis-
tinção entre a lei e o evangelho (veja vol. 4, p. 232-36,277-80). Uma ilustração
impressionante da dificuldade com a distinção foi a declaração mais amada dos
ensinamentos de Cristo no N ovo Testamento, o sermão do monte registrado
216 * A TEOLOGIA DO CORAÇÃO

nos quinto, sexto e sétimo capítulos do evangelho de Mateus. Um teólogo


reformado denominou-a de “a lei do evangelho” (Ost. Arg. ref. Mt 5 [1720-
11:7]), Wesley transformou-a no alicerce de uma série de treze sermões (Wsly.
Serm. 21-33 [Baker 1:469-698]) e um defensor católico-romano da primazia
da revelação reimprimiu o texto completo de todos os três capítulos (Conc.
Reí. riv. 3.11 [1754-1:417-24]). Para Aleksandr Sturza, um teólogo ortodoxo
russo leigo, as beatitudes, com as quais se inicia o sermão do monte, eram
urna epítome da “nova leí” (Strz. Man. 3.3 [1828:100-102]), enquanto John
Wesley falou delas com o “o resumo de toda a religião verdadeira” (Wsly. Serm.
21.1.1 [Baker 1:475]). A regra de ouro registrada no sermão do monte: “Em
tudo, façam aos outros o que vocês querem que eles lhes façam” (Mt 7.12),
continha, pelo menos em princípio, todos os tipos de obrigações envolvidas
nas relações humanas (Mmchi. Orig. ant. 3.3.2.1 [1749-111:420]). N o entanto,
em meio a toda essa concordância havia a controvérsia denominacional a
respeito de um aspecto do sermão do monte. Suas exigências absolutas (cuja
relevância estava para se tornar mais uma vez uma grave questão teológica e
exegética nos debates do século X X sobre “escatologia consistente” [veja p.
286-87 abaixo]) fora interpretada no pensamento medieval tanto do Oriente
quanto do Ocidente com o não obrigatória para os cristãos comuns do m odo
com o as exigências universais da lei eram (veja vol. 2, p. 274-75), mas com o
incumbência apenas dos adeptos ascéticos da “vida religiosa”, que as pra-
ticavam com o conselhos evangélicos de perfeição (Tos. Aq. A T 2.1.108.4
[Ed. Leon. 7:287-88]), em especial a “perfeição” da pobreza total e do celibato
completo (Span. Εν. vind. 3.4 [Marck 3:440-41]). Mas os reformadores protes-
tantes rejeitaram essa distinção (Wsly. Serm. 21.int.5 [Baker 1:472]), tornando
o imperativo moral da perfeição evangélica aplicável a todos (Lw. Cr. perf. int.
[Moreton 3:5]). Eles, ao mesmo tempo, reinterpretaram aquelas ordenanças
não com o sentido de uma renúncia completa ao casamento e pobreza; “ao
contrário, o espírito de renúncia mundana tem de ser levado para o curso
normal da vida diária no próprio mundo” (Trlsch. Sog. 3.1 [Baron 1:507]).
C om o parecia para alguns dos herdeiros da Reforma que ninguém
fora “mais ignorante da doutrina da santificação ou mais confuso em suas
concepções dela” que Lutero (Wsly. Serm. 17.X.1787 [Jackson 7:202-13]), a
distinção entre a lei e o evangelho elaborada por Lutero era um recurso em
relação ao qual muitos estavam cada vez mais inquietos (Zinz. Land. Pred.
1.10 [Beyreuther 5-1:77]). O próprio título dado por Bunyan a sua obra A
doutrina da lei e da graça desenvolvida deixara evidente, bem com o sua exigência
de que “esses dois sejam [...] exibidos [...] junto com a natureza do primeiro
Perfeição evangélica ♦♦♦ 217
e a natureza do outro” (Bnyn. Leigr. pr. [Sharrock 2:11]). Edwards referiu-se
à relação com o uma “analogia” (Edw. A f. rei. 2 [Miller 2:154]), mas também
se referiu à “distinção a ser feita entre um [método] legal e [um] método
evangélico” de ensinar e vivenciar a vontade de D eus (Edw. A f. rei. 3.6, 2
[Miller 2:311, 151-52]); Wesley exigia “a conexão mais estreita que pudesse
ser concebida” entre elas (Wsly. Serm. 25.2.3 [Baker 1:554]); e Tennent falou
da “harmonia” delas (Tnnt. Disc. 2 [1745:99]). Tindal foi muito além da mera
analogia, conexão e harmonia para afirmar que “o desígnio do evangelho não
era acrescentar à lei ou tirar dessa lei [da natureza ou da razão], mas libertar
os homens do peso da superstição que estivera misturada a ela” (Tin. Cr. 1.
[1730:8]). Qualquer visão assim da identidade entre a lei e o evangelho tinha
de rejeitar com o “heresia absurda” a “minimização das palavras e ordens de
Cristo” que pareciam estar implícitas pela disjunção entre os dois no pensa-
mento de Lutero, com o se “Cristo, com o o intérprete da lei, quisesse apenas
mostrar o que é exigido do hom em para a perfeita obediência da lei, de modo
que pudesse revelar para o homem quão depravado ele era” (Dipp. Ort. 4
[1699:37-38]), não com o o homem podia de fato obedecer à lei.
A percepção de “Jesus Cristo com o o legislador supremo de tudo” (Mos.
Vind. disc. 2.1.5 [1722:264-65]) e o uso da lei com o uma norma para a vida
cristã, que Calvino e seus seguidores formularam com maior consistência que
os teólogos luteranos (veja vol. 4, p. 277-82), também indicava, de acordo
com um eticista reformado, que “as leis [de Deus] foram dadas a fim de serem
observadas, pois do contrário elas seriam inúteis” (Ost. Eth. 1.2.2 [1727:57]).
O evangelho de Cristo não acrescentou à lei nem a anulou, mas “explicou
0 verdadeiro sentido da lei” de m odo que “o conhecimento perfeito [dos
mandamentos] deve ser buscado no evangelho” (Ost. Eth. 1.2.2 [1727:56];
Ost. Arg. ref. Ex. 20 [1720-1:48]). N o entanto, o m esm o teólogo, em outro
contexto, também poderia falar sobre “a diferença, ou, antes, a oposição,
entre a lei e o evangelho” (Ost. D%. serm. 2 [1722:56]). A doutrina das “vir-
tudes e obrigações” era o conteúdo essencial da teologia moral (Mrkrd. Off.
1 [1722:3]). Por essa razão, as depreciações de Agostinho — considerando
de fato “defeitos” todas as “virtudes” sem D eus e a graça — (Ag. Civ. 19.25
[C O A 48:696]) levaram até mesmo alguns indivíduos do catolicismo-romano
a sugerir que talvez ele fora “longe demais” (Nrs. Vind. Aug. 3.4 [Berti 2:306-
13]) ou, pelo menos, explicar que as boas obras realizadas fora de um estado
de graça não eram de fato “pecados” (Amrt. Teol. eclec. 7.3.8 [1752-2-11:104]).
Sem a graça era impossível amar a Deus sobre todas as criaturas (Bert. Teol
disc. 18.4 [1792-IV:14]), mas, assim mesmo, as boas obras feitas nesse estado
218 A TEOLOGIA DO CORAÇÃO

podiam ser chamadas de boas “com respeito ao seu objeto e seu objetivo
imediato, embora não em relação a seu objetivo supremo” (Bert. A u 2. 3.2
[1747-1:403]).
Os luteranos ortodoxos (e também os jansenistas), alegando estarem
mais próximos de Agostinho que essa posição católica-romana oficial (Drnd.
Fid. vind. 1.25 [1709:81-87]), continuaram a enfatizar “a impossibilidade de
cumprir a lei” (Neum. Marp. 2.5 [1727:150]; Qnl. Clém.IX. 1.1 [1700:16]) e
a absoluta necessidade de preservar a “ordem e distinção” (Schmdt. Bcht.
[1662:5]) apropriadas entre a lei e o evangelho: “A lei não é o evangelho, e o
evangelho não é a lei” (Deutsch. Gnad. [1701:4r]). Esse princípio aplicava-se à
ética e à pregação, “mas acima de tudo e em especial à prática da penitência”
(Schmdt. Bcht. [1662:7]). O pietismo, embora os ataques desses luteranos
ortodoxos (Mayr. Anti-Spen. 5 [1695:32]) o tenham forçado a se defender da
acusação de confundir a lei e o evangelho, expressou seu protesto contra “o
abuso do texto-prova, ‘o fim da Lei é Cristo’ ” (Spen. Beant. 4.14 [1693:208-
9]; Rm 10.4), com o se não houvesse imperativo na doutrina da graça para se
levar uma vida de acordo com a lei de D eus (Frnck. Pred. Trin. 18 [1699:4];
Zeis. Unver. Gew. [1696:19]). N ão era de m odo algum “um paradoxo” falar
sobre “a lei do evangelho” (Stngr. Ges. [1693:9]).
O conceito do N ovo Testamento de “consciência [συνειδησις]” (Jo 8.9;
Beng. Gnom. Jo 8 [Steudel, p. 364-65]) ou, com o denominou um pensador
ortodoxo oriental, “a consciência do indivíduo” (Strz. Man. 1.2 [1828:13]) —
a despeito de sua ausência dos evangelhos, exceto por uma leitura variante
na perícope que era ela mesma suspeita da perspectiva textual — provou ser
um recurso útil para a internalização do imperativo ético com o um elemen-
to integral da “teologia do coração”. Dizia-se, no vocabulário psicológico
técnico da época (Beng. Gnom. lT m 1:5 [Steudel, p. 829]), que o alicerce da
consciência estava no intelecto, enquanto que o do amor estava no coração
(Ag. Conf. 10.27.38 [C O A 27:175]); a consciência, conforme demonstrou o
exemplo de Agostinho, estava sujeita a exame com base no amor (Fén. Let.
div. [Gosselin 1:144]). N ão obstante, a convocação autêntica à conversão e
à transformação moral, por contraste com a “hipocrisia” da conformidade
externa, era dirigido tanto ao “seu coração quanto a sua consciência” (Frnck.
Pred. Epiph. 5 [1700:24-25]; Frnck. Pred. Sexag. [1699:47]). O termo foi usado
de diversas maneiras também pelos escritores bíblicos (Mrck. Comp. 13.13
[Velzen 18:272]). Parecia que a “consciência”, na literatura teológica anterior,
referia-se principalmente a questões de casuísticas, com o no usual título de
livro Sobre casos de consciência [De casibus conscientiaé\ (Pff. Hist., teol. 5.3 [1724-
Perfeição evangélica ♦♦♦ 219
111:353-57]), e o termo, a despeito da crítica do uso (Zinz. Hom. 27 [Beyreuther
3-1:279]), ainda era empregado dessa forma (Drnd. Diss. 2.9 [1703:134-38]),
formando o capítulo inicial de Teologia moral (Af. Lig. Teol. mor. 1 [Gaudé 1:3-
70]); mas agora passara a ser uma “palavra que está na boca de todos” (Wsly.
Serm. 12.3 [Baker 1:301]) por meio do difundido uso da expressão “apelo à
consciência” e, para muitos pensadores (Baum. Pred. 1.12,1.1 [Kirchner 1:427,
27]), substituía o argumento cosm ológico e outras provas tomísticas para a
existência de D eus (Wer. Mise. 15.6 [Ryhinerus 2:269]; Ost. Cat. [1747:14]):
“a lei moral no íntimo do ser” era uma evidência mais decisiva que “o céu
estrelado acima” (Knt. Krit. pr. Vern. 2.con. [Cassirer 5:174]).
Para alguns, na verdade, a voz interior da consciência corria o risco de
suplantar todas as autoridades morais exteriores; “o único tribunal de Deus
foi erigido aqui na terra”, de acordo com Matthew Tindal, “está na própria
consciência de cada hom em ” (Tin. Cr. 9 [1730:106]). Se era incumbência
de “todos investigar o livro de sua própria consciência” (Frnck. Pred. Trin.
2 [1699:53]), qual tinha de ser a relação desse livro da consciência com os
outros livros e as outras autoridades, em especial para a igreja e a lei? Embora
“haja uma autoridade, tanto no poder civil quanto no eclesiástico, para impor
coisas neutras [...] nenhuma autoridade além da de Cristo pode alcançar a
consciência” (Brnt. Rom. [1688:33]), afirmou um teólogo anglicano. A “liber-
dade de consciência” era um direito inviolável do indivíduo na igreja (Zinz.
Gem. 13 [Beyreuther 4-1:219]), uma corte de apelação contra as declarações
de um papado infalível, uma “luz” (Span. Cont. [Marck 3:744]) inextinguível
em face da perseguição pela Igreja ou pelo Estado (Byl. Com.phil. 2.1 [1713-
1:255]). Contudo, quando o conteúdo da consciência foi comparado com o
conteúdo da lei natural (Strz. Man. 3.1 [1828:84]) e sua função foi definida
como a de “determinar, com base na razão, em relação à conformidade ou
oposição dos atos do indivíduo com a lei de D eus” (Amrt. Teol. eclec. 3.2. prol.
[1752-1-111:75]), isso indicava que a consciência, em algum sentido, estava
subordinada à autoridade da lei divina ou até mesmo à lei humana (Ost. Eth.
1.2.2 [1727:52]; Drnd. Diss. 2.1.3 [1703:116]) e que, por conseguinte, uma
consciência falha continuava precisando de instrução (Af. Lig. Teol. mor. 1.1.4
[Gaudé 1:4]). “Seria ridículo”, observou um teólogo, “se um ateu tivesse
de eleger com o sua autoridade uma consciência que o obriga a ensinar um
ateísmo que ele considera verdade. Pois que consciência pode existir onde
Deus não é reconhecido?” (Wer. Mise. 14.1 [Ryhinerus 2:242]).
A consciência, portanto, tinha uma dupla função: com o uma “regra”
para a vida (Ost. Eth. 1.2.1 [1727:43-44]), mas também com o um “julgamen-
220 ♦ ♦% A TEOLOGIA DO CORAÇÃO

to” do pecado. Embora ela talvez fosse um “princípio incontestável” que


“tudo que é feito contrário ao ditame da consciência é pecado” (Byl. Com.
phil. 2.8 [1713-1:391]), a experiência mostrou que a consciência — embora
tenha ficado despojada e gravemente prejudicada pela queda (Terst. A br.
1.9.15 [Becher 2:106]) — quando instruída com base na revelação divina,
testificava o pecado e a enfermidade da alma (Baum. Pred. 1.10 [Kirchner
1:303-4]). “A consciência denegrida” não podia ser considerada “perfeita”,
mas “a principal preocupação de todas as almas que aspiram à perfeição” era
reconhecer e confessar seus pecados (Arb. Des. myst. 1.16 [1764:113-14]). Para
essas almas, enquanto a igreja em sua função de ensinamento e ministério
pastoral lidava com elas, a “consciência é com o milhares de testemunhas” as
acusando (Af. Lig. Teol. mor. 1.1.11-19 [Gaudé l:6-10];Tnnt. Disc. 1 [1745:22]).
O fundamento para “a tranquilização da nossa consciência diante de Deus,
por meio do perdão de nossos pecados” (Terst. Bros. 2.1 [Becher 4:12]) tinha
de ser buscado na “ressurreição de Cristo [e] no caráter satisfatório de seus
sofrimentos” (Stod. Sfty. 4 [1687:89]). D esse modo, tudo que fora “forjado
na alma pelo que é com frequência denominado ‘consciência natural’, mas
mais apropriadamente ‘graça preventiva [preveniente]’ ”, ajudou a realizar “a
obra de salvação” (Wsly. Serm. 40.1.2 [Baker 2:156]).
Para o “cristão ortodoxo” do Oriente (Strz. Man. 6.4 [1828:244-54]),
mas também para todos os cristãos do Oriente ou do Ocidente que afir-
mavam ser “ortodoxos”, essa consciência de seus pecados, acompanhada
de arrependimento e confissão, era uma obrigação religiosa e moral e um
meio de graça. Cristo morreu na cruz “para que, ao nos aproximarmos de
Deus por m eio do arrependimento, possamos alcançar a salvação” (Mrkrd.
Off. 15 [1722:119]), e o conhecimento dos pecados era um “remédio” para
a alma (Arb. Des. myst. 2.11 [1764:236-39]). O arrependimento e a confissão
do filho pródigo, “Pai, pequei contra o céu e contra ti” (Lc 15.21), foi um
tema que impregnou toda a Escritura (Strz. Man. 1.1 [1828:8]). Salmos 51,
o “Miserere [Misericórdia]”, em seu sobrescrito atribuído a Davi, resumiu a
doutrina do pecado e a prática do arrependimento cristão (Edw. Pec. orig. 2.2.2
[Miller 3:270-71]) também porque incluiu tanto o pecado original quanto o
pecado atual em sua confissão: “Sei que sou pecador desde que nasci, sim,
desde que me concebeu minha mãe” (SI 51.5); e ainda: “Contra ti, só contra
ti, pequei” (SI 51.4). A admoestação do apóstolo, “Examine-se o hom em a
si mesmo, e então coma do pão e beba do cálice” (ICo 11.28), dizia respeito
não só à preparação para a recepção digna da ceia do Senhor (Mynst. Betr.
56 [1846-11:297]), mas também ao contínuo processo de autoexame (Lmp.
Perfeição evangélica
♦ 221
Brt. 4 [1737:50-60]) no qual “o publicano deplora suas faltas, enquanto
o fariseu recita suas virtudes” (Fén. Inst. 13 [Gosselin 6:92]). Apesar de o
arrependimento de última hora do ladrão na cruz (Lc 23.43) ter sido com
frequência usado de forma abusiva por aqueles que inventam desculpas para
sua protelação, ele, quando finalmente encontrou tempo para isso, passou a
ser o m odelo de com o um pecador deve se comportar: ele reconheceu seu
pecado, sentiu-o e confessou-o (Terst. Bros. 1.4 [Becher 3:138]). O primeiro
exemplo de arrependimento na Escritura (Frnck. Pass.Joh. 2 [1733:38]), tam-
bém sujeito a frequente uso abusivo, foi, não obstante, a queda de Pedro. A
negação de Jesus por ele foi um dos relativamente poucos eventos a aparecer
em todos os quatro evangelhos (Mt 26.69-75; Mc 14.66-72; Lc 22.54-62; Jo
18.15-27) e foi “uma das principais partes do sofrimento” de Cristo (Lmp.
Betr. 2.8 [1756-1:610]; Frnck. Pass. Marc. 6 [1724:159-60]); a negação não veio
por uma “necessidade” determinista (Frnck. Pass.Joh. 2 [1733:25]), mas por
“uma queda interior” que, a seguir, expressou-se em seu pecado exterior
(Frnck. Pass. Marc. 6 [1724:164]). Por isso, suas lágrimas não foram uma
“obra externa” (Frnck. Pass. Marc.6 [1724:184-85]), mas expressaram “a mais
profunda amargura de sua alma” (Lmp. Betr. 3.6 [1756-11:120]). O arrepen-
dimento de Pedro, com o qualquer arrependimento genuíno, foi motivado
pela consciência de ter cometido “um erro com um D eus de glória infinita”
(Stod. Conv. 2 [1719:8]), e isso levou à firme decisão de se livrar do domínio
do pecado (Fén. Ep. 8.VÍ.1708 [Gosselin 7:265-66]).
Pedro, a despeito das dúvidas antigas e modernas (ap. Gtti. Ver. rei. 2.3.3
[1750-1:76]), também foi tido pelo consenso comum com o o escritor da
epístola do N ovo Testamento em que apareceu o maior de todos os termos
bíblicos para a perfeição evangélica: “participantes da natureza divina” (2Pe
1.4) que prometia que “podemos nos tornar participantes na natureza divi-
na [de Cristo] com o ele se tornou participante na nossa natureza humana”
(Terst. Abr. 2.1.19 [Becher 2:165]). Contudo, Spener, aos olhos dos luteranos
confessionais, era suspeito porque falava com o se “o novo homem \..l\fosse
uma natureza divina” (ap. Deutsch. Lut. 2.1.3 [1698:80]) por intermédio do
Espírito Santo, quando foi dito ser a doutrina ortodoxa, conforme expressa
no primeiro artigo da Confissão Augsburg (Conf. Aug. 1.1. [Bek., p. 50]), que
afirmava haver só “um único ser divino”, o próprio Deus. N a verdade, Spe-
ner e outros pietistas, sobretudo Zinzendorf, estavam apenas repetindo aqui
a amplamente defendida definição de salvação com o “deificação [θέωσνς]”
(Zinz. Aug. Conf. 2 [Beyreuther 6-11:70]; Zinz. Steb. 5 [Beyreuther 2-1:51]); Zinz.
Gespr. 3 [Beyreuther 1-111:26]), enquanto continuavam a traçar uma distinção
2 2 2 ♦♦♦ A TEOLOGIA DO CORAÇÃO

fundamental entre o Criador e a criatura (Zinz. Lond. Pred. 1.7 [Beyreuther


5-1:55]; veja vol. 1, p. 346-48; vol. 2, p. 35-41; vol. 4, p. 125-27) e também
entre a “união mística” e a justificação (Spen. Bed. 1.1.9 [Canstein 1:76-77]).
A definição de salvação com o deificação não ficou confinada durante
esse período — não mais do que ficara em períodos anteriores — aos teólo-
gos ortodoxos orientais (Sim. Tess. Lit. \PG 155:253]), que citaram versões
gregas anteriores da definição para declarar que o propósito da encarnação,
crucificação e ressurreição de Cristo fora “a fim de tornar divino o humano”
(Men. Did. 1.6, 5.18 [Blantês, p. 69, 353]). Por exemplo, um luterano estrita-
mente confessional e inimigo implacável do pietismo, ecoando a linguagem
oriental sobre deificação e também a de João Duns E scoto e de um teólogo
franciscano da Idade Média (veja vol. 4, p. 82-83), achava possível celebrar o
benefício de que por intermédio do advento de Cristo “alcancemos a glória
perdida em Adão e, sim, uma glória ainda maior” (Neum .Adv. [1737:17-18];
Wsly. Serm. 59.1.1 [Baker 2:425]). Jonathan Edwards citou reiteradamente
2Pedro 1.4 para provar que “a graça que está no coração dos santos é da
mesma natureza que a santidade divina” (Edw. A f. rei. 2 (Miller 2:158]),
acrescentando a condição de que “essa santidade até seria possível, mas em
grau infinitamente menor”; essa linguagem não tinha de ser entendida com
o sentido de “que os santos são tornados participantes da essência de Deus
e, portanto, ‘endeusados’ com D eus e ‘crísticos’ com Cristo, de acordo com a
linguagem e noções abomináveis e blasfemas de alguns hereges” (Edw .Af. rei.
3.1 [Miller 2:201-3]). O deísta John Tindal, quer ele fosse um dos “hereges”
que Edwards tinha em mente quer não, também citou 2Pedro 1.4 ao propor
uma versão racional da doutrina, sustentando a possibilidade de que a vida
“de acordo com as regras da razão correta” podia “assim inserir em nós a
perfeição moral de D eus” (Tin. Cr. 3 [1730:23-24]) para que “possamos,
então, se é que posso afirmar isso, viver a vida de D eu s”.
Como a “teologia do coração” precisava encontrar um meio de libertar a
consideração de “Deus e da alma” do solipsismo, também “a perfeição evan-
gélica” teve de ser salva do perfeccionismo; e a “deificação”, do panteísmo.
O s meios para essa libertação, em cada caso, foi o reconhecimento de que
o princípio divino de imanência, também o princípio para a imanência da
experiência subjetiva, era o Espírito Santo. Por conseguinte, a correlação do
que a “experiência nos ensina” com o que “o Espírito Santo diz” (Arb. Des.
mjst. int. [1764:1-2]) era uma contraparte necessária da nova preocupação
com a alma do indivíduo e com a moralidade da perfeição evangélica.
A experiência do Espírito Santo ♦♦♦ 223
A experiência do Espírito Santo
A questão crucial para qualquer entendimento de “perfeição” era “o dom
do Espírito Santo” (Beng. Gnom. Hb 6:1 [Steudel, p. 896]): esse julgamento
feito por um exegeta do N ovo Testamento expressava o reconhecimento
de que a linguagem da igreja, quando falava sobre “perfeição evangélica”,
referia-se principalmente a um dom divino, não apenas a uma realização hu-
mana, e que a fonte divina específica desse dom era Deus, o Espírito Santo.
A perfeição cristã e o imperativo da ética cristã podiam ser sintetizados na
fórmula paulina de “vivefrmos] [...] segundo o Espírito” (Rm 8.4; Wsly. Serm.
8.1.1-6 [Baker 1:235-37]). Louis Marie Grignion de Montfort, tomando o
termo “sabedoria” em um sentido divino e pessoal com o se “referindo ao
Espirito Santo”, interpretou as palavras dejó: “Onde, porém, se poderá achar
a sabedoria? Onde habita o entendimento? [...] Ela não se encontra na terra
dos viventes [suaviter viventium^' Qó 28.12,13 [Vulg.]), com o sentido de que
o Espírito Santo não ocupava uma moradia entre aqueles que estavam “à
vontade” (Grig. Mont. Am. sag. 16.194 [Gendrot, p. 199]). E que o Espírito
Santo santificador não ficou confinado a alguma era dourada do início da
historia da igreja, mas ainda estava vivo e ativo agora (Spen. Pi. Des. [Aland,
p. 52]). O despertar da consciencia com o a “candeia do Senhor” e o “vicere-
gente de D eus na alma” era urna marca positiva da presença do Espirito Santo
(Edw. Dist. man. 2.2 [Miller 4:250-53]); portanto, o apelo à consciência era
ao m esm o tempo um apelo à experiência (Baum. Pred. 2.3 [Kirchner 2:99]).
Como “o Espírito Santo que nos consagra com o os templos de sua
residência não tem apenas o ofício de um confortador, mas [de um] san-
tificador” (Tnnt. Disc. 4 [1745:217]), o tema de “Deus e a alma”, com o o
tema da “perfeição evangélica”, era um m odo de falar sobre a experiência
do Espírito Santo. A passagem do N ovo Testamento favorita de Agostinho:
“E a esperança não nos decepciona, porque D eus derramou seu amor em
nossos corações, por meio do Espírito Santo que ele nos concedeu” (Rm
5.5; veja vol. 1, p. 304; vol. 4, p. 318-19) era recomendada para os expoentes
da teologia do coração com o uma forma de falar que podia enfatizar a sub-
jetividade da relação entre D eus e a alma sem cair na armadilha subjetivista
de confundir os dois (Zinz. Beth. 3 [Beyreuther 6-IV:33]; Zinz. Re¿. 5 [Bey-
reuther 6-1:94]; Wsly. Serm. 4.1.4, 7.2.12 [Baker 1:162, 231]). Por essa razão,
a resposta ortodoxa à antítese entre a liturgia formal e a adoração autêntica
“em espírito e em verdade” (Jo 4.23,24; veja p. 193-94 acima) não era apenas
para igualar a “verdade” nessa passagem do N ovo Testamento (Blrt. S. T.
Reg. fid. 2.3 [Lequette 3:303]) com o ensinamento da igreja e a “adoração”
224 A TEOLOGIA DO CORAÇÃO

com a adoração da igreja (Edw. Brnrd. 7 [Miller 7:333]), mas para identificar
o “espírito” com o o “Espírito Santo” de fato presente na igreja (Strz. Man.
7.1 [1828:297]). Essa presença na igreja — que, sob circunstâncias incomuns,
podia até mesmo tomar a forma de uma “inspiração do Espírito Santo” na
eleição de um papa (Cmrda. Const, ap. 2.13 [1732:147]) — manifestava-se
comumente de maneiras muito mais humildes. Assim, a espiritualidade que
interpretava o propósito da relação entre D eus e a alma com o a aniquilação
do ego podia irromper em uma petição ao “Espírito Destruidor” (Fén. Man.
piét. 5.2 [Gosselin 6:54]) (como uma contraparte do “Espírito Criador” [Anal.
Hymn. 50:193-94], ainda sendo invocado na linguagem dos hinos religiosos
medievais) (Poir. Teol. cr. pr. [1690-I:B5v]).
Por conseguinte, a doutrina do Espírito Santo, em qualquer “transposição
afetiva da doutrina cristã”, estava obrigada a ocupar a posição central. Enquan-
to em Londres, durante o ano de 1752, o autor de duas extensas transposições
da ConfissãoAugsburg nesse estilo transmitido em uma série de quinze sermões
fundamentados na exposição do “terceiro artigo” do Credo dos Apóstolos
no Catecismo menor ào. Lutero (Zinz. Lond. Pred. 1.1-15 [Beyreuther 5-1:3-146])
(o credo fora dividido ali não em doze artigos, um para cada apóstolo, com o
na igreja primitiva [Rufin. Symb. 2 ( CCSL 20:134-35)], mas em três, um para
cada pessoa da Trindade) (Lut. Kl. Kat. 2.5-6 [Bek., p. 511-12]). Era, insistiu
ele em outro lugar, um erro “considerar mais importante o que acontecera no
Pentecoste [...] que o que todo filho de D eus sempre experimenta com o uma
posse certa no seio do Espírito Santo” (Zinz. Zst. 36 [Beyreuther 3-11:292-93]).
Seria possível dizer que a posse desse filho de D eus pelo Espírito Santo era
um dom maior “que a posse do Filho do próprio D eus” (Fén. Man.piét. 5.15
[Gosselin 6:67]). A perda do Espírito Santo e o pecado contra ele — que, de
acordo com os evangelhos (Mt 12.31; Mc 3.29), era o único pecado que não
podia nunca ser perdoado — não foram esvaziados de seu sentido histórico
(Tin. Cr. 7 [1730:73]), mas permaneciam, com o sempre, com o uma grave
ameaça (Stod. Gd. Cr. [1714:14-15]). A “dependência contínua do Espírito
de Deus, recebendo de mom ento a m om ento o que o agrada nos conceder”
era a chave para o uso humano salutar do tempo (Fén. Inst. 1 [Gosselin 6:72]).
Era o uso divino do tempo que fundamentava o uso humano dele. “Como
Deus Pai propôs da eternidade conferir benefícios salvíficos ao eleito no de-
vido tempo, também o Filho de Deus, em consequência disso, comprou-os
por intermédio de seu sangue e obediência; e o Espírito Santo aplica no
devido tempo esses mesmos benefícios aos herdeiros da salvação” (Tnnt.
Disc. 1 [1745:7]). Fica evidente a partir desse esquema trinitário, com o qual
A experiência do Espírito Santo 225

Gilbert Tennent iniciou sua obra Discursos sobre diversos assuntos importantes
— e também a partir de outros tratamentos contemporâneos da doutrina
da Trindade, incluindo suas próprias exposições da controvertida “vírgula
joanina” (Tnnt. Serm. 23 [1744:449-65]) — que nesse período o principal foco
da doutrina do Espírito Santo, com o na verdade da doutrina da Trindade
no todo, estaria na atividade “econômica” do Espírito Santo no tempo e na
história (Zinz. Land. Pred. 5.11 [Beyreuther 5-11:275]), em vez de — com o
estivera nas controvérsias trinitárias do século IV (veja vol. 1, p. 221-34) e,
mais uma vez, no conflito entre o Oriente e o Ocidente a respeito do Filioque
(veja vol. 2, p. 202-16) — principalmente no elo eterno e ontológico entre o
Pai, o Filho e o Espírito Santo.
Essa nova consciência da atividade do Espírito Santo sugeria a crítica de
que, com o uma consequência de um racionalismo e tradicionalismo excessivos
nas discussões da doutrina cristã (Terst. Abr. 2.8.4 [Becher 2:229-30]), “essa
grande verdade evangélica [sobre o testemunho do Espírito Santo] [...] fora
durante muitos anos quase esquecida” até agora ser, por fim, “recuperada” e
“confirmada pela experiência” dessa geração (Wsly. Serm. 11.1.4 [Baker 1:285-
86]). N ão obstante, essa crítica ainda era expressa em uma estrutura trinitária
ortodoxa, estrutura essa que estava preocupada em localizar a doutrina do
Espírito Santo nas “doutrinas santas e peculiares do evangelho” (Wsly. Serm.
30.16 [Baker 1:657]). Por conseguinte, esse método de enfatizar a experiência
do Espírito Santo — para a qual, no catolicismo-romano, Teresa de Ávila,
“santa Teresa de Jesus”, pôde servir com o “aquele celebrado doutor da ver-
dade do Espírito” (Arb. Des. mjst. 3.8 [1764:447]) ■— ainda incluía, também
além do catolicismo-romano, a insistência de que o epíteto “espiritual”,
no uso bíblico, não se referia à relação de pessoas ou coisas com o espírito
humano, mas à relação delas com Deus, o Espírito Santo (Edw. A f. rei. 3.1
[Miller 2:198-99]).
O com ponente polêmico dessa insistência manifestava claramente o
reconhecimento de que uma definição totalmente imánente de “espírito” e,
portanto, um entendimento antropocêntrico de “experiência” e, em última
análise, de “Espírito Santo” podia ameaçar engolfar a experiência do Espí-
rito Santo em uma subjetividade não diferenciada. Como resultado, mesmo
com o lembrete de que a comunhão do Espírito Santo era “interna” para a
experiência humana (Poir. Oec. div. 5.1 [1705-11:331]) e a admoestação de que
a mente e o espírito humanos tinham de estar preparados para essa comuni-
cação (Lw. Cr.petf. 9 [Moreton 3:138]), a prioridade da “fonte de vida e ação
divinas sobrenaturais” tinham de ser reconhecidas (Edw. A f. rei. 3.1 [Miller
226 ♦ ♦♦ ♦ A TEOLOGIA DO CORAÇÃO

2:200]), uma vez que “ ‘o próprio Espírito testemunha’, [esse testemunho]


precisa [...] ser anterior ao ‘testemunho do nosso próprio espírito’ ” (Rm 8.16;
Wsly. Serm. 10.1.7-8, 11.2.2 [Baker 1:274, 28η).
Portanto, a relação entre o Espírito Santo e o espírito humano, junto
com a relevância de ambos para o entendimento de “experiência”, exigia
cuidadosa atenção em qualquer “teologia do coração”, quer fosse denominada
assim quer não. A teologia do coração estava preocupada em enfatizar que “o
Espírito Santo é recebido pelos cristãos de m odo que ele se una ao espírito
deles, ou seja, com a alma deles e os poderes desta, da maneira mais estreita
e íntima possível” (Scriv. Seel. 2.12 [Stier 4:350]). Como uma consequência,
a alma, embora cheia de dúvidas e perguntas, era assegurada da verdade do
evangelho por meio do Espírito de D eus (Stod. Sfty. 8 [1687:217-18]), o qual,
com o a sabedoria pessoal de D eus (Sab. Sal. 10.10), transmitia à alma “o
grande conhecimento dos santos” (Grig. M ont. Am. sag. 8.92-93 [Gendrot, p.
141]). Isso exigia não só “alguma relação [...] com o espírito ou a alma do ho-
mem”, mas a “relação [específica] com o Espírito Santo, ou Espírito de D eus”
(Edw. Af. rei. 3.1 [Miller 2:198]). Pois, advertiu Jonathan Edwards àqueles que
estavam tendo experiências “espirituais”, “portanto não se conclui que [essa
experiência] era do Espírito de Deus. Há outros espíritos, além do Espírito
Santo, que exercem influência na mente dos hom ens”, incluindo, acima de
todos, o demônio com o o espírito maligno (Edw. A f. rei. 2 [Miller 2:141]).
Como na sequência cronológica do ano da igreja, também na sequência
lógica tanto da doutrina quanto da experiência, era adequado avançar da
vida e ensinamento de Cristo para a vida e ensinamento do Espírito Santo
(Baum. Pred. 1.3 [Kirchner 1:70, 7 η ) e invocar sua presença e bênção (Terst.
Bros. 3.7 [Bécher 5:285]). Portanto, “o apoio do Espírito Santo” era primor-
dial (Frnck. Pred. Ex. [1700:71]), e uma obra com o Sumário das verdades cristãs
fundamentais não podia ser considerada completa sem um capítulo inteiro
dedicado ao assunto (Terst. Abr. 2.8 [Becher 2:228-40]), uma vez que a
“aplicação da redenção à alma, por meio da influência do Espírito Santo, é
tão necessária em seu lugar para fazer a salvação [sic\ quanto a compra dela
pelo sangue e obediência de Cristo” (Tnnt. Disc. 1 [1745:8]). Foi o Espírito
Santo que operou a “contrição do coração” (Terst. Bros. 3.6 [Becher 5:253])
e o arrependimento pelo pecado (Fp 2.5), garantiu aos cristãos “a mente que
estava em Cristo” (Wsly. Serm. 4.int.4 [Baker 1:160]), trouxe iluminação para
o espírito humano (Frnck. Pass. Job. pr. [1733:x]) e restaurou a imagem de
Deus perdida por intermédio do pecado (Frnck. Pred. Epiph. 6 [1699:14]). D o
contrário, a fé, com o nas igrejas que negligenciavam a doutrina do Espírito
A experiência do Espírito Santo ♦♦♦ 2 2 7

Santo, estaria “despida”, ou seja, “despojada tanto do amor e paz quanto da


alegria [encontrados] no Espírito Santo” (Wsly. Serm. 46.2.2 [Baker 2:212]).
Tudo isso reforçava o apelo à “minha própria experiência” (Bnyn. Pei gr.
2 [Sharrock 2:156]) e “à experiência de todos os verdadeiros cristãos” que
havia em todo cristão tanto o testemunho do Espírito divino quanto o teste-
munho do espírito humano (Wsly. Serm. 10.1.1 [Baker 1:271]). Todavia, esse
mesmo apelo à experiência vinha acompanhado dessa percepção paradoxal:
“A experiência mostra claramente que o Espírito de D eus é impenetrável e
imperscrutável em alguns dos melhores cristãos no m étodo com o o Espírito
opera na conversão deles” (Edw. Af. rei. 2 [Miller 2:161]).
As autoridades e provas convencionais para as verdades do evangelho,
por um paradoxo semelhante, apontam além de si mesmas para a experiência
do Espírito Santo (Terst .Abr. 1.1.2-5 [Becher 2:11-13]), só por meio do qual
a força probatória delas podia se substanciar: primeiro veio a experiência do
“poder de D eus” (ICo 1.24) e só então a experiência “da sabedoria de D eus”
(Beng. Gnom. ICo 1.24 [Steudel, p. 625]). Entre todos os argumentos para “a
divindade da religião cristã” e a credibilidade dos milagres, aquele que “tem
o maior efeito possível no coração de uma pessoa devota” era a experiência
pessoal de “ser tão afetado por todos os ditos de Jesus que seria claramente
impossível para Jesus falar dessa maneira se a religião cristã fosse falsa” (Wer.
Diss. 4.2 [Ryhinerus 1:82]). A promessa do Espírito Santo para os apóstolos
que escreveram o N ovo Testamento tinha com o sua contraparte necessária
agora o testemunho interior do próprio Espírito no coração do leitor desse
N ovo Testamento (Terst. Abr. 1.1.6,1.1.12 [Becher 2:13-14, 17]). Sem uma
“experiência cristã [interior] sensível” (Edw. A / rei. 2 [Miller 2:176]) desse tipo,
não pode haver fé nem entendimento nem, tampouco, “uma confiança forte
e vivida em D eus” (Zinz. Red. 6 [Beyreuther 1-11:81]; Spen. Gtts. 6 [1680:287];
Beng. Gnom. 2Co 1:4 [Steudel, p. 690]). As experiências tinham de ser “sensí-
veis” e perceptíveis de uma maneira ou outra, embora isso, conforme ficou
evidente a partir do próprio m étodo pedagógico de Cristo com os discípulos
(Baum. Pred. 1.9 [Kirchner 1:266-67]), acontecia com frequência de modo
muito gradual (Baum. Pred. 1.9,1.2 [Kirchner 1:274,49]); e o Espírito Santo
não “procedia de forma discernível nos passos de um esquema particular”
(Edw. A f. rei. 2 [Miller 2:162]). Os reavivamentos religiosos manifestavam
uma ambiguidade similar entre a experiência palpável de ser nascido de novo
e o programa menos visível do estímulo cristão que precedera — e tinham
que se seguir — a essas experiências intensas (Edw. Narr. f. (Miller 4:207-9]).
228 Λ♦ A TEOLOGIA DO CORAÇAO

Um catálogo dessas experiências do Espírito Santo, em conformidade


com a designação medieval tradicional do Espírito no “Veni Creator Spiritus
[Vem Espírito Criador], de Rábano Mauro, com o “sétuplo no dom [septiformis
muneref {Anal. Hymn. 50:193-94), um catálogo dessas experiências do Espírito
Santo enumerava sete delas: convicção do pecado, arrependimento, fé em
Jesus, regeneração ou ser nascido de novo, progresso na santificação diária,
conflito ardente e oração constante e perseverança até o fim (Terst.Abr. 2.8.7
[Becher 2:232]). Contudo, tanto a teologia das igrejas ortodoxas quanto a
evidência da experiência religiosa mostraram que todas essas “experiências”,
a não ser pela “fé em Jesus”, eram totalmente possíveis à parte da autêntica
conversão cristã; e até mesmo a “fé em Jesus” podia ser reduzida a “um
conhecimento meramente literal e histórico sobre Cristo” (Baum. Pred. 1.3
[Kirchner 1:87]) que, todos concordavam, não era o que o N ovo Testamento
pretendia com fé salvífica (veja vol. 4, p. 218-19,355-56). Além disso, a inten-
sidade subjetiva da experiência não era um critério válido, de uma maneira ou
de outra, de sua genuinidade (Edw. A f. rei. 2 [Miller 2:127]). Por essa razão,
era necessário “mostrar de m odo positivo quais eram as evidências e marcas
garantidas e características da Escritura de uma obra do Espírito de D eus”
(Edw. Dist. marc. 2.int. [Miller 4:248]).
Mais uma vez o problema crucial da especificidade tinha de ser enfrenta-
do, uma vez que “não há um em mil, porém, que [não] tenham experimentado
essas afeições religiosas muito antes de se converter” (Stod. Gd. Cr. [1714:4];
Stod .Spy. 8 [1687:179-80]). Como havia um “bem natural” que era da perspec-
tiva metafísica e religiosa distinto do bem sobrenatural e do bem “espiritual”
(“espiritual” no sentido de “relação com o Espírito de D eus”) (Edw. A f. rei
3.4 [Miller 2:277]), a regeneração e a conversão que eram obras específicas
do Espírito Santo (Frnck. Meth. 3.7 [1723:61-62]; Baum. Pred. 1.4 [Kirchner
1:97-126]; Frnck. Pred. Epiph. 6 [1699:60]) tinham de ser acompanhadas da
“transfiguração de Jesus Cristo em nossa alma” (Frnck. Pred. Oc. [1700:37]),
a experiência da condição pecaminosa do indivíduo, o compromisso religioso
e moral com o “discipulado [Nachfolge]” (Frnck. Pass. Marc. 11 [1724:348])
e um testemunho interior fundamentado não em um sentimento religioso
generalizado (Wsly. Serm. 11.3.8 [Baker 1:292]), mas sim na consciência
particularizada de ter sido justificado e transformado pela graça divina por
intermédio do reconhecimento de Jesus com o Salvador pessoal (Baum. Pred.
3.7 [Kirchner 3:232]). Tudo isso estava “acima da natureza” (Edw. A f. rei
3.1 [Miller 2:205]), era diferente tanto em grau quanto em tipo das afeições
naturais, incluindo as afeições da religião natural (Edw.Af. rei. 2 [Miller 2:160]).
A experiência do Espírito Santo ♦♦♦ 229

João Gerson e outros mestres da vida espiritual “ambidestra”, a qual era


simultaneamente ativa e contemplativa (veja vol. 4, p. 121-27), sabiam o que
se pretendia dizer com “união da alma com Deus em experiência e graça”
(Poir. Teol. cr. pr. [1690-1:A5v]).
Gerson foi ao mesmo tempo uma importante autoridade tradicional
(Amrt. Rev. 1.4 [1750:42-52]) a respeito do fenôm eno que, com certeza, tinha
de alcançar uma nova proeminência nessa atmosfera: o problema de visões
e de novas revelações. A “visão de D eus”, no sentido estrito, não era uma
doutrina da igreja, mas sempre fizera parte da exposição da doutrina cristã
(Ag. Civ. 22.29 [CCSL 48:857-62]), em especial quando a experiência do Espí-
rito Santo, com o por exemplo, durante o reavivamento franciscano da Idade
Média (veja vol. 3, p. 357-60), passou a ser o centro da atenção; por isso, a
questão da visão (e das visões) de Deus começava agora a ser mais uma vez
uma questão (Scriv. See¿. 5.9 [Stier 7:604-48]). Se a teologia do coração fosse
dirigida contra a exteriorização da religião por intermédio do “formalismo”
(Wsly. Serm. 11.1.2 [Baker 1:285]), seria necessário ter cuidado para não cair
no extremo oposto do “entusiasmo” ao alegar revelação imediata (Wsly. Serm.
37 [Baker 2:46-60]), também porque seus críticos estavam sempre preparados
para descartar qualquer iluminação subjetiva com o “entusiasmo” ou “fanatis-
m o” (Poir. Fid. rat. 1.18 [1708:25]); nessa área, “muitíssimo” era tão perigoso
quanto “pouquíssimo” (Baum. Pred. 1.9 [Kirchner 1:260-62]). Era “o perigo
do fanatismo” que a experiência autocentrada, não tendo “qualquer autori-
dade nem qualquer lei externa para checar ou contrabalançar a imaginação”,
viesse a considerar “suas próprias preferências privadas com o os condutores
da graça” (Fén. Aut. égl. [Gosseün 1:213]). Conforme sugere o título de uma
de suas obras mais conhecidas O céu e suas maravilhas, e 0 inferno, segundo coisas
ouvidas e vistas, um dos expoentes de visões e revelações mais celebrados no
século XVIII foi o cientista e vidente Emanuel Swedenborg. Embora “os
antigos fizessem isso com frequência”, disse ele, falar com espíritos agora
era considerado “perigoso” (Swed. Cael. 28.249 [1890:141]). Ainda assim,
ele “falava com anjos” (Swed. Cael. 3.16 [1890:18]), e fora-lhe concedido
conversar com eles “com o um homem conversa com outro” (Swed. Cael.
19.174 [1890:102]). Ele, a despeito da rejeição de suas visões pela igreja, podia
acusar que isso apenas provava a falta de fé no “hom em da igreja” (Swed.
Cael. 33.302 [1890:177]) e que a “revelação imediata” podia reivindicar grande
antiguidade (Swed. Cael. 34.306 [1890:181]).
Assim a visão da cruz por Constantino na véspera de sua conversão pro-
vou tanto para a tradição grega quanto para a latina que as revelações e visões
230 ♦♦♦ A TEOLOGIA DO CORAÇÃO

privadas nunca estiveram ausentes da vida e da experiência da igreja (Eus. V.


C. 1.28 [CCS 1:21]; Amrt. Rev. 1.3 [1750:16-17]; veja vol. 1, p. 121-24); em
uma linha similar, o apelo da Apologiapara a Confissão deAugsburg às visões de
um apocalipcista do fim da Idade Média {Apol. conf. Aug. 27.1 [Bek., p. 377]),
o franciscano alemão Johannes Hilten, foi uma evidência autoritativa para o
protestantismo de que se Deus, com sua autonomia, escolheu fazer assim,
ele podia conceder essas visões agora (Spen. Bed. 1.1.11 [Canstein 1:80]). A
verdadeira questão era se havia alguma razão para supor que ele faria isso,
conforme afirmava Swedenborg ou os quaeres (e o profeta Maomé) (Naud.
Kouak. 1 [1699:6]), ou se “essas coisas extraordinárias com o revelações ime-
diatas” eram em geral uma tentação de Satanás (Frnck. Id. 47 [Peschke, p.
200]). As “revelações imediatas” estavam sendo afirmadas com o uma “chave”
para o sentido secreto do livro de Apocalipse (Dor. Pet. 3 [1718:12]), mas era
importante lembrar que mesmo estas não eram “imediatas” no sentido de
saírem do ambiente do mundo externo de D eus (Baum. Pred. 1.4 [Kirchner
1:115-16]). As palavras do evangelho de João de que Jesus fizera muitas coisas
“que não estão registrados neste livro” 0 o 20.30) — quer elas se referissem
apenas ao período após a ressurreição quer à vida inteira de Jesus (Schl. Leb.
Jes. 3.68 [Reimer 6:486-87]) — eram invocadas mais uma vez em apoio da
legitimidade das revelações suplementares, conforme elas eram invocadas
com frequência em apoio da afirmação de que havia uma tradição não escrita
na igreja junto com a tradição escrita na Escritura (Mor. Lut. 1.14 [Sylves-
ter 5:242]; Grh. Loc. 1.18 [Cotta 2:290-92]). Todavia, as exatas palavras do
versículo seguinte do evangelho de João, “mas estes foram escritos para que
vocês creiam” 0 o 20.31; Mayr. Red. 4 [1702:361-62]), levantavam-se contra a
noção de que essas novas revelações eram necessárias (embora, é claro, não
contra a crença de que elas eram possíveis).
D e A gostinho — cuja obra Confissões (Amrt. Rev. 1.2 [1750:7-10])
continha dois relatos de visões extáticas, a primeira formulada em termos
neoplatônicos genéricos (Ag. Conf. 7.17.23 \CCSL 27:107]), a segunda em
termos cristãos específicos (Ag. Conf. 9.10.24 \CCSL 27:147-48]) — veio não
apenas o lembrete de que ser transportado para um estado de êxtase fazia
parte da capacidade natural de algumas pessoas, e não tinha necessariamente
algo diretamente relacionado com a intervenção sobrenatural (Ag. Civ. 14.24
\CCSL 48:447-48]), mas também uma distinção entre os vários tipos de visões,
apenas algumas das quais podia ser qualificada com o vinda só de Deus, e isso
acontecia muito raramente (Ag. Gen. ad. litt. 12.7 \CSHP 28:387-88|). Acima
de tudo, com o uma revelação privada não era autenticada pela ortodoxia
A experiência do Espírito Santo ♦♦♦ 231

da pessoa que a recebera (Amrt. Rev. 1.22 [1750:134]), ela também, por sua
vez, não podia passar a ser um objeto de fé (Amrt. Teol. eclec. 4.2.1.1 [1752-1-
IV: 11]). O protestantismo negava à igreja e a sua tradição qualquer autoridade
compulsória para interpretar a Escritura, enquanto o catolicismo-romano e a
ortodoxia oriental afirmavam precisamente essa autoridade para a tradição;
ainda assim, todos concordavam que qualquer suposta nova revelação tinha
de ser avaliada contra a autoridade da palavra revelada de Deus, que ela não
ousaria contradizer (Mayr. Red. 14 [1702:769]; Amrt. Rev. 2. pr. [1750:149]).
Assim, a questão normativa era inevitável na avaliação não só das supostas
revelações privadas, mas até mesmo da experiência do Espírito Santo em
formas menos dramáticas e menos controversas.
A inevitável questão normativa era: será que os devotos da teologia do
coração “punham suas experiências no lugar de Cristo”? (Edw. Af. rei. 3.2
[Miller 2:251]) Quando Zinzendorf disse: “N ão é necessário discutir se o
ensinamento de Jesus é verdade ou não, pois ele me dá paz e não peço nada
mais” (Zinz. Soc. 14 [Beyreuther 1-1:147]), será que isso provava que ele e
seus seguidores elevaram “a experiência, o afeto e a piedade” acima dos
“princípios” (Tnnt. Nec. 3 [1743:61])? O conhecimento da Escritura por
ela mesma não era suficiente “se o Espírito de D eus não habitar em você”
(Frnck. Pred. Inv. [1699:35]; Beng. Gnom. pr. 4 [Steudel, p. xix]). Era a tarefa
do pregador proclamar “a verdade de Deus com toda fidelidade e clareza”,
mas só fazer isso “quando eu mesmo vier a reconhecer a verdade da palavra
de D eus por meio da graça e iluminação do Espírito Santo e quando tiver
experimentado a utilidade e bênção dela em minha própria alma” (Frnck. Pred.
pr. [1700:B4v]). Foi dito que o testemunho interior do Espírito Santo é um
pré-requisito necessário para a aceitação da “autoridade divina” da Escritura
(Tnnt. Serm. 3 [1744:61-85]), uma vez que esse testemunho podia iluminar e
confirmar a consciência e o coração. D esse modo, o testemunho interior se
tornaria ele m esmo “o critério de verdade” (Beng. Gnom. Rm 9:1 [Steudel, p.
586]). O Espírito Santo ainda opera externamente “por meio da proclamação
da palavra de D eus”, mas “isso acontece principalmente por intermédio dos
movimentos internos do coração” (Baum. Pred. 1.3 [Kirchner 1:83]; Terst.
Bros. 2.5 [Becher 4:181]). O N ovo Testamento fala sobre uma “unção que
procede do Santo” e da “unção que receberam” (ljo 2.20,27); mas, para al-
guns, isso indicava “uma docilidade sem restrição e uma submissão absoluta
em relação à igreja visível” (Fén. Aut. égl. [Gosselin 1:213]), enquanto para
outros, referia-se principalmente a “um ensinamento e unção interiores do
Espírito Santo” (Lw. Dem. er. [Moreton 5:20]).
232 ♦♦♦ A TEOLOGIA DO CORAÇÃO

A frase “a teologia do coração” podia não ser nada mais que uma figura
de linguagem particularmente vivida para a demanda dos “santos [ortodo-
xos] da experiência” (Arb. Des. mjst. 1.7 [1764:53]) e os doutores da igreja
em todas as eras de que uma teologia que permanecesse uma letra morta
fechada em tomos nas prateleiras da biblioteca (Ag. Spin et. lift. 17.30-26.46
[CSEL 60:183-201]), em vez disso deveria ser “escrita não com tinta, mas
com o Espírito do D eus vivo, não em tábuas de pedra, mas em tábuas de
corações humanos” (2Co 3.3). N o entanto, o conceito, uma vez invocado,
não podia continuar a conseguir urna vida e uma identidade suas mesmas,
levando a conclusões teológicas que ultrapassavam — ou de vez em quando
iam contra — a doutrina eclesiástica recebida. John Wesley descreveu com o
“a experiência dos filhos de D eus — a experiência não de dois ou três nem
de alguns poucos, mas de uma grande multidão que nenhum hom em con-
segue contar” serviu “para confirmar essa doutrina escriturai” (Wsly. Serm.
11.3.6 [Baker 1:290]); mas quando ele prosseguiu para acrescentar que “isso
é confirmado pela sua experiência e pela minha”, ele tentava deixar claro
que embora não subestimasse a evidência da tradição, essa evidência fora
“enfraquecida pela extensão de tem po”, pelo contraste com a “evidência
interior” da experiência pessoal, que era “igualmente forte, igualmente nova
ao longo do curso de mil e setecentos anos” porque “ela passa agora, com o
faz desde o inicio, diretamente de D eus para a alma do cristão” (Wsly. Rei.
cl. 3.1 [LPT, p. 191]).
Por essa razão, um tratado do século XVIII pôde iniciar com a definição:
“O estudo da teologia é o cultivo da alma sob a orientação graciosa do Espí-
rito Santo” (Frnck. Meth. 1.1 [1723:1]), enquanto outro pôde encerrar com a
descrição do conflito entre o fascínio da “infidelidade e ateísmo” e o poder
de uma “religião experimental \experientia!\ e poderosa” (Edw. A f. rei. 3.12
[Miller 2:461]). A “filosofia experimental” atual encontrara sua contraparte
em uma teologia genuinamente experimental (Zinz. Soc. 9 [Beyreuther 1-1:98-
100]); pois “independentemente dos livros que os homens lessem, há grande
necessidade de conhecimento experimental em um ministério” (Stod. Gd. Cr.
pr. [1714:.ix]). Só isso era “a religião verdadeira, escriturai e experimental”
(Wsly. Serm. pr. 6 [Baker 1:106]). Os livros, para um número cada vez maior
de pessoas, não eram o lugar para examinar nem o era o recurso da teologia
acadêmica, para o entendimento autêntico da mensagem cristã. Um reforma-
dor da igreja, da educação e da teologia, ao falar para esse número cada vez
maior de pessoas, declarou que estava na hora de mudar: “O m étodo mais
provável para prover a igreja com um ministério fiel, na atual situação das
A experiência do Espírito Santo
♦>
coisas, com as academias públicas, em geral, tão corrompidas e maltratadas,
é incentivar as escolas ou seminários privados de aprendizado, sob o cuidado
de cristãos habilidosos e experientes; nos quais só seriam admitidos quem,
sob exame severo, apresentassem, no julgamento de uma virtude razoável,
as claras evidências da religião experimental” (Tnnt. Dang. [1742:11]).
Esse chamado ainda estava a uma considerável distância — mas, no jul-
gamento de muitos, em uma linha reta — de uma redefinição mais drástica da
própria natureza da doutrina cristã que passaria da hermenêutica “gramatical”
para a “psicológica” (Schl. Herm. 2.1 [Reimer 7:143-44]) e estruturaria o caráter
“experimental” da doutrina constitutiva. Essa redefinição não teria de excluir
outras e mais antigas formas de definir a doutrina com base na autoridade
da Escritura e a tradição em conjunção com o testemunho da razão. Mas
podia tentar pôr a teologia experimental em pé de igualdade com a teologia
bíblica ou com a teologia confessional e, depois, transpor ambas para a nova
chave. Se fosse possível demonstrar, exegética e historicamente, que “todas
as proposições que o sistema de doutrina cristã tem de estabelecer pode ser
considerado ou com o descrições da condição humana, ou com o concepções
dos atributos e m odos de ação divinos, ou ainda com o pronunciamentos em
relação à constituição do mundo” e, além disso, que “todas as três formas
sempre subsistiram lado a lado uma com a outra” (Schl. Chr. gl. 30 [Redeker
1:163-65]) tanto na Escritura quanto na tradição da igreja, o caminho estava
aberto para um método de exame e exposição da doutrina cristã em que o
primeiro deles, “a descrição direta das próprias afeições religiosas” — com o
devido respeito ao segundo e ao terceiro m odos de falar dela — se tornaria
determinante. E, então, “a teologia do coração”, ao pôr em prática “uma
transposição [totalmente] afetiva da doutrina cristã”, recebería verdadeira-
mente o que lhe é devido.
4

Os fun dam entos da


co sm ovisão cristã

O século X IX com eçou com um profundo e difundido senso de que “a


descrença na religião revelada” (Clrdge. Es. 3.1.1800 [Coburn 3-1:72]; Grnvg.
Snd. Chr. [Begtrup 4:444-45]) passara a ser quase universal, pelo menos “entre
as pessoas com educação formal” nas terras cristãs. Um pastor protestante
alemão, “o nobre e dotado” (Nvn. Schf. [Merc. 1:33,44]) Friedrich Daniel Ernst
Schleiermacher — que logo se tornou por meio de sua teologia sistemática,
A fé cristã (Mich Od. Ev. 1.2 [1865:38]), o mais influente e reverenciado teó-
logo protestante desde a Reforma — acabara de lançar (anonimamente) a
obra On Religion: Addresses to the Cultured among Its Despisers [Sobre a religião:
discursos para o culto entre seus desdenhadores]. Schleiermacher, compar-
tilhando a convicção de muitos de seus contemporáneos de que o ceticismo
era “o problema da era” e “urna das pragas características da época” (Blms.
Escép. 1 [Casanovas 5:245, 253]), pediu que seus céticos contemporâneos
olhassem além das superficialidades da piedade convencional e dogma oficial,
“voltassem-se de tudo considerado usualmente com o religião e fixassem sua
atenção nas em oções e disposições interiores” (Schl. Rei. [1806] 1 [Pünjer,
p. 24]) e encontrassem no âmago deles mesmos a fonte de uma religião au-
têntica, que ainda estava aü, acima de tudo nas aspirações estéticas deles, a
despeito de toda negação deles da igreja e sua piedade ortodoxa (Schl. Rei.
[1799] 3 [Pünjer, p. 173]). Ele, levando “a transposição afetiva da doutrina”
a novas alturas, falou líricamente do mistério do “eu” que transmitiría a eles.
N o século XII, Bernardo de Claraval (veja vol. 3, p. 188) declarou: “Como
hom em falo dele [Cristo] com o um H om em para hom ens” (Brd. Clr. Cant.
22.1.3 [Leclercq-Rochais 1:131]). Mas agora a versão de Schleiermacher
dessa declaração era: “Como homem falo para você dos mistérios sagrados
da humanidade [...], da fonte mais profunda de meu próprio ser” (Schl. Rei.
[1799] 1 pünjer, p. 4]).
236 φ♦ * OS FUNDAM ENTOS DA COSM OVISÃO CRISTA

Quase exatamente ao mesmo tempo, William Wilberforce, o líder leigo


tanto do movimento evangélico na Igreja da Inglaterra quanto da cruzada
contra a escravidão, inaugurara “uma nova era na história do anglicanismo”
(conforme um historiador católico-romano denominaria isso) (Mnd. Ang.
14 [Lecoffre 5:372]) ao publicar sua obra Visão prática dos sistemas religiosos
prevalecentes dos cristãos confessos, esse livro — de forma distinta de On Religion:
Addresses to the Cultured among Its Despisers [Sobre a religião: discursos para o
culto entre seus desdenhadores] de Schleiermacher — não foi escrito com
a intenção de “convencer o cético” (Wilb. Pr. vi. int. [1798:7]), mas era antes
“dirigido àqueles que reconheciam a autoridade das sagradas Escrituras”
(Wilb. Pr. vi. 2 [1798:44]). N o livro, Wilberforce reclamou que a doutrina e a
teologia, a despeito de todo o compromisso público com a sinceridade e o
sistema moral do cristianismo, estavam sendo negligenciadas de m odo que
“o grande defeito fundamental no sistema prático desses cristãos nominais
é sua tendência a esquecer todas as doutrinas peculiares da religião que pro-
fessam” (Wilb. Pr. vi. 4 [1798:226-27]). Aparentemente, tanto os “cristãos
professos” quanto os “cultos entres os desdenhadores da religião” precisavam
dessa exortação. Passados dois terços do século, o papa Pio IX lançou sua
dita Pista de erros, de 8 de dezembro de 1864, denunciando todo um catálogo
dos erros modernos, do panteísmo a várias espécies de racionalismos ao
latitudinarismo à separação da Igreja e do Estado (Doll. Ppst. Cone. 1 [Janus,
p. 22-23]), concluindo com a rejeição, com frequência citada e atacada, da
tese: “O pontífice romano pode e deve reconciliar a si mesmo e chegar a um
acordo com o progresso, com o liberalismo e com a civilização moderna”
(Pi. IX. Syl. 10.80 ¡ASS. 3:176]).
Cada uma das igrejas importantes enfrentou formas especiais do pro-
blema e (acreditava-se) tiveram recursos especiais em sua própria história
para superá-lo (Bau. Vers. 3.4 [1838:743]). Contudo, todas elas foram im-
pregnadas pelo sentimento de que — embora um dito patrístico citado por
um futuro papa, em 1799, pudesse ainda ser verdade, ou seja, que seria mais
fácil extinguir o sol que destruir a igreja (Gr. XVI. Tr. pr. [Battaggia, p. viii])
— ainda assim a igreja estava “doente e debilitada” (Lam. Mx. égl. 2 [Forgues
12:207]). O cristianismo oriental, tanto russo quando grego, continuava a
celebrar o domingo da ortodoxia, mas com um sentimento cada vez maior,
conforme disse um teólogo russo em 1814 (Fil. 37. 420 [Soe. Fil. 5:393-98];
Blach. Log. 31 [1882:374-83]; Hrth. Log. 16 [1882:668-77]), de que “a voz de
D eus estivera ressoando na igreja durante muito tempo com o uma voz no
deserto” (Fil. 37 28 [Soc. Fil. 1:205]) e, conforme outro colocou isso, “nosso
Os fundamentos da cosmovisão crista 237

século testemunha o mais extremo desenvolvimento do princípio da filosofia


abstrata e do princípio de ciência abstrata” muitíssimo distantes da verdade
da igreja dos pais (Slv. Krit. 46 [Radlov 2.330]); estava na hora de chamar “o
Sião ortodoxo” ao arrependimento (Blach. Log. 25 [1882:290]). As igrejas,
todas elas, apresentavam o espetáculo de “uma vasta ruína” (Lacrd. Cons. pr.
[Poussielque 7:5]; Blms. Prot. 11 [Casanovas 4:105]). Conforme um teólogo
e sacerdote escreveu em 1800, em meio às guerras napoleónicas, “o futuro
está na mão de D eus” (Sail. Ep. 17.vi.1800 [Schiel, p. 199-200]). “Em 1 de
janeiro de 1800” — outro apologista católico-romano lembraria mais tarde
naquele século — , o papa Pio VI morrera recentemente “exilado e prisio-
neiro de uma república ateia”, e o Colégio dos Cardeais acusado de eleger o
sucessor dele “permaneceu isolado durante 104 dias, preocupado com o que
um contemporâneo denominaria ‘o estado de fragranté traição da Europa
católica’ ” (Art. Pi. VII. 5 [1837-1:95]; Mntl. Int. cath. 1 [Lecoffre 5:4]), antes
de finalmente eleger Pio VII (And. Pan. serm. 19 [1817:165-66]); foi uma
crise para o papado não comparável nem mesmo com “cativeiro babilônio”
e o grande cisma do fim da Idade Média (Lacrd. Conf. 4 [Poussielque 2:87];
veja vol. 4, p. 132-46). Na Escandinávia luterana, um crítico observou que
“a fé cristã na maioria das pessoas, sem dúvida, continuava confinada ao
pouco conhecim ento”, tendo mudado “de [ir de] uma convicção firme e
viva [Overbeviisning] para uma suposição de dúvida [.Formodnin^[” (Mynst.
Praed. 29 [1845-1:363]); e outro homem da igreja escandinavo, exatamente
no fim do século, identificou com o o tema do século a “emancipação” da
autoridade externa, “de todos os dogmas αρήοή antigos e recentes em relação
à maneira e aos limites da existência” (Sod. 77. 1 [Stolpe, p. 24]). Até mesmo
aquele que se recusou a se “juntar ao clamor comum contra a infidelidade
com o a marca clara de uma mente corrupta” identificavam isso com o “um
erro grave e perigoso” (Chan. Evid. cr. 1 [AUA, p. 189, 192]).
Todas essas expressões de preocupação por todo o cristianismo orien-
tal e ocidental (Kbl. Nac. ap. [1833:14]) eram “presságios e indícios de uma
mente apóstata” (Wlb. Inc. 15 [1849:410]), de uma “apatia assustadora” e
de autoisolamento (Lam. Indiff. 17 [Forgues 2:128]). Assim, as palavras do
“Sermão de Abertura” das sessões de um tribunal superior inglês, feito em
14 de julho de 1833, em Oxford, por John Keble, sacerdote anglicano, que
veio a ser considerado por John Henry Newman e outros com o “o com eço
do m ovimento religioso [Movimento de Oxford] de 1833” (Newm. Apol. 1
[Svaglic, p. 43]) também poderla ser feito em qualquer outro lugar no cris-
tianismo, quer na ortodoxia oriental, quer no catolicismo-romano, quer nos
2β8 OS FUNDAM ENTOS DA COSM OVISÃO CRISTÃ

vários ramos do protestantismo, por mais que pudessem definir a palavra


“igreja”: “E um momento, com certeza, repleto de profundo anseio de todos
os membros da igreja que ainda acreditam na autoridade divina dela” (Kbl.
Nac. ap. pr. [1833:3]). O páthos da pergunta do evangelho: “Quando o Filho
do homem vier, encontrará fé na terra?” (Lc 18.8) encontrava agora sua
desalentadora resposta nessa “época fúnebre e desencorajadora, em que a
fé está completamente morta ou à beira da morte” enquanto o séquito cada
vez menor de seus devotos sobreviventes se reunia em pesar ao lado de seu
“túmulo sagrado” (MnÚ.Av. 3.viii.l831 [Lecoffre 4:202, 205]).
Essas lamúrias foram ouvidas com frequência em todos os períodos de
toda a história cristã. Por isso, no auge da Idade Média, a qual durante o sécu-
lo X IX não só os católicos-romanos, mas até m esm o os protestantes (Crnly.
Int. 1.3.2.14.248 [1885-1:657]) rememoravam com frequência com nostalgia
com o um período em que a fé cristã fora “a força motriz, governante e de-
cisiva” (Schf. Prin.prot. 2.5 [Mere. 1:175]), um poeta cristão latino iniciou sua
obra-prima com a denúncia de “a última das horas, o pior dos tempos [hora
novíssima, têmporapessimá\” (Brd. Cln. Cont. mnd. 1 [Hoskier, p. 1]). Mas agora,
os intérpretes da fé — enquanto ecoavam essas palavras que “os tempos
estão muito ruins, todavia, ninguém fala contra eles” (Newm. Min. com. [Tr.
Tms. 1:1]) — foram tomados por uma sensação de que as mudanças históri-
cas fundamentais e de longo alcance aconteceram, mesmo em comparação
com as batalhas do Iluminismo de um ou dois séculos passados a respeito
dos “dogmáticos do racionalismo” (Bau. Neun. 2 [Scholder 4:176]) em seu
conflito com a “teologia tradicional” (Slv. Bogo. 1 [Radlov 3:9]). Embora sem
um fundamento adequado no estudo acadêmico de ambos os lados (Hrlss.
Enc. 2.5.11 [1837:201]), “pois, nos últimos cento e cinquenta anos”, fora “a
linha de opinião aprovada no mundo” que apesar de a igreja institucional
e seus dogmas ortodoxos serem dispensáveis, o evangelho e a Bíblia ainda
assim permaneceríam; mas “a visão de agora em diante tem de ser que o
cristianismo não existe nos documentos, da mesma forma que não existe
nas instituições” (Newm. Scr. Perf. 7 [Tr. Tms. 85:99]) e, por isso, que ele não
existia (ou não podia existir) de m odo algum em qualquer forma reconhecível.
“D esde o início do século XVIII havia cada vez mais uma completa re-
volução da consciência protestante”, afirmou um historiador (Bau. DG . 113
[1858:343]), a saber, conform e descreveu outro historiador, o sentimento de
que “o dogma histórico perde seu poder”; foi “uma época caracterizada pela
negação” do dogma, da tradição e da autoridade (Klfth. DG. 65 [1839:205]).
Portanto, “em tempos de muito ócio e de curiosidade ilimitada” com o a atual
Os fundamentos da cosmovisão cristã Λ 239

“um padrão sóbrio de sentimento em assuntos de religião prática”, com o


representado nas normas históricas do ensinamento da igreja, não estava
mais em moda (Kbl. Ano cr. pr. [1827-I:v-vi]). Embora as provas tradicio-
nais para as crenças cristãs, com o a imortalidade humana (Jer. Niz. Inst. B
[1864:13-14]), ainda fossem usadas, foram privadas de sua validade (Thom.
Chr. 86 [1856‫־‬IV:435-36]), e a descrença que fora em geral característica do
século precedente dera lugar ao estágio seguinte, o qual era a dúvida radical.
U m espírito de “querer reverência na religião”, sem ser “considerado nem
calculado” (Lam. Déf. pr. [Forgues 5:vj; Wms. Res. 6.10 [7r. Tms. 87:119]),
alcançara uma grande coalizão de “todos os esforços contra a religião” em
uma única campanha (Lam. Exp. 12.x.1825 [Forgues 13:137]; Lam. Par. cr.
13 [Forgues 11:49]).
“Em um ponto de vista”, sentiam muitos observadores contemporâ-
neos, “nosso caso difere de ato do caso de eras anteriores no fato de que
as verdades grandes e essenciais da nossa religião [...] são agora em geral
conhecidas” (Wms. Res. 6.1 \Tr. Tms. 87:85]), mas não mais aceitas, ao passo
que elas, em algumas eras anteriores de “fé implícita”, eram em geral aceitas
mesmo não sendo sempre muito bem conhecidas (Rtl. Fid. imp. 1.7 [1890:37]).
N o entanto, quer em geral conhecidas quer não, essas “verdades grandes e
essenciais” passaram a ser o foco da atenção. A “ausência de princípios” (Slv.
Bogo. 1 [Radlov 3:1-2]) e os ataques contra a fé da “lamentável cegueira” de
uma “indiferença” (Blms. Rei. 10 [Casanovas 5:13-15]) que era “mais perigosa
que o ateísmo” (Lam. Indiff. 4 [Forgues 1:75]) estavam compelindo todos
os grupos cristãos a dar atenção “às primeiras verdades do cristianismo”
(Hfmnn. Enc. 2.2.1.2 [Bestmann, p. 270-71]) aos “princípios fundamentais”
(Camp. Εν. 7 [Owen, p. 99]), às “concepções fundamentais de todas as re-
velações e desenvolvimentos da divindade” (Camp. Syst. 23.1 [1956:54]) e à
“religião cristã com o a mais razoável e mais bem fundamentada por tudo
que é conhecido” (Ces. Ep. 12.vi.1795 [Manuzzi 2:295]). Era essencial se
concentrar “no sistema de pontos fundamentais” e “nos fundamentos da
religião revelada” (Lam. Indiff. 7 [Forgues 1:160]), que já haviam sido revelados
no Antigo Testamento (Ub. Int. 1.1.21. int. [1886-1:375]) e eram “o alicerce
do cristianismo e os fundamentos da fé cristã, mas não suas doutrinas ca-
racterísticas e peculiares” (Clrdge. Ref. 7.7 [Shedd 1:229]). Em uma ou outra
dessas doutrinas e debaixo delas, por conseguinte, estava “o chão firme da
fé” (Thom. Chr. 65 [1865-111:395]), que era (onde quer que fosse possível
localizar a continuidade histórica de sua autoridade) “a rocha de fundação
e verdade” (Ces. St. eccl. 1.3, 1.8 [1881:28, 101]) sobre a qual Cristo, em sua
240♦♦♦ OS FUNDAM ENTOS DA COSM OVISÃO CRISTA

declaração a Pedro (Mt 16.18,19), prometera edificar sua igreja, a “principal


ideia” ou “princípios fixos” (Newm. Dev. 1.1.1.3 [Harrold, p. 33-34]) que a
separam dos “fundamento do sistema” de indiferença e descrença (Clrdge.
Es. 9.XÜ.1815 [Coburn 3-11:422]; Feod. Prav. 7 [1860:196]). O interesse em
localizar uma “fundação” (ap. Krth. Cons. ref. 5 [1871:181]) debaixo e além
dos dogmas particulares, longe de ser “urna ideia desconhecida para nossa
igreja em seus dias mais puros” Lam. Mx. égl. 2 [Forgues 12:222]), conforme
suspeitam alguns, tinha amplo precedente na tradição cristã (Apol.'. Conf. Aug.
7.20 [Bek., p. 238]). “Sabemos”, foi dito no final desse período, “que nem
todos conseguem ver o alicerce da nossa fé”; não obstante, “ninguém pode,
tampouco, destruí-lo” (Hrmnn. N t. [1913:21]). Quão equivocada podia ser
a avaliação dessa questão foi mostrado pelo aparecimento no mundo cristão
de fala inglesa, também no final desse período e quase ao m esm o tempo, de
duas publicações com títulos impressionantemente semelhantes, mas com
tendências radicalmente divergentes, Osfundamentos, de 1909, nos Estados
Unidos, e Fundações, de 1912, na Inglaterra (veja p. 383 abaixo).
O que estava em jogo no conflito da doutrina cristã com.a cultura mo-
derna no século X IX não era nada menos que (nas palavras iniciais da mais
importante obra de um pensador russo ortodoxo) “as verdades da religião
positiva, assuntos que estão distantes e alienados da consciência moderna e
dos interesses da civilização moderna” (Slv. BogoA [Radlov 3:1]). U m expositor
alemão da tradição patrística, também chamado por seus críticos protestantes
de “o mais importante teólogo católico-romano da era atual” (Schf. Prin.prot.
1.2,2.3 \Merc. 1:120,135]), falou “dos fundamentos da visão cristã de mundo
[die Grundanschauungen des Christentums[” (Mhlr. Ath. 3 [1827-1:242-51]), que
ele achava ser a “verdade fundamental” sobre a qual os pais da igreja tinham
alicerçado seu ensinamento (Mhlr. Pat. 1 [Reithmayr, p. 137]); esse tipo de
interesse na “abrangente visão cristã de mundo” era comum para muitos
outros teólogos do século X IX de perspectivas muitíssimo diferentes (Rtl.
Recht. 3.1.7 [1882-111:33]; Rd. Unt. 3.60 [Ruhbach, p. 52]; Dry. Apol. 1.1.2
[1838-1:2]). Outro estudioso dos pais, em oposição aos erros confrontados
pela igreja durante a era patrística e também aqueles que ele confrontava em
sua própria época, via no ensinamento deles “a correta visão de mundo na
combinação da transcendência divina com a imanência divina” (Thom. DG.
1.2.1 [1874-1:178]). Esses alicerces, de um lado, formavam “a alma do cristia-
nism o” (Lacrd. Dom. 2 [Poussielque 1:31]) e, de outro lado, “a paixão primor-
dial da humanidade” (Lacrd. Conf.26 [Poussielque 3:124]). Por conseguinte,
para os cristãos tradicionais, quer evangélicos, quer católicos, quer ortodoxos,
A realidade de Deus ♦♦♦ 241
esses alicerces indicavam o imperativo particular de “acreditar nas doutrinas
e absorver os princípios, e praticar os preceitos de Cristo”, do contrário,
sofrer “ruína moral” (Wilb. Pr. viA [1798:15]; Hrth. Herm. epil. [1882:247]).
A o m esmo tempo, esses alicerces — para aqueles cujas preocupações cristãs
ultrapassavam a tradição cristã e iam até a crença de que a teologia incluía
“as verdades fundamentais que são o alicerce comum das nossas obrigações
civis e religiosas” — “não [eram] menos indispensáveis para uma percepção
correta das nossas preocupações temporais que uma fé racional com respeito
a nosso bem-estar imortal” (Clrdge. Const. 1.5 [Coburn 10:47-48]).

A realidade de Deus
O s defensores da fé, “contra o pano de fundo desses escombros de
todas as doutrinas da religião”, concentraram-se na “existência de D eus”
com o “essa grande e sublime verdade” (Lam. Indiff. 5 [Forgues 1:102]) da
qual tudo o mais dependia, com o “o fundamento da religião natural” (Hdge.
Darw. [1874:3]), mas também com o “o mesmo fundamento” para a fé (Jam.
Sac. hist. 3.1 [1802-11:2]); pois “a igreja ortodoxa [do Oriente] começa todo
seu ensinamento sobre D eus no Credo [Niceno] com a palavra: ‘Creio’ ”
(Mak. Prav. bog. 9 [Tichon 1:66]). A religião podia ser definida com o “uma
persuasão íntima e constante da existência de Deus, criador do universo,
legislador e supremo juiz da humanidade” (Tor. Car.lA [1779-1:11]); e mais
uma vez com o “o conhecimento de D eus, da sua vontade e das nossas obri-
gações em relação a ele” (Newm. Grani. 2.10.1 [Ker 1985:251]). N o início
do desenvolvimento teológico protestante do século X IX um importante
tratado apologético, rejeitando a ficção de que o cristão religioso não sabia
nada a não ser a um simulacro de realidade, definia o cristão, ao contrário,
com o uma “realidade que conhece a realidade” (Schl. Rei. [1806] 2 [Punjer,
p. 49]). Um século depois, dois dos resumos do resultado desse desenvolví-
mento (Hrmnn. Wirk. [1914]), um de um protestante liberal e outro de um
católico-romano liberal, foram devotados “à Realidade de Deus, à presença
de D eus em nossa vida, com o no grande mundo de realidades a nossa volta,
de Deus, uma Realidade, a Realidade” (Hug. Real. int. [Gardner, p. 14]). A
questão era: “Será que a fé em D eus ainda faz sentido?” (Sod. 77. 3 [Stolpe, p.
146]). U m apologético católico-romano deu o título “A existência de Deus”
a um dos capítulos mais importantes de sua obra (Lam. Indiff. 14 [Forgues
2:35-70]). “Contemplamos em [Deus] a realidade pura, perfeita e apropriada”
(Clrdge. Log. 2.1.25 [Coburn 13:129]): o infinito pelo o qual o espírito humano
ansiava e aspirava só podia ter sua realidade na realidade de Deus, o ponto
de partida e o ponto de chegada para todo esforço humano (Khns. Dogm.
242 ♦ V 0 S FUNDAM ENTOS d a c o s m o v i s ã o c r is t a

2.9.2 [1861-1:138]), “o próprio fundamento de toda religião” (Lacrd. Conf.


14 [Poussielque 2:264]), a saber, “a reverência apropriada à majestade divi-
na” (Wilb. Pr. vi. 4 [1798:207]). Um autêntico “senso de religião no hom em ”
(Tor. Car. 2.1 [1779-11:21-32]) não podia ser “um mero sentimento”, pois “a
devoção sem o fato do Ser supremo” não era nada além de “um sonho e uma
zombaria” (Newm. Apol. 2 [Svagüc, p. 54]) e o próprio universo, nada mais
que “uma grande ilusão” (Lam. Indiff. 15 [Forgues 2:76]). Essa “realidade,
grande e misteriosa” era fundamental em qualquer tratamento apologético
para o cético moderno (Blms. Escép. 25 [Casanovas 5:448]).
Contudo, era a própria realidade de D eus que agora estava ela mesma se
tornando problemática também entre os cristãos professos. “Deus é esque-
cido; sua providência, desacreditada”, lamentou William Wilberforce (Wilb.
Pr. vi. 6 [1798:265]). Talvez continue a ser uma verdade que “o nom e ‘ateu’
ainda soe horrível para a maior parte da humanidade” (Tor. Car. 1.10 [1779-
1:324]), de m odo que os inimigos da religião tentavam esconder “a insanidade
do ateísmo” (Chan. Evid. cr. 1 [AUA, p. 193]) fingindo aceitar uma versão de
teísmo cristão. N esse sentido, um teísmo cristão “positivo e eficaz” (Lacrd.
Conf. 27 [Possielque 3:143-44]) representava a terceira possibilidade na disputa
convencional do Iluminismo sobre a escolha entre o ateísmo e a superstição
(veja p. 119-20 acima), em especial por causa dos remanescentes de supersti-
ção que ainda eram evidentes na própria piedade cristã tradicional (Kol. Ká%.
5 [1844:67]; Chan. Evid. cr. 2 [AUA, p. 210, 215]). Mas “o antigo e o novo
sistemas de ateísmo concordam” em rejeitar a realidade de “uma inteligência
particular e pessoal” com o Deus (Pal. Nat. teol. 23 [Wayland 4:280]) e, com
frequência, em rejeitar totalmente com ela o senso da “realidade de coisas
invisíveis” (Wilb. Pr. vi. 4 [1798:200]). Os “missionários do mal”, em nome
de urna “consulta profana, porque autossuficiente”, pregavam “o ateísmo”
e o ceticismo (Kbl. Oc. 5 [Pusey, p. 166]). O principio de “indiferentismo
religioso” fora originalmente dirigido contra a superstição e o fanatismo que
se pensava ser prevalecente em todas as igrejas. Em seu lugar, “veja, o que
conseguiu se preservar é o fanatismo da impiedade [et voilá ce qui la préserve
du fanatisme de l’impiété]!” (Lam. Indiff. 2 [Forgues 1:36-37]).
N ão era menos importante o problema que se manifestava em algumas
das próprias defesas da religião, que continuava a usar a fórmula bíblica de
“adorfar] em espírito e em verdade” 0 o 4.23,24; ap. Newm . Ser. Perf. 1 [7r.
Tms. 85:7]; Mak. Prav. bog. 17 [Tichon 1:97-98]), bem com o o corolário de
distinções entre “interioridade” e “exterioridade” na religião (Kierk. Fr. bv.
2.2 [Drachmann 3:118]; Rtl. Ges. Auf. 3 [1893:76]) ou entre “uma religião
A realidade de Deus ♦♦♦ 243
de formas” e “uma religião do espirito” (ap. Nvn. Schf. [Mere. 1:36]). Esses
princípios, com o “a sinceridade é tudo em todos e em tudo” (Wilb. Pr. vi.
1 [1798:17]), pareciam estar levando ao subjetivismo absoluto (Dry. Apol.
1.2.1.6 [1838-1:115-16]), com o o fez a definição da própria religião com o “o
sentimento de absoluta dependência [schlechthinnige Abhangigkeii\” (Schl. Chr.
gl. 4 [Redeker 1:23-30]). O autor dessa definição, em sua primeira obra apoio-
gética, deixara-se exposto à acusação de que demonstrava apenas a realidade
subjetiva da piedade, e não a realidade objetiva de Deus. “A contemplação
do pio”, dissera ele, “é a consciência imediata de todas as coisas finitas no
Infinito e por intermédio dele”, e, por conseguinte, a religião significava “ter
vida e conhecer a vida no sentimento imediato, apenas desse m odo [haveria]
uma existência no Infinito e Eterno”. Ele descreveu “religião” (Schl. Rei.
[1799] 1 [Pünjer, p. 11-12]) — mudando o termo na segunda edição para
“piedade” (Schl. Rei. [1806] 1 [Pünjer, p. 11-12]) — com o o ventre espiritual
em que sua vida fora nutrida e falou contra uma equiparação de religião com
as “doutrinas e sistemas” da teologia, com uma “mistura de opiniões sobre
D eus e o mundo” ou “uma confusão de bocados metafísicos e éticos” (Schl.
Rei. [1806] 2 pünjer, p. 41]).
Chamar a exaltação da fé pela Reforma com o confiança em “uma revo-
lução do espírito objetivo para o subjetivo” (Lut. Dtsch. Kat. 1.1.1-3 [Bek., p.
560]), advertiram os críticos, podia resultar na substituição da religiosidade
subjetiva pela objetividade “de um Outro real” (Bau. Vérs. 2.1.1 [1838:287];
Rtl. Recht. 1.5.31 [1882-1:219-20]; Rd. Fid. imp. 2.11 [1890:60]) com o o con-
teúdo da “religião” (Drnr. Sjst. 47 [1879-1:551]; Sod. 77. 3 [Stolpe, p. 200]).
Enquanto a razão humana operasse com a “hipótese de um Aquele com o
o fundamento e a causa do universo”, era tarefa da “ideia que é a base da
religião” elevar essa hipótese “à ideia do Deus vivo” (Clrdge. Ref. 7.2 [Shedd
1:210-11]). Por conseguinte, falar de Deus com o “Ser” era o “oposto do
que é apenas pensamento e uma mera força ou poder”; “significava que tem
existência real e substantiva” (Hdge. Sist. teol. 1.5.5 [1981-1:367]). Era isso que
a igreja e seus mestres queriam dizer quando chamaram Deus de “substância
[suscestvó[‫( ״‬Male. Prav. bog. 16 [Tichon 1:92-95]). Os teólogos cristãos, desde
os tempos patrísticos (veja vol. 1, p. 73), encontravam apoio bíblico para essa
concepção ontológica acima de tudo na revelação de si mesmo de Deus para
Moisés: “Eu Sou o que Sou” (Êx 3.14; Hrth. Thrsk, 2.2 [1895:56]). Essas palavras
podiam ser traduzidas por: “Eu Sou Aquele que E ]Έγω ειμι ό ών]” (Marc. inst.
9.5.4 [Tomassini 2:40]; Camp. Syst. 3.1 [1956:6]). A passagem continuava a
ser um esteio que denotava o “Deus vivo” com o uma “pessoa” (Slv. Bogo. 5
2-44 Ψ OS FUNDAM ENTOS DA COSM OVISÃO CRISTA

[Radlov 3:65-67]), uma “realidade existente e autossubsistente, um Ser real e


pessoal” (Clrdge. Ref. 7.2 [Shedd 1:217-18]); a passagem ensinou aos cristãos,
não menos que aos judeus, “a eterna, necessária, imutável e incompreensí-
vel existência de D eus” (Jam. Vind. 2.8 [1794-1:250]). Essa revelação de si
mesmo significa que D eus era “passível de ser conhecido” (Hdge. Sist. Teol.
1.4.1 [1981-1:337]), mas, ao mesmo tempo, permanecia “incompreensível”
(embora “portanto, não ininteligível” [Grnvg. Pr. 25.v. 1823 (Thodberg 1:285);
Doll. Heid. Jud. 10.3.2 (1857:821)], gostariam alguns de acrescentar): “ ‘Ver-
dadeiramente tu és um D eus que se esconde, ó D eus e Salvador de Israel’ é
a própria lei de sua conduta conosco” (Chan. Calv. [AUA, p. 463; Is 45.15).
Uma origem das dificuldades dos cristãos em face das negações da reali-
dade de D eus era o papel largamente implícito que a doutrina de D eus com o
tal desempenhara em boa parte da história do dogma cristão (Newm. Gram.
2.9.1 [Ker 1985:227]). “A igreja não formulou um dogma sobre o conceito
de D eus”, observou um teólogo da história, “embora [a história da] teologia
eclesiástica manifeste uma série de tentativas de realizar um” (Thom. Chr. 7
[1856-1:15]). Por essa razão, conforme já observamos, o dogma cristão não
teve origem “com base em um pressuposto conceito especulativo de D eus”
— ou, em todo caso, não de um conceito explícito a priori — quando em-
preendeu a formulação de seus ensinamentos sobre a pessoa de Cristo e da
Trindade (Thom. DG . 1.2.1 [1874-1:155,263-66]). Coube ao escolasticismo
medieval avançar “o desenvolvimento filosófico e dogmático da doutrina de
D eus” (Bau. D G .80 [1858:245-50]; Rd. Teol. met. 5 [1887:40]). O resultado
dessa história ficou evidente na evolução do próprio teólogo que falou sobre
os “fundamentos da visão cristã de mundo”, Johann Adam Mõhler, em sua
primeira obra Unidade na igreja, de 1825: “Deus é o ponto de partida do qual a
teologia de Mõhler toma seu início”, enquanto ele continuava para argumentar
em favor do “elemento divino no cristianismo” com base em um conceito a
priori de Deus (Geiselmann [1960], p. 446-47); mas quando aprofundou sua
apreensão da teologia patrística por intermédio de mais pesquisa na prepa-
ração de seu estudo A tanásio, 0 Grande, e a igreja de sua época, publicado dois
anos mais tarde, ele com eçou a argumentar na direção oposta, conforme
argumentavam os pais da igreja, “começando do homem e sua liberdade
para apontar para D eus com o Aquele além e acima do mundo”. Assim, no
dogma e também na lógica “a ideia de Deus está pressuposta” (Clrdge. Log.
2.1.6 [Coburn 13:111]).
E, por conseguinte, “a crença em uma divindade” era “quase um axio-
ma”, para o qual “não [havia] necessidade de argumentos refinados ou
A realidade de Deus
W 245
♦♦♦

sutis” (Clrdge. Rev. rei 1 [Coburn 1:93]) nem de “aparato científico” (Blms.
Escép. 3 [Casanovas 5:265]) e contra o qual “os argumentos engenhosos
[...] podem nos deixar perplexos, mas nunca convencer” (Clrdge. Rev. rei. 1
[Coburn 1:93]). Ainda assim, continuava a haver “argumentos engenhosos”
suficientes do lado dos oponentes, igualados por uma quantidade não menor
de “argumentos refinados ou sutis” do lado dos defensores. Foi no sécu-
lo X IX que as Palestras Gifford foram instituídas na Escócia protestante
“para ‘promover, avançar, ensinar e difundir o estudo da teologia natural’
no sentido mais amplo do termo, em outras palavras, o conhecim ento de
Deus, o Infinito, o Tudo” (Gffrd. Trst. [Jaki, p. 72-73]). Também no sécu-
lo X IX , mas no catolicismo-romano, a validade racional da teologia natural
na demonstração da existência do próprio Deus, pela primeira vez, passou
a ser o assunto explícito de definição dogmática em um concilio da igreja
(embora ela também estivesse “pressuposta” nas definições anteriores) (Rm
1.19,20) quando o Primeiro Concilio Vaticano, citando o que o protestantis-
mo ortodoxo denomina “locus classicus” da teologia natural (Grh. Loc. 2.4
[Cotta 3:54]), declarou antes de prosseguir para especificar o conteúdo da
revelação divina: “A santa Madre Igreja sustenta e ensina que Deus, o princípio
e o fim de todas as coisas, pode ser com certeza conhecido \cognosci\ pela luz
natural da razão humana a partir das coisas criadas” (CVat. [1869-70] 3.2, 3.4
[Alberigo-Jedin, p. 806, 808]). Em outras palavras, a revelação autoritativa
afirmava que a revelação não era a única maneira de conhecer a realidade de
Deus. Essa noção era dirigida contra os filósofos que, sem negar a existência
de D eus com o tal, negavam que a razão pudesse prová-la (veja p. 176 acima),
e contra os teólogos que, às vezes fundamentados nesses filósofos, atribuíam
à revelação divina apenas a capacidade de guiar a conhecimento válido de
Deus. N esse cenário, as provas tomistas para a existência de Deus com base
no movimento e causa desfrutaram de um novo ressurgimento de interesse e
elaboração com o a pressuposição da teologia doutrinai no catolicismo-romano
(Prn. Prael. 2.3.1 [1877-111:228-45]).
N a teologia protestante, também houve um esforço contínuo de ar-
gumentar em favor da doutrina de “evidência puramente natural” (Krth.
Cons. ref. pr. [1871 :vii]) e também da revelação, de atribuir a fé “a uma causa
original divina porque não era possível encontrar uma causa adequada para
ela” (Chan. Evid. rev. [AUA, p. 226]) em outro lugar, e de afirmar a “racio-
nalidade” das “afeições [humanas] em relação a um Ser invisível” (Wilb. Pr.
vi. 3 [1798:76-88]), mas com frequência com o acréscimo da estipulação de
que “aqui a esperança cristã, não menos que em outros particulares, é en-
246 OS FUNDAMENTOS DACOSMOVISÃO CRISTA

contrada nas especulações ou força do homem, mas na declaração daquele


que não pode mentir, no poder do Onipotente” (Wilb. Pr. vi. 3 [1798:83]).
A abordagem formulada por Wilhelm Herrmann, em Λ realidade de Deus,
era mais representativa: “Mesmo que seja impossível provar a realidade de
Deus, ainda é possível para todos encontrar a realidade de D eus” (Hrmnn.
Wirk. [1914:13]). Em meio aos muitos cristãos de todas as confissões, as
demonstrações cosmológicas tradicionais da existência de Deus, com o “o
ninho no qual o conhecimento metafísico de D eus sempre foi nutrido” (Rtl.
Teol. met. 1 [1887:7-8]), estavam sendo vistas, na melhor das hipóteses, como
hipotéticas e com o irrelevantes, quer fossem impossíveis quer não (Lacrd.
Conf. 45 [Poussielque 4:265]; Clrdge. Log. 2.9.6 [Coburn 13:207]; Slv. Bogo.
3 [Radlov 3:31-32]), uma vez que essas demonstrações se esforçavam para
provar algo que “ultrapassava todo entendimento” (Kierk. Syg. Dd. 2.1 app.
(Drachmann 11:213]). Elas estavam recuando para trás de dois outros ar-
gumentos que pareciam estarem mais de acordo com a natureza da própria
revelação e também com o espírito intelectual da época: o histórico e o moral.
Os argumentos para provar a existência de D eus a partir da razão sem-
pre dividiram seu lugar com o argumento “fundamentado no consenso das
nações \apopulorum consensü\” (Trtn. Inst. 3.1.16-17 [1688-1:191-93]), mesmo
depois que as viagens de descobertas e o início da antropologia científica
começaram a abalar a pressuposição de alguns sobre a própria existência de
qualquer “consenso”. Essa suposição contínua se expressou na declaração
de que ficara evidente, em todo o caminho da África ao Ártico, da “crença
em um Ser Primeiro, o Pai de todos os seres”: até mesmo os ateístas tiveram
de reconhecer que “não existe nenhuma tradição mais universal e mais con-
tínua” (Lam. Indiff. 14 [Forgues 2:47]). A realidade de Deus era “uma verdade
sustentada universal e unánimemente atestada entre todos os homens e em
todos os séculos — uma verdade de fato, de sentimento e de evidência da
razão” (Lam. Indiff. 14 [Forgues 2:42-44]). Onde havia menos confiança no
último destes, “a evidência da razão”, o ponto de vista de que “todas as nações
tiraram suas idéias de divindade [...] da tradição, e não da luz da razão” (Camp.
Εν. 10 [Owen, p. 138]), foi chamado a carregar mais do fardo apologético,
com a consciência do perigo que, paradoxalmente, essa confiança na evidência
da “tradição universal” podia, por sua vez, levar de volta a uma espécie de
racionalismo (Lam. Indiff. 22 [Forgues 3:20]) e também criar problemas para
a definição da tradição específicamente cristã (veja p. 317-18 abaixo). Esse
perigo foi em parte compensado por uma definição da tradição universal entre
“todos os hom ens” com o uma “convicção que existe um Ser de quem eles
dependem e para quem são responsáveis” (Hdge. Syst. Teol. 1.1 [1981-1:191]).
A realidade de Deus
♦ > 247
Os cristãos do século X IX vieram cada vez mais a confiar nessa convic-
ção da responsabilidade e no que seus predecessores imediatos identificaram
com o a relação da “religião” com a “virtude” (Tor. Car. 1.1 [1779-1:55-61])
com o seu principal argumento para a realidade de Deus. Havia dois modos
de conhecimento, o “lógico” e o “ético” (Hrth. Log. 16 [1882:673]), e o
segundo não desempenhava menos que o primeiro um papel apologético.
“Nenhuma verdade encontra uma expressão mais clara nos tempos moder-
nos”, observou um teólogo, “do que a verdade que a independência moral
pertence à essência do cristianismo” (Sod. Upp. 3 [1930:152]). Pois “se não
existe um D eus eterno, não existe tal coisa com o virtude \dobrodetel\ e não há
necessidade dela” (Dost. Br. kar. 4.11.8 [Cernecova, p. 683]), declarava um
personagem em um romance cristão, ecoando argumentos anteriores (Hno.
Teol. 1.1.1.3 [1785-1:33-34]); a inversão de sua posição foi a declaração, que
a princípio parecia ser apenas pragmática, mas que afinal era de fato metafí-
sica, de que se havia uma coisa com o a virtude e a necessidade dela, tinham
de haver um D eus eterno, uma vez que a “obrigação \dol%noe\”, em última
análise, dependia do “ser” (Slv. Krit. 26 [Radlov 2:183]; Slv. Duch. osn. 1.2
[Radlov 3:306]). “O senso de obrigação é o maior dom de D eus”, afirmou
o unitarista norte-americano William Ellery Channing (Chan. Hon. [AUA, p.
69]); a “obrigação”, disse um poeta, era a “filha inflexível da voz de D eus”
(Wrds. Dty. [Hayden 1:605]). D e acordo com outro poeta e teólogo filoso-
fico, do reconhecimento seguia-se que “acredito que sou um agente livre”
que “passa a ser minha obrigação absoluta crer, e creio, que existe um Deus,
ou seja, um Ser em quem a suprema razão e a mais santa vontade são una
com um poder infinito” (Clrdge. Conf. fid. 1 [Shedd 5:15]). A consciência era
uma realidade, “a existência do que não podem os negar”. Ela, com o tal, era
“uma prova da doutrina de um Dirigente Moral que só dá a ela um escopo”
(Newm. Dev. 1.1.2.7 [Harrold, p. 45]); não “algum fenôm eno sensível”, mas
o “fenôm eno mental encontrado no sentido de obrigação moral” identificava
“as intimações da consciência” com “uma admoestação externa” e, por isso,
levava necessariamente o inquiridor à “noção de um Governante ou Juiz
Supremo” (Newm. Gram. 1.5.1 [Ker 1985:72]). Só “por intermédio da nossa
própria natureza moral” a perfeição moral de D eus era compreendida (Chan.
Lke. [AUA, p. 293]). Assim, a religião era “a obediência incondicional a Deus”
(Kierk. Kjer. Gjer. 1.2A [Drachmann 9:21-27]). Contudo, isso não devia ser
entendido com o sentido de que as raízes da moralidade se aprofundavam
mais na vida humana que as raízes da própria religião (Sod. Upp. 1.1 [1930:19]).
248 OS FUNDAMENTOS DACOSMOVISÃO CRISTA

Assim, essa fora a qualidade peculiar da fé monoteísta de Israel (Camp.


Εν. 17 [Owen, p. 212]) — por meio de um notável contraste com “uma nação
refinada com o a grega, abraçando um sistema completo de absurdos teológi-
cos” ou com a filosofia de Cícero (Doll. Heid. Jud. 8.1 [1857:571]) — que em
Israel, em vez de na Grécia ou em Roma, “a ideia de um D eus todo-poderoso
cresce unicamente das experiências humanas que pertencem à moral impera-
tiva [der sittliche Verkehr mit Menschen]” (Hrmnn. Wirk. [1914:39-40]; Slv. Rus.
égl.3.9 [Rouleau, p. 279]). A lei moral era uma chave para a história de Israel,
e várias de suas proibições, bem com o muitas de suas injunções positivas,
tinham a intenção de ensinar ou de salvaguardar a doutrina da unidade de
Deus (Jam. Sac. hist. 3.1 [1802-11:5]). Foi dito que a historia de Israel era
única também em outro aspecto. “Apenas urna vez na história”, afirmou
um teólogo filosófico, “descubro que um desenvolvimento progressivo de
princípios morais também foi uma revelação progressiva do caráter de D eus”;
do contrário, a prática da religião e os preceitos da moralidade entraram
com frequência em conflito (Iv. Thsm. 8 [1899:247-48]). A o mesmo tempo,
a ultimidade da fé monoteísta de Israel indicava que não podia haver uma
equação simples entre o imperativo moral e o mistério da vontade divina: na
ordem de D eus que Abraão tinha de sacrificar seu filho Isaque (Gn 22.2),
S0 ren Kierkegaard encontrou o que definia com o “a suspensão teológica
da ética” quando Abraão “por meio de seu ato ultrapassou completamente
a ética e apossou-se de um têlos mais elevado exterior a esse ato em relação
ao qual ele suspendeu o primeiro” (Kierk. Fr. bv. 2.1 [Drachmann 3:109]).
“Um Deus, um sistema moral” (Camp. Sjst. 2.1 [1956:2]): a moralidade e
o m onoteísm o eram historicamente inseparáveis e mutuamente aprobativos
(Clrdge. Const. 2 [Coburn 10:123]), e eles, tomados juntos, podiam até mesmo
ser usados para atacar várias formas da ortodoxia cristã (Chan. Calv. [AUA,
p. 461]). Talvez a intenção dos apologistas em relação à “lei moral interna”
fosse suplementar, mas agora com frequência era suplantada, “o céu estre-
lado acima de n ós” com o uma prova filosófica e teológica para a unidade e
realidade divinas (Knt. Krit.pr. Vern. [Cassirer 5:174]). Era difícil apresentar
uma ortodoxia racionalista, com fundamentos puramente cosmológicos, para
demonstrar “a unidade da divindade” com base na “uniformidade do plano
observável no universo” (Pal. Nat. teol 25 [Wayland 4:295-98]), em particular,
com o uma uniformidade de plano se tornava cada vez menos evidente para
aqueles que tinham com eçado a observar o universo, quer biológico quer
físico, com detalhe científico mais cuidadoso. Contudo, a rejeição ortodoxa
de várias espécies de dualismo demonstrava que uma negação da unidade
A realidade de Deus ♦ ♦ ♦ 249
do Ser Supremo (Doll. Gnos. 2 [1890:16]), para a visão bíblica de mundo,
equivalía a ateísmo (Jam. Sac. hist. 3.1 [1802:4]): conform e afirmara Tertu-
liano (Tert. Marc. 1.3.1 \CCSL 1:443]) contra Marcião: “D eus não é se ele
não for um”. A natureza estendeu a doutrina de um D eus (Marc. Inst. 9.7
[Tomassini 2:49]), embora não obrigasse a aceitação dessa doutrina (Chan.
Evid. cr. 2 [AUA, p. 212]). A própria espiritualidade cristã sentia havia muito
tempo uma “dificuldade, e não apenas uma dificuldade subjetiva” em juntar
a ideia do amor de D eus com a ideia da santidade de D eus (Thom. Cr. 52, 57
[1856-111:37, 114-15]; Bush. Nat. 1 [1858:31]) e também em juntar “a rígida
unidade do sistema de D eus” com “a admissão ou fato” do mal, que “ani-
quila a unidade do império de Deus, deixando-o em um estado fragmentado
e dividido” (Busch. Nat. 4 [1858:98]). “D a origem do mal”, era necessário
admitir em um entendimento apologético, “nenhuma solução universal fora
descoberta” (Pal. Nat. teol. 27 [Wayland 4:298-351]) e ajustar isso às noções
de D eus com o causa primeira e de Deus com o um Ser bom continuou a ser
um problema padrão em muitas declarações de doutrina cristã (Markr. Log.
Kat. 4 [1871:56-57]; Blach. Log. 13 [1882:142-43]; Jer. Niz. Inst. [1864:174-
76]; Clrdge. Rev. rei. 1 [Coburn 1:103-11]); mas, em todo caso, era errado ver
algum tipo de correlação entre os graus de maldade e os graus de “punição”
na experiência humana (Rtl. Unt. 2.41-42 [Ruhbach, p. 38-39]).
Mas os argumentos contra o politeísmo, que formava um elemento tão
importante no caso patrístico contra o paganismo (Mhlr. Ath. 2 [1827-1:148-
49]; Bau. DG. 18 [1858:94]) — com frequência, começando com o sermão do
apóstolo Paulo no areópago (At 17.28), apoiado pelo testemunho de fontes
pagãs (Pal. Hor. Paul. 13.1 [Wayland 3:307-8]) — não eram apenas uma crítica
da adoração natural (Doll. Heid. Jud. 2.1 [1857:55]) e uma polêmica contra
a idolatria com o “o crime contra o qual o mais alto ressentimento de Deus
é expresso” (Wilb. Pr. vi. 4 [1798:117]), mas uma afirmação de “um poder e
divindade eternos e onipresentes” (Mnkn. BI. 20 [1828:246]). Com certeza,
às vezes, essa “ênfase mais alta possível na unidade do Ser Supremo” no
pensamento pré-Niceno com o “a verdade primordial que [a igreja] afirmara
de forma mais enfática em face do politeísmo” levou os pais da igreja a usar
linguagem subordinacionista sobre a relação entre o Pai e o Filho (Liv. Div. 7
[1867:634]), que precisara ser esclarecida nas controvérsias do século XIV a
respeito da doutrina da Trindade (veja vol. 1, p. 202-11). O cristianismo fora
separado não só dessas religiões politeístas, mas também de outras formas
de m onoteísm o (específicamente, achava-se, do islamismo) pela conexão
estreita entre essa doutrina de um Deus pessoal e o conceito de uma única
25O ♦ ♦ ♦ OS FUNDAMENTOS DACOSMOVISÃO CRISTA

humanidade e de urna única religião universal destinada a ser a religião de


toda a humanidade (Mhlr. Ges. Schr. 1.7.2 [1839-1:371]).
D o judaismo, o cristianismo herdara essa formulação “pessoal e concre-
ta” do “conceito de D eus” (Bau. DG. 21 [1858:99]; Rtl. Recht. 3.4.30 [1882-
111:213]). A concepção da própria personalidade era um “enigma inexplora-
do”, mas era a chave para a cognoscibilidade de D eus (Iv. Deus 2 [1887:12-37];
Iv. Teis. 7 [1899:195-226]). O próprio uso do termo “pessoa ¡persona¡” por
teólogos ocidentais para traduzir o termo grego “ύπόστασις”, tradução essa
que o mais proeminente e influente dos teólogos ocidentais achava confusa
(Ag. Τήη. 5.8-9.10 ¡CCSL 50:215-17]), responsável por uma certa ambiguidade
em seu uso com o parte do argumento para a realidade de D eus com o “um
Deus pessoal”, o que significava que Deus, com o “autoexistente ¡samosuscij¡”
(Slv. Bogo. 5 [Radlov 3:67]), era uma pessoa, mas “mais que uma pessoa”.
Também entre aqueles que discordavam de muitas das pressuposições e im-
plicações ligadas a esse conceito havia a aceitação geral da insistência de John
Henry Newman de que, à parte da doutrina específicamente cristã, “ninguém
é para ser chamado de teísta que não acredita em um D eus pessoal, seja qual
for a dificuldade que haja em definir a palavra ‘pessoal’ ” (Newm. Gram. 1.5.2
[Ker 1985:85]). William Paley, a quem Newman descreveu com o “esse medi-
tador lúcido e quase matemático” (Newm. Gram.2.10.2.3 [Ker 1985:273-74]),
sentiu-se capaz de raciocinar que a “inteligência e mecanismo” no universo
“provam a personalidade da Divindade” (Pal. Nat. teol. 23 [Wayland 4:268]).
A declaração de Newman dessa personalidade com o um princípio da reü-
gião natural levou-o a prosseguir para declarar “a crença dos católicos no
Ser Supremo que essa característica essencial de sua natureza é reiterada de
três modos, ou formas, distintas, de m odo que o D eus todo-poderoso, em
vez de ser apenas uma pessoa, o que é o ensinamento da religião natural,
tem três personalidades”, cada uma delas tinha de ser identificada com “o
único Deus pessoal da religião natural” (Newm. Gram. 1.5.2 [Ker 1985:86]).
Essa declaração trinitaria, fosse qual fosse sua intenção, podia ser construída
com o dizendo que a teologia natural era insuficiente para “provar a Divindade
pessoal” e era necessário recorrer “à autoridade divina” de “Jesus Cristo” e
de sua igreja (Lacrd. Conf. 45 [Poussielque 4:265]); embora a “personalidade
de D eus” continuasse a ser sempre um problema para a filosofia (Hfmnn.
Enc. 1.1 [Bestmann, ,p. 58]), ela tinha de passar a ser o principal axioma para
a teologia cristã (Thom. Chr. 7 [1856-1:12]).
Outros aspectos e “atributos” na doutrina de Deus — as afirmações
representativas incluíam “o Absoluto, o inominável Causado por Si Mesmo
Λ realidade de Deus ♦♦♦ 251

[Αύτοπάτωρ et Causa Sui\, em cujo Έ 11 Sou’ transcendente com o o funda-


mento, é tudo o que verdadeiramente é” (Clrdge. Inq. sp. 1 [Hart, p. 40]), e
a repetição, várias vezes, dos atributos “infinito, imutável, eterno” — esta-
vam cercados de similar ambiguidade (Camp. Syst. 3.2 [1956:7]; Blms. Re¿.2
[Casanovas 5:7-8]). A confiança de Paley levou-o a postular, “mesmo na
religião natural”, um conjunto de atributos divinos que incluíam o seguinte:
“onipotência, onisciência, onipresença, eternidade, autoexistência, existência
necessária e espiritualidade”. Todos esses atributos, sustentava ele, só eram
evidentes a partir da estrutura do cosmos. N ão obstante, Paley, mesmo com
esse fundamento, esforçou-se para evitar declarar “mais precisão em nossas
idéias que o assunto permite”; ele fez isso ao “confinar nossas explicações
ao que diz respeito a nós m esm os” (Pal. Nat. teol. 24 [Wayland 4:291]). Era
necessário defender a ortodoxia de teólogos, com o Gregário de Rimini (veja
vol. 4, p. 78-79), que rejeitaram qualquer distinção “intrínseca” entre esses
vários atributos de D eus (Marc. Inst. 10.3 [Tomassini 2:75]); os teólogos la-
tinos, por sua vez, também rejeitavam o ensinamento de Gregorio Palamas
(veja vol. 2, p. 280-89) que, a fim de defender a definição oriental de salvação
com o participação na natureza divina, distinguiu entre a essência de Deus e
os atributos de D eus (Marc. Inst. 10.3 [Tomassini 2:74]). As várias doutrinas
da expiação — e em especial a teoria da satisfação vicária pelos pecados
(veja p. 152-58 acima) — com seus conceitos de contradição entre a miseri-
córdia divina e a “justiça vindicativa com o essencial para D eus” (Jam. Mc. 3
[1787:64]; Jam. Sac. hist. 3.4 [1802-11:71]) provocaram o debate a respeito da
doutrina de atributos; do extremo oposto do espectro teológico, um teólogo
ortodoxo grego e um teólogo unitarista (Hrth. Log. 10 [1882:610]; Hrth. Es.
45:21 [1883:420]) insistiam na “harmonia” entre a justiça divina e a mise-
ricórdia divina (Chan. Un. cr. 3 [AUA, p. 376]). Era argumentado que esses
dois “atributos” de Deus, considerados em si mesmos, não tinham algum
tipo de realidade própria, com o se fossem partes distintas e “habituais” do
ser divino (que era com o a ortodoxia de Anselmo fora acusada de tratá-los)
(Rtl. Recht. 1.1.4, 1.6.39 [1882-1:33-36, 264-70]); eles não eram “nada além
de concepções humanas subjetivas” (Drnr. Syst. 15 [1879-1:183]), uma vez
que era “da nossa própria alma” que “derivamos nosso conhecimento dos
atributos e perfeições que constituem o Ser Supremo” (Chan. Lhe. [AUA, p.
293]). N o entanto, quando essa percepção na condição ontológica deles foi
combinada com uma definição de “onipotência” com o “causa primeira” e
uma ênfase na “absoluta transcendência” de D eus (Rtl. Unt. 1.15 [Ruhbach,
p. 21]; Slv. Rus. êgl. 3.2 [Rouleau, p. 245]), podia ser “prejudicial para a pie-
252 OS FUNDAM ENTOS DA COSM OVISÃO CRISTA

dade de uma maneira estranha à sagrada Escritura”. A resolução do dilema


entre os elementos objetivos e os subjetivos da doutrina de D eus repousa na
“doutrina da imagem de D eus” (Drnr. Sjst. 15 [1879-1:183]).

O Criador do céu e da terra


Quando a visão cristã de mundo afirmou a realidade de Deus, fez isso
ao, nas palavras do Credo dos Apóstolos, confessar: “Creio em Deus Pai,
Todo-Poderoso, Criador do céu e da terra” (Symb. Apost, [Schaff 2:45]) e
continua para afirmar a doutrina da Trindade; nada podería prover uma ideia
mais exaltada do poder divino que a história da criação (Jam. Sac. H istA A
[1802-1:149]). Portanto, esse era não só o primeiro artigo do Credo dos Apó-
sotolos, mas “o primeiro artigo do credo de todas as nações” (Lam. Indiff.
26 [Forgues 3:178]). D eus foi conhecido primeiro com o o Criador (Makr.
Herm. A t 17:24 [1891:1483]). A doutrina cristã de D eus com o Criador do
céu e da terra foi a resposta divina às questões de cosm ogonia levantadas nas
religiões do mundo e nas especulações de pensadores, com o H esíodo (Doll.
Heid.jud. 5.1 [1857:222]), porque de acordo com a fé cristã o conhecimento
do mundo, e não o conhecimento de Deus, veio da revelação (Makr. Log.
Kat. 2 [1871:22]). Toda “linguagem e ensino sobre D eus”, de acordo com
uma análise crítica da doutrina do N ovo Testamento do século XIX, “co-
meça com o que começava originalmente toda revelação do lado de Deus e
todo conhecimento de D eus do lado dos seres racionais, com a criação do
mundo” (Mnkn. B l 22 [1828:268]). N o entanto, para os cristãos ortodoxos
de todas as igrejas em todos os séculos, a doutrina do “Criador do céu e da
terra” com o Trindade, fosse qual fosse sua posição entre “todas as nações”,
era “a fé normal que todo cristão tem” (Newm. Gram. 1.5.2 [Ker 1985:86]),
pelo menos implicitamente, e era inseparável da doutrina da redenção (Jam.
Sac. hist. 3.2 [1802-11:45-46]). Em boa parte da historia bíblica — e talvez
também na especulação grega pré-cristã (Tor. Car. 1.6 [1779-1:235-38]; Slv.
Bogo. 6 [Radlov 3:76]) — as doutrinas da unidade de essência e pluralidade
de pessoas estavam tão estreitamente inter-relacionadas com o estavam na
doutrina bíblica 0am. Sac. hist.. 3.2 [1802-11:40]). Por conseguinte, quando um
escritor cristão da Antiguidade falava de “D eus todo-poderoso” (Pol. Ep. sal.
[Bihlmeyer, p. 114]) e pretendia dizer com esse título “Deus essencialmente
considerado” 0am. Vind. 5.1 [1794-11:9]), a isso não se segue necessariamente
que a expressão se referia apenas ao Pai, e não também ao Filho. N a Trin-
dade, os nomes Pai, Filho e Espírito Santo não eram meras metáforas, mas
referiam-se ao mistério do ser divino (Slv. Rus. égl. 3.2 [Rouleau, p. 245-48]).
O Criador do céu e da terra ♦ ♦♦ ♦ 253
O cristianismo, nessa “vindicação do monoteísm o trinitário” (veja vol. 2,
p. 217-70), continuava ao mesmo tempo a se diferenciar do m onoteísm o da
tradição judaica. Fora propósito de Deus, por meio da revelação monoteística
para Israel, preservar uma nação da idolatria a fim de torná-la “um receptá-
culo seguro para as evidências precursoras do cristianismo” (Clrdge. Rev. reí.
2 [Coburn 1:137]; Slv. Id. rus. 2 [Rouleau, p. 85]). Por essa razão, a qualidade
judaica do cristianismo primitivo (Pal. IIor. Paul. 5.1 [Wayland 2:195]), con-
forme estava sendo descoberto pela pesquisa bíblica histórica do século XIX
(Bau. Rom. [Scholder 1:202-3]), realizara uma função providencial. Mas agora
essa função fora completada, e o próprio judaísmo, portanto, cumprira seu
propósito histórico (Dry. ΛροΙ 2.3.52 [1838-11:195-98]); a igreja cristã, não
o povo judeu, tinha direito ao título de “a verdadeira Israel” (veja vol. 1, p.
34-47). Mais uma vez, as palavras da profecia de Jacó para Judá eram lidas
com o uma expressão dessa percepção da história (Doll. Herd. Jud. 10.3.4
[1857:832-33]; Lam. Indiff. 23 [Forgues 3:42]): “O cetro não se apartará de
Judá, nem o bastão de comando de seus descendentes, até que venha aquele
a quem ele pertence, e a ele as nações obedecerão” (Gn 49.10; veja vol. 1, p.
74-85). Embora o texto hebraico pudesse ser traduzido de várias maneiras
(Newm. Gram. 2.10.2.7 [Ker 1985:184-85]), uma explicação palavra a palavra
da profecia confirmou a exegese cristã tradicional do texto (Marc. Inst. 22.1
[Tomassini 4:6-8]), bem com o da profecia relacionada de Jeremias 31.31-34
de que haveria uma nova terra e uma nova aliança (Slv. Bogo. 5 [Radlov 3:71];
Jam. Sac. hist. 3.5 [1802-11:148]). Assim, o judaísmo, para a maioria dos cris-
tãos, estava “morto havia muito tempo” (Schl. Rei. [1799] 5 [Pünjer, p. 275]).
Confessar nada mais que sua fé monoteísta não dava o direito ao indivíduo
de ser chamado de cristão (Mak. Prav. bog.24 [Tichon 1:156]), a menos que
estivesse incluída a forma específicamente ortodoxa da fé monoteísta cristã,
a confissão “do grande nom e triplo de D eus” com o Trindade (Grnvg. Pr.
17.vi.1832 [Thodberg 5:232]). A revelação primitiva concedida a Moisés, “Eu
Sou o que Sou” (Ex 3.14), não se referia apenas à unicidade de Deus, mas ao
“Pai, Filho e Espírito Santo” (Lam. Par. cr. 42 [Forgues 11:158]).
Todavia, a doutrina da Trindade — por vários motivos, a maioria de-
les remontando ao século XVIII e antes dele — embora confessada pelos
reformadores protestantes não menos que pelos pais da igreja do Oriente
e do Ocidente (veja vol. 4, p. 220-21, 393-94), passava agora a ser “uma
pestilência fatal para os teólogos racionalistas” (Grnvg. Snd. Chr. [Begtrup
4:459]); e a suposição de que fora uma “doutrina revelada”, suposição essa
que caracterizara o pensamento de teólogos, com o Atanásio (Mhlr. Ath. 2
254 ♦♦♦ OS FUNDAMENTOS DACOSMOVISÃO CRISTA

[18271:135‫)]־‬, e representara, conforme reconheciam até mesmo seus críticos,


“uma concepção nova, ou modificada, de Deus, para acomodar o novo fato
de um evangelho” (Bush. Nat. 12 [1858:39]), não podia mais ser tido com o
garantida na teoria declaradamente cristã do século XIX. O socinianismo,
desde a era da Reforma, criticava o dogma recebido tanto com fundamentos
bíblicos quanto com fundamentos racionais, mas durante os séculos XVIII e
X IX (veja vol. 4, p. 393-401), essa crítica da “doutrina idólatra da Trindade e
da doutrina mais perniciosa da redenção” (Clrdge. Rev. rei. 5 [Coburn 1:212];
Clrdge. Ref. int. 1 [Shedd 1:104-5]) apareciam cada vez com mais insistência
e frequência também nas igrejas que eram declaradamente trinitárias em
sua doutrina confessada (veja p. 76-87, 147-48 acima). A o m esm o tempo,
o unitarismo, tendo com eçado no período da Reforma com uma forma
distinta de crença cristã (veja vol. 4, p. 393-402), começava gradualmente a
tomar seu lugar lado a lado com as igrejas trinitárias (Schl. Gesch. 4 [Reimer
11:599-600]). Esse unitarismo, conforme articulado por seu intérprete mais
influente, William Ellery Channing, via-se com o inequivocamente cristão,
defendendo a credibilidade dos milagres de Jesus e a realidade da revelação
sobrenatural (Chan. Evid. rev. [AUA, p. 221]), mas obrigado a “opor-se à dou-
trina da Trindade que, enquanto reconhece nas palavras, contesta no efeito,
a unidade de D eus” (Chan. Un. cr. 1 [AUA, p. 371]). Mas quando, em 1838,
seu mais celebrado intérprete, Ralph Waldo Emerson, atacou o cristianismo
tradicional (incluindo boa parte do unitarismo) por estar excessivamente
preocupado com a revelação objetiva vista de fora e por invocar o pregador
com o “um poeta nascido de novo do Espírito Santo” a “familiarizar em
primeira mão homens com a Divindade” sem se fiar na revelação externa
(Emer. Div. [Ferguson 1:90]), a “divergência” resultante a respeito da “verda-
de substancial da doutrina” (Emer. Ep. 28.vii.1838 [Rusk 2:146-50]) parecia
confirmar as advertências expressas havia muito tempo pelos polêmicos
ortodoxos que a perda da doutrina ortodoxa da Trindade, no fim, levaria à
perda da realidade de Deus.
Um grupo de motivos para o risco em que se encontrava a doutrina or-
todoxa da Trindade era basicamente literário e textual (Schl. Knt. 1 [Reimer
7:293-94]). Os mais persistentes e conservadores em várias comunhões ainda
defendiam a autenticidade da “vírgula joanina” em ljoão 5.7, a despeito de
todas as evidências textuais e patrísticas contra ela (Marc. Inst. 16.3 [Tomas-
sino 3:22-28]; Grnvg. Pr. 26.xii.1837 [Thodberg 11:98]; Makr. Herm. ljo
5:7 [1891:2446]), mas havia um consenso quase unânime entre os críticos
textuais de que a vírgula representava interpolação posterior (Schl. Knt. 2
[Reimer 7:359]). Em oposição à forma padrão de analisar gramaticalmente
O Criador do céu e da terra ♦♦♦ 255

Romanos 9.5, que a ortodoxia considerava com o a “única interpretação dessa


importante passagem que pode [...] ser mantida” da perspectiva gramatical
(Hdge. Rom. 9:5 [1886:472]), havia debate sobre a possibilidade de pontuar a
passagem de maneira a mudar a cláusula relativa e apositiva, “Cristo, o qual
é sobre todos, D eus bendito eternamente” (Rm 9.5, ARC) (que identificava
Cristo com Deus de uma maneira que parecia sustentar o dogma trinitario), em
uma exclamação separada, fazendo o versículo dizer: “Cristo. D eus que está
sobre todos seja bendito para sempre” (Schltz. Rom. 9.5 \JD T 30:462-506]).
Embora alguns filólogos e teólogos ortodoxos ainda leiam a abreviação em
ITim óteo 3.16 (uma epístola cujos críticos da autoria paulina, começando
com Schleiermacher [Schl. Ein. N . T. 2.1.50 (Reimer 8:169-70)], questionavam
em todo caso) (Schl. Ein. N . T. 2.1.50 [Reimer 8:169-70]) trazia a seguinte
afirmação: “Θεός [Deus] foi manifestado em corpo” (Hrth. Herm. lT m 3.16
[1882:103]), havia cada vez mais apoio para a leitura menos explícita da pers-
pectiva teológica: “ός [quem] foi manifestado em corpo”.
“O evangelho de João”, acima de tudo, observou-se, passara a ser “o campo
de batalha do N ovo [Testamento]” porque era “o testemunho escrito mais claro
para a Divindade daquele cujas declarações sobre a humanidade dificilmente
pode ser examinado sem paixão” (Lid. Div. 5 [1867:311-12]; Mich. Od. Ev. 4
[1865:173-75]). Contudo, se o quarto evangelho, conforme sustentava um nú-
mero cada vez maior de críticos do N ovo Testamento, não era, com o ensinara
a tradição e com o continuavam a ensinar os legalistas (Jer. Niz. Inst. [1864:152]),
a obra do “discípulo a quem Jesus amava” (Jo 13.23), mas de algum escritor
anônimo desconhecido (e consideravelmente posterior) — que, por sua vez,
não era necessariamente o mesmo que com pôs as três epístolas “católicas” de
João ou o livro de Apocalipse trazendo o nom e de “João, o teólogo”, confor-
me as percepções tradicionais de autoria ainda defendidas (Hnbrg. Vers. 8.3
[1852:670-80]; Marc. Inst. 2.6 [Tomassini 1:122-23]) — então, sua antecipação
de “todos os erros levantados ou que serão levantados contra a divindade de
Cristo” (Ces. St. eccl. 2 [1881:147]) e a atestação da relação única de Jesus com
o Pai foram diminuídas de forma relevante. Um católico-romano observou
que os protestantes, embora ainda declarassem “acreditar com motivo” que
a Trindade e as doutrinas relacionadas com ela “são claramente ensinadas na
Escritura”, foram incapazes, até a Reforma, de convencer vários antitrinitários
disso e, por isso, foram obrigados — pelo menos na prática, se não ainda em
teoria — a “abandonar seu princípio fundamental” da autoridade só {sole)
da Escritura se quisessem manter sua afirmação da doutrina ortodoxa da
Trindade (Lam. Déf. 12 [Forgues 5:122]).
256 Λ♦ OS FUNDAM ENTOS DA COSM OVISÃO CRISTA

As disputas textuais, isagógicas e exegéticas ligadas às provas bíblicas


para o dogma continuariam a se alastrar, mas a contribuição especial do
século X IX para a discussão da doutrina da Trindade foi sua atenção metí-
culosa à pesquisa na história dessa doutrina, com o a principal parte de sua
concentração na história do dogma (veja p. 327-341 abaixo). As conclusões
alcançadas por essa pesquisa histórica não corresponderam de um modo
simples à ortodoxia, ou não ortodoxia, teológica dos vários teólogos da
história que a perseguiam. Por isso, um estudioso cujo compromisso com
a doutrina ortodoxa da Trindade e também com a autoridade exclusiva da
Escritura permitiu-lhe admitir que mesmo se “a maioria dos escritores cris-
tãos, na era imediatamente seguinte à dos apóstolos, tivessem sustentado uma
doutrina contrária ao sentido óbvio da Escritura, eles não mereciam nossa
consideração”, não obstante, ele continuou para afirmar que “a corrente da
Antiguidade” não se “opusera [de fato] à doutrina trinitária”, mas a apoiara
(Jam. Vind. pr. [1794-I:v]), com o demonstrou a evidência da obra Prescrição
para heréticos, de Tertuliano, de perto do fim do século II (Tert. Prese. 13 \CCSL
1:197-98]). D e outro lado, aquele que abraçou calorosamente essa “corrente
da Antiguidade” (Jam. Vind. 6.1 [1794-11:256-59]) foi forçado a admitir que
“de m odo geral há um grande segredo observado nela referente a doutrinas
(por exemplo) com o a da Trindade e da eucaristia” (Newm. Scr. Prf. 5 [7r.
Tms. 85:68]); no fim, ele sentiu-se obrigado a reconhecer em relação “à dou-
trina católica da Trindade”: “N ão vejo em que sentido é possível dizer que
existe um consenso dos teólogos primitivos em favor da doutrina” que não
suportaria também outras doutrinas mais duvidosas ou melhores (Newm.
Dev. l.int.10 [Harrold, p. 13]).
Quando a história suplantou as polêmicas com o uma forma de entender
a doutrina ortodoxa da Trindade, a “suprema heresia” dos séculos anteriores
(Hrth. Herm. lTm 4:1 [1882:107]), o subordinacionismo e o arianismo, o prin-
cipal oponente da Antiguidade dessa doutrina (Grnvg. Ref. 3 [Begtrup 5:321])
e que era agora aquela que mais uma vez caía nas graças entre “seus adeptos
secretos, externamente de outras denominações” (Clrdge. Ly. Serm. [Coburn
6:181]), passou inevitavelmente a receber nova atenção. A obra Atanásio, 0
Grande, de Mõhler, embora escrita de um ponto de vista de seu herói ortodoxo,
ainda assim tentava apreender a exegese bíblica subjacente ao que, no fim, foi
condenado com o aheresia ariana (Mhlr. Ath. 2 [1827-1:209-14]). Por volta da
mesma época, o primeiro livro de Newman, Os arianos do século IV , também
uma apologia de Atanásio, também se esforçava em reconhecer com o podia
ser possível para os arianos lerem a Escritura dessa maneira (Newm. Ar. 2.5
O Criador do céu e da terra ♦♦♦ 257

[1890:219-21]). As “passagens de destaque” na Escritura (veja vol. 1, p. 188,


202-11), que descrevem alguma diferença entre o Pai e o Filho forneceram o
suporte exegético para a posição ariana; a preservação dessa distinção era o
programa especial do arianismo (Bau. Chr. 4 [Scholder 3:356-57]). Também
a preocupação religiosa e teológica válida subjacente a parte da linguagem
“subordinacionista” de Orígenes (Vnzi. Rec. 2.9 [1864-11:112]), com a qual
os estudiosos antigos e modernos de suas obras ficaram com frequência
ofendidos (Marc. Inst. 17.8.1 [Tomassini 3:92-96]).
A alternativa sabelianista ao arianismo, revivida em outros sistemas
(Doll. Gnos. 4 [1890:37]), também era uma heresia de acordo com definição
antiga. Como colocava sua ênfase nas “passagens de identidade” (veja vol.
1, p. 188-93) que apresentavam uma identificação simples de Cristo com
Deus, era possível, entrementes, ser proposta por alguns com o um recurso
preferível para preservar a preocupação autêntica em operação na experiência
cristã primitiva de D eus [Schl. Chr. gl. 172.3 [Redeker 2:471-73]). A doutri-
na da Trindade salvaguardava a doutrina da unidade de D eus (Slv. Rus. égl.
3.10 [Rouleau, p. 281]); em todo caso, o Concilio de Niceia, antes de dizer
qualquer coisa sobre a Trindade de pessoas divinas, iniciou seu credo com
uma declaração de fé na unidade divina: “Creio em um só D eus” (veja vol.
1, p. 212). N o entanto, essa declaração ficava comprometida sempre que os
intérpretes do credo tornavam “a Trindade superior, caso em que a unidade,
com o abstrata, fica em segundo plano”, o que levaria ao consequente “peri-
go de cair no triteísmo” (Schl. Chr. gl. 171.3 [Redeker 2:465-66]). Assim era
evidente da perspectiva histórica e também teológica que a fé primitiva da
igreja incluía os “dois elementos, a unidade e a diferenciação, a divindade e
a personalidade distinta de Cristo” e que, portanto, “esses dois elementos
constituem a dialética de todo o movimento histórico do dogma [da Trinda-
de]” (Thorn. Chr. 13 [1856-1:82]).
O auge desse movimento histórico, em forma e também em conteúdo,
e, portanto, agora também do interesse histórico e teológico no dogma da
Trindade (Marc. Inst. 17.9 [Tomassini 3102-5]), foi a fórmula da “homoousios”
adotada pelo Concilio de Niceia, dirigida contra os dois extremos, o ariano e
o sabeliano (Krks. Dok.2.2 [1874:116-17]). Esse auge podia ser visto com o
o exemplo histórico mais flagrante da helenização do evangelho, uma vez
que, dos 318 bispos presentes no concilio (número esse que não refletia os
documentos imediatamente circundando o concilio, que em geral falava de
aproximadamente trezentos [Atan. Sin. 43 (Opitz 2:268-69)], mas a aplica-
ção tipológica, começando já com o próprio Atanásio [Atan. Ep. Afr. 2 [PG
258 ♦♦♦ OS FUNDAM ENTOS DA COSM OVISÃO CRISTA

26:1032]), do número de servos que lutaram por Abraão [Gn 14.14]), “315
eram gregos e 3 romanos”. Respondendo às críticas (Camp. Prd. 14.1.1837
[1875:45]), que alegavam que a mensagem cristã, por intermédio da homoousios
e do dogma da Trindade, fora corrompida pela introdução de uma “camada
[estranha] de conceitos metafísicos” derivava da filosofia natural dos gregos
(Rtl. Teol. met. 3 [1887:29]), m esmo seus defensores tiveram de garantir que o
homoousios era “o único exemplo de uma palavra científica sendo introduzida
no Credo daquele dia até hoje” (Newm. Gram. 1.5.3 [Ker 1985:97]), pratica-
mente todo o resto da linguagem do credo é de origem bíblica. Em relação
“à dialética de todo o movimento histórico do dogma” entre as passagens
de distinção e as passagens de identidade (Thom. Chr. 13 [1856-1:82]), o
homoousios vinha claramente ao lado das últimas; portanto, nessa fórmula, “o
padrão do desenvolvimento do dogma da divindade de Cristo alcançou o
ponto alto da direção rumo à qual ele tendera desde o início e além da qual
era impossível ir, a saber, a tendência de identificar o Filho com o Pai tão
completamente quanto possível” (Bau. Chr. 4 [Scholder 3:361]).
Os apoiadores ortodoxos orientais da pura tradição dogmática e credal
do Concilio de Niceia apresentaram o dogma da Trindade com o o princípio
especulativo fundamental do cristianismo (Slv. Bogo. 6 [Radlov 3:76]) e ata-
caram o Ocidente por adulterar o texto do Credo N iceno, em particular ao
inserir a doutrina do Filioque (Mak. Prav. hog. 43 [Tichon 1:284-88]). O teste-
munho patrístico sobre o Filioque, conforme os teólogos ocidentais também
tiveram de reconhecer, era na melhor das hipóteses questionável (Vnzi. Rec.
2.12 [1864-11:167]), embora eles continuassem a defendê-lo contra o Oriente
(Marc. Inst. 17.16 [Tomassini 3:142-49]); os teólogos orientais tentavam às
vezes argumentar, mesmo a partir da linguagem firme do décimo quinto
volume de Sobre a Trindade (Ag. Trin. 15.27.48 [CCSL 50:529-30]), que a per-
cepção de Agostinho da processão do Espírito também era ambígua (Fil. Ent.
[Sondakoff, p. 32-34]). “O Espírito Santo”, insistiam os teólogos orientais,
“procede apenas do Pai” (Jer. Niz. Inst. [1864:146]) ontologicamente e na
eternidade, embora o “envio econôm ico” ou histórico do Espírito fosse de
fato também do Filho (Chom. Crk. 7 [Karsavin, p. 28-29]; Fil. Ent. [Sonda-
koff, p. 27-28]). Entrementes, os protestantes antitradicionais viam o Credo
N iceno com o “o primeiro documento do tipo conservado nas páginas da
história da Antiguidade”; com ele “começara o reinado dos credos” (Camp.
Rce. 6 [Gould, p. 796]). Os protestantes cuja tradição confessional incluía
uma aceitação explícita da autoridade do Credo N iceno e de seu dogma da
Trindade (veja vol. 4, p. 220-22) defenderam esse dogma contra a acusação
O Criador do céu e da terra Λ 259

de que era um “remanescente do papismo” (Krth. Cons. ref. 6 [1871:207];


Grnvg. Snd. Chr. [Begtrup 4:459]) e insistiram que ele pertencia às doutrinas
que eram a um e ao mesmo tempo “confessamente católicas” e “características
do cristianismo evangélico” (Krth. Cons. ref.6 [1871:254-55]). A rejeição do
trinitarismo estivera antes restrita aos socinianos e a outros grupos radicais do
período da Reforma, mas agora as várias espécies de racionalismo nas igrejas
protestantes das principais correntes estavam “apenas eregfindo] uma plata-
forma para os socinianos” ([am. Mc. 1 [1787:8]). Os ocasionais comentários
críticos à terminologia trinitária por parte de vários reformadores (veja vol.
4, p. 393-94) deixou claro para os historiadores e teólogos protestantes que
os reformadores, sem negar a Trindade, a relegaram a uma posição secun-
dária em relação a seu “interesse religioso-moral imediato, que buscavam e
encontravam sua satisfação na justificação da fé” (Drnr. Syst. 30 [1879-1:379]),
em vez de na Trindade, na qual a tradição patrística, em especial no Oriente,
a encontrava. A partir dessa diminuição de ênfase no dogma trinitário na
doutrina da Reforma, parecia que se seguira que “temos menos motivo para
considerar essa doutrina com o finalmente estabelecida, uma vez que ela não
recebeu nenhum novo tratamento quando a igreja [protestante] evangélica
foi fundada” (Schl. Chr.gl. 172 [Redeker 2:469]).
Essa observação foi expressa em apoio a uma versão da doutrina da
Trindade que muitos dos críticos dela consideravam um recrudescimento
do sabelianismo (Drnr. Pers. Chr.?!A.3 [1845-11:1192-97]). A doutrina do
ser eterno de uma Trindade ontologicamente “imánente” — em sua for-
ma recebida, com o ainda era apresentada pela teologia ortodoxa oriental,
católica-romana e protestante confessional — que “pertence à teologia”, mas
também “à fé e devoção do indivíduo” (Newm. Gram. 1.5.2 [Ker 1985:84]),
era a pressuposição para a doutrina da criação por meio do Logos (Slv. Duch.
osn. 2.1.2 [Radlov 3:323]), para a doutrina da encarnação do Logos e para
a relação “econôm ica” na história entre o Pai, o Filho e o Espírito Santo, à
medida que isso era vivenciado pela igreja e pelo cristão individual. Parte da
continuação do esforço do século XVIII para interpretar todas as doutrinas
cristãs à luz da experiência cristã (veja p. 178-89 acima) foi uma inversão dos
papéis entre as doutrinas “imánente” e “econômica” da Trindade: dizia-se
agora que a primeira se fundamentava na segunda, em vez do contrário,
embora a metafísica imánente da Trindade ainda fosse defendida com o uma
“realidade objetiva”, uma vez que “a posição objetiva da relação trinitária é
a pressuposição necessária para nossa relação com Deus, para nossa comu-
nhão pessoal com ele e não podemos manter essa sem aquela” (Thom. Chr.
260 «.+♦ OS FUNDAM ENTOS DA COSM OVISÃO CRISTA

13 [1856-1:67-68]). Quando pareceu que uma “doutrina de uma Trindade
histórica, uma revelação tripla de um D eus” punha em risco essa realidade
objetiva, essa teoria foi rejeitada pelos protestantes tradicionais com o uma
“miragem fraudulenta de uma Trindade” (Hdge. Ess. Rev. 13 [1857:434-35])
e uma traição da doutrina ensinada pela igreja e também pela Escritura.
Embora as versões do século X IX das heresias ariana e sabelianista
parecessem ser a provocação imediata para uma reafirmação vigorosa da
doutrina ortodoxa da Trindade, foi percebido haver, nessas versões e por
trás delas, outro e ainda mais básico erro em operação: “o sutil panteísmo da
presente hora” (Iv. Deus 10 [1887:212]; Blms. Escêp. 9 [Casanova 5:39-46]),
0 ensinamento, com cuja condenação começava a Lista de erros, “que não
existe nenhum Poder D ivino [Numen divinum\ supremo, todo sábio e todo
providente que seja distinto desse universo de coisas” (Pio IX List. 1.1 [ASS
3:168]). A ameaça do panteísmo de “identificar o Criador com a criação, se
não representar o Ser Supremo com o uma mera lei impessoal [...] diferindo
da lei de gravitação apenas por sua universalidade” tinha de ser oposta pela
doutrina da Trindade (Clrdge. Ref. 7.2 [Shedd 1:216]). Os teólogos protestan-
tes e ortodoxos juntaram-se aos católicos-romanos (Hug. Real 6 [Gardner, p.
65-68]) no reconhecimento de que no ponto em que essa ameaça prevalecia,
“a ideia de personalidade” em Deus, na qual “o interesse teísta se expressa
de forma mais decisiva”, permitia o “equívoco” e, por isso, uma posição
em que a doutrina eclesiástica da Trindade perdia seu “sentido objetivo” e
acabava por ser nada mais que uma “proposição formalmente obrigatória”
(Bau. Neun. 2 [Scholder 4:202-4]; Slv. Bogo. 5, 7 [Radlov 3:68,106]; Lid. Div.
1 [1867:42-43]; Mhlr. Ath. 3 [1827-1:305-25]). Os defensores do panteísmo o
apresentavam com o “de todas as soluções religiosas, a mais de acordo com as
descobertas científicas” e ao m esmo tempo “nem um pouco de acordo com
o instinto religioso que permeia o coração de todo homem sincero” (Plmp.
Pan. 3.14 [1883-11:277]). Apesar de os defensores da ortodoxia reconhece-
rem que “a força dos sistemas panteístas está nesse anseio tanto do intelecto
quanto do coração de união com o Ser Absoluto, que é o mais legítimo e mais
nobre instinto da nossa natureza” (Lid. Div. 8 [1867:673-74]), o panteísmo
não era a explicação apropriada para o divino em Cristo, que tinha de ser
fundamentado em “uma restrição em favor de uma única personalidade”
(Lid. Div. 1 [1867:42-46]), não em uma identificação do divino com o todo,
no qual a particularidade de Jesus Cristo, junto com todos os outros tipos
de particularidades, submergiría completamente. A verdadeira religião era
aquela em que tanto a unidade quanto a perspicuidade, tanto “o um quanto
O Criador do céu e da terra ♦♦♦ 261
o todo” (Slv. Soph. int. 1 [Rouleau, p. 11]), juntavam-se sem nenhum deles
estar subordinado ao outro (Slv. Bogo. 3 [Radlov 3:34]).
O panteísmo fora “urna das formas de pensamento mais difundida e
persistente” em toda a historia humana (Hdge. Darw. [1874:7, 9]), estando
presente em varias formas de religião popular primitiva (Dry. Apol. 2.1.11
[1838-11:39]) e no pensamento ocidental, pelo menos desde os gregos, como,
por exemplo, na noção de D eus com o a alma do mundo (Slv. Bogo. 5 [Radlov
3:68]). O panteísmo, desde essa época, teve uma longa historia, mas não con-
tínua (Doll. Heid. jud. 5.1 [1857:229, 271]), tendo aparecido em pelo menos
um sistema teológico completo, o de João E scoto Erígena, durante o com eço
d a ld a d eMédia (Hdge. Sist. Teol. 1.3.5 [1981-1:299-334];Plmp. Pan. 3.1 [1883-
1:280-81] veja vol. 3, p. 132-44). N ão só a doutrina ortodoxa da Trindade e
a doutrina da criação (Bau. DG. 61 [1858:208-9]), mas específicamente os
ensinamentos católicos-romanos, com o a transubstanciação, foram dirigidos
contra ele (Mhlr. Lehr. 75 [1835:44-45]). O panteísmo, sob a influência das
recentes tendências na filosofia e em reação aos recentes desenvolvimentos
nas ciências naturais, parecia agora representar um verdadeiro perigo para
a teologia protestante, em especial na Alemanha, mas também nos Estados
Unidos (Mntl. Int. cath. 1 [Lecofffe 5:14]), onde a primeira obra de Emerson,
A natureza (Emer. Nat. 7 [Ferguson 1:36-39]), foi chamada por seus críticos
de “oração rapsódica em favor do panteísmo” (Hdge. Ess. Rev. 3 [1857:87]) e
foi reconhecido com o “o panteísmo mais elevado ou subjetivo” até mesmo
por seus admiradores (Gfffd. Led. 1 JJaki, p. 105]). O panteísmo tinha uma
afinidade natural com o racionalismo e, com o o resultado ao qual “as ditas
demonstrações de um D eus” levaram (Clrdge. Ref. 7.2 [Shedd 1:220-21]), era
“o recurso natural das mentes reflexivas” (Wlb. Inc. 1 [1849:26]). Quando um
pregador cristão podia afirmar que nada nas doutrinas da igreja “nos ensina
mais a orar com fervor ou ter pensamentos e aspirações mais elevados que o
templo das estrelas, com suas letras flamejantes” (Kol. Káp 7 [1844:86]), ficou
evidente que na crença convencional da “cristandade” também “a diferença
qualitativa entre D eus e o homem é panteísticamente abolida, primeiro de
uma forma erudita por meio da especulação, depois, de uma forma inculta
em seus diferentes aspectos” (Kierk. Syg. Dd. 2. B. B. [Drachmann 11:227]).
O espírito panteístico — na forma “da religião que é de beleza, imaginação
e filosofia, sem restrição moral ou intelectual, uma religião especulativa e
autoindulgente” — foi propagado e, com o era temido, se tornaria “o gran-
de engodo que aguarda a era por vir” (Newm. Sen Prf. 7 [Tr. Tms. 85:99]).
A teologia cristã, contra esse engodo, afirmou uma doutrina de D eus de
262 OS FUNDAM ENTOS DA COSM OVISÃO CRISTA

acordo com a qual o mundo criado era distinto de seu Criador (Lacrd. Conf.
45 [Poussielque 4:255-79]; Drnr. Sjst. 34 [1879-1:459]; Pal. Nat. teol. 23 [Way-
land 4:271]) e “a ação perpétua de Deus nas linhas de causas na natureza”
(Bush. Nat.9 [1858:254]) era distinta da atividade da natureza com o tal, uma
doutrina que distinguía “claramente entre um Deus onipotente na natureza
e um Deus idêntico a ela” (Holb. Evol. Scr. 8 [1892:239]). Dessa distinção
dependiam os fundamentos da visão cristã de mundo com o a distinção entre
a alma e o corpo (Mhlr. Ath. 2 [1827-1:150-51]), a doutrina da encarnação
(seria impossível e também desnecessária se o panteísmo estivesse correto)
(Slv. Bogo. 1 1 /1 2 [Radlov 3:152]; Slv. Duch. osn. 2.1.5 [Radlov 3:334]) e, em
última instância o dogma mesmo da própria criação.
Esse “dogma da criação” era “uma ideia que separa totalmente [os
cristãos] dos idólatras” (Lacrd. Conf. 41 [Poussielque 4:140-41]). A despeito
das objeções tomistas, o esforço de Agostinho para afirmar a autonomia de
Deus ao apresentar uma criação simultânea de todas as coisas em um instante
(veja p. 128 acima), em vez de em seis dias de 24 horas cada um continuava
a encontrar apoio, talvez ainda mais porque durante o século XIX, a ciência
estava substituindo os seis dias do relato de Gênesis por éons (Marc. Inst.
20.1 [Tomassino 3:279-83]); tanto os que ensinavam uma criação instantânea
quanto os que agora ensinavam uma evolução gradual, com efeito, liam os
seis dias de forma alegórica. N a visão de mundo bíblica, “a ideia do Criador”
era uma pressuposição fundamental “para a existência, sim, para a própria
concepção da existência, da própria matéria” (Clrdge. Const. 1.1 [Coburn
10:20]). Embora a doutrina da criação implicasse necessariamente a doutrina
de Deus, e as duas doutrinas fossem corolários inseparáveis, elas não eram
doutrinas idênticas (Hdge. Sist. teol. 3.19.8 [1981-111:322]), com o se a cria-
ção fosse atribuída não “à soberania absoluta”, mas “a uma necessidade da
natureza na manifestação da bondade divina” ([am. Mc. 2 [1787:39]). Essa
insistência na soberania e autonomia de Deus, o Criador, tinha adquirido,
na história da doutrina cristã já durante o período patrístico (veja vol. 1, p.
55-57), a forma da definição de criação “com o criação do nada \creatio ex
nihilo]” (Doll. Gnos. 10 [1890:132-57]), uma ação divina livre que acontecera
sem arquétipo, sem juiz (Camp. Ευ. 3 [Owen, p. 50]; Bau. Chr. 3 [Scholder
3:185-88]) e sem “cooperação entre D eus e uma determinada substância
inferior que é coeterna com D eus” (Lacrd. Conf. 47 [Poussielque 4:314]).
John Toland, que parece ter cunhado o termo “panteísta”, em sua obra
Panteísticon, de 1720, saíra contra a “criação do nada” com o uma teoria que
nem os cabalistas judeus nem os filósofos gregos reconheciam (Tol. Pan.
O Criador do céu e da terra ♦♦♦ 263
1.15 [1720:40]), mas ele sustentava que “não [estava] contradizendo a cos-
mogonia mosaica” quando chamava Deus de “a causa eterna do mundo
eterno” (Tol. Pan. 1.4 [1720:8-9]). N o entanto, essa “cosm ogonia mosaica”,
junto com as outras narrativas bíblicas, descrevendo, com o fazia, a criação
do céu e da terra e sua estrutura contínua agora era caracterizada com o um
mito (veja p. 296-305 abaixo), em vez de um relato científicamente crível
da origem do mundo e da raça humana. Os exegetas ortodoxos orientais,
católicos-romanos e protestantes juntaram-se na defesa da historicidade da
narrativa (ou narrativas) da criação nos primeiros capítulos de Gênesis (Mak.
Prav. bog. 72 [Tichon 1:41η; Ub. Int. 1.1.38.int. [1886-1:672-73]; Hdge. Sist.
teol. 2.7 [1981-11:123-24]); sem esse relato, as doutrinas cristãs abrangendo as
doutrinas dos anjos (Mak. Prav. bog. 52 [Tichon 1:351]) e do pecado original
(Ub. Int. 1.1.38 [1886-1:696]) até a da ascensão de Cristo e de sua volta para
julgar pareciam estar em perigo (Mynst. Praed. 34 [1845-ΙΙ:η).
Outro recurso para enfrentar essa ameaça era abolir, ou pelo menos
obscurecer, a distinção da teologia convencional entre a criação e a preser-
vação. Tradicionalmente, “criação” fora o termo para a instituição original
do universo a partir de nada “no princípio” (Gn 1.1), enquanto “preserva-
ção” ou “providência” era o termo para a atividade contínua do Criador na
manutenção do universo (Trtn. Inst. 6.1.1 [1688-1:539]) desde então: Deus
era o “Criador, Preservador e Ordenador de todas as coisas” (Blms. Rei. 2
[Casanovas 5:7-8]). D e acordo com Basilio de Cesareia (Bas. Spin8.19 [SC
17b:139]), conform e citado pelos teólogos modernos do Oriente, “toda a
natureza criada, tanto esse mundo visível quanto tudo dele que é concebido
na mente, não podem ser mantidos juntos sem o cuidado e a providência de
D eus” (Mak. Prav. bog. 96 [Tichon 1:515]); Deus, com o “o Criador perfeito”
do mundo, era ao mesmo tempo seu “curador perfeito” (Hrth. Thrsk. 2.1
[1895:27-28]). Agora se sugeria que o autêntico “conteúdo da expressão
original” de fé podia “ser desenvolvida de uma das duas doutrinas”, quer
da criação quer da preservação, uma vez que as duas, quando consideradas
em seu pleno sentido, tendiam a tornar a outra “supérflua” (Schl. Chr. gl.
38 [Redeker 1:190-93]). Lutero, em seu Catecismo menor, explicou o primei-
ro artigo do Credo dos Apóstolos, “Creio em D eus Pai, Todo-poderoso,
Criador do céu e da terra” (Symb. Apost. [SchaflF 2:45]), com o sentido de
“Creio que D eus criou a mim e a todas as criaturas” (Lut. Kl. Kat. 2.2 [Bek.,
p. 510]) — não do nada nem no princípio, mas por meio de uma “criação
contínua” que os dogmáticos da igreja preferiram denominar “preservação”.
N ão obstante, embora possa ser útil distinguir entre providência “especial”
26 4 ♦♦♦ OS FUNDAM ENTOS DA COSM OVISÃO CRISTA

e “geral” (Bush. Nat. 13 [1858:406-7]), e embora esse fosse com certeza o


caso que “a Igreja Ortodoxa atribui não só à obra da criação, mas também
à obra da providência, a todas as pessoas da sagrada Trindade” (Mak. Prav.
bog. 100 [Tichon 1:529-30]), isso não abolia a distinção entre elas (Drnr. Sjst.
34 [1879-1:478-80]), uma vez que “identificá-las leva não só à confusão, mas
ao erro” (Hdge. Sist. teol. 1.11.1 [1981-1:578]).

A imagem divina
Tanto a criação quanto a providência eram expressões da “econom ia” e
“ordem” divinas, afirmavam os teólogos ortodoxos orientais (Mak. Prav. bog.
120 [Tichon 1:597]), mas isso era expresso acima de tudo por intermédio da
“imagem divina e semelhança no hom em ” (Hrth. Es. 45:18 [1883:418]; Mak.
Prav. bog. 82 [Tichon 1:453-58]). D e acordo com o tratado de Atanásio, Sobre
a encarnação do Verbo (Atan. Ene. 13 [Cross, p. 19-21]), por essa razão, o Logos
na Trindade era identificado “com o a imagem divina de acordo com a qual
o homem foi criado. ‘Então, o que será que D eus tem de fazer?’, pergunta
Atanásio, ‘ou o que tinha de ser feito além da renovação daquele que era a
imagem de D eus para que os homens, por meio disso, pudessem mais uma
vez conseguir conhecê-lo? Mas com o isso aconteceria se não pela presença
da própria imagem de D eus, nosso Salvador Jesus Cristo?’ ” (Mak. Prav. bog.
126 [Tichon 2:22]). Atanásio afirmara em outro lugar que “embora fossemos
criados segundo a imagem de D eus e sejamos chamados imagem e glória de
D eus” (Atan. Mr. 3.10 \PG 26:344]), o verdadeiro sentido e conteúdo desse
título só podia ser aprendido por meio da consideração do Logos com o “a
verdadeira imagem e glória de Deus, que, depois, por nossa causa se tornou
carne para que tivéssemos o dom dessa apelação” (Wlb. Inc. 3 [1849:73]). Os
teólogos do século X IX estavam citando declarações de Atanásio com o essa
para mostrar a conexão estreita entre a doutrina do homem com o criado à
imagem divina e a doutrina do Logos com o a imagem divina segundo a qual
o homem foi criado. João de Damasco enfatizou a “inteligência [το νοερόν]”,
o “livre-arbítrio [αυτεξούσιον]” e a “virtude [αρετή]” (Jo. D. F. 0. 26 [Kotter
2:75-77]) com o os componentes da imagem e suas definições desses três com-
ponentes continuam a ser citados com o doutrina ortodoxa (Jer. Niz. Inst. T
[1864:411]; Hrth. Thrsk. 1.3 [1895:15]); aimagem consistía da razão e espirito
humanos (Blach. Log. 1 [1882:15]). Mas todas essas qualidades encontraram
sua expressão mais plena no Logos com o “a imagem substancial de D eu s”
(Feod. Prav. 3 [1860:72-73]), por intermédio de quem era possível dizer “a
imagem do arquétipo de humanidade \pervoobra%noecelovecestvo[” encontra sua
realidade (Slv. Bogo. 9 [Radlov 3:129]).
A imagem divina ♦♦♦ 265
Essa conexão era cada vez mais importante também por outro motivo:
“ ‘A doutrina da igreja’, de acordo com Epifânio (Slv. Bogo. 10 [Radlov 3:138];
Epif. Her. 70.2.3-4 [G O ’37:234]), ‘acredita que o homem é em geral criado de
acordo com a imagem [divina]; mas não define, quando se trata da imagem,
precisamente em que parte [do homem] esta tem de ser encontrada’ ” (Mak.
Prav. bog. 82 [Tichon 1:454]). Por essa razão, a doutrina da imagem divina,
no sentido estritamente técnico da palavra, não era um dogma definido pela
igreja (Bau. DG . 46 [1858:178-79]). Houvera antecipações da doutrina da
imagem de D eus no pensamento grego (Doll. Heid.jud. 5.1 [1857:287]). Mas
a história da criação registrada no livro de Gênesis deixara sem especificar o
conteúdo da imagem divina (Gn 1.26,27), e assim permaneceu ao longo do
Antigo Testamento, sendo usada, quando usada, na comprovação das ordens
e proibições éticas, em vez de no esclarecimento da doutrina do hom em (Gn
9.6). N o N ovo Testamento, da mesma maneira, esse uso ético do conceito
também era proeminente (lC o 11.7; Tg 3.9), mas a identificação do Logos em
Jesus Cristo com o “a imagem de D eus” (2Co 4.4; Cl 1.15; Hb 1.3) no sentido
original e eterno da palavra, a imagem que existira antes da criação e antes do
tempo (Makr. Herm. Cl 1:15 [1891:2028-29]), no fim, proveu à doutrina da igreja
um conteúdo para a afirmação de que o homem foi criado segundo a imagem
divina. A teoria agostiniana de que a imagem em que o homem foi criado era a
imagem de toda a Trindade e que, por conseguinte, havia “vestígios da Trindade
\vestigia Trinitatis]” na alma humana também encontrou eco na antropologia
ortodoxa oriental (veja vol. 3, p. 50-52). Todavia, com o uma “análise crítica
das diferentes confissões” sobre o pecado original expôs uma “graduação” em
seus ensinamentos (Makr. Anth. 9 [1882:134]; Kierk. Begr.Ang. 1.1 [Drachmann
4:298-99]), assim, da mesma maneira, também era possível discernir uma dife-
rença confessional aqui na continuidade da imagem, diferença essa que fora
desenvolvida na ausência de um dogma explícito da igreja universal sobre a
imagem divina: os teólogos católicos-romanos (e, em algum grau, também
os ortodoxos orientais) (Andrts. Dok. Sjmb. 2.5.1 [1901:136-41]) invocaram
uma distinção entre a imagem divina, que foi mantida mesmo depois do
pecado, e “o estado de natureza pura \pura naturalia]” antes da queda, que
fora perdido (Mhlr. Symb. 2.5 [Geiselmann, p. 57-63]), enquanto os teólogos
protestantes tendiam a “ensinar que a imagem, divina [que consistia de]
santidade e justiça, estava intimamente conectada com a natureza humana
antes da queda”, mas que fora perdida por meio do pecado de Adão e Eva
(Mar. Inst. symb. 21 [1825:34]).
266 OS FUNDAM ENTOS DA COSM OVISÃO CRISTA

Tudo isso assumiu uma importância crítica no século XIX, uma vez que a
doutrina da criação especial do homem trouxe consequências teológicas ainda
mais graves que as da doutrina da criação com o tal, estando estreitamente
conectada não só com a doutrina da inspiração da Escritura (veja p. 305-306
abaixo), com o a criação também estava, mas com as doutrinas do pecado
original e da graça (Ub. Int. 1.1.38 [1886-1:696]), bem com o com a instituição
divina do casamento no jardim do Éden (Blach. Log. 9 [1882:102-3]) — e, é
claro, com a doutrina da encarnação do Logos com o o “hom em universal”
(veja vol. 2, p. 100-14). O homem, conforme ensinavam havia muito tempo os
teólogos cristãos (veja vol. 2, p. 109), era um “microcosmo” porque, de acordo
com o relato do Antigo Testamento (Mak. Prav. bog. 76 [Tichon 1:427]), toda
a obra da criação divina alcançou sua culminação com a criação do homem
segundo a imagem divina no sexto e último dia da criação (Hfmnn. Enc. 2.1.2
[Bestmann, p. 194]). Mas agora “esse relato da origem do hom em ” (Clrk.
Darw. [1873:10]) na imagem e semelhança divinas enfrentava uma alternativa à
visão cristã de mundo em várias “crenças bizarras sobre a origem do homem”
(Tor. Car. 2.2 [1779-11:67]). “Pela palavra ‘imagem’ ”, afirmava a resposta de
um cristão, “entende-se os atributos naturais de Deus, em que o hom em se
assemelha a seu Criador. Pela palavra ‘imagem’ entendia-se a semelhança
com os atributos morais de D eus, em conformidade com a natureza divina”
(Clrk. Darw. [1873:2-4]). Por causa da doutrina da criação na imagem divina
“não há nem pode haver qualquer posição intermediária entre humanidade e
não humanidade” não podia haver um elo perdido (Bush. Nat. 3 [1858:80]).
Quando William Wilberforce, no fim do século XVIII (Wilb. Pr. vi. 5, 4
[1798:252,152]), resumiu a doutrina da criação do homem com o uma criação
em que fom os “criados primeiro na semelhança de D eus e ainda carregamos
em nós alguns tênues traços da nossa elevada origem”, ele dava continuidade
à preocupação daquele século com o sentido da imagem divina (Amrt. Teol.
eclec. 7.16 [1752-2-11:10]; Terst. Abr. 1.8.8-10 [Becher 2:94-95]; Wsly. Serm.
1.int. 1 [Baker 1:117]). A imagem consistia no domínio sobre o resto da criação
(Felb. Hnd. 1 [1799:3]), no corpo humano, mas em mais que o corpo humano
(Marc. Inst. 21.2.3 [Tomassini 3:315]; Drnd. Fid. vind. 2.14 [1709:243-45]), uma
vez que este sugeria a singularidade da alma humana entre todas as criaturas
terrenas e o reflexo da alma da própria Trindade de pessoas na Divindade
(Brnt. A rt. X X X IX .9 [1700:110]), “uma imagem incorruptível do D eus de
glória” e uma imagem de amor divino (Bec. Lóp. Sab.prod. 1 [1752:8]; Men.
Did. 2.3 [Blantês, p. 119]). Dando continuidade a idéias do século XVIII
com o essa, uma declaração representativa do século X IX da imagem divina
A imagem divina ♦♦♦ 267
(Wsly. Serm. 5.1.1 [Baker 1:184]; Kol. Áü/^.2.15 [1844:199]) a descrevia com o
aquela por meio da qual Deus “adornara o homem com o corpo mais ca-
paz de qualquer criatura, favorecendo-o com o raciocínio, o livre-arbítrio, a
consciência e uma alma imortal”. A imagem não consistia exclusivamente de
racionalidade humana ou responsabilidade moral, mas de ambas (Hdge. Sist.
teol. 2.5.2 [1981-11:96-99]; Spen. Bed. 1.1.30 [Canstein 1:193-95]; Slv. Duch. osn.
l.int. [Radlov 3:274]). A negação da liberdade da vontade humana (veja vol.
4, p. 204-209), que a teologia católica-romana continuava a denunciar com o
um dos “erros capitais” de Lutero e Calvino (Blms. Prot. 11, 23 [Casanovas
4:103, 234-36]), equivalia a negar a criação à imagem de D eus (Blms. Rei. 11
[Casanovas 5:16]). Embora Deus governasse sobre o homem com o governava
sobre todas as criaturas, ele, no caso do homem, “criou-o individualmente
seu mesmo, imprimindo nele seu selo, sua imagem” (Fil. SI. 52 [Soc. Fil. 2:69])
que tornou o hom em o rei da criação (Atan. Par. Epit. 2.2.6 [1806:253-54])
e o favoreceu com soberania e liberdade (Slv. Rus. égl. 3.7 [Rouleau, p. 263]).
Como o Criador do céu e da terra, o Criador em cuja imagem a humanidade
foi formada, de acordo com o ensinamento bíblico, era um D eus pessoal, a
imagem divina também tinha de se refletir na personalidade humana (Doll.
Herd. Jud. 10.3.3 [1857:82η).
A partir da versão bíblica de “a descida do hom em ”, que consistia na cria-
ção de Adão e Eva segundo a imagem divina com o os ancestrais em comum
de toda a humanidade e, por conseguinte, na descida de toda a raça humana a
partir deles, seguia-se que a humanidade não teve uma origem múltipla, mas
uma raça (Mnkn. A/.23 [1828:281]), uma vez que Deus, conform e declarou o
apóstolo Paulo, “de um só fez ele todos os povos, para que povoassem toda
a terra” (At 17.26). N essa declaração primitiva, “Adão e Eva eram perfeitos
em corpo e alma” (Mak. Prav. bog. 87 [Tichon 1:478]). A natureza humana,
com o o “templo de D eus”, era “pura [...] e abençoada porque a imagem de
D eus foi implantada nela” (Fil. Sl. 24 [Soc. Fil. 1:17η). As palavras do relato
da criação, “e o hom em se tornou um ser vívente” (Gn 2.7), deixou claro que
o hom em “não só possuía alma, mas tornou-se ela. A alma era seu próprio
ser, seu eu mais verdadeiro, o homem no hom em ” (Clrdge. Ref. 1.9 [Shedd
1:119-20]). Conforme ensinavam as doutrinas agostinianas da natureza e da
graça (veja vol. 1, p. 190-333), Adão e Eva tinham possuído graça divina em
“conjunção [concours]‫ ״‬com a natureza (Lacrd. Conf. 60 [Poussielque 5:222]).
Todavia, quanto mais extravagantemente os intérpretes da história da criação
retrataram a glória com a qual Adão foi adornado ao receber a imagem de
Deus, “mais inexplicável se tornava o fato de que ele pecou” (Kierk. Begr.
268 Λ OS FUNDAM ENTOS DA COSM OVISÃO CRISTA

Ang. 1.3 [Drachmann 4:307]) e, portanto, mais inacreditável se tornava todo
o relato bíblico, quer da criação quer da queda.
N o entanto, para os porta-vozes da doutrina ortodoxa era óbvio e ne-
cessário “que o relato da provação e queda do homem não era uma alegoria
nem um mito, mas uma história verdadeira” (Hdge. Sist. teol. 2.7 [1981-11:123-
24]). Eles viam a asserção da corrupção humana por meio da queda com o
“eminentemente a base e pedra fundamental do cristianismo” (Wilb. Pr. vi.
2 [1798:21]), pois ela localizava o homem , quer na natureza, quer na história,
quer na graça, entre Deus, o Criador, e Cristo, o Redentor (Krth. Cons. ref. 9
[1871:365-66]). Embora eles se sentissem capazes de apresentar essa percep-
ção da queda e do pecado original (ou “pecado hereditário”, conforme muitas
línguas o chamam) (Mak. Prav. bog.93 [Tichon 1:507-12]), até o ponto que ela
atingia, com o a propriedade comum da tradição cristã doutrinai, oriental e
ocidental, o estudo acadêmico histórico do período estava descobrindo que
a respeito dessa mesma doutrina parecia haver menos concordância na tra-
díção doutrinai da Antiguidade que a respeito de algumas que agora estavam
em debate entre os herdeiros dessa tradição (Newm. Dev. 1. int. 16 [Harrold,
p. 20]). Conforme sustentavam os oponentes de Agostinho (veja vol. 1, p.
323), a explicação dele do pecado original foi uma inovação teológica (Rtl.
Unt. 2.35 [Ruhbach, p. 35]); assim, conforme colocou um historiador grego
ortodoxo, tanto Agostinho quanto Pelágio foram guiados por sua controvérsia
sobre o pecado e a graça à “antítese total e exagero extremo” (Krks. Hist,
ecl. 95 [1897:1:300]). Os pais gregos da igreja, em contraste com Agostinho,
debatiam com o eram “contra o fatalismo da visão de mundo pagã” (Thom.
Chr. 30 [1856:1-375]) e contra o entendimento dualista do pecado original no
gnosticismo (Doll. Gnos. 11 [1890:163-64]), tornaram a defesa do livre-arbítrio
humano uma necessidade e o principal resultado da imagem divina. Quando os
discípulos dos reformadores (Doll. Ref.3 [1846-111:31]) forçaram a exegese de
Agostinho (e de Lutero) das palavras do salmo, “Sei que sou pecador desde
que nasci, sim, desde que me concebeu minha mãe” (SI 51.5), ao extremo de
debater se o pecado original, com o uma consequência da queda, passara a
fazer parte da “essência” da natureza humana ou se era um “acidente” (Doll.
Ref. 3 [1846-111:490]; veja vol. 4, p. 206-209), eles não estavam mais debatendo
um ponto de doutrina bíblica, mas tinham passado para o reino da metafísica
grega (Rtl. Teol. met. 6 [1887:55-65]; Pus. Hist. 1 [1828-1:10-11, 35]).
As implicações da hipótese evolucionária, de muitas maneiras, repre-
sentavam um perigo ainda maior para a doutrina do pecado original do que
representavam para a doutrina da criação na imagem divina. M esmo aqueles
A imagem divina ♦♦♦ 269
que não aceitavam a historicidade literal do relato dos primeiros capítulos de
Gênesis queriam impor a origem comum da raça humana (Holb. Evol. Scr. 8
[1892:253-54]). Embora a declaração de Paulo para os atenienses de que Deus
“de um só [ou seja, de Adão] fez ele todos os povos” (At 17.26) fosse usada
para provar que toda a raça humana descendia de um único par de pais, foi
outra passagem, a declaração de Paulo para os romanos de que “[em Adão]
todos pecaram” (Rm 5.12) que passara a ser, em especial por intermédio
das especulações de Agostinho (veja vol. 1, p. 302-304), o locus classicus para
a transmissão do pecado humano a partir de um único par de pais. Portanto,
as respostas cristãs do século X IX ao evolucionismo, que tendia às vezes
a transformar a autoridade e inspiração da Escritura na principal questão
quando a origem das espécies e até mesmo a descida do hom em estavam em
pauta (veja p. 303-307 abaixo), finalmente localizou a ameaça fundamental
aqui na doutrina da queda e do pecado original. O resumo autoritativo do
século X X dessas respostas do século XIX, a encíclica de Pio XII, Humani
generis (Sobre algumas doutrinas errôneas), de 1950, rejeitou o “poligenismo”,
a sugestão de que “ A dão’ significa algum tipo de multidão dos primeiros
pais”, alicerçando essa rejeição quase só nos fundamentos específicos de
que “é impossível ver com o essa declaração pode ser alinhada com aquelas
das fontes da verdade revelada e os atos do magistério da igreja estabeleceu
sobre o pecado original, que procede de um pecado que foi verdadeiramente
com etido por um único Adão” (Pio XII. Hum. gen. [AAS 42:576]).
Para o “magistério” da Igreja Católica-romana, um dos principais perigos
resultantes de qualquer percepção que parecia negar a doutrina agostiniana
do pecado original era a ameaça que, com isso, toda a estrutura da doutrina
de Maria desenvolvida pela igreja podia ser enfraquecida. Embora a ortodo-
xia oriental e o protestantismo continuassem em sua oposição à concepção
imaculada da virgem Maria (Chom. Crk. 9 [Karsavin, p. 38]; Andrts. Sjmb.
2.6 [Regopoulos, p. 201-2]; Grnvg. Pr. 12.iii.1837 [Thodberg 10:151-56])
fundamentados no fato de que a declaração bíblica “todos pecaram” (Rm
3.23) não conhecia exceção a não ser o próprio Cristo (Krks. Antipap. 2
[1893:43-44]), finalmente, em 1854, pela ação do papa Pio IX, passou a ser
um dogma oficial: “D esde o princípio e antes das eras” D eus elegera a vir-
gem Maria para ser a mãe de Cristo e, por conseguinte, “a mais abençoada
virgem Maria no instante de sua concepção, por meio da graça e privilégio
singulares do D eus Todo-poderoso e em vista dos méritos de Cristo Jesus,
o Salvador da raça humana, foi preservada imune de todas as máculas da
culpa original” (Pio IX. Ineff. \P itIX A cta 1:616]). A doutrina da concepção
270 ♦♦♦ OS FUNDAM ENTOS DA COSM OVISÃO CRISTA

imaculada, conforme desenvolvida no final da Idade Média (veja vol. 3, p.


105-107, 215; vol. 4, p. 94-107, 372-73) acima de tudo por meio da teologia
de João Duns E scoto e conform e agora “tornou-se comum desde o tempo
de E scoto” (Hno. Teol. 5. pr., 6.2.2.1 [1785-V:A2r, VE408]), esforçou-se para
manter juntos dois ensinamentos de Agostinho: a universalidade do pecado
original por intermédio da queda de Adão e Eva e o privilégio excepcional
de Maria (veja vol. 1, p. 317). A promulgação da doutrina pelo Concilio da
Basileia-Ferrara-Florença foi desqualificada não com base em fundamentos
substantivos da própria doutrina, mas com base em fundamentos de pro-
cedimento da condição cismática do concilio na época em que legislou essa
doutrina (veja vol. 4, p. 101-102). A doutrina continuou a manter a lealdade e
devoção dos cristãos; e agora parecia necessário torná-la inquestionavelmente
oficial, tanto para defender, em oposição aos inimigos eclesiásticos e políticos,
a autoridade do papa para definir a doutrina (veja p. 310-313 abaixo) quanto
para defender todo o sistema agostiniano de pecado e graça, por causa dos
ataques contemporâneos a essas teses agostinianas.
Para um número cada vez maior, e não apenas no catolicismo-romano,
estava ficando evidente que tanto a doutrina da imagem divina no homem
quanto a doutrina da queda do homem foram desenvolvidas da perspectiva
histórica— e agora tinham de ser formuladas da perspectiva teológica — não
apriori a partir da doutrina da criação, mas aposteriori a partir das doutrinas da
encarnação e da redenção (D mis. Arch. 2.3 [1865:80-85]): a imagem consistia
na “bondade sobrenatural com o aquela à qual nosso Senhor nos restaura pela
sua graça” (Kbl. Oc. 3 [Pusey, p. 137]); e a “culpa do pecado” só podia ser
avaliada com justiça “pela custosa satisfação [pelo pecado] que foi exigida
para a expiação dele” (Wilb. Pr. vi. 7 [1798:310]), que foi “a demonstração
mais impressionante” da santidade e justiça divinas em toda a história do
mundo (Jam. Sac. hist. 3.4 [1802-11:102]). Conforme Orígenes já argumentara
contra Celso (Or. Cels. 6.63 [G O '3:133-34]), era essencial distinguir “entre
o que está ‘na imagem de D eu s’ e sua imagem [...]. A imagem de D eus é o
primogênito de toda a criação, o próprio Logos e a verdade” (Thom. Chr. 24
[1856-1:225]). O hom em foi criado à “imagem divina [.Ebenbild Gottes\‫ ״‬, mas
o Logos com o imagem divina era a “imagem primordial [Urbild[‫( ״‬Schl. Chr.
gl. 93 [Redeker 2:34-43]; Bau. Vers. 3.2 [1838:619-27]) e, com o tal, a “imagem
ideal” e também “a imagem eterna de D eus”. O hom em era “o ponto mais
elevado no universo visível” (Grnvg. Pr. 26.xii.1825, 8.V.1823, ll.iv.1823
[Thodberg 4:49, 1:259, 2:167]), mas Cristo, com o o Logos, era “a imagem
adequada de Deus, a autorreflexão de D eus em seu próprio pensamento,
A imagem divina

eternamente presente com ele m esm o” (Lid. Div. 6 [1867:475-76]). A imagem


de D eus tornou-se encarnada por intermédio da virgem Maria (Ces. V. Ges.
Cr. 14 [1830:282]). A salvação, portanto, alcançou muito mais que a simples
restauração da “justiça original” que fora concedida na criação (Ces. V. Ges.
Cr. 2 [1830:38]): a salvação conferiu uma participação na própria natureza
divina. “A ressurreição do nosso Senhor Jesus Cristo dentre os mortos” (Ces.
V. Ges. Cr. 2 [1830:27]; Lacrd. Conf. 6.3 [Poussielque 6:232]), afirmara um
pregador ortodoxo oriental (Blach. Cog. 15 [1882:189]), revelara o mistério
da vontade de D eus “para a salvação e a deificação do hom em ” (veja vol. 4,
p. 82-83). Como em períodos anteriores, essa discussão da salvação com o
“deificação” foi mais uma vez levantada — mas, mais uma vez, falhou em
resolver a especulação sobre se haveria ou não a encarnação do Filho de
Deus, caso não tivesse havido uma queda (Thom. Chr. 26,34 [1856-1:261-69,
11:2-3]; Marc. Inst. 22.12.1 [Tomassini 4:81-83]).
M enos controversa era a insistência que embora a queda do homem
tenha tornado a encarnação necessária, foi a imagem divina no hom em que
a tornou possível (Grnvg. Chr. Brnlr. 11 [Begtrup 9:433]). Portanto, era pos-
sível descrever as “heresias naturais” na doutrina de Cristo não só na forma
convencional com o aquelas (como o arianismo) que negavam a completa
divindade dele e aquelas (como o apolinarismo) (Mak. Prav bog. 132 [Tichon
2:42-43]) que negavam sua humanidade, mas também com o aquelas (incluindo
o pelagianismo) que pareciam tornar Cristo desnecessário e as que (incluindo
o maniqueísmo e o panteísmo) tornavam Cristo impossível (Schl. Chr. gl. 22
[Redeker 1:129-34]). M esmo por trás das disputas aparentemente triviais
entre a ortodoxia russa e o cisma sobre a maneira correta de pronunciar o
nom e “Jesus” estava a preocupação em identificar a relação correta do indi-
víduo e da igreja com ele (Fil. Star. 4 [1855:67-84]; Mak. Bask. 1.4 [1858:84-
88]). Agostinho, que formulou a doutrina do pecado original, também via
a imagem divina com o a pressuposição indispensável para a redenção e a
revelação (Ag. Verarelig. 44.82 \CCSL 32:241-42]; Wlb. Inc. 6 [1849:169]). O
Logos, ao assumir a natureza humana por meio da encarnação, não chegou
a um elemento estranho, mas a um que ele, já pelo ato original da criação na
imagem divina, preparara com o sua habitação (Thom. Chr. 37 [1856-11:57]).
Ele, com o a imagem divina na pessoa, era o guia para a natureza de Deus
(Bush. Vic. sac. 1.2 [1866:73]; Iv. Cd. kn. 9 [1887:187]). O Deus-hom em era
o segundo Adão (Slv. Bogo. 11/1 2 [Radlov 3:151]).
Embora a adoração cristã não distinguiese entre suas naturezas divina e
humana (Kbl. Spir. 89 [Wilson, p. 163]), era a doutrina e sua natureza divina
272 Λ♦ OS FUNDAMENTOS DACOSMOVISÃO CRISTA

que parecia estar agora em risco. A pergunta familiar nos evangelhos: “O que
vocês pensam a respeito do Cristo?” (Mt 22.42) ainda era, com o o fora na
época, “na verdade, a mais crucial de todas as perguntas” (Kierk. Syg. Dd. 2.2.3
[Drachmann 11:240]). David Friedrich Strauss, indo muito além das sugestões
experimentais de seus predecessores, criticou-os, em especial Schleiermacher,
por não conseguirem lidar com os elementos de “mito” que apareciam não
na periferia, mas no cerne da imagem de Jesus nos evangelhos. Os escritores
do N ovo Testamento, disse Strauss, “narraram a respeito dele principalmente
coisas que são sobrenaturais, mas que podem os aceitar, e também a respeito
dele, apenas o que é natural” (Str. Chr. 3 [Geischer, p. 99-100]). Uma vez que
as passagens “sobrenaturais” eram as mesmas que serviram para o dogma da
igreja com o o alicerce para a cristologia ortodoxa, era inevitável que a con-
centração de estudiosos do N ovo Testamento do século X IX nas questões
históricas e literárias no estudo dos evangelhos levantasse também questões
teológicas e doutrinais bem antes do problema especial do “erro escatoló-
gico” (veja p. 286-87 abaixo) nos ensinamentos de Jesus chamarem atenção.
Independentemente de qual fosse a intenção polêmica original (Bau. Chrpart.
[Scholder 1:37]), a crítica severa do apóstolo Paulo sobre “conhecfer] Cristo
segundo a carne” (2Co 5.16, ARC) aplicava-se a todos que agora “deixam
de lado tanto a divindade de Cristo quanto a verdade de sua expiação de um
só golpe” (Jam. Mc. 3 [1787:80]).
Cristo, ao mesmo tempo, tinha que ser visto com o a revelação não só
de Deus para o homem, mas também do homem para o homem: “Ele diz:
Aqui você vê o que é ser um ser humano’ ” (Kierk. Sjg. Dd. 2.2.3 [Drach-
mann 11:237]). A doutrina ortodoxa da pré-existência, da kenosis e da exal-
tação (veja vol. 1, p. 263-72) continuaram a ser, na maioria das igrejas (Lid.
Div. 6 [1867:472-75]; Jam. Mc. 4 [1787:115-19]), a forma normativa de ler a
cristologia do N ovo Testamento, e a realidade da kenosis exigiu a reafirma-
ção da doutrina conciliar que em Cristo havia não só a vontade divina, mas
também uma vontade humana distinta e autônoma (Slv. Bogo. 1 1 /1 2 [Radlov
3:156]). Mas, em alguns teólogos, a “kenosis”, com o um conceito “da auto-
limitação do divino” (Thom. Chr. 40 [1856-11:141]), era levada a um ponto
que parecia estar atribuindo o sofrimento e a morte de Cristo a sua natureza
divina (Drnr. Pers. Chr. 3.2.C [1845-11:1261-66]), bem com o a sua natureza
humana e, assim, pondo em risco pressuposições dogmáticas consagradas e
consolidadas sobre o poder absoluto e impassibilidade de Deus (veja vol. 1,
p. 71-73). N o conceito paulino de Cristo com o o segundo Adão (Slv. Bogo.
11/1 2 [Radlov 3:151]) parecia haver um paralelismo que tornava possível
A imagem divina
* 275
fazer justiça à “dupla imagem” de Deus no homem, conform e representadas
pelo Paraíso e pela cruz (Men. Did. 1.7 [Blantês, p. 71]); mas as interpretações
desse paralelismo na forma de uma “doutrina que eles correspondem um ao
outro” levou a uma advertência contra uma teoria que “não explica nada de
m odo algum, mas confunde tudo” (Kierk. Begr.Ang. 1.2 [Drachmann 4:305]).
Antes, era necessário começar com Cristo, o Logos, com o a “imagem primeva
do hom em ” e, depois, prosseguir — com o Ireneu e outros pais da igreja,
com o o fez Gregário de Nissa, — para a interpretação de “redenção com o
a renovação [do homem] a essa imagem” (Thom. Chr. 20 [1856-1:186]; Vnzi.
Rec. 1.6 [1864-1:45]). Em uma condição de não caído, a revelação precisaria
transmitir o conhecimento de Deus, mas em uma condição de caído, ela tinha
mais um novo propósito: neutralizar o pecado e garantir a redenção (Dry.
Apol. 1.2.3.18 [1838-1:170-71]).
Essa “intenção de formar a mente humana de novo segundo a imagem
divina” (Clrdge. Ref. 1.20 [Shedd 1:125]) — com o um intervenção de Deus na
vida e na história humanas e, depois, com o uma “obrigação do homem” — era
central para a doutrina e a vida cristãs, conform e demonstrara o desafiador
projeto de Anselmo da “fé em busca de entendimento” (Mhlr. Ges. Schr. 1.3
[1839-1:138]). Embora, em um sentido, fosse possível dizer “que a própria
encarnação já é o estabelecimento {Herstellung^ da comunhão com D eus”, a
encarnação não é o “reestabelecimento [ Wiederherstellung]” dessa comunhão,
que só acontece por intermédio da redenção e da reconciliação (Thom. Chr.
53 [1856-111:52]), com o, mais uma vez, demonstraram as especulações de
Anselmo em Porque Deus se tornou homem (veja vol. 3, p. 170-86). Os expoentes
do “esquema de redenção pela expiação de Cristo” (Wilb. Pr. vi. 2 [1798:46])
desenvolvido por Anselmo o seguiram na apresentação de uma correlação
entre pecado e redenção (Wilb. Pr. vi. 5 [1798:247]). Por conseguinte, con-
forme insistira Anselmo, uma simples “anistia” não era uma forma adequada
para um D eus justo perdoar o pecado (Thom. Chr. 51 [1856-111:22]) porque
Deus não podia contradizer sua própria justiça (Blach. Log. 14 [1882:162]),
que era sua própria natureza; o paganismo já reconhecera a necessidade de
sacrifícios de expiação (Doll. Heid.jud. 7.4 [1857:532]). Era “necessário para
o todo da nossa fé e esperança” distinguir entre a relação que Cristo, com o
Filho de Deus, tinha com o Pai, de acordo com a qual “ele era sempre objeto
do deleite do Pai”, e a relação que ele teve “até que carregou sobre si nossos
pecados”, de acordo com os quais “ele, por nossa causa, era o objeto da ira
do Pai” (Jam. Mc. 1 [1787:13]).
2 74 ♦♦♦♦ OS FUNDAMENTOS DACOSMOVISÃO CRISTA

Assim, Deus ordenou a morte de seu amado Filho (Ces. V. Ges. Cr. 12
[1830:246]). Até mesmo (ou talvez em especial) os teólogos que não queriam
ser identificados com o apoiadores da tradição medieval e de Anselmo ou de
qualquer outra tradição pós-bíblica podiam afirmar: “Que a morte ou sacri-
fício de Cristo é a grande oferta pelo pecado, e a única oferta pelo pecado, é
uma doutrina essencial do protestantismo” (Camp. Prcl. 19.1.1837 [1875:267];
Camp. Syst. 10 [1859:21-30]). Os teólogos católicos-romanos criticaram a
doutrina da justificação desenvolvida pela Reforma com o uma imputação
(veja vol. 4, p. 213-14, 320-21) com base no fato de que ela alterava funda-
mentalmente a doutrina da redenção com o satisfação pelo pecado (Doll. Ref. 3
[1846-111:80]); os teólogos ortodoxos orientais, em sua exposição da “retidão da
fé” ÇDrcús.Arch. 3.2.1.1 [1865:126-41]), criticaram essa doutrina fundamentados
no fato de que ela falhou em distinguir entre “a primeira justificação”, que só
vinha pela fé no mérito de Cristo, e a “justificação” no dia do julgamento, que
seria fundamento nas obras e também na fé, uma vez que a fé sem obras seria
inútil (Makr Herm.Lg 2:14 [1891:2339]; Blach. Log. 2 [1882:22-46]). Contudo,
os teólogos católicos-romanos e ortodoxos orientais, em oposição à rejeição
sociniana da doutrina da satisfação vicária por meio da morte de Cristo (veja
vol. 4, p. 395-97), ainda puderam declarar ser um consenso ecumênico que
“todo o resto do cristianismo”, quer católico-romano, quer ortodoxo oriental
quer protestante, recusou-se a ser ligado com a ideia de que a “redenção”
por meio da morte de Cristo era apenas “metafórica, e não verdadeira nem
real” (Marc. Inst. 25.2 [Tomassini 4:276]; Fil. Ent. [Sondakoff, p. 8]).
N ão obstante, a característica mais impressionante das discussões do
século X IX sobre a redenção por meio da cruz de Cristo era o muitíssimo
defendido sentimento de que “se Cristo simplesmente morrera para contra-
balançar uma contagem de penalidades [...], há muito para indignar a alma,
pelo menos na atitude de Deus, e até mesmo para provocar um arrepio de
repulsa” (Bush. Vic. sac. int. [1866:30]) e de “aversão” (Chan. Calv. [AUA, p.
459]). Alguns chegaram a ponto de acusar que a doutrina ortodoxa da expiação
por meio da morte de Cristo “tira interesse de sua morte, enfraquece nossa
empatia com seus sofrimentos e, de todos os outros, é mais desfavorável a
um amor por Cristo” (Cham. Un. cr. 2 [AUA, p. 375]). Tinha-se o sentimento
de que a concentração dos pais e dos concilios da igreja na Trindade e na
pessoa de Cristo fez com que as doutrinas de soteriologia — exceto por um
ensaio com o o de Anselmo — fossem muitíssimo negligenciadas ao longo
do desenvolvimento da doutrina cristã e que elas agora viessem por conta
própria (Klfth. D G .37 [1839:87]). A despeito da definição convencional de
A imagem divina 275

sacrifício com o “a substituição e punição do inocente, em vez do culpado”


(]am. Sac. hist.. 3.13 [1802-11:349]), a explicação de Anselm o da transação en-
volvida na redenção foi alvo de críticas fundamentadas em sua preocupação
total e excessivamente “jurídica” com a satisfação da justiça divina (Slv. Bogo.
1 1 /1 2 [Radlov 3:150-51]): o amor divino não entrou na avaliação de Ansel-
m o até o fim (Bau. Vers. 1.2.1 [1838:169]). Uma teoria da redenção com o
essa também ignorava o contexto polêmico da ênfase paulina na morte de
Cristo (Bau. Christpart. [Scholder 1:71]). As tentativas anteriores de formular
uma doutrina da expiação — com o a de Orígenes, contra a qual a crítica de
Anselmo foi direta — provaram, após exame cuidadoso, terem exposto a
mensagem do evangelho com mais fidelidade do que se supusera (Thom.
Chr. 59 [1856-111:189-98]). Embora Anselmo tenha pressuposto o dogma
ortodoxo das duas naturezas de Cristo em sua construção do sentido da ex-
piação, os pais da igreja seguiram na direção oposta: “Cristo crucificado é a
primeira doutrina ensinada; o conhecimento da divindade de nosso Senhor,
é a última que os homens vêm a aprender” (Wms. Res. 4.13 [Tr. Tms. 87:38]).
Talvez não tenha havido uma análise crítica dessa doutrina mais com-
pleta em seu exame histórico e fundamento exegético nem mais influente
em sua proposta de uma alternativa à teoria de Anselmo que a de Albrecht
Ritschl, cuja obra de três volumes Λ doutrina cristã dajustificação e reconciliação
— o primeiro volume sobre a história, o segundo sobre a exegese bíblica e o
terceiro sobre a teologia sistemática — equivalem a uma dogmática escrita do
ponto de vista da justificação e da reconciliação. A ordem das duas doutrinas
no título era relevante (Rtl. Recht. 1.4.21 [1882-1:141-45]): o próprio Ritschl
acreditava estar recuperando a centralidade da doutrina da justificação pela
fé desenvolvida e adotada pela Reforma com o o fundamento também para
qualquer doutrina da reconciliação e da expiação (Rtl. Recht. 1.6 [1882-1:256-
346]); relacionando as duas na ordem inversa, com o fizeram os dogmáticos
protestantes clássicos, transformou o ensinamento dos reformadores sobre a
justificação em um acessório à teoria medieval de Anselmo sobre a reconcilia-
ção. Essa teoria mesma não podia ser aceita tão sem crítica com o a aceitaram
os sucessores dos reformadores (embora não os próprios reformadores).
N ão só havia — “juntamente com as declarações sobre o valor salvífico da
morte de Cristo arranjadas de acordo com o esquema do conceito de sacrifí-
cio — várias outras epístolas apostólicas não relacionadas com essa maneira
de vê-la” (Rtl. Recht. 2.3.29 [1882-11:246]); mas também o uso da ideia do
próprio sacrifício nas epístolas paulinas (G1 1.4; E f 5.2) não precisava ser
interpretado com o se “Paulo pretendesse promulgar um dogma” (Rtl. Recht.
276 OS FUNDAMENTOS DACOSMOVISÃO CRISTA

2.3.27 [1882-11:228]). Antes, Cristo, conforme a igreja ensinava havia muito


tempo (veja vol. 3, p. 178), tinha de ser visto tanto com o sacrifício quanto
com o sacerdote (Rlt. Unt. 2.50 [Ruhbach, p. 43-44]). Por isso, a “suposição
[de Anselmo] de uma antítese entre a graça ou amor de Deus e sua justiça,
que em relação à humanidade pecadora levaria a uma contradição que tem
de ser resolvida por meio da obra de Cristo, não é bíblica” (Rd. Recht. 3.6.50
[1882-111:438]).

O progresso do reino
O que Albrecht Ritschl propôs para substituir o esquema de Anselmo
da reconciliação e da justificação, com o essas doutrinas eram ensinadas — e
nessa ordem, com a reconciliação objetiva sendo seguida da justificação sub-
jetiva — também pelos protestantes ortodoxos e pelos católicos-romanos (a
despeito das diferenças entre eles a respeito das doutrinas da justificação pela
fé e da justificação pela fé e obras) (Rti. Recht. 2.1.5 [1882-11:26-34]; Sod. Und.
1 [1933:4]; veja vol. 4, p. 202-20,348-59), foi a recuperação do sentido central
da “proclamação [original] do reino de D eus”, que era “a ideia dominante
de Jesus” nos evangelhos sinóticos, a despeito de sua ausência nas epístolas
do N ovo Testamento (Rti. Recht. 2.4.33 [1882-11:296]): a proclamação não
da justificação nem da reconciliação, em última instância, nem tampouco da
redenção (como todas as três eram entendidas tradicionalmente por todas
as igrejas), mas da regra de Deus. Ritschl, em sua concentração no reino de
Deus e em seu esforço para recuperá-lo com o um tema doutrinai, refletia
uma preocupação que passara a ser geral entre seus contemporâneos, como
uma parte central da atenção deles com “o alicerce da fé em D eus e da fé
em Cristo” sobre o qual o reino de Deus, com o a regra de justiça no espírito
humano e a regra de amor no coração humano, fora alicerçado (Lam. Par. cr.
37 [Porgues 11:142]). Portanto, “todos os mestres da verdade moral”, como
os apóstolos originais, podiam sem presunção se considerar “embaixadores
do maior dos reis” (Clrdge. Ref. 4.1 [Shedd 1:146]). Embora a doutrina do
reino de D eus não fosse um dogma da igreja no sentido exato da palavra,
sua história foi o tópico em um dos primeiros capítulos da primeira “história
do dogma” (Mnschr. DGA.2A [Coelln-Neudecker 1:41-76]). Também viria
a ser uma pressuposição fundamental para a teologia do evangelho social no
final do século X IX e início do X X (veja p. 379 abaixo).
O reino de Deus, nas palavras de Ritschl, era tanto “sobrenatural” quanto
“supramundano” (Rti. Unt. 1.8 [Ruhbach, p. 17]); não obstante, ele existia
“por causa da preservação da verdade na terra” (Lam. Déf. 16 [Forgues 5:166-
67]), sendo obrigado, conforme disse o evangelho, a ser “tomado à força” (Mt
O progresso do reino ♦♦♦ 277

11.12) na historia e na sociedade humanas (Lam. Par. cr 22 [Forgues 11:84]). N o


século XIX, a preocupação com o reino de Deus talvez tenha sido expressa
de forma mais sucinta no lema cunhado por um francés católico-romano:
“A perpetuidade e o progresso do reino de Jesus Cristo” (Lacrd. Conf. 40
[Poussielque 4:95-123]); conforme outro francês católico-romano colocou,
ao comentar o segundo pedido do Pai N osso (Mt 6.10): “Seu reino vem
de m odo progressivo” (Lam. Ep. 8.VÍ.1834 [Forgues 14:371]). Um senso
de “progresso” segundo o padrão da fé e ensinamentos cristãos estava se
manifestando além das fronteiras confessionais: um historiador da doutrina
protestante descrevería a “mudança” que acontecera em seu próprio campo
desde o século XVIII com o “progresso” (Klfth. DG . 28 [1839:57]); e um
estudioso católico-romano da Escritura usaria o mesmo termo para carac-
terizar o que estava acontecendo com a hermenêutica bíblica, de qualquer
modo, em sua própria igreja (Ub. Int. 2. prol. (1886-111:8]). Apesar de que
“não exista nem possa existir algo com o um progresso interior em Deus, ou
seja, em seu caráter”, ainda assim, era verdade que na história “dos caminhos
de D eus” — por exemplo, no contraste entre o Antigo Testamento e o N ovo
Testamento ou, por falar nisso, entre os estágios iniciais da história cristã e a
atual — podia haver genuíno progresso (Bush. Vic. sac. 1.2 [1866:62]).
N o século XIX, o tema de progresso não estava confinado à interpre-
tação do reino de D eus e da mensagem cristã, mas se manifestou em toda
a literatura, filosofia, historia e ciência natural da época. “O mundo agora,
com o nunca antes, é tom ado”, observou um teólogo, “com ideias de pro-
gresso” (Bush. Nat. 8 [1858:221]). Os críticos teológicos mais perspicazes da
filosofia evolucionária reconheciam que, de todas as ameaças que ela repre-
sentava para a doutrina cristã da origem do mundo e da humanidade (Jam.
Sac. hist. 1.1 [1802-1:147-48]; Clrk. Darn. [1873:22]), sua consequência mais
devastadora estava, antes, em suas implicações para a escatologia e teleología
cristãs e para a imagem bíblica do destino humano. “N ão [é] a evolução nem
a seleção natural que dá ao darwinismo seu caráter e importância peculia-
res”, observou um crítico de teologia; “é que Darwin rejeita toda teleología
ou a doutrina de causas finais” em sua “exclusão de desígnio na origem das
espécies” (Hdge. Darw. [1874:52,168]). Se essa “disputa contra o propósito”
fosse bem-sucedida (Iv. Chr. evol. 4 [1894:50-68]), “a teleología e, portanto, a
mente, ou Deus, é expressamente banida do mundo” (Hdge. Sjst. leol.2.\2
[1981-11:23]). Sem a teleología era impossível entender “o que se pretendia
dizer com o fato de que as obras sobrenaturais de D eus são dispensadas pelas
leis fixas” (Bush. Nat. 9 [1858:264]). Era importante lembrar que o termo
278 ♦♦♦ OS FUNDAMENTOS DACOSMOVISÃO CRISTA

“progresso” (Slv. Soph. 2.1 [Rouleau, p. 54]) podia ser muitíssimo ambíguo:
também havia tido um “progresso do ateísmo”, da anarquia e do secularismo
(Slv. Rust. Égl. int. [Rouleau, p. 146-47]).
Portanto, uma crença no “progresso do reino” e uma conscientização
de que “a verdadeira religião se desenvolve de acordo com o progresso dos
tempos” (Lam. Indiff. 25 [Forgues 3:141]), com o aconteceu nos primordios
do evangelho (Lam. Indiff. 37 [Forgues 4:390]), constituíram uma parte impor-
tante também da resposta teológica para a evolução. Os teólogos filosóficos,
com o James Iverach, em Aberdeen, embora ainda tentassem tornar Cristo
uma exceção para o processo evolucionário, que pretendiam harmonizar a
evolução e a teologia, também recorreram à crença no reino argumentando
que a aceitação da evolução com o um m étodo de trabalho divino significava
que a própria revelação era “uma peça nesse processo de evolução que tem
por fim e propósito o estabelecimento do reino de D eus” (Iv. Chr. evol. 11
[1894:207]). O apogeu e a conclusão de uma série de palestras apologéticas
que Iverach fez pouco antes do fim do século sob o título Teísmo foi uma
declaração da fé de que “esse D eus é representado operando e trabalhando
ao longo das eras a fim de criar o homem e educar o hom em para esse ideal
divino para cada hom em e para todos os homens no reino de D eus” (Iv.
Thsm. 10 [1899:318-19]).
A expressão “reino de D eus”, desde os períodos patrístico e medieval,
fora com frequência equiparado à “igreja”, e ainda era (veja vol. 3, p. 74-75).
O universo era uma monarquia na qual o Todo-poderoso era rei (Lam. Indiff.
17 [Forgues 2:121]); mas “a igreja”, conforme disse Gerson (Gers.Aujer. 8
[Glorieux 3:298]), “foi fundada pelo Cristo sobre uma monarquia acima de
tudo”, a saber, sobre Pedro e seus sucessores (Lam. Rei. 6.1 [Forgues 7:126-
27]), quando ele lhe deu as chaves do reino do céu e todos os “privilégios
e promessas” (Gr. XVI. Tr. disc. pr. 25 [Battaggia, p. 42-44]) que vinham
com estas. A concordância da ortodoxia oriental (Ces. St. ecclA.l [1881:13])
com essa identificação da igreja com o o reino de D eus na terra (Slv. Bogo.
2 [Radlov 3:14-15]) foi acompanhada de uma advertência contra “a falsa
teocracia” e o “clericalismo abstrato” (Slv. Krit.22 [Radlov 2:155-59]), bem
com o pelo lembrete de que as chaves do reino foram subsequentemente
dadas a todos os apóstolos, não apenas a Pedro (Mt 18.18; Fil. 37.77 [Soc. Fil.
2:213]); além disso, o poder e a grandiosidade do reino de Cristo tinham de
ser encontrados não na autoridade mundana da igreja, mas na cruz (Hrth. Es.
9:6 [1883:130]). Quando era perguntado: “O reino do céu existe na terra?”,
a resposta imediata, e não apenas a resposta dos católicos-romanos e dos
O progresso do reino 279
ortodoxos orientais, era: “A igreja de Cristo é a resposta viva a essa pergunta”
(Liv. Div. 3 [1867:178]). Em 1834, um dos Tratadospara os tempos, publicado
pelo M ovimento de Oxford para a renovação da Igreja da Inglaterra, com o
título O reino do céu (Hrsn. Kngdm. [Tr. Tms., p. 49]); de acordo com outro dos
Tratados, lançado quatro anos depois, “a igreja realiza o reino”, embora “em
segredo” (Wms. Res. 6.4 [7r. Tms. 87:93-98]).
As primeiras formas de desconforto com essa identificação simplória
do reino e da igreja, remontando à Reforma e aos movimentos medievais de
reforma posteriores (veja vol. 4, p. 131,142-43,169,238-39), foram intensi-
ficadas com o resultado da exegética histórica e do pensamento teológico do
século XIX. Com o a reconsideração da autenticidade do evangelho de João
estava lançando dúvida na doutrina ortodoxa da Trindade (veja p. 225 acima),
também as questões levantadas a respeito da atribuição tradicional das epís-
tolas pastorais ao apóstolo Paulo (Schl. Tin. N T. 2.1.51 [Reimer 7:172-76])
estavam removendo alguns dos suportes bíblicos para as instituições da igreja
(Bau. Chr. 2 [Scholder 3:121]). Os termos bíblicos com o “casa de D eus” e,
acima de todos, “corpo de Cristo” (Jer. N iz. Inst. [1864:448]) eram metáforas
mais apropriadas para a igreja que “reino” (Thom. Chr. 81 [1856-IV:363-64]).
A equiparação agostiniana de igreja e reino, entre seus outros efeitos, tendia
às vezes a relegar a escatologia a um lugar menor no fim da teologia sistemá-
tica, com grande prejuízo para o entendimento do que o N ovo Testamento
e os primeiros séculos do cristianismo pretendiam com igreja ou reino (Rtl.
Ges.Auf. 5 [1893:158]). Os teólogos ortodoxos orientais e protestantes, com
base nesse fundamento exegético e histórico, atacavam o catolicismo-romano
por usar o reino deste mundo para defender a verdade de D eus (Slv. Bogo.
2 [Radlov 3:14]) ao transformar “a igreja em uma continuação da atividade
real de Cristo” e por declarar que ele abdicara e delegara sua autoridade real
à hierarquia da igreja (Drnt. Syst. 146, 127 [1879-11:878-79, 686]). O ataque
também foi dirigido àqueles irmãos protestantes que, ao assumir as percep-
ções católicas-romanas da igreja e sua unidade, nublavam a distinção entre
as duas tradições (Bau. Episk. [Scholder 1:417]).
Nikolai F. S. Grundtvig, opondo-se simultaneamente ao “erro [ ]/ildfarel-
se]” “papista” e protestante na interpretação do “real reino” de Cristo (Gr-
nvg. Pr. 25.iii.1838 [Thodberg 11:158]), resumiu boa parte do pensamento
contemporâneo quando tom ou o que um teólogo grego ortodoxo também
denominou “a ideia do reino” com o um dos temas de sua própria pregação
e escritos (Hrth. Thrsk. 2.2 [1895:279]). N ão bastava ver Cristo com o profeta,
com o tantos protestantes contemporâneos estavam inclinados a ver, pois fora
280 Λ . OS FUNDAMENTOS DACOSMOVISÃO CRISTA
%
“o genuino poder e soberania reais de Jesus Cristo” (Grnvg. Pr. 17.iii.1833
[Thodberg 6:145]) que o separava dos outros profetas de Israel (Grnvg. Pr.
21.xi.1824 [Thodberg 2:397]; Blach. Log. 31 [1882:374-75]). Ele carregava
um título real, e o dia de sua ascensão ao céu fora “a festa de coroação do
rei Jesus Cristo” (Grnvg. Pr. 31.V.1832 [Thodberg 5:206]). N o entanto, isso
significava, quando a resposta de Jesus a Pilatos ficou clara, que seu reino era
celestial e “não é deste mundo” (Jo 18.36). O reino não era uma estrutura
política, mas um “reino de verdade” (Grnvg. Pr. 25.ÜÍ.1832 [Thodberg 5:106]),
de justiça divina e paz eterna (Grnvg. Chr. snd. [Begtrup 4:578]). Grundtvig,
em sua pregação e ensinamento sobre o reino de D eus (Grnvg. Pr. l.i.1823
[Thodberg 1:98]; Hrth. Es. 52:7 [1883:461]), também expressava a difundida
sensação de que a era de extremo individualismo (veja p. 350 abaixo) cedia
lugar a uma nova e mais profunda consciência da natureza coletiva de toda a
vida humana, portanto, também da vida cristã (Bush. Nat. 1.4 [Weigle, p 74-
75]). A “vinda do reino” tinha de ser percebida não apenas “individualmente”,
mas “universalmente”, à medida que Cristo exercia seu governo sobre as
nações e também sobre as pessoas (Hrth. Thrsk. 2.2 [1895:250-51]): o reino
de Deus estava tanto “em meio a vocês” quanto “entre vocês” (Lc 17.21).
Os sermões com títulos com este teor: “Como é definida a igreja de Cristo?”
(Mynst. Pr. 37 [1845-11:39-50]) e “Como será que devemos trabalhar para a
melhora da igreja?” (Mynst. Pr. 60 [1845-11:336-50]), expressavam tanto uma
determinação quanto uma esperança, “uma esperança muito [encorajadora]
e crescente de que uma geração melhor está vindo” na igreja (Kbl. Esp. 33
[Wilson, p. 62]).
Essa “geração melhor” não era de m odo algum para ser entendida
com o significando um período mais fácil para a igreja. Ela era “a essência da
história da igreja” de que “a igreja, em tempos de paz, pode expandir mais e
edificar com o se estivesse na amplidão, mas em tempos de inquietação ela se
eleva mais em altura” e em profundidade (Clrdge. Ref. 4.23 [Shedd 1:173]);
era isso que estava acontecendo agora. O “poder do cisma”, manifesto, por
exemplo, na Rússia, estava esgotado (Mntl. Lib. égl. [LecofFre 1:397]); e agora
havia disposição para descobrir os recursos em pais da igreja, com o Cipriano,
para uma nova vida e nova união na igreja (veja vol. 1, p. 171-72), bem como
para uma “crença firme” (Mhlr. Pat. 3 [Reithmayr, p. 850]) — que, no século
seguinte, tinha de se tornar uma crença dominante e universal (veja p. 361-72
abaixo) — que um “progresso sucessivo” em direção à unidade autêntica e
católica estava em operação no mundo cristão (Lam. Av. 18.x. 1830 [Forgues
10:151]). Os protestantes continuavam a falar disso com o uma “unidade só
O progresso do reino ♦♦♦ 281

conhecida em sua essência por Deus, tecida por elos invisíveis” (Krth. Rei.
[1877:29]) e para distinguir entre os elementos visíveis e invisíveis na “forma
empírica da igreja” (Thom. Chr. 82 [1856-IV:370-404]). Mas a renovação
litúrgica e a nova atenção à tradição apostólica e católica, também nas igrejas
protestantes, deram a muitos a sensação de terem ultrapassado o impasse
eclesiológico da Reforma. Até mesmo Ritschl, depois de atacar a forma com o
o “reino” e a “igreja” foram relacionados na tradição católica (Rd. Ges. Auf.
5 [1893:158]), conseguiu ainda assim definir o reino de Deus, no capítulo
intitulado “A doutrina do reino de D eus” (Rd. Unt. 1 [Ruhbach, p. 5-33])
que iniciava seu resumo da doutrina cristã, com o “o objetivo universal da
comunidade \Gemeinde\ encontrado por intermédio da revelação de D eus em
Cristo, bem com o seu produto comunal, em que seus membros se unem por
m eio de uma forma mútua prescrita para lidarem uns com os outros” (Rd.
Unt. 1.5 [Ruhbach, p. 15]).
Uma fonte de encorajamento em relação ao “progresso do reino” era a
“impressionante visão do triunfo da religião cristã” por intermédio do número
cada vez maior de conversões em casa e no exterior (Lam. Indiff. 36 [Forgues
4:358]). O “zelo infatigável” dos missionários penetrara em lugares e povos
distintos, abolindo os costumes bárbaros destes, corrigindo os maus hábitos
deles e alcançando “um progresso marcante em direção a uma condição mais
elevada” (Lam. Indiff. 36 [Forgues 4:376]). Apesar de o descobrimento das
terras além-mar tivesse levantado problemas para o entendimento cristão
do conhecimento natural de Deus e da lei natural (veja p. 168 acima), esse
evento também se tornou a ocasião para uma expansão sem precedentes na
iniciativa missionária, que os católicos-romanos, de acordo com uma com-
paração, interpretavam com o a tarefa de trazer não cristãos a uma instituição
salvadora à qual eles podiam ser incorporados, mas os protestantes entendiam
que a tarefa de proclamar a palavra de Jesus que os convertería (Hfmnn. Enc.
2.2.1.1 [Bestmann, p. 264-65]). D e jeito nenhum todos os católicos viam a
tarefa missionária dessa maneira; eles, antes, insistiam que quando “Jesus
enviou os apóstolos para conquistar o mundo, ele fez isso com a cruz”, não
com poder político e militar (Lam. Av. 7.ÍV.1831 [Forgues 10:283]), e lembra-
ram os protestantes quanto levou para os herdeiros da Reforma protestante
redescobrir o imperativo missionário (Blms. Prot. 45 [Casanovas 4:470-73]).
Alguns protestantes, reagindo contra os reconhecidos “excessos e extrava-
gâncias” do movimento de reavivamento (Edw. A l. pens. 4 [Miller 4:410]),
também advertiram que a igreja confiara demais na “conquista”, em vez de
no “crescimento” (Bush. N a t 1.2 [Weigle, p. 46-47]): o objetivo da igreja e
282 OS FUNDAMENTOS DACOSMOVISÃO CRISTA

de sua educação era “que a criança tem de crescer crista e nunca se conhecer
com o outra coisa” (Bush. Nat. 1.1 [Weigle, p. 4]).
“O reino de D eus”, conform e se esforçou Ritschl para explicar, “é intei-
ramente um conceito religioso”, não a importação na religião de um conceito
essencialmente moral. Expressava uma atividade de D eus em direção à hu-
manidade, mas o reino, com o tal, era ao mesmo tempo uma tarefa humana,
uma vez que o governo de Deus se estabeleceu na terra apenas por intermédio
da obediência humana (Rtl. Recht. 3.1.6 [1882-111:29]). Isso o transformava
não só em um conceito religioso, mas também “na ideia fundamental de
ética” (Rd. Unt 1.26-33 [Ruhbach, p. 29-33]). Mas com o o próprio termo
“reino” era antitético ao individualismo pelo qual Ritschl criticara com tanta
veemência as versões pietistas da fé da Reforma (Rd. Piet. 42 [1880-11:548-
49]), uma ética do reino tinha de se dirigir à dimensão coletiva da existência
humana, em especial quando esta estava incorporada no estado e na nação.
Embora a articulação teológica da responsabilidade cristã para a redenção da
sociedade só alcançasse sua formulação mais tarde, com o evangelho social
no protestantismo e com as encíclicas sociais no catolicismo-romano (veja
p. 372-83 abaixo), a atenção do século X IX aos alicerces da visão de mundo
cristã também tinha de lidar com essas preocupações.
Fez isso de várias maneiras, modeladas não só por meio das pressuposi-
ções doutrinais examinadas aqui, mas também por intermédio das estruturas
políticas nas várias nações da cristandade. Assim, a Constituição Dogmática
sobre a Igreja, no Primeiro Concibo Vaticano, de 1869/70 (CVat. [1869-70].4
[Alberigo-Jedin, p. 811-16]), foi formulada no contexto da luta da igreja
contra uma “Itába sem papado” (Dup. Souv. pont. 9 [1860:167-82]) e contra
um secularismo mibtantemente anticlerical em toda a cristandade. Klebe, no
“Sermão de Veredicto”, de 1833, articulou — em um contexto angbcano,
mas em termos cujas impbcações eram muito mais abrangentes — as preo-
cupações rebgiosas fundamentais subjacentes à crise tanto doutrinai quanto
pohtica. Ele fez isso, conform e expbcou em sua sentença inicial, com base
nessa “porção da sagrada Escritura que nos revela a vontade do Soberano
do mundo na relação mais imediata com a conduta civil e nacional da huma-
nidade”; conform e ele expbcou, “voltamo-nos naturalmente para o Antigo
Testamento quando a doutrina púbbca, os erros púbbcos e os perigos púbbcos
estão em questão” (Kbl. Nat. ap. [1833:7]). Tanto os indivíduos quanto as
nações, “tendo aceito D eus por seu rei”, corriam agora o grave perigo de “se
bvrar da contenção” desse reinado (Kbl. Nac. ap. [1833:10-12]).
O progresso do reino ♦♦♦ 283
A ortodoxia russa, em um contexto político drasticamente diferente,
também estava ponderando o sentido do reinado de Cristo para a igreja (Slv.
Rus. égl. 3.11 [Rouleau, p. 289]), junto com o testemunho das tradições bíblica
e patrística para a providência especial de Deus não só para os indivíduos,
mas também os “reinos e nações” (Mak. Prav. bog. 117 [Tichon 1:583-89]),
em especial porque a ordem de Cristo para dar a César o que era de César
(Mt 22.21) fora declarada em uma época em que César permanecia fora do
reino de Deus, enquanto agora César entrara no reino (Slv. Krit. 22 [Radlov
2:158]; Slv. Bogo. 2 [Radlov 3:14]). Essa providência implicava que havia uma
“unção de D eus” específica para o Czar (Fil. Si 44 [50c. Fil. 2:13]), e também
que as palavras de Cristo para Pilatos, “O meu Reino não é deste mundo” (Jo
18.36), ainda pertenciam à igreja em todas as eras (Fil. Sl. 4 \Soc. Fil. 1:24]).
Também para um presbiteriano escocês radical, essas palavras foram “ditas a
respeito de um reino do qual [Pilatos] nunca ouvira falar antes” (McGl. Es. 1.6
[1786:105]). Féücité Robert de Lamennais, um teólogo francês católico-romano
e hom em das letras — esforçando-se para separar a igreja com o um reino
imortal do surgimento e queda de reinos e instituições terrenos (Lam. Av.
10.X.1831 [Forgues 10:382]) — afirmou que o Cristo conquistador, por meio
de sua ressurreição, conquistou “os ministros do príncipe deste mundo”
(Lam. Par. cr. 38 [Forgues 11:147]) e, com o a sabedoria personificada descrita
no livro de Provérbios, declarou: “Por meu intermédio os reis governam”
(Pv 8.15; Lam. Rei. 10 [Forgues 7:300]). Portanto, o papa era de fato “o
soberano pontífice, o vigário de Jesus Cristo na terra”, mas isso indicava “a
separação total da Igreja e do Estado” (Lam .Λ ν. 7.xii.l830 [Forgues 10:197,
199]). N o entanto, nem mesmo isso seria suficiente para satisfazer o papado
que condenava Lamennais (Gr. XVI. Mir. \ASS 4:341 -42]) nem os críticos
do catolicismo-romano que consideravam “o reconhecimento de qualquer
outro cabeça visível da igreja além do nosso senhor soberano o rei [inglês]”
com o desqualificando qualquer um por deter um cargo político (Clrdge.
Const. 1.9, 2 [Coburn 10:81,118]).
N o entanto, qualquer que seja a aplicabilidade das questões políticas ou
eclesiológicas, no N ovo Testamento, a metáfora “reino de D eus” era fun-
damentalmente escatológica em sua significação. Quando “Jesus foi para a
Galileia, proclamando as boas novas de Deus. Ό tempo é chegado’, dizia
ele. Ό Reino de Deus está próximo’ ” (Mc 1.14,15; Jam. Sac. hist.. 2.2 [1802-
1:308-9]), esse evangelho do reino era um conceito derivado de Israel, mas um
conceito que se desvencilhou da ênfase política e cerimonial que possuira (Rd.
Unt. 1.7 [Ruhbach, p. 16]) e a substituira por uma convocação escatológica
284 Λ♦ OS FUNDAMENTOS DACOSMOVISÃO CRISTA

ao arrependimento, à fé e à obediencia (Dry. Apol. 2.3.52 [1838-11:195-96]).


Por conseguinte, a escatologia crista, conforme antecipado na transfiguração
de Cristo (Blach. Log. 45 [1882:513]), aguardava “o fim do reino de graça de
Cristo e o inicio do reino de gloria” (Mak. Prav. bog. 267 [Tichon 2:641]; Jer.
Niz. Inst. C [1864:442]), o “julgamento aterrorizante [strasnijsud\” (Joan. Kv.
Jub. Sbor. 7 [1899:513-20]) no qual Cristo diría aos justos: “Recebam com o
herança o Reino que lhes foi preparado desde a criação do mundo” (Mt 25.34;
Ces. V. Ges. Cr. 10 [1830:190]). A teleología que pertencia à essência da fé
cristã exigia que os julgamentos temporários e incertos da história do mundo,
para o qual o pensamento secular olhava com o se fossem o julgamento final,
dariam finalmente lugar ao julgamento que seria certo e eterno (Drnr. Syst.
154 [1879-11:960]). Sem essa teleología não há nenhuma esperança, nenhu-
ma “antecipação de algo”, que era “a alma da vitalidade moral” (Lid. Div. 2
[1867:109]) e um fundamento essencial da visão de mundo cristã.
N o século XIX, essa repetição da teleología e escatologia cristãs levan-
taram pelo menos duas questões fundamentais sobre o reino de Deus, uma
delas quase tão antiga quanto a própria igreja e a outra (pelo menos nessa
forma) uma descoberta recente, embora de fato mais antiga que os evange-
lhos. Quando John Keble falou do cristão com o estando “calma, sóbria e
demonstravelmente certo de que, cedo ou tarde, sua vontade estará do lado
vencedor”, mas continuou na mesma hora para acrescentar “que a vitória
será completa, universal e eterna” (Kbl. Nac. ap. [1833:26]), ele não pôde se
conter e deixar de levantar a questão inquietante de com o qualquer vitória
assim do reino de D eus seria verdadeiramente “completa, universal e eterna”
se ainda excluísse quaisquer das criaturas de Deus e, em particular, qualquer
membro da raça humana, da participação no reino de seu amor. O texto:
“Carne e sangue não podem herdar o Reino de D eus” (IC o 15.50), está
no mesmo capítulo de 1Corintios da profecia de que “é necessário que ele
[Cristo] reine até que todos os seus inimigos sejam postos debaixo de seus
pés”, mas que quando “porém, tudo lhe estiver sujeito, então o próprio Filho
se sujeitará àquele que todas as coisas lhe sujeitou, a fim de que D eus seja
tudo em todos” (ICo 15.25-28). Além do aparente subordinacionismo nas
palavras sobre a sujeição do Filho ao Pai (veja vol. 1, p. 219), as expressões
experimentais de Orígenes e outros pais da igreja, notavelmente de Gregorio
de Nissa (veja p. 175-76 acima), da esperança de que “tudo em todos” pudesse
se referir à volta ao debate teológico do estabelecimento de um reino de Deus
“completo, universal e eterno” (veja vol. 1, p. 164-65). “Temos de desejar”,
anunciou um pensador russo ortodoxo, “que o reino de Deus não só esteja
O progresso do reino ♦♦♦ 285

‘sobre’ todos (pois isso ele já está), mas também ‘em ’ todos, que D eus seja
‘tudo em todos’ e que ‘todos sejam um nele’ ” (Slv. Duch. osn. 1.1 [Radlov
3:287]). O reino de Deus, insistiu ele, tinha de ser um reino universal, um
reino em que não só a humanidade, mas o cosm os, alcançaria essa unidade;
“é para esse reino manifesto e universal que oramos” no Pai N o sso (Mt 6.10;
Slv. Bogo. 2 [Radlov 3:15]).
O origenismo, por esses “erros” e também por outras “especulações”
escatológicas precipitadas (Wms. Res. 4.11 [Tr. Tms. 87:32]; Mak. Prav. bog. 66
[Tichon 1:397]), foi condenado, e mais de uma vez, nos primeiros séculos da
igreja (Mhlr. Pat. 3 [Reithmayr, p. 568]). Orígenes, com o uma figura imponen-
te de santidade e erudição (Grnvg. Ref. 3 [Begtrup 5:321]), foi “o primeiro
que sempre juntou as doutrinas cristãs em um tipo de sistema” (Mhlr. Ath.
1 [1827-1:92]). Ele, conform e afirmou em seu livro Sobre osprimeirosprincípios
(veja vol. 1, p. 125-31), estava comprometido com “a preservação da pregação
da igreja transmitida pela tradição \tradita\ por meio da ordem de sucessão
dos apóstolos e preservada até a presente data nas igrejas” (Or. Princ. pr. 2
[G O ’22:8]). N ão obstante, ele reconhecia que, nessa tradição, havia muitos
pontos que ficaram “obscuros” e que “precisavam de explicação” (Pal. Evid.
1.1.9.6 [Wayland 3:136]) e dedicou seus talentos com o estudioso da Bíblia e
pensador especulativo à tarefa de explicá-los (Vnzi. Rec. 2 pr. [1864-II:vi]).
Será que ele ou Gregorio de Nissa pretendiam com “a restauração de todas
as coisas” nada mais que “a restituição de um homem corrupto à incorrup-
tibilidade” por meio da ressurreição de todos (Vnzi. Rec. 1.6 [1864-1:42]) ou
será que ele, conform e debatia a maioria dos estudiosos, anteviu um eventual
fim para a punição para todos, até mesmo para o demônio (Vnzi. Rec. 1.13
[1864-1:113-22])? O dilema de Orígenes continuou a confrontar os exposi-
tores da “tradição apostólica”. D e acordo com um elemento dessa tradição,
a misericórdia de D eus em Cristo era toda inclusiva, prometendo um reino
no qual todos seriam salvos (Lam. Par. cr. 27 [Forgues 11:102]), uma “relação
universal com toda a humanidade” (Thom. Cr. 56 [1856-111:98-99]). Contudo,
essa vontade salvífica de Deus “não [era] incondicionalmente universal”, uma
vez que tornava a salvação condicional a sua aceitação pela fé (Thom. Chr.
67 [1856-111:457]). Além disso, mesmo aqueles que abrigavam pensamentos
e esperanças de universalismo tinham de lidar com as inequívocas “declara-
ções de punição eterna” nos evangelhos, em que Cristo “nunca divulga um
sistema de dúvida ou fragilidade, com o se pudesse haver alguma injustiça ou
severidade excessiva neles” (Bush. Vic. sac. 3.5 [1866:344]).
286 ♦♦♦ OS FUNDAMENTOS DACOSMOVISÃO CRISTA

A mensagem dos evangelhos sobre a vinda do reino, além dessas decía-


rações, continha outro conjunto de profecias e promessas que agora “pre-
cisavam de explicação” (Or. Princ. pr. 2 \GCS 22:8]). Uma leitura dos ditos
de Jesus nos evangelhos sem as pressuposições da doutrina ortodoxa (veja
p. 159 acima) levaram à conclusão que “o objetivo direto e imediato de sua
missão era pregar o evangelho do reino” (McGl. Es. 2.1.1 [1786:244-45]), e
não “morrer na cruz”. Ademais, a conclusão exegética, mesmo com essas
pressuposições ortodoxas, parecia inevitável que o “N ovo Testamento dei-
xasse no leitor imparcial a impressão de que o mundo logo chegaria ao fim
(Newm. Scr. Prf. 5 [7r. Tms. 85:59]). Contudo, ele não chegou”. A exegese
ortodoxa oriental ainda podia ler as palavras de Jesus sobre o discípulo João:
“ ‘Se eu quiser que ele permaneça vivo até que eu volte, o que lhe importa?’ ”
(Jo 21.22), com o uma prova de que João não morreu, mas, com o Enoque e
Elias (Gn 5.24; 2Rs 2.11), foi arrebatado vivo no céu. Controvérsias anteriores
sobre o sentido das palavras de Jesus (Makr. Herm. Jo. int. [1891-1:980]) de
que “quanto ao dia e à hora ninguém sabe, nem os anjos dos céus, nem o
Filho, senão somente o Pai” (Mt 24.36; veja vol. 1, p. 216; vol. 2 , p. 110-11;
p. 157-58 acima), assumiu recentemente um novo sentido (Hno. Teol. 6.1.7.2.1
[1785-VL153]). A reversão do argumento pela citação dessas mesmas passa-
gens com o prova de que nenhum impostor “forneceria essa expectativa [...]
depois da experiência ter provado que ela era errônea” (Pal. Hor. Paul. 9.1
[Wayland 2:273]), parecia para muitos ser um mecanismo artificial, uma vez
que foi estabelecido o princípio de que a Bíblia tinha de ser lida da perspectiva
histórica. Os apologistas ainda achavam isso, uma vez que havia duas “vindas”
de Cristo (Hrth. Log. 6 [1882:571]; veja vol. 1, p. 40), todas as predições de
Cristo foram cumpridas na primeira vinda ou ainda tinham de ser cumpridas
na segunda vinda (D ty.A pol. 2.4.2.78 [1838-11:311-16]) e que “os discursos
escatológicos nos escritores dos evangelhos sinóticos apenas concordam com
o prólogo do evangelho de João” no retrato de Cristo com o governando o
mundo com o o legítimo ocupante do “trono de seu Criador” (Lid. Div. 5
[1867:379-80]), uma vez que, do contrário, ele seria “o mais extravagante e
até mesmo o mais fantástico de todos os entusiastas humanos” (Bush. Nat.
10 [1858:298]).
Todavia, agora essa extravagância parecia mais e mais ser confirmada
pela “impressão que deixaria em um leitor imparcial do N ovo Testamento”
(Newm. Scr. Prf. 5 [Tr. Tms. 85:59]). Reimarus previra isso mais de um século
antes (veja p. 151-59 acima), mas foi só no final do século XIX, com o conhe-
cimento exegético de Johannes Weiss, que a “escatologia consistente” passou
O progresso do reino ♦♦♦ 287

a ser uma forma de ler os evangelhos. Não seria mais suficiente considerar
o “erro escatológico” dos apóstolos com o uma “objeção” (Pal. Evid. 3.2
[Wayland 3:351-52]) à qual a apologética tinha de responder porque a fonte
do “erro” não era responsabilidade dos apóstolos e sua leitura equivocada
da mensagem de Jesus, mas era a mensagem e as expectativas de ninguém
menos que o próprio Jesus. “Em todo o cristianismo primitivo, incluindo o
ensinamento do apóstolo Paulo, concluiu Weiss, corria “uma combinação
de alegria no presente com uma firme crença no futuro”, no iminente fim
de todas as coisas e na vinda do reino de D eus por meio de uma intervenção
apocalíptica radical (Wss. Ur. 3.15 [Knopf, p. 342]). Pois foi “com base nos
ditos do Senhor”, que não eram de sua própria criação, que a igreja primitiva
esperava que “sua própria geração, ou, pelo menos, alguns dos discípulos
imediatos do Senhor, vivesse para ver o fim” (Wss. Ur. 1.4 [Knopf, p. 97]).
Em resposta a todos esses desafios “aos fundamentos da visão de mundo
cristã” no final do século X IX e início do XX, os autores da obra Osfunda-
mentos no protestantismo evangélico, os autores de Fundações no protestan-
tismo liberal (veja p. 383 abaixo), os porta-vozes para a alternativa ortodoxa
oriental tanto para o protestantismo quanto para o catolicismo-romano, e
os expositores do catolicismo-romano — todos que diferiam muitíssimo em
quase toda a questão da doutrina cristã — todos se juntaram para identificar
a questão perene da autoridade doutrinai com o uma (ou a) questão decisiva.
“A defesa do cristianismo”, declarou um membro do último grupo, “sempre
tem origem em três pontos fundamentais: a incapacidade de raciocínio para
unir os homens na verdade; a necessidade de ensinamento divino com o uma
autoridade para chegar a esse objetivo; e a existência dessa autoridade de
ensino infalível apenas na igreja católica” (Lacrd. Cons. 3 [Poussielque 7:73,
59]). Sobre o locus dessa “autoridade de ensinamento infalível” seria muito
mais controverso entre aqueles que, pelas várias definições, identificavam-se
com o “ortodoxos” na doutrina; mas todos eles concordavam a respeito da
necessidade dessa autoridade para estabelecer a definição da doutrina orto-
doxa: “O objeto formal de fé é a autoridade do D eus que revela” (Marc. Inst.
30.7.1 [Tomassini 6:48-49]).
A definição de doutrina

Embora todos tivessem de reconhecer que os “fundamentos da visão de


mundo cristã” com que o século X IX se preocupava não fosse simplesmente
idêntica às doutrinas da Escritura ou aos dogmas da igreja, mas eram, antes,
pressuposições ou implicações para ambos (Clrdge. Ref. 7.7 [Shedd 1:229]), o
debate sobre os fundamentos não podia mais evitar dar atenção às questões
específicas ligadas à definição de doutrina. William Wilberforce comentara
a respeito da “impressionante desproporção” entre “os sentimentos e as
percepções da maior parte do mundo cristão” e as doutrinas ou “artigos
ainda mantidos em seu credo” (Wilb. Pr. vi. 3 [1798:51]), escolhendo com o
“a principal distinção entre o cristianismo real e o sistema da maior parte
dos cristãos nominais”, acima de tudo, “o lugar diferente designado nos dois
esquemas para as doutrinas peculiares do evangelho” (Wilb. Pr. vi A [1798:244];
Hrth. Herm. Tt 1:9; Tt 2:1 [1882:222-23, 230]). Johann Adam Móhler, cuja
influência estendia-se muito além das fronteiras de seu país e sua própria
igreja, identificou com “o erro fundamental” de seu colega protestante Fer-
dinand Christian Baur (Schf. Prin.prot. 1.2,2.3 [Mere. 1:120,135]; Newm. Dev.
1. int. 21 [Harrold, p. 28]) que em vez de aceitar com o “doutrina aquela que
já foi dada e reconhecida com o tal pela autoridade”, ele supunha a doutrina
cristã com o o resultado do confronto de antíteses teológicas entendidas da
perspectiva filosófica (Mhlr. Lehr. 4.78 [1835:492]; Blms. Prot. 11 [Casanovas
4:102-3]). Era uma característica distintiva do cristianismo “possuir uma teo-
logia” (Lacrd. Tos. A q. [Poussielque 8:299]) e, além disso, ter uma “doutrina
ou dogma” que fora defendida e exigida pelas “igrejas coletivamente, uma
vez que o Concilio de Nice, no máximo” (Clrdge. Inq. sp. 1 [Hart, p. 42-43]),
por contraste com “as opiniões que os teólogos individuais avançaram no
lugar dessa doutrina”. Cada igreja individualmente e a igreja com o um todo
29O ♦♦♦ A DEFINIÇÃO DA DOUTRINA

confessavam as doutrinas públicas (Blach. Log. 1 [1882:13]; Blms. Prot. 14


[Casanovas 4:137]; Gr. XVI. Tr. disc. pr. 34 [Battaggia, p. 56]).
Embora houvesse alguns que reclamavam que “poucos, caso houvesse
algum”, sermões levavam em conta “o espírito do tem po”, S0 ren Kierke-
gaard (Kol. Ká%. pr. [1844:iv]; Emer. Div. [Fergunson 1:85]) sugeriu que era
paradoxalmente característico dessa época que “a verdade, em uma direção,
crescesse em escopo e em quantidade e, em parte, também em clareza
abstrata, enquanto na direção oposta, com certeza, estivesse em constante
declínio” (Kierk. Begr. Ang. 4.2.2 [Drachmann 4:406]). Por essa razão, Baur
mesmo observou que o próprio século X IX em que os defensores da fé
se sentiam com tanta frequência sob ataque das forças da descrença e do
ceticismo também merecia o rótulo de “período de restauração” com o “seu
caráter eclesiástico e teológico” (Bau. Neun. int. [Scholder 4:5]). Nas palavras
de um observador católico-romano, “tudo é transformado”: a mensagem
cristã, de ser “completamente esquecida ou aniquilada”, passava agora mais
uma vez a ser levada a sério (Mntl. Int. cath. [Lecoffre 5:10, 24-25]). Era ver-
dadeiramente uma “nova era na teologia” (Pus. Hist. 2.6 [1828-11:88-90]). A
transformação, em considerável extensão, deveu-se a mudanças na posição
da igreja institucional no estado e na sociedade, mas essas mudanças foram
simultaneamente tanto a causa com o o efeito de uma conscientização mais
profunda (Bush. Nat. 1.5 [Weigel, p. 113]; Hrth. Herm. Tt 1.1 [1882:214]), de
todos os lados, da centralidade da doutrina. A revelação divina tinha de ser
mais que doutrina, mas não podia ser menos que isso (Dry. Apol. 1.2.3.15
[1838-1:158-62]; Slv. Krit. 46 [Radlov 2:331-32]).
N o entanto, o uso de termos com o “restauração”, “restituição” ou até
mesmo “repristinação” da doutrina, de algumas maneiras fundamentais, podia
ser não voltar atrás na ênfase na experiência ou o estudo crítico e histórico
da doutrina que passaram a ser partes padrão do esforço teológico também
na vida das igrejas. A fórmula bíblica: “Jesus Cristo é o mesmo, ontem, hoje
e para sempre”, seguida com o o foi da advertência contra não se deixar “le-
var pelos diversos ensinos estranhos” (Hb 13.8,9), talvez ainda pudesse ser
aplicada não só à pessoa de Cristo, mas também à doutrina da igreja sobre
Cristo (Strz. Man. 1.3, 5.4 [1828:29,179]; Makr. Herm. Hb 13:8 [1891:2312]),
servindo com o a epígrafe para uma exposição “da revelação de Cristo para
o mundo” (Feod. Prav. 9 [1860:222]; Joan. Kv. Jub. Shor. 2 [1899:34]). A fé
cristã, a fé da igreja, com o distinta da teologia filosófica que supostamente a
fundamenta, era a mesma para todos (Grnvg. Ref. 1 [Begtrup 5:289]; Mynst.
Pr. 29 [1845-1:358-69]). A teologia, até os tempos modernos, fora capaz de
A definição da doutrina ♦♦♦ 291

se restringir a um corpo de doutrina recebido (Bau. Nem . 2 [Scholder 4:218-


19]), na suposição (embora pudesse estar enganada até mesmo naquela época)
que esse corpo de doutrina permanecera sem mudança ao longo do tempo
(Hfmnn. Ene. 1 [Bestmann, p. 37]); mas não podia mais se permitir fazer
isso. Todos tinham de aprender a lidar com o que acontecia a “uma grande
doutrina [...] quando ela flutua ao longo da corrente do tem po” (Lid. Div.
7 [1867:528-30]). Por conseguinte, até mesmo para os mais devotados, “os
fatos da religião revelada, embora permaneçam inalterados em sua essência,
apresentam agora uma frente menos compacta e ordenada para os ataques
de seus inimigos do que antes”. O motivo para a mudança foi “a introdução
de novas inquirições e teorias referentes a suas fontes e uso” (Newm. Dev.
1. int. 21 [Harrold, p. 29]), o historiar de toda verdade e de toda doutrina,
incluindo a própria definição de doutrina cristã.
A abundância dessas definições, conforme revelado pela pesquisa histó-
rica dos séculos XVIII e XIX, transmitiram uma urgência à busca contínua
por uma “essência do cristianismo” (Jer. Niz. Inst. Ch. [1864:436]) sob, atrás
ou além das várias experiências do cristianismo histórico: “Será que essa
essência consiste apenas de umas poucas opiniões especulativas”, perguntou
um inquiridor, “e alguns poucos dogmas inúteis e desvantajosos?” (Wlbr. Pr.
vi. 4 [1798:107]). Channing rejeitara o esforço de alguns “cristãos sinceros que
se inclinam a apoiar sua religião totalmente em sua evidência interna” porque
não havia com o fugir da dificuldade inerente de que o “cristianismo não só é
confirmado por milagres, mas é em si mesmo, em sua própria essência, uma
religião milagrosa” (Chan. Evid. rev. [AUA, p. 221]). Outros achavam que “a
própria essência do cristianismo” estava em sua “doutrina da cruz” (Camp.
Sjst. 10.17 [1956:26]), ou, com o achavam pensadores anteriores (vejap. 161-62
acima), nos dois “grandes mandamentos” de amor por D eus e pelo próxi-
mo (Amvr. Nov. Sobr. 1.34 [1810-1:337]), ou — de acordo com um teólogo
ortodoxo, esse era o erro peculiar do protestantismo contemporâneo — na
substituição dos ensinamentos de Jesus para a pessoa de Cristo (Slv. Bogo. 7
[Radlov 3:103-4]). N o fim do século XIX, o historiador A d olf Harnack, em
uma das mais aplaudidas — e mais atacadas — tentativas de todas para en-
contrar essa essência, com eçou, exatamente cem anos depois da apologética
de Schleiermacher, o livro Sobre a religião para responder à questão: “O que é o
cristianismo?”, indo em frente para fazer a pergunta da essência “no sentido
puramente histórico [lediglich im historischen Sinti\’\ em vez de em um sentido
filosófico ou especulativo (Harn. Wès. 1 [1901:4]). Para A d olf Harnack, como
para seu extremo oposto, John Henry Newman, a essência do cristianismo
292 A A DEFINIÇÃO DA DOUTRINA

seria encontrada em sua história ou não seria encontrada de m odo algum
(Newm. Dev. int. 1-5 [Harrol, p. 3-7]). Só era necessário abstrair a “ideia” de
cristianismo das ambiguidades de sua história para encontrar seus princípios,
o “núcleo” permanente depois da cápsula ser descartada.

O princípio da mediação histórica


Newman, distinguindo entre “os fatos da revelação e seus princípios”,
identificou a doutrina da encarnação com o um fato de revelação, exclusivo do
cristianismo; mas “a doutrina da mediação” era um princípio, princípio esse
para o qual havia muitas analogias também à parte da revelação (Newm. Dev.
1.2.2.10 [Harrold, p. 78]). N a revelação, no entanto, o princípio da mediação
estava sujeito a mais uma distinção: entre a mediação divina por intermédio
da encarnação do Filho de D eus na pessoa de Cristo; e a “mediação criada”
por meio da vida dos santos, acima de tudo, da virgem Maria e por meio da
história da igreja (Newm. Dev. 1.2.3.2, 1.4.2.5 [Harrold, p. 86, 128]). Essa
declaração do princípio criado e da mediação histórica expressava, embora
no interesse do estabelecimento e vindicação das doutrinas do trinitarismo
católico ortodoxo (Gr. XVI. Tr. disc. pr. 39 [Battaggia, p. 64]), uma confian-
ça amplamente mantida, também entre os críticos da ortodoxia trinitária,
que porque “o passado pode ser conhecido tão verdadeiramente quanto o
presente”, a isso se seguia que “sabemos bastante dos primeiros tempos do
cristianismo para colocar a questão de sua verdade ao nosso alcance” (Chan.
Evid. cr. 1 [AUA, p. 19η).
O cristianismo era uma “religião positiva” no fato de que apresentava
uma revelação divina; mas era ao mesmo tempo uma “religião histórica”, e
“o cristianismo, no primeiro caso, só é reconhecível da perspectiva histórica”
(Dry. Apol. 1.1.1,1.1.3 [1838-1:1,3]). A história era “a adoração de D eus” e “a
memória do mundo de si m esm o” e, por conseguinte, a história estava viva no
presente. “A religião começa e termina com a história”, insistia Schleiermacher
(Sod. Upp. 3 [1930:145]; Lacrd. Conf. 42 [Poussielque 4:163]; Hrmnn. Wirk.
[1914:14]), e ser “religioso” significava ser “totalmente histórico” (Schl. Rei.
[1806] 2 [Pünjer, p. 102]; Schl. Rei. [1799] 5 [Pünjer, p. 273]); mas ele acres-
centou que a historiografia científica não conseguia transmitir o conteúdo
mais excelente e mais delicado da história (Schl. Rei. [1806] 2 [Pünjer, p.
103]). Com o a história de todas as nações “históricas”, em um sentido, era
uma parte da história da revelação e, nesse sentido, da história do evangelho
cristão (Krks. E k k l Hist. 3 [1897-1:11-12]), o cristianismo tinha que se defi-
nir com o “espiritual, contudo, de forma a ser histórico”, prestando atenção
tanto a sua própria história de si mesmo quanto à história mais abrangente
O princípio da mediação histórica ♦Ψ
% 293

da qual participava (Clrdge. Inq. esp. [Hart, p. 40-41]). Por essa razão, não
havia contradição, mas uma complementaridade, entre o senso de história
e o entendimento da fé religiosa com o consciência de si mesmo; a “cons-
ciência de si mesmo [samopo^nanie]” podia fazer parte do m étodo teológico
de uma ortodoxia estrita (Jer. Niz. Inst. S [1864:361-62]). O evangelho era
colocado com o história antes de se tornar doutrina; entre as várias maneiras
de conhecer “as vantagens surgindo do m odo histórico de escrever” (Makr.
Log. Kat. 2 [1871:34]; Jam. Sac. hist.. 1.3 [1802-1:226]) e também desvantagens
fora fixado de forma permanente os limites para determinar suas “verdades
doutrinais mais importantes” (Clrdge. Ref. 7.7 [Shedd 1:234-35]). Conforme
observaram dois teólogos de pontos de vista muitíssimo divergentes (Newm.
Dev. int. 5 [Harrold, p. 7]; Newm . Gram. 2.9.3, 2.10.2.9 [Ker 1985:240, 297];
Chan. Fén. [AUA, p. 561]), o mais lamentável era que “o único escritor inglês
com alguma pretensão de ser considerado um historiador eclesiástico seja
o descrente Gibbon”. Embora o Iluminismo tenha usado a crítica histórica
com o uma arma (Krks. Teol. 8 [1898:131]), ele negligenciou de fato a história,
bem com o seus oponentes ortodoxos (Pus. Hist. 2.8 [1828-11:127-28]).
Esses intérpretes da mensagem cristã — mesmo enquanto ecoavam
formulações do princípio de mediação histórica que chegara a eles por meio
da tradição de períodos anteriores da história da igreja (Krks. E k k i Hist. 6
[1897-1:17]; Grnvg. Snd. Chr. [Begtrup 4:447]) — estavam muitíssimo cons-
cientes de sua própria posição especial nessa história e, específicamente, na
história do entendimento dessa história (Sail. Past. 1.2.4.88 [1835-1:191]).
Pelo menos desde a Reforma, havia uma discussão teológica contínua sobre
o cânone bíblico (veja vol. 4, p. 201, 274-75, 331-32, 334-35, 344-45), mas
só agora havia uma sólida crítica histórica do cânone (Hfrnnn. Enc. 2.3.2
[Bestmann, p. 246]). Estreitamente ligado a isso estava o estudo crítico da
“história da hermenêutica bíblica entre os cristãos” com o um preâmbulo para
a exegese (Ub. Int. 2. prol. [1886-111:8-17]). À medida que essas definições
da crença ortodoxa em todas as várias denominações igualavam a fé com o
conhecimento da verdade revelada e a aceitação dela, sobrou pouco espaço
para a história e suas ambiguidades (Rd. Fid. imp. 2.11 [1890:57]). Parecia que
uma “era escolástica”, ao construir seus sistemas teológicos, “tem, todavia,
pouca sensibilidade para a investigação histórica”; na era moderna com o um
resultado disso quando um crítico radical da história empreendeu o exame
da origem e desenvolvimento de instituições, pessoas e idéias estimadas, “o
sistema com eçou a ceder com uma luz deslumbrante e desconcertante porque
insólita” (Pus. Hist. 1 [1828-1:39]). Quando, do mesmo modo, a defesa da
294 ♦♦♦ A DEFINIÇÃO DA DOUTRINA

doutrina recebida respondeu aos ataques desses teólogos radicais da história


à tradição, era necessário separar com frequência as “muitas observações
nativas e excelentes” que os tornaram com o historiadores dos “erros” dou-
trináis associados com essas observações e supostamente derivados delas
(Jam. Mc. 1 [1787:5]).
As “histórias modernas” — fundamentadas com o o foram nesse método
de empregar a crítica da história em que se prepara o terreno para a declaração
de uma nova posição teológica ou filosófica retirando do horizonte primeiro
as percepções tradicionais — foram descritas por um critico astuto com o “não
tanto histórias com o recapitulações dos fatos mais proeminentes com comen-
tários filosóficos a respeito deles” (Clrdge. Es. 7.XÜ.1809 [Coburn 3-11:41];
Blms. Prot. 13 [Casanovas 4:128-29]). A era do escolasticismo medieval, por
contraste com a era moderna, embora talvez tenha enfatizado demais a razão
e, por conseguinte, tenha sido deficiente na teoria e na prática da crítica da
história (Pus. Hist. 1 [1828-1:39]), reconheceu que a história, o dogma e a
moralidade deviam ser mutuamente sustentadores (Lacrd. Dom. 9 [Poussielque
1:161]); consequentemente sua concepção da relação inseparável entre “os
três elementos que formam nosso entendimento” — conhecimento, razão
e fé — pertenciam à crítica da história não menos que às ciências naturais
(Lacrd. Tos. A q. [Poussielque 8.294]). Agostinho observara que “a razão não
está totalmente ausente da autoridade”, mas era a preparação para ela (Ag.
Vera. relig. 24.45 \CCSL 32:215-16]; Lacrd. Cons. 10 [Poussielque 7:125-26]);
e Anselmo aceitava a autoridade da igreja e da sua regra de fé com o o fun-
damento para o raciocínio (veja vol. 3, p. 308-20); assim, o raciocínio crítico
e a verdade (Mnti. Ans. 1 [Lecoffre 8:350]), incluindo a verdade histórica,
continuavam a precisar um do outro (Mnkn. Bl. 25 [1828:309]). A passagem
do Antigo Testamento que serviu tanto para Agostinho quanto para Ansel-
mo (Ag. Trin. 7.6.12 \CCSL 50:267]; Ans. Pros. 1 [Schmitt 1:100]) com o a
justificação para o princípio de fé em busca de entendimento: “Se vocês não
ficarem firmes na fé, com certeza não resistirão” (Is 7.9), ainda era aplicável
à necessidade da reflexão crítica (Clrdge. Ref. 4.6 [Shedd 1:158]). Tomás de
Aquino, que continuava sem rival depois de seis séculos e sucessor fiel de
Agostinho e Anselmo (Lacrd. Tos. A q. [Poussielque 8:304, 314]), demons-
trou que a dupla tarefa da razão, em relação à fé, consistia de “preparação”
e “confirmação” (Lacrd. Cons. 8 [Poussielque 7:111]).
Tomás de Aquino e os escolásticos foram obrigados a provar que era
possível (Tos. Aq. Gent. 2.3.9 [Ed. Leon. 13:277-78]; veja vol. 3, p. 337-46),
enquanto afirmava-se a autoridade da igreja e suas doutrinas, fazer uso da
O principio da mediação histórica ♦♦♦ 295
razão e da filosofia na teología (Lacrd. Cons. 8, 7 [Poussielque 7:108, 104]).
Por isso, eles trouxeram sobre si mesmos a crítica dos reformadores protes-
tantes com o fundamento de alegado racionalismo (veja vol. 4, p. 229-30,
418-21). A obrigação atual fora na direção oposta: declarar “a inadequação
da razão” (Amvr. Nov. Sobr. 1.24 [1810-1:217]) e rejeitar a afirmação de que
a revelação não tinha de conter nenhum mistério que não fosse consoante
com os produtos do raciocínio correto (Jam. Mc. 2 [1787:37]). Esse raciona-
lismo — por uma irônica reviravolta, conforme reconheceu um importante
historiador protestante da igreja no mundo de fala inglesa do século X IX —
agora passara a ser uma doença endêmica no protestantismo, em especial no
luteranismo alemão (Schf. Prin. prot. 2.3 [Mere. 1:130]), embora o associado
mais próximo desse historiador estivesse ele m esm o para ser criticado por
outro teólogo reformado por manifestar “uma forma ilusória de raciona-
lismo” em sua doutrina da eucaristia (Hdge. Es. Rev. 11 [1857:389]; Nvn.
Myst.pres. 1 [Mere. 4:38-39]). Apesar de o racionalismo ter experimentado seu
apogeu durante o século XVIII, “a primeira declaração da visão e concepção
racionalistas do cristianismo desenvolvida da perspectiva metodológica”
(Bau. Neun. 2 [Scholder 4:175]) só apareceu em 1813, na obra Cartas sobre 0
racionalismo, publicada (anonimamente) por Johann Friedrich Rõhr. O próprio
racionalismo, por sua vez, apareceu antes, no período da Reforma, com o “o
alicerce para todo o esquema sociano” (Jam. Me.2 [1787:34]). Os teólogos
católicos-romanos criticaram “os erros e falhas do racionalismo” (Dry.Apol.
1.2.5.32 [1838-1:262-74]); alguns deles tentaram estabelecer as conexões do
racionalismo de volta ao período da Reforma do século XVI e adiante para
a ideologia democrática dos séculos XVIII e X IX (Mntl. Int. cath. 3 [Lecoffre
5:52]), enquanto outros seguiram na direção oposta de usar o surgimento da
historia racionalista na teologia protestante com o uma ocasião para apontar
o contraste entre a tradição da Reforma e o novo protestantismo (Mhlr.
Lehr. 1.28 [1835:145]). O principal corpo de pensadores católicos-romanos,
ortodoxos orientais e protestantes poderiam todos eles afirmar, apesar de
com certeza com fundamentos diferentes, que “as doutrinas espirituais da
religião cristã não estão em guerra com a faculdade do raciocínio” (Clrdge.
Ref. 4.6 [Shedd 1:152]).
N o século XIX, a complexa inter-relação entre a fé e a razão, ou entre a
fé e o conhecimento (Rtl. Fid. impAA [1890:13]), que era um componente da
articulação da doutrina da igreja desde a era apostólica (At 17.22-31), assumiu
a forma especial de um aprofundamento da preocupação com a relação entre
a fé e a história. Todos tiveram de admitir que em algum sentido a religião
296 ♦♦♦

A DEFINIÇÃO DA DOUTRINA

cristã, com o o judaísmo do qual viera, foi fundada em cima de certos eventos
(Camp. Εν. 14 [Owen, p. 173]) — o êxodo do Egito para o judaísmo; a vida,
morte e ressurreição de Cristo para o cristianismo (Camp. Εν. 15 [Owen, p.
190]) — que professavam ser assuntos de fato histórico: se estes eram ver-
dades com o historia, também o argumento corria a despeito de importantes
objeções (Less. Bew. [Rilla 8:12-14]), o todo do sistema cristão era verdade;
mas se eles não eram historicamente factuais conforme avaliado pelas regras
apropriadas de evidência (fossem quais fossem), as declarações de verdade
do cristianismo perderíam sua credibilidade. A história de Cristo, junto com
a história dos apóstolos e da igreja primitiva (Schl. Chr. gl. 129 [Redeker
2:288-91]), ocupava um lugar especial. Era, em um grau, o primeiro capítulo
de uma série que constituíam a história toda do cristianismo, mas, em outro
grau, desfrutava de uma posição normativa com o o padrão pelo qual todo o
desenvolvimento histórico subsequente da igreja tinha de ser julgado (Hrlss.
Enc. 1.2.9 [1837:29]).
N o entanto, essa simples distinção às vezes provava ser extremamente
complicada. Supunha-se que o estudo crítico-histórico dos evangelhos e o
entendimento doutrinai da pessoa e obra de Cristo pela igreja coincidiam (Rtl.
Unt. 1.25 [Ruhbach, p. 28-29]), mas ficou óbvio do estado da teologia e da
igreja durante o século X IX que eles, com frequência, não coincidiam. Por
exemplo, a mensagem das igrejas continuava pregando e ensinando sobre o
reino de D eus com o se o estudo histórico do N ovo Testamento não estivesse
levantando ao mesmo tempo a questão da “escatologia consistente” da men-
sagem de Jesus nos evangelhos sinóticos (veja p. 286-87 acima). Talvez os
defensores desse estudo essencial argumentassem que ele só podia enriquecer
a fé autêntica por meio de sua investigação histórica sem limite de cada ques-
tão, por mais sagrada que fosse (Hrmnn. N t. [1913:34]). Mas mesmo alguns
que praticavam e inculcavam eles mesmos o método histórico de entender
o cristianismo e que atacavam “a hipótese [...] de que o cristianismo não está
no território da história” (Newm. Dev. 1. int. 2-3 [Harrold, p. 4-5]) resistiram
a qualquer sugestão “de que [o cristianismo] é uma mera religião histórica”;
ao contrário, insistiam eles, “nossa comunhão com ele está no invisível, não
no obsoleto” (Newm. Gram. 2.10.2.10 [Ker 1985:313]). Ou, conforme insistia
outro historiador com um conjunto totalmente diferente de pressuposições
teológicas, a autêntica fé cristã, em última análise, não estava preocupada
com os julgamentos de facticidade histórica, que estavam sempre sujeitos
a revisão com base em mais pesquisa, mas com “os julgamentos de valor”
(Rd. Fid. imp. 2.12 [1890:68]).
O principio da mediação histórica ♦♦♦ 297
Foi assim que os julgamentos do raciocinio histórico vieram a ocupar
boa parte do importante terreno na posição apologética das igrejas em opo-
sição a um ceticismo histórico “que torna o presente mom ento a medida do
passado e do futuro” (Chan. Evid. cr. 2 [AUA, p. 214]). “Se eles podem criti-
car a história”, poderia ser dito em um contra-ataque, “os fatos da história,
com certeza, podem replicar a eles” (Newm. Dev. 1. int. 5 [Harrold, p. 7]).
A argumentação histórica podía tomar a forma de sustentar que a descrição
desfavorável da nação judaica no Antigo Testamento provava que ele não
era a obra de um impostor (Kbl. Oc. 13 [Pusey, p. 437]) e, da mesma maneira,
que a evidente “coincidência involuntária” na relação entre os vários livros
do N o v o Testamento, que pareciam manifestar esse descuido, era de fato
evidência para sua autenticidade (Pal. Hor. Paul. 1 [Wayland, p. 120,115]). Essa
argumentação podía alternadamente defender o uso da alegoria com o um
m étodo para afirmar a historicidade da Escritura, não para negá-la (Vnzi. Rec.
2.28 [1864-11:395]). Urna vez que a legitimidade dos livros bíblicos foi aceita,
a origem divina da fé cristã foi estabelecida (Clrdge. Rev. reí. 4 [Coburn 1:178-
79]). D o mesmo modo, a “autoridade histórica” e a autenticidade histórica
dependiam da legitimidade de um texto, sua credibilidade histórica e seu autor
(Ub. Int. 1.1. int. [1886-1:16-17]); essa “autoridade” não estabelecia a certeza
da fé, que dependia de verificação sobrenatural (Marc. Inst. 7.2.2 [Tomassini
1:381]), mas podia na melhor das hipóteses confirmar sua “probabilidade”.
O que ela fazia, de acordo com alguns, era demonstrar que a definição de
cristianismo característica da igreja nos séculos subsequentes permanecia em
continuidade com os ensinamentos de Cristo e dos apóstolos (Newm. Dev.
1. int. 3 [Harrold, p. 5]). O Espírito Santo fundou a igreja em continuidade
com a carreira histórica de Jesus Cristo com o o Senhor da igreja (Thom. Chr.
64 [1856-111:388]).
Essa continuidade do evangelho e da fé ao longo dos séculos da história
da igreja fazia parte de um plano divino e uma lei da história — não “um
espetáculo morto”, mas “um ser vivo” que avançava do passado para o futuro
(Lacrd. L oi hist. [Poussielque 7:268]). Ao mesmo tempo, o exame atento dessa
história em comparação com o presente revelou uma descontinuidade tão
drástica e fundamental “que ficamos tentados a pensar que fundamentar nossa
conduta agora nos princípios reconhecidos na época não passa de teoria e
inutilidade” (Newm. Prim.prac. [7r. Tms. 6:1]). Assim, claramente a afirmação
de continuidade não dependia de uma série de fenôm enos empíricamente
verificáveis, mas de alguma definição aceita do que pertencia de fato à história
da igreja e o que não pertencia: apenas aqueles genuinamente qualificados
298 ♦ ♦ ♦ A DEFINIÇÃO DA DOUTRINA

com o os “santos pais” da igreja eram também “uma mina eterna” de sabedoria
e conhecimento sobre a verdade divina (Ces. Ep. 2.V.1825 (Manuzzi 2:402]).
A história, para aqueles definidos dessa maneira, servia com o “o comentá-
rio de D eus sobre a palavra de D eus” (Krth. Rei. [1877:5]), que só podia ser
ignorado com grande risco, e os teólogos a quem faltava o conhecimento da
história secular e eclesiástica para ler esse comentário estavam sujeitos a cair
em todos os tipos de erros absurdos (Marc. Inst. 7.2.1 [Tomassini 1:380-81]).
Na execução concreta da tarefa do historiador, essas especulações sobre a
teologia da história (correspondendo às muitas especulações contemporâneas
sobre a filosofia da história, e não infrequentemente dependendo delas), com
frequência, permitem uma definição de teologia histórica modelada pelos
métodos e limitações inerentes a toda historiografia. Tanto a natureza da
designação quanto a posição apologética do historiador eclesiástico exigia
que a metodologia usada pela história da igreja e da doutrina fosse definida
de um m odo que seria reconhecido com o válido por qualquer outro historia-
dor, independentemente do campo ou pressuposição. Finalmente, não havia
isenção das “regras da historiografia em geral, quando aplicadas ao conteúdo
característico da história do dogma” (Klfth. DG . 92 [1839:303]). Embora os
historiados ortodoxos orientais tivessem uma consideração especial pela vida
e carreira de Constantino com o o “objetivo” da história da igreja primitiva
(Krks. E kkl. Hist. 75 [1897-1:236]) e pela igreja bizantina no período de Fócio
(Dmtr. Ort. [1872:1-2]; Krks. Ληίίραρ. 3 [1893:52]); os católicos-romanos,
pelo século XIII, com o a “era dourada”; e os protestantes, pelo século XVI
(Crnly. Int. 1.3.2.14.248 [1885-1:657]), em especial pela vida e ensinamento
de Lutero (veja p. 138-42 acima) — e todos eles pela singularidade do sé-
culo I (veja p. 116-19 acima) — eles todos poderíam afirmar o axioma: “O
verdadeiro historiador da igreja deixa para cada era suas próprias vantagens
peculiares, sem qualquer preocupação” (Schf. Prin.prot. 2.5 [Mere. 1:176]). O
historiador da igreja e da doutrina cristã de qualquer período, com o qualquer
bom historiador, tinha a responsabilidade de começar com as fontes e levar
o leitor de volta às fontes (Klfth. ZX7.106 [1839:363]).
Os historiadores de todas as igrejas, no curso para fazer isso, aprende-
ram com o as questões que pareciam ser puramente históricas passaram a ser
explosivas da perspectiva doutrinai e profundamente desagregadoras. N o
século XVII, “a reunião em M oscou de manuscritos antigos de vários lugares
da Rússia” pode ter parecido para um observador de fora ser um exercício
inofensivo em antiquarianismo e o que a ortodoxia denomina “filologia
eclesiástica” (Oik. Gr. Niss. [1850:xi]), mas um historiador do século XIX
O princípio da mediação histórica

mostrou com o essa se tornou uma ocasião para o cisma, ou “raskol”, russo
(Mak. Rask. 2.1 [1858:161-65]); a história da liturgia era uma parte indispen-
sável da história da igreja (Hrth. Thrsk. 1.2 [1895:10-12]). M esmo enquanto
um historiador católico-romano tentava rejeitar com o calúnia uma acusação
de que a fé católica exigia “uma aprovação das percepções e interpretações
da Escritura que a ciência moderna e a pesquisa histórica desacreditaram
totalmente” (Newm. Insp. 1.1 [Holmes-Murray, p. 101]) e outro declarava
que a rejeição da interpretação sacrificial da missa pelos reformadores pro-
testantes era uma “negação obstinada” dos claros resultados da investigação
histórica honesta (Mhlr. Lehr. 3.71 [1835:432]), o debate sobre a doutrina da
infalibilidade papal (veja p. 310-13 abaixo) estava para envolver ainda outros
nas pesquisas cuja conclusão era que “os adeptos da teoria da infalibilidade da
história da igreja da Antiguidade no primeiro milênio parece ser um enigma
insolúvel” (Doll. Vat. dekr. 1 [Reusch, p. 4]). Essas contradições foram tomadas
pelos protestantes com o prova de que a historiografia honesta confronta ne-
cessariamente os ensinamentos autoritários da “igreja romana” (Hrmnn. N t.
[1913:44]). Os católicos-romanos, por sua vez, esforçavam-se para resgatar e
reabilitar a história de seu domínio pelos “alemães e protestantes” (Mnd. Int.
cath. 2 [Lecoffre 5:40]) e, porque os protestantes negavam tanto a autoridade
da tradição quanto a validade do desenvolvimento doutrinai, insistiam que
“ser profundo na história é deixar de ser um protestante” (Newm. Dev. 1.
int. 5 [Harrold, p. 7]).
O tratamento de vários períodos da história da igreja durante o sécu-
lo X IX manifestou uma combinação inescapável de tendência e objetivi-
dade. Os debates sobre a infalibilidade papal e questões relacionadas a ela
obrigaram os católicos-romanos não só a reexaminar questões históricas em
debate, com o a condenação do papa H onorio I, mas também a explicar em
que sentido seria possível dizer que “só o pontífice romano tem a autoridade
comum para presidir um concilio geral” (Marc. Inst. 4.6.1 [Tomassini 1:175-
77]) e que o papa de Roma era o cabeça da igreja, o que a ortodoxia oriental
negava (Fil. Ent. [Soudakoff, p. 53]), ou a explicar porque a evidência para a
primazia do papa era tão ambígua nos três primeiros séculos da igreja (Mhlr.
Ein. 2.4.71 [1843:247]). D a mesma maneira, o reconhecimento de que a “Re-
forma” não estava confinada ao século XVI, mas era um impulso correndo
por toda a história da igreja que, no fim, ajudaria a estimular o “renascimen-
to de Lutero” (veja p. 354 abaixo) na primeira metade do século X X (Schl.
Chr. st 1.1.B [Reimer 12:178-82]) e, por intermédio disso, contribuiría para
300 ♦♦♦ A DEFINIÇÃO DA DOUTRINA

o reavivamento teológico no protestantismo europeu e norte-americano (e,


em alguma extensão, também no catolicismo-romano).
Contudo, o principal caso de estudo para a relação entre os três princípios
do raciocínio e o princípio da mediação histórica e, por conseguinte, para
a aplicação dos métodos de uma historiografia da crítica para os dados da
revelação continuava a ser o dilema eterno de com o lidar com os milagres da
Bíblia (veja p. 115-19 acima). Um milagre constituía um caso não meramente
de mediação histórica, mas de intervenção histórica (Sod. Bid. 3 [1911:26];
Sod. Upp. 3 [1930:157]): por meio de um justo padrão de definição, ecoando
o de Tomás de Aquino (Tos. Aq. S. T 1.110.4 [Ed. León. 5:514]), era “um
fenóm eno em que o nexo causal familiar é interrompido e o efeito é total-
mente inexplicável com base apenas nas forças naturais” (Dry. Apol. 1.2.6.46
[1838-1:354]). Aqueles que se esforçavam para que houvesse uma concessão
entre a fé cristã e a teoria da evolução argumentavam em favor “do fato de
que D eus opera naturalmente, e não por meio de milagre, em todos os de-
partamentos dos quais o hom em não tem qualquer conhecim ento” (Holb.
Evol. Escr. 3 [1892:51]) e, por isso, em favor da premissa metodológica de
acordo com a qual a Escritura devia ser lida. Um entendimento unidimen-
sional da “uniformidade da natureza” (ap. Chan. Evid. rev. [AUA, p. 222]) não
era menos objetável para um norte-americano unitarista que para um alemão
católico-romano, ambos continuavam a invocar os milagres registrados nos
evangelhos com o prova da origem divina do cristianismo (Chan. Evid. cr. 2
[AUA, p. 210-18]; Dry. Apol. 2.2.3 [1838-11:316-63]). O primeiro reconhe-
cia que a única objeção ao cristianismo “que exerce muito mais influência
hoje” foi fundamentada na incredibilidade inerente aos milagres e à falsidade
autoevidente “do caráter sobrenatural de um suposto fato”, mas isso não o
impedia de invocar esses fatos sobrenaturais com o evidência para a verdade
da mensagem cristã (Chan. Evid. rev. [AAU, p. 221]).
O milagre, sendo um problema histórico, pressupunha simultaneamente
fé e ainda era apresentado com o evidência em apoio à fé; era útil, embora
talvez não fosse essencialmente convincente (veja p. 118-19 acima), invocar
mais uma vez o argumento agostiniano (Ag. Civ.22.8 \CCSL 48:815]) de que
a conversão do miando e a crença em milagres, por maior que possam ter
sido os outros milagres, tinham de ser considerados os maiores de todos
os milagres (Ces. St. ecclAJ [1881:80]). A investigação histórica do milagre,
mesmo sem aplicar “uma medida de padrão cristão posterior” (Doll. Heid.
jud. 8.5 [1857:647]), foi obrigada a aceitar as analogias entre milagres bíblicos
e aqueles que supostamente aconteciam nos meios pagão e judaico em torno
O princípio da mediação histórica ♦♦♦ 301

da igreja primitiva — analogias essas que, de acordo com o N ovo Testamen-


to (Mt 12.27), Jesus reconhecera. Por essa razão, era inapropriado aplicar
aos milagres de Jesus “o contraste entre natural e sobrenatural com tanta
intensidade quanto o termo ‘milagre’ nos dá a entender” (Schl. Leb. Jes. 2.30
[Reimer 6:210]). Se a credibilidade de um fato histórico dependesse dos três
critérios “de que o testemunho seja abundante e manifestamente imparcial,
que o agente tenha poder suficiente e que a causa final seja suficientemente
grande” (Clrdge. Rev. rei. 1 [Coburn 1:112-13]), os milagres bíblicos eram
vistos com o passando por todos os três testes, em todo caso por alguém “que
acreditasse antes na existência de um Deus e seus atributos”, um dos quais
era o atributo de ir além das leis da natureza que o próprio D eus atribuira
(Hno. Teol. 6.2.13 [1785-VI:457]). Como a mensagem de Cristo continha
muita coisa que contradizia o conhecimento comum, ele precisou e usou os
milagres para autenticar sua mensagem.
Essa, em última análise, era uma questão decisiva: “será que os autores
dos livros do N ovo Testamento merecem nossa total confiança, quer na
narrativa deles dos fatos quer em sua apresentação da doutrina de Cristo?”
(Ub. Int. 1.1.15 [1886-1:284]). Será que era justificável, por exemplo, falar de
um evento nos evangelhos com o a confrontação entre Jesus e Zaqueu (Lc
19.2-5) com o “um milagre de certeza histórica” (Lacrd. Cons. 3 [Poussielque
7:65-66])? As “hermenêuticas especiais” do N ovo Testamento (veja vol. 4, p.
377-80), sob a contínua influência da “filologia sagrada” dos humanistas do
Renascimento, apresentavam-se, no plano gramatical, com o uma tarefa na
crítica literária objetiva e científica, lidando com questões com o a de autoria,
texto e transmissão e, nesse sentido, com o não diferindo de outros esforços
históricos-críticos sendo aplicados a outros materiais (Schl. Herm. 1.2 [Reimer
7:54-69]). N o entanto, no final não era possível evitar a questão à qual todas
essas questões levavam: “a credibilidade e verdade histórica da história do
evangelho com o tal” (Bau. Neun. 3 [Scholder 4:359]). Essa questão forneceu a
base para David Friedrich Straus levantar o espectro do mito nos evangelhos
(veja p. 271-72 acima); a igreja e seus teólogos achavam inaceitável até mes-
m o tratar as histórias de Moisés dessa maneira e, com mais razão ainda, os
evangelhos (Ub. Int. 3.2.19,1.1.37 [1886-111:333,1:656]). N em era necessário
recorrer a uma distinção de acordo com a qual “só as Escrituras receberam
com certeza as idéias morais e as verdades espirituais, e sua matéria histórica,
seja com o for, deixava de ser eliminada”, uma vez que a investigação crítica
mostraria que “é demonstrado que os grandes, preponderantes e principais
fatos são historicamente verdades” (Bush. Nat. 15 [1858:495]).
302 ♦♦♦ A DEFINIÇÃO DA DOUTRINA

O maior e mais imperioso de todos esses “principais fatos” foi a res-


surreição de Jesus Cristo, conform e testemunhado por todos os quatro
evangelhos (Jam. Sac. hist. 3.12 [1802-11.337-46]). Sua “concepção milagrosa”,
junto com a maravilha de seu nascimento virginal (Amvr. Nov. Sobr. 2.54
[1810-11:198]), era bastante importante para ser enumerado primeiro entre
os cinco “fundamentos” nos tratados evangélicos sustentando o título de
Fundamentais {Fund. 1.1 [1910-1:7-20]) e para ser defendido em outro lugar
com o “o grande mistério sobre o qual a igreja permanece ou cai” (Grnvg.
Pr. 17.iii.1839 [Thodberg 12:162]; Ub. Int. 1.1.16 [1886-1:311-12]). Contu-
do, o “silêncio” sobre o milagre do nascimento virginal nos evangelhos de
Marcos e de João (Schl. Leh. Jes. 1.9 [Reimer 6:59]) e em todas as epístolas
de Paulo, para quem, por contraste, a ressurreição de Cristo foi obviamente
um evento nada menos que de relevância cósmica, tornou necessário fazer
alguma distinção entre os milagres no início da vida de Cristo e os do fim
dela e, por conseguinte, dar um lugar único ao milagre da história da Páscoa
(Mich. Od. Ev. 4.5 [1865:353-62]; Grnvg. Pr. 30.iii.1823 [Thodberg 1:202-7]).
“Quando Cristo foi ressuscitado da morte”, disse um pregador russo ao falar
sobre a ressurreição, “com o a terra deu evidência [desse evento]!” (Fil. Si. 24
[Soc. Fil. 2:71]; Jer. N iz. Inst. V [1864:87-88]) N o entanto, essa “evidência”,
mais uma vez, era circular (veja p. 116 acima). A ressurreição de Cristo era
tanto a validação para a ressurreição geral de toda a humanidade quanto um
exemplo específico de uma imortalidade e ressurreição gerais que já eram
pressupostas (Amvr. Nov. Sobr 2.46 [1810-11:82]).
Portanto, era possível dizer que a história de Cristo e a de sua ressurreição
foram estabelecidas por meio de provas para a veracidade geral das narrativas
do N ovo Testamento com o um todo (Ub .Int. 1 . 1 . 2 0 [ 1 8 8 6 - 1 : 3 5 0 ] ) , e ainda a fé
dos apóstolos e dos primeiros cristãos na ressurreição de Cristo, por sua vez,
tornou-se uma prova para essa veracidade (Grnvg. Pr 7 .1 V .1 8 3 3 [Thodberg
6 : 1 6 7 ] ; Pal. Evid. 2 . 8 [Wayland 3 : 3 0 1 ] ) . Quando a crítica histórica conclui que

essa fé dos apóstolos na ressurreição, com o um fenômeno, era um objeto


apropriado para o estudo histórico, mas que “o que a própria ressurreição
é está fora da órbita da investigação histórica” (Bau. Chr. 1 [Scholder 3 : 3 9 ] ) ,
isso podia ser visto com o um esforço para localizar a singularidade da men-
sagem bíblica, específicamente da vida, ensinamento e ressurreição de Cristo
(Jam. Sac. hist. 1 . 2 [ 1 8 0 2 - 1 : 2 0 8 ] ) , em uma posição privilegiada para a qual os
cânones comuns da investigação histórica não se aplicavam de uma maneira
nem de outra (Dry .Apol. 2 . 4 . 2 . 6 9 [ 1 8 3 8 - 1 1 : 2 5 9 - 6 4 ] ) . Mas isso levantou com
nova urgência as doutrinas da inspiração e inerrância em relação às Escritu-
ras, e assim também indefectibilidade e infalibilidade com respeito à igreja.
A inspiração e a infalibilidade 303

A inspiração e a infalibilidade
Alexander Campbell, fundador da denominação Discípulos de Cristo
— ao afirmar, durante um debate com um católico-romano, em 1837: “N ós
dois concordamos que a verdadeira razão da infalibilidade é a inspiração”
(Camp. Prcl. 17.1.1837 [1875:168]) — não só descreveu de forma acurada
o fundamento com um entre ele mesmo e seu oponente (que era a base
para suas diferenças fundamentais), mas também expressava o que era uma
convicção quase universal a respeito da relação entre a inspiração e a infa-
libilidade, pelo menos quando ligada à própria Escritura. “As Escrituras”,
declarou outro teólogo protestante do século XIX, “são infalíveis, ou seja,
dadas pela inspiração de D eus” (Hdge. Sist. Teol. int. 6.2 [1981-1:153]). Para
alguns observadores, parecia haver uma analogia estrutural entre as doutrinas
protestantes de “ditado infalível” quando aplicada ao texto da Bíblia e “os
dogmas papistas de infalibilidade” (Clrdge. Inq. esp. 4 [Hart, p. 61]): não o
caráter da infalibilidade, apenas seu locus, estava em debate.
Esse senso de analogia envolvia o reconhecimento de que as descrições
ortodoxas orientais e catóücas-romanas da ligação entre a inspiração e a
infalibilidade, enquanto compartilhavam as crenças dos protestantes sobre
a historicidade das Escrituras com o tal (Sail. Past. 1.3.1.100 [1835-1:233]),
assumiram um trajeto decididamente diferente da relação que apresentavam
entre as Escrituras e a igreja (Mak. Prav. bog. 3 [Tichon 1:20]; Ub. Int. 3.2.10.
int. [1886-111:240]). N esse sentido, a inspiração e a infalibilidade eram “dois
dogmas”, não um (Newm. Insp. 1.8 [Holmes-Murray, p. 106-7]): um deles
pertencia à autoridade da Escritura com o inspirada; e o outro, à interpre-
tação desta por uma igreja infalível. Era necessário, mas não suficiente, de-
clarar que a Escritura era “do com eço ao fim divinamente inspirada”, pois
a aplicação extrema do princípio de julgamento privado a toda a história do
protestantismo compelira o reconhecimento de que a igreja era “a única in-
térprete infalível desse texto inspirado” (Newm. Insp. 1.15 [Holmes-Murray,
p. 111]); infalibilidade, mas não inspiração, era o termo apropriado para isso.
Os protestantes consistentes rejeitavam totalmente a designação de uma
igreja infalível com o a garantia de uma Escritura inspirada (Hdge. Es. Rev. 5
[1857:196]). As duas teorias, pelo menos dessa forma, eram absolutas: não
podia haver “graus” de infalibilidade nem de inerrancia inspirada (Clrdge.
Inq. esp. 2 [Hart, p. 45-46]).
A questão fundamental* com o também o fora na Reforma e no Uuminis-
mo, era a autoridade (Hrth. Thrsk. 2.3 [1895:337]; veja vol. 4, p. 329; p. 123-28
acima). Embora a terminologia também fosse usada pela teologia ortodoxa
304 ♦♦♦ A DEFINIÇÃO DA DOUTRINA

grega (Krks. Teol. 11 [1898:164]), o esforço dos protestantes continentais
para definir um “material principal” (justificação só pela fé) e um “princípio
formal” (a autoridade só da Bíblia) prometia mais do que liberara na tenta-
tiva de esclarecer essa questão fundamental (Rtl. Ges. Auf. 8 [1893:234-47]).
“Estamos”, lamentou Keble, “praticamente sem uma corte de apelação final
nas causas doutrinais” (Kbl. Oc. 6 [Pusey, p. 213-14]). Se a autoridade fosse
definida com o “uma superioridade que produz submissão e veneração” (La-
crd. Conf. 35 [Poussielque 3:349]), a isso tinha que se seguir que a verdadeira
religião seria aquela que se alicerça na maior autoridade visível possível (Lam.
Indiff. 20 [Forgues 2:186-204]). A inspiração e a revelação eram estreitamente
relacionadas, mas não eram idênticas (Clrdge. Inq. esp. 7 [Hart, p. 77]). Para as
religiões-natureza, tudo podia ser uma revelação, e era, ainda acima de tudo,
a ocorrência incomum que se pensava deter autoridade profética especial
(Doll. Heid. jud. 4.1 [1857:184]). A autoridade apostólica, também no N ovo
Testamento, era identificável por seu “imediatismo” e objetividade (Bau.
Chrpart. [Scholder 1:53]). Uma autoridade se autenticava por critério como
a superioridade de conhecimento, de virtude e dos números que podia rei-
vindicar (Lacrd. Conf. 3 [Poussielque 2:51]).
A questão de onde localizar a doutrina da Escritura e sua inspiração na
sequência sistemática das doutrinas cristãs, enquanto aparentemente uma
matéria apenas do próprio método e princípio de organização do teólogo
sistemático (Piep. Chr. dogm. [1917-1:172-228]), com frequência passava a ser
uma forma de lidar com toda a questão da autoridade, em particular quando
a “teologia sistemática” significava “teologia polêmica” (Innok. Bog. 5 [1859-
1:15]). Alguns teólogos na época dos protestantes ortodoxos iniciaram seus
sistemas com a doutrina da Escritura com o a palavra de Deus, enquanto seus
oponentes católicos-romanos vincularam a discussão da Escritura à discussão
da igreja (veja vol. 4, p. 406-21). N o século XIX, essa distinção confessional
também fora velada. Um sistematizador católico-romano afirmou que uma
vez que a teologia lida com assuntos sublimes e divinos, a primeira questão a
ser considerada tinha de ser a autoridade, e ele então prosseguiu diretamente
para a doutrina da Escritura e sua inspiração (Marc. Inst. 1 [Tomassini 1:7]).
Em um m étodo alternado, a Escritura, com o a palavra de Deus, foi agrupa-
da com a igreja e outros “meios de graça”, e um teólogo protestante podia
montar um caso para não incluí-la sob o “prolegóm enos” de dogmática, mas
nos capítulos eclesiológicos posteriores (Thom. Chr 66 [1856-111:446-53]).
Grundtvig, a despeito de sua grande estima pela inspiração bíblica (Grnvg. Snd.
Chr. [Begtrup 4:447]), chegou até m esmo a insistir que era “a palavra oral do
A inspiração e a infalibilidade ♦♦♦ SOS

Senhor” conform e pronunciada na confissão batismal (Grnvg. / Jr.l9.iv.l832


[Thodberg 5:141]) que tinha de ser o ponto de partida: “N ovo Testamento”,
em primeira instância, era o nome de uma aliança, não de um livro (Grnvg.
Chr. brnlr.l [Begtrup 9.386]).
A doutrina da autoridade e inspiração da Escritura, fosse qual fosse sua
localização, era considerada às vezes uma premissa do argumento teológico,
mas às vezes, uma conclusão dele. Em um tempo anterior, quando os fatos
reportados na Bíblia desfrutavam de aceitação quase universal por seus
próprios méritos, era fácil supor que a credibilidade desses fatos dependia
igualmente da aceitação universal da doutrina da inspiração; cada vez mais a
questão da inspiração era protelada para depois das questões de conteúdo e
credibilidade serem adjudicadas (Pus. Hist. 2.5 [1828-11:58-59]). Então, será
que a Bíblia tinha de ser aceita a priori com o a palavra de D eus e, com base
nisso, ser considerada verdadeira e santa ou era a experiência de sua verdade
e santidade que tinha de ser o fundamento para uma aceitação a posteriori
dela com o a palavra de D eus (Clrdge. Inq. esp. 6 [Hart, p. 61-68])? O caso
para sua autoridade apriori fundamentava-se no entendimento de inspiração
com o uma operação sobrenatural do Espírito Santo, “mestre da cristanda-
de” (Grnvg. Pr. 23.V.1836 [Thodberg 9:228]), por meio da qual os escritores
bíblicos não só foram preservados do erro, mas também foram movidos a
“escrever todas as coisas, e apenas as coisas, que D eus quis” (Ub. Int. 1.2.45
[1886-11:101]); isso repousa na autoridade do próprio Cristo (Grnvg. Snd.
Chr. [Begtrup 4:473]). N a situação apologética dos séculos XVIII e XIX, que
precisava de uma defesa da histórica bíblica, incluindo os relatos da criação
e da criação de Eva da costela de Adão (Fil. Com. Gen. 1 [1867-1:4]), com o
“verdade literal” (Jer. Niz. Inst. R [1864:340-42]; Grnvg. Snd. Chr. [Begtrup
4:447]), contra as hipóteses modernas de que esses relatos eram “no geral
uma alegoria” (Holb. Evol. Escr. 8 [1892:247]). Os três primeiros capítulos de
Gênesis eram “história”, não “mitologia” (Pont. Com. Bib. 30.vi.1909 [Ench.
Bib., p. 109-11]). A história era, no mínimo, tão ameaçadora para a inspiração
quanto a ciência. As “dificuldades” em harmonizar as contradições entre os
vários relatos históricos na Bíblia “não podiam ser mascaradas”, admitiu um
dos mais lidos harmonistas, mas, ainda assim, ele então foi em frente para
resolvê-las (Pal. Hor. Paul. 5.10 [Wayland 2:219]).
A distinção entre “objetivo” e “subjetivo”, em vez da distinção entre
“a priori” e “a posteriori”, foi provavelmente a mais invocada na discussão
desses problemas (Clrdge. Inq. esp. 7 [Hart, p. 79]). N o século X IX (veja p.
229 acima), Swedenborg continuou a provocar admiração por seus “milagres
306 ♦♦♦ A DEFINIÇÃO DA DOUTRINA

de entusiasmo” e “percepção moral” (Emer. N a t 8 [Ferguson 1:43]) que, na


avaliação de alguns, o levou “a ser incomparável com qualquer outro escri-
tor moderno” (Emer. Rep. h. [Ferguson 4:70]). Mas a maioria dos teólogos
da igreja, independentemente da denominação, continuaram a considerar a
suposta inspiração privada mesmo de um concilio da igreja com o um fun-
damento inadequado para verificar “a verdadeira religião” (que fora o título
da teologia sistemática de Swedenborg) (Lam. Indiff. 18 [Forgues 2:136-37];
Doll. Vat. dekr. 3 [Reusch, p. 49-50]) e, por isso, para explicar as “visões” de
uma maneira que não contradissessem a autoridade objetiva (]er. N iz. Inst.
V [1864:73-74]). Isso não impediu um teólogo católico-romano de citar esse
critério subjetivo com o “a consciência imediata, ou seja, um sentimento, bem
com o a consciência ou reflexão mediada” para a inspiração autêntica (Dry.
A pol 1.2.5.37 [1838-1:309-17]); era possível contar com a “consciência do
fiel \sensus fidelium]” para descobrir a diferença entre a Escritura e todos os
outros livros, incluindo os decretos infalíveis da igreja e do papa (Ub. Int.
1.2.44 [1886-11:80]). U m protestante defensor convicto da “Escritura como
infalível, ou seja, dada pela inspiração de D eus” (Hdge. Sist. teol. int. 6.2
[1981-1:153]), ainda assim, invocava com o “a mais alta evidência possível”
para a autoridade e inspiração dessas Escrituras não algum critério objetivo
(em especial, é claro, a autoridade da igreja), mas “o testemunho de Deus
mesmo com a verdade no próprio coração [do indivíduo] e por intermédio
dela” (Hdge. Es. Rev. 5 [1857:191]). N a ortodoxia russa também houve um
apelo ao coração ortodoxo com o o guia da palavra de D eus na Escritura
(Amvr. Nov. Sobr. 1.7 [1810-1:54-60]).
Mas os apelos subjetivos ao testemunho do coração e ao sentimento
podiam levar — e com frequência levavam — também precisamente a
conclusões opostas sobre a inspiração; e uma vez que a teoria de um ditado
de inspiração fora abandonada, surgiu a necessidade de dar o devido reco-
nhecimento ao lugar do com ponente humano na ação divina de inspiração.
Essa necessidade não estava confinada àqueles que sustentavam que o texto
clássico: “toda Escritura é inspirada por D eus” (2Tm 3.16), não dizia nada
sobre o m odo com o os escritores da Escritura foram capacitados a desempe-
nhar sua tarefa (Holb. Evol. Escr. 5 [1892:141]) ou para aqueles cujo principal
princípio na interpretação da Escritura era “que a Bíblia é um livro escrito
por homens, na linguagem dos hom ens” e, por conseguinte, a usaram para
repudiar a doutrina trinitária das igrejas ortodoxas (Chan. Un. cr. int. [AUA, p.
367-68]). Os principais defensores da doutrina trinitária ortodoxa não foram
menos compelidos a admitir uma incapacidade para explicar de que maneira
A inspiração e a infalibilidade ♦♦♦ 307
a inspiração era compatível com essa interferência pessoal por parte de seus
escritores que a com posição da Bíblia evidenciava de m odo tão inequívoco
(Newm. Escr.prv. 3 [7r. Tms. 85:30]). Por exemplo, para entender a “eloquên-
cia” das epístolas paulinas, era necessário vê-las com o parte de toda a história
da retórica pagã clássica em que os apóstolos foram instruídos, em vez de
atribuir o uso, por parte de Paulo, da linguagem retórica para a operação
imediata do Espírito Santo inspirador (Ces. Ep. vi. 1821,10.iv. 1821 [Manuzzi
1:207, 280]). Contudo, a linguagem “notável” do Concilio de Trento e do
Primeiro Concilio Vaticano em relação “à inspiração da Escritura concernente
à ‘fé e à moral’ ” (CTrid. 4. Dear. [Alberigo-Jedin, p. 663]; CVat. [1869-70].3.2
[Alberigo-Jedin, p. 806]), com nenhuma declaração correspondente sobre a
“inspiração dos fatos reais”, não tinha de ser entendida com o sentido de
que os “fatos” registrados na Escritura não participaram em sua inspiração
(Newm. Insp. 1.13 [Holmes-Murray, p. 109-10]).
Outra declaração do Concilio de Trento sobre a Escritura, a elevação
da Vulgata, em latim, à posição de normativa (Ub. Int. 1.1.14 [1886-1:265];
veja vol. 4, p. 380-81), estava deixando mais difícil a defesa contra a acusação
de ter derrogado a autoridade dos textos hebraico e grego (Marc. Inst. 1.9.2
[Tomassini 1:53-54]) e, portanto, ter rejeitado o estudo acadêmico bíblico
são (Crnly. Int. 1.2.5.18 [1885-1:440-60]); o padrão normativo da Septuaginta
grega no Oriente, sustentada com o o era pela antiga história de que todos os
setenta tradutores produziram versões idênticas (Fil. Esb. 9 [1819:594-95]),
tinha problema semelhante. Os protestantes — por causa dos compromissos
dos reformadores com a autoridade dos textos hebraico e grego originais da
Bíblia (veja vol. 4, p. 415-16) — não podiam pôr qualquer das traduções no
mesmo patamar; mas isso não os impediu de celebrar as versões vernaculares
com o traduções fiéis da palavra de D eus e com o monumentos na história
da língua (Grnvg. Pr. 30.X.1836 [Thodberg 9:338-39]). A história detalhada
da crítica bíblica, em especial nos séculos X IX e X X , é um assunto para
pesquisa por sua própria causa e não pode nos ocupar aqui, exceto à medida
que ela afetou a formulação de várias doutrinas cristãs e foi afetada por elas.
Fossem quais fossem as soluções que um teólogo pudesse encontrar para as
implicações trinitárias da crítica bíblica (veja p. 254-55 acima), as implicações
mais diretas eram aquelas que afetavam a doutrina da inspiração.
Para mencionar apenas um exemplo de muitos, os intérpretes do livro
de Isaías estavam havia muito tempo cientes de uma descontinuidade entre
os 39 capítulos iniciais do livro e os 27 capítulos finais (Crnly. Int. 2.3.2.252
[1885-111:319]), mas atribuíram ambas as seções ao m esm o autor (Hnbrg.
30 8 ADEFINIÇÃO DADOUTRINA

Vers. 5.3.22 [1852:170-71]) e equipararan! esse autor com a figura histórica
do profeta: “Isaías, filho de Am oz, [...] durante os reinados de Uzias, Jotão,
Acaz e Ezequias, reis deJudá” (Is 1.1; Mrchn. Sacr. Bib. [1874:275-79]). Com
a aplicação ao livro de Isaías dos mesmos m étodos de análise literária usados
pelos estudiosos clássicos dos séculos XVIII e X IX no estudo da Iliada e da
Odisséia, a hipótese de múltipla autoria se recomendou para os estudiosos da
Bíblia do século X IX com o a explicação mais plausível para a essa desconti-
nuidade. Os defensores protestantes da inspiração oral rejeitaram a hipótese
ao longo do século X IX e além dele {FundJ.S [1910-VII:70-87]), com o o fez
a Comissão Bíblica Pontifícia em 1908 (Pont. Com. Bib. 29 .vi.1908 \Ench.
Bib., p. 100-101]). Mas os teólogos do século X IX que descartaram a questão
literária com o uma questão não doutrinai, “ambos os Isaías foram inspirados”
(Newm. Insp. 1.24 [Holmes-Murray, p. 123]), anteciparam o que estava para
se tornar para a maioria das igrejas a resolução final da questão.
Subjacente a essa abordagem estava uma mudança gradual na própria
doutrina da inspiração (Clrdge. Inq. esp. 6 [Hart, p. 71]), não meramente pela
aceitação de um conceito de “acomodação” (Clrdge. Ref. 4.14 [Shedd 1:164-
65]) de acordo com o qual a inspiração divina se ajustara tanto à linguagem
dos escritores bíblicos quanto à visão de mundo imperfeita deles ou às suas
“limitações” científicas e históricas (Newm. Insp. 2.32 [Holmes-Murray, p.
135]), mas pela crítica do próprio documento recebido. As teorias da ins-
piração mais antigas eram “um tanto mecânicas”, mas essa visão agora era
“totalmente indefensável” (Dry. Apol. 1.2.4.28 [1838-1:223,225]). Era um dos
“erros atuais dos protestantes sem instrução — e, apesar disso, intolerantes”
— confundir “o Espírito inspirador com a palavra apresentada no texto e
ambos com o ditado de sentenças e proposições formais” (Clrdge. Cons. 1.3
[Coburn 10:33]), petrificando assim a Bíblia e o Espírito Santo (Clrdge. Inq.
esp. 3 [Hart, p. 51-52]). Tratar a inspiração com o “totalmente passiva” e, por
conseguinte, negligenciar as diferenças entre os escritores bíblicos e também
as diferenças entre o Antigo e o N ovo Testamentos (Pus. Hist. 2.5 [1828-11:54-
57]), a doutrina compartilhada por todas as igrejas de que “a sagrada Escritura
foi escrita por intermédio da sugestão e inspiração do Espírito Santo” (Hrth.
Herm. 2Tm 3:16 [1882:200]), levou a um método de interpretação bíblica de
acordo com o qual até m esm o a mais leve imprecisão em genética (como no
uso de influência pré-natal por Jacó para afetar a cor das ovelhas de Labão
[Gn 30.37-42]) (Fil. Com. Gen. 30 [1867-111:45-50]) ou em astronomia (como
na história de Josué, incluindo o dia em que ele fez o “sol par [ar] no m eio do
céu” [Js 10.12-14]) (Fil. Esb. 5 [1819:240-58]) que apareciam na Bíblia teriam
A inspiração β a infalibilidade ♦♦♦ 309

de ser atribuídos ao próprio Deus e, por essa razão, tinham de ser aceitos
com o histórica e científicamente acurados.
O protestantismo conservador, a ortodoxia oriental e o catolicismo-romano
permanecem em grande medida juntos na defesa da doutrina tradicional da
inspiração bíblica durante o século XIX. O ponto em que eles se dividiram
e todos seguiram caminhos separados foi sobre a questão de se “o dom da
inspiração exige com o seu complemento o dom da infalibilidade” ou não
(Newm. Insp. 1.15 [Holmes-Murray, p. 111]) — referindo-se não à “infalibi-
lidade de Cristo” com o “uma dotação original e necessária de sua natureza
superior”, que era uma implicação necessária do trinitarismo ortodoxo que
todos eles tinham em comum, mas à infalibilidade da igreja (Lid. Div. 8
[1867:680]). A percepção protestante, afirmada de uma forma extrema que
muitos não aceitariam sem qualificação relevante, era essa porque o N ovo
Testamento era “o dom de Cristo e foi escrito sob sua orientação e inspira-
ção”, ele veio a ficar “para nós agora no lugar da presença pessoal do Senhor
e seus apóstolos” (Camp. Syst. 12.2 [1956:34-35]). A doutrina cristã, por con-
traste, era que Deus, em vez de ter “deixado o cristianismo com o um tipo
de literatura sagrada, conforme contido na Bíblia”, tinha “de fato iniciado
uma sociedade” que era sua igreja (Newm. Vise. ig. 1 [7r. Tms. 11:4-5]). Os
mestres ortodoxos orientais continuaram para afirmar a doutrina patrística
de que o Espírito Santo e a igreja com o o reino de Deus eram inseparáveis
(Fim. Stlp. 1st. 6 [1929:136-39]).
A igreja, com o o povo de Deus, foi encarregada da missão de procla-
mar a palavra de D eus (Mynst. Pr. 37 [1845-11:47]), e, por essa razão, não
havia salvação fora dela: em relação aos ensinamentos patrísticos (Cipr. Ep.
73.21 [CSEL 3:795]), uma vez que não havia discordância entre as doutrinas
católica-romana, ortodoxa oriental e protestante (Hrbn. Crk. 8 [1861:310]). A
discórdia veio a respeito da identificação das “credenciais” da “descendência
apostólica” com a qual a igreja fora enviada para o mundo a fim de proclamar
a palavra (Newm. Min. com. \Tr. Tms. 1:2]) e a respeito da promessa correlativa
de que “a igreja visível de Cristo é infalível” (Hno. Teol. 3.2.3.3 [1785-111:316]).
Cristo disse a Pedro: “Mas eu orei por você, para que a sua fé não desfaleça \ut
non defidatfides tua\. E quando você se converter, fortaleça os seus irmãos” (Lc
22.32 [Vulg.]). D e acordo com o ensinamento católico-romano, essa oração
foi cumprida não só na vida de Pedro, com o indivíduo, mas também na sé
de Pedro, cuja fé sempre foi infalível e cuja missão, ao longo da história (veja
vol. 2, p. 168-77), tem sido “confirmar” e restaurar outros que abandonaram
a fé apostólica (Ces. St eccl. 1.8 [1881:101-2]) — incluindo a sé de Constant!-
310 ADEFINIÇÃO DADOUTRINA

nopla e os reformadores protestantes (Hef. Con%. 29.548 [1855-IV:728-31]).


Conforme um teólogo russo ortodoxo, mais simpático a Roma que muitos de
seus colegas (Slv. Rus. égl. 2.14 [Rouleau, p. 235-39]), lembrou a seus leitores:
“Pedro falou por intermédio da boca de Leão” no Concilio da Calcedonia, em
451 (veja vol. 2, p. 168). Mas a “indefectibilidade” implicava necessariamente
“infalibilidade” na fé e na moral, com o a forma suprema de autoridade na
vida da igreja (Gr. XVI. Tr. 9.7 [Battaggia, p. 341]; Marc. Inst. 5.14 [Tomassini
1:301]) porque o erro era incapaz de estabelecer uma fé ou uma igreja (Lacrd.
Cons. 11 [Poussielque 7:149]). Era axiomático (Lacrd. Cons. pr. [Poussielque
7:8]): “Que a igreja, o oráculo infalível de verdade, é o dogma fundamental
da religião católica”, quer católica-romana quer ortodoxa oriental (Newm.
Gram. 1.5.3 [Ker 1985:102]).
A discórdia entre essas duas formas de catolicidade — e, durante boa
parte do século XIX, entre as diversas formas do próprio catolicismo-romano
— era sobre a atividade ou atividades por meio das quais a igreja, com o o orá-
culo infalível de verdade, exercia e articulava essa infalibilidade. A eclesiologia
ortodoxa oriental também via a igreja com o tendo sido “confirmada” em sua
fé (Amvr. Nov. Sobr. 1.17 [1810-1:145]) por meio da oração de Cristo para o
Pai para “proteg[ê-la] em teu nom e” (Jo 17.11); mas essa confirmação não
aconteceu por intermédio da subordinação a Roma, que era apenas uma das
sés da cristandade, embora a única com um tipo de primazia. A promessa de
Cristo para Pedro de que edificaría sua igreja sobre a rocha — sendo o termo
“rocha” (Mt 16.18,19; veja vol. 1, p. 353-54; vol. 2, p. 178-90) uma referência
não à pessoa de Pedro, mas a sua confissão, conforme também tentaram
provar os teólogos orientais com base nos pais latinos (Fil. Ent. [Soudakoff,
p. 93]; Ag. Retract. 1.20.2 \CSEL 36:97-98]) — era a mesma promessa feita a
todos os apóstolos na ascensão: “E eu estarei sempre com vocês, até o fim
dos tem pos” (Mt 28.20). O próprio Cristo é o cabeça da igreja (Joan. Kv. Jub.
Sbor. 4 [1899:122]); é nele, e não no papa, que a unidade da igreja tem de ser
buscada (Feod. Prav. 11 [1860:254-55]). Conforme alguns pensadores cató-
licos-romanos também reconheceram (Hrth. Herm. lT m 2:5 [1882:72-73]),
quando Cristo prometeu infalibilidade à igreja, ele pretendia que a igreja como
um todo, quando representada por um concilio ecumênico (Dry.Apol. 3.6.62
[1838-111:311-12]), tinham de ser o árbitro da doutrina (veja vol. 4, p. 178);
só a esse concilio, e não a qualquer bispo individual, pertencia a prerrogativa
de dizer, conform e o fizera o primeiro concilio “apostólico”: “Pareceu bem
ao Espírito Santo e a nós” (At 15.28; Jer. Niz. Inst. S [1864:387]). por isso,
quando o Oriente, em sua oposição ao “latinismo” (Innok. Bog. 67 [1859-
A inspiração e a infalibilidade ♦♦♦ 311

1:241]), falou sobre os concilios, referindo-se aos sete primeiros concilios


(Jer. Niz. Inst. S [1864:386-87]), todos os quais, conform e rememoravam às
vezes os teólogos católicos-romanos a suas próprias igrejas, foram realizados
no Oriente, e não sob qualquer autorização papal direta (Doll. Ppst. Cone. 3
[Janus, p. 207]).
Lutero, em sua hostilidade com a autoridade dos concilios da igreja (Doll.
Ref. 3 [1846-111:194]), falara em favor do princípio protestante, mas alguns
protestantes expressavam agora pesar pelo fato de que a igreja, por meio de
suas divisões, tenha privado essa corte do apelo final (Kbl. Oc. 6 [Pusey, p.
213-14]). A o contrário da acusação protestante de que, em um concilio ecu-
mênico, uma maioria simples pudera legislar para toda a igreja (Camp. Prcl
18.1.1837 [1875:202-3]), não havia nenhum caso na história da igreja quando
uma maioria simples em um concilio promulgara um dogma em oposição às
percepções de uma minoria relevante dos presentes no concilio (Doll. Val.
dekr. 3 [Reusch, p. 45-46]). A infalibilidade, de acordo com o ensinamento
católico-romano, pertencia ao concilio ecumênico, embora só quando ele
falava sobre questões de fé e moral (Marc. Inst. 4.8.4 [Tomassini 1:188-89]). O
ensinamento católico-romano, contra a ortodoxia oriental e também contra
o protestantismo, advertira que a igreja não podia se permitir recorrer aos
sete primeiros concilios (o último dos quais fora realizado mais de mil anos
antes, em 787) com o se tivesse destituída de algum locus contínuo de autori-
dade infalível (Hef. Con%. int. [1855-1:49-58]). Era impossível para a igreja ter
certeza de sua missão a menos que pudesse também ser assegurada de sua
própria autoridade infalível (Lacrd. Conf. 3 [Poussielque 2:63-66]), e, portanto,
era “absurdo” afirmar a infalibilidade da igreja, mas negar a do papa (Lam.
Rei 6.1 [Forgues 7:131]). A despeito de todas as questões levantadas pelos
historiadores protestantes e ortodoxos orientais sobre a tradição de Pedro ter
estado em Roma e ter morrido ali, Roma fora predestinada a ser a igreja de
Pedro (Schl. Gesch. 1 [Reimer 11:69-70]; Bau. Cbrpart. [Scholder 1:76]; Innok.
Bog. 87 [1859-1:369-81]; Ces. St. eccl 1.8 [1881:98]).
Assim, a acusação polêmica de que a igreja estava sendo identificada com
o papa e igualada a ele (Doll. Ppst Cone. 3 [Janus, p. 40]) — em detrimento
não só do concilio, mas de todos os outros patriarcas da igreja — pareceu no
século X IX estar no processo de se tornar uma profecia que se cumpre por
si só. O Primeiro Concilio Vaticano — na promulgação com o “um dogma
divinamente revelado”, a infalibilidade não só da igreja em geral ou do con-
cilio ecumênico, mas específicamente do papa — afirmou explícitamente
para o papa “que a infalibilidade por meio da qual o Redentor divino queria
312 Λ ADEFINIÇÃO DADOUTRINA

que sua igreja fosse instruída quando define a doutrina concernente à fé ou


moral” (CVat. [1869-70] 4.4 [Alberigo-Jedin, p. 816]). Portanto, o concilio
se representou com o afirmando a infalibilidade da igreja quando definiu,
segundo o ensinamento da “tradição recebida desde os primordios da fé cris-
tã”, a infalibilidade do “pontífice romano quando ele fala ex cathedra, ou seja,
quando ele, funcionando em seu cargo com o o pastor e o mestre de todos os
cristãos, define, de acordo com sua autoridade apostólica suprema, a doutrina
referente à fé ou moral que tem de ser defendida pela igreja universal”. Além
disso, suas definições dessa doutrina referente à fé ou moral “não [estavam]
sujeitas à reforma, não meramente pelo consentimento da igreja, mas em
seu próprio direito [ex sese, non autem ex consenso ecclesiae, irreformabiles\” (CVat.
[1869-70] 4.4 [Alberigo-Jedin, p. 816]).
D e muitas maneiras a objeção mais importante e substancial dessa defi-
nição do dogma da infalibilidade papal tinha fundamento histórico (Chom.
Crk. 3 [Karsavin, p. 23]): os vários exemplos históricos da falibilidade do
papa (Doll. Ppst. Cone. 3 [)anus, p. 54-68]) e, acima de tudo, o caso do papa
Honorio I (veja vol. 2, p. 170-74), com o os próprios defensores da infalibili-
dade reconheceram (Gr. XVI. Tr. 16.4 [Battaggia, p. 416]). A maior parte da
história especializada dos concilios da igreja foi escrita durante o século XIX,
a de Karl Josef von Hefele, publicada enquanto ele ainda era professor na
faculdade católica-romana em Tübingen, examinava cuidadosamente os
textos grego e latino dos Atos do Terceiro Concilio de Constantinopla, em
681, concluindo, contra as teorias propostas pelos apologistas em favor do
papado, que os textos transmitidos eram precisos e que o concilio condenara
de fato o papa com o herege. “Quanto ao rumo da história de Honorio sobre
a infalibilidade do papa”, conforme termina Hefele sua narrativa do sexto
concilio ecumênico, publicada em 1858, “não é nossa tarefa discuti-la em de-
talhes” (Hef. Con%. 16.324 [1855-111:264-84]). Hefele, tendo nesse meio-tempo
sido feito bispo de Rottenburg logo antes da abertura do Concilio Vaticano,
prosseguiu para discutir a questão em detalhes em um tratado, lido também
no Oriente (Krks. E kkl. Hist.. 101 [1879-1:321-23]), intitulado O caso dopapa
Honorio, publicado em 1870, o ano do concilio. A declaração de que os Atos
não eram autênticos era “uma hipótese muitíssimo audaciosa, totalmente
destituída de qualquer base sólida” (Hef. Hon. 2.3 [1870:19]), mas desde que
qualquer dogma da infalibilidade papal tinha de ser necessariamente retroa-
tiva em suas implicações, seria desonesto da perspectiva histórica, além de
fatalmente prejudicial para a credibilidade da igreja (Hef. Hon. 2.4 [1870:22-
23]), contradizer a evidência histórica de que um papa que, ao falar de sua
A inspiração e a infalibilidade ♦♦♦ 313

posição oficial, declarou: “Confessamos uma única vontade de nosso Senhor


Jesus Cristo” (Hon. 1. Ep. 4 [.PL 80:472]), foi de fato em seguida condenado
com o herege monoteísta por um legítimo concilio ecumênico da igreja (Hef.
Hon. 2.5 [1870:25]).
A monografia de Hefele provocou muitas respostas (Zin. Infall. [1870:5]).
Uma dissertação preparada para o Primeiro Concilio Vaticano tentou mostrar,
por m eio de um quadro comparativo, que a doutrina do papa H onorio (veja
vol. 2, p. 170-74) concordava com a do papa Leão I (Pnnch. Hon. 15 [1870:252-
85]) e que o concilio que o condenou não era um concilio ecumênico legítimo
(Pnnch. Hon. 7 [1870:165-68]). O dito dos pais na Calcedonia, “Pedro falou
por intermédio da boca de Leão” (veja vol. 2, p. 168-70), aplicava-se a cada um
dos sucessores de Leão (Gyar. Infall. 2 [1870:13]) — é claro que não “com o
uma pessoa privada e um homem mortal”, mas quando falando “ex cathe-
dra” (Gyar. Infall. 1 [1870:11]). Os “falibilistas”, conforme foi argumentado,
não tinham qualquer fundamento adequado para contradizer a doutrina da
infalibilidade papal (Cstrpln. Infall. [1870:65]). Os argumentos históricos em
favor dela eram formidáveis: o testemunho de Ireneu (Iren. Her. 3.3.1 [Harvey
2:8-9]) para a autoridade romana, o qual falara de m odo único tanto para o
Oriente quanto para o Ocidente (Stec. Un. cons. 4 [1870:28]); o testemunho
de Vicente de Lérins sobre a tradição; a afirmação da “autoridade da sé de
Pedro” (Zin. Un. suf. 4 [1870:38-41]; veja vol. 1, p. 336-42; p. 320 abaixo)
pela igreja da Hungria, no século XVI (Gyar. Infall. 2 [2870:14-15]), junto
com declarações similares de sínodos provinciais da igreja da França (Frpl.
Prim. int. [1870:4]). Embora permanecessem as antigas questões de se um
concilio tinha de falar de forma unânime quando formulava uma definição
doutrinai (Zin. Un. suf. 1 [1870:18-19]; Stec. Un. cons. 8 [1870:61]; veja vol.
4, p. 165), a doutrina da infalibilidade papal, insistiam seus defensores, era
eminentemente “definível” e “mais oportuna” (Card. Infall. 6 [1870:173]; Cs-
trpln. Infall. [1870:66-68]), desde que o Concilio Vaticano e o papa achassem
que era, conforme eles prosseguiram para fazer.
O caso ecumênico contra a doutrina foi afirmado pela importante figura
entre aqueles que nunca se submeteram a essa decisão, Johann Joseph Ignaz
von Dõllinger, a quem os estudiosos ortodoxos orientais (Krks. Antipap. 9
[1893:145-50]) também citavam. “Se a opinião doutrinai sobre a infalibilidade
papal tivesse de fato de passar a ser um dogma da igreja”, advertiu ele em
1869, “isso provocaria um imenso cisma [entre a igreja católica-romana e] as
igrejas separadas, a [ortodoxa] grega e russa e a protestante” (Doll. Vat. dekr.
1 [Reusch, p. 26-27]). Dõllinger, sob o pseudônimo de “Janus”, publicou um
314 ♦♦♦ ADEFINIÇÃO DADOUTRINA

estudo teológico e histórico da relação entre o papa e o concilio ecumênico


com o autoridades na igreja, tentando provar que a igreja, nas disputas dou-
trináis do passado, apoiara-se na decisão coletiva de todos os bispos reunidos
em um concilio ecumênico, não na decisão individual do bispo de Roma
(Doll. Ppst. Cone. 3 Qanus, p. 207]). Mas quando o Concilio Vaticano, em sua
Constituição Dogmática sobre a igreja, parecia estar abdicando formalmente
dessa autoridade ao declarar que o papa também era infalível quando falava
sem um concilio, Dõllinger sentiu-se obrigado a rejeitar a autoridade dessa
Constituição Dogmática com o “destruindo simultaneamente a dignidade do
episcopado e o magistério da igreja — algo sem precedentes em 1.800 anos”
(Doll. Ep. 16.V.1870 [Conzemius 2:357]). E ele continuou para ponderar o
problema da “sujeição à autoridade” (Doll. Ep. 2.V1.1882 [Conzemius 3:275]).
Os teólogos ortodoxos orientais negavam ao Concilio Vaticano — ou, no que
diz respeito ao assunto, quaisquer dos ditos concilios realizados pela igreja
latina separada desde o cisma entre o Oriente e o Ocidente — o título de
“concilio ecumênico” e, por conseguinte, o direito de falar sobre assuntos
de fé e doutrina em nom e da igreja universal (veja p. 330, 347 abaixo). Eles
negavam também a afirmação do papa de falar de forma infalível na ausência
de um concilio apropriado (Chom. Crk. 9 [Karsavin, p. 36]), pois, para a igre-
ja, Cristo e o Espírito Santo eram as duas únicas “testemunhas infalíveis da
verdade” (Makr. Herm. Jo 16:13 [1891:1233]). Os protestantes responderam
à promulgação da infalibilidade papal ao reafirmar a doutrina da Reforma
de que nem um concilio nem um papa podia reivindicar infalibilidade, mas
só a palavra de D eus na Bíblia podia fazer essa afirmação (Piep. Chr. dogm.
[1917-1:248-50]): esse, e só esse, era o significado da promessa de Cristo
para Pedro de edificar sua igreja sobre “esta pedra” (Mt. 16.18; Camp. Prcl.
1411837 [1875:83-85]).
O consenso da tradição cristã
Aqueles que não se achavam mais capazes de aceitar a inerrância de uma
Escritura inspirada ou a infalibilidade da igreja e do papa viam uma conexão
teológica e histórica entre as duas posições. A doutrina dogmática da inspi-
ração verbal, ao contrapor a palavra inspirada de D eus na Bíblia e as palavras
humanas dos pais da igreja e dos concilios, veio a existir no protestantismo
com o uma antítese às crenças católica-romana e ortodoxa oriental na auto-
ridade de uma suposta tradição oral traçável até os apóstolos (Rtl. Recht. 2.
int. 3 [1882-11:11-12]). Essa teoria de oposição encontrou seu contrapeso
no argumento de que embora as passagens do N ovo Testamento citadas em
geral para a inspiração e infalibilidade pertencessem só ao Antigo Testamento
O consenso da tradição crista ♦ ♦ ♦ 3 15

(não existindo o “N ovo Testamento” com o tal quando essas passagens fo-
ram escritas) (Fund. 4.2 [1910-IV:59]); por sua vez, o principal suporte para
a doutrina da inspiração divina do N ovo Testamento, e assim para a inspira-
ção da Escritura com o um todo, teve origem na tradição contínua da igreja
(Ub. Int. 1.2.45 [1886-11:71]). Um sumário ponto a ponto do caso em favor
da revelação divina e da doutrina da inspiração levou à afirmação de que “a
informação e o conhecimento sobre todas as revelações genuínas nos são
mediados só por intermédio da tradição”, quer escrita em sagas e escrituras
quer transmitida oralmente com o “tradição viva” (Dry. A pol 1.2.7.49 [1838-
1:381]). D a mesma maneira, os apoiadores da doutrina da infalibilidade papal
tiveram de se defender contra as acusações de negarem a tradição (Gr. XVI.
Tr. pr. [Battaggia, p. xii]); pois era amplamente defendido que “a principal
tarefa do mais alto cargo na igreja é vigiar, orar e lutar a fim de que o ‘fardo
[...] leve’ de Cristo, pela imposição de novos e desnecessários pesos, passe a
ser um jugo pesado” (Mat 11.30; Sail. Mor. 5.2.252 [1817-111:135]).
O princípio da mediação histórica, com o a doutrina da inspiração, tam-
bém levou à questão da continuidade da tradição, ao que podia ser identificado
com o (sinónimamente) “o [elemento] histórico ou o tradicional” (Klfth. DG.
22 [1839:44]; Slv. Krit. 2 [Radlov 2:17]) do dogma cristão. Isso era um ensino
dogmático padrão tanto na ortodoxia oriental quanto no catolicismo-romano
que Deus preservara as tradições por intermédio da continuidade do uso pela
igreja, por meio dos atos dos concilios e dos escritos dos pais da igreja e por
intermédio de sua própria providência (Marc. Inst. 3.4.2 [Tomassini 1:146-47];
Chom. Crk. 5 [Karsavin, p. 24]). Portanto, o critério para o “caráter distintivo”
de verdade podia ser encontrado nas duas qualidades de “universalidade e
perpetuidade” (Lacrd. Cons. 1 [Poussielque 7:41]). Lamennais, depois de relatar
as marcas tradicionais da igreja com o una, católica e apostólica, formulou seu
caso para essas marcas ao detalhar a maioria dos argumentos padrões: “com
base no bom senso e nos textos formais da Escritura, conform e confirmado
mais uma vez por uma tradição unânime, pela autoridade dos concilios, dos
pais e dos escritores eclesiásticos de todas as eras, pelas liturgias e por toda
a história da igreja desde sua origem” (Lam. Indiff. 6 [Forgues 1:147-49]).
Um estudioso protestante, trabalhando a partir de taxonomía similar
de tradições, distinguiu entre tradições rimais, históricas e dogmáticas; no
caso de todas as três, declarou ele, o protestantismo “afirma a necessidade
histórica delas”, mas “as coloca sob” as Escrituras (Schf. Prin.prot. 1.2 [Mere.
1:110]). A última das três, a noção de uma “tradição dogmática formal”, era
a mais problemática para os protestantes; contudo, estava simultaneamente
316 ADEFINIÇÃO DADOUTRINA

contida na Escritura e afirmada nos credos (Grnvg. Chr. Snd. [Begtrup 4:534-
35]; Grnvg. Ref. 3 [Begtrup 5:347]) e, por conseguinte, a tradição dogmática
“não [era] urna parte da palavra divina separada da [palavra] escrita, mas o
conteúdo da própria escritura conforme apreendida e determinada pela igreja
contra as heresias passadas e as novas que estão sempre surgindo”. Essa
tradição, portanto, era “a única fonte da palavra escrita, apenas deixando-se
emanar/correr no fluxo da consciência da igreja” (Schf. Prin.prot. 1.2 [Mere.
1:115-16]). Um teólogo católico-romano, a partir de um entendimento si-
milar da consciência da igreja, argumentou que uma vez que, pelo menos
em um plano, a questão: “O que Cristo está ensinando?” era uma questão
completamente histórica, ela podia ser parafraseada com o seguinte sentido:
“O que sempre foi ensinado na igreja pelos apóstolos?”, que, por sua vez,
equivalia a perguntar: “Qual é o conteúdo da tradição universal e perpétua?”
(Mhlr. Ein. 1.2.10 [1843:29]).
Outro teólogo católico-romano, invocando esse m esm o critério da
“tradição universal e perpétua”, rejeitou a argumentação protestante de que
o cristianismo em sua origem se opusera a essa tradição, pois, ao contrário,
reivindicara uma identidade com ela (Lam. Indiff. 37 [Forgues 4:385-86]); o
protestantismo, na cultura ocidental, era visto com o o com eço da emancipa-
ção da personalidade humana da autoridade da tradição (Slv. Bogo. 2 [Radlov
3:16]). Essa argumentação protestante que — conform e observaram os
críticos ortodoxos e católicos-romanos, podia reivindicar uma tradição sua
mesma remontando aos próprios reformadores (Oik. Gr. Niss. pr. [1850:iii])
— estava se afirmando com novo vigor exatamente com o o argumento do
consenso da tradição também estava sendo formulado com nova força não
só nos sistemas ortodoxos orientais ou romanos-católicos que eram seu ce-
nário familiar, mas também no chamado que emanava de vários protestantes
para um “catolicismo protestante” com o “o verdadeiro ponto de vista, todos
necessários para as necessidades da época” (Schf. Prin. prot. 2.6.83 [Mere.
1:230]; Krth. Cons. ref. pr. [1871 :viii]). Contudo, o escritor dessas mesmas
palavras tentou ao m esm o tempo se desassociar do Movimento de Oxford
na Igreja da Inglaterra (o que ele denominou “puseyismo”) que ele via com o
um sintoma, embora não um remédio, para as doenças do protestantismo,
incluindo sua indiferença com a tradição (Schf. Prin.prot. 2.4 [Merc. 1:157-64]);
no entanto, ele, “com todos seus erros”, incorporava a força motriz de uma
verdade cujos direitos precisavam ser afirmados (Nvn. Sehf. [Mere. 1:35]). O
próprio E. B. Pusey, em seu primeiro livro, publicado em 1828, expressou sua
admiração pela “percepção intuitiva [de Lutero] da natureza do cristianismo”,
O consenso da tradição cristã ♦♦♦ 317

que “ [Lutero] levantou não só acima da autoridade assumida da igreja”, mas


“acima do poder da tradição” (Pus. Hist. 1 [1828-1:8]). Mas à medida que o
apreço de Pusey pela tradição católica se aprofundava, os protestantes con-
tinentais mais radicais expressaram seu espanto e choque com o puseyismo,
considerando seu sacramentalismo neocatólico uma “estupidez”, beirando
a superstição (Bau. Neun. 3 [Scholder 4:528-31]). As tradições consagradas
com o a afirmação de que Pedro foi o primeiro papa não eram mais que uma
“ilusão enganosa” (Bau. Chrpart. [Scholder 1:102]). N a verdade, alguns esta-
vam prontos para descartar a maioria das tradições com o “lixo acumulado”
(Bush. Vic. sacAP [1866:546-47]), e sua aceitação com o “seguir às cegas no
caminho da tradição” ou ceder passivamente a uma “fé hereditária” (Chan.
Evid. cr. 1 [AUA, p. 189]).
O termo “tradição”, embora maltratado com o o foi durante o sécu-
lo X IX e antes, estava longe de ser um termo inequívoco (Mhlr. Ein. app. 3
[1843:260-64]): o substantivo grego “tradição [παράδοδις]” e seus equivalen-
tes em outras línguas cobriam uma grande gama de conceitos já no uso do
N ovo Testamento, que identificava erros com o “às tradições dos hom ens”
em oposição aos “mandamentos de D eus” (Mc 7.8), mas os ensinamentos
cristãos autênticos com o “a tradição que receberam de nós [apóstolos]”
(2Ts 3.6). D eus escolheu usar duas vozes para a instrução da raça humana,
a voz da tradição e a voz da consciência (Lacrd. Conf. 5 [Poussielque 2:94]).
A primeira poderia ser definida com o “o elo do presente com o passado
e do passado com o futuro” e, com isso, com o “o princípio da identidade
e da continuidade” (Lacrd. Conf. 9 [Poussielque 2:175]); contudo, isso não
acontecia principalmente de um indivíduo para outro, mas por m eio da
história da igreja (Dry. Apol. 3.2.12 [1838-111:66]). A continuidade da fé e
do ensinamento, graças a sua transmissão ao longo da história “de pai para
filho em uma tradição ininterrupta”, no fim não dependia de alfabetização ou
aprendizado, nem da capacidade de “fazer um relato reduzido das doutrinas
do cristianismo”, mas “do relato geral que é transmitido” (Clrdge. Rev. rei. 4
[Coburn 1:174]). Os “meios comuns” por meio dos quais a tradição cristã
foi transmitida foram “a linguagem oral, a linguagem escrita e os símbolos”
ÇDry.Apol 3.1.2.4 [1838-111:17-22]).
Esses três eram os “meios comuns” por meio dos quais qualquer tradição
de qualquer lugar na história humana seria transmitida (Dry. Apol. 1.2.7.50
[1838-1:383-86]). Por isso, era um m étodo atrativo de argumentação recorrer
à noção de “tradição universal” com o um princípio geral em apoio à tradição
específicamente cristã e católica (Blms. Escép. 18,21 [Casanovas 5:403,422]).
318 ADEFINIÇÃO DADOUTRINA

Era possível entender até mesmo um oponente da última estar falando com o
“o órgão da tradição universal” (ap. Lam. Indijf. 4 [Forgues 1:65]). A doutrina
da imortalidade não era peculiar ao cristianismo, mas veio da tradição humana
primitiva, com o também as “idéias de divindade” (Blms. Rei. 6 [Casanovas
5:10]; Camp. Εν. 01 [Owen, p. 138]). Por isso, a história da especulação filoso-
fica entre os antigos gregos manifestava a complexa relação entre “a tradição
primitiva” e “o conhecimento mais elevado” (Doll. Heid.jud. 5.1 [1857:270]).
N o debate sobre o poligenismo, “as tradições das raças” (veja p. 267-69 acima)
podiam ser citadas com o evidência para a origem única e comum de toda
a humanidade (Krth. Cons. ref. 9 [1871:367]), e de forma mais geral para a
exatidão dos relatos históricos no Pentateuco (Ub. Int. 1.1.37 [1886-1:665]).
A própria propensão do povo de Israel para ser “supersticiosamente zeloso
de suas tradições e cerimônias” tornava “moralmente impossíveis” (Clrdge.
Rev. rei. 1 [Coburn 1:118]) as acusações de adulteração no Antigo Testamento.
A partir dessa argumentação era apenas um pequeno passo para montar um
caso do cristianismo com o “a religião universal ou a verdadeira religião” com
base no fato de que apenas ele incorporava “essa regra de verdade infalível”
e, portanto, era “a mesma religião”, fundamentada na “mesma autoridade”
da tradição universal com o religião em geral (Lam. Indijf. 29 [Forgues 4:12]).
N o entanto, esse mesmo método, nas mãos de críticos racionalistas, podia
levar a um relativismo de longo alcance, em particular quando se via a his-
tória da tradição em geral contendo corrupções e falsificações grosseiras;
então era necessário insistir que a tradição bíblica e cristã era a única entre
as tradições porque todas as outras eram “tradições de hom ens” enquanto
só ela era “tradição divina” (Ub. Int. 3.2.19 [1886-111:336]).
Embora o conceito de “tradição divina” não estivesse de m odo algum
confinado à teologia ortodoxa oriental, ele tinha ali um lugar especial, prin-
cipalmente em sua função positiva com o o conteúdo e o tema da doutrina
cristã, mas também com o um instrumento polêmico contra as novidades
doutrinais ou litúrgicas, quer orientais quer ocidentais. A tradição eclesiásti-
ca era a autoridade por meio da qual a igreja derrotara a heresia gnóstica de
tradição secreta (Krks. Dok. 1.2 [1874:57]), e seu “consenso unânime” (Mtz.
Theoph. [1788:2v]) ainda era a base para o entendimento apropriado tanto da
Escritura quanto da doutrina da igreja (Fil. Ent. [Soudakoff, p. 43]). Por isso,
um historiador protestante do dogma, que definiu “tradicionalismo” com o “o
isolamento do elemento histórico no dogma” e sua consequente fossilização
em ortodoxia estéril (Klfth. DG. 59 [1839:170]) e que criticou a preocupação
excessiva dos estudiosos com os primeiros pais gregos em detrimento dos
O consenso da tradição cristã ♦1♦ 319
latinos (Klfth. DG . 34 [1839:79]), foi em frente para caracterizar “a historia
posterior da igteja grega” com o “o exemplo mais evidente de urna vida de
igreja que passa a não ter tradição” também “na área da doutrina” (Klfth.
DG. 85 [1839:283]). Porque “a igreja oriental”, conforme admitiu Schleierma-
cher, “parece-nos quase com o urna grandeza desconhecida, sobre a qual só
agora e, mais urna vez, um pouco de informação mais precisa chega até nós”
(Schl. Gesch. int. [Reimer 11:33]), essa caricatura da ortodoxia oriental, tanto
grega quanto eslava, passou a ser praticamente canônica na historiografia do
protestantismo do século XIX, de acordo com a qual “a igreja oriental, por
intermédio de [Dionisio], o Areopagita, e (João de] Damasco, desligou-se [to-
talmente] do movimento da história do dogma” (Rtl. Ges.Auf. 5 [1893:156]).
Tal caricatura pareceu encontrar comprovação quando a ortodoxia oriental
veio a se envolver em disputas (veja p. 85 acima) sobre questões tais com o se
era necessário usar dois ou três dedos para fazer o sinal da cruz ou se mesmo
a tradução da igreja eslava do Credo Niceno era sacrossanta (Mak. Rask. 1.2,
1.3,1.4 [1858:23-25, 77,105-7]).
N ão obstante, alguns no Ocidente tiveram de reconhecer que o enten-
dimento da ortodoxia oriental da “tradição apostólica \apostolskoe predanie\ ”
(Mak. Prav. bog. 181 [Tichon 2:245]) é muito mais profundo que isso. Assim,
Batista e outros críticos da doutrina e prática batismais no catolicismo-romano
e no protestantismo magisterial encontraram suporte no costume do batismo
por imersão na igreja oriental (a despeito de sua prática de batizar crianças)
(Camp. Rce. 1 [Gould, p. 262-63]). A teologia oriental, com o fizera no Concilio
de Florença no século X V (veja vol. 2, p. 297-99), criticou a doutrina latina
do purgatório por seu uso equivocado da autoridade da tradição patrística
(Mak. Prav. bog. 259 [Tichon 2:611]). Para os polemistas orientais, o exemplo
mais flagrante dessa “corrupção do símbolo de fé” (Innok. Bog. 112-17 [1859-
11:79-118]), em muitos aspectos formando uma categoria por si mesmo (veja
p. 258 acima), continuava a ser o Filioque ocidental. Os estudiosos da patrística
ocidental foram forçados a concluir que a evidência para isso entre os pais
individuais da igreja grega era muitíssimo inconclusiva. Mas mesmo que não
fosse, o que contava com o autoritativo em uma questão com o a doutrina
da Trindade e, portanto, do Filioque não eram as “opiniões pessoais [Θεολο-
γούμενα]” de professores individuais, mas a voz oficial da igreja falando por
intermédio de um concilio ecumênico (Papad. Symb. 3 [1924:26-34]). Os sete
reconhecidos universalmente com o concilios ecumênicos, um a um, foram
revistos em relação a essa questão e nenhum deles podia ser citado como
apoio (Mak. Prav. bog. 44 [Tichon 1:292]).
320 Λ A DEFINIÇÃO DA DOUTRINA

John Henry Newman, embora ainda um anglicano, reconhecendo em seu
próprio tratamento do Filioque que “a doutrina da dupla processão não era
um dogma católico nas primeiras eras”, sustentava ainda assim que “se agora
ele tem de ser recebido, com o certamente deve ser, com o parte do Credo
[Niceno], foi de fato mantido em todos os lugares desde o início e, portanto,
em uma medida, mantido com uma mera impressão religiosa e talvez uma
impressão inconsciente” (Newm. Univ. serm. 14 [1843:324]). Aqui, conforme
já observado, “o historiador existente em Newman admite que a ‘doutrina’
não era um ‘dogma católico’ nas primeiras eras”, mas “o teólogo [...] tem de
argumentar que a igreja sempre ‘mantivera’ a doutrina” (Chadwick [1957], p.
235). N o século XIX, essa tensão entre a “tradição” com o o objeto de pesquisa
do historiador e a “tradição” com o a autoridade para a doutrina do teólogo
(e para a doutrina da igreja) atinge um ponto crucial nas disputas cercando a
definição da doutrina da infalibilidade papal no Primeiro Concilio Vaticano.
Pois a pesquisa histórica demonstrou não só que os papas individuais foram
condenados por falso ensinamento, notavelmente H onorio I, mas também
que a declaração de consenso na tradição para a própria doutrina “repousa
[...] em um total entendimento equivocado da tradição da igreja no primeiro
milênio da igreja e na distorção de sua história” (Doll. Vat. dekr. 10 [Reusch,
p. 75]).
Por essa razão, o cânone de Vicente de Lérins, “o que é crido em todo
lugar, sempre, por todos” (Vine. Ler. Comm. 2.3 [Moxon, p. 10]) — formulado
originalmente em oposição a Agostinho (veja vol. 1, p. 336-42) e que, depois,
foi invocado contra as inovações dos reformadores protestantes, com o a
justificação só pela fé (veja vol. 4, p. 350) — era usado agora em oposição a
outras inovações doutrinais (veja p. 136-37 acima), mesmo quando tal inova-
ção esteve para tomar a forma de dogma oficial da igreja no Primeiro Concilio
Vaticano. Os protestantes e também os católicos-romanos sentiam-se aptos
a citá-lo sem nem mesmo identificá-lo (Clrdge. Inq. esp. 4 [Hart, p. 64]; Doll.
Vat. dekr. 1 [Reusch, p. 1]); os teólogos ortodoxos orientais também invocavam
o cânone (Andrts. Dok. Sym. 2.3.1 [1901:97]). Mas o estudo mais atento do
cânone vicentino revelou um “defeito em sua utilidade” (Newm. Dev. 1. int.
8 [Harrold, p. 11]). O cânone viera a se tornar um nó górdio que a igreja “não
consegue desatar, mas só cortar de m odo violento” (Schf. Prin.prot. 2 [Mere.
1:102]). O cânone vicentino parecia estar criando mais urna vez a quimera do
“consenso unânime” na tradição cristã; do contrário, era necessário entender
que ele não significava nada mais que “o que é crido na maioria dos lugares,
na maioria das épocas e pela maioria dos mestres [autoritativos]” (veja p. 78-
O consenso da tradição crista ♦♦♦ 321

85 acima). Sobre a questão dos livros questionados do N ovo Testamento,


por exemplo, o principio do consenso podía ser afirmado para dizer: “Na
verdade, nunca houve qualquer discordia a respeito de certos livros, mas no
sentido de que a maior parte das igrejas e dos teólogos sempre concordaram
sobre a integridade do cânone [bíblico]” (Ub. Int. 1.2.46 [1886-11:372]).
A questão do cânone bíblico, com o acontecera nas disputas do período
da Reforma (veja vol. 4, p. 334-35), colocou em foco as questões maiores da
relação entre a autoridade da Escritura e a autoridade da tradição da igreja
(veja p. 146 acima). Por isso, urna das primeiras declarações de uma dogmática
católica-romana de muitos volumes afirmava que a atribuição dos livros do
N ovo Testamento aos autores e datas designados para eles se fundamentava
em um argumento derivado da tradição (Marc. Inst. 1.1.2 [Tomassini 1:10]).
Se essa tradição tinha de ser o objeto da investigação histórica independente,
que poderia revelar que a lista dos livros canônicos não podia reivindicar
ter sido estabelecida pelo direito divino, mas apenas pela evolução histórica
(Khns. Dogm. 3.17.4 [1861-1:659-60]), o resultado dessa investigação histórica
tinha implicações diretas para a doutrina protestante da prioridade da Escri-
tura sobre a igreja e a tradição. Uma formulação da doutrina protestante a
identificava com o “a primeira e característica diferença entre os protestantes
e os católicos-romanos”: “os primeiros acreditam primeiro nas Escrituras
e, depois, na igreja, enquanto os últimos acreditam primeiro na igreja e, de-
pois, nas Escrituras” (Camp. /Jrc/.19.i.l 837 [1875:257]). Outros protestantes,
trabalhando com uma disjunção menos ingênua, esforçavam-se para evitar
a “usurpação abominável” por meio da qual a igreja coloca sua própria tra-
dição lado a lado com a palavra de Deus na Bíblia, bem com o a “presunção
igualmente abominável” por meio da qual um indivíduo sozinho se sentia
qualificado para abandonar toda autoridade e toda tradição com base apenas
em uma leitura pessoal da Bíblia, embora na verdade ninguém pudesse ler a
Bíblia com o se ela nunca tivesse sido lida antes (Nvn. Scbf. [Mere. 1:37-38]).
D os lados ortodoxo-oriental e católico-romano também havia um esforço
para excluir as falsas disjunções. Os porta-vozes da ortodoxia oriental viam as
duas posições sobre a relação da Escritura e da tradição resultante da Reforma,
a protestante e a católica-romana, com o igualmente racionalistas e subjetivas,
uma vez que ambas pareciam negligenciar o conteúdo profundamente escri-
tural da tradição autêntica junto com a necessidade resultante de uma exegese
tradicional amarrada ao texto bíblico (Makr. Herm. ICo 11:23 [1891:1778]).
Era, insistiu um católico-romano, a pergunta errada — e, por conseguinte,
uma pergunta para a qual qualquer resposta também estaria errada — indagar
322 A DEFINIÇÃO DA DOUTRINA

se a tradição devia ser igualada à Escritura ou subordinada a ela; pois essa


noção assumia que elas eram distintas, embora linhas paralelas, quando na
verdade a história demonstrou que elas constantemente “cruzam uma com
a outra e vivem uma na outra” (Mhlr. Ein. 1.2.16 [1843:53]). O cristianismo
primitivo herdara do judaísmo o conceito de uma tradição “que se inclinava
constantemente ao texto da Torá” (Doll. Heid.jud. 10.3.1 [1857:818-21]), e a
tradição cristã mais antiga estivera presa ao mesmo texto, cuja interpretação
alegórica foi atestada pela tradição (Ub. Int. 2.1.3 [1886-111:73-74]). Se era
verdade no século I que os escritos apostólicos precisavam de uma tradição
oral para validar a confiabilidade histórica deles, a isso parecia se seguir que
eles continuavam a precisar dela também para sua interpretação apropriada
(Dry. Apol. 3.2.8-9 [1838-111:41-51]).
Os defensores da doutrina da infalibilidade papal debatiam havia muito
tempo por uma “doutrina da revelação com duas fontes”, por meio das quais
a Escritura e a tradição não escrita tinham de ser vistas com o canais separa-
dos por intermédio dos quais a revelação para os apóstolos continuou a ser
transmitida (Gtti. Ver. eccl 2.4.4.22 [1750:246]). Era possível ler a linguagem
do Concilio de Trento com o suporte para essa teoria, se sua fórmula de que
“essa verdade do evangelho está contida nos livros escritos e nas tradições não
escritas” fosse entendida com o equivalente à fórmula de um esboço anterior
[e descartado]: “em parte \partim] nos livros escritos e em parte [parting nas
tradições não escritas” (veja vol. 4, p. 345-46); Trento mantivera desse pri-
meiro esboço a declaração de que tanto a Escritura quanto a tradição tinham
de ser tratadas “com igual sentimento de piedade e reverência \paripietatis
affectü\” (Marc. Inst. 3.2.3 [Tomassini 1:139-40]), e essa última fórmula conti-
nuava a ser usada na defesa da autoridade da tradição. O Primeiro Concilio
Vaticano, no entanto, não foi além do Concilio de Trento a respeito dessa
questão, contentando-se com a recitação do decreto anterior, que rotulou
de “a fé da igreja universal declarada pelo Concilio de Trento” (CVat. [1869-
70] 3.2 [Alberigo-Jedin, p. 806]). Por essa razão, aqueles que se opunham a
uma teoria de duas fontes não foram nem condenados nem justificados pelo
Primeiro Concilio Vaticano, que adiou a adjudicação da questão (Mhlr. Ein.
1.2.15 [1843:46-47]; veja p. 385 abaixo).
As pesquisas da teologia histórica protestante, fossem quais fossem suas
pressuposições dogmáticas para “repudiar os dogmas construídos sem a auto-
ridade da sagrada Escritura com o meramente tradições humanas” (Mar. Inst.
symb. 17 [1825:28]), só puderam confirmar a conclusão de que a palavra oral,
na vida e ensinamento da igreja primitiva, precedera a palavra escrita (Clrdge.
O consenso da tradição crista ♦♦♦
♦ 323
Inq. esp. 5 [Hart, p. 65-66]). N em a aparência da palavra escrita, ñas epístolas
do N ovo Testamento e nos evangelhos, junto com sua coletânea em um livro
sagrado distinto (no fim denominado “N ovo Testamento”) junto com o livro
sagrado herdado do judaísmo (no fim denominado “Antigo Testamento”)
obviaram a necessidade de uma tradição oral que continuou a existir lado a
lado com a Escritura; assim, a palavra de Deus tinha uma “dupla forma, na
qual podia se mover e movería ao longo de todos os períodos subsequentes
da história da igreja” (Thom. Chr. 66 [1856-111:418]). Os estudiosos protes-
tantes tentaram argumentar que nos cinco primeiros séculos da história da
igreja a palavra oral estivera subordinada à escrita, e que só gradualmente
as duas foram colocadas no mesmo patamar (Hrlss. Enc. 2.1.2 [1837:62]);
o apelo a uma tradição “não escrita” na obra Sobre 0 Espírito Santo (Bas. Esp.
27.66 [3'C17b:478-82J; veja vol. 4, p. 184), de Basilio de Cesareia, para provar
a divindade do Espírito Santo foi um dos primeiros exemplos dessa mudança.
N o entanto, tudo aquilo era visto com o profundamente diferente do apelo
católico-romano às “tradições humanas deterioradas” (Krth. Cons. ref. pr.
[1871 :viii]), em lugar de recorrer à palavra inspirada de Deus na Escritura.
Alguns protestantes sustentavam “que a aspersão infantil é uma tradição hu-
mana”, com o o era o batismo judaico de prosélitos (Camp. Mela. ló.x.1823,
18.X.1823 [1824:112, 253]), enquanto outros argumentavam em favor da as-
persão com o “pressuposta” com base em “uma combinação de passagens [só]
da Escritura” (Piep. Chr. dogm. [1917-111:325-27]), sem referência à tradição;
mas a maioria deles ainda tomavam isso com o acurado quando um crítico
católico-romano francês citou a familiar fórmula de William Chillingworth:
“Só a Bíblia é a religião dos protestantes” (Lam. Indiff. 6 [Forgues 1:141-42];
veja vol. 4, p. 418).
O século X IX — com o foi o período em que a teologia histórica, em espe-
ciai entre os estudiosos protestantes, mas também entre os católicos-romanos
e (particularmente perto do fim do período) entre os ortodoxos orientais
(veja p. 292-303 acima), adquiriu seu próprio lugar — confrontou a ideia do
consenso da tradição cristã e, específicamente, da tradição patrística de uma
nova maneira. Parecia notável que os apologistas dos três primeiros séculos
em sua defesa da mensagem cristã contra os pagãos e judeus tivessem “ig-
norado totalmente a tradição viva em sua teoria e crítica da revelação” (Dry.
Apol. 1.2.7.49 [1838-1:382-83]), a qual parecia que eles às vezes reduziam a
noções racionais de Deus, da criação e da imortalidade (veja vol. 1, p. 47-61).
Um interesse cada vez maior na relevância histórica do gnosticismo para o
surgimento da doutrina católica ortodoxa levou ao julgamento de que uma
324 Λ♦ A DEFINIÇÃO DA DOUTRINA

vez que os católicos e também os gnósticos recorriam à autoridade da Es-


critura, a autoridade da tradição com o “um principio se destacando acima
da Escritura” passou a ser urna forma para a ortodoxia católica derrotar a
heresia gnóstica (Bau. Chr. 3 [Scholder 3:256]; Krks. Dok. 1.2 [1874:57]).
Ireneu mereceu o reconhecimento por ser o primeiro que “compreendeu o
pleno valor do principio católico da tradição e desenvolveu sua força proba-
tória” (Mhlr. Pat. 2 [Reithmayr, p. 344]). Além disso, ele, depois de sustentar
a autenticidade dos livros do N ovo Testamento a partir da tradição da igreja
universal, ajudou a preservar a própria Escritura que os protestantes tentavam
agora dissociar da tradição (Ub. Int. 1.1.1 [1886-1:28]); e Ireneu provou sua
tese referente à unidade e apostolicidade da igreja católica e sua tradição pela
referência à igreja de Roma (Iren. Her. 3.3.1 [Harvey 2:9]), cuja autoridade os
protestantes negavam (Mhlr. Pat. 2 [Reithmayr, p. 352]); os teólogos orientais
tornaram um ponto especial de explicação as declarações de Ireneu sobre a
primazia romana (Fil. Ent. [Soudakoff, p. 78-81]).
Ireneu veio originalmente do Oriente, presumivelmente de Esmirna,
mas se tornou bispo de Lião, no Ocidente, onde, de qualquer forma, ele
ainda escrevia em grego; ele uniu as tradições do Oriente e do Ocidente
(Clrdge. Inq. esp. 6 [Hart, p. 73]; Grnvg. Chr. snd. [Begtrup 4:694]). Atanásio,
com o um dos poucos pais da igreja depois de Ireneu que foi ativo tanto no
Oriente (em Alexandria, com o bispo) quanto no Ocidente (em Roma, com o
exilado), constituía outra importante fonte da qual era possível derivar um
consenso patrístico sobre a tradição cristã (Mhlr. Ath. 2 [1827-1:125-26]).
Atanásio, em seus tratos sobre os concilios da igreja, insistiu que quando
os pais falavam em algum concilio, eles, por sua vez, “recorriam aos pais”,
de m odo que aqueles que “recebiam as tradições [por intermédio] deles”
eram obrigados a reconhecer a continuidade dessas tradições (Ath. Syn. 47,
43 [Opitz 2:271-72, 268-69]). D e Atanásio, Newman confessou ter aprendí-
do um “sistema tradicional [pré-credo] recebido da primeira era da igreja”
(Newm. Ar. 1.2 [1890:35]) que, depois, veio gradualmente a ficar explícito,
por exemplo, no Credo N iceno e nos escritos de Atanásio, conform e tornou
necessário o desafio da heresia. Ele foi em frente no mesmo livro para falar
disso com o “um sistema tradicional de teologia, consistente com a Escritu-
ra, mas independente dela, [uma tradição que] existia na igreja desde a era
apostólica” (Newm. Ar. 2.5 [1890:220]). Mõhler também via Atanásio com o
permanecendo com todas suas raízes na igreja, na comunhão e na tradição
desta (Mhlr. Ath. 2 [1827-1:122]).
O consenso da tradição crista ♦♦♦ 325

Agostinho, o único pai da igreja cuja autoridade especial foi reconhecida


por todas as facções no Ocidente, embora nem sempre no Oriente, manteve
um lugar especial nas discussões sobre a tradição (veja p. 173-75, 217-18
acima). O uso dos escritos dele pelo protestantismo em apoio às posições
da Reforma sobre o pecado e a graça (veja vol. 4, p. 202-205,286-90) tornou
necessário para os católicos-romanos tentar explicar as declarações em que
Agostinho parecia ser a favor de posições abraçadas pelos reformadores (Doll.
Ref. 3 [1846-111:363-72]). D a mesma maneira, suas conhecidas palavras sobre
não acreditar no evangelho a não ser pela autoridade da igreja católica (Ag. Ep.
fund. 5 [CSEL· 25:197]) continuavam a servir para os católicos-romanos como
prova de que Cristo instituira a igreja católica com o o intérprete autoritativo
da Escritura e mestre da verdade (Ces. St. eccl. 1.1 [1881:15]). Os argumentos
de Agostinho contra os maniqueístas para a autoridade da ortodoxia católica,
da qual essa citação era a parte mais conhecida, ainda podiam ser citados por
extenso em apoio à doutrina católica (Lacrd. Cons. 3 [Poussielque 7:53-59]).
Contudo, qualquer uso de Agostinho com o parte da tradição precisava lidar
com a ambivalência na própria relação dele com a tradição. Era necessário
explicar a linguagem dos pais da igreja primitiva sobre o pecado original de
m odo a provar que Agostinho não estava inovando em sua própria versão
dessa doutrina, mas estava de fato refletindo o consenso da tradição cristã
(Marc. Inst. 21.3.1 [Tomassini 3:377]). Os estudiosos ortodoxos gregos e
católicos-romanos reconheciam que os pais gregos foram mais abstratos e
teóricos que os pais latinos (Krks. Ekkl. Hist. 88 [1892-1:277-78]; Mhlr. Pat. int.
[Reithmayr, p. 45-48]), mas, de acordo com os estudiosos católicos-romanos,
eles podiam ser harmonizados com Agostinho até mesmo em relação às
doutrinas do pecado e da graça se fossem lidos da forma apropriada (Marc.
Inst. 14.8.3 [Tomassini 2:312-13]).
A última das vozes da “tradição unânime” (Lam. Indiff. 6 [Forgues
1:147-49]) enumeradas por Lamennais foi “as liturgias”. Seu eventual colega
Montalembert elaborou o assunto, descrevendo liturgia com o “esse depósito
sagrado da fé, da piedade e da poesia católica” (Mntl. Int. cath. 2 [LecofFre
5:37]); ali na prática litúrgica da igreja residia “a doutrina formal da igreja,
sua prática contínua de época a época” (Mntl. IJb. égl. [Lecoffre 1:369]).
Um ensinamento, para ser qualificado com o liturgia da igreja, não tinha de
ser afirmado teologicamente em um credo formal; ele também podia ser
confessado litúrgicamente “ao agir de uma maneira que necessariamente
implica que você o abraça” (Lid. Div. 7 [1867:537]). Contudo, em contraste
326 ♦♦♦ A DEFINIÇÃO DA DOUTRINA

com essa tese de que “desde os primeiros tem pos” existira “um sistema
definido” (Newm. Ser. Pif. 2 [7r. Tms. 85:21]) tanto de fé quanto de adoração
na igreja, estava a surpreendente conclusão da história mais importante da
doutrina cristã escrita durante esse período de que “a natureza excepcional
do cristianismo” se manifestara em uma ausência de ritual de m odo que “a
história do dogma durante os três primeiros séculos não está refletida na
liturgia” (Harn. DG . [1931-1:806-8]).
N ão obstante, em uma época em que o conteúdo doutrinai do púlpito
caiu em desuso, as “grandes verdades” da confissão cristã continuaram a ser
“trazidas a nossa atenção em suas justas atitudes e conexões com tanta assi-
duidade quanto frequentamos o culto da igreja” (Wilb. Pr. vi. 3 [1798:53]): a
“liturgia pública e ritual” e o “conjunto de fórmulas escriturais ou confissão
de fé” sustentavam um ao outro (Wilb. Ep. 1786 [Robert-Samuel 1:16-17]).
A doutrina da assunção de Maria, conforme já demonstrara o exemplo de
Bernardo de Claraval (veja vol. 3, p. 216-18), recebeu sua validação de “tradi-
ção eclesiástica” principalmente da tradição, litúrgica e, só depois, da tradição
doutrinai (Hno. Teol. Ó.2.2.8 [1785-VI:431]). Apenas a partir da prioridade
cronológica da liturgia sobre o dogma formal era possível argumentar em
favor da existência da doutrina da presença real (Newm. Ari. X X X IX . 8 [7r.
Tms. 90:52]) — embora não da doutrina da transubstanciação (Newm. Dev. 1.
int. 19 [Harrold, p. 25]) — nos primeiros séculos da igreja. E foi regressando
à prática litúrgica da doutrina que foi possível lidar com a questão medieval
(veja vol. 3, p. 257-59) ainda não resolvida do silêncio da Escritura sobre a
instituição da maioria dos sete sacramentos por Cristo (Marc. Inst. 34.5.2
[Tomassini 6:356]).
A presença de algumas poucas exceções históricas não podia negar o
consenso de “toda a tradição” (Gr. XVI. Tr. 3.2 [Battaggia, p. 186]). Todavia,
se a tradição sobre o consenso da tradição cristã, de alguma forma, tinha de
resistir ao escrutínio da consciência histórica do século XIX, uma simples
noção sobre o “consenso unânime” ao longo do século teria de se sujeitar
a uma redefinição do consenso da tradição em que sua dimensão temporal
passou a ser um com ponente decisivo. Seria necessário reconhecer que, por
toda sua linguagem sobre o que fora crido em todo lugar em todas as épocas
por todos, “a regra de Vicente não é de caráter matemático nem demons-
trativo, mas moral” — e também histórico (Newm. Proph. Off. 2.6 [ETMed.
1:55-56]; Newm . Dev. int. 8 [Harrold, p. 11]). Assim, foi no século X IX que
houve “uma contribuição decisiva para o problema da relação entre o ma-
gistério e a história na tradição”, na forma de “ideia de desenvolvimento” da
O dogma e seu desenvolvimento ♦♦♦ 32 7

doutrina, e esta, assim, “veio a ser uma dimensão interna para essa tradição”
(Congar [1967], p. 211]).

O dogma e seu desenvolvimento


Por causa da equação padrão da ortodoxia com a verdade “imutável”
(Gr. XVI. Tr. disc. pr. 5 [Battaggia, p. 6-7]) não era de m odo algum óbvio
para todos que a recente noção de “desenvolvimento da doutrina” estava
dando essa contribuição positiva para o conceito da autoridade da “tradição
primordial” (Lam. Indiff. 22 [Forgues 3:24]). Keble, acusando Newm an e ou-
tros convertidos do anglicanismo para o catolicismo-romano de “substituir
desenvolvimento por tradição”, via o interesse no desenvolvimento com o
uma evidência de “um crescente desdém pela autoridade dos pais e uma
substituição deles pela igreja posterior” (Kbl. Esp. 113 [Wilson, p. 201-2]). As
teorias católicas-romanas e protestantes alemãs de desenvolvimento foram
ambas atacadas por um teólogo norte-americano protestante por confundir
“a doutrina moderna de desenvolvimento” ou com “a doutrina papista da
tradição” ou com as doutrinas de filosofias contemporâneas sobre o tempo
e a história (Hdge. Sist. teol. int. 5.6 [1981-1:116-20]). Todavia, ele admitiu,
com o o fez um historiador da igreja ortodoxa grega em sua discussão da
questão do “desenvolvimento [άνάπτυξις]” (Krks. E kkl. Hist. 2, 88 [1897-
1:11, 277]), que “em um sentido houvera um desenvolvimento ininterrupto
da teologia na igreja”.
N o entanto, a verdadeira questão não era simplesmente um “desenvolví-
mento da teologia na igreja”, mas um “desenvolvimento da doutrina” e um
“desenvolvimento do dogma” e, com isso, a própria posição da “divindade
dogmática”. Embora a ortodoxia oriental definisse “a verdadeira fé” com o
“sustentando e confessando corretamente os verdadeiros dogmas” (Jer.
Niz. Inst. D [1864:130]; Hrth. Log. 19 [1882:695]), era difundida a convicção,
também entre aqueles que ainda se esforçavam para manter tanto quanto
possível os elementos milagrosos e sobrenaturais do evangelho, de que “a
era dogmática do cristianismo” — representada pelo catolicismo oriental e
ocidental, mas ainda compartilhados pelo protestantismo clássico — com os
séculos XVIII e X IX (veja p. 300 acima), chegara ao fim; pois “agora viemos
a aprender que o cristianismo não é um dogma, mas um espírito” (Chan.
Caht. AUA, p. 471]; Clrdge. Const. 2 [Coburn 10:119]). Era simplesmente
impossível para qualquer fórmula dogmática expressar de forma adequada o
que o evangelho pretendia com a pessoa e a obra de Cristo, que não era “um
teorema ou forma de pensamento, mas um processo”, e o N ovo Testamento
mostrara sua diferença das teologías sistemáticas posteriores ao recusar “criar
328 Λ♦ A DEFINIÇÃO DA DOUTRINA

qualquer fórmula de três ou quatro linhas” (Bush. Vic. sac. 2.4 [1866:211-12])
que tentaria encapsular esse processo: “Quando” — subiu o clamor — “o
dogmatismo teológico entenderá a linguagem da paixão?” (Bush. Vic. sac.
2.4 [1866:229]).
Embora os críticos da história do século XVIII tenham demonstrado
que o termo “dogma”, nem no N ovo Testamento nem no uso subsequente
da igreja, podia ser entendido de forma inequívoca no sentido da confissão
oficialmente legislada e obrigatória da igreja (veja p. 79 acima), foi esse sen-
tido do termo que passou a ser objeto tanto de interesse teológico quanto
histórico no século X IX (veja p. 243 acima). Newman, — em contraste com
Schleiermacher para quem a “piedade”, mas não a “doutrina”, era seu “ventre”
espiritual (Schl. Rei. [1806] 1 [Pünjer, p. 11-12]) — admitiu que “o dogma,
desde a idade de quinze anos, tem sido um princípio fundamental da minha
religião: não conheço nenhuma outra religião, não posso fazer parte de qual-
quer outro tipo de religião”; e Newman declarou que nunca teve nenhuma
séria “tentação de ser menos zeloso com os grandes dogmas da fé” (Newm.
Apol. 2 [Svaglic, p. 54-55]). Além disso, ele sustentou que isso não era uma
idiossincrasia pessoal, pois “os homens querem um sistema dogmático” e o
encontram no cristianismo “desde o início até hoje” (Newm. Ser. Prf. 1 [7r.
Tms. 85:23]). A igreja, na formulação de um dogma, “mais que insiste, ela
obriga” (Newm. Insp. 1.3 [Holmes-Murray, p. 102]), de m odo que “a crença
na teologia dogmática” vinha com o o terceiro item, logo depois da “crença
em D eus” e a “crença na sagrada Trindade” em sua lista de obrigações da
fé cristã e aceitação delas (Newm. Gram. 1.5 [Ker 1985:69-102]). Conforme
ele colocou em uma definição resumida: “Um dogma é uma proposição; ele
representa uma noção ou uma coisa; e acreditar nele equivale a dar a aceita-
ção da mente a ele, enquanto o dogma representa o primeiro ou o outro”.
Por essa razão, “a real aceitação do dogma é um ato de religião; a [aceitação]
teórica dele é um ato de teologia” por meio do qual a “real aceitação” da
fé religiosa tomava forma intelectual (Newm. Gram. 1.5 [Ker 1985:69]). O
termo também não podia ficar confinado ao “julgamento formal” sobre
uma questão de doutrina, pois também havia na tradição patrística “uma
certa interpretação de um texto doutrinai” que era “tão contínua e universal”
quanto para qualificá-lo para a posição “factível ou praticamente” dogmática
(Newm. Insp. 1.17 [Holmes-Murray, p. 113]).
Wilhelm Münscher, na obra reconhecida pelos sucessores na história
do dogma com o “a primeira apresentação completa da nossa disciplina”
(Harn. DG . [1931-1:33-34]), com eçou citando as distinções com o a que fez
O dogma e seu desenvolvimento ♦♦♦ 329

Cirilo de Jerusalém (veja vol. 1, p. 26) entre “dogmas [δόγματα]” e “práticas


[πράξεις]” (Cir. H. Cateq. 4.2 [Reischl-Rupp 1:90]) ou a distinção de Basilio de
Cesareia entre “dogma [δόγμα]” e “proclamação [κήρυγμα]” (Bas. Esp. 27.66
\SC 17b:232-33]), a fim de definir “dogma” com o “sinónimo de ensinamen-
tos de fé” e os “dogmas da igreja” com o “aqueles reconhecidos por toda a
comunhão cristã com o normativos” (Mnschr. ZXJ.int. 1 [Coelln-Neudecke
1:1-2]); as distinções de Cirilo e de Basilio provaram ser úteis também para
outras definições (Bret. Dogm. 7 [1826:65-66]; Hag. DG. 1 [Benrath, p. 1-2]).
O mais influente desses sucessores de Münscher na disciplina com eçou sua
própria história do dogma com uma definição afim: “Os dogmas da igreja
são aquelas doutrinas cristãs de fé, formuladas em conceitos e colocadas para
um tratamento científico-apologético, que compreendem o conhecimento
de D eus e do mundo e apresenta o conteúdo objetivo da religião”; mas ele
segue imediatamente em frente para estipular que “os dogmas destacam-se
nas igrejas cristãs com o verdades contidas nas sagradas Escrituras (ou talvez
também na tradição), que circunscrevem a garantia da fé e cuja aceitação
é uma pré-condição para a obtenção da salvação prometida pela religião”
(Harn. DG. [1931-1:3]).
Uma definição tão jurídica de “dogma” com o a doutrina legislada da
igreja (ou das igrejas) pressupunha que, lado a lado com esses ensinamentos
que detinham a posição de dogmas, estivessem outros ensinamentos que não
tinham (ou pelo menos ainda não tinham) uma posição no corpo oficial de
legislações formuladas pela igreja e a condição que lhes conferiría essa designa-
ção (Blms. Escép. 15 [Casanovas 5:388-89]). Quando o dogma oficial da igreja
da Antiguidade foi visto da última perspectiva do Ocidente da Idade Média
e, em especial, da Reforma, um ensinamento semelhante era especialmente
proeminente (veja vol. 3, p. 147). “A doutrina da redenção e da reconcilia-
ção estava fora da atividade da igreja da Antiguidade por meio da qual foi
formado o dogma. [...] Contudo, isso não era considerado com o sentido de
que o próprio assunto estava ausente da fé da igreja” (Thom. Chr. 59 [1856-
111:169]). Antes, a doutrina da expiação por intermédio da obra de Cristo, de
forma ainda mais explícita que a doutrina da encarnação da pessoa do Logos,
era vista com o uma doutrina proeminentemente litúrgica, pertencendo mais
apropriadamente à “regra de oração” articulada no ritual que à “regra de fé”
articulada na teologia dogmática (veja vol. 1, p. 342). Embora fosse verdade
para todos os dogmas e credos que eles “têm um lugar no ritual, eles são atos
devocionais e da natureza de oração dirigidos a D eus” (Newm. Gram. 1.5.2
[Ker 1985:90-91]), as diversas metáforas raiz empregadas para a doutrina
330 ♦♦♦ A DEFINIÇÃO DA DOUTRINA

da reconciliação — entre elas, sacrifício, satisfação e divinização — falavam


todas nas sanções da adoração (veja vol. 3, p. 170-86). N o entanto, isso não
as impediu de virem a ser objeto de ataques em um período em que tanto o
dogma quanto o ritual receberam escrutínio crítico (veja p. 152-68 acima).
Por causa desse escrutínio, provavelmente era acurado sugerir que “não
há problema mais delicado nem mais difícil, todavia, nenhum mais importante
ou urgente, nesse momento, que o modo em que a igreja cristã em sua pureza
deveria tratar o cisma, a seita, a heresia e o erro” (Krth. Rei. [1877:2]). Era
amplamente reconhecido que a palavra grega “heresia [άιρεσις]” significava
apenas “escolha”, quer boa quer má (Hrth. Herm. Tt 3:10 [1882:243-44]; Lam.
Indiff. 12 [Forgues 1:425]), e esse sentido originalmente “em sua aplicação
escriturai [...] nunca se relaciona com doutrina, princípio, opinião ou fé”
(Camp. Syst 28.9 [1956:79]); os inimigos chamavam a igreja primitiva de “seita
[άιρεσις] dos nazarenos” (At 24.5). A palavra alemã “ketzer” para “herege”,
veio do nom e dos dualistas medievais denominados “cátaros” (Doll. Gnos.
9 [1890:127]). A questão do procedimento doutrinal por meio do qual uma
igreja dividida devia e podia tratar uma heresia que surgira no milênio desde
os sete concilios ecumênicos criou dificuldades particulares para a ortodoxia
oriental por causa de sua definição especial de autoridade (veja p. 347 abaixo);
mas isso não impediu a compilação da lista detalhada dos condenados pelos
concilios (Jer. N iz. Inst. E [1864:161-62]) e, a seguir, a condenação de vários
ensinamentos modernos sobre questões com o a doutrina dos anjos (Mak.
Prav. bog. 109 [Tichon 1:560-61]). N o Ocidente também havia meios de lidar
com o desafio da heresia sem incorrer na acusação de falta de caridade (Ces.
St. eccl. 1.9 [1881:108-14]; Tor. Car. 1. int. [1779-1:9]). Essa acusação fora
levantada a respeito de antigos heresiologistas, com o Epifânio, m esm o por
aqueles que estavam preocupados com a heresia moderna (Jam. λ/ind. 6.2
[1794-11:339]). Também dos antigos heresiologistas veio a observação padrão
(veja vol. 3, p. 49; p. 86 acima), baseada na declaração do N ovo Testamento
de que “até importa que haja entre vós heresias \oportet haereses esse‫( ”\־‬lC o
11.19, ARC [Vulg.]), de que os hereges contribuíram para o desenvolvimento
da ortodoxia ao forçar um esclarecimento dos ensinamentos da igreja (Mhlr.
Ein. app. 10 [1843:295-98]). Pois “o repúdio do erro”, de muitas maneias,
fora mais produtivo que “a imposição da verdade” (Newm. Gram. 1.5.3 [Ker
1985:99]).
Mas a imposição da verdade e o repúdio do erro foram expressos princi-
pálmente por meio de credos e confissões. D e m odo inverso, a oposição ao
dogma tom ou a forma de resistência à autoridade de declarações eclesiásticas
O dogma e seu desenvolvimento Λ 331

de fé e ensinamento. As declarações de fé, com o o Credo dos A póstolos e o


Credo Niceno, eram vistas com o “imposições religiosas que iludiam a credu-
lidade de eras menos favorecidas que a atual” (Camp. Rce. 6 [Gould, p. 759]),
uma vez que elas iam além “da única confissão de fé apostólica e divina” que
desfrutava de sanção bíblica, a confissão de Pedro para Cristo (Camp. Syst.
17.1 [1956:42]; Mt 16.16); por conseguinte, as declarações de fé eram “tanto a
causa quanto o efeito do partidarismo e as principais causas perpetuadoras do
cisma” (Camp. Rce. 6 [Gould, p. 784]). Os defensores dos credos, por sua vez,
o viam com o uma “deferência à Bíblia, e não com o uma ofensa a ela” (Mrce.
Sub. 5.2 [1835:84]). A fé que, de acordo com o N ovo Testamento, “vence
o mundo” (ljo 5.4) era o Credo N iceno (Makr. Log. Kat. 1 [1871:3-17]), “a
plena e completa confissão da igreja” (Chom. Crk. 7 [Karsavin, p. 27]) que,
com os D ez Mandamentos, era o conteúdo essencial do cristianismo (Fil. Ent.
[Soudakoff, p. 6]). Até mesmo o Credo de Atanásio podia ser defendido se
o indivíduo, com o fez o jovem Newman, “redigisse uma série de textos em
apoio de cada versículo do Credo de Atanásio” (Newm. Apol. 1 [Svaglic, p.
18]). Além disso, o método apropriado para interpretar um credo era vê-lo
“com o expressando o sentido da igreja primitiva” conform e contido nos
escritos dos pais da igreja (Jam. Vind. 6.1 [1794-11:259]). A longa experiência
da história da igreja mostrara que “a mera subscrição da sagrada Escritura”
sem qualquer credo era “absolutamente vã” e que, portanto, algum tipo de
declaração de fé era “absolutamente necessário [...] para o bem-estar de uma
igreja” (Pus. Hist., eng. 2.3 [1828-11:33]), conforme mostraram as confissões
cristológicas dos primeiros concilios (Slv. Bog. 11/12, n. [Radlov 3:154-55]).
Um crítico que fundou uma denominação tendo por base a rejeição de
todos os credos às vezes se dispunha a reconhecer que “um símbolo grego
[como o Credo dos Apóstolos] tinha alguma verdade e alguma filosofia a seu
lado” porque era “um com posto de verdades cristãs, um resumo ou sinopse
de fatos importantes”. Os “credos romanos” não mereceram essa concessão.
Além disso, ele, por “credos romanos”, referia-se não só aos Decretos e cânones
do Concilio de Trento, mas também à Confissão de Augsburg e à Confissão defé de
Westminster e também a (embora tenha acontecido de ele não a ter incluído
aqui) Os 39 Artigos da Igreja da Inglaterra; estes “não [eram] retratos de
verdades ou fatos antigos tanto quanto registros de opiniões e inferências
modernas referentes a eles” (Camp. Rce. 6 [Gould, p. 760]). Eles, é claro, não
eram uniformes nem em seu conteúdo doutrinai nem em sua posição como
normas de doutrina cristã em suas comunhões. Por isso, um luterano sentiu
que podia não só reivindicar para a Confissão de Augsburg, de 1530, o título de
332 A DEFINIÇÃO DA DOUTRINA

“o credo mais antigo distintivo agora no uso em qualquer grande divisão da


cristandade” (os Decretos e cánones do Concilio de Trento finalmente promulgados
1563) (Krth. Cons. ref. 6 [1871:216]), mas também identificar o luterano Livro
de Concordia com o “a confissão mais explícita já feita na cristandade” e Os 39
Artigos anglicanos com o “a menos explícita entre as declarações oficiais das
igrejas da Reforma” (Krth. Cons. ref. pr. [1871:x]). Quando outro luterano do
século XIX, enquanto citava a Confissão deAugsburg com o autoritativa em sua
doutrina da pessoa de Cristo (Grnvg. Snd. Chr. [Begtrup 4:458-59]), falou da
“confissão da fé cristã” (Grnvg. Chr. snd. [Begtrup 4:575]), ele referia-se acima
de tudo ao Credo dos Apóstolos (Grnvg. Chr. brnlrA [Begtrup 9:357-66]).
Um motivo para as diferenças entre o luteranismo e angücanismo no
grau de sua “adesão escrupulosa” a suas confissões — e isso a despeito do
esforço dos críticos recentes das confissões luteranas em dividir entre Lutero
e a Confissão deAugsburg (ap. Krth. Cons. ref. 6 [1871:228-29]) — era o fato de
várias das declarações de credo do Livro de Concordia (Pus. Hist. 1 [1828-1:21])
— para as quais não havia contraparte nas confissões reformadas, incluindo
Os 39 Artigos— serem de autoria de Lutero. O s prelados ortodoxos orientais
e católicos-romanos tomavam com o garantido que os professores nas acade-
mias de teologia da igreja não tinham de ensinar nada além das doutrinas da
igreja (Joan. Kv. Jub. Sbor. 3 [1899:73-76]; Pio X. Sacr. ant. \A A S 2:669]), que
tinham sua própria validade bem à parte dos constructos especulativos dos
intelectuais (Slv. Bogo. 6 [Radlov 3:90-91]), mas os professores universitários
de teologia protestante achavam quase inacreditável que os confessionalistas
em meio ao clero tivessem tido a audácia “de cegar o clero, os doutores e os
professores de teologia com um juramento de ensinar fielmente sua profissão
pública” (Bau. Neun. 3 [Scholder 4:506]; Hrbn. Crk. 6 [1861:165]). Para esses
confessionalistas, as palavras iniciais do texto latino do primeiro artigo da
Confissão de Augsburg, “as igrejas ensinam entre nós com magno consenso”
( Conf.Aug. 1.1 [Bek., p. 50]), significavam que “não [eram] apenas os grandes
príncipes nem os grandes teólogos”, mas sim “as igrejas que ensinavam essas
doutrinas”; pois “a opinião pessoal do maior dos homens não é nada aqui”
(Krth. Cons. ref. 6 [1871:265]). O estudo dos “símbolos comparativos” com o
um ramo distinto da teologia, extrapolando dessa definição da função das
confissões com o declarações da doutrina pública das igrejas para as quais
falavam, prescrevia que a interpretação do que qualquer igreja particular
ensinava com o doutrina ou dogma fosse fundamentado em suas confissões
(caso tivesse alguma) (Mar. Inst. symb. pr. [1825:xii]).
O dogma e seu desenvolvimento ♦*.
♦ 333
Os 39 Artigos, quer merecessem ser rotulados com o “a menos explícita
entre as declarações oficiais das igrejas da Reforma” quer não, vieram a ser o
foco da controvérsia durante o século XIX. F. D. Maurice defendia a subscri-
ção a eles com o fundamento de que eles não competiam com a Bíblia, pois a
Bíblia e o credo eram fundamentalmente diferentes em gênero. A difundida
crença de que a Bíblia era com posta de “artigos propositivos” constituía
um “m onstruoso insulto para a palavra divina” (Mrce. Sub.5.2 [1835:84-85]).
Assim, Os 39 Artigos descreviam “as condições de pensamento” e não im-
punham um jugo sobre o pensamento e a erudição (Mrce. Sub. 1 [1835:13]).
O mais provocativo — e, em evento, o último — dos Tratados sobre os tempos
por meio do qual o Movimento de Oxford, na Igreja da Inglaterra, fez soar
seu chamado à renovação católica na estrutura do anglicanismo foi o Tratado
90, que traz o título aparentemente inócuo Comentários sobre certaspassagens nos
39 Artigos, lançado em 1841, por John Henry Newman. E Newman, citando
a mais autoritativa entre as exposições de Os 39 Artigos, a de Gilbert Burnet
(Brnt. Mr/. X X X IX . 31 [1700:482]), argumentou que “os Artigos‫״‬, a despeito
de sua vigorosa polêmica, “não são escritos contra o credo da igreja romana,
mas contra os atuais erros existentes nela, quer em seu sistema quer não”
(New m .A rt. X X X IX . 9 [7f Tms. 90:59]). Os artigos, embora fossem “o fruto
de uma era não católica”, não eram “para dizer o mínimo, não católicos”
(N ew m ./lrf. X X X IX . int. [7f Tms. 90:4]); era, portanto, uma “obrigação que
devemos tanto à igreja católica quanto a nossa m esm o” ler as confissões “no
sentido mais católico que elas pèrmitem” (Newm. A rt. X X X IX . con. [Tf.
Tms. 90:80]). Assim, embora o 25° artigo declarasse de m odo categórico: “Há
dois sacramentos ordenados por Cristo nosso Senhor no evangelho, isto é, o
batismo e a ceia do Senhor” {Art. XX XIX.2S [Schaff 3:502]), parecia possível
dizer que os outros cinco sacramentos da igreja católica também “podem ser
sacramentos”, embora não sacramentos “ordenados por D eus ou Cristo”
(Newm. A rt. X X X IX . 7 [7f Tms. 90:43]).
Esse tratamento dos documentos confessionais do passado cristão levan-
tou com força especial a questão da mudança, ou seja, do desenvolvimento
da doutrina. Os tratamentos representativos, respondendo à acusação de
que “mudamos totalmente e desfiguramos nossa fé” e ecoando discussões
anteriores dos “novos” credos (Tos. Aq. 3. T. 2.2.1.10 [Ed. Leon. 8:23-24]),
insistiam que “a mudança, se de fato podem ser chamadas de mudança, é
apenas acidental, não essencial”; pois as “novas” definições dogmáticas de
fé não eram nada mais que “novas explicações dos artigos de fé transmitidos
334 ♦♦♦ A DEFINIÇÃO DA DOUTRINA

originalmente pela tradição [traditi] a partir do Espirito Santo para os após-


tolos e dos apóstolos para os primeiros cristãos da igreja” (Marc. /»r/. 30.3.1
[Tomassini 6:19-20]; Gr. XVI. Tr. 5.10 [Battaggia, p. 249-52]). O paradigma
para esse “desenvolvimento” era a revelação progressiva do Antigo Testa-
mento para o N ovo Testamento e, a seguir no próprio N ovo Testamento,
para as concepções ingênuas atribuídas aos discípulos nos evangelhos para
as formulações no livro de Atos dos Apóstolos e nas epístolas, inspiradas
pela presença do Espírito Santo na comunidade apostólica (Slv. Soph. 2.2
[Rouleau, p. 72]).
Zinzendorf, em uma comparação das primeiras epístolas de Paulo com as
últimas ou das epístolas de João com seu evangelho no fim da sua vida (veja p.
132 acima), já mostrara “com o até m esmo a fé dos apóstolos evoluira”. Essa
impressão ensinara a Zinzendorf a “ler a Bíblia de acordo com suas épocas,
de acordo com os padrões no curso do tempo, de acordo com os estágios
por meio dos quais a pregação do evangelho cresce de uma época para a
seguinte” (Zinz. Rei. 4 [Beyreuther 6-1:70-71]). Graças a esse crescimento, a
crise enfrentada pelo primeiro concilio apostólico (At 15.6-29), que poderia ter
levado a um cisma da igreja primitiva, não se confirmou assim, mas ajudou a
produzir uma igreja genuinamente católica, composta tanto de judeus quanto
de gentios (Mnkn. Bl. 8 [1828:89-90]). Uma compreensão tão profunda do
que o evangelho implicava não veio à igreja de uma vez só, mas “foi apenas
por meio de passos graduais que a mente cristã adquiriu tal maestria prática
sobre sua herança espiritual” (Wlb. Inc. 5 [1849:104]). Lidar com a atualidade
histórica desses “passos graduais” e, por conseguinte, com a relação entre a
verdade supostamente imutável da mensagem cristã em um estágio e, a seguir,
mais uma vez no estágio seguinte, exigiu uma reconsideração fundamental da
relevância teológica do “desenvolvimento universal-histórico” (Grnvg. N r d.
Myth. 1 [Begtrup 5:397]), que era “a ideia fundamental na nossa civilização”
(Sod. Upp. 3 [1930:149]; Sod. K at.prot.2.\l [1910:415-19]).
Embora o teólogo católico-romano Johann Sebastian Drey, em Tübingen,
talvez tenha sido o primeiro a reconhecer essa necessidade, a reconsideração
pode ser vividamente traçada na própria evolução do “desenvolvimento”
no pensamento de seu mais celebrado exponente, John Henry Newman.
Newman, já no Tratado 90, publicado no com eço de 1841, ainda falava sobre
“uma mudança no ensino teológico” com o envolvendo “ou a comissão ou
a confissão do pecado”, uma vez que era “ou a profissão ou a renúncia de
doutrinas errôneas”; assim, “se [a doutrina/confissão do pecado] não foi
bem-sucedida em provar o fato da culpa passada, ela por isso mesmo, implica
O dogma e seu desenvolvimento ♦♦♦ 335

[culpa] atual” (Newm. A rt. X X X IX . int. [7r. Tms. 90:3]). N o entanto, nesse
meio-tempo, ele examinou o papel da tradição nas controvérsias entre o
arianismo e a ortodoxia nicena abraçada por Atanásio (veja p. 324 acima) e
com eçou a ver que os arianos, em alguns pontos inquietantes, pareciam ter o
argumento da antiguidade a seu favor; a aplicação do cânone vicentino não
levava automaticamente à ortodoxia do Concilio de Niceia. N o com eço de
1843, Newman, em um sermão sobre o texto: “Maria, porém, guardava todas
essas coisas e sobre elas refletia em seu coração” (Lc 2.19), estava preparado
para anunciar o que ele estava para chamar no título da versão publicada desse
sermão de “a teoria dos desenvolvimentos na doutrina religiosa” (Newm.
Univ. serm. 14 [1843:311-54]). E em 1845, ele publicou a primeira edição
(revisada em 1878) do “protótipo da ideia do desenvolvimento dos dogmas
cristãos” (Lol. Symb. 2 [1958:17-18]), sua obra Um ensaio sobre 0 desenvolvimento
da doutrina cristã, que “constitui a produção mais importante da perspectiva
teológica de um destacado teólogo da Inglaterra e do catolicismo — salvo,
pelo menos, Leão XIII — a personalidade mais relevante no último século
[XIX]” (Sod. Kat. prot. 1.2 [1910:35]). N o mesmo ano, Philip SchafF pubü-
cou um ensaio apresentado, no ano anterior, com o uma aula inaugural na
Alemanha com o título O princípio do protestantismo conforme relacionado com a
condição atual da Igreja e devotado ao princípio do “desenvolvimento”; seu
colega John Wiliamson N evin traduziu esse ensaio para o inglês e escreveu
uma introdução que passou a ser ela mesma mais uma exposição do que
significava “desenvolvimento”.
Embora essas quatro versões do princípio de desenvolvimento de dou-
trina cheguem a conclusões eclesiológicas diametralmente opostas a esse
princípio — Drey e Newman encontram nele o imperativo para aceitar o
catolicismo-romano, Schaff e Nevin usam-no para justificar um “catolicismo
protestante” (Schf. Prin. prot. 2.6.83 [Mere. 1:230]) na herança da Reforma
com o “genuíno progresso histórico” — todos eles compartilham conside-
rável terreno em comum. Drey via “a lei do temporal”, que pertencia tam-
bém à revelação histórica, no “processo de se tornar, por meio da revelação
progressiva de si mesma ao longo do tempo, e o desenrolar para o exterior
do embrião que estivera oculto” (Dry. Apol. 1.2.3.19 [1838-1:173]). Schaff,
aplicando esse princípio específicamente ao desenvolvimento da doutrina
cristã, citou “a doutrina da Trindade antes da época de Atanásio” com o um
caso histórico particular da regra geral que “é possível a igreja estar de posse
de uma verdade e viver à altura dela antes de essa verdade ser discernida na
consciência da igreja” (Schf. Prin. prot. 2.6.16 [Mere. 1:221]). Para Nevin, o
336 ♦♦♦ A DEFINIÇÃO DA DOUTRINA

caráter “orgânico” do cristianismo implicava “na natureza do caso, desen-


volvimento, evolução e progresso”. D e acordo com essa “história interna”
do cristianismo, “todas suas principais doutrinas também têm uma história
e não podem ser entendidas [...] à parte de sua história”; contudo, “a ideia
de um desenvolvimento” indicava “exatamente o contrário” da sugestão de
que tenha havido “qualquer mudança na natureza do próprio cristianismo”
(Nvn. Schf \Merc. 1:45]).
Newman, prosseguindo com base na premissa de que “a partir da na-
tureza da mente humana é necessário tempo para a completa compreensão
e aperfeiçoamento de grandes idéias”, argumentou que “as mais elevadas e
mais maravilhosas verdades, embora transmitidas ao mundo todas de uma
vez por mestres inspirados, não puderam ser compreendidas todas de uma
vez pelos recipientes”, mas “exigiram apenas mais tempo e meditação mais
profunda para sua total elucidação”; ele rotulou essa observação de “a teoria
de desenvolvimento de doutrina” (Newm. Dev. 1. int. 21 [Harrold, p. 28]).
Ele professou ser capaz de discernir essa: regra de “desenvolvimento” em
operação ao longo da história do pensamento humano e, nesse sentido, de
ver o desenvolvimento da doutrina cristã com o uma ilustração específica
de um padrão geral. N o entanto, em relação às percepções anteriores de
mudança, incluindo a sua própria, a sugestão mais revolucionária da sua
teoria era que a doutrina cristã ortodoxa não estava isenta da regra geral de
desenvolvimento, mas era seu exemplo mais profundo e brilhante. Embora
Newman, portanto, não fosse o primeiro nem o único a defender isso ou
a afirmar isso, ele veio a se identificar com essa percepção, e por essa e por
outras percepções na natureza da fé e doutrina católicas ele foi, a um e ao
mesmo tempo, um enigma para a era do Primeiro Concilio Vaticano (Doll.
Vat. dekr. 17 [Reusch, p. 109]) e urna “honra eterna para a igreja católica”
(Mntl. Ang. 12 [Lecoffre 5:352]).
Uma característica distintiva da apresentação de Newm an de desen-
volvimento era sua preocupação com os aspectos normativos da questão
ainda mais que com os aspectos descritivos. Isso o destacou da maioria
dos historiadores do dogma entre seus contemporâneos, em especial dos
protestantes da Alemanha que, embora dessem alguma atenção explícita à
questão normativa — além de grande consideração implícita — afirmavam
estar tomando a tarefa descritiva com o principal (veja p. 292-303 acima). As
óbvias contradições na tradição dogmática, já no pensamento escolástico da
Idade Média, exigiam esclarecimento (veja vol. 3, p. 273-79), que em geral
assumiam a forma de uma justaposição dialética, mas também envolvia,
O dogma e seu desenvolvimento ♦♦♦ 337

embora de m odo subordinado, atenção para as relações históricas entre os


diferentes aspectos da tradição (Rd. Ges. Auf. 5 [1893:147]). A historiografia
do Iluminismo tornara essas relações centrais e, assim, fundou a história do
dogma com o uma disciplina acadêmica e teológica (veja p. 129-59 acima).
O impulso irresistível da fé da igreja para tomar a forma de dogma criou a
necessidade, não m enos irresistível, do entendimento histórico desse dogma
(Klfth. DG . 90 [1839:299]). Isso podia levar a um historicismo relativista que
definia qualquer dogma ou sistema de dogmáticos com o uma pausa tempo-
rária no fluxo constante da história do dogma para logo ser mais uma vez
varrido por esse fluxo (Bau. DG . 2 [1858:2-3]).
Newman, reconhecendo com o o fez que na maioria das áreas da vida as
mentes mais reflexivas “não têm nem precisam ter certeza, nem, tampouco,
procuram por isso” (Newm. Gram. 2.7.2.4 [Ker 1985:155]), esforçou-se não
só para, com o historiador, identificar os padrões de desenvolvimento, mas,
com o teólogo, para definir “certas características de desenvolvimentos fiéis,
que apenas os desenvolvimentos fiéis as têm, e a presença do que serve com o
um teste para descriminar entre eles e as adulterações” (Newm. Dev. 2.5. int.
2 [Harrold, p. 158]). As sete notas de desenvolvimento autêntico, em sua
formulação final, eram: a preservação do tipo; a continuidade dos princí-
pios; o poder de assimilação; a sequência lógica; a antecipação do futuro do
desenvolvimento; a ação conservadora sobre seu passado e o vigor crônico
(Newm. Dev. 2.5 [Harrold, p. 157-91]). A “preservação” e a “continuidade”,
conform e tanto Newman quanto seus contemporâneos reconheciam, eram
fundamentais para todas as outras notas. Uma análise crítica do tratamento
da doutrina da Trindade pelos pais da igreja dos três primeiros séculos podia
levar a conclusões questionáveis (Newm. Dev. 1. int. 10-14 [Harrold, p. 13-
19]), a partir das quais não ficava claro se a declaração de que, não obstante,
“a fé da igreja fosse constantemente semelhante a si mesma, embora tenha
acontecido um desenvolvimento”, ela expressava um julgamento histórico
ou um princípio dogmático — ou ambos (Mhlr. A th. 1 [1827-1:110]).
Pois, se houvera um “desenvolvimento e ordenação” da igreja ao longo
das “muitas épocas” de sua história, o que ainda permanecia disso tudo
(Mynst. Betr. 53 [1846-11:253])? Em que sentido seria acurado dizer que Deus
não só “desenvolve” a igreja, mas ao mesmo tempo a “conserva” (Lam. Mx.
égl. 1 [Forgues 12:188])? Para muitos, as metáforas orgânicas pareciam um
m odo útil de responder a essa pergunta: a continuidade era “não a mesmi-
ce da pedra, mas antes a identidade viva de um hom em ” (Krth. Cons. ref.
7 [1871:270]). A metáfora bíblica inorgânica da “pedra” (Mt 16.18) podia
33« ♦♦♦ A DEFINIÇÃO DA DOUTRINA

ser substituida pela metáfora orgânica e não menos bíblica da “árvore” (Mt
13.31,32) com o urna forma de falar sobre a historia da igreja (Slv. Rus. égl.
2.9 [Rouleau, p. 215]). Alguns estavam preparados para argumentar que o
título “corpo de Cristo”, entre esses termos orgánicos para a igreja, era usado
“não no sentido de urna metáfora, mas de urna fórmula metafísica” (Slv. Bogo.
11 /12 [Radlov 3:159]), pois — embora pudesse parecer herético em ambos
os casos dizer isso (Grnvg. Pr. 13.1.1839 [Thodberg 12:121]) — aigreja, com o
o próprio Cristo, “crescefra] em sabedoria” (Le 2.52). Todavia, a metáfora
orgánica para o desenvolvimento parecia ter com o seu inverso inevitável
o reconhecimento de que os credos podiam não só nascer, mas morrer, e
que crenças antes apreciadas podiam se tornar periféricas ou insignificantes,
embora por hábito ainda continuassem a ser defendidas com o artigos de fé
(Chan. Calv. [AUA, p. 467-68]).
Os conceitos de identidade e continuidade eram uma forma de prote-
ger a ideia de desenvolvimento de doutrina contra a acusação de inovação.
Essa descoberta recente do desenvolvimento (uma vez que o “alarmismo
da novidade”, desde os primeiros séculos da igreja (Eus. H. e. 1.1.1 [GCS
9:6]), era visto com o a marca da heresia) precisava confrontar a questão de
se um desenvolvimento doutrinai tinha de ser definido com o “o substancial
crescimento positivo” de uma doutrina, qualquer que fosse esse desenvolví-
mento doutrinai — “por meio de uma ampliação partindo de seu interior”,
“por meio de um acréscimo externo de nova matéria intelectual”, ou se era
ou não um crescimento que não fosse nada mais que um processo de tornar
explícito o implícito, “uma explicação de uma ideia ou crença já existente,
presumivelmente dando a essa crença maior precisão e exatidão na nossa
própria mente e na dos outros, mas não acrescentando seja o que for a sua
real área” (Lid. Div. 7 [1867:641-42]). Esse m odo de colocar a questão deixou
evidente que além de todas as outras objeções sendo levantadas agora contra
isso, o dogma niceno da Trindade com sua designação do Filho de Deus como
“homoousios com o Pai” manteve-se com o o principal exemplo, pelo menos
na história ortodoxa, de “desenvolvimento de doutrina”, por conseguinte,
talvez também de inovação doutrinai (veja p. 257-58 acima). Para a teologia
protestante, esse desenvolvimento de doutrina também era uma ilustração
mais importante da tensão, herdada dos reformadores e das confissões da
Reforma, entre o princípio teórico da autoridade da Escritura sobre a tradição
e a prática da aceitação cabal de um dogma não afirmado nas ipsissima verba
da Escritura, mas recebido da tradição da igreja (Bau. DG. 103 [1858:306]).
Por isso, os críticos católicos-romanos caracterizavam os unitaristas com o
O dogma e seu desenvolvimento 339

“os mais consistentes na aplicação dos princípios da teologia protestante”


contra a declaração de que os dogmas da igreja da Antiguidade eram infalíveis
(Lam. Indiff. 6 [Forgues 1:140]).
O lado reverso desse problema na teologia protestante era a doutrina
da justificação pela fé. N o ensino da Reforma, essa não era simplesmente
uma doutrina em uma série delas, mas a chave para todas as outras doutri-
nas e, por essa razão, era o ponto central na transformação total da teologia
desenvolvida pelos reformadores (Hrlss. Enc. 2.3.6 [1837:123]). E, ainda
assim, conform e foram obrigados a reconhecer os defensores dela durante
a era da Reforma (veja vol. 4, p. 221-22), encontrar autenticação patrística
para ela era difícil ou impossível, até mesmo nos escritos de um Agostinho,
a quem parecia impossível ser citado em apoio a outras posições da Refor-
ma sobre os sacramentos ou sobre a graça e a predestinação (veja vol. 4, p.
260, 289-90). Os críticos católicos-romanos do século XIX, pegando esse
reconhecimento, destacaram que nenhum único concilio da igreja podia ser
citado com o evidência para essa definição — defendida por Lutero e seus
seguidores e também por Calvino contra as doutrinas de Andreas Osiander
(veja vol. 4, p. 214-17) — de justificação com o a imputação para o pecador
da justiça alcançada pela obediência de Cristo (Doll. Ref. 3 [1846-111:195]).
Tais admissões de descontinuidade com a tradição, conforme argumentavam
eles, deixou essa doutrina fora do padrão de desenvolvimento autêntico.
N o entanto, durante os séculos X IX e X X, pareceu aos críticos protes-
tantes e ortodoxos orientais que o “alarmismo da novidade” mais flagrante
estava acontecendo no próprio catolicismo-romano, o bastião do tradicio-
nalismo pelo menos no Ocidente, por meio da promulgação pelo papa Pio
IX, em 1854, do “novo” dogma da concepção imaculada de Maria (Pio IX.
Inejfab. \Pii I X Acta 1-1:597-619]) e, depois, pelo papa Pio XII, em 1950, da
assunção corporal dela (Pio XII. Mun. \A A S 42:767-70]). A história passada
da concepção imaculada ajudou a tornar seu dogmatizar final inteligível, talvez
até mesmo inevitável, em especial com a adição de uma teoria da soberania
papal de acordo com a qual o papa tinha poder até mesmo para criar “novos”
dogmas (Bau. Neun. 3 [Scholder 4:318-20]). Quanto à suposta “correspondên-
cia”, alegada pelos defensores do dogma papal, entre o dogma da concepção
imaculada e o homoousios niceno, os dois dogmas, de acordo com os críticos
do dogma mariano, tinham de ser vistos com o de fato fundamentalmente
distintos. N ão só a concepção imaculada representava um ensinamento aceito
por apenas uma seção de uma cristandade dividida, enquanto o homoousios era
um assunto de consenso ecumênico, mas o homoousios era um modo de afirmar
340 ♦♦♦ ADEFINIÇÃO DADOUTRINA

“uma verdade que fora sustentada ser de importância primordial e vital para a
primeira”. Assim, os pais da igreja, no Concilio de Niceia, “explicavam a antiga
verdade, não estavam revelando uma verdade não revelada antes”, embora por
contraste a concepção imaculada fosse um acréscimo injustificável ao credo
(Lid. Div. 7 [1867:649-50]). Newman, em sua explicação de “antecipação de
seu futuro” com o um critério de desenvolvimento fiel de doutrina, admitiu
livremente que as “prerrogativas especiais” atribuídas a Maria, incluindo sua
concepção imaculada “só foram totalmente reconhecidas no ritual católico em
uma data tardia” (Newm. Dev. 1.3.1.8 [Harrold, p. 100]), mas ele, ainda assim,
insistiu que “essas decisões não eram uma coisa nova na igreja ou estranhas
a seus professores anteriores” (Newm. Dev. 2.5.4.4 [Harrold, p. 388-91]). Por
essa razão, elas, no sentido da palavra para Newman, tinham se desenvolvido.
A ortodoxia oriental — em sua definição de sua essência com o “autenti-
cidade com liberdade”, incluindo a liberdade de ir além das regras e práticas
da era apostólica (Andrts. Symb. con. [Regopoulos, p. 409]) — conforme
demonstraram suas respostas à promulgação da concepção imaculada em
1854, permaneceu em uma posição peculiar em relação a toda a questão de
desenvolvimento de doutrina (Hrth. Herm. lT m 3.2 [1882:88-89]). A orto-
doxia oriental, ao contrário do protestantismo, não se ressente com a alta
posição designada à virgem pelo dogma (Innok. Bog. 22-27 [1859-1:77-90]):
ela fora celebrada com o “a toda santa [πανάγια] Theotokos e sempre virgem
Maria” de m odo mais consistente e há mais tempo pelo Oriente que pelo
Ocidente 0o. D. Horn. 9 [PC 96:721]), e Maria ainda era aclamada ali com o
“glorificada e bem-aventurada” (Amvr. Sohr. 3.5 [1810-111:48]). O oriente,
não tendo se comprometido de m odo tão inequívoco com a doutrina carac-
teristicamente agostiniana do pecado original (veja p. 89 acima), não tinha a
mesma obrigação de definir por que Maria era uma “exceção” a essa regra
universal. Acima de tudo, o Oriente objetava a concepção imaculada com o
fundamento de que ela não estava na tradição, mas fora desenvolvida mais
tarde 0nnok. Bog. 123 [1859:137]), com o o fora a noção ocidental de Filioque,
que os teólogos católicos-romanos continuavam a enaltecer por seu discer-
nimento (Mntl. Ans. 8 [Lecoffre 8:401]).
Ironicamente, um dos casos mais impressionantes de desenvolvimento de
doutrina em toda a história da igreja foi a apologia bizantina para as imagens
em resposta aos ataques da iconoclastia (veja vol. 2, p. 140-55). Os teólogos
orientais da Grécia e da Rússia continuaram repetindo essa apologia (Hrth.
Thrsk. 2.2 [1895:57-58]; Jer. Niz. Inst. P [1864:301-3]), e os estudiosos do
Ocidente continuaram a ecoar sua argumentação, explicando que, com o os
O dogma e seu desenvolvimento ♦♦♦ 341

convertidos ao cristianismo nos primeiros séculos da igreja vieram do judaís-


mo (que proibia imagens) ou do paganismo (que transformava imagens em
ídolos), seria imprudente para a igreja criar ícones para a veneração do fiel.
Isso teria de esperar o futuro desenvolvimento do cultus cristão e também
o desenvolvimento mais profundo do dogma cristão da encarnação (Marc.
Inst. 25.12.1 [Tomassini 4:346]), que fornecera a justificação doutrinai para
a adoração de imagem (Dyob. Jo. Dam. 1 [1903:3]). Um estudo grego sobre
João de Damasco do fim desse período, por sua vez, teve a obrigação de
considerar em que sentido, caso houvesse algum, ele fora responsável por
“uma inovação” (Dyob. Jo. Dam. 1 [1903:3]).
A consideração das várias doutrinas e dos variados padrões que eles
fizeram em seu desenvolvimento levou à discussão do problema de com o
dividir a história da doutrina cristã em períodos. Um exemplo extremo disso
foi uma periodização luterana alemã da história da doutrina da expiação,
publicada em 1838, que se sentiu capaz de discernir três estágios principais:
do N ovo Testamento para a Reforma (quinze séculos); da Reforma ao início
do século X IX (três séculos) e do início do século X IX até o presente (três
décadas) (Bau. Vers. int. [1838:15-16]). Havia um sentimento difundido de
que “cada período da igreja e da teologia tem seu problema particular para
resolver, e que cada doutrina [...] tem sua época clássica em que, pela primeira
vez, veio a ser totalmente compreendido e apropriado pela consciência do
mundo cristão” (Schf. Prin. prot. 2.6 \Merc. 1:219-20]): nos três primeiros sé-
culos, a Trindade; na era de Agostinho, o pecado e a graça; na Idade Média,
os sacramentos; na Reforma, “a plena exposição da soteriologia cristã com o
permanente na apropriação subjetiva da obra de redenção” (Schf. Prin. prot.
1.2 [Mere. 1:78]); no período da ortodoxia protestante, a inspiração da Escri-
tura. E agora chegava a vez da eclesiologia, que fora durante muito tempo
o principal ponto de divisão (Hrbn. Crk. 5 [1861:84-85]). Era a convicção
de vários teólogos protestantes “que o período do desenvolvimento dog-
mático que começa de novo em nossa época terá sua designação especial na
doutrina da igreja” (Klfth. DG. 37 [1839:98-99]). Todas as denominações,
muitas herdeiras do século XIX, viríam a crer que teriam de transmitir essa
“designação especial” para o século X X , que algumas delas, por isso, vieram
a denominar “a era da igreja”.
A com un idade espiritual do
corpo de Cristo

N o início do século XX, cada uma das principais igrejas de uma cris-
tandade dividida foi obrigada, por razões próprias (Schf. Prin.prot. 1.2 [Mere.
1:79]), a lidar mais uma vez com a doutrina da igreja — seu lugar na mente
de Cristo, sua mensagem essencial, sua natureza e identidade, suas marcas
de continuidade, sua autoridade e estrutura, sua resposta a sua dupla missão
de se manter “pura e imaculada” e ainda de ser “o sal da terra” (Tg 1.27;
Mt 5.13) e, acima de tudo, sua unidade autêntica a despeito de suas divisões
históricas e além delas. N o início da terça parte final do século X X , não só
cada uma das igrejas individualmente, mas todas elas juntas (ou pelo menos
em algum sentido juntas) estavam envolvidas em investigar com vigor sem
precedentes a “visão [...] de uma igreja genuinamente católica, leal a toda a
verdade e reunindo em sua comunhão todos ‘que professam e se denominam
cristãos’ ”, contudo, com “uma rica diversidade de vida e devoção” {Doe. cr.
un. 1 [Bell 1:3]).
A ecumenicidade foi o grande e novo fato na história da igreja e, por
isso, também na história da doutrina cristã; e a doutrina da igreja veio a ser,
com o nunca fora antes, a portadora do todo da mensagem cristã para o sécu-
lo X X , bem com o da recapitulação de toda a tradição doutrinai dos séculos
precedentes. Portanto, a eclesiologia do século XX, de um m odo especial, foi
fundamentada em uma constante referência cruzada com o passado cristão
e precisava ser entendida principalmente com essa base; contudo, era uma
doutrina que olhava para o presente e para o futuro não menos que para o
passado.
Para as igrejas das principais correntes do Oriente e do Ocidente no início
do século XX, alguma versão do “critério de continuidade apostólica” (veja
vol. 1, p. 124-35) — formulada de m odo mais sucinto por Ireneu, mas pela
natureza do caso crida, ensinada e confessada com o a doutrina comum da
3 4 4 Φ% A COM UNIDADE ESPIRITUAL DO CORPO DE CRISTO

igreja católica — ainda permanecia com o a pressuposição para a definição de
autoridade na fé e na ordem: as Escrituras apostólicas, a tradição apostólica e
o oficio apostólico. Cada um dos três com ponentes nessa definição — com
considerável exatidão, mas não sem alguma simplificação excessiva — foram
descritos com o tendo se tornado constitutivo para um ou outro dos ramos
da cristandade (Delmp. Oik. 2.3 [1972:89]). Assim, a Reforma protestante,
conforme entendida por amigos e inimigos, elevou a autoridade da Escritura
sobre a da tradição do credo (enquanto mantinha grande parte da última) (veja
vol. 4, p. 268-82; 329-343) e sobre a identificação de “ofício apostólico” (veja
vol. 4, p. 220-22) com o episcopado histórico (insistindo que só a política
estabelecida pela Escritura seria obrigatória para a igreja, embora não con-
cordando precisamente sobre que sistema de política, caso houvesse algum,
satisfaria esse critério) (veja vol. 4, p. 239-40, 384). O catolicismo-romano,
conforme se definira no Concilio de Trento, também professava manter
todos os critérios de continuidade apostólica (veja vol. 4, p. 238-373); mas
mesmo alguns em seu próprio meio acusaram que isso ligava a autoridade da
Escritura (cujos cânones um concilio da igreja católica-romana, pela primeira
vez na história cristã, tom ou para si a tarefa de determinar para toda a cris-
tandade) (veja vol. 4, p. 344-45) e a autoridade da tradição do credo (ao qual
o papa, também em um sentido pela primeira vez, afirmara sua prerrogativa
de “acrescentar” doutrinas ao proclamar o dogma da concepção imaculada
de Maria (veja p. 269-70 acima), prerrogativa essa que fora sistematizada pelo
Primeiro Concilio Vaticano (veja p. 310-13 acima) na formulação do dogma
da infalibilidade papal) à crescente centralização da autoridade na pessoa do
papa. Entrementes, era possível dizer que a ortodoxia oriental histórica de-
finirá a autoridade da tradição, representada (mas de m odo algum exaurida)
(veja vol. 2, p. 41-47) pelas ações dos primeiros sete concilios ecumênicos (veja
vol. 2, p. 47-55), com o a norma para a interpretação ortodoxa da Escritura
e negara a qualquer membro do episcopado, até mesmo àquele que era “o
primeiro em meio aos iguais”, o direito de exercer autoridade à parte dessa
tradição (veja vol. 2, p. 177-90). E era possível considerar que a Reforma
radical solapara, um a um, todos esses três critérios (veja vol. 4, p. 384-402).
N o final do século X IX e início do X X, foi estabelecido, com base nesse
padrão triplo da apostolicidade formulado por Ireneu, uma das mais ampla-
mente discutidas das propostas modernas para a renovação e a reunificação
da igreja: o anglicano Quadrilátero de Lambeth, afirmado pela primeira vez em
1886, tornado oficial pela Conferência de Lambeth de bispos anglicanos,
em 1888, e, depois, incorporado com o a afirmação doutrinai essencial do
A comunidade espiritual do corpo de Cristo ♦♦♦ 345

“Apelo a todos os povos cristãos”, lançado pela Conferência de Lambeth, em


1920 (Doc. cr. un. 1 [Bell 1:3]). Além dos três critérios de Ireneu, um quarto
— que, é claro, também estava implícito nos critérios de Ireneu (veja vol. 1,
p. 180) — foi deixado explícito quando a aceitação dos dois sacramentos do
batismo e da eucaristia foi estipulada com o uma condição para a unidade
da igreja. Essa adição foi justificada pelo papel que os sacramentos desem-
penharam na história da divisão e do cisma (veja vol. 4, p. 361-73; p. 97-101
acima). A cartografia doutrinai e eclesiástica reconheceu que “as principais
e fundamentais diferenças entre os reformadores, os católicos-romanos e
os protestantes eram referentes às instituições cristãs, em especial os sacra-
m entos” (Brgs. Teol. simb. 3 [1914:274]). A adição dos sacramentos na lista
de exigências para a unidade também foi justificada em um sentido positivo
pelo lugar que os sacramentos vieram a ocupar no século X X com o uma
força unificadora. Todavia, a Bíblia, o credo e a estrutura da igreja, junto com
a relação entre eles, ainda eram a chave para o entendimento das posições
das várias tradições das igrejas sobre a fé e a ordem, incluindo suas próprias
doutrinas dos sacramentos.
Os bispos da comunhão anglicana, no lançamento original do Quadrilá-
tero de Lambeth, estavam, de um modo, resumindo a eclesiologia histórica de
sua própria tradição conforme ela era esclarecida pela resposta aos debates
provocados pelo M ovimento de Oxford. É possível dizer que o Quadrilátero
de Lambeth, no sentido estrito, não continha nada que já não fora articulado
em Os39Artigóse, não fazia concessões visíveis à ênfase anglo-católica (vejap.
333 acima), mantendo, por exemplo, a restrição do conceito de “sacramento”
para “os dois sacramentos ordenados pelo próprio Cristo — o batismo e a
ceia do Senhor — ministrados com o uso fiel das palavras de instituição usa-
das por Cristo e dos elementos ordenados por ele” (Art. X X X IX . 25 [Schaff
3:502-3]). Contudo, o papel do Quadrilátero de Lambeth com o um fundamento
para as discussões da unidade da igreja ao longo do século X X por todos os
lados — protestante, católico-romano e ortodoxo — é um reflexo de suas
raízes não só em Ireneu, mas também em toda a tradição patrística, bem
com o na nova urgência a respeito do imperativo de reunificação estimulado
pela experiência ecumênica. Isso, por sua vez, ajudou a levantar muitas das
outras questões teológicas com as quais as igrejas e os pensadores cristãos
tiveram de se preocupar durante o século X X, além de nos fornecer aqui um
critério por meio do qual selecionar, por meio de uma amostragem antes
aleatória tanto de teólogos quanto de doutrinas, dentre o grande número
dessas questões na volumosa literatura.
346 ACOMUNIDADE ESPIRITUAL DOCORPO DE CRISTO

O primeiro artigo do Quadrilátero de Lambeth, citando textualmente Os 39


Artigos {Art. X X X IX : 6 [Schaff 3:489]), especificava, com o pré-requisito para
a reunião da igreja, a aceitação das “sagradas Escrituras do Antigo e do N ovo
Testamentos, ‘contendo tudo o que é necessário para a salvação’ com o regra e
norma última de fé”. Ele, em seu segundo artigo, identificava a base de credo
para a reunião da igreja: “O Credo dos Apóstolos, com o símbolo batismal,
e o Credo Niceno, com o declaração suficiente da fé cristã”. N o entanto, da
perspectiva prática e também da doutrinai, a mais controversa das condições
estipuladas no Quadrilátero de Lambeth era seu último artigo: “O Episcopado
Histórico, adaptado localmente nos métodos de sua administração às diversas
necessidades das nações e povos chamados por Deus à unidade de sua Igreja”.
Esse artigo, no contexto britânico, foi dirigido à eclesiologia das várias “igrejas
[congregacionais] livres” que tinham rompido com a doutrina anglicana, pelo
menos em parte, a respeito da questão da forma e poder do episcopado histó-
rico, e à eclesiologia reformada da Igreja Presbiteriana da Escócia {Doc. cr. un.
32 [Bell 1:106]; Doc. cr. un. 51 [Bell 1:182-83]). Mas seu teste mais severo, mais
uma vez da perspectiva prática bem com o da doutrinai, veio em 1947, com
a criação da Igreja do Sul da índia, que tom ou explícitamente o Quadrilátero
de Lambeth com o sua base doutrinai: “todos os outros ministros das igrejas
[quer congregacional, quer presbiteriana, quer episcopal na política] devem
ser reconhecidos com o ministros da palavra e dos sacramentos na igreja
unida” {Doc. cr. un. 139 [Bell 2:147-48]), e o “episcopado histórico”, depois
disso, foi transformado na norma para seu ministério contínuo. A o mesmo
tempo, o Quadrilátero de Lambeth, ao especificar “o episcopado histórico” e
ao explicar que, em vista das “diversas necessidades” em toda a igreja e sua
história tinham de ser “adaptado[s] localmente”, pretendia rejeitar a declaração
de que qualquer forma particular e local de “episcopado histórico” tinha de
estar em harmonia com a posição normativa (veja p. 310-13 acima).
Um grupo de igrejas protestantes dos Estados Unidos, pouco depois
das discussões iniciais do Quadrilátero de Lambeth, reuniu-se para formar o
Conselho Federal das Igrejas de Cristo na América, cujo propósito seria
“manifestar a unidade essencial das igrejas cristãs da América em Jesus Cristo
com o seu Senhor e Salvador divino” (FCC. Const, pr. [Sanford, p. 512]). As
igrejas, expressando concretamente essa unidade, juntaram-se no Conselho
Federal “para o prosseguimento da obra que pode ser mais bem feita na
união que na separação” (FCC. Const. 1 [Sanford, p. 512]). Essa obra incluía,
na família cristã, o cultivo da “comunhão devocional e do aconselhamento
mútuo referente à vida espiritual e às atividades religiosas das igrejas” (FCC.
A comunidade espiritual do corpo de Cristo ♦♦♦ 347

Const. 3.3 [Sanford, p. 513]). O Conselho — a despeito das grandes diver-


gências entre as igrejas da Reforma em relação à aplicação da lei de Cristo
para a vida e a sociedade humanas (veja vol. 4, p. 282) — tinha o objetivo, no
contexto da crescente preocupação ecumênica para a redenção da sociedade
(veja p. 370-83 abaixo), “de garantir uma maior influência combinada para
as igrejas de Cristo em todos os assuntos afetando as condições moral e so-
ciai das pessoas, de m odo a promover a aplicação da lei de Cristo em todas
as relações da vida humana” (FCC. Const. 3.4 [Sanford, p. 513]). E todas as
igrejas, embora não concordassem a respeito das formas de unidade neces-
sárias para a expressão dos vários graus de comunhão cristã (Zez. Hen. int.
[1965:1-26]), estavam vindo para “a crença que os princípios da unidade têm
de ser encontrados na clara declaração e plena consideração das coisas em
que diferimos e também nas coisas em que som os uma” (Doe. cr. un. 4 [Bell
1:16]). A unidade, conforme a doutrina cristã da igreja reconhecera em outras
épocas de separação e cisma, era tanto uma dádiva quanto uma obrigação
(veja vol. 4, p. 132).
A redescoberta teológica da doutrina da igreja, portanto, estava estrei-
tamente ligada à redescoberta existencial da realidade da própria igreja, e a
experiência de milhões de cristãos do século X X de todas as denominações,
quer com a dor da separação quer com a alegria da reunião, contribuíram para
sua preocupação com as questões doutrinais e também com a impaciência
delas com a forma com o essas questões doutrinais funcionavam às vezes
na vida e ensinamento das igrejas. Toda doutrina no corpo de teologia —
conform e demonstrara a atenção dos séculos XVIII e X IX ao fundamento
experiencial e a implicação “experimental” das doutrinas cristãs (veja p. 178-
205 acima) — era suscetível a essa “transposição afetiva” e à nova apropriação
existencial. Contudo, a doutrina da igreja, com o a expressão suprema do
caráter social do cristianismo, era singularmente sensível à experiência coletiva
e individual, da mesma forma que, por sua vez, era imediatamente aplicável
à necessidade concreta da cristandade empírica por reforma e renovação,
reavivamento e reunião.
A ortodoxia oriental, já no século XIX, era vista, pelos pensadores do
Ocidente e também do Oriente (Plmr. Russ. Ch. 1 [1882:1-6]; veja p. 369
abaixo), com o providencialmente preparada para exatamente esse momen-
to. Um sinal de sua influência cada vez maior foi a adoção, com o quase um
termo técnico, da palavra russa “sobornost”, ou comunidade espiritual, pelos
teólogos ocidentais de muitas tradições linguísticas e denominacionais. O
termo “sobomaja” fora — se não, conforme declarara Aleksej Chomjakov
348 Λ ACOMUNIDADE ESPIRITUAL DOCORPO DE CRISTO

(Chom. Égl. lat. prot. 6 [1872:389-400]), já usado por Cirilo e Metódio (veja
vol. 2, p. 178), “os apóstolos para os eslavos”, em época tão remota quanto o
século XI — traduzido pela antiga igreja Eslovênia por “católico” no Credo
Niceno; o uso da palavra “sobor” (veja vol. 2, p. 47-55) para os concilios da
igreja, para os quais a ortodoxia oriental designou autoridade na igreja, ajudou
a tornar o termo uma maneira de distinguir a eclesiologia oriental tanto da
“monarquia papal” do catolicismo-romano quanto do “sola Escritura” do
protestantismo (Krtsv. Sob. 3 [1932:41-71]; Lol. Symb. 2 [1958:13]). O termo
“sobornost”, nesse sentido, entrou no vocabulário e no pensamento mun-
dial do Ocidente com o o cristianismo ocidental — quer católico-romano,
quer anglicano, quer protestante — por motivos que estão nas sublevações
culturais e políticas da era moderna, redescobrindo ao longo do século X X
o Oriente cristão, quer eslavo, quer grego, quer do Oriente Próximo {Doe. cr.
un. 1.17-23 [Bell 1:9-10]), no qual boa parte do século X IX foi um período
de intensa renovação eclesiológica.

A renovação da eclesiologia
A doutrina da igreja fora uma parte da confissão cristã desde os primeiros
tempos. O Credo dos Apóstolos continha a cláusula: “na Santa Igreja” (veja
vol. 1, p. 169-71), expandida depois para “na Santa Igreja católica” {Symb.
Apost. [Schaff 2:45]), e a exposição mais antiga desse credo explicava que
acreditar na existência de “uma santa igreja” e ter fé em D eus com o Trindade
eram com ponentes essenciais do que o fiel era obrigado a afirmar (Rufin.
Symb. 37 [CCSL 20:171-72]). Embora a frase não fizesse parte do credo ado-
tado no próprio Concilio de Niceia (veja vol. 1, p. 212), o texto litúrgico e do
credo que veio a ser conhecido com o Credo Niceno, em suas formulações
finais, tanto em grego quanto em latim, incluía “Igreja Una, Santa, Católica
e Apostólica” logo depois da confissão da doutrina do Espírito Santo {Symb.
Nic.-CP [Schaff 2:58-59]); nesse sentido, sempre houve uma eclesiologia, e
todas essas quatro marcas da igreja tinham de servir repetidamente com o
uma forma de dar organização sistemática à doutrina da igreja sobre si mesma
(veja vol. 4, p. 129-189).
N o entanto, a cristologia ocupara a atenção central da igreja e de seus
teólogos no século todo (veja vol. 1, p. 235-82; vol. 2, p. 61-114; vol. 3, p.
145-200; vol. 4, p. 222-25,421-32; p. 146-159, 252-60 acima), mas a eclesio-
logia passara por uma história que seria mais bem descrita com o episódica.
As questões do batismo realizado por hereges e a autoridade dos bispos
transformaram o batismo em uma questão entre Roma e Cartago no sécu-
A renovação da eclesiologia ♦♦♦ 349
lo III (veja vol. 1, p. 171-73), e um conjunto de problemas eclesiológicos
relacionados, mas bem distintos, focou mais uma vez a atenção nesse assunto
no século V (veja vol. 1, p. 311-16) — ambos os quais principalmente no
Ocidente latino. É possível dizer que a eclesiologia, dessa vez na forma de
relativa autoridade patriarcal (Phds. Pent. epil. [1969-11:256]), tem sido um
ponto fundamental de divisão no cisma entre o Ocidente latino e o Oriente
grego (veja vol. 2, p. 177-90). Contudo, foi só nos cismas na igreja ocidental,
no final da Idade Média (veja vol. 4, p. 129-89) e, acima de tudo, na Reforma
protestante (veja vol. 4, p. 329-43), que a igreja com o uma doutrina veio a ser
o assunto de preocupação teológica explícita (veja vol. 4, p. 130-31) e, depois,
de formulação confessional (veja vol. 4, p. 244-45, 283, 359-73, 384-93). O
século XVII, exceto pela repetição das problemáticas da Reforma (veja vol. 4,
p. 406-21), permitiu mais uma vez que esse tópico se tornasse relativamente
periférico, e até mesmo as vigorosas discussões sobre a natureza da igreja
e sua santidade ocasionadas de maneiras variadas, mas relacionadas, pelo
jansenismo, puritanismo e pietismo não foram bem-sucedidas em viabilizar
uma reconsideração fundamental da eclesiologia em toda a cristandade (veja
p. 64-76 acima).
Essa reconsideração só com eçou a ser reconhecida no século XIX. Os
eslavófilo e Soloviev na ortodoxia russa, Mõhler e a escola de Tübingen no
catolicismo-romano alemão, Wilhelm Loehe e a renovação litúrgica no lute-
ranismo alemão, Grundtvig e o movimento da igreja no luteranismo dina-
marquês, Newman e o Movimento de Oxford na Igreja da Inglaterra, Schaff
e a teologia de Mercersburg na igreja reformada dos Estados Unidos — esses
e outros teólogos e movimentos teológicos do século XIX, muitos deles,
embora não todos, influenciados uns pelos outros e também pelas fontes
comuns no ^eitgeist (espírito da época) (Wellek [1963], p. 128-221) literário e
filosófico (ainda identificáveis, a despeito da crítica do termo com o “román ti-
co”) (Lovejoy [1948], p. 228-53) despertaram novo interesse na eclesiologia na
maioria ou em todas as igrejas e persuadiram muitos dos participantes desses
vários movimentos a predizer que os períodos anteriores da história da igreja
encontraram sua vocação teológica característica na doutrina da Trindade ou
na doutrina da justificação, assim, agora tinha de ser a doutrina da igreja que
se tornaria o tema central dessa era (veja p. 340-41 acima). Contudo, coube ao
século X X, muito mais que ao século XIX, cumprir essa predição, conforme
os desenvolvimentos da doutrina que começaram no século XIX — incluindo
o próprio conceito de desenvolvimento da própria doutrina (veja p. 334-39
acima) — finalmente alcançavam agora a maturidade eclesiológica.
350 ♦♦♦ ACOMUNIDADE ESPIRITUAL DOCORPO DE CRISTO

A doutrina da igreja, conforme sempre fora, era especialmente sensí-


vel à interpretação fundamental da relação entre as dimensões individual e
coletiva da vida humana (Plot. Rask. 2 [1902:47-50]). O individualismo dos
séculos XVIII e X IX (veja p. 189-205 acima) modelou o entendimento da
fé e da experiência cristãs com o um fenôm eno baseado na relação entre
“D eus e a alma [e entre] a alma e D eus” — e, por sua vez, foi modelado por
esse entendimento (Ag. Soliloq. 1.2.7 [PL 32:872]). Assim, agora, o aprofun-
damento da consciência em toda a cultura moderna de que os indivíduos
nunca estavam isolados uns dos outros, mas sempre participavam de várias
comunidades (veja p. 289, 282 acima) teve sua contraparte em um crescente
reconhecimento do caráter específicamente social do ensinamento e da
vida cristãs (Nieb. Chr. min. 1.3 [1956:17-27]). A primeira — e ainda a mais
influente — história dos ensinamentos cristãos sociais, de Ernst Troeltsch,
publicada originalmente em 1912, articulou esse reconhecimento em seu
estudo da “ideia sociológica intrínseca do cristianismo e sua estrutura e or-
ganização” que, continuava o texto, sempre conteve “um ideal de uma teoria
universal fundamental das relações humanas em geral que ultrapassa muito
os limites da real comunidade religiosa ou igreja” (Trlsch. So%. int. 4 [Baron
1:14]). Como parte da renovação eclesiológica, essa tarefa de aplicar, à igreja
e a sua história, as percepções e métodos das ciências sociais tentou fazer
para a doutrina da igreja {Found. 7 [1913:348-50]) o que a filosofia e a filologia
tinham sido chamadas havia muito tempo a fazer para outras preocupações
doutrinais (veja vol. 3, p. 132-44, 337-46; vol. 4, p. 377-84; p. 146-48 acima).
Essas percepções e métodos — quando aplicados, por exemplo, à pesquisa
no complexo problema histórico das origens da divisão confessional e de-
nominacional — esclarecem a patologia do cisma de m odos que afetam de
forma relevante a intepretação teológica tanto da natureza da igreja quanto
do sentido de sua unidade (veja p. 361-62 abaixo).
As ameaças externas para a igreja e a confissão cristã durante o século X X
incitavam respostas nas quais a eclesiologia assumia necessariamente um lugar
central {Doe. cr. un. 284.18 [Bell 4:237]). N a Alemanha, a Teses de Düsseldorf, de
1933, iniciavam com o preâmbulo: “A providência de D eus nos leva a um
mom ento em que som os obrigados a nos fazer de novo a pergunta: ‘o que é a
igreja evangélica [was heisst evangdische Kirche]?’ ” (Duss. Th. pr. [Niesel, p. 327]).
E a primeira tese declarava: “A sagrada igreja católica, cujo único cabeça é
Cristo, nasce da palavra de Deus; nesta a igreja permanece e não ouve qual-
quer voz estranha” {Duss. Th.\ [Niesel, p. 327]). N o com eço do ano seguinte,
esse compromisso da independência da igreja de “qualquer voz estranha” e
A renovação da eclesiologia ♦♦♦ 351

de sua dependência exclusiva da palavra de D eus veio a ser a mensagem dos


dois primeiros sínodos teológicos protestantes da Alemanha realizados em
Barmen. Um sínodo reformado, na (Primeira) Declaração de Barmen — sob
cinco tópicos: “A Igreja hoje”, “A Igreja sob a sagrada Escritura”, “A Igreja no
mundo”, “A mensagem da Igreja” e “A estrutura \gestali\ da Igreja” — afirmou
sua oposição ao “erro devastador dos séculos antigos na igreja evangélica”,
que agora ficou “madura e visível”: a noção “que lado a lado com a revela-
ção de Deus, a graça de Deus e a glória de Deus, uma legítima autonomia
do hom em decidirá sobre a mensagem e a forma da igreja, ou seja, sobre a
forma temporal para a salvação eterna” {Erkl. Bek. 1.1 [Niesel, p. 329]). A
capitulação a esse erro representaria a destruição da igreja evangélica. Pois
a igreja, à luz da herança da Reforma (veja vol. 4, p. 244-45, 283, 359-373,
384-93), tinha de ser definida com o “a realidade da comunidade estruturada
de forma visível e temporal que é chamada, reunida, sustentada, confortada e
governada pelo próprio Senhor por intermédio do ministério de proclamação,
bem com o a realidade da unidade dessas comunidades estruturada de forma
não menos visível e temporária” {Erkl. Bek. 5.1 [Niesel, p. 332]). A igreja,
com o essa comunidade, era universal, transcendendo todas as diferenças de
raça, condição e cultura {Erkl. Bek. 5.3 [Niesel, p. 332]).
N a (Segunda) Declaração de Barmen, esses destaques ficaram ainda mais
proeminentes. A terceira tese da declaração definia a igreja com o “a comu-
nidade dos irmãos, na qual Jesus Cristo age atualmente com o o Senhor na
Palavra e nos Sacramentos através do Espírito Santo”, sem qualquer depen-
dência da igreja de outros poderes ou autoridades, sejam eles “espirituais”
sejam “seculares” {Theol. Erkl. 3 [Niesel, p. 335-36]). A Declaração de Barmen,
ao definir a igreja dessa maneira, punha em prática as necessárias implicações
de suas palavras iniciais que foram ecoadas nos anos seguintes (Brth. Krch.
4 \TheolEx 27:20]): “Jesus Cristo, com o nos é atestado na Sagrada Escritura,
é a única Palavra de D eus que devemos ouvir, e em quem devemos confiar
e a quem devemos obedecer na vida e na morte” {Theol. Erkl. 1 [Niesel, p.
335]). Essa primeira tese da Declaração de Barmen, além de sua explícita polê-
mica contra a politização da pregação e ensinamento da igreja sob o regime
nazista, também era um protesto contra a tendência, dominante em boa parte
da interpretação dos evangelhos desde o século X IX (veja p. 290-91 acima),
para distinguir radicalmente entre Jesus e a igreja e até m esmo para sustentar
que “o Jesus histórico” não pretendera encontrar uma igreja, mas proclamara
e esperara um reino de D eus apocalíptico (veja p. 369 abaixo). “Após a morte
de Jesus, mais e mais, a pregação do reino, na verdade todo pensamento dire-
352 A COMUNIDADE ESPIRITUAL DO CORPO DE CRISTO

to do reino, desvaneceu”, disse um católico-romano modernista, “e a igreja


tom ou o lugar do reino” (Hug. Ens. 1.5 [1949-1:127]). N a crise eclesiológica
da década de 1930, essa dicotomía passou a ser inaceitável.
Os próprios métodos de análise literária e de pesquisa histórica inspirados
pela “busca do Jesus histórico” (veja p. 151-63 acima) levaram, em vez disso,
ao reconhecimento de que os evangelhos, na verdade todos os livros do N ovo
Testamento, têm de ser lidos com o documentos da igreja, não só escritos
para a igreja, mas em um sentido real escritos pela igreja. A igreja escreveu
o N ovo Testamento e existia antes de sequer existir um N ovo Testamento.
Por conseguinte, o entendimento são e correto do texto, na extração de uma
“teologia” de qualquer passagem, exigia que a vida e a situação da comunidade
cristã primitiva servisse com o o contexto (Bltmn. Th. N . T. epil. [1953:577-
81]). As disputas históricas da era da Reforma sobre a relação entre a Escri-
tura e a tradição (veja vol. 4, p. 329-43) sofreu uma mudança de polaridade
quando o foco passou a ser a tradição que precedia o N ovo Testamento: a
tradição, da perspectiva cronológica — e então talvez também da perspectiva
lógica — tinha uma prioridade inegável (Bltmn. Th. N . T. 3.2.54 [1953:464-
73]). Uma exegese que tentava contrapor a experiência religiosa do indivíduo
com a realidade coletiva da igreja (veja p. 223-33 acima) — entendida por
alguns defensores e por muitos críticos com o o princípio da Reforma do
direito da interpretação privada da Escritura e, depois, com o o significado
da ênfase pietista na experiência pessoal — colidia com essa prioridade. Até
mesmo o apóstolo Paulo reconheceu a autoridade da “comunidade primitiva
[urgemeinde]” em Jerusalém (Smdt. TW N T [Kittel 3:538]).
Embora isso necessariamente implicasse que a igreja cristã era mais velha
que o N ovo Testamento, não significava que a igreja cristã era mais velha que
a Bíblia. Quando o N ovo Testamento usava o singular ou o plural da palavra
grega “γραφή [Escritura]”, também e em especial nas passagens usualmente
citadas em apoio à doutrina da inspiração bíblica (Jo 5.39; 10.35; 2Tm 3.16), a
palavra referia-se à Escritura de Israel, que os cristãos chamavam de “Antigo
Testamento” (Schrnk. TW N T [Kittel 1:750-54]). Durante o século X X —
a despeito do julgamento de um influente estudioso de que, “continuar a
conservar o Antigo Testamento no protestantismo com o uma autoridade
canônica depois do século X IX é a consequência de uma paralisia da religião e
da igreja’’ (Harn. Marc. 10 [1924:217]) — o entendimento cristão da visão cristã
da relação entre a igreja e a Escritura tinha motivo especial para ficar mais uma
vez ciente das profundas continuidades “entre a antiga e a nova Israel” {Doe.
cr. un. 279 [Bell 4:211]). A pesquisa na história dos fariseus feita pelo estudo
A renovação da eclesiologia ♦♦♦ 353
Ψ
acadêmico judaico e, depois, pelo estudo acadêmico cristão demonstrou que
o tratamento tendencioso dos fariseus nos evangelhos “apresentava um en-
tendimento da relação entre Jesus e o judaísmo de sua época que, sem dúvida,
não correspondia aos fatos históricos” (Wsz. TW N T \K itte\ 9:37]). Quando
o estudo histórico do judaísmo “se aprofundou mais no mundo do apocalíp-
tico” e encontrou “contatos” ainda mais frequentes entre o N ovo Testamento
e a fé e a experiência do judaísmo no próprio período durante o qual surgiu o
cristianismo (Stffr. Th. N. T 1 [1947:5]), a inquietante questão dos elementos
apocalípticos na pregação de Jesus sobre o reino (veja p. 286-87 acima) passa-
ram a ser, se não menos inquietantes para os cristãos, então pelo menos mais
inteligíveis, em especial, quando eles vieram a crer que eles mesmos estavam
vivendo em tempos apocalípticos (Sod. Com. cr. 4 [1923:141]). A atenção sem
precedentes do estudo da Bíblia do século X X ao vocabulário do grego do
N ovo Testamento traçou as linhas de desenvolvimento até antes do N ovo
Testamento não só para o uso do grego clássico e helenista de termos cruciais
com o “palavra [λόγος]” e “consciência [συνειδησις]”, para mencionar apenas
dois exemplos proeminentes entre muitos, mas também para as raízes desses
mesm os conceitos na comunidade judaica (Prksch. TTíWTfKittel 4:89-100];
Mrr. TW N T [Kittel 7:906-12]). Acima de tudo, a reflexão teológica cristã
sobre as implicações da história judaica para a mensagem cristã incluía o
reconhecimento de que o objeto da ação salvífica e julgadora de Deus, tanto
para o judaísmo quanto para o cristianismo, não era apenas o indivíduo, mas
principalmente a comunidade (Tích. Sist. teol. 5.1 [1967-111:308-13]; Nbr. FU.
I. 2 [1944:42-85]), e que, por essa razão, a visão da relação entre Israel e a
igreja na mais profunda discussão da questão no N ovo Testamento (veja vol.
1, p. 44) concluiu com uma afirmação da esperança de que “todo o Israel
será salvo” (Rm 11.26).
D e especial interesse, em particular para os defensores de revisões na
eclesiologia do catolicismo-romano, eram as igrejas orientais que preservavam
em considerável medida a liturgia e teologia orientais m esm o em relação a
uma questão com o a da epiclese na eucaristia (Slp. Taj.l [Choma 6:302-9];
veja vol. 2, p. 296-97), enquanto mantinham (ou estabeleciam) laços com a sé
de Roma (Sip. Ep. 28.V.1963 [Choma 12:68-70]). Os historiadores, teólogos e
homens da igreja — embora a redação do princípio de que “a regra de oração
estabelece a regra de fé” (veja vol. 1, p. 342) fosse latina, em vez de grega —
juntaram-se na visão de que eram acima de tudo a liturgia e os ícones das
igrejas orientais que incorporavam esse princípio (Blgkv. Prav. [1985:277-387];
Flrv. Bib. ch. 5 [Nordland 1:83-85]). Pois a eclesiologia ortodoxa oriental —
354 ♦♦♦ A COM UNIDADE ESPIRITUAL DO CORPO DE CRISTO

com o uma terceira forma além das antíteses estabelecidas durante a era da
Reforma — parecia apresentar uma percepção da igreja que consagrava suas
tradições com o nem mesmo o catolicismo-romano fazia e que, ainda assim,
não identificava essas tradições com uma instituição autoritária e jurídica
(Flrv. Bib. ch. 6 [Nordland 1:93-103]). Os intérpretes da doutrina ocidental,
quando desafiados por uma eclesiologia assim, foram obrigados a provar suas
próprias formulações históricas e a reexaminar o sentido mais profundo da
igreja em operação ali (Plmr. Russ. Ch. 84 [1882:395-96]).
Esse reexame levou muitos intérpretes da Reforma pertencentes ao
século X X a dar nova ênfase à índole da igreja. Karl Holl, que discordou
de muitas das conclusões de Ernst Troeltsch, argumentou que “o conceito
da igreja com o qual Lutero se opôs à hierarquia romana [...] não nasceu de
qualquer tipo de oposição, mas simplesmente em consequência de suas idéias
religiosas fundamentais” (Hll. Lut. 4 [Ges. Auf. KG. 1:289]). U m importante
intérprete de Calvino o descreveu com o “não [tendo] tolerância por qualquer
tipo solitário de piedade que se desliga desse intercâmbio ativo de valores
espirituais” na igreja (McNeill [1954], p. 214-15), uma vez que, nas próprias
palavras de Calvino, “não há nenhum meio de entrar na vida a menos que
[a igreja] nos conceba em seu ventre e nos dê à luz” (Calv. Inst. [1551] 4.1.4
[Barth-Niesel 5:7]). E a obra Os ensinamentos sociais das igrejas egrupos cristãos, de
Troeltsch, estimulava dar nova atenção ao “imenso número de pequenos gru-
pos” da era da Reforma “cujo principal ideal era a formação de comunidades
religiosas de pessoas Verdadeiramente’ convertidas, com base na membresia
voluntária” (Trlsch. So% 3.4 [Baron 1:811-12]), por isso, para a centraüdade
da eclesiologia também nas doutrinas da Reforma radical.
Esse princípio histórico de que “a regra de oração devia estabelecer a
regra de fé” ia muito além das relações entre o Oriente e o Ocidente em sua
influência sobre a renovação da eclesiologia durante o século XX. Em toda a
cristandade essa foi uma época de dar nova atenção à centraüdade da adoração
tanto na vida quanto na doutrina, levando não só à utüização de “m odos de
adoração” com o a uma ferramenta interpretativa ecumênica (Hll. Wst. 10
[Ges. Auf. KG. 3:220-33]), além da doutrina ou até mesmo no lugar dela, para
o entendimento da singularidade das igrejas individuais e para a descoberta
de caminhos de convergência entre elas (WCC. Wys Worsh. 2 [Edwall, p. 20]),
mas também para a fundamental redefinição da igreja como, em sua essência,
a comunidade de adoração. N o catoücismo-romano do século XX, os pionei-
ros da eclesiologia usaram o precedente da igreja primitiva para documentar
“a harmonia de espírito entre üturgia e canto” e, por conseguinte, “a ação
A renovação da eclesiologia 355
sacrificial comum de sacerdote e pessoas” (Mchl. Lit. 16 [1938:329-30]), e eles
protestaram contra uma definição excessivamente externa da igreja (Adm.
KathAO [1949:206-8]). O Segundo Concilio Vaticano juntou-se a essa nova
e ainda antiga ênfase quando afirmou, em relação à liturgia da igreja, que
“nenhuma outra ação da igreja se equipara a sua afirmação de eficácia nem,
tampouco, se igualara em medida e intensidade à liturgia [cuius efficacitatem
eodem titulo eodemquegradu nulla alia actio ecclesiae adaequat\”·, por essa razão, o
concilio identificou a liturgia com o unicamente “o ápice em direção ao qual a
atividade da igreja é dirigida e, ao mesmo tempo, a fonte da qual flui todo seu
poder” (CVat. [1962-65] 3. Sacr. Cone. 1.7,1.10 [Alberigo-Jedin, p. 822,823]).
Embora essa posição elevada da adoração na definição de eclesiologia
não pretendesse de maneia alguma diminuir o lugar do papado no catolicis-
mo-romano nem da pregação e do evangelismo no protestantismo, com o
formas de identificar a natureza e o propósito da igreja, ela advertiu que as
eclesiologias polêmicas nos guias de símbolos comparativos lançados pelas
diversas denominações eram falhos. “O principal objeto da renovação litúr-
gica da nossa época [tinha] de ser a recuperação da expressão objetiva de fé e
adoração coletivas no culto cujo nom e significava ‘ação de graças’ ”, a euca-
ristia (Brlth. Euch. con. [1930:278]). Todas as igrejas, a partir dessa renovação
litúrgica e da reflexão doutrinai sobre ela, desenvolveram “um senso cada
vez maior de que a adoração não deve ser concebida com o uma reunião de
cristãos individuais piedosos, mas com o um ato coletivo em relação direta
com o Senhor da igreja” (WCC. Wjs. Worsh.2 [Edwall, p. 20]).
Outro indicador para a mudança foi a reinterpretação, nas diversas deno-
minações e confissões e entre elas, da doutrina dos sacramentos, cuja relação
com a doutrina da igreja, desde o início, fora estreita, mas complexa (veja
vol. 1, p. 169-83). A conjunção das duas frases do Credo dos Apóstolos, “na
Santa Igreja católica, na comunhão dos Santos” {Symb. Apost. [Schaff 2:45]),
fornecia com frequência a oportunidade para considerar essa relação (veja vol.
3, p. 219-230). Durante o século XX, quase toda reconsideração da doutrina
sacramental envolveu alguma nova perspectiva sobre seu locus na doutrina da
igreja. Por exemplo, em vista de sua história e do principal (e, às vezes, único)
texto-prova usado para sustentá-la (E f 5.31,32 [Vulg.]; veja vol. 3, p. 260-61;
vol. 4, p. 324, 365, 379), era de esperar que o principal fundamento para a
defesa da tradicional inclusão do matrimônio com o um dos sete sacramentos
se devesse a sua relevância eclesiológica com o uma representação tipológica
da relação entre Cristo e a igreja (Pio XI. Cast. con. \A A S 22:552-54]). Da
mesma maneira, “se alguma coisa é certa da perspectiva histórica” desde a
356 A COM UNIDADE ESPIRITUAL DO CORPO DE CRISTO

igreja primitiva (Hll. Ost. 7 \Ges. Auf. KG. 2:121-22]), conclui um estudioso,
era a centralidade do batismo para as palavras do Credo dos Apóstolos sobre
“o perdão dos pecados” (Symb. Apost. [Schaff 2:45]).
Embora a controvérsia de longo alcance, deflagrada pela pesquisa crítica
de Karl Barth, sobre a legitimidade do batismo infantil com o uma prática
“impossível de resgatar sem artificialidade e argúcia exegéticas e factuais”
lidava necessariamente com as questões que faziam parte da discussão desde
as disputas anabatistas do século XVI (Brth. Tf. 4 [1943:36]; veja vol. 4, p.
388-91), no contexto do reexame do século X X — e, de m odo relevante, da
reinterpretação do século X X dessas disputas do século XVI (Trlsch. So%. 3.4
[Baron 1:797-848]) — estava principalmente a doutrina da igreja. A oposição
à prática tradicional procedia do argumento que repousava na defesa da “exis-
tência da igreja evangélica na cristandade de Constantino [corpus christianumf'
(Brth. Tf. 4 [1943:39]), e, pelo menos em princípio, todos os reformadores
protestantes romperam com esse argumento (veja vol. 4, p. 236-46,324-43).
Os teólogos protestantes criticavam havia muito tempo qualquer entendí-
mento do batismo infantil com o uma ação quase mágica administrada pela
igreja institucional, por meio da qual se supunha que tanto os pais quanto
as crianças, sem aceitar a responsabilidade da membresia da igreja, compar-
tilhavam os meios de graça da igreja (Schl. Chr. gl. 138 [Redeker 2:335-40]).
As respostas para Barth também reconheciam que “se quisermos entender
os textos bíblicos do m odo correto, temos de fazer uma ruptura radical com
o pensamento individualista m oderno” (Jrms. Kndif. [1958:26]). A igreja
era a matriz em que as crianças batizadas tinham de crescer em maturidade
e responsabilidade; os oponentes do batismo infantil foram acusados de
transformar essa responsabilidade em um pré-requisito, em vez de em uma
consequência da ação da igreja.
Contudo, era mais uma vez o que um importante estudo (veja vol. 3,
p. 230-52) denominou de “fé e prática eucarísticas” (Brlth. Euc. [1930]) que
não só carregava a maioria do peso da doutrina sacramental para todos os
outros sacramentos (por mais que fosse dito que muitos outros carregavam
esse peso), mas também esclarecia a discussão da natureza da igreja. Além
das controvérsias entre Roma e Bizâncio sobre o uso do pão sem fermento
(ou “ázimo”) (veja vol. 2, p. 195-99; p. 99-100 acima), boa parte da história da
discussão doutrinária sobre a eucaristia lidava com duas questões, embora rela-
clonadas (veja vol. 1, p. 160-61), referentes à relevância sacrificial e à presença
real (veja vol. 1, p. 179-82), com a doutrina da última tendo pelo menos em
parte vindo da reflexão sobre a primeira durante a Idade Media no Ocidente
A renovação da eclesiologia ♦♦♦ 357

(veja vol. 3, p. 230-52). Ambas as questões figuraram de forma proeminente


nos conflitos da era da Reforma. Os reformadores protestantes atacaram
com unanimidade a interpretação da missa como, em algum sentido, sendo
um sacrifício propiciatorio (veja vol. 4, p. 243,252,265-66), mas eles diferiam
uns dos outros em sua aceitação contínua da doutrina católica da presença
real (veja vol. 4, p. 222-25) (que tinha de ser distinguida da transubstanciação).
Lutero, em parte por causa dessa disputa com outros reformadores (veja vol.
4, p. 368-69), foi da ênfase inicial na “relevância do defeito desse sacramento
com o comunhão” em seu Sermão sobre 0 sacramento, de 1519 (Lut. Serm. sacr. 4
[W 4 2:743]), para uma concentração quase exclusiva na realidade da presença
“real”, com a consequente redução de ênfase no aspecto de comunhão, em
sua polêmica contra os reformadores suíços (Brlth. Euc. 4.3 [1930:143-44]),
embora os temas da comunhão tenham continuado a desempenhar um papel
relevante em suas obras devocionais, exegéticas e homiléticas.
O desenvolvimento da doutrina da eucaristia e das liturgias eucarísticas (às
vezes nessa ordem, mas com frequência na ordem inversa) nas várias igrejas
durante o século X X pode ser visto, com efeito, com o uma reversão dessa
mudança de ênfase. Em parte por meio de uma avaliação mais profunda da
herança patrística oriental (Dyob. Myst. 1 [1912:7-36]), ficou evidente para a
teologia e a liturgia ocidentais que a distinção medieval com um entre “espi-
ritual” e “real” na doutrina da eucaristia podia representar uma falsa antítese
(Nvn. Mist. pres. 1 \Merc. 4:38-39]) e que os dois aspectos estavam ligados de
m odo inseparável por meio da doutrina da igreja. A doutrina e prática oficiais
de muitas denominações insistiam que a concordância era um pré-requisito
necessário para a “intercomunhão”, quer a concordância quanto à natureza
e estrutura apropriadas para a igreja, quer quanto à doutrina apropriada da
presença, quer quanto a ambas {Doe. cr. un. 283 [Bell 4:230-31]). A partir de
mais estudo do N ovo Testamento e da tradição litúrgica, ficou evidente para
muitos que embora alguma medida de unidade tivesse de fato precedido
um compartilhamento na eucaristia (veja p. 346 acima), havia também uma
unidade que só podia ser alcançada por intermédio desse compartilhamento.
“N ós, que som os muitos, som os um só corpo”, declarou o apóstolo Paulo,
“pois todos participamos de um único pão” (ICo 10.17).
Por volta da mesma época, os teólogos de todas as tradições também
estavam descobrindo que, entre os termos para a eucaristia, o conceito de
“mistério [...] abraça e une todos os outros” (Brlth. Euc. 1 [1930:17]), a des-
peito de todos os problemas que o conceito criou para a igreja e seus teólogos
desde o Iluminismo (veja p. 119-23 acima). Nenhuma teoria teológica da
358 «,♦ * A COM UNIDADE ESPIRITUAL DO CORPO DE CRISTO

presença eucarística conseguia expressar esse mistério de m odo adequado,


o qual era mais bem apreendido pela adoração da igreja e por intermédio
dela. Tanto a eucaristia quanto a igreja eram chamadas “corpo de Cristo”
(veja p. 337 acima, p. 360-61 abaixo), e os dois sentidos do termo, no N ovo
Testamento, estavam com frequência tão fundidos um no outro que, em uma
passagem tão crucial quanto a advertência paulina para “quem com e e bebe
sem discernir o corpo do Senhor” (ICo 11.29), não ficou de m odo algum
claro qual dos dois sentidos se pretendia, caso fosse de fato válido supor que
se pretendia apenas um deles (Schwzr. 7ΤΕΛ7Γ [Kittel 7:1065]).
Também em outros terrenos, ficou evidente que a teologia doutrinai
tinha de ser a teologia da igreja. Embora os atos do papa Pio X contra o
modernismo em Lamentabili (Lamentável) e Pascendi dominicigregis {Do apascen-
tamento do rebanho) (veja p. 383-84 abaixo) e no voto antimodernista estives-
sem preocupados exprofesso em traçar uma linha entre a mensagem cristã e
a cultura moderna, o item inicial na acusação dos “erros dos modernistas”,
conforme enumerados pelo Lamentabili, era o ensinamento de que “a lei da
igreja não se estende” à prática da exegese acadêmica (Pio IX. Ixim. 1 [ASS
40:470]). O ato Pascendi dominici gregis tornou anátema qualquer explicação
naturalista da origem da igreja, quer individualista quer coletivista, e atribuiu
esse erro a uma falsa antítese entre “a igreja da história e a igreja da fé” (Pio
IX. Pase. ¡ASS 40:613-14]), da qual veio a declaração de que “era estranho à
mente de Cristo estabelecer uma igreja com o uma sociedade que tivesse de
perdurar na terra durante uma longa série de séculos” (Pio IX. Lam. 52 [ASS
40:476]). O voto antimodernista começava com a asseveração: “Abraço e
aceito firmemente qualquer coisa e tudo [omnia et singula\ definido, afirmado
e declarado pelo magistério inerrante da igreja, em especial os artigos de
doutrina que se opõem diretamente aos erros dessa época presente” (Pio
X. Sacr. ant. [A A S 2:669]). Portanto, subjacente a todas essas outras questões
estava a definição da igreja com o divinamente fundada e a especificação da
autoridade doutrinai do magistério da igreja com o infalível.
Essa tese de que a teologia doutrinai tinha de ser a teologia da igreja,
em um setor bem distinto da cristandade e a partir de uma definição bem
distinta tanto da doutrina cristã quanto da igreja, recebeu uma maciça com-
provação por intermédio dos desenvolvimentos do século XX. A obra A
epístola para os Romanos, de Karl Barth, lançada pela primeira vez em 1919 e
revisada drasticamente em 1922, era, com o a obra Sobre a religião:palestraspara
os civilizados em meio a seus desdenhadores de Schleiermacher (veja p. 235 acima),
um chamado — não, no entanto, um chamado a reconhecer as afinidades
A renovação da eclesiologia ♦♦♦ 359

subjacentes entre o espirito da época e o evangelho cristão, mas a reconhe-


cer a autoridade do evangelho. “Paulo”, conforme trazia a sentença inicial,
“falava para seus contemporáneos com o um filho de acordo com o costume
de sua época”; por conseguinte, uma exegese histórica com o essa incitada
pelo estudo acadêmico da teologia dos séculos XVIII e XIX, era válida. Mas
essa exegese por si mesma era inadequada, pois “é muito mais importante
com o um profeta e apóstolo do reino de D eus falar para todos os homens de
todas as épocas” (Brth. Rom. pr. [1940:vi]). Embora Barth tenha começado
a fornecer uma formulação sistemática para esse “caráter de com o encarar a
igreja \Kirchlichkeit\” da dogmática em sua obra A doutrina da palavra de Deus:
prolegómenospara a dogmática cristã (Brth. Prol24.3 [1927:444-46]), título que logo
cedeu lugar a Dogmática da igreja \Kirchliche DogmatiM\, tornando-se no proces-
so a mais monumental teologia sistemática protestante desde as Institutas da
religião cristã, de Calvino. Barth, exatamente na primeira página de sua obra,
explicou a mudança, não só no título, mas na abordagem (Brth. K D int. 1
[1932-1-1:1]), com uma expressão de seu reconhecimento de que a teologia
cristã não era uma declaração pessoal do teólogo falando em seu próprio
nome, mas um ministério para a igreja e uma voz da igreja (Brth. K D. 1.2.8
[1932-1-1:312]). Essa ênfase no caráter de com o a igreja encara a dogmática
exigia que “a doutrina da revelação começasse com a doutrina do D eus tri-
n o”, depois de um século ou mais de negligência comparativa (negligência
essa simbolizada pelo fato de Schleiermacher tê-la relegado a um apêndice
em sua própria teologia sistemática) (Schl. Chr. gl. 170-72 [Redeker 2:458-
73]; veja p. 253-55 acima). Por volta da mesma época, Bernard Lonergan,
sistematizador católico-romano, incorporando “a evolução do dogma” a seu
método, também contribuiu para esse reavivamento da dogmática trinitária
(Lnrgn. D Tr. 1.1 [1964-1:17-28]).
Com o o próprio Barth foi o primeiro a admitir, seu movimento da voz
profética solitária de Romanos ρζ,ΐΆ o testemunho em favor de uma comunidade
passada e presente em sua obra Dogmática da igreja teve seu precedente mais
impressionante, pois todas as diferenças fundamentais tanto de metodologia
quanto de teologia na transição da obra Sobre a religião (Brth. Prot. teol. 2.1
[1947:395]), de Schleiermacher, com o um desem penho “virtuoso” para A fé
cristã, cuja definição da tarefa da teologia sistemática bem no início da obra
afirmava: “Uma vez que a dogmática é uma disciplina teológica e, por isso,
diz respeito apenas à igreja cristã, só conseguimos explicar o que é quando
som os claro quanto à concepção da igreja cristã” (Schl. Chr. gl. 2 [Redeker
1:10]). Mas enquanto Schleiermacher prosseguiu dessa definição para uma
36‫־‬0 ♦♦♦ A COM UNIDADE ESPIRITUAL DO CORPO DE CRISTO

exposição muitíssimo idiossincrática da doutrina cristã em que o ponto de


referência na tradição e no dogma da igreja era com frequência pouco mais
que uma alusão ou um ponto de partida, a obra Dogmática da igreja, de Barth
(por exemplo, em sua apresentação das doutrinas da expiação de Anselmo
e de outras doutrinas da expiação) (veja vol. 3, p. 170-86), localizava suas
proposições em uma análise crítica da tradição e do dogma cuja plenitude
capacitava aqueles que concordavam e também os que discordavam em consi-
deraras alternativas teológicas (Brth. K D. 13.58.4 [1932-IV-l:140-70]). Essa
plenitude também era uma expressão do caráter da obra com o um todo, com
seu foco em com o encarar a igreja, e foi pelo menos em parte responsável
pela incomum seriedade com que os teólogos católicos-romanos trataram
essa obra de “dogmática da igreja” protestante reformada (Bird. Brth. 1.3.3
[1957-1:148-51]).
O capítulo sobre “o ser da igreja”, na obra de Dogmática da igreja, de
Barth, tom ou a forma de uma análise crítica minuciosa dos principais termos
e m odos de falar sobre a igreja no Antigo € N ovo Testamentos, junto com
uma reiterada advertência contra permitir que qualquer um desses m odos
de falar levasse a especulação eclesiológica em direções não compatíveis
com os outros termos (Brth. K 17.15.62.2 [1932-IV-l:726-809]). Durante o
século XX, o cultivo cada vez maior da “teologia bíblica” com o um campo
distinto de estudo e a aplicação a ele de um método intertextual de estudo
da palavra que mais uma vez ligava os dois Testamentos um ao outro, não
só historicamente, mas também teologicamente, levou a diversas análises
críticas da linguagem bíblica sobre a igreja, em que cada uma das metáforas
era examinada por sua contribuição característica à imagem bíblica completa
da comunidade cristã (entre outras) com o povo de Deus, noiva de Cristo e
corpo de Cristo (Stffr. Th. N . T. 38 [1947:132-36]). A primeira dessas, em uma
época em que havia motivos históricos graves para que isso fosse lembrado,
enfatizava a continuidade do povo do N ovo Testamento com o judaísmo (veja
p. 391 abaixo). A segunda envolvia muitos dos temas eclesiológicos oriundos
da história da exposição cristã de Cântico dos Cânticos (veja vol. 3, p. 162-
64); embora Cântico dos Cânticos fosse de vez em quando, em especial no
período pietista, lido com o uma alegoria do “casamento espiritual do cristão
com Cristo” (Rtl. Piet. 28 [1880-11:42]), a maioria dos exegetas ao longo da
história interpretaram a noiva com o a igreja, em vez de com o a alma.
A última dessas imagens para a igreja, o “corpo de Cristo”, era com fre-
quência vista com o combinando muitas das características mais importantes
das outras imagens (Sail. Mor. 5.2.230 [1817-111:66-75]) e, por isso, com o
Os recursos teológicos para a unidade ♦♦♦ 361

pertencendo a uma classe por si mesma com o o título que “completa o todo
da eclesiologia” (Gbts. E kkl. [1967:123]). O “corpo de Cristo”, durante esses
períodos da história em que a eclesiologia não fora o foco central da atenção
doutrinai, ainda assim, figurara, também por causa de suas associações euca-
rísticas, de modo proeminente no vocabulário teológico (vejavol. 3,p. 109-16,
232-50). Suas afinidades linguísticas e conceituais com o conceito legal de
“corporação” ajudou a lhe dar, mesmo na lei canônica medieval (veja vol. 3,
p. 77-78), uma posição não igualada pelos outros termos. Ela, por sua vez,
para algumas das especulações eclesiológicas mais ambiciosas do século XIX,
assumiu uma existência própria “não [como] uma metáfora, mas [como] uma
fórmula metafísica” (Slv. Bogo. 1 1 /1 2 [Radlov 3:159]). O conceito de “corpo
místico de Cristo [corpus Christi mjsticum]”, a despeito da crítica daqueles para
quem qualquer coisa “mística” parecia carregar conotações perigosas (Brth. K
D. 15.62.2 [1932-IV-l :736]), adquiriu nova proeminência com a promulgação
da encíclica papal Mjstici corporis (Corpo místicá), na qual o termo “místico”
passou a ser um meio tanto para a associação quanto para a distinção da igreja
com o “corpo de Cristo” em relação ao seu corpo “físico”, ou “natural” ou
“eucarístico” (Pio XII. Myst. corp. [A A S 35:221-22]).
A ambiguidade da expressão “corpo de Cristo” com o conotando “corpo
místico” ou “corporação” (ou ambos) sugere a antítese fundamental com a
qual a eclesiologia do século XX, com o a eclesiologia dos séculos preceden-
tes, teve de se reconciliar: o contraste, ou até mesmo a contradição, entre a
igreja com o um artigo de fé nõ Credo dos Apóstolos e no Credo Niceno
e as “feridas no corpo do Cristo místico” (Adm. Kath.X3 [1949:256]) com o
uma instituição empírica, histórica e política enredadas nas concessões de
sua história — a relação, mais uma vez ainda, entre o espírito e a estrutura na
igreja (veja vol. 4, p. 384-93), bem com o entre a unidade da igreja no único
Cristo e suas divisões empíricas.

Os recursos teológicos para a unidade


A indistinção das diferenças confessionais durante o século X X foi
acompanhada do crescente reconhecimento histórico de que essas diferenças
não eram meramente (talvez, em alguns casos, não principalmente) teológicas
em sua origem, e que as igrejas “se permitem com frequência ser separadas
umas das outras pelas forças e influências seculares” {Doe. cr. un. 281 [Bell
4:224]). O saque de Constantinopla pelos soldados da igreja latina durante a
Quarta Cruzada, em 1204 (veja vol. 2, p. 290), foi de fato uma força poderosa
levando à separação da ortodoxia oriental e do catolicismo ocidental quanto
à doutrina do Filioque ou o uso da epiclese e dos pães ázimos na eucaristia,
362 *♦ φ A COM UNIDADE ESPIRITUAL DO CORPO DE CRISTO

talvez tão poderosa quanto a autoridade do papa (do qual ser tirada por alguns
polemistas e historiadores orientais era o resultado inevitável) (Krks. E k k l
Hist.. 175a [1897-11:131-32]; Krks. Antipap. 1 [1893:4]). Uma monografia his-
tórica examinou a relação dos “interesses políticos seculares” com “a questão
da fé” no contexto da Confissão deAugsburg (Schbrt. Bek. 8 [1910:238]), e um
estudo norte-americano pioneiro foi devotado ao papel decisivo desempe-
nhado por questões com o a escravidão e a estrutura de classe na história de
com o as igrejas dos Estados Unidos (e, por extrapolação, todas as igrejas ao
longo da histórica cristã) tinham se separado umas das outras, independen-
temente das justificações doutrinais, após o fato consumado, que possam ter
fornecido para a divisão delas (Nieb. Soc. Srcs. [1929]). Esse reconhecimento
dos “fatores não teológicos” na separação das igrejas — vindo com o veio
ao mesmo tempo em que a reconsideração fundamental da missão social da
igreja em relação à ordem secular (veja p. 372-83 abaixo) — parecia ter com o
seu resultado o cultivo de outros fatores não teológicos mais positivos, com o
uma participação na ação social, com o um m eio de superar a separação {Doe.
cr. un. app. 3 [Bell 1:377-79]).
Mas seria uma simplificação exagerada da história — simplificação exa-
gerada essa da qual os líderes ecumênicos foram reiteradamente acusados
por aqueles que viam qualquer cooperação ecumênica com o concessão
doutrinai (Delmp. Oik. 3.2 [1972:159]) — esquecer que houve recursos
teológicos para a unidade da igreja com o houve questões teológicas na
desunião das igrejas, por isso, negligenciar o que podia ser chamado de a
relevância teológica de fatores não teológicos tanto com o uma causa que
tenha ocasionado a separação original quanto com o uma força histórica que
tenha começado a recuperar a unidade perdida (Adm. Un. 2 [1948:37-39]).
Portanto, lado a lado com a consideração da igreja e da doutrina incorporada
na “fé e ordem” o “Concilio Cristão Universal para a Vida e a Obra”, com
sua designação explícitamente prática “para afirmar o papel supranacional
da igreja e expressar seu chamado à reconciliação” (Goodall [1961], p. 58),
modelou às vezes a discussão doutrinai de forma não menos decisiva. O
líder do concilio, da perspectiva doutrinai e também prática, foi Nathan
Sõderblom, que acreditava que a prática — uma vez que “a doutrina divide,
mas o serviço une” {Doe. cr. un. app. 3 [Bell 1:378]) — podia ser a base da
teoria (conforme o epigrama patrístico colocara isso) (Gr. Naz. Or. 4.113
[PG 35:649-52]), e que o imperativo moral de uma participação com um no
ministério de ajuda cristã depois da Primeira Guerra Mundial foi ao mesmo
tempo um recurso teológico para o entendimento do sentido mais profundo
Os recursos teológicos para a unidade ♦♦♦ 363

das doutrinas da igreja defendidas com o artigos de fé pelas diversas igrejas.


Assim, seria possível para as igrejas “finalmente se tornarem uma mente não
só no amor, mas também nas expressões doutrinais para a verdade revelada”
(Sod. Com. cr. 4 [1923:123]).
As igrejas também foram guiadas para esse entendimento pela avaliação
teológica de sua aflição em comum com o uma consequência do que acontece-
ra para a tradição cristã em cada uma delas durante a crise dos séculos XVIII
e XIX. Grande parte da resposta inicial à aflição foi a mútua recriminação.
O s porta-vozes do catolicismo-romano afirmaram encontrar uma afinidade
natural entre o protestantismo clássico, que rejeitava a autoridade do papa, e a
descrença moderna, que rejeitava toda autoridade (Mntl. Int. cath. 3 [Lecoffre
5:52]); as polêmicas protestantes, para as quais “a doutrina católica oficial
do pecado original [...] não variava muito a ênfase do pelagianismo” (Nbr.
Nat. dest. 1.9 [1943-1:247]), traçaram uma linha histórica entre o otimismo a
respeito da natureza humana e o raciocínio humano em operação no “semi-
pelagianismo” e o racionalismo da teologia escolástica, também depois do
Concilio de Trento, e as formas extremas desse otimismo no Iluminismo; e
os analistas ortodoxos orientais viam pouca escolha entre um “racionalismo
espiritualista” protestante (Chom. Égl. lat. Prot. 1 [1872:67-68]) e um “ra-
cionalismo materialista” católico-romano, encontrando em ambos os dois
um falso objetivismo e sua antítese — que era de fato seu resultado — um
subjetivismo racionalista; tudo isso só seria corrigido por uma aceitação do
esclarecimento que podia vir dõ Oriente cristão (Makr. Herm. lC o 11.23
[1891:1778]).
A teologia de cada uma dessas igrejas, em meio a essa mútua recrimi-
nação, foi obrigada a reconhecer também o imperativo da “catolicidade”
com o “levando em consideração a totalidade da vida da igreja” (Hlr. A lt.
2.7 [1941:384]) e, por conseguinte, a necessidade de reconhecer as dívidas
doutrinais e religiosas de sua história com outras tradições do que apenas
com a sua própria, além da sua possível necessidade de aprender outras coisas
mais com elas. Os teólogos ortodoxos orientais, por exemplo, descobriram
que não podiam explorar os recursos de seus próprios pais da igreja grega
exceto por intermédio das edições críticas e das monografias acadêmicas
produzidas em grande parte pelos historiadores e teólogos ocidentais, com o
A d olf Harnack, o qual, a despeito de sua perpetuação da imagem comum
da doutrina ortodoxa oriental (veja p. 318 acima) com o um tradicionalismo
petrificado (Harn. Wes. 12 [1901:135-41]), realizou em seu tempo de vida a
mais ambiciosa edição criteriosa já empreendida das fontes do cristianismo
364 ♦♦♦ A COMUNIDADE ESPIRITUAL DO CORPO DE CRISTO

oriental (Harn. Wrk. Voll. 4.8 [1930:240-48]). O mesmo estudioso ortodoxo


oriental que era capaz de dizer (com acerto) que os pais ocidentais, nos três
primeiros séculos, seguiram em geral a teologia dos pais orientais (Krks.
Antipap. 8 [1893:122-23]) também foi obrigado, ao enumerar as edições cri-
teriosas desses mesmos pais orientais (Krks. E kkl. H ist. 4 [1897-1:12-15]), a
valer-se quase exclusivamente das obras de estudiosos ocidentais modernos
(Krks. Man. 5-6 [1898:11-13]). A sistematização da doutrina oriental durante
o século X IX fora decisivamente modelada pelo escolasticismo protestante
e católico-romano, sendo organizada sobre os princípios dos catecismos
protestantes e católicos-romanos (Mak. Prav. bog. [1895]).
Uma dependência similar das fontes de inspiração doutrinai além das
fronteiras da denominação se manifestou no catolicismo-romano e no pro-
testantismo. O estudo da Bíblia no catolicismo-romano — depois de séculos
de funcionamento, com frequência, com o pouco mais que um adjunto do
dogma da igreja, ao qual se esperava que seus resultados se conformassem
a qualquer custo (CTrid. [1545-63] 4. Decr. 2 [Alberigo-Jedin, p. 664]) — al-
cançou uma nova maturidade própria. O s periódicos de estudo do Antigo
e N ovo Testamentos passaram a ser instrumentos para esse reavivamento
bíblico, que recebeu sua confirmação em Divino afflante Spiritu (Sobre os estudos
bíblicos), a encíclica do papa Pio XII lançada em 1943. A encíclica interpretava
o decreto do Concilio de Trento sobre a posição da Vulgata (veja vol. 4, p. 380-
81) para significar que “a doutrina também tem de ser provada e confirmada
com base nos textos originais” (Pio XII. Div. affl. Spir. \A A S 35:309]). Além
disso, o estudo dos textos hebraico e grego tinha de conseguir esclarecimento
dos melhores estudos acadêmicos arqueológicos e históricos disponíveis, e
isso era proceder com sensibilidade para as formas literárias especiais em
uso na Bíblia, à medida que estas refletiam os padrões gerais da literatura e
do pensamento do Oriente Próximo da Antiguidade (Pio XII. Div. affl. Spir.
\A A S35:3\4- 16]). As pressuposições metodológicas — para todos esses em-
preendimentos em que o estudo acadêmico católico-romano da Bíblia estava
agora envolvido — tinham expandido durante os séculos X V III e X IX em
grande parte sob os auspícios protestantes (veja p. 129-46, 292-303 acima),
de m odo que a pesquisa científica bíblica na igreja católica-romana podia
tomar os passos independentes que tomara em meados do século X X , ela
dedicara as primeiras décadas do século a se equiparar com o estudo acadê-
mico protestante. N esse processo se desenvolveu também uma mutualidade
de influência doutrinai entre os protestantes e os católicos-romanos e era
com frequência difícil discernir qualquer orientação confessional explícita
nas obras de teologia bíblica.
Os recursos teológicos para a unidade ♦♦♦ 365
O método histórico de tratamento da teologia desem penhou um papel
decisivo nessa redefinição (Hír. A lt. int. [1941:1]). A historia da igreja — por
ter sido, nas polêmicas da Reforma e da pós-Reforma, uma ferramenta para
provar que as doutrinas dos oponentes estavam condicionadas à historia
(enquanto se supunha que as suas próprias tinham origem direta na Escritura
e /o u na tradição sem qualquer condição) (veja vol. 4, p. 442-43) — passou
a ser uma solução universal, e esse movimento não sujeitava a própria de-
nominação a essa solução, com o também não sujeitava as outras congrega-
ções a ela (veja p. 142-46 acima). A história de cada denominação ou região
da igreja compreensivelmente obtinha a atenção especial de seus próprios
membros. Por isso, grande parte do neotom ism o era um fenôm eno católico-
-romano, cujo objetivo era mostrar “que Tomás de Aquino é nosso guia
predestinado na reconstrução da cultura cristã” (Marit. Tom. A q. [1958:87]),
enquanto “a história da teologia na Suécia é uma história da investigação de
Lutero” (Carlson [1948], p. 28). Algumas das descobertas mais importantes
da teologia histórica do século XX, por sua vez, vieram com o um resultado
do ultrapassar as fronteiras confessional, nacional e linguística. O reconhecí-
mento do século X X da “Reforma Radical”, com o uma subdivisão legítima
da história da Reforma lado a lado com as “reformas magisteriais” (veja vol.
4, p. 313-331), não seria possível a não ser pelo trabalho constante tanto de
estudiosos quanto de teólogos nas tradições “magisteriais” e pelos historia-
dores anabatistas e unitaristas. Embora a mudança de “Contrarreforma” para
o termo mais abrangente “Reforma Católica” tenha resultado dos esforços
dos estudiosos católicos-romanos (veja vol. 4, p. 359), eles foram reunidos
por outros, cuja reinterpretação das diversas reformas incluía agora a reforma
católica e a Reforma Radical com o parceiros plenos no empreendimento total
da Reforma e, portanto, com o seus co-herdeiros.
Por trás dessas mudanças repousava a alvorada do reconhecimento de
que “os mesmos problemas ocuparam a igreja em todas suas seções” (Sod.
Com. cr. 4 [1923:138]), independentemente de quão profundas fossem as di-
ferenças doutrinais ainda separando as igrejas umas das outras. Medido por
esses problemas, o que as igrejas continuavam a ter em comum era muitíssi-
m o maior que o que diferenciava qualquer uma delas das outras (veja p. 372
abaixo). O relativismo histórico oriundo dos séculos XVIII e X IX levou ao
reconhecimento de que mesmos as antíteses teológicas fundamentais como
aquela sobre a doutrina da justificação foram historicamente condicionadas
pelos eventos da história da igreja e da psicologia individual durante o pe-
ríodo da Reforma (Hll. Lut. 2 [Ges. Auf. KG. 1:111-54]). A o mesmo tempo,
366 A COM UNIDADE ESPIRITUAL DO CORPO DE CRISTO

os teólogos cuja perspectiva em relação à doutrina fora fundamentalmente


modelada por tal relativismo reconheciam a necessidade da doutrina cristã
encontrar algum lugar para permanecer além das relatividades da história e,
nisso, suas versões de historicismo se esforçavam para se separarem de suas
contrapartes seculares ao articular “o relativismo da fé” (Trlsch. Chr. rei. [Ba-
ron 2:328-63]; Nieb. Cris. cult. 7.2 [1951:234-41]). Como o estudo acadêmico e
o pensamento dos teólogos e dos líderes da igreja em todas as denominações
eram vulneráveis a essas influências, a relação entre as denominações não
podia evitar uma gradual, mas definitiva, redefinição.
Um exemplo especial desse reconhecimento de convicções comuns em
face de sistemas filosóficos e religiosos estranhos foi a experiência de todas as
igrejas na missão de campo (veja p. 173 acima), que levou, em 1910, à convo-
cação da Conferência Missionária Mundial, em Edimburgo. Os participantes
da conferência concordaram em continuar a condição especial de buscar que
não houvesse nenhuma expressão de opinião da conferência sobre qualquer
assunto envolvendo quaisquer questões eclesiásticas ou doutrinais a respeito
das quais os participantes da conferência diferiam entre eles mesmos. Tais
questões, não obstante, provaram ser inevitáveis. Quaisquer que fossem as
racionalizações ainda feitas para a perpetuação das divisões históricas entre as
igrejas nos limites da cristandade tradicional, a exportação dessas divisões na
missão de campo veio a ser cada vez mais difícil de justificar — com certeza
com fundamentos estratégicos, mas também com fundamentos doutrinais.
N esse sentido, foi possível afirmar em Edimburgo que era “o objetivo de todo
trabalho missionário plantar em cada nação não cristã uma igreja de Cristo
não dividida” (WMC. Co-Op. 5 [1910:83]) e que esse era “o ideal presente
na mente da maioria dos missionários” (WMC. Co-Op. 7 [1910:142-43]).
Os representantes das sociedades missionárias por intermédio de quem,
durante os séculos XVIII e XIX, muitas das igrejas realizaram sua tarefa
de evangelização na busca de avançar “o progresso do reino” (veja p. 281
acima) se reuniram eles mesmos, em Edimburgo, aos porta-vozes de muitas
das igrejas para avaliar os obstáculos históricos à unidade, conform e estes
se manifestavam agora nas igrejas mais jovens que não tinham participado
dos debates originais sobre doutrina e política.
Tanto a maturidade das igrejas mais jovens quanto a adoção quase uni-
versai do m étodo histórico de fazer teologia revelaram um pluralismo dou-
trinal entranhado nas igrejas confessionais. Nas palavras de um importante
historiador tanto das missões cristãs quanto do ecumenismo: “O movimento
ecumênico foi em grande parte resultado do movimento missionário” (K.
Os recursos teológicos para a unidade
♦ 367
A

S. Latourette ap. Rouse-NeiU [1954], p. 353). Os esforços de qualquer igreja


mais jovem em uma nação não cristã para definir uma identidade cristã em
comparação com as tradições particulares dessa nação poderiam levá-la a ter
uma afinidade doutrinai mais profunda com outro grupo cristão envolvido
em um empreendimento teológico semelhante do que a afinidade que qual-
quer uma delas tinha com a igreja mãe da qual vieram originalmente seus
missionários (veja p. 346-47 acima). Se essa igreja mais jovem ainda assim
continuasse a ser membro de uma comunhão confessional internacional com
sua igreja mãe, a consequência parecia ser um duplo padrão de concordância
doutrinai por meio da qual aquelas que já pertenciam a essa comunhão, com o
resultado de desenvolvimentos históricos, eram mantidas em uma exigência
menos estrita de concordância que aquelas que tentavam estabelecer comu-
nhão cruzando as linhas confessionais. Assim, a cooperação veio a ser um
“problema [essencialmente] moral” (WMC. Co-Op.l [1910:142-43]).
D a mesma maneira, quando a teologia histórica avalia os movimentos
doutrinais do passado recente que apareceram em mais de uma igreja, afini-
dades que transcendiam os limites das denominações tornavam-se aparentes.
Os luteranos ortodoxos, oponentes do pietismo luterano no século XVIII,
apontaram com rapidez essas afinidades com o pietismo reformado (veja p.
90 acima) e, por isso, acusaram Spener e seus seguidores de trair as confis-
sões luteranas (veja p. 97, 111 acima), mas, durante o século X X , o estudo
da história da teologia escolástica no luteranismo ortodoxo do século XVII
sugeriu que, por sua vez, ele, com toda sua rigidez confessional, não só
tinha manifestado afinidades não menos profundas com o escolasticismo
reformado contemporâneo (veja vol. 4, p. 406-21), mas tinha até mesmo
“reproduzido o [método] tomista [de] distinção” em vários pontos (Rtschl.
D G . Prot. 8.66 [1908-IV:302]). Contudo, se houvesse algum sentido relevante
em que o luterano confessional ortodoxo e o pietismo luterano ou a orto-
doxia reformada e o pietismo reformado, ainda fossem ambos designados
pelo nom e “luterano” ou “reformado”, seria necessário fazer a pergunta se
as diferenças teológicas nas denominações confessionais não ficaram mais
profundas e mais decisivas que as diferenças doutrinais tradicionais entre
eles e se, por isso, não passara a ser imperativo “criar uma causa comum na
busca pela expressão dessa unidade” que se tornou manifesta além de todas
as diferenças {Doe. cr. un. 277 [Bell 4:206]).
Além disso, mesmo as diferenças confessionais que ainda eram aplicáveis
não pareciam mais provar de forma tão automática a superioridade doutri-
nal. Quando essa mudança de perspectiva se tornou especialmente visível
368 V*♦ A COM UNIDADE ESPIRITUAL DO CORPO DE CRISTO

no reaparecimento da epiclese ortodoxa oriental e da oração eucarística


ocidental nas várias liturgias protestantes (WCC. ICys. Worsh. 4 [Edwall, p.
33]), também, na direção oposta, um concomitante reavivamento bíblico na
teologia católica-romana foi o reforço da exigência (veja p. 124-25 acima), já
insistente na resposta do Concilio de Trento à Reforma protestante (CTrid.
24. Can. 4 [Alberigo-Jedin, p. 763]), que a centralidade da missa na adoração
e no ensinamento da igreja não obscurecesse o imperativo do N ovo Testa-
mento de “prejgar] a palavra, est[ar] preparado a tempo e fora de tempo,
repreendjer], corri|gir], exortfar]” (2Tm 4.2). “A pregação do evangelho”,
conforme decretou o Segundo Concilio Vaticano, devia ter “um lugar proe-
mínente entre as obrigações de um bispo” (Cvat. [1962-65] 5. l^um. gent. 3.25
[Alberigo-Jedin, p. 869]). Essa reafirmação da obrigação prática de pregar
— com o acontecera depois da legislação do Concilio de Trento (veja vol.
4, p. 359), também depois do Segundo Concilio Vaticano — deflagrou uma
reconsideração não só da homilética com o uma ferramenta do sacerdote
paroquial e um curso no currículo do seminário, mas também do conteúdo
teológico da doutrina católica-romana tradicional da palavra de D eus com o
“a pregação do evangelho”. Uma vez que essa fora a preocupação central
das igrejas protestantes desde o início (veja vol. 4, p. 231-46), tanto a prática
quanto a teoria da pregação no catolicismo-romano usaram os recursos da
pregação e da teologia protestantes.
As liturgias protestantes e a homilética católica-romana eram evidên-
cias impressionantes da consciência, reforçada pela experiência da vida
contemporânea e também pelas pesquisas da teologia histórica (Harn. Ref.
Auf. 2.2.3 [1904-11:253-54]), de que ambos os lados em todos os cismas ao
longo da história cristã foram perdas teológicas, e não só ganhos (Hrom. Th.
crk. 3 [1949:217-31]; veja vol. 4, p. 146-50), com o até mesmo um herdeiro
da Reforma hussita teve de reconhecer (Hrom. Csty. 2.1 [1927:48]). Nada
apresentou esse ponto de m odo mais drástico que o senso de “enriquecí-
mento” que veio por meio da redescoberta da ortodoxia oriental tanto na
teologia protestante quanto na teologia católica-romana durante o século X X
(Goodall [1961], p. 159). Embora as catástrofes políticas da igreja ortodoxa
(Phds. E kk. [1973:258]) em todo o século confirmassem inicialmente os
teólogos ocidentais, em particular os defensores do evangelho social, em sua
crença de que a igreja oriental fora paralisada pelo “sacramentalismo” e pelo
“interesse dogmático” (Rsch. Crist, soc. cr. 4 [1907:176-79]) e, portanto, tivera
de assumir um papel passivo em relação à ordem social, a participação cada
vez maior dos teólogos orientais no diálogo ecumênico deu às igrejas e aos
Os recursos teológicos para a unidade ♦♦♦ 369
teólogos do Ocidente a oportunidade de ver em primeira mão os recursos na
liturgia, dogma e espiritualidade por meio dos quais essas igrejas “passivas”
(Flrv. Crist, cult. 6 [Nordland 2:131-42]) sobreviveram a toda uma série de
catástrofes políticas em quase cinco séculos desde a queda de Constantinopla
(veja p. 61-62 acima) e, por conseguinte, perguntar se a vitalidade teológica
das igrejas ocidentais, em crises análogas, provaria de fato ser mais capaz de
preservar a continuidade e a distinção do testemunho cristão.
Paradoxalmente, o aprofundamento do entendimento doutrinai e coo-
peração teológica nas principais confissões e grupos confessionais também
contribuíram para o reconhecimento das necessidades mútuas e dos pontos
fortes mútuos. Por essa razão, em cada grupo, alguns dos líderes do rea-
vivamento da consciência confessional passou a ser ao m esm o tempo os
porta-vozes para uma definição ecumênica da doutrina da igreja, porque “a
catolicidade da igreja e de sua confissão têm uma conexão essencial” (Schlnk.
Th. Bek. 1 [1948:46]). Os movimentos para a reunião e intercomunhão (falando
de m odo relativo) entre as igrejas estreitamente relacionadas, da perspectiva
organizacional e também teológica, precederam com frequência o estabelecí-
mento de uma comunhão mais abrangente. Além das perdas históricas que se
tornaram visíveis a partir de um reestudo dos estatutos doutrinais formulados
na origem ou durante o desenvolvimento da denominação, também ficou
evidente que alguns dos princípios desses estatutos, quando forçados além
de uma leitura convencional ou meramente polêmica, podiam levar a uma
compreensão mais abrangente da unidade entre os cristãos e entre as igrejas.
Um desses princípios era o conceito ortodoxo oriental de “economia” que
pertencia à lei canônica e também à doutrina. A palavra “economia”, como
termo técnico na dogmática patrística grega (veja p. 259 acima), referia-se aos
atos de D eus na história humana, algo distinto de “teologia”, o ser e a ação
eternos de D eus à parte do tempo e da história (veja vol. 2, p. 33). O princípio
de economia, a partir de sua aplicação à ação divina na história da salvação
(veja vol. 2, p. 211-12), pôde também ser estendido às ações da igreja e, em
especial daquelas ações quando eram obrigadas a levar em consideração as
ambiguidades das inquietações humanas. Em um “documento de imensa
importância” que “veio imediatamente a ser, e ainda é, a base da política ecu-
mênica da igreja grega”, o estudo Λ validade das ordenações anglicanas daperspectiva
ortodoxa-católica, do sistematizador grego ortodoxo Chrêstos Androutsos (An-
drts. Kyr. [1903]), “pela primeira vez o conceito de ‘econom ia’ foi aplicado às
relações ecumênicas”. Embora “esse conceito nunca tenha sido definido ou
370 ψ A COM UNIDADE ESPIRITUAL DO CORPO DE CRISTO

elaborado com clareza”, ficou claro o bastante para possibilitar “uma solução
baseada nos princípios teológicos em que alguns ocasionais arranjos práticos
pudessem ser substituídos” (Flor. Chr. cult. 9 [Nordland 2:226-27]). D esse
início no plano de “arranjos práticos”, por sua vez, seguir-se-ia a exploração
teológica mais profunda da doutrina da igreja e de sua unidade.
Esses “arranjos práticos”, também para o catolicismo-romano, podiam
se tornar um recurso para definições de igreja e de unidade da igreja que
ultrapassavam a equação simplista da igreja com a instituição eclesiástica da
qual o papa era o cabeça visível. Uma dessas era o batismo. Embora uma
ordenação válida pudesse ser administrada só por um bispo estabelecido na
sucessão apostólica apropriada (embora ele pudesse estar em dissidência com
o bispo de Roma) (Leão XIII. Ap. cur. [ASS 29:198-201]) e uma eucaristia
válida, por sua vez, dependia para sua posição sacramental de uma ordenação
válida do sacerdote ministrante (CLater. [1215]. Const. 1 [Alberigo-Jedin, p.
230]), o batismo — desde as controvérsias do bispo de Roma com Cipriano
no século III (veja vol. 1, p. 171-72) e de Agostinho com os donatistas no
século V (veja vol. 1, p. 311-16) — ficara muito menos confinado. N o Concilio
de Basileia-Ferrara-Florença, com base em especial da doutrina sacramental
de Tomás de Aquino (Tos. Aq. A Γ. 3.67.3-5 [Ed. Leon. 12:82-84]), foi afirmado
oficialmente que embora o batismo devesse comumente ser administrado por
um sacerdote, em uma emergência literalmente qualquer pessoa podia batizar,
contanto que a forma prescrita pela igreja fosse observada e houvesse a intenção
de fazer o que a igreja faz (CFlor. [1438-45]. Deer. arm. [Alberigo-Jedin, p. 543]).
As reafirmações dessa doutrina no século X X e também da doutrina de que
a igreja podia ser definida com o “a sociedade em que os seres humanos, por
intermédio do banho do batismo, entram na vida da graça divina” (Pio XI.
Div. il. mag. \A A S 22:52]), conforme colocou o papa Pio XI, prepararam o
caminho para o Segundo Concilio Vaticano declarar em seu decreto sobre o
ecumenismo que “aqueles que creem em Cristo e receberam de forma apropria-
da o batismo são trazidos em uma certa comunhão, embora imperfeita, com a
igreja católica” e, por essa razão, eram aceitos com o irmãos pela igreja (CVat.
[162-65] 5. Unit, redint. 1.3 [Alberigo-Jedin, p. 910]); essa declaração chegou
quase a reconhecer esses batizados não católicos-romanos com o “membros
da igreja”, mas apontou o sacramento do batismo com o um recurso para
a unidade da igreja mesmo se ambos os sacramentos das ordens sagradas
e o sacramento da eucaristia continuassem a ser obstáculos para a unidade.
A atenção renovada nos principais documentos do século XVI ajudara
a remodelar a maioria do corpo de doutrina cristã nas comunhões anglica-
na, luterana e reformada durante os séculos X IX e X X (veja p. 332 acima),
Os recursos teológicos para a unidade ♦♦♦ 371

mas nenhuma doutrina foi afetada de m odo mais fundamental por isso que
a doutrina da igreja e sua unidade. O principio m etodológico de Newman
para a leitura de Os 39 Artigos e do Livro de oração comum (veja p. 333 acima)
— bem como, por extensão, a Confissão de Augsburg, junto com o Catecismo
de Heidelberg — “no sentido mais católico que eles permitem”, com o urna
“obrigação que devemos tanto à igreja católica quanto a nós mesmos” (Newm.
A rt. X X X IX . con. [Tr. Tms. 90:80]), foi realizado, embora de uma maneira
que ele não pôde antecipar, quando, com o no caso da Confissão de Augsburg,
a asseveração de que “nossas igrejas não discordam da igreja católica em
nenhum artigo de fé” ( Conf.Aug. II.1 [Bek., p. 84]) foi pressionado além “da
ênfase inicial sobre a espiritualidade da igreja” com base no qual “também
sua universalidade, ou catolicidade, tinha de ser encontrada na esfera de
uma espiritualidade não empírica” para uma ênfase na “confissão com um”
empíricamente reconhecível na qual todos os cristãos compartilhavam (Elrt.
Morph. 1.21 [1931-1:242-44]). O editor do século X X do Catecismo de Heidelberg
publicou-o com o parte da ordem total da igreja do Palatinado para fornecer
“uma indicação relevante de que a confissão da igreja não se sustenta por si
mesma, mas está incorporada nas ordenanças que regula a vida de adoração
da comunidade” (Nsl. BekKO. [1938:137]). E um comentarista do século XX,
em seus comentários sobre o título do Livro de oração comum, também enfa-
tizou que ele “afirma que a liturgia do Livro de Oração é a ‘da igreja’ como
um todo, ou seja, a igreja católica universal, contínua no tempo e difundida
por todo o mundo” (Shprd. Comm. pr. [1950:i]).
Como os decretos e confissões doutrinais das várias igrejas podiam ser
aproveitados por sua contribuição para um senso mais profundo da unidade
da igreja, também, da outra direção, a oposição à própria noção dos decretos
e confissões doutrinais — uma oposição que as igrejas confessionais caracte-
rizavam com o “sectária” — foi levantada com a intenção de contribuir para o
mesmo fim. A rejeição do Credo Niceno e do Credo de Atanásio e até mesmo
do Credo dos Apóstolos, por Alexander Campbell (veja p. 330-331 acima),
com o uma força divisória foi uma expressão da convicção de que uma igreja
dividida só podia ser reunificada pela volta a um “cristianismo primitivo”,
anterior ao credo e caracterizada pela liberdade teológica, mas não pelo caos
doutrinai; pela unidade, mas não pela uniformidade. Campbell se esforçou
para evitar não só qualquer credo, mas qualquer rótulo denominacional para
seus seguidores, identificando-os simplesmente com o “discípulos de Cristo”
que “se viam com o um movimento na igreja em busca da unidade da igreja”
e que insistia “que seu objetivo fundamental ainda é o mesmo, a saber, unir
3
72Λ A COM UNIDADE ESPIRITUAL DO CORPO DE CRISTO

os cristãos” (D. H. Yoder ap. Rouse-Neill [1954], p. 240). Esse objetivo tinha
de se tornar decisivo para todas as igrejas.

A redenção da sociedade
O fim do século X IX e o século XX, além de todos os outros motivos
teológicos (e não teológicos) para a renovação da fé e da vida da cristandade
ao buscar com novo vigor a visão de uma igreja reunida, viam nessa visão
a possibilidade de fazer uma contribuição para a construção de uma ordem
social mais humana e moral. Os cristãos, só se conseguissem falar com uma
única voz, podiam esperar fazer essa contribuição. O versículo dos evange-
lhos umversalmente citado com o incorporando, mais que qualquer outro, o
imperativo ecumênico divino {Doe. cr. un. 4 [Bell 1:16]; Sod. Chr.fell. [1923:1];
Slp. Posl. 14.vi.1970 [Choma 9:131]) — a oração de Cristo para seus seguidores
na noite anterior a sua crucificação para “que todos sejam um” — não só
prosseguiu para enunciar uma doutrina que o cristianismo ortodoxo tom ou
com o o fundamento trinitário da unidade da igreja (Ag. Trin. 4.9.12 \CCSL
50:177-78]), “Pai, com o tu estás em mim e eu em ti. Que eles também este-
jam em nós”, mas também concluiu com o objetivo de que números cada
vez maiores de cristãos em todas as igrejas entendessem essa oração com o
a relevância evangélica, a tarefa apologética e o propósito social da igreja
{Found. 7 [1913.355]): “para que o mundo creia que tu me enviaste” (Jo 17.21).
“A influência das doutrinas na sociedade”, conforme denominou um
teólogo espanhol (Blms. Prot. 52 [Casanovas 4:559-79]), e o aprofundamento
do compromisso cristão com a redenção da sociedade já eram observados
no século XIX. O mesmo William Wilberforce — cuja obra Visãoprática dos
sistemas religiososprevalecentes dos cristãos confessos expressou a preocupação dos
cristãos evangélicos a respeito da situação da doutrina e da vida cristãs (veja
p. 236 acima) — assumiu a liderança na campanha contra a escravidão com o
“a maior quantidade de culpa e miséria que já existiu na terra” (Wilb. Ep.
30.1.1807 [Robert-Samuel 2:113]). O mesmo Fiódor D ostoiévski que, com o
pensador e homem de letras russo ortodoxo, expressando o que ele e outros
tomavam com o o sentido permanente da tradição ortodoxa de doutrina e
espiritualidade (veja p. 114-15 acima), também falou sobre um processo his-
tórico por meio do qual “o Estado é transformado na igreja [e] ascenderá e
se tornará uma igreja sobre todo o mundo” (Dost. Ir. Kar. 1.2.5 [Cernecova,
p. 69]). O m esmo papa Leão XIII cuja encíclica ProvidentissimusDeus {Providen-
tíssimo Deus), de 1893 (Leão XIII. Prop. \ASS 26:269-92]), estabeleceu alguns
dos mais importantes fundamentos para o estudo católico-romano moderno
da Bíblia também lançou o Rerum Novarum {Das coisas novas), em 1891 (Leão
A redenção da sociedade ♦ > ^3

XIII. Rer. Nov. \ASS 23:641-70]), um documento que um de seus sucessores


no trono de Pedro, Pio XI, teve de aclamar quarenta anos depois com o a
confirmação do ensino social católico-romano (Pió NI. Quad. \A A S 23:179-
81]). E a crítica de Albrecht Ritschl das doutrinas protestantes tradicionais,
com o a da reconciliação e a da justificação (veja p. 275-76 acima), propôs
reconhecer a responsabilidade social do cristão e da igreja com o uma cons-
tituinte fundamental do novo e mais profundo entendimento do que Jesus
pretendia dizer com “o reino de D eus” (Rd. Recht. 2.1.5 [1882-11:26-34]).
Como esse mesmo catálogo de nomes do século X IX sugere e com o
o desenvolvimento do movimento para a preocupação social cristã no sé-
culo X X estava para confirmar, “as teologías associadas com o movimento
eram muitas [...] e diversificadas” (Mead [1963], p. 178); e a despeito da “ex-
pücação evangélica das origens do evangelho social” (T. Smith [1957], p. 149),
os teólogos conservadores argumentavam que o ato de abraçar um ensino
social em particular era em si mesmo uma indicação de que seu proponente
compartilhava a posição “não dogmática” dos outros que assumiam a mesma
posição a respeito da ética social cristã (Piep. Chr. dogm. [1917-1:108-9]). Para
alguns, essa diversidade era um reflexo da “dependência de todo o sistema
intelectual e dogma cristãos da pressuposição sociológica fundamental” de
uma cristandade estabelecida (Trlsch. $0%. conc. 2 [Baron 1:967-68]). Para
outros, ela prometia a possibilidade de cooperação ecumênica a respeito de
questões práticas mesmo nos pontos em que continuava a haver discórdia
doutrinai (Doe. cr. un. app. 3 [Bell 1:378]). Para ainda outros, a diversidade era
uma prova de que a ordem convencional do pensamento teológico precisava
ser revertida. “Temos um evangelho social”, declaravam as palavras iniciais da
obra de maior circulação de reafirmação da doutrina em relação à redenção
da sociedade, Uma teologia para 0 evangelho social., de Walter Rauschenbusch;
“precisamos de uma teologia sistemática ampla o bastante para se igualar a
ele e vital o bastante para apoiá-lo” (Rsch. Teol. 1 [1917:1]). E era esse tipo
de teologia sistemática que o livro se propunha articular.
O pensamento social e a estratégia social das igrejas são tópicos impor-
tantes na história política e intelectual do século XX, tendo os movimentos
para a paz mundial, os direitos humanos e a temperança com o apenas algumas
de suas consequências (Soc. Crd. [1912] [Ward, p. 7]). Além disso, em qualquer
história da ética social cristã, o relato do século X X teria de formar um capítulo
importante, rivalizando em relevância memorável com os da transformação
da sociedade romana por meio da conversão de Constantino (veja vol. 1, p.
59-61) ou com o desafio capitalista para a sociedade feudal na era da Reforma
374 « £ ♦ A COMUNIDADE ESPIRITUAL DO CORPO DE CRISTO

(veja vol. 4, p. 2 3 5 3 0 9 ,3 8 ,2 8 2 ‫)־‬, também porque, em oposição aos excessos


tanto da instauração constantiniana quanto do surgimento do capitalismo,
tentou desenvolver “uma nova ênfase sobre a aplicação dos princípios cristãos
à aquisição e uso da propriedade” (Soc. Crd. [1912] [Ward, p. 7]). N o entanto,
para a história da doutrina cristã com o tal, a relevância do pensamento social
moderno é muito mais complicada, tanto por causa de sua subordinação das
questões doutrinais às questões de vida e sociedade quanto por causa de uma
heterogeneidade teológica, mesmo quando as questões doutrinais surgiram,
que teriam de incluir Walter Rauschenbusch e o papa Leão XIII. Contudo, as
questões de doutrina — com o as questões de política (com as quais a preo-
cupação social cristã com frequência se relaciona) e as questões de liturgia
(com as quais sua relação era menos consistente) — embora recebendo com
frequência apenas atenção implícita, surgiram inevitavelmente nos debates
sobre o pensamento social cristão. E para nosso propósito aqui, são essas
questões implícitas de doutrina, em vez das questões explícitas de estratégia
social ou programas sociopolíticos, que têm de ser centrais. A sequência de
doutrinas discutidas na obra Uma teologiapara 0 evangelho social, de Rauschen-
busch — precisamente porque afirmava ter início a partir de um “evangelho
social” que já estava em vigor com o um componente inquestionável da vida da
igreja (Rsch. Teol. 1 [1917:1]) — fornece um esboço conveniente, embora de
m odo algum o conteúdo doutrinai exclusivo, também para o presente relato.
Rauschenbusch sentiu-se capaz de fazer “O desafio do evangelho social
para a teologia” o título de seu primeiro capítulo (Rsch. Teol. 1 [1917:1-10]) e,
ainda assim, de acordo com seu terceiro capítulo o evangelho social não era
de fato “nem estranho nem uma novidade” (Rsch. Teol. 3 [1917:23-30]). A
relação do novo interesse na redenção da sociedade com a tradição teológica
era uma questão da qual nenhum dos defensores desse interesse podia se
esquivar, uma vez que eles todos concordariam com o julgamento histórico de
“que a tarefa social da igreja na presente época é algo novo e é mais urgente
do que o era no passado” (Harn. Red.Auf. 2.1.2 [1904-11:61]). Rauschenbusch
confessou encontrar no evangelho social “a antiga mensagem de salvação,
mas ampliada e intensificada” (Rsch. Teol. 1 [1917:5]), uma mensagem “tão
ortodoxa quanto o evangelho” (Rsch. Teol. pr. [1917:vi]); mas, para aqueles
que estavam comprometidos de m odo mais profundo que ele com a tradi-
ção representada pela “antiga mensagem de salvação”, essa “ampliafção]” e
“intensifica[ção]” exigia uma justificação mais elaborada do dogma da igreja.
Por conseguinte, uma das primeiras e mais vitais tarefas de qualquer jus-
tificação teológica na igreja — qualquer igreja — para a atenção na redenção
A redenção da sociedade ♦♦♦ 375

da sociedade era esclarecer sua legitimidade doutrinai nas estruturas da au-


toridade tradicional, fossem quais fossem elas para uma igreja em particular.
Conforme Rauschenbusch reconheceu, “a teologia doutrinai está em contato
menos direto com os fatos que os estudos teológicos” porque a doutrina da
igreja “perpetua uma corrente esotérica de tradição” (Rsch. Teol.2 [1917:11-
12]). Contudo, ele teve de argumentar que nessa corrente de tradição, quer
“esotérica” quer não, o evangelho social podia reivindicar um lugar apro-
priado, na verdade, ajudava a explicar e a justificar as doutrinas tradicionais.
Isso não se aplicava a “algumas das doutrinas mais especulativas”, com o
“os problemas metafísicos envolvidos nas doutrinas trinitária e cristológica”
(Rsch. Teol. 14 [1917:147-48]); quanto a estas, “o evangelho social não tinha
contribuições a fazer” ou, em todo caso, daria uma contribuição relativamen-
te pequena, mas “as seções de teologia que devem expressar isso de forma
efetiva” eram as doutrinas do pecado e da redenção (Rsch. Teol. 4 [1917:31]).
A documentação da genealogia teológica para uma consideração direta
dos problemas da sociedade era mais clara em alguns grupos confessio-
nais e denominacionais que em outros (veja p. 276-87 acima), as tradições
católica-romana e reformada conseguiam explorar recursos doutrinais que
estavam menos disponíveis de imediato para as tradições ortodoxa oriental
e luterana. A possibilidade de defesa do registro histórico da cumplicidade
da igreja católica romana na perseguição e repressão, conform e simbolizado
pela Inquisição, e de sua aparente conivência com a escravidão, não anulava
a missão divina da igreja de falar (Blms. Prot. 15-19 [Casanovas 4:140-202]),
e caso fosse necessário agir, no reino social e político; a igreja, ao fazer isso,
falava tanto com o a voz da revelação dada em Cristo quanto com o a guardiã
do “direito concedido ao homem pela natureza [tus homini a natura datum]”
(Leão XIII. Rer. Nov. [Λ S'S23:643]'). A consternação com a maneira com o os
inimigos do evangelho usavam esses apelos ao conhecimento natural e à lei
natural (veja p. 350-51 acima) com o uma “fonte [alternativa] da proclama-
ção da igreja” ( Theol. Erkl. 1 [Niesel, p. 335]) não impedia que aqueles que
permaneciam principalmente na linhagem teológica de Calvino (veja vol. 4,
p. 282, 309) de continuar a afirmar com ele que a igreja “serve o homem e
a nação, o Estado e a cultura” ao seguir e falar fielmente a palavra de Deus
“no lugar de Cristo e, por isso, no serviço para ele e para sua palavra” {Erkl.
Bek. 3.3, 4.1 [Niesel, p. 331]).
Embora o estudo da história tenha feito os representantes da ortodoxia
oriental reexaminar de m odo crítico os padrões de “cesaropapismo” na
história bizantina (Andrts. Ig. est. 1.1.6 [1964-1:29-30]) e tenha feito os intér­
376 φ♦ * A COM UNIDADE ESPIRITUAL DO CORPO DE CRISTO

pretes do luteranismo questionar boa parte de seu argumento teológico para


evitar o envolvimento político direto (Elrt. Morph. 2.4.29 [1931-11:366-95]),
a experiência deles durante o século X X com regimes autoritários e totali-
tários intensificou essa crítica. Muitos luteranos alemães tomaram parte na
(Segunda) Declaração de Barmen, e esta se esforçou para se apresentar com o
a voz não só da teologia reformada, mas também da principal corrente do
protestantismo alemão, ultrapassando as linhas usuais das confissões, mas
manteve-se fiel a cada uma delas ( Theol.Erkl. pr. [Niesel, p. 335]). Apesar
de a estreita identificação da igreja ortodoxa russa com o regime czarista ter
provocado na teologia ortodoxa uma vigorosa defesa da tradição da igreja
contra a Revolução Russa (Krtsv. Sob. 2 [1932:30-40]), mais reflexão, tanto
dos exilados quanto daqueles com contínua responsabilidade na nova Rússia,
provocou algumas reconsiderações fundamentais da ambiguidade da “era de
Constantino” com o a forma ideal para a própria igreja e para sua relação com
o Estado e a sociedade (Schmn. Prav. 3 [1985:100-153]). O protestantismo
da igreja livre esforçara-se tradicionalmente para evitar tanto a “teocracia”
reformada ou católica-romana quanto o “cesaropapismo” luterano ou orto-
doxo oriental a fim de assegurar a liberdade e a pureza do indivíduo e, por
conseguinte, da igreja, no evangelho, e só no evangelho (veja vol. 4, p. 384-93);
mas agora, conforme reconheceu Rauschenbusch, “um novo entendimento
da igreja está ganhando terreno hoje na teologia protestante [da igreja livre] a
despeito do maior reconhecimento das falhas passadas e presentes da igreja”
(Rsch. Teol. 12 [1917:123]), e muitos que, com o Rauschenbusch, continuavam
nessa tradição estavam à frente do novo interesse na relação da igreja com
a ordem social. Assim, foi essa variedade de tradições doutrinais que, de
diversos modos, levou a esse novo interesse.
Talvez nenhuma formulação doutrinai tradicional, na avaliação de Raus-
chenbusch, fosse mais relevante para a igreja que a doutrina agostiniana do
pecado original (veja vol. 1, p. 316-21); embora “a doutrina tradicional da
queda seja o produto principalmente de interesse especulativo” (Rsch. Teol.
5 [1917:41]), a doutrina do pecado original foi “uma das poucas tentativas
da teologia individualista de alcançar uma visão solidária de seu campo e
trabalho” (Rsch. Teol. 7 [1917:57]) e era, portanto, “um esforço importante
ver o pecado em sua totalidade e explicar sua transmissão e perpetuação
ininterruptas” (Rsch. Teol. 7 [1917:67]). “O pecado”, insistiu ele, “não é uma
transação particular entre o pecador e Deus. A humanidade sempre povoa
a sala de audiência quando D eus preside a corte” (Rsch. Teol. 6 [1917:48]).
Outros expoentes da ética social cristã, a partir de pressuposições muitíssimo
A redenção da sociedade ♦♦♦ 377
divergentes, expressaram a mesma insistência. A solidariedade social da raça
humana na criação e no pecado (veja p. 268-69 acima) quase sempre fez parte
do caso estabelecido pelos autores dos argumentos contra o poligenismo e
para a descida histórica de toda a raça humana de um único par de pais {Fund.
8.6 [1910-VIII:84-85]; Pio XII. Hum. gen. \A A S 42:576]).
Então, o economista protestante Richard T. Ely falava para um público
grande e diverso quando declarou que “nada nessa vida do homem em comu-
nidade que chamamos de sociedade é mais extraordinário que a solidariedade
social” (El. Soc. I. 6 \LPT, p. 235]). Embora essa doutrina fosse ensinada pela
história e pelas ciências sociais também à parte da revelação, ela, da perspec-
tiva teológica, era o sentido mais profundo da história da queda de Adão e da
história de Israel; e o N ovo Testamento “ensinava, com ainda maior força,
a lei da solidariedade social” (El. Soc. I. 6 \LP7\ p. 237]). Rauschenbusch, a
partir da teologia de Ritschl (veja p. 276-77 acima), recebeu corroboração para
“essa concepção solidária de pecado” (Rsch. Teol. 9 [1917:93]). Era necessário
manter essa e outras concepções em mente “a fim de perceber o poder e
escopo da doutrina para a qual todas elas convergem: o Reino do Maligno”
(Rsch. Teol. 9 [1917:78]). Os teólogos do evangelho social — em uma época
na qual as imagens recebidas do demônio estavam sendo substituídas por
uma reinterpretação radical do “demoníaco”, e a ortodoxia convencional
sobre o inferno passava a ser inaceitável para muitos teólogos (Tlch. Sist. teol.
5.3 [1967-111:406-9]) — viram-se em harmonia com os católicos-romanos
e outros cristãos que reconheciam um valor permanente nessas doutrinas
com o uma expressão da percepção, expressa, por exemplo, nas palavras da
familiar (caso textualmente duvidosa) perícope da mulher pega em adultério,
de que cada um de seus acusadores “foram saindo, um de cada vez” (Jo 8.9),
o que significava “que eles todos compartilhavam na culpa em comum, pois
não tinham feito o que deveria ser feito para banir o pecado e restaurar os
homens à justiça” (El. Soc. I. 6 [FP7, p. 238]).
Para Rauschenbusch, a doutrina da redenção, junto com a doutrina do
pecado reinterpretada dessa maneira, era a outra das “seções da teologia que
deve expressar [o evangelho social] de modo efetivo” porque ela também era,
entendida de m odo apropriado, “solidária” em seu sentido mais profundo
(Rsch. Teol. 4 [1917:31]). Rauschenbusch, sob o capítulo com os títulos “O
evangelho social e a salvação pessoal” (Rsch. Teol. 10 [1917:95-109]) e, depois,
“A salvação das forças superpessoais” (Rsch. Teol. 11 [1917:110-17]), invo-
cou a definição bíblica de fé com o “a certeza daquilo que esperamos” (Hb
11.1) — definição essa, conforme disse Agostinho, “usada pelos defensores
378 ♦♦♦ A COMUNIDADE ESPIRITUAL DO CORPO DE CRISTO

iluministas da regra de fé católica” ao longo da história cristã (Ag. Man. 2.8


[CCSL 46:52]) — em apoio de um entendimento antes não agostiniano da
fé “não tanto [como] o endosso de idéias formuladas no passado, quanto
[como] expectativa e confiança na salvação de D eus por vir”, uma ênfase do
evangelho social por meio da qual, sustentava Rauschenbusch, “retoma-se
o olhar adiante do cristianismo primitivo” (Rsch. Teol. 10 [1917:101-2]). Os
principais objetos da ação redentora de Deus e da atividade redentora da
igreja, à luz desse olhar adiante, não era a alma imortal de pessoas isoladas,
conforme supusera o individualismo cristão, mas as “forças superpessoais”
que seriam “salvas quando estivessem sob a lei de Cristo” (Rsch. Teol. 11
[1917:113]); essas forças incluíam os negócios, o Estado e a própria sociedade.
Conforme o uso da frase “a lei de Cristo” por Rauschenbusch para
fornecer o conteúdo da “salvação das forças superpessoais” sugere, um im-
portante teste doutrinai para qualquer teoria cristã da redenção da sociedade
seria sua conexão, ou falta de conexão, com os ensinamentos das igrejas sobre
o poder salvífico da morte de Cristo (veja p. 152-59 acima); por essa razão, o
capítulo final da obra Uma teologiapara 0 evangelho social carregava o título “O
evangelho social e a expiação” (Rsch. Teol. 19 [1917:240-79]). Rauschenbusch
reconheceu que muitos cristãos considerariam a doutrina da expiação com o
“a essência da teologia” (Rsch. Teol. 19 [1917:240]), embora para ele a dou-
trina do reino de D eus fosse “a essência do evangelho; com o a encarnação
o era para Atanásio; a justificação só pela fé, para Lutero; e a soberania de
Deus, para Jonathan Edwards” (Rsch. Teol. 13 [1917:131]); no entanto, cada
uma dessas doutrinas, na verdade, foram, para muitos de seus defensores,
incluindo os citados, um corolário de redenção por meio da crucificação e
ressurreição de Cristo, o qual era, portanto, a suprema “essência do evan-
gelho” também para eles (veja vol. 1, p. 211-20; vol. 3, p. 198-211; vol. 4,
p. 220-31). Os intérpretes do evangelho social, para ligá-lo às concepções
tradicionais de expiação, detalham os pecados “todos de natureza pública”
(Rsch. Teol. 19 [1917:248-58]), que foram responsáveis pela crucificação. Isso
não esconde a mudança fundamental em operação na definição dos meios
de salvação, da obra expiatória de Cristo aos ensinamentos reformadores
de Cristo ou — empregando a estrutura da “função tripla” de Cristo com o
profeta, sacerdote e rei (veja p. 148 acima) — de um Cristo que era rei por
intermédio de seu sacrifício com o sacerdote, que podia ser visto com o o
consenso da tradição (veja vol. 3, p. 170), a um Cristo que era rei por meio
de sua mensagem com o profeta.
A redenção da sociedade ♦♦♦ 379

Portanto, “o reino de Deus, para aqueles cuja mente vive no evangelho


social, é uma verdade amada” (Rsch. Teol. 13 [1917:131]) e a doutrina central
da mensagem cristã, clamando com o fazia “por direitos iguais e justiça com-
pleta” em toda a sociedade (Soe. Crd. [1908] [Ward, p. 6]). Era ainda mais que
isso: Rauschenbusch, com base no estudo crítico dos evangelhos realizado
em especial desde o com eço do século X X (veja p. 286-87 acima), sentiu-se
no direito de declarar que nos relatos dos discursos de Jesus no evangelho
“apenas dois de seus ditos registrados contêm a palavra ‘igreja’, e ambas as
passagens são de autenticidade questionável” (Mt 16.18; 18.17). O que tornava
a autenticidade das passagens questionável, ele achava “seguro dizer”, era que
Jesus “nunca pensara em fundar o tipo de instituição que, mais tarde, afirmou
estar agindo por ele”. A o contrário, os evangelhos deixam claro que “Jesus
sempre falou do reino de D eus” (Rsch. Teol. 13 [1917:131-32]). Conforme
disse Washington Gladden: “O reino inclui a igreja, mas a igreja não inclui
o reino” (Gldn. Ig. r. 1 \LPT, p. 102]). A despeito da importância ecumênica
da questão: “qual é a relação da igreja com o reino de Deus?” (Doe. cr. un. 6
[Bell 1:18]), a muitíssimo radical disjunção entre “igreja” e “reino” (Bnhfr.
Theolgem. 6 [Bethge 2:279-80]) — ou, no que diz respeito ao assunto, entre
“reino” e “Estado” — continuava a ser inaceitável para o principal corpo de
ensino cristão em todas as igrejas, também para o ensino da maioria daqueles
que tentavam lidar com os problemas concretos da sociedade moderna. Era
igualmente inaceitável para eles a redução da obra de Cristo a sua mensagem
profética (Bnhfr. Theol. gem. 5 [Bethge 2:184-87]) ou dessa mensagem a seu
conteúdo ético, mesmo seu conteúdo social-ético.
Além disso, a ideia do reino de Deus, a despeito de sua relação antes tênue
com o corpo de doutrinas ou artigos de fé, passou a ser, no pensamento cristão
do século X X , uma questão para pelo menos duas discussões de relevância
vital não só para a teoria política cristã, mas também para a doutrina com o
tal, incluindo a doutrina da igreja: o pensamento social católico-romano
tom ou com o um de seus pontos históricos de partida a teoria medieval das
“duas espadas”, enquanto o pensamento social luterano continuou a partir
de uma nova atenção à teoria de Lutero dos “dois reinos” (Torn. Reg. 2.1
[1940:23-27]). N em uma das formulações era totalmente aceitável, todavia,
nenhuma delas era também anulável. Essas duas teorias também fazem parte
do nosso assunto aqui, mas só pelo lugar decisivo que ocupam na história da
eclesiologia do século XX.
A teoria das duas espadas surgiu com o uma catacrese evidente na con-
versa entre Cristo e seus discípulos no jardim do Getsêmani: “Os discípulos
380 ♦♦♦ A COMUNIDADE ESPIRITUAL DO CORPO DE CRISTO

disseram: ‘Vê, Senhor, aqui estão duas espadas’. Έ o suficiente!’, respondeu


ele” (Lc 22.38). Ela recebeu muita aceitação por sua incorporação na bula
papal Unam Sanctam, lançada pelo papa Bonifácio VIII, em 1302, na qual a
doutrina da igreja foi definida com mais precisão do que o fora na maioria
dos documentos papais anteriores (veja vol. 4, p. 129): havia “duas espadas,
a saber, a espiritual e a temporal”, mas ambas estavam no poder da igreja, a
primeira entregue “pela igreja [ab ecelesta}” e a última pelo governo, mas “em
favor da igreja ]pro ecclesia]” (Bon. VIII. Un. sanct. [Lo Grasso, p. 212]). A
teoria das duas espadas pertencia à posterior equação medieval da igreja com
o reino de D eus (veja vol. 4, p. 142-46) e com o um pronunciamento papal
“ex cathedra” e, por isso, uma parte do depósito do ensino público da igreja.
A bula papal Unam Sanctam era tida com o favorecida com uma autoridade
ligando todas as épocas. A proclamação do papa Pio IX, Syllabus of Errors
{Lista de erros), anatematizou uma série de proposições que lidavam com a
posição da igreja na sociedade secular (Pio IX. Syll. 6.39-55 ¡ASS3:172-74]),
culminando com a rejeição da proposição herege de que “a igreja devia ser
separada do Estado; e o Estado, da igreja” (Pio IX. Syll. 6.55 [A53’3:174]), e o
Syllabus condenava específicamente os esforços para relegar sua eclesiologia à
posição de “uma doutrina que [só] prevalecera na Idade Média” (Pio IX. Syll.
5.34 ]ASS 3:172]). Contudo, à luz de mais reflexão histórica e do reconhecí-
mento de que por intermédio do pluralismo religioso “fora apresentado um
novo problema para a igreja universal” (Mry. Verds. pr. [1964:11]), necessi-
tando a aplicação da metodologia de “desenvolvimento de doutrina” (Mry.
Prob. D. 2 [1964:52-57]) também para essa eclesiologia, ficou evidente que
a simples circunstância histórica de seu “prevale [cimento] na Idade Média”
não a tornou permanentemente vinculada à igreja. Conforme colocou o Se-
gundo Concilio Vaticano: “Na vida do povo de Deus conform e ele faz seu
caminho de peregrinação através das vicissitudes da história humana, às vezes
há maneiras de agir que estão menos de acordo com o espírito do evangelho
e até mesmo se opõem a ele” (CVat. [1962-65] 9, Dign. hum.pers. 12 [Alberigo-
-Jedin, p. 1009]), incluindo a perseguição daqueles que não aceitaram a fé
cristã. A reconsideração da definição do reino de Deus subjacente à teoria das
“duas espadas” desempenhou assim um papel importante na reconsideração
e redefinição da própria doutrina da igreja no Segundo Concilio Vaticano
(veja p. 390-91 abaixo).
A distinção de Lutero entre os “dois reinos” [regimenté}”, formulada origi-
nalmente com o um substituto para a equação medieval da igreja institucional
com o reino de D eus (veja vol. 4, p. 238-39), foi um esforço para afirmar que
Deus exerceu seu governo tanto por meio do “reino da mão esquerda”, o
A redenção da sociedade 381

reino da lei, do poder e da justiça, quanto do “reino da mão direita”, o reino do


evangelho, da graça e da misericórdia: um Deus, mas dois reinos. Por isso, não
era legítimo para os cristãos deduzirem do evangelho os princípios políticos
que tinham de governar o Estado e as cortes legais; esses princípios vieram da
história e da razão, não da revelação em Cristo. A crise política do século XX
levantou questões profundas não só sobre a importância social-ética dessa
teoria, mas também sobre seu conteúdo doutrinai. A resposta de Lutero —
avaliada a partir do princípio central do senhorio de Cristo sobre tudo, sobre
o Estado não menos que sobre a igreja — forneceu uma resposta “insatis-
fatória” para a questão da relação entre a “justificação” e a “justiça” (Brth.
Rcht. [1944:4]) e transformou a distinção entre a lei e o evangelho em uma
separação, dotando o “reino da mão esquerda” com uma autonomia moral
que abriu caminho para o totalitarismo e a tirania e distorcendo fundamen-
talmente a imagem do N ovo Testamento da igreja (Brth. Ev. ges. 2 \TheolEx
11-50:10-17]). Os defensores da teoria de Lutero se esforçaram para reexa-
minar a relação de “justificação” e “justiça” em seu pensamento (Alt. Eth.
[1965:137-41]) e insistiram que seu conceito de um “reino da mão direita”
continuava em julgamento sobre toda as instituições humanas, incluindo as
instituições humanas da própria igreja, e que ele impusera “limites ao reino
terreno” (Torn. Reg. 3.2 [1940:113]). Portanto, a igreja, em um sentido real,
tanto era quanto não era o reino de Deus, mas o reino de D eus estendido
muito além das fronteiras da igreja para toda a criação.
A expressão “reino de D eus”, quaisquer que sejam seus outros sentidos
— com o o século X X tinha melhor razão para saber que qualquer outro
século prévio da história cristã, exceto talvez pelo século I — carregava
conotações escatológicas inevitáveis (veja p. 286-87 acima). Apesar de os
porta-vozes para o evangelho social, com sua busca por um “reino de D eus”
na terra, parecessem ignorar essas conotações com tanta frequência quanto
os porta-vozes para a equação medieval de igreja e de reino, a proeminência
da “escatologia consistente” com o um m étodo para a interpretação dos
evangelhos tornou-a obrigatória a qualquer um que agora falasse sobre o
reino de D eus para se conformar a essas conotações. Rauschenbusch reser-
vou um capítulo inteiro de sua obra Uma teologiapara 0 evangelho social para a
“escatologia” (Rsch. Teol. 18 [1917:208-39]), no qual ele, tratando de frente
o intenso debate, com o uma consequência da crítica histórica, sobre o dito
erro escatológico de Jesus, recomendou o evangelho social com o uma solu-
ção para a situação. “A ciência histórica e o evangelho social juntos”, propôs
ele, “podem conseguir afetar a escatologia para sempre” de maneiras que
382 ♦♦♦ A COM UNIDADE ESPIRITUAL DO CORPO DE CRISTO

nenhum deles consegue fazer sozinho. Pois embora “a crítica da histórica


por si mesma faça [a escatologia] parecer absurda e sem poder criativo”, a
escatologia podia ser transformada ao ser combinada com o evangelho social,
que “tem severidade moral e fé religiosa que exerce influência construtiva na
doutrina” (Rsch. Teol. 18 [1917:211]).
O interesse do século XIX no “progresso do reino” (veja p. 276-87 acima)
foi uma advertência do que uma “influência construtiva na doutrina” podia
significar concretamente na reinterpretação da escatologia. Rauschenbusch
reconheceu que ele mesmo ficara antes tão impressionado com a noção do
“progresso da civilização” que adotou um “otimismo [...] não justificado
pelos fatos” (Rsch. Miss. [LPT, p. 270-71]). A geração seguinte dos pupilos
do evangelho social anulou esse otimismo fácil e a identificação do progresso
social com o reino de D eus (Nbr. Fth. Hist. 1 [1949:1-13]), e liam o “erro
escatológico” dos evangelhos com o uma expressão de julgamento divino
transcendente em todos os estágios da história humana. Onde a igreja era
vista com o “o corpo místico de Cristo”, a “plenitude e completude do Reden-
tor [plenitud0 et complementum Redemptoris]” na igreja, que era urna com Cristo
com o seu cabeça (Pio XII. Myst. corp. [A A S 35:230]), era uma “união de céu
e terra” e uma expressão da escatologia realizada que no N ovo Testamento
permanecía lado a lado com a escatologia futurista em uma tensão de “já” e
“ainda não”, uma escatologia realizada cuja principal expressão era a igreja e
sua celebração da eucaristia (Leão XIII. Mir. car. [ASS 34:642-43]). Embora
o termo “sociedade”, na realidade “sociedade necessária”, fosse aplicável à
família e ao Estado tanto quanto à igreja, só a igreja, com o a única “socie-
dade sobrenatural”, tinha um destino além da história e, por conseguinte,
uma função de ensinamento também em relação a essas duas “sociedades
naturais” (Pio XL Dip. il. mag. [A A S 22:52-53]).
Os levantes políticos do século XX, a experiência prática de tentar relacionar
a mensagem cristã da redenção com as estruturas da sociedade e o aprofunda-
mento do reconhecimento que, conforme coloca Rauschenbusch, mais extre-
mamente que muitas outras fariam, “nossas divisões denominacionais são quase
todas [...] de uma era controversa [...] [cuja] relevância real esfacelou-se” (Rsch.
Cnst. soc. cr. [1916:139-46]) — tudo transformou a busca pela relevância social
do evangelho em uma importante força em direção à unidade cristã. O que ele
disse sobre o “evangelho social” podia ser aplicado também ao “evangelho
ecumênico”: “precisamos de uma teologia sistemática ampla o suficiente
para equipará-lo e vital o suficiente para apoiá-lo” (Rsch. Teol. 1 [1917:1]). E
a despeito de sua vigorosa polêmica contra o catolicismo-romano, a tentati-
Lumen Gentium 383

va mais abrangente nessa “teologia sistemática” estava para vir, no final do


século, dos decretos do Segundo Concilio Vaticano.

Lumen Gentium
Em 3 de julho de 1907, o papa Pio X lançou o decreto Lamentabili {]Lamen-
tável), no qual condenava o esforço de vários teólogos da igreja católica-romana
para se desobrigarem da autoridade de ensinar da igreja (Pio X. Lam. [ASS
40:470-77]); e, em 8 de setembro do mesmo ano, ele, na encíclica Pascendi do-
miniagregis {Do apascentamento do rebanho), estendeu e reforçou essa condenação
enfatizando “a origem do dogma e a própria natureza do dogma” com o “a
principal matéria” (Pio X. Pase. [ASS 40:602]). Em 1910, ele acrescentou a
exigência de um juramento contra esses erros do modernismo para ser feito
por todos os professores de teologia e outros clérigos (Pio X. Sacr. ant. [AAS
2:669-72]). N a ortodoxia oriental, “com exceção de apenas quatro bispos,
todo o episcopado russo, em 1905, exigiu a restauração do patriarcado su-
primido por Pedro, o Grande” (J. Meyendorff ap. Nichols-Stavrou [1978],
p. 177), com o um meio de lidar com a nova situação da igreja ortodoxa na
cultura da Rússia czarista do século XX.
Durante os anos 1909/1910 e seguintes, os protestantes evangélicos dos
Estados Unidos lançaram, em um total de mais de três milhões de copias,
os doze tratados intitulados Osfundamentos, afirmando os “cinco pontos do
fundamentalismo”: a inspiração verbal e inerrancia da Bíblia, a divindade de
Cristo, o nascimento virginal de Cristo, a doutrina substitutiva da expiação
e a ressurreição física e a volta corporal de Cristo. Em 1912, um grupo de
teólogos anglicanos de Oxford lançaram sua “declaração da crença cristã
em termos de pensamento moderno” sob o título Fundamentos, em que ten-
taram, sem abrir mão da essência da tradição cristã, reconciliar as crenças
cristãs históricas com aqueles e outros pontos importantes da doutrina com
a “ciência, filosofia e estudo acadêmico” {Found. ínt. [1913:vii]), em especial
com os resultados da crítica histórica e bíblica.
Essas declarações no com eço do século X X dos porta-vozes cató-
licos-rom anos, ortodoxos orientais, protestantes evangélicos e angli-
canos — com o as palestras do historiador luterano liberal A d olf Harnack
sobre A essência do cristianismo, em 1899/1900 (veja p. 291-92 acima) — todos
pretendiam formular o sentido essencial da tradição cristã em suas relações,
quer positivas quer negativas, com o pensamento contemporâneo. N o en-
tanto, todos eles estavam para ser ofuscados em importância histórica pelo
Segundo Concilio Vaticano da igreja católica-romana convocado pelo papa
João XXIII, que se reuniu do final de 1962 ao final de 1965. A maioria dos
384 ♦♦♦ A COMUNIDADE ESPIRITUAL DO CORPO DE CRISTO

concilios da igreja, apesar de avaliarem tangencialmente uma variedade de


questões disciplinares (a prática penitencial no Quarto Concilio de Latrão)
(veja vol. 4, p. 192-93) ou até mesmo questões teológicas (a relação entre os
patriarcados no Concilio da Calcedonia) (veja vol. 2, p. 182-83), concentrou-se
na efervescente questão doutrinai, com o essa levantada em recente contro-
vérsia teológica: em Niceia (veja vol. 1, p. 211-20), a relação do Filho com o
Pai; em Constantinopla, a divindade do Espírito Santo e, por conseguinte, a
doutrina da Trindade (veja vol. 1, p. 221-34); em Efeso e Calcedonia, a relação
das naturezas divina e humana na pessoa de Cristo (veja vol. 1, p. 263-72).
Entretanto, às vezes a recente controvérsia teológica era tão abrangente em
seu escopo e tão profunda em seu desafio que o concilio não conseguiu
isolar uma questão dogmática da outra, mas sentiu-se obrigado a lidar com
uma ampla (se nunca quase completa) gama de tópicos doutrinais. Assim,
na época em que as 25 sessões do Concilio de Trento cobrindo um período
de dezoito anos terminaram, pouquíssimas doutrinas tinham escapado pelo
menos de algum comentário (veja vol. 4, p. 341-73), embora muitas tenham
escapado de uma resolução definitiva (veja vol. 4, p. 345-76).
Essa abrangência, em medida aparentemente única, foi uma característica
do Segundo Concibo Vaticano. O concibo, também em medida única, pelo
menos desde o cisma entre o Oriente e o Ocidente e o cisma da Reforma,
esforçou-se de forma debberada para incluir os “irmãos separados” em seu
campo de ação. Isso não só dava aos membros de outras comunhões um
papel, apesar de um papel indireto, nas discussões e debberações do concibo;
até mesmo as vozes das tradições históricas foram representadas de modo
mais pronunciado e direto por essas comunhões, com as quais “toda a igreja
estava em dívida” (CVat. [1962-65] 5. Oreccl. 5 [Alberigo-Jedin, p. 902]). Foi
reconhecido que “alguns, até mesmo muitos, dos elementos, ou dotações, mais
relevantes que juntos avançam para edificar e dar vida para que a própria igreja
possa existir fora das fronteiras visíveis da igreja catóhca”; esses “elementos,
ou dotações” incluíam “a palavra escrita de D eus” (CVat. [1962-65] 5. Unit,
redint. 3 [Alberigo-Jedin, p. 910]). Por essa razão, os pais gregos da igreja, as
hturgias orientais, até mesmo os reformadores protestantes e os estudiosos
da Bíbba se fizeram ouvir, se não sempre nos textos dos decretos, então, nas
notas de rodapé históricas para eles. Essas características deixaram o Segundo
Concibo Vaticano especialmente bem adequado para essa conclusão do de-
senvolvimento da doutrina cristã — não só “a doutrina da igreja” com o um
genitivo objetivo, a doutrina sobre a igreja conforme exposto na declaração
central do concibo, a Constituição Dogmática sobre a igreja, Lumen gentium
Lumen Gentium ♦♦♦ 38S

{Constituição dogmática da igreja) (CVat. [1962-65] 5 .Cum. gent. [Alberigo-Jedin, p.


849-98]), mas “a doutrina da igreja” com o um genitivo subjetivo, no sentido
mais abrangente com o “o que a igreja de Jesus Cristo crê, ensina e confessa
com base na palavra de D eus” (veja vol. 1, p. 25).
A questão da autoridade, se ao menos por causa de sua proeminência em
toda controvérsia doutrinai importante de todos os séculos precedentes (veja
p. 123-28,303-13 acima), não podia ser evitada em quaisquer das discussões no
Segundo Concilio Vaticano. O próprio poder e profundidade da constituição
humengentium com o uma formulação eclesiológica continuava a correr o risco
de parecer subordinada tanto à Escritura quanto à tradição para a autoridade
permanente da igreja (veja vol. 4, p. 345-46). O Concilio de Trento, e depois o
Primeiro Concilio Vaticano (veja p. 322 acima), deixou sem resolver a relação
entre a Escritura e a tradição com o “as duas fontes da revelação”. A ideia fora
formulada em um esboço preliminar em Trento de que a revelação estava con-
tida “em parte \partim\” nos livros escritos da Escritura e “em parte \partim\” na
tradição (veja vol. 4, p. 346). O teor do Dei Verbum (Constituição Dogmática da
revelação divina), a constituição dogmática sobre a revelação divina no Según-
do Concilio Vaticano, sem uma condenação explícita dessa ideia, enfatizava
antes a conexão mútua entre a “tradição sagrada” e a “sagrada Escritura”,
que tinha uma única e comum “fonte [scatungo]‫ ״‬na revelação divina (CVat.
[1962-65] 8. Dei. Verb. 2.9 [Alberigo-Jedin, p. 974-75]). Esse decreto com sua
linguagem explícita — a despeito da oportunidade para continuar o registro
relativo à questão de se toda a doutrina cristã estava contida na Escritura ou
não — deixou a questão em aberto, embora ela implicitamente, por seu uso
tanto da Escritura quanto da tradição, afirmasse que toda a doutrina vinha
da Escritura, mas da Escritura com o era continuamente interpretada pela
tradição autoritativa. O concilio, ao fazer isso, deu voz a um crescente con-
senso ecumênico. Pois esse fora por muito tempo o ensinamento histórico
da ortodoxia oriental (veja vol. 2, p. 41 -47); e quando a Comissão sobre a Fé
e a Ordem nos Concilios Mundiais das Igrejas, no qual a maioria das igrejas
protestantes, anglicanas e ortodoxas estava representada, criou uma comis-
são de estudo sobre “Tradição e Tradições” (WCC. Trad. [Minear, p. 12-51]),
colocou em movimento um processo de reflexão e de debate que levaria, se
não a fórmulas dogmáticas oficiais, a formulações dogmáticas não oficiais,
impressionantemente semelhantes à linguagem da Dei Verbum.
Uma das questões mais urgentes na consideração da doutrina da revelação
em todas as igrejas durante o século X X foi “a revelação natural” (veja vol. 3, p.
132-44,337-46), cuja validade fora reafirmada pelo Primeiro Concilio Vaticano
3 8 6 «,♦ + A COM UNIDADE ESPIRITUAL DO CORPO DE CRISTO

contra o ceticismo e o racionalismo (CVat. [1869-70] 3.2 [Alberigo-Jedin, p.


806]; veja p. 244-45 acima). Ainda assim, para muitos, a “teologia natural”
parecia ela mesma ser uma espécie de racionalismo e também um recurso
para levantar na igreja outra autoridade que não a de Cristo e sua palavra
(veja p. 350-51 acima). A primeira tese da Declaração de Barmen condenava “a
falsa doutrina de que a igreja teria o dever de reconhecer — além e à parte
da Palavra de D eus — ainda outros acontecimentos e poderes, personagens
e verdades com o fontes da sua pregação e com o revelação divina” ( Theol'.
Erkl. 1 [Niesel, p. 335]). A resposta do Segundo Concilio Vaticano a essa
crítica da “teologia natural” (veja vol. 1, p. 47), embora repetindo a linguagem
tradicional da epístola para os Romanos sobre a “manifestfação]” de Deus
nas “coisas criadas” (Rm 1.19,20), faz isso apenas depois de enunciar uma
confissão de fé completa na “economia da revelação” (CVat. [1962-65] 8. Dei.
Verb. 1.3 [Alberigo-Jedin, p. 972]) por meio da história da salvação culminando
na encarnação do Logos (CVat. [1962-65] 8. Dei. Verb. 1.2 [Alberigo-Jedin,
p. 972]), que, por isso, não tinha de ser visto com o um complemento ou até
mesmo com o uma complementação do “conhecimento natural de D eus”,
mas com o o alicerce para todo o diálogo de D eus com a raça humana. Por-
tanto, a Dei Verbum, sem negar a validade filosófica nem a correção teológica
do padrão tomista de provas para a existência de D eus (veja vol. 3, p. 337-
46), expressou um crescente consenso doutrinai do século X X ao mudar a
ênfase dos argumentos racionalistas, quer heterodoxos quer ortodoxos em
seu resultado, para o testemunho da palavra de Deus.
Contudo, as declarações oficiais das igrejas católica-romana e ortodo-
xa oriental, não menos que as promulgações com o a Fundamentos da igreja
protestante evangélica (veja p. 303-13 acima), descreviam a inspiração da
Escritura com o a garantia de uma inerrância que excluía todo erro, não só
na fé e na moral, mas na história, arqueologia e ciência (Leão XIII. Prov.
[ASS 26:286-87]). A aplicação do m étodo de crítica histórica ao estudo da
Escritura continuava a dividir os teólogos, e igrejas inteiras, uns dos outros.
A encíclica Divino afflante Spiritu (Sobre os estudos bíblicos), apesar de abraçar essa
definição da inerrância da Escritura (Pio XII. Div. affl. Spin \A A S 35:298]),
dera ao mesmo tempo, com clareza e força sem precedentes, reconhecimento
oficial à existência na Escritura de várias formas literárias e, por conseguinte,
à necessidade de prestar atenção “à perspectiva [indoles] e condição de vida
do escritor sagrado e à época em que ele viveu” (Pio XII. Div. affl. Spin [AAS
35:314]). Esse reconhecimento forneceu uma justificação no concilio para a
reconsideração do que se pretendia dizer com o termo “inerrância” à luz da
Lumen Gentium ♦♦♦ 3 87

forma com o os assuntos científicos e históricos eram tratados na Biblia (veja


p. 307-309 acima). Agostinho já falara sobre a necessidade na interpretação
bíblica de “fazer concessão à condição daqueles tem pos” (Ag. Doc. cr. 3.18.26
[C O L 32:93]). Embora ele não se referisse à ciência ou à história, mas à éti-
ca, específicamente à poligamia dos patriarcas do Antigo Testamento, suas
palavras provaram ser úteis não só para diversos participantes do debate no
concilio, mas também ao texto da própria Constituição Dogmática sobre a
Revelação ao lidar com problemas de cronologia e também de cosmología
(CVat. [1962-65] 8. Dei. Verb. 3.12 [Alberigo-Jedin, p. 976]). Esse desenvol-
vimento da doutrina da inerrância bíblica também estava sendo apresentado
contra o pano de fundo do profundo ceticismo entre alguns estudiosos pro-
testantes do N ovo Testamento muitíssimos influentes sobre a possiblidade de
conhecer quase tudo em relação “à vida e à personalidade de Jesus” (Bltmn.
Jes. int. [1964:11]), por trás do querigma da igreja primitiva. Esse ceticismo
protestante, de uma maneira curiosa, podia ser usado para confirmar a ênfase
católica-romana e ortodoxa oriental na centralidade da eclesiologia: nem a
Escritura nem Cristo estavam acessíveis a não ser por intermédio da tradição
da igreja — em todo caso, a tradição da igreja primitiva, se não a tradição da
igreja dos séculos subsequentes (veja p. 352 acima).
A singularidade da comunidade cristã, conforme mostrara a pesquisa
nessa tradição primitiva subjacente ao N ovo Testamento, expressava-se na
adoração, que então formava a base para o desenvolvimento da doutrina.
O título “Senhor [κύριοζ]” para Jesus Cristo era um termo cultuai antes de
se tornar um título de credo (Bsst. Kyr. Chr. 8 [1913:338-42]); era quase um
consenso que Filipenses 2.6-11, o principal texto-prova para a cristologia
dogmática da “pré-existência, kenosis e exaltação” (veja vol. 1, p. 263-72), que
forneceu a “regra canônica” (Ag. Trin. 2.1.2 \CCSL 50:81]) para o entendí-
mento da dupla natureza da linguagem bíblica sobre Jesus (Ag. Ίηη. 1.7.14,
1.11.22 [CCSL 50:44-46, 60-61]), não veio da metafísica, mas de um hino
(Schmauch [1964], p. 24-33); o principal texto-prova para a divindade do
Espírito Santo, e, portanto, para o dogma da Trindade, também fora suprido
pela prática de adoração da igreja (veja vol. 1, p. 221-34), conforme resumido
na fórmula batismal (Mt 28.19,20). Longe de ser um acréscimo posterior para
algum status quo ante (veja p. 325 acima) supostamente não litúrgico, então, a
liturgia era aquela que “edifica aqueles na igreja no templo santo do Senhor,
manifestando [assim] o mistério de Cristo e a genuína natureza da verdadeira
igreja” (E f 2.21,22; CVat [1962-65] 3. Sacr. Conc. pr. 2 [Alberigo-Jedin, p. 820])
com o o povo santo de Deus. A liturgia da igreja, nessa “obra de tornar as
388 A COM UNIDADE ESPIRITUAL DO CORPO DE CRISTO

pessoas santas”, era o exercício característico do cargo sacerdotal de Cristo


(CVat. [1962-65] 3. Sacr. Cone. 1.7 [Alberigo-Jedin, p. 822]).
A santidade da igreja, o primeiro de seus atributos a alcançar a formula-
ção de credo (veja vol. 1, p. 169-70), também fora durante muito tempo uma
ocasião para o entendimento equivocado (veja vol. 4, p. 146-60). O concilio
— definindo o propósito da ação litúrgica com o o louvor de Deus, mas tam-
bém com o a instrução da igreja em santidade (CVat. [1962-65] 3. Sacr. Cone.
1.33 [Alberigo-Jedin, p. 827]), e fundamentando, assim, o comportamento na
adoração, em vez da adoração no comportamento (CVat. [1962-65] 3. Sacr.
Cone. 1.9 [Alberigo-Jedin, p. 823]) — respondeu às críticas da Reforma da
doutrina medieval (veja vol. 4, p. 209-14) por evitar o moralismo que quase
inevitavelmente se ligava ao termo “santo”. Por conseguinte, o concilio pôs a
função de pregação e de ensino em primeiro lugar entre as obrigações tanto
do episcopado quanto do sacerdócio (CVat. [1962-65] 5. Lum.gent. 3.25 [Albe-
rigo-Jedin, p. 869]; CVat. [1962-65] 9. Presb. ord. 2.4 [Alberigo-Jedin, p. 1046]),
citando a autoridade da “tradição expressa em especial nos ritos e práticas
litúrgicos da igreja tanto no Oriente quanto no Ocidente” (CVat. [1962-65]
5. Cum. gent. 3.21 [Alberigo-Jedin, p. 865]). A leitura, o ensino e a pregação
da Escritura tinham de ser “da máxima importância [maximum momentum] na
celebração da liturgia” (CVat. [1962-65] 3. Sacr. Cone. 1.24 [Alberigo-Jedin, p.
826]). Essa posição estava de acordo com a ênfase do concilio (veja vol. 4, p.
239-40,341), também uma resposta às críticas da Reforma do sacerdotalismo
medieval, no sacerdócio universal de todos os cristãos na igreja, conforme
esse sacerdócio, conferido por intermédio do batismo, expressava-se na li-
turgia (CVat. [1962-65] Ò.Apost.Act. 1.2-3 [Alberigo-Jedin, p. 982-83]; CVat.
[1962-65] 3. Sacr. Cone. 1.14 [Alberigo-Jedin, p. 824]).
A importância eclesiológica da liturgia afetou o entendimento não só de
santidade, mas também e em especial de unidade em meio à diversidade, com
uma marca da igreja: a igreja, com o a noiva de Cristo, tinha de estar “cercada de
variedade” (SI 45.13 [Vulg.]; Leão XIII. Or. dign. [A£T27:259]). As declarações
públicas da doutrina de todas as igrejas afirmavam que a diversidade de ritual
ou de estrutura administrativa com o tal não negava a unidade ( Conf. Aug. 7.3
[Bek., p. 61 \;A rt. X X X IX . 34 [SchafF 3:508]; Conf. Belg. 32 [Niesel, p. 132]),
mas essas declarações havia muito tempo reconheceram que a contribuição
especial das igrejas do Oriente estava em defender uma ideia teológica da
resistência à homogeneidade litúrgica e organizacional {Conf. Helv. post. 23
[Niesel, p. 267-68]; Soer. H . e. 5.22.57 [Hussey 2:635]). O Segundo Concilio
Vaticano declarou explícitamente que “a igreja, mesmo na liturgia, não deseja
Lumen Gentium ♦♦♦ 389
impor uma uniformidade rígida em assuntos que não envolvem a fé ou o bem
de toda a comunidade” (CVat. [1962-65] 3. Sacr. Cone. 1.37 [Alberigo-Jedin, p.
828]). Esse era o fundamento doutrinai não só para a aprovação do uso do
idioma local na missa (que tinha consequências de longe alcance para a vida
e a adoração da igreja, embora não diretamente para sua doutrina), mas para
a reafirmação do direito e dever das igrejas orientais, m esmo se elas tivessem
de alcançar (ou recuperar) a unidade com a santa sé para “preservar seus ritos
litúrgicos legais e seu m odo estabelecido de vida” (CVat. [1962-65] 5. Or. eccl.
6 [Alberigo-Jedin, p. 902]). O concilio acrescentou que a participação nos
“atos sagrados da religião cristã”, até mesmo nas igrejas cujo episcopado e
ordens sacerdotais não eram aceitos pelo catolicismo-romano com o váli-
dos, podiam “produzir uma vida de graça” e até mesmo “fornecer acesso à
comunidade de salvação”, embora não fosse possível dizer que provia “essa
unidade que Jesus Cristo queria conceder” (CVat. [1962-65] 5. Unit, redint. 3
[Alberigo-Jedin, p. 910]).
A afirmação da universalidade ou “sobornost” de toda a igreja apre-
sentada nessa linguagem pelo Decreto sobre 0 ecumenismo, por mais inovadora
ou até m esm o revolucionária que pudesse parecer, olhava além dos limites
da igreja, de qualquer igreja, em sua visão de “uma comunidade de todas as
nações” (CVat. [1962-65] 9. Nostr. aet. 1 [Alberigo-Jedin, p. 1069]). O concilio
— embora continuasse afirmando que “a missão da igreja é cumprida por
essa atividade que a torna totalmente presente para todos” (CVat. [1962-65] 9.
Ad.gent.5 [Alberigo-Jedin, p. 1014]) e que a vontade de D eus, o Criador (nas
palavras muito debatidas do N ovo Testamento) (veja vol. 1, p. 324, 328-30;
vol. 4, p. 302) é “que todos os homens sejam salvos” (lTm 2.4; veja p. 174-75
acima) só seria completada quando a obra missionária atingisse seu objetivo
de converter o mundo para o evangelho de Cristo (CVat. [1962-65] 9. Ad.
gent. 7 [Alberigo-Jedin, p. 1017]) — também passou a considerar o sentido
doutrinai da posição dos não cristãos em seu próprio direito. O concilio, ao
fazer isso, tentou articular uma alternativa cristã e católica para duas defi-
nições proeminentes do século X X dessa posição. Uma delas, sugerida em
Repensando as missões: a inquirição de um leigo depois de cem ¿mr viera da “inquirição
de [protestantes] leigos” não só da prática, mas também das pressuposições
teológicas do esforço missionário, propunha que “o cristianismo pode se
ver obrigado a ajudar essas fés [não cristãs] [...] a chegar a uma interpretação
mais verdadeira do próprio sentido delas” (Hckng. Reth. 2.5 [1932:37]); isso
substituía a complementariedade e cooperação para a percepção convencional
da singularidade e exclusividade da revelação do evangelho. Os representantes
390 ♦♦♦ A COM UNIDADE ESPIRITUAL DO CORPO DE CRISTO

dessa percepção encontraram suporte nas palavras do prólogo do evangelho


de João, que chamavam o Logos pré-existente de “a verdadeira luz, que ilu-
mina todos os hom ens” 0 o 1.9). A outra definição era a aplicação à relação
com as religiões não cristãs da nova consciência da primazia da revelação em
Cristo, a convicção de que “só Deus mesmo pode tornar possível o impossível
por meio de seu ato criativo soberano de salvação em Jesus Cristo” (Krmr.
Mssge. 3 [1938:75]). Essa afirmação contundente, mais ainda que a da antiga
missiologia protestante, para o nom e de Jesus Cristo foi resumida na exegese
tradicional das palavras: “N ão há salvação em nenhum outro, pois, debaixo
do céu não há nenhum outro nom e dado aos homens pelo qual devamos
ser salvos” (At 4.12).
N o entanto, houve outra resolução do problema que também apareceu no
século X X (Nieb. Rad. mon. 4 [1960:49-63]). Essa resolução se esforçou para
combinar o compromisso com a particularidade da revelação cristã com uma
afirmação da vontade salvífica universal do D eus da revelação cristã. Nathan
Sõderblom afirmou o paradoxo nas Palestras Gifford que fez quando falou
da “singularidade de Cristo com o o revelador histórico, com o a Palavra feita
carne” (Sod. D. vivo 9 [1933:349]), mas ele continuou a seguir para afirmar
que a “revelação de D eus não está confinada à igreja, embora a igreja, nas
Escrituras e em sua experiência, tenha os meios para interpretar a revelação
contínua de D eu s” passada ou presente (Sod. D. vivo 10 [1933:378]), onde
quer que ela apareça, quer na igreja quer além dela. D a perspectiva teológica,
relacionada com essa preocupação com a “revelação progressiva” (Nieb. Rev.
3 [1960:132-37]) estava uma das pressuposições subjacentes ao Decreto sobre
a Liberdade Religiosa, do Segundo Concilio Vaticano, Dignitatis humanaeper-
sonae (Declaração sobre a liberdade religiosa): o reconhecimento de que “todas as
nações estão alcançando uma unidade ainda mais estreita” e que os membros
“das diferentes culturas e religiões estão sendo reunidos em relações mais
estreitas” (CVat. [1962-65] 9. Dign. hum. pers. 15 [Alberigo-Jedin, p. 1010]).
D a perspectiva teológica, isso levou à combinação da “crença de que Deus
mesmo tornou conhecido para a humanidade a maneira com o os homens
devem servi-lo e, assim, ser salvos em Cristo e alcançar a bem-aventurança”,
com uma aceitação da obrigação de “todos os homens de buscar a verdade
[...] e de abraçar a verdade que vêm a conhecer, e apegar-se com firmeza a
ela” (CVat. [1962-65] 9. Dign. hum. pers. 1 [Alberigo-Jedin, p. 1002]). Mas o
reconhecimento de que essa percepção, junto com suas implicações para a
liberdade religiosa, não estava presente nas ipsissima verba do N ovo Testamento
(CVat. [1962-65] 9. Dign. hum. pers. 9 [Alberigo-Jedin, p. 1006]), mas só veio
Lumen Gentium ♦♦♦ 391

por intermédio do desenvolvimento da doutrina sugerida que um desenvol-


vimento mais profundo no entendimento da revelação pela igreja, por meio
da experiência de séculos, podia levar também a um maior esclarecimento da
relação entre a particularidade e a universalidade e, assim, ao esclarecimento
da relação entre o cristianismo e as outras religiões.
E sse esclarecimento foi singularmente premente na relação entre o
cristianismo e o judaísmo, conforme no curso do século X X tanto o desen-
volvimento da doutrina cristã quanto a experiência da igreja na sociedade
deixaram muitíssimo evidente. O esforço cristão para se reconciliar com o
lugar único e permanente da aliança com o povo de Israel na economia da
revelação divina sempre foi uma chave para a natureza da mensagem cristã
(veja vol. 2, p. 218-234); mas com o o século X X testemunhou a ruptura mais
traumática na relação cristã-judaica desde a “dejudaização [primitiva] do
cristianismo” no século I (veja vol. 1, p. 34-47), assim, isso também produ-
ziu no quarto artigo da Nostra aetate, a Declaração sobre a relação da igreja com as
religiões não cristãs, a afirmação cristã oficial mais vigorosa da permanência da
aliança com Israel (veja vol. 1, p. 44), pelo menos uma vez que os capítulos
9, 10 e 11 da epístola para os Romanos, nos quais a declaração foi de fato
fundamentada (CVat. [1962-65] 7. Nostr. aet. 4 [Alberigo-Jedin, p. 970]). O
concilio não só com eçou sua interpretação do lugar do judaísmo na histó-
ria da salvação ao transformar essa interpretação em parte de sua reflexão
sobre “o mistério da igreja”, em vez de torná-la simplesmente parte de sua
discussão das religiões não cristãs (a despeito desta, no fim, ter se tornado
parte da Declaração sobre a relação da igreja com as religiões não cristãs, em vez de
parte do Decreto sobre 0 ecumenismâ), mas afirmou “o elo espiritual ligando o
povo da nova aliança com a descendência de Abraão” (CVat. [1962-65] 7.
Nostr. aet. 4 [Alberigo-Jedin, p. 970]). O concilio, repudiando as observâncias
tradicionais que forneciam ocasião para o ódio e a perseguição (Bnl. Diss. apol.
[1747]), estimulou dois “recursos teológicos para a unidade” não só entre os
cristãos, mas também entre os judeus e os cristãos: o estudo acadêmico e o
diálogo. “Uma vez que o patrimônio espiritual comum a cristãos e judeus é
tão grande”, declarou o concilio, “esse sínodo sagrado quer fomentar e reco-
mendar esse entendimento e respeito mútuos que, acima de tudo, é o fruto
dos estudos bíblicos e teológicos e do diálogo fraternal” (CVat. [1962-65] 7.
Nostr. aet. 4 [Alberigo-Jedin, p. 970]).
O concilio — embora a relação do cristianismo com as outras fés que não
o judaísmo não tivesse a mesma posição doutrinai e, exceto por uma analogia
superficial, não pudesse ser tratada tornando essas fés uma “série de Antigos
392 Λ A COM UNIDADE ESPIRITUAL DO CORPO DE CRISTO

Testamentos” — estendeu também a elas o método de afirmar os valores


positivos em outras tradições com o evidência de “uma certa percepção desse
poder escondido que paira sobre o curso das coisas e sobre os eventos da vida
humana” e que poderia ser lido com o uma expressão “do reconhecimento
de uma divindade [numinis\ suprema e de um Pai supremo” (CVat. [1962-65]
7. Nostr. aet. 2 [Alberigo-Jedin, p. 969]). O m onoteísm o islâmico, junto com a
veneração mulçumana da virgem Maria (veja vol. 2, p. 246-61), foi escolhido
com o um exemplo especial desse reconhecimento (CVat. [1962-65] 7. Nostr.
aet. 3 [Alberigo-Jedin, p. 969-70]). Mas esse reconhecimento, em vez de servir
com o a prova tradicional do “consenso das pessoas” (veja p. 246 acima),
forneceu o fundamento para a declaração de que “a igreja católica não rejeita
nada que é verdade e santo nessas religiões” (CVat. [1962-65] 7. Nostr. aet. 2
[Alberigo-Jedin, p. 969]), uma vez que Cristo, com o “o caminho, a verdade
e a vida” é “a verdadeira luz, que ilumina todos os hom ens” (Jo 14.6; Jo 1.9;
CVat [1962-65] 7. Nostr. aet. 5 [Alberigo-Jedin, p. 971]; CVat. [1962-65] 9.
Gaud. sp. 1.2.29 [Alberigo-Jedin, p. 1086]). O Pai de Jesus Cristo era “o Pai de
todos” e a imagem divina estava presente em todos. Esse, com o a maioria dos
decretos do concilio, pretendia ter um efeito pastoral e prático, mas ambos
expressavam e estabeleciam um fundamento doutrinai para a prática (CVat.
[1962-65] 9. Gaud. sp. pr. 2 [Alberigo-Jedin, p. 1069-70]).
Esse fundamento doutrinai que o Segundo Concilio Vaticano enunciou
para a igreja do século X X apoia-se no desenvolvimento doutrinai de todos
os séculos que o precederam em todas as igrejas — católica-romana, ortodoxa
oriental e protestante. Esse fundamento doutrinai definiu a unidade da igreja
tanto com o um dom divino a ser recebido com gratidão quanto com o uma
tarefa da “restauração da unidade \unitatis redintegratio] entre todos os cristãos”
(CVat. [1962-65] 5. Unit, redint. pr. 1 [Alberigo-Jedin, p. 908]) a ser realizada
por eles por meio do diálogo fraternal entre as tradições e por intermédio do
estudo de sua tradição em comum. Afirmou com especial vigor a centraüda-
de da adoração com o a “regra de oração” por meio de cuja reforma e de cuja
renovação “a regra de fé” podia ser recuperada e aprofundada e a santidade, da
igreja renovada (CVat. [1962-65] 3. Sacr. Cone. 1.21 [Alberigo-Jedin, p. 825]).
Esse fundamento doutrinai olhava além das necessidades e recursos de qual-
quer igreja em particular para a visão de uma universalidade e “sobornost”
(ou comunidade espiritual) genuinamente católicas em que toda a humanidade
seria abraçada (CVat. [1962-65] 5. Lum.gent. 2.13 [Alberigo-Jedin, p. 859-60]).
Esse fundamento doutrinai também se esforçava para falar com o uma voz
autêntica sobre a garantia da revelação apostólica, conforme esta fora estabele-
Lumen Gentium
♦ 393
cida na Escritura e transmitida por intermédio da tradição apostólica (CVat.
[1962-65] 8. Dei. Verb. pr. 1 [Alberigo-Jedin, p. 971]).
Por esse motivo, é apropriado para esse relato do desenvolvimento da
doutrina crista concluir com o começou: “Credo unam sanctam catholicam
et apostoücam ecclesiam [Creio em uma igreja santa, católica e apostólica]”
(veja vol. 1, p. 32).
O bras secu n dárias selecionadas

Geral
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alemão) também apareça na lista original de fontes para o presente volume, ele
deve, junto com o livro correspondente de Georges Florovsky, ser colocado aqui
também, como uma introdução profunda não só à teologia do século XIX, mas
também ao pensamento a precedeu.
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Walgrave,/TI. Newman the Theologian: The Nature of Belief and Doctrine as Exemplified
in His Eife and Works. Traduzido por A. V. Litdedale. New York, 1960. Walgrave
dá especial atenção ao desenvolvimento da teoria de desenvolvimento.
Welch, Claude. In This Name: The Doctrine of the Trinity in Contemporary Theology. New
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Obras secundarias selecionadas Λ 407

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Substance andProtestant Principle in Luther’'sReformation. New York, 1964, p. 159-206.
408 ♦ ♦ ♦ OBRAS SECUNDÁRIAS SELECIONADAS

— . Twentieth-Century Theology in theMaking. Traduzido por R. A. Wilson. 3 vols. New


York, 1969-70. Esses três volumes de fontes lidam respectivamente com: “Temas
de teologia bíblica”, “O diálogo teológico: questões e recursos” e “A ecumenici-
dade e a renovação”.
— . “Mary-Exemplar of the Development o f Christian Doctrine”, em Mary: Images
of the Mother ofJesus inJewish and Christian Perspective, p. 79-91. Philadelphia, 1986.
Philippou, A.J., ed. The Orthodox Ethos. Oxford, 1964.
Rahner, Karl. Theological Investigations. Traduzido por Cornelius Ernst. Baltimore,
1961-. E possível dizer que cada capítulo do presente volume e diversos capítu-
los nos volumes precedentes mostram a influencia desses estudos históricos e
teológicos de longo alcance.
Roper, Anita. The Anonymous Christian. Traduzido por Joseph Donceel. New York,
1966.
Rouse, Ruth, e Neill, Stephen Charles, eds. A History of the Ecumenical Movement,
1517-1948. Philadelphia, 1954.
Rumscheidt, H. Martin. Revelation and Theology:An Analysis of the Barth-Harnack Cor-
respóndeme of 1923. Cambridge, 1972.
Schlette, Heinz Robert. Towards a Theology of Religions. Traduzido por W J. O’Hara.
New York, 1966.
Schmauch, Werner. Beiheftto: Ernst Lohmeyer. Die Briefe an die Philipper, an die Kolosser
und an Philemon. Gottingen, 1964.
Smith, Timothy L. Revivalism and SocialReform:American Protestantism on the Eve of the
Civil War. Nashville, 1957. Origens do evangelho social no século XIX.
Sundkler, Bengt. Nathan Soderblom: His Life and Work. Lund, 1968.
Tavard, George H. Two Centuriesof Ecumenism: TheSearchfor Unity. Edição Mentor-Omega.
New York, 1962. O contexto histórico do Segundo Concibo Vaticano.
Theisen, Jerome P. The Ultimate Church andthe Promise of Salvation. Collegeville, Minn.,
1976.
Visser’t Hooft, W A. The Background of the Social Gospel inAmerica. Haarlem, 1928.
Watt, Louis. A Handbook to Rerum Novarum. Oxford, 1941.
Wellek, René. Concepts of Criticism. New Haven, 1963.
Zernov, Nicolas. The Russian Religious Renaissance of the Twentieth Century. New York,
1963.
TRADIÇÃO
CRISTÃ
UMA HISTÓRIA DO DESENVOLVIMENTO DA DOUTRINA

A DOUTRINA CRISTA
E A CULTURA MODERNA
DESDE 1700
Ganhador do Prêmio da Academia Americana de lleligiao de ¡990pela excelência desta obra
Jaroslav Pelikan começou este volume com a crise da ortodoxia que confrontou todas as denominações
cristãs no inicio do século XVIII e continuou ao longo do século XX, abordando a preocupação
particular desse |>eríodo com o ecumenismo. A era moderna na história da doutrina cristã, demonstra
Pelikan, pode ser definida como o período em que, na maior parte da história cristã, as doutrinas
mais assumidas que debatidas foram elas mesmas questionadas: a ideia de revelação, a singularidade
de Cristo, a autoridade da Escritura, a expectativa de vida após a morte e até mesmo a própria
transcendência de Deus.
Ό conhecimento do imenso esforço intelectual investido na construção do edifício da doutrina
crista pelas melhores mentes de cada geração sucessiva é notável, e leitura muitíssimo recomendada
e agradável. E dificilmente existe uni guia mais liicido e genial que esta obra maravilhosa."
— Economist
"Este volume, a triunfante conclusão de toda uma série, deve ser recomendado sem reservas como
a melhor e mais abrangente introdução disponível atualmente sobre o assunto."
. !lister E. McGrath, autor de Teologia sistemática, histórica efilosófica
Shedd Publicações
"A série do professor Pelikan marca um importante ponto de partida, e, além disso, o autor é um
professor extraordinário."
— Marjorie O'Rourke Boyle, Commonweal
"Os livros de Pelikan marcam não só o fim de um esforço acadêmico fascinante, mas também o fim
de uma era. Temos motivo para supor que nada parecido com esta obra será empreendido novamente."
— Harvey Cox, Washington Post Book World

Jaroslav Pelikan ( 1923 - 2006 ), autor de mais de trinta livros, era erudito em História do
Cristianismo e Teologia Cristã. Foi professor de história na Yale University.

ár
SHEDD

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