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UMA HISTÓRIA DO DESENVOLVIMENTO DA DOUTRINA
A D O U TRIN A C R ISTÃ
E A CU LTU R A M ODERNA
DESDE 1 7 0 0
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SHEDD
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BRASIL
TRADIÇÃO
CRISTÃ UMA HISTÓRIA DO DESENVOLVIMENTO DA DOUTRINA
5
1. O surgimento da tradição católica (100-600)
TRADIÇÃO
CRISTÃ
UMA HISTÓRIA DO DESENVOLVIMENTO DA DOUTRINA
5
A DOUTRINA CRISTÃ
E A CULTURA MODERNA
DESDE 1700
Tradução
Helena Aranha & Regina Aranha
SHEDD
Publicado originalmente nos EUA
Título do original em inglês:
T h e C h r is t ia n T r a d it io n : a H istory of th e D ev el o pm en t of D o c t r in e
Volume V: Christian Doctrine and Modern Culture (since 1700)
Pelikan, Jaroslav
A tradição cristã: uma história do desenvolvimento da doutrina : a
doutrina cristã e a cultura moderna (desde 1700), volume 5 / Jaroslav
Pelikan; tradução de Helena Aranha, Regina Aranha. — São Paulo :
Shedd Publicações, 2016.
408 p.
Bibliografia.
ISBN 978-85-8038-046-0
Título original: The Christian Tradition: a History o f Development o f
Doctrine - Vol. V: Christian Doctrine and Modern Culture (since 1700)
1. Igreja católica - Doutrinas —História 2. Teologia —doutrina bíblica —
Reforma 3. Igreja católica - Cultura moderna I. Título II. Aranha, Helena
III. Aranha, Regina
P refácio ................................................................................................................7
Autores e textos
Adm. Karl Adam
Chr. O Cristo dafé (Der Christus des Glaubens). Düsseldorf, 1954
Kath. A essência do catolicismo (Das Wesen des Katholiffsmus).
12a ed. Düsseldorf, 1949
Un. A igreja una, santa, católica eapostólica naperspectiva católica
(Una sancta in katholischerSicht). Düsseldorf,
1948
Albrt. Vind. Valentino Alberto. Vindicando exegética deJoel 2.28,29
(Vmdiciae exegeticaeJoélll, 28.29). Leipzig, 1695
AUat. Leão Alácio [Leone Allacci]
Manual Manualsobre aprocessão do Espírito Santo (Deprocessione
Spiritus sancti enchiridion). Roma, 1658
Perp. cons. O consensoperpétuo da igreja orientale ocidentalno dogma
e no ritual (Deperpetuo Ecclesiae
Occidentalis atque Orientalis tarn in Dogmate
quam in Ritibus consenso) 2a ed. Roma, 1655
Purg. O consensoperpétuo da igreja orientale ocidentalsobre 0
dogma dopurgatório (De utriusque Ecclesiae
occidentalis atque aroentalisperpetua in dogmate
depurgatório consensione). Roma, 1655
Syn. Eph. A defesa do Concilio de Efeso e de Cirilo [ daAlexandria]
sobre aprocessão do Espírito Santo do Pai e do
Filho (Vmdiciae synodiEphesinae et S. Cyrilli
deprocessione ex Patre et Filio Spiritus Sancti).
Roma, 1661
Af. Lig. Afonso de Ligório
Gl. Mar. A s glórias de Maria (Le glorie di Maria)
Teol. mor. Teologia moral (Theologia Moralis)
Alt. E t. Paul Althaus. A ética de Martinho Eutero. Gütersloh, 1965
Ambr. Ambrosio de Milão
Off. Sobre as obrigações (De officiis)
Esp. Sobre 0 Espírito Santo
12 PRINCIPAIS FONTES
Edições e coleções
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Adams Adams, Dickinson W, &A.Jefferson’s Extractsfrom the Gospels.
Princeton, 1983
Aland Aland, Kurt, ed. Philipp Jakob Spener. Pia desideria. 2aed.
Berlim, 1955.
Alberigo-Jedin Alberigo, Giuseppe e Jedin, Hubert, eds. Concitiorum
oecumenicorum decreta. 3a ed. Bolonha, 1973.
Alexander Alexander, Gerhard, ed. Hermann Samuel Reimarus.
Apologie oderSchut^schriftfiir die vernünftigen Verehrer
Gottes. 2 vols. Frankfurt, 1972
Anal. Hymn. Analecta Hymnica MediiAevi. Leipzig, 1886-1922
Argentré Argentré, Charles Du Plessis d’, ed. Collectio iudiciorum de
novis erroribus. 3 vols. Paris, 1728
ASS Acta Sanctae Sedis. 41 vols. Roma, 1865-1908
AUA American Unitarian Association, pub. The Works of William
Eflery] Channing. Boston, 1901
Baker Baker, Frank, ed. The Works of John Wesley. Oxford, 1975-.
Baron Baron, Hans, et al., eds. Ernst Troeltsch. Gesammelte Schriften.
4 vols. Tübingen, 1913-25.
Barth-Niesel Barth, Peter, and Niesel, Wilhelm, eâs.Johannis Calvini opera
selecta. 5 vols. Munique, 192636־.
Basler Basler, H. S., ed. Dr.Jablonski’s Vortreffliche Reden über die letsfen
WorteSalomon’s im 12tenKapitelseinesPreãgers. Filadélfia, 1849.
Edições e coleções A♦ 47
com sarcasmo: “Oh, sim! até ao céu estrelado” e insiste que o passado é um
livro com sete selos (Gth. Fst. 1.574-76 [Trunz, p. 26]), acrescentando sua
própria percepção da função da tradição: “O que hás herdado de teus pais,
adquire, para que o possuas” (Gth. Fst. 1.682-83 [Trunz, p. 29]).
Gustav Mahler, por uma intuição não menos evocativa teologicamente
que musicalmente, em sua oitava sinfonia, executada pela primeira vez em
1910, justapôs as linhas finais de Fausto ao hino medieval Vent Creator Spiritus
{Anal. Hymn. [50:193-94]). Pois, durante o século ou por volta disso que se
seguiu à morte de Goethe, a relação entre a tradição e a dúvida articulada em
Fausto veio a ser uma pressuposição espiritual e intelectual para os pensadores
cristãos de pontos de vista muitíssimo distintos. Vladimir Sergeevic Soloviev,
filósofo e teólogo ortodoxo russo, atacou as linhas finais de Fausto (na tradução
russa) (Gth. Fst. 2.12102-11 [Trunz, p. 364]) em seu livro La Sophia (escrito
em francês), de 1876 (Slv. Soph. int. 1 [Rouleau, p. 78]). Philip Schaff, histo-
fiador americano-alemão reformado — enquanto lamentava que “G oethe
tivesse seu lado brilhante e obscuro nisso, disse que ele é todo natureza” sem
a especificidade da graça — via Fausto com o uma exceção porque a obra “se
move antes em elementos medievais” (Schf. Prin. prot. 2.5 [Mere. 1:182-83]) e
aplicou as palavras de Mefistófeles de que “um patife que especula é com o
um animal” (Gth. Fst. 1.1830-31 [Trunz, p. 60]) para a teologia e estudo
acadêmico protestantes alemães (Schf. Prin. prot. 2.5 [Mere. 1:205]). Edward
Bouverie Pusey, o pai fundador do Movimento Oxford em Anglicanismo,
escrevendo enquanto G oethe ainda estava vivo, chamou Goethe de “um dos
maiores observadores filosóficos da Alemanha” que encontrara “no debate
da fé e da descrença” úm “grande plano” e “o único e mais profundo tema
da história do mundo e do hom em ” (Pus. Hist. 1 [1828-1:4-5]). Para S0 ren
Kierkegaard, Fausto era “um cético par excellence״, uma expressão apropriada
para uma “época em que de fato todos tinham dúvida”, embora ele tenha
ficado desapontado com o fato de faltar ao retrato dele feito por Goethe
“uma percepção psicológica mais profunda na conversa secreta da dúvida
consigo mesma” (Kierk. Fr. bv. 2.3 [Drachmann 3:155]).
Na virada do século (veja p. 291-92 abaixo), A d olf Harnack tirou o tema
para suas palestras sobre A essência do cristianismo (Harn. Wes. 1 [1901:2]) das
palavras de G oethe, ditas apenas onze dias antes da morte daquele, palavras
essas também citadas pelo protestante liberal Albert Schweitzer (Schw. Gth.
[1953:75]) e pelo teólogo católico-romano Karl Adam (que em outro lugar
chamou Goethe de “o velho mestre” [Adm. Chr. 18 (1954:265)]) na discussão
da “perfeição ética da humanidade de Cristo” (Adm. Kath. 2 [1949:31]): “A
Έ, mísero eu, da teologia
1ψ 55
* *
histórica”. Essa tensão tem produzido alguns dos sistemas mais fascinantes
e mais profundos de toda a história da filosofia, sistemas associados com
nomes com o de Descartes e Leibniz, Kant e Hegel. Contudo, esses sistemas,
com o tais, não são uma parte da história da doutrina cristã; nem, por sinal,
são os sistemas teológicos que se desenvolveram lado a lado com eles e, com
frequência, no diálogo com eles ou na dependência deles. Este livro, com o
seus predecessores, concentra-se em narrar a história do desenvolvimento
da doutrina da igreja; esforça-se (invocando uma analogia que pode ser útil
se usada com cuidado) para ser uma história do constitucionalismo, em
vez de uma história de teoria política. N ão apresenta a história da teologia
sistemática desde 1700, muito menos a história da teologia filosófica ou da
filosofia da religião (todas as duas merecem a cuidadosa atenção do estudo
acadêmico); mas, na melhor das hipóteses, lida com esses assuntos enpassant,
com o modelaram a história do “que a igreja cria, ensinava e confessava com
base na palavra de D eus” ou, ocasionalmente, com o foram modelados por
essa história. O livro continua a se concentrar no coro, e não nos solistas
(veja vol. 1, p. 25-32).
Mas os solistas têm com frequência corrido o risco de abafar o coro
(Dipp. Hrt. 2 [1706:26]; Sem. Erud. [1765-1:159]). Isso é especialmente ver-
dade em um período em que todas as igrejas veem com o “obrigação pregar a
notícia da redenção com o auxílio dos instrumentos de comunicação social”
(CVat. [1962-65]. 3. Int. mir. 1.3 [Alberigo-Jedin, p. 844]). Esses instrumentos
de comunicação, embora sejam sociais, também permitem às vezes a tendência
de desalojar o tradicional. Conforme seus praticantes começaram a perceber
nos séculos XVIII e X IX (Lamp. Ep. 12.x. 1825 [Forgues 13:137]; Zinz. Soc.
4 [Beyreuther 1-1:35]), é característico da teologia moderna usar revistas ou
periódicos com o um meio polêmico e publicar essas revistas [teológicas] e
brochuras sem numeração” (Lschr. Unfehl. pr. [1724:A4v-A5r]), que são dis-
tribuidas em todo o país em uma verdadeira “guerra da pena” (Engsch. Pet.
[1720:29]). Ao mesmo tempo, a história da teologia, no período moderno, é
usada com frequência com o um preâmbulo pelos teólogos sistemáticos; algu-
mas das contribuições mais brilhantes e de longo alcance vêm desse interesse.
Contudo, esse interesse também pode reduzir a perspectiva histórica ao tornar
um ou outro sistema atual na norma da história, com o quando um brilhante
teólogo do século X IX (veja p. 340-41 abaixo) identificou as três décadas
que antecederam sua própria época com um dos três principais períodos na
história da doutrina da expiação, junto com os quinze primeiros séculos da
igreja e os três séculos após a Reforma (Bau. Vers. int. [1838:15-16]).
Έ, mísero eu, da teologia 59
♦
mais uma vez sua graça (Mck. 1־/or. pr. [1774:A6v-A8r]). Contudo, todos
sabiam em todo lugar que a ortodoxia de qualquer definição confessional
estava sob cerco. Assim, o mesmo bispo ortodoxo do Oriente, mesmo en-
quanto proclamava que “a fé está triunfando de todos os lados” tinha de
lamentar que, “por causa de nossos pecados” (Men. Did. 2.1 [Blantès, p. 98]),
Constantinopla, “a rainha das cidades” e capital da ortodoxia bizantina, fora
conquistada e saqueada pelos mulçumanos (Men. Did. 1.5 [Blantès, p. 61]) e
que a fé ortodoxa ainda corria grave perigo (Men. Did. 4 [Blantès, p. 214]).
N a maioria dos países do Ocidente, havia um sentimento semelhante
de crise entre os defensores da ortodoxia e também entre os que a despre-
zavam (Drnd. Diss. pr. [1703:A4r]; Cone. Re¿, riv. 1.2 [1754-1:8-21]; Mos. Tol.
2 [1722:4-6]). “Um dilúvio de tudo que é mal inundou a cristandade e ainda
inunda na maioria dos lugares”, observou a mais importante publicação do
deísmo inglês (Tin. Cr. 11 [1730:165]); “mal há quem se importe com algum
tipo de cristianismo, que dirá com a ortodoxia”, era a versão protestante (ap.
Nmnn. Spen. [1695:10]); em território de fala francesa, quer católico-romano
quer protestante, “todos os cristãos ortodoxos na sã doutrina” eram adverti-
dos contra aqueles que “até nossa época” continuavam a se “revoltar contra
a fé” por causa de sua convicção de que “todas as fés estão exauridas” (Byl.
Com.phil. pr. [1713-1:91]) e que “a maioria das igrejas cristãs [...] [do] nosso
século” estavam em declínio (Ost. Corrupt. 2.1 [1700-11:10-11]); e na Escan-
dinávia, foi necessário protestar contra um ataque ao “escolasticismo” que
era de fato o alvo de qualquer teologia sistemática ortodoxa (Casp. Beyl. 8.14
[1724:55]). O clero, em meio ao declínio geral do prestígio de todas as ordens
estabelecidas da sociedade, estava na pior condição de todos (Pet. Hch^t.
5.16 [1701:172-73]). A doutrina ortodoxa — a despeito da proliferação sem
precedentes (ou talvez por causa dela) de “guias, catecismos, confissões de
fé ou de doutrina, livros simbólicos, hinários, etc.” teológicos (Sem. Re¿. 18
[Schütz, p. 138]) — não podia mais exigir respeito universal. Um teólogo, ao
pregar em 1700, advertiu que “Satanás está usando todos os artifícios para
exterminar a doutrina luterana da fé” (Mayr. Red. 3 [1702:343]), e fez outra
advertência ao dizer “hoje, neste exato local”, ninguém podia dizer para sua
congregação o que o apóstolo Paulo dissera: “Vocês todos são filhos da luz,
filhos do dia” (lT s 5.5; Frnck. Pred. Epiph. 5 [1700:10-11]). Em 1696, John
Toland, em tom de desafio (e de forma enfática), declarou: “N ão reconheço
nenhuma ortodoxia além da verdade” (Tol .Mist. con. [1696:175]); no mesmo
ano, um defensor suíço da ortodoxia reformada criticou o excesso de zelo
polêmico daqueles que se consideravam “os sustentáculos da ortodoxia e
A crise da ortodoxia oriental e ocidental ♦% 63
Ψ
Apologia da igreja
Gilbert Burnet, bispo de Salisbury, ao escrever sua exposição dos 39
Artigos da Igreja da Inglaterra exatamente na virada do século XVIII, recorda
“o primeiro e, na verdade, o melhor escritor da época da rainha Elizabeth”,
John Jewel, também bispo de Salisbury, “a eterna honra da diocese em que
a providência de Deus me colocou e também a era em que ele viveu” (Brnt.
A rt. X X X IX pr. [1700:iii]). N ão por causa de sua qualidade literária, mas por
causa de sua qualidade de membro da igreja e doutrina é compreensível que
a obra Apologia da Igreja da Inglaterra, de Jewel, de 1562, ainda era considerado
relevante para a crise de 1700. Sua defesa da igreja antecipou muitas das ques-
tões com as quais não só o anglicanismo, mas todos os tipos de cristianismo
eclesiástico estariam preocupados nessa crise. E a igreja, agora ainda mais
que na época da Reforma, precisava defender não só essa ou aquela igreja
(Hcks. Ltrs. 5 [1705:84-85]), nem mesmo essa igreja contra aquela, mas a
própria ideia de que “estamos unidos a Cristo por nossa união com a igreja
católica visível ou invisível, a qual inclui necessariamente nossa irmandade
e sociedade visíveis com essa igreja em particular na qual vivem os” (Sherl.
Def. 5 [1675:433]), mesmo que essa igreja com o instituição fosse autoritária
e governada pelo clero (Lang.M ttl. 1.3 [1712:12]), politicamente estabelecida
Apologia da igreja
♦ 65
♦♦♦
equiparada, por outro teólogo grego ortodoxo, com “os bispos, presbíteros
e diáconos” (Eug. Bulg. Orí. 7 [Metaxas, p. 26]).
N ão obstante, a definição da igreja com o “uma sociedade de cristãos
unidos na mesma fé para adorar a D eus em conjunto” não põe a ênfase na
estrutura hierárquica e institucional da igreja (Brnt. Rom. [1688:48]). Quando
um porta-voz do protestantismo ortodoxo acrescentou à metáfora patrística
da igreja com o mãe (Cipr. Ep. 16.3 [CSEL 3:519]) a especificação de que a igre-
ja tinha de ser aquela que “instrui os filhos cristãos de Deus na teologia e em
todos os artigos de fé” (Deutsch. Lut. 1.3.1 [1698:19]), essa definição didática
e intelectualista não conseguiu reverter totalmente o sentido da metáfora. Os
pietistas radicais definiam a igreja com o “incluindo apenas os membros vivos
e santos tementes a D eus” (Dipp. Hrt. 1 [1706:1-2]), portanto, não incluindo
os membros mortos espiritualmente que mantinham apenas uma conexão
externa com ela, e eles encontravam “a verdadeira comunhão da vida de Jesus
Cristo” não nas igrejas estabelecidas, mas nos “sectários” da Reforma e em
“outros em meio ao silêncio na terra” (Dipp. Ort. 8 [1699:116-17]). Contudo,
se a igreja era definida com o “a assembléia dos fiéis que acreditavam em Jesus
Cristo” (Ost. Cat. [1747:58]) e s e essa igreja era identificada com o o corpo de
Cristo (Ost. D p serm. 6 [1722:210-13]), até mesmo um defensor da ortodoxia
tinha de reconhecer também que os cristãos errados ainda faziam parte desse
corpo místico (Wer. Diss. 24 [Ryhinerus 1:416]); inversamente, a posição dos
“cristãos que estão fora da igreja” era problemática para qualquer definição
(Sem. Erkl. 3 [1777:267-71]). O componente normativo da definição era
inevitável para a eclesiologia catóüca-romana, que defendia a visibilidade da
igreja verdadeira (Drnd. Fid. vind. 4.3 [1709:536-38]), mas argumentava que
“a igreja verdadeira não está presente entre os hereges” com o os luteranos
e os calvinistas (Bert. Teol. disc. 22.5 [1791-IV:277-79]), que pertenciam antes
à história do cisma (Pnch. Diet. [1736:443-58]).
Jewel, ao definir a igreja, protestou em resposta às acusações católicas-romanas:
“Com certeza, sempre julgamos que a igreja primitiva do tempo de Cristo, dos
apóstolos e dos santos pais é aigreja católica” (Jwl.Apol. 4 [Booty, p. 65]). Essa
identificação da “verdadeira igreja primitiva” (Span. Xen. 8 [Marck 3:1131 -32])
tanto com o a ideal quanto a norma era uma pressuposição compartilhada
por todas as facções no início do século XVIII. A declaração de Tertuliano, a
essa altura proverbial, de que “o sangue dos cristãos é semeado” (Tert. Apol.
50.13 [CCSL 1:171]), significava que a perseguição produziu firmeza na fé na
igreja da Antiguidade (Ors. 1st. 7.1 [1747-111:133-36]), sustentava a disputa da
nova Reforma de que a prosperidade e a aceitação política não tinham sido
Apologia da igreja ♦♦♦ 6/
benéficas para a igreja que esteve “em uma condição melhor e mais gloriosa
diante de D eus” quando foi perseguida (Spen. Pi. Des. [Aland, p. 11]). Basta
ler a história da igreja, conforme escrita por Gotfried Arnold (veja vol. 4, p.
442-43), para ver o contraste com o presente (Frnck. Bcht. [Peschke, p. 100]).
Uma análise crítica de com o a igreja é corrompida em cada era sucessiva
levou inevitavelmente à advertência de que essa queda da igreja aconteceria
mais uma vez nessa última era de sua história (Lmp. Ghm. 13 [1719-1:833-
34]). Os expositores do catolicismo-romano — citando testemunhos antigos,
como de Ireneu (Iren. Her. 3.3.1 [Harvey 2:9]), em favor da primazia romana
— equipararam “a igreja de Cristo verdadeira, incorrupta, pura e genuína”
(Gtti. Coll. 2.6.1 [1727:366]; Ors. 1st. 4.45 [1747-11:286-87]) a “essa igreja que
está em conformidade com a igreja primitiva dos quatro primeiros séculos”
(Ang. Sil. CTrid. pr. [1675:A4r]), a saber, a igreja deles mesmos. Todavia, em
muitos aspectos essa conformidade com a igreja primitiva, que já foi uma
questão nos debates eclesiológicos de antes da Reforma (veja vol. 4, p. 180-82),
começava a pertencer mais ao problema que à solução. Quando a pesquisa
histórica investigou as fontes de conhecimento do assunto (veja p. 136-38
abaixo), pareceu que o padrão do cristianismo primitivo foi abandonado pelas
eras subsequentes, talvez não pudesse mais ser identificado, muito menos
recuperado (Dipp. Hrt. pr. [1706:Blv]).
Entre os epítetos usados pelos críticos radicais em sua acusação de que
a igreja já caíra — incluindo títulos com o “nossa Israel baalita” (Dipp. Hrt.
pr. [1706-B2v]) — o favorito era “Babel” (Gn 11.1-9). A torre de Babel foi
o cenário da confusão original de línguas; no N ovo Testamento, “Babilônia”
era a palavra-código para “Roma” (pelo menos para a cidade, se não para o
papado) (Mayr. Red. 1 [1702:22]; Nmnn. Spen. [1695:36]; Gib. Dec. 15 [Bury
2:25]; Hrn. H. e. 2.3.6 [Leydecker 1:279]); “Caiu! Caiu a grande Babilônia” (Ap
14.8; 18.2 [Is 21.9]) é o canto de triunfo de Apocalipse, em que a “mornfa]”
igreja da Laodiceia representa “Babel” (Mrck. Apoc. pr. 14 [Velzen Clr]); e o
citadíssimo tratado de Lutero, de 1520, O cativeiro babilónico da igreja (veja vol.
4, p. 323) juntou essas conotações bíblicas de um m odo que transformou
o termo (a despeito “do jogo patético com as palavras ‘Bíblia’ [...] ‘Babel’ ”
[Sem. Rei. 20 (Schütz, p. 157)]) em um lema eficaz também para a exigência
de uma nova Reforma (Zinz. Soc. 25 [Beyreuther 1-1:257]). A antítese, formu-
lada no Apocalipse, entre a meretriz Babilônia e a noiva pura de Cristo tem
agora sua contraparte (Pet. Hch^t. 13.33 [1701:395-96]), e os pietistas radicais
acharam que “Babel” é um nom e adequado para todas as igrejas ortodoxas
(Dipp. Ort. 8 [1699:106]).
68 Λ♦ A CRISE DA ORTODOXIA ORIENTAL E OCIDENTAL
de Niceia, em 787 (Drnd. Fid. vind. 3.31 [1709:455]), que aprovou o uso
de icones, e o Sínodo de Frankfurt, em 794 (Lschr. Unfehl. 9 [1728:65-66]),
que não aprovou o uso de icones (veja vol. 4, p. 171); o erro do papa João
XXII sobre a doutrina da visão de Deus, que exigia justificação (Gaz. Prael.
2.3.14.348-50 [1831-11:84]; veja vol. 2, p. 170-74; vol. 4, p. 171, 413); e o
caso da obra do papa H onorio I (Drnd. Diss. 1.2 [1703:7]) que — a despeito
dos esforços para rejeitá-la fundamentando-se no fato de que o Concilio de
Constantinopla, em 681 (Seem. Ep. 31 .iii.l 775 [Friedrich, p. 38]), não eraum
concilio ecuménico legítimo ou de que o texto de seu Atos fora corrompido
(Coz. Graec. 2.17.830-97 [1719-1:339-59]) — continuava firme, com o esteve
no Primeiro Concilio Vaticano, em 1870, com o evidência de que Honorio
“fora e permanecera um herege e papa ao mesmo tem po” (Lschr. Unfehl. 8
[1724:57]; Span. H e. 7.9 [Marck 1:1227-28]; veja p. 311-13 abaixo).
Conforme indicava o uso de argumentação semelhante contra “toda a
igreja grega” pelo catolicismo-romano (Lschr. Unfehl. 8 [1724:56-57]; Allat.
Purg. 3 [1655:3-9]), a condenação de H onorio fazia parte dessa “hostilidade”
e também historias separadas por meio das quais a cristandade oriental e
ocidental foram gradualmente se afastando uma da outra (Allat. Perp. cons.
[1655:590]). Agora, mil anos depois, o reconhecimento mais profundo do
que esse afastamento custara aos dois lados e também do novo tempo de
crise em que os dois tinham entrado ajudou a trazer, dos dois lados, uma
nova consciência das afinidades, apesar de não ter trazido automaticamente
qualquer nova simpatia (Pff. Hist. teol. 3.6 [1724-11:32-37]; Zinz. Gespr. 14
[Beyreuther 1-111:122]; Hcks. Ltrs. 7 [1705:151]). Os católicos-romanos que,
pelo menos, simpatizavam com as liturgias orientais criticavam os protestantes
por sua ignorância desses materiais (Rndt. Lit. Or. pr. [1716-I:02r]), que alguns
protestantes citavam com o evidência de que a adoração pagã sobrevivera ali
disfarçada de cristã (Mid. Ltr. Rom. [1729:50-51]). Os teólogos ortodoxos
orientais, com o Feofan Prokopovic, o arcebispo de N ovgorod que fora por
pouquíssimo tempo um católico-romano, publicou defesas e descrições da
ortodoxia em latim (Mak. Kv. A k. 2.3, 3.2 [1843:97-100,158]), que desperta-
ram a admiração de estudiosos ocidentais (Wlch. Spin 9.7 [1751:163]) e fez
com que ficasse mais fácil para eles entenderem a doutrina ortodoxa, em uma
época na qual o conhecimento do grego estava em declínio e o conhecimento
do russo era praticamente inexistente no Ocidente.
Pelo menos algumas das histórias da igreja oriundas do meio acadêmico
ocidental prestaram homenagem ao patriarca Fócio com o teólogo e membro
da igreja (Lmp. Hist. 2.8 [1747:207]), embora outros continuassem a polêmica
Apologia da igreja ♦> 73
outras áreas de interesse doutrinai (Span. Εν. vind. 1.8, 1.20 [Marck 3:25-27,
78-83]). A rejeição dos protestantes da doutrina do purgatório incluiría às
vezes o argumento de que “a igreja grega nunca a recebeu” (Brnt. A rt. X X X IX
22 [1700:24-26]; veja vol. 2, p. 297-99), embora os católicos-romanos, que
contrapuseram os pais gregos aos “recentes” teólogos orientais, afirmavam
que a igreja grega ensinara tanto o purgatório quanto as indulgências (Gtti.
Coll 1.8.14 [1727:130-31]; M at. Purg. 34 [1655:233-51]; Coz. Graec. 6.15.877-
78 [1719-IV:253]; Amrt. Indulg. 2.2.20 [1735-11:40]). Conforme a defesa da
doutrina cristã da criação ficou mais insistente durante o século XVIII (veja
p. 166-67 abaixo), as versões orientais da “cosm ogonia”, conform e seus
expoentes gregos as contrastavam com as ocidentais, adquirem um apelo
especial, também no Ocidente (Atan. Par. Epit. 2.2.5 [1806:247-48]).
Outras origens teológicas do cisma entre o Oriente e o Ocidente (veja
vol. 2, p. 190-202), e, em particular, as associadas com a prática da adoração,
continuam a receber a atenção de todos os lados. A hostilidade das igre-
jas reformadas ao uso de imagens, embora dirigida em primeira instância
contra a “idolatria” no catolicismo-romano, também tinha de considerar
o Oriente. Fora ali que “o abuso [de imagens] aumentara na igreja” (Lmp.
Hist. 2.7 [1747:189-90]), precipitando a controvérsia iconoclasta (veja vol. 2,
p. 128-40). A igreja católica-romana (e a luterana) (Zinz. Gem. 14 [Beyreu-
ther 4-11:226-27]), desconsiderando a autoridade do segundo mandamento
que proibia “ídolo” (Ex 20.4), “pôs o mandamento com o um apêndice do
primeiro e, depois, o deixou fora em seus catecismos” (Brnt. A rt. X X X IX .
7 [1700:104]); a igreja oriental, que (como a reformada e a anglicana [veja
vol. 4, p. 281-82]) computava esse mandamento entre os D ez Mandamentos
(Strz. Man. 3.2 [1828:91-93]), continuou a explicá-lo usando os argumentos
padrões desenvolvidos pelos partidários bizantinos de imagens (Atan. Par.
E pit 4.2.8 [1806:388-89]). Era “lamentável [...] que uma parte tão grande da
cristandade adorasse a D eus por meio de imagens” (Brnt. Rom. [1688:13])
e como até mesmo a suposta “utilidades [delas] para a instrução” (Ost. Cat.
[1747:88]) passou a ser uma desculpa para “ador[á-las]”. Os sistematizadores
da ortodoxia oriental (Coz. Graec. 5.15.953 [1719-111:237]; Pnch. Diet. [1736:3-
4,183]; Gaz. Prael. 2.3.5 [1831-11:52-55]), em resposta às contínuas polêmicas
ocidentais, afirmaram e defenderam sua doutrina distinta das energias divinas
(veja vol. 2, p. 280-89) e da “luz incriada”, conforme desenvolvida por Gregário
Palamas, e eles citaram a autoridade de Dionisio, o areopagita, para isso (Eug.
Bulg. Ort. 12 [Metaxas, p. 51]; Atan. Par. E pit 1.1.10 [1806:89-90]), a despeito
das calúnias sobre a própria doutrina e essa autoridade (Atan. Par. Epit. 1.1.11
76 ♦♦♦ A CRISE DA ORTODOXIA ORIENTAL E OCIDENTAL
▼
[1806:96-99]) feita pelos protestantes e também pelos católicos-romanos, que
desconsideraram Dionisio com o “ficticio” (Span. H. e. 1.15 [Marck 1:581];
Wlch. %>. 6.2 [1751:101]).
Todas essas declarações do que cada igreja definia com o “ortodoxo” (Ors.
1st. 1.59 [1747-1:115-16]; Amrt. le01. eclec.\.2.2> [1752-1-1:22-24]) eram muito
semelhantes com o também o tinham sido nos um ou dois últimos séculos
(Bert. Teol. disc. 2.5 [1792-1:98]), e, ainda assim, elas também manifestavam
sinais da crise que sobreviera a todos os ramos da “ortodoxia”. O aspecto
objetivo da crise ficaria visível quando a leitura histórica-crítica do N ovo
Testamento e dos antigos escritores cristãos (veja p. 146-59, 136-38 abaixo)
expusesse a questão dos relatos tradicionais de com o a igreja foi estabelecida;
e os sacramentos, instituídos. Qualquer suposição de uma “tradição perpétua
dos santos pais” (Bert. Teol. disc. 33.8 [1792-VII:122-24]) sobre a igreja e os
sacramentos, incluindo a concepção oriental e ocidental da missa com o sacri-
fício (Mid. Mir. int. [1749:lx]; Allat. Perp. cons. [1655:688]) e a prática da missa
privada (Amrt. Teol. eclec. 13.2.20.8 [1752-3-11:65]) estava em risco se o estudo
acadêmico do N ovo Testamento mostrasse que as fórmulas da instituição
nos evangelhos não era autêntica e não refletiam a intenção original de Jesus.
Assim, a “queda da igreja” não podería ser datada a partir da conversão de
Constantino ou do estabelecimento de um papado monárquico (veja vol. 4,
p. 387, 392-93), mas a partir da primeira geração de discípulos. A dimensão
dessa nova crise no século XVIII deu uma força intensa para as palavras da
Apologia da Igreja da Inglaterra, de Jewel, ao descrever a crise do século XVI:
“Era uma situação deplorável; era uma forma lamentável da igreja de D eus”
(jwl. Apol. 5 [Booty, p. 99]).
para a doutrina, não apenas para essa ou aquela doutrina, mas para a doutrina
como tal (Zinz. Zst. 13 [Beyreuther 3-11:85]), passa a ser uma necessidade tão
urgente quanto a apologia para a igreja. Em última análise, as duas necessida-
des eram idênticas porque era específicamente a doutrina da igreja que agora
estava sujeita ao ridículo (Mos. Vind. disc. 2.3.5 [1722:321]), a própria definição
de doutrina não com o as idéias particulares ou idiossincráticas de teólogos,
mas com o aquilo que a igreja acreditava, ensinava e confessava (veja vol. 1, p.
25) e com o aquela que a igreja podia, e devia, impor com o sua voz coletiva.
Um livro iniciado em cerca de 1655 e concluído em cerca de 1660 é
emblemático dessas duas necessidades (Mos. Tol. 17 [1722:89]), o livro do
homem de letras inglês celebrado internacionalmente, o poeta e teólogo
puritano John Milton -— iniciado em cerca de 1655, mas só publicado quase
dois séculos depois, em 1825. O livro leva o título (em latim) de Dois livros
de investigações na doutrina cristã tirados só das sagradas Escrituras. Tanto a data de
composição quanto a postergada data de publicação fornecem evidência sobre
o desenvolvimento da doutrina cristã durante esse período. John Toland, em
sua biografia de Milton, publicada no último ano do século XVII, louva-o
como “a pessoa de realizações mais extraordinárias, o gênio mais afortunado
e a mais vasta erudição que essa nação, tão renomada por produzir escritores
excelentes, ainda podería mostrar” (Tol. Milt. [1699:149]), identificado com o
“sua obra-prima, sua obra principal e favorita em prosa” a Defesa dopovo inglês
(Tol. Milt. [1699:95]); ele acrescentou que Milton, embora tivesse “algumas
peças misturadas muito inferiores a suas outras obras” (Tol. Milt. [1699:141]),
também escrevera “um Sistema de divindade, mas não posso determinar se
pretendia torná-lo público ou apenas para seu próprio uso; [...] e não se sabe
onde a obra [está] no m om ento” (Tol. Milt. [1699:148]).
O próprio Milton chamava a obra Doutrina cristã de sua “posse mais
querida e melhor” (Milt. Doct. ep. [Patterson 14:8]), mas não a publicou. A
razão para sua hesitação e também para o adiamento após sua morte foi
evidentemente que, com as “investigações na doutrina cristã tiradas só das
sagradas Escrituras”, ele pretendia de fato um exame crítico — e nas passa-
gens em que se justificava uma revisão ou era necessário um repúdio — da
doutrina de um m odo que, ele mesmo reconhecia, estava “em conflito com
certas opiniões convencionais” sobre esses componentes centrais da tradição
dogmática ortodoxa com o doutrinas da Trindade e da pessoa de Cristo (Milt.
Doct. ep. [Patterson 14:8]). N isso ele acreditava estar ele mesmo participando
na “reforma da própria Reforma” (Milt. Areop. [Wolfe 2:553]; Milt. Doct.
ep. [Patterson 14:2]). O prefácio de Milton para a Tradição cristã e o capítulo
78 ♦♦♦ A CRISE DA ORTODOXIA ORIENTAL E OCIDENTAL
ligião cristã tem de ser suportada pela violência” e coerção (Milt. Doct. ep.
[Patterson 14:12]); “todo traço de força ou coação” tinha de ser eliminado
(Milt. Doct. 1.31 [Patterson 16:298]). O biógrafo de Milton, citando o receio
de Hilário de Poitiers em relação aos credos (Hil. Const. 2.5 \PL 10:566-67]),
identificou “os impositores de credos, cânones e constituições” com o “as
pragas comuns da humanidade” (Tin. Cr. 11 [1730:163-64]); ficou “claro a
partir da história da igreja que os credos eram as armas espirituais com que
as facções rivais combatiam umas às outras” (Tin. Cr. 13 [1730:286]). Essa
crítica não foi dirigida apenas contra um credo em particular, tendo o Credo
de Atanásio com o alvo preferido, mas contra a própria ideia de “compulsão”
na doutrina, uma vez que “ ‘igreja’ e ‘coerção’ são conceitos mutuamente
contrários” (Bl. Unfehl. 26 [1791:529]). A regulamentação de um consistorio
local em oposição ao pietismo (Zinz. Zst. 29 [Beyreuther 3-11:225-26]) que “a
subscrição aos livros simbólicos tem sempre de ser absoluta, e não condicio-
nal” (Ess. Consist. 24.vii.1709 [Neumeister, p. 292]) foi um esforço de pôr na
forma legislativa segundo a lei canônica protestante (Mayr. Red.5 [1702:399])
a regulamentação de que o teólogo está preso à declaração pública de fé da
igreja (Lschr. Hor. [1734:32]), a qual, por sua vez, está presa à palavra de Deus.
D e todo modo, no protestantismo, a coerção luterana da subscrição confes-
sional representava um extremo do espectro, em que as inconsistências entre
as confissões reunidas no Livro de Concórdia (Deutsch. Lut. 1.5.23 [1698:59])
não tinham de ser enfatizadas, mas reconciliadas, porque “os livros simbóli-
cos são os livros da igreja de D eus” (Deutsch. Lut. 1.5.3 [1698:45]); o outro
extremo do espectro era representado pela posição anglicana de que se um
artigo dos 39 Artigos “admite sentidos literal e gramatical distintos, mesmo
quando os sentidos fornecidos são claramente contrários um ao outro, os
dois lados podem subscrever o artigo com boa consciência e sem qualquer
equívoco” (Brnt .A rt. X X X IX in t. 9 ,1 7 [1700:8,116,168]).
Embora os três ditos credos ecumênicos tenham recebido o endosso
de todas as principais facções da Reforma do século XVI (veja vol. 4, p.
241,277) e fossem considerados com o “um tipo de regra [de fé] secundária,
contendo a fé tradicional da igreja” (Sherl. Vtnd. 3 [1690:31]), não era mais
possível tomar nem mesmo a posição normativa desses credos com o garan-
tida. Os estudiosos católicos-romanos — em oposição às dúvidas que os
humanistas renascentistas lançaram sobre o relatório de Rufino a respeito da
composição do Credo dos Apóstolos pelos discípulos de Cristo logo depois
do Pentecoste (veja vol. 1, p. 132) — estavam inclinados a defender o relato
tradicional (Bert. Diss. hist. [1753:11:27]; Bert. Te01. disc. 22.6 [1792-IV:280-
84 ♦♦♦ A CRISE DA ORTODOXIA ORIENTAL E OCIDENTAL
Tudo isso presumia que “heresia” ainda era tão definível quanto iden-
tificável com o “ortodoxia”. Milton não tinha tanta certeza de nenhum dos
dois: ele denunciou com o “intolerantes irracionais que, por uma perversão
da justiça, condenam qualquer coisa que consideram inconsistente com as
crenças convencionais e dá a elas um título hostil — ‘herege’ ou ‘heresia’ —
sem consultar a evidência da Bíblia a respeito do ponto” e contra-atacou que
“desde a compilação do N ovo Testamento, nada pode ser chamado de heresia
com acerto a menos que o [Novo Testamento] contradiga” explícitamente
(Milt. Doct. ep. [Patterson 1 4 : 1 2 ] ; Milt. / I reop. [Wolfe 2 : 5 4 3 ] ) . Para a ortodoxia
oriental, a heresia surgia, em questões de “teologia”, ou em contradição aos
mistérios da fé concernentes ao próprio ser divino ou, em questões de “eco-
nomia”, em contradição às doutrinas fundamentadas na história da salvação
em Cristo e na igreja (Atan. Par. Epit. 3 . 4 [ 1 8 0 6 : 3 0 0 ] ) . Mas nos séculos XVII
e XVIII, o desafio mais patente para a ortodoxia oriental vinha dos adeptos
do Raskol, ou grande cisma, dos Velhos Crentes, na Rússia. Eles professavam
uma “ortodoxia \pravoslavie\” completa em sua lealdade a “tudo na igreja,
transmitido a nós pelas tradições dos santos pais, [como] santo e incorrupto”
tanto na teologia quanto na economia (Avkm. Zig. [Robinson, p. 1 7 1 ] ) por-
que eles defendiam com firmeza “o que os livros antigos ensinavam sobre
a divindade e sobre outros dogmas” (Avkm. Knig. tolk. 3 [RIB 3 9 : 5 3 2 ] ) . Mas
eles foram acusados de “cisma, incitação e falsa doutrina” por “condenar a
correção do santo credo \svjatogo simbola ispravlenié\, a junção dos três primeiros
dedos para fazer o sinal da cruz, também a correção dos corretores dos [livros
litúrgicos] e a coordenação do canto da igreja [entre o sacerdote e o coro]”
(Sob. 1 3 . V . 1 6 6 6 [D AI 5 : 4 4 8 ] ) . Em vista dessa crise eclesiástica e doutrinai,
o padrão de distinção entre “heresia” e “cisma”, conforme fora formulado
para a ortodoxia oriental pelos pais da igreja, com o Basilio de Cesareia, no
século IV, parecia ter caído (veja vol. 1, p. 88).
Os escritores ocidentais, tanto protestantes quanto católicos-romanos,
embora vários dos pais da igreja localizassem a “heresia” na liturgia e ritual
(Span. Εν. vind. 2.20 [Marck 3:311-20]), continuavam em suas classificações
a defini-la com o “erro de doutrina” (Pnch. Diet. [1736:15-16]), ou como
“um erro do intelecto referente à fé, enraizado na ignorância” (Schtz. Haer.
1.10 [1724:23]) ou com o uma oposição consciente à fé ortodoxa (Amrt. Teol.
mor.32 [1757-1:253-54]; Amrt. Teol. eclec. 16.2.2.5 [1752-4-11:69]); por isso,
Orígenes, Pelágio e Teodoro de Mopsuéstia mereceram ser rotulados como
“hereges” (Wlch. Pol int. 6 [1752:9]). Para os críticos radicais, essa repetição de
fórmulas estereotipadas de condenação (Nrs. Hist. pel. 1.1,1.3,1.9 [Berti 1:2,
86 ♦♦♦ A CRISE DA ORTODOXIA ORIENTAL E OCIDENTAL
27, 85]; Nrs. Syn. quint. 5,11 [Berti 2:29-31,124]) equivalia a dizer que “quem
quer que seja que não concorde com nossa igreja e nossas confissões é clara-
mente um herege” (Dipp. H it. pr. [1706:A8v]), quando na verdade a definição
do N ovo Testamento de herege (G15.20; Tt 3.10; Jd 19) com o “alguém que,
ainda alienado de Cristo e de seu reino de graça, inventa uma ‘analogia de fé’
de acordo com a razão e com a letra da Escritura e, depois, tenta impô-la aos
outros com o verdade salvífica” (Dipp. Ort. 6 [1699:76-77]; Rm 12.6), agora
aplicada “só aos ortodoxos” em vez de àqueles a quem o ortodoxo condenara
(Dipp. Ort. 6 [1699:98]). Em parte, essa crítica fundamentava-se na avaliação
de que “nunca houvera algum período de tempo em toda a história eclesiástica
em que tantos graus de heresias foram confessadas publicamente [como] [...]
nos três primeiros séculos” (Mid. Mir. int. [1749:lxxxvi]), suposição histórica
essa que seus oponentes rejeitaram com o exagero (Lmp. Hist. 2.2 [1747:87]),
uma vez que “sempre houve hereges desde o com eço da igreja cristã” até hoje
(Lmp. Mttl. 2.1 [1712:106]). Todo o ataque à ortodoxia dos credos “deixa a
fé uma coisa muito inútil e a heresia uma coisa muito inocente e inofensiva”
(Sheri. Hind. 3 [1690:22]), mas as conhecidas palavras: “Pois é necessário
que haja divergências” (ICo 11.19 [Vulg.]; veja vol. 4, p. 311; p. 330 abaixo),
significando que na providência de D eus uma traição da fé podería ter efeitos
colaterais benéficos, não deveríam ser usadas para justificar a tolerância da
falsa doutrina (Schtz. Haer. 2.20; 2.3; 2.17 [1724:67-68, 34-35, 62]).
A crítica da doutrina tradicional concentrava-se com especial vigor em
sua excessiva preocupação com a terminologia (Frnck. Id. 37 [Peschke, p.
191]; Zinz. Gem. 10 [Beyreuther 4-1:174]; Zinz. Aug. Conf. 15 [Beyreuther
6-11:267]). A acusação de logomaquia aparecia repetidamente na história do
conflito doutrinai, com o quando Hilário argumentou que “a heresia está no
sentido atribuído, não na palavra escrita” (Hil. Trin. 2.3 \CCSL 62:39]); Pas-
quier Quesnel, citando essas palavras (Qnl. Exp. apol. [1712-1:51]), reivindicou
a distinção entre o sentido herege e o ortodoxo de formulações ambíguas
(Qnl. Clém. IX. int. 1.3 [1700:2,36]). U m teólogo firmemente ortodoxo com o
Pedro Lombardo (veja vol. 4, p. 139), bem com o pensadores medievais pos-
tenores, incluindo Duns Escoto, consignaram boa parte da discussão sobre o
Filioque na categoria de logomaquia (Sheri. Vind. 2 [1690:17]; Wlch. Spin 10.12
[1751:182]), uma percepção que recebeu novo apoio nesse período (Gr. Naz.
Or. 21.35 [PG 35:1125]). Gregário de Nazianzo observou que, na época de
Atanásio, “houve o perigo de o mundo todo ser dilacerado no conflito sobre
as sílabas” (Wer. Mise. 1.4 [Ryhinerus 2:31]); houve muitos que, ao perceber
o mesmo perigo agora (Mrck. Comp. pr. 1.17 [Velzen 18:Blr, 8]), destacaram
A doutrina da lei e da graça
Φ 87
que o vocabulário trinitário com o tal não era indispensável e que tinha ele
mesmo passado por mudanças no curso do desenvolvimento da ortodoxia
(Sem. Frag. 10 [1780:57]; Zinz. Red. 4 [Beyreuther 1-IL49]). Contudo o cuidado
contra a logomaquia e “os termos e sofismas estranhos emprestados da tolice
das escolas” (Tin. Cr. 13 [1730:289]; Nss. Dipp. 2 [1701:25]) poderia com
facilidade passar a ser um ataque à ortodoxia trinitária, conform e mostrou a
doutrina de Deus desenvolvida por Milton (Milt. Doct. 1.5 [Patterson 14:208]).
Os teólogos confessionais advertiram que desconsiderar “a disputa entre os
luteranos e os calvinistas sobre o sacramento” (Tin. Cr. 10 [1730:139]) como
“apenas verbais” ou com o “uma guerra de gramáticos” (Wer. Diss. 10.5 [Ryhi-
nerus 1:193]) prejudicavam não só a ortodoxia confessional, mas também a
própria natureza da linguagem bíblica (Lw. Dem. Er. [Moreton 5:6]; Deutsch.
Aug. Conf. [1667:17-22]). A controvérsia do século XVI sobre se o pecado
original passara a fazer parte da “essência” da natureza humana foi também
mais que uma disputa sobre terminologia (Neum. Marp. 2.5 [1727:141]; Pnch.
Diet. [1736:162]; veja vol. 4, p. 206-209). Todos concordariam que algumas
diferenças não pertenciam de m odo algum ao dogma e que esses modos de
falar não afetavam a salvação (Allat. Perp. cons. [1655:641]), mas os teólogos
variando de radicais a conservadores também concordavam que a solução
para a crise da doutrina ortodoxa não era simplesmente inventar uma nova
terminologia (Sem. Rei. [Schütz, p. 171]; Dipp. Hrt. 2 [1706:34]; Amrt. Rev.
1.4 [1750:50]), uma vez que “é fácil se unir nas palavras” (Zinz. Gespr. 5 [Bey-
reuther 1-111:37]). A solução é mais profunda porque a crise é mais profunda.
patrística para suas críticas, eles conseguiram dizer que “seguiram a doutrina
da igreja grega, a partir da qual Austin se separara e formara um novo siste-
ma” (Brnt. A rt. X X X IX . pr. [1700:vi]) e que, por conseguinte, preferiram a
doutrina desses teólogos ocidentais, com o Cassiano (veja vol. 1, p. 321-27),
cujas percepções da graça, do livre-arbítrio e da predestinação, divergiam
das de Agostinho, carregada de “profundas impressões da doutrina da igreja
grega” (Brnt .A rt. X X X IX 17 [1700:149]).
O s expoentes gregos da doutrina da providência atacaram os “teólogos
escolásticos” (e Agostinho, a fonte deles) por identificarem, pelo menos em
parte, a “providência” com a “presciência” por causa da ameaça que essa
identificação representava para a doutrina do livre-arbítrio (Men. Did. 1.1
[Blantês, p. 1]). Mas, para os agostinianos ocidentais, as doutrinas gregas da
graça e do livre-arbítrio eram “pelagianas” (Wlch. Pol. 5.3 [1752:1145]). O
esquema, sugerido por alguns teólogos luteranos e por outros, de ensinar que
Deus predestinara o eleito com base na fé antevista deles foi rejeitado não só
pelos professores reformados, mas também pelos católicos-romanos (Bert.
TeoL disc. 6.3 [1792-1:235]; veja vol. 4, p. 435-36), que talvez esperassem achar
isso mais aceitável, considerando a repulsa deles ao “horrendo, detestável e
execrável dogma” da reprovação proposto por Calvino e seus seguidores
(Bert. TeoL disc. 6.17 [1792-1:285-88]). Entre os próprios professores luteranos
e reformados, havia um esforço para encontrar um fundamento comum nas
proposições que “a graça eficaz é seriamente oferecida a todos para quem o
evangelho é pregado” (Wer. Diss. 28 [Ryhinerus 1:481]) e que “só o homem
se exclui dela ao obstinadamente desprezar e rejeitar essa graça, que foi se-
riamente oferecida”. Os luteranos, fundamentados em Paulo e Agostinho
(Strim. Un. Ev. 1.28 [1711:36]), compartilhavam com os calvinistas a doutrina
de uma eleição particular, até mesmo “imutável”, para a salvação (Mrck. Comp.
7.13 [Velzen 18:136]).
N ão obstante, um pietismo que ultrapassara as fronteiras confessionais
tradicionais parecia estar anulando esses conceitos medievais e da Refor-
ma (veja vol. 4, p. 88-90) com o a distinção fundamental entre a vontade
antecedente e a vontade consequente de D eus (Nmnn. Er. [1701:84-86])
e, portanto, estar turvando a diferença entre a oferta universal da graça e a
eleição particular (Nmnn. St. Ver. 26 [1695:55]; Nm nn. Term. [1700:73]). E
um puritanismo que com eçou com um protesto contra o que é tido como
“arminianismo” (Edw. Fr. Wll. pr. [Miller 1:129-32]) na doutrina da graça
parecia, por sua adoção da concessão de uma “aliança intermediária”, ter
“admitido para a igreja um grande número de pessoas que não podia relatar
98 ♦♦♦
♦
A CRISE DA ORTODOXIA ORIENTAL E OCIDENTAL
à vida devota e santa, publicado em 1728 por William Law. As gerações poste-
riores foram “muitíssimo beneficiadas” (Wsly. Serm. 2.107 Qackson 7:203])
pelo livro e até mesmo seus críticos ficaram impressionados por sua “igual
severidade e verdade” (Gib. Aut. 1 [Saunders, p. 45]) — não porque era
muito original, mas porque não era, ao resumir com o fez uma preocupação
universal também expressa por um teólogo mediando entre o pietismo e o
racionalismo, que também pregou, em 1728, sobre o tema “A grande falta
de seriedade genuína no cristianismo” (Baum. Pred. 2.5 [Kirchner 2:155-
90]). A vida cristã, nas palavras do título de Law, tinha de ser tanto “devota”
quanto “santa”, alcançando, conforme colocou um contemporâneo do livro,
“nosso progresso tanto na piedade quanto na santidade” (Ost. Arg. G1 5,
E f 4 [1720:11:241, 247]) para contrabalançar aqueles que, “com seus erros
deploráveis, introduzem a permissão tanto na moral quanto na impiedade”
(Ost. Arg. ref. 2Tm 3 [1720-11:277]). Esse aspecto da crise da ortodoxia esta-
va estreitamente ligado à crise na doutrina da graça (Lw. Ser. Cl. 2 [Moreton
4:20]); era consenso nas igrejas “que a prática cristã, ou a vida santa, é um
grande e característico sinal de uma graça verdadeira e salvífica” (Edw. Rei.
Aff. 3.12 [Miller 2:406]), e que “a virtude e a santidade” caracterizavam os
profetas, apóstolos, mártires, virgens, ascéticos e quem quer que a graça di-
vina santificara” (Men. Did. 1.3 [Blantès, p. 33]). Ainda assim, “a doutrina da
graça estava sofrendo uso indevido”, em vez de ser “ativa” na produção de
uma “vida espiritual e divina” (Edw. Rei Aff. 3.12 [Miller 2:398]) que fosse
devota e santa (Ost. Arg. ref. Rm 6, G12 [1720:11:192,237-38]). Como era de
esperar a partir da relação ambígua, mas recíproca entre a doutrina da graça
e a doutrina dos meios da graça (veja vol. 1, p. 169-70), esse uso indevido da
primeira também levou a um grave uso indevido da segunda, mais uma vez
à custa de uma “vida [verdadeiramente] espiritual e divina”.
Por essa razão, William Law iniciou seu tratado com uma definição: “A
devoção não é oração privada nem pública. [..·]A devoção significa uma vida
entregue, ou devotada, a D eus” (Lw. Ser Cl. 1 [Moreton 4:7]). Pelo fato de
tantos membros da igreja “parecerem não ter outra devoção além das orações
ocasionais”, eles conquistaram “a zombaria e o desdém de pessoas negligentes
e mundanas” (Lw. Ser Cl. 1 (Moreton 4:8]). Contudo, a vida verdadeiramente
devota era “tão verdadeiramente adequada ao evangelho de Cristo quanto ser
batizado ou receber o sacramento (Lw. Ser CIS), 4 [Moreton 4:70,41]). Essas
advertências contra a confiança na adesão aparente ao ritual dos sacramentos
vieram à medida que os diversos sistemas da doutrina e prática da eucaris-
tia oriundas da Reforma enfrentavam mais uma vez nova avaliação. Não
Uma vida devota e santa Aφ 103
alguns oponentes” são prejudiciais para o caso contra outros (Byl. Com.phil.
4.12 [1713:11:277]), levando a um relativismo em relação a esses princípios;
“a doutrina do Senhor Jesus” estava sendo “obscurecido até mesmo para
seus confessores públicos” (Lmp. Betr. 4.5 [1756-11:466]). O zelo polêmico
que caracterizava a controvérsia teológica durante os dois séculos desde o
período da Reforma acabou ele mesmo se tornando uma questão polêmica
no século XVIII (Hcks. Ltrs. pr. [1705:A4r]; Wsly. Serm. 22.3.18 [Baker 1:508];
Zinz. Horn. 31 [Beyreuther 3-1:324]).
Havia ainda versões da “teoria dom inó” (veja vol. 4, p. 335-36) que
alertavam que essa indiferença ou, pelo menos, concessão podia, em algum
ponto da doutrina, levar à tolerância dos excessos mais extremos (Nmnn.
Spen. [1695:7]), mas a admoestação de que “a verdade fundamental não pode
ser ignorada exceto a custo da salvação” vinha com frequência acompanhada
do reconhecimento de que isso não se aplicava “aos elementos secundários
da doutrina fundamental” (Lang. Antibarb. [1709-11:486-87]; Ost. D%. serm. 4
[1722:139]) nem das doutrinas não fundamentais (Span. Praescript. 6 [Marck
3:1111]). Jonathan Edwards falou do “zelo” expresso na “oposição vigorosa”
com o “o fervor dessa chama [de amor]”, mas ele advertiu que este era dirigido
“contra coisas, e não contra pessoas” (Edw. Rei. Aff. 3.8 [Miller 2:352-53]),
uma distinção que nem sempre era fácil de observar em m eio a tal “zelo”.
Um teólogo com “uma natureza belicosa” podia facilmente abusar das
polêmicas para o engrandecimento de si mesmo (Mck. Vor. pr. [1774:A6r]).
M esmo aqueles que instigavam a necessidade da polêmica acrescentavam
que o púlpito não era o lugar para as controvérsias escolásticas sobre pontos
teológicos obscuros (Mayr. Red. 15 [1702:835]). Conforme declarou um pro-
fessor de teologia em sua aula inaugural de 1696, “a tarefa do teólogo não [era]
apenas confirmar a doutrina verdadeira, mas refutar os erros que se opõem
à verdade, acima de tudo se eles são perigosos e prejudiciais” (Wer. Diss. 18
[Ryhinerus 1:327]); mas ele foi em frente para argumentar que o teólogo,
nas polêmicas, tem de se esforçar para fazer justiça à posição oposta, não
para a ridicularizar (Wer. Diss. 18 [Ryhinerus 1:332]), porque “nada pode ser
imputado a alguém que essa pessoa não reconheça em obra ou em palavra”
(Wer. Mise. 1.9 [Ryhinerus 2:104]).
O ortodoxo reconhecia a necessidade de advertir contra o zelo polê-
mico excessivo ou a generalização polêmica sem justificação (Neum. Rch.
pr. [1751:A3v-A4r]; Mayr. Mis. 3.1 [1692:28]; Nss. Dipp. pr. [1701:6]), que
(conforme advertiram os pietistas) “com frequência, causa mais dano que
benefício” (Spen. Gtts. 6 [1680:150]), com o quando a polêmica era caracteri-
Uma vida devota e santa Λ♦ 111
zada pelas “invectivas e insinuações pessoais” (Spen. Pi. Des. [Aland, p. 63])
ou quando o teólogo não consegue “pôr em prática a missão polêmica de um
modo prático e que agrade a D eus” ao relacionar os erros da doutrina com
o erro básico de uma relação pessoal equivocada com D eus (Frnck. Id. 28
[Peschke, p. 187]). N ão menos importante era o lembrete de que, em algumas
questões, “os teólogos podem discordar e discutir entre eles mesmos sem
prejudicar a unidade da fé” (Wer. Diss. 18 [Ryhinerus 1:334]; Lang.Antibarb.
[1709-11:492]; Sem. Erkl. 2 [1777:247]). Um dos meios para “trazer a teologia
de volta a suas limitações” era colocar a polêmica teológica em seu contex-
to histórico (Sem. Erud.. [1765.1:161-62]), fornecendo uma perspectiva de
mais longo alcance sobre as questões da controvérsia corrente: “os debates
dogmáticos públicos eram com frequência levados avante só pelos bispos,
a fim de promover sua própria autoridade, sem qualquer benefício para o
povo cristão” (Sem. N . T. Int. pr. 5 [1767:12]).
Em cada uma dessas quatro questões envolvidas na “crise da ortodoxia”
— a igreja, a doutrina, a graça e a vida cristã — os defensores da renovação e
de uma “nova Reforma” em todas as igrejas se encontraram com a oposição
de todas as direções. Eles, quanto à doutrina da igreja, eram culpados de “see-
tarismo” (casp. Beyl. 1 [1724:29]). Awakum foi acusado “de desviar pessoas
simples e afastá-las da única santa Igreja Católica-ortodoxa do Oriente [Vos-
toenaja Pravoslavno-Kafoliceskaja Cerkov]” (Sob. 13.V.1666 [D AI 5:448]);
Spener, de “não acreditar que a religião evangélica luterana não tinha erro”
(Mayr. Anti-Spen. 1 [1695:9-10]); e Quesnel, de negar a infalibilidade papal
(veja p. 125-26 abaixo). Os pietistas, a respeito das normas da doutrina, não
“acreditam nem falam com o devido respeito” sobre os credos e confissões
da igreja (Casp. Beyl. 19 [1724:87]; Albrt. V ind.\.\6 [1695:23]), uma vez que
eles preferiam afirmá-los só relativamente, “até agora \quatenus\”, não abso-
lutamente “porque [quia]” eles concordavam com a Escritura (Spen. Albrt. 41
[1696:45]). Quanto à doutrina da graça, eles, por sua insistência em renovação,
confundiam graça com obras (Lang. Antibarb. [1709-1:447]) e também “justi-
ficação” com a “união mística” entre Deus e o cristão que era a consequência
dela (ap. Spen. Bed. 1.1.9 [Canstein 1:76-77]). E o chamado deles à santidade
representava uma reincidência de um “paganismo [católico-romano] blasfemo”
para “um judaísmo de falso zelo e hipocrisia” (Dipp. Hrt. 3 [1706:48]).
Essas acusações extravagantes, em um grau, serviram apenas para do-
cumentar a correção do difundido sentimento de que a educação teológica
e a administração eclesiástica estavam enfatizando demais a polêmica à custa
da caridade. Contudo, os movimentos de reforma, com frequência a despei-
A CRISE DA ORTODOXIA ORIENTAL E OCIDENTAL
tanta facilidade. Ele, em uma fórmula que continuaria a ecoar no século XIX
(Kierk. Afs. Uvid. Eft. 2.2.3 [Drachmann 7:74-85]), declarou que “as ver-
dades históricas contingentes nunca servem com o prova para as verdades
necessárias da razão”; “se não tenho fundamento histórico com que objetar
à declaração de que Cristo ressuscitou um homem dos m ortos”, continuou
ele, “será que, por conseguinte, devo considerar verdade que Deus tem um
Filho segundo sua própria imagem?” Era uma falácia lógica “pular dessa
verdade histórica para uma classe totalmente distinta de verdades e me pedir
para alterar meus conceitos metafísicos e morais de acordo com isso” (Less.
Bem [Rilla 8:12-14]). Argumentar na direção oposta não era menos falacioso
(Reim. Apol. 2.3.1.4 [Alexander 2:186]). A história, na melhor das hipóteses,
produzia uma “certeza moral” (Amrt. Tom. Kemp. 2.1.25,4.conc.223 [1761:13,
251]), e seu resultado era uma consciência ainda mais profunda de inexplicá-
vel “diversidade” (Rndt. Diss. 2 [Salaville, p. 9]). Um estudioso que começara
com a suposição da “imutabilidade da teologia” (Sem. Erkl. pr. [1777:A6r])
aprendeu com sua pesquisa na “história das formas públicas de doutrina”
(Sem. Rei. 21 [Schütz, p. 182]) que na teologia havia “mutação constante”
não menos que em outras áreas do conhecimento humano (Sem. Erkl. pr.
[1777:A6r-A6v]). Um teólogo, com o um resultado desses argumentos histó-
ricos, reclamou da “infidelidade nunca prevalecer tanto em alguma era com o
nessa, em que esses argumentos são tratados com maior vantagem” (Edw.
Rei. Aff. 3.5 [Miller 2:305]), quando pupilos não ortodoxos tiravam conclu-
sões radicais da instrução histórica de seus professores ortodoxos (Mos. Tol.
6 [1722:20-21]). Essa “nova religião cristã [radical] surgiu por intermédio
de uma nova história”, mas “visto que o conhecimento histórico precede o
conhecimento universal”, era possível afirmar que “a religião cristã, precisa-
mente por ter muito conteúdo histórico”, podia servir com o um m eio para
a religião universal (Sem. Rei. 42 [Schütz, p. 353-54]).
A teologia histórica precisava ser separada dos outros departamentos
da teologia (Ern. Opuse. 13 [Fritsch, p. 514]). Pelo fato de “os historiadores
serem suspeitos de transformar seu herói no que eles acham que ele deveria
ser, em vez de apresentá-lo com o realmente era” (Tol. Milt. ded. [1699:7]), a
distinção entre escrever uma história e escrever um panegírico era essencial
(Ors. 1st. pr. [1747-I:viii]). A distinção entre a teologia histórica e a teolo-
gia polêmica foi um elemento importante na mudança de situação entre o
catolicismo-romano e o protestantismo (Bl. Unfehl. 26 [1791:533]), talvez
também entre o catolicismo-romano e a ortodoxia oriental (Anf. Pan. serm.
3 [1817:29]). Um teólogo protestante e crítico podia descartar Epifânio, o
132 A OBJETIVIDADE DA REVELAÇÃO TRANSCENDENTE
♦
polemista implacável do século IV, como “escriba” (Sem. E rk l 2 [1777:236]),
mas até mesmo um historiador protestante ortodoxo criticava Epifânio por
caluniar Orígenes (Span. H. e. 3.9 [Marck 1:765]), e um católico-romano
ortodoxo não o acharia suficientemente histórico no tratamento da heresia
(Pnch. Diet. pr. [1736:C2v]), enquanto outro rejeitava sua interpretação de
outras questões históricas (Gtti. Ver. rei. 5.40.1 [1750-1:463-64]). D e todos
os métodos para lidar com a polêmica da teologia, o único que agora mais
se recomenda, no lugar do antigo “caçador de heresia”, tinha de começar
com “um relato histórico da origem, desenvolvimento, vicissitudes, doutrinas
distintivas e escritores dos principais grupos” (Wlch. Pol. int. [1762:16-17]).
Era “tão sectário, não tão histórico” (Sem. Frag. 1 [1780:9, 1]) criticar o uso
da abordagem histórica para a doutrina do Antigo Testamento (Ost. D%.
serm. 2 [1722:44]; Sem. Erud. [1765:1:7-8]); inversamente, a recusa em usar a
história das doutrinas para se envolver no argumento sectário (Budd. Phil. ehr.
pr. [1720:A8v]) podia trazer sobre o historiador a acusação de se esconder
atrás de suas fontes sem se comprometer pessoalmente (ap. Budd. Mod. 8,
20 [1720:507, 554]). Embora seu principal pupilo estivesse profundamente
atraído pelo campo (Zinz. Aug. conf. 19 [Beyreuther 6-11:308]), um dos prin-
cipais expoentes do século de compromisso pessoal na religião, conforme
concordavam os críticos e os discípulos (Mayr. Mis. 5.2 [1692:47-48]; Canst.
Spen. 15 [1711:41]), estava em seu ponto mais vulnerável quando se tratava
de estudos históricos (Elrlss. Ene. 2.5.13 [1837:232-33]).
Ainda assim, até m esm o ele e seus associados estavam dispostos a exa-
minar a história em busca de precedentes (Spen. Gtts. ep. ded. [1680:A6v])
e a tirar instrução dela, com o também estavam todos os outros (Bert. Aug.
pr. [1747-I:lxi]). Os teólogos conservadores descobriram nisso um modelo
para a relação Igreja-Estado (Bulg. Kat. 62 [1940:139-40]), evidência degover-
nança e providência divinas, uma fonte para resolver os enigmas da profecia
escriturai (Wer. Mise. 15.7 [Ryhinerus 2:270]), uma confirmação da verdade
da palavra de Deus e um fundamento para a “prudência” cristã (Mrck. Pent.
Gn 49.10 [Velzen 1:124,127]; Lmp. Hist., prol. [1747:1-2]); para alguns deles
(Frnck. Meth. 4.6 [1723:263]), isso também confirmava “a sucessão ininter-
rupta” de ordenação de bispos (Lw. Bngr. 1 [Moreton 1:9]). H ouve erros
históricos referentes à autoria das liturgias (Rndt. Diss. 4 [Salaville, p. 23]); e
foi uma lição de história o fato de os protestantes, a despeito de seu ataque
ao ritualismo (Zinz. Gem. 30 [Beyreuther 4-11:30-48]), não terem tido sucesso
em evitar as cerimônias religiosas (Rndt. Lit. Or. int. 1.8 [1716-I:lxxiii]), mas
também que a “influência sacerdotal nos assuntos seculares e a superstição”
As verdades contingentes da história Λ♦ 133
Teol. eclec. 1.4.5 [1752-1-1:76]; veja vol. 4, p. 221-22, 348-49). N o século II,
as doutrinas antropomórficas de Deus circularam entre os professores or-
todoxos (Poir. Fid. rat. 3.2.6 [1708:34-35]; Bert. Teol. disc. 2.2 [1792-1:75]) e
até mesmo “para a questão: ‘Quem é Jesus Cristo?’, eles costumavam dar
respostas bem divergentes” (Sem. Rei. 3 [Schütz, p. 29-30]).
As polêmicas protestantes, imitando as apologias da Reforma (Jwl.
Apol. 3 [Booty, p. 41]), tentavam contrapor um consenso patrístico contra
a doutrina católica-romana moderna (Lmp. Hist. 2.5 [1747:137]). Mas a
pesquisa histórica foi combinada com a mudança teológica para deixar claro
que houve “alguns pais contra outros, os mesmos pais contra eles mesmos,
um consenso de pais de uma era contra um consenso de pais de outra era, a
igreja de uma era contra a igreja de outra era” (Chil. Rei. Prot. 6.56 [1727:27];
Tin. Cr. 13 [1730:291-92]; Tol. Mist. int. [1696:2]). Os pais da Antiguidade
eram “extremamente crédulos e supersticiosos” Mid. Mir. pr. [1749:xxxi]);
os “labirintos” deles não eram necessários em uma era da razão (Tol. Mist.
pr. [1696:xxiii]). Justino Mártir fora culpado de “erros” (Bert. Diss. hist..
[1753-11:128]); Ireneu foi um “diligente coletor e proclamador das tradições
apostólicas” (Mid. Mir. 3 [1749:44]), mas o autor de “escritos [antes] infelizes”
(Sem. Erkl. 2 [1777:234-35]); Tertuliano foi um estudioso erudito, mas um
“dilema” teológico (Sem .Erud. [1765-1:100]; Byl. Com.phil. 2.3 [1713-1:312-
13]); Clemente de Alexandria foi “o primeiro que tentou dar ao cristianismo
uma forma científica por intermédio da filosofia” (Bl. Unfehl. 10 [1791:98];
Tol. Mist. 3.3 [1696:118]), mas agora é o suposto patrono dos deístas; e Cri-
sóstomo foi “o professor do mundo”, mas provavelmente um semipelagiano
(Atan. Par. Epit. 3.2 [1806:288]; Thdt. H. e. 5.34.11 [6 0 1 9 : 3 3 6 ]). O estudo
patrístico revelou não consenso, mas “divisões infinitas” (Bert. Teol. disc.
15.2 [1792-111:164-65]) e “pluralidade de hipóteses” — a anomalia de uma
“ortodoxia pluralista” (Sem. N . T. Int. 2.1.59 [1767:141-42]).
Orígenes de Alexandria, com o tem sido ao longo da história da erudi-
ção patrística oriental e ocidental (Dipp. Hrt. 2 [1706:17]), era o precedente
crucial para qualquer reconstrução histórica (Ptz. Sed. inf. 2.9 [1763:128]). Sua
“constância” na perseguição e no martírio (Ors. 1st. 5.61 [1747-11:440-41]), sua
“suprema e incomparável erudição em todos os campos do conhecimento,
mas acima de tudo nas sagradas Escrituras” (Hrn. H. e. 1.2.13 [Leydecker
1:153]) e sua disposição “de submeter todos seus escritos à igreja” (Pnch.
Diet. [1736:334-48]) produziram um “amor cego por Orígenes” (Nrs. Syn.
quint. 6 [Berti 2:49]). Todavia, a própria “força da imaginação de Orígenes e
seu apego a suas idéias platônicas e pitagoristas” (Ors. 1st. 6.28 [1747-111:68])
13 « <♦ AOBJETIVIDADE DAREVELAÇÃOTRANSCENDENTE
palavra de D eus”, era imortal (Mayr. Red. 3 [1702:305]). Acima de tudo, ocu-
pava essa posição entre aqueles que se consideravam os herdeiros da “obra
da Reforma, abundante em graça” (Deutsch. Lut. 1.3.10 [1698:27]; Zinz.
Horn. 25 [Beyreuther 3-1:254]), com o os estudiosos da Biblia que se sentiram
capazes de declarar: “e sem fanatismo sectário: a Reforma é e continua a ser
a época mais importante da igreja crista no Ocidente” (Beng. Brud. 1.3.28
[1751:230]). Até mesmo Emanuel Swedenborg, em apoio a sua nova per-
cepção da vida eterna (veja p. 229 abaixo), teve de declarar que Lutero, após
sua morte, tendo sido “um propagador e defensor muito cáustico de seus
próprios dogmas” sobre a primeira vinda para o céu, “passou, [por fim], por
uma mudança de estado” e aprendeu a verdadeira natureza da igreja (Swed.
Ver. Chr. 14.796 [1771:480-81]).
D e um m odo particular, a doutrina de Lutero — e também a pessoa
“desse defensor especial do Senhor dos exércitos” (Wsly. Serm. 1.3.9 [Baker
1:129]) — estava em seu direito de vir a ser um capítulo da teologia histórica
e da dogmática, gerando uma biblioteca de apologias, biografias e resumos
sistemáticos de seu pensamento. Os devotos da comemoração de “Martinho
Lutero, o profeta da Alemanha, o restaurador e defensor da verdadeira reli-
gião” (Mayr. Red. 3 [1702:261-62]; Schpf. Lut. 2.1 [1717:4]), enfatizando que
não era a mesma coisa que a adoração dos santos católicos-romanos (Schpf.
Lut. 7.3 [1717:24-25]), ultrapassaram as linhas dos luteranos ortodoxos; os
panegíricos deles sobre “o imortal Lutero” (Mayr. Red. 3 [1702:218-346]) e
as defesas da doutrina e vida dele contra as distorções católicas-romanas o
celebravam com o (com um título bíblico concedido originalmente a Paulo
[At 9.15]) “o instrumento escolhido de Cristo” (Lschr. Unfehl. 13 [1724:94-
96]; Neum. Rch. 18 [1751:576]) e seguiram o sermão em seu funeral o vendo
como “indubitavelmente” (Bgn. Lut. [1546:A4r]) o anjo com o evangelho
eterno predito no livro de Apocalipse (Neum. Funf. 2 [1726-1:398-99]; Mayr.
Red. 1 [1702:16-132]; Ap 14.6). Os pietistas, que os ortodoxos acusavam de
desprezar e caluniar Lutero (ap. Frnck. Ber. obs. 1 [Peschke, p. 57]), afirmaram
sua continuidade com a “fé heroica” desse “grande hom em ” e sua “sólida
doutrina teológica” (Canst. Spen. 18 [1711:51]; Zinz. Soe. 25 [Beyreuther
1-1:254]), declarando que nenhuma outra reforma da igreja (nem deles mes-
mos) (Maj. Mayr. [1705:12]) poderia reivindicar vir de Deus se fosse contrária à
de Lutero (Frnck. Ber. obs. 1 [Peschke, p. 255]; Tlnz.Aug. Conf. 19 [Beyreuther
6-11:325]). Os que mediaram entre o pietismo e o racionalismo se juntaram no
reconhecimento dele com o um dos que resgataram a Bíblia da obscuridade
medieval (Baum. Pred. 1.12 [Kirchner 1:407-8]), mas se desassociaram dos
140 ΛΨ AOBJETIVIDADE DAREVELAÇÃOTRANSCENDENTE
tando (embora sem evidência histórica) que fora usada ou inventada pelos
defensores do “hom oousios” no Concilio de Niceia (Dipp. Ort. 5 [1699:65]).
Alguns defensores da doutrina ortodoxa rejeitavam as explicações de que
ela entrara no texto por descuido ou engano (Bert. Teol. disc. 7.3 [1792-11:11-
14]) e a citavam com o autêntica. Um deles “não [tinha] a mais leve dúvida
de que João realmente escreveu isso” (Strz. Man. 5.2 [1828:197-98]; Wsly.
Serm. 55 [Baker 2:374-86]; Mrck. Comp. 5.18 [Velzen 18:110-11]) e expressou
indignação pelo fato de “entre os protestantes haver alguns que afirmavam
ser estudiosos de teologia que [a] questionavam ou negavam” (Neum. Rch.
24 [1751:782-83]; Terst. Abr. 1.3.1,1.3.12 [Becher 2:49, 54]). Ainda assim, a
“primeira e principal” prova bíblica para o dogma permanecia na passagem à
qual “os pais católicos sempre recorriam” (Sherl. Soc. 1.2 [1698:4]; Sherl. λ/ind.
6 [1690:209-10]; Zinz. Lond. Pred. 1.8,5.12 [Beyreuther 5-1:62-63, 5-11:195]),
a fórmula batismal trinitária na “incumbência e com issão” de Cristo em
Mateus 28.19 (Brnt. A rt. X X X I X 1 [1700:38]; veja vol. 1, p. 226-29; vol. 4,
p. 399), a qual aqueles que consideravam a vírgula joanina com o genuína e
também os mais extremos entre os que rejeitavam a ligação com ela (Beb.
Gl. 2 [1685:33]; Strz. Man. 5.2 [1828:197-98]; Reim. Apol 2.1.3.6 [Alexander
2:89-90]); mas a despeito das aspersões dos últimos sobre a autenticidade da
vírgula (Reim. Apol. 2.5.1.2 [Alexander 2:427]), a atestação do texto no evan-
gelho de Mateus era praticamente unânime, e os teólogos da igreja de todas
as confissões a comentavam com impunidade (Strz. Man. 2.5 [1828:69-70];
Drnd. Fid. vind. 1.11 [1709:32]; Mrck. Comp. 1.17 [Velzen 18:109-10]; Zinz.
Gem. 3 [Beyreuther 4-1:46-76]).
Além de qualquer autenticação do texto do N ovo Testamento, a inter-
pretação do texto, dependia de pressuposições hermenêuticas do intérprete.
“Alguém que nunca aprendeu grego e hebraico”, prometia Zinzendorf, “pode
se tornar um exegeta por meio de uma hermenêutica fundamentada nas
feridas de Cristo” (Zinz. Hom. 33 [Beyreuther 3-1:363]), um cristocentrismo
para o qual ele reivindicava a teologia da cruz de Lutero com o um prece-
dente: era um “desastre” na teologia (Zinz. Red. 1 [Beyreuther 1-11:12]; veja
vol. 4, p. 220-31) começar com a doutrina de Deus, em vez de com a dou-
trina de Cristo (Zinz. Red. 1 [Beyreuther 1-11:12]) ou definir o pecado com o
fazer algo mal, em vez de com o se recusar a acreditar em Jesus (Zinz. Off.
Red. 21 [Beyreuther 2-IV:218-19]). Um índice conveniente para os sistemas
hermenêuticos alternativos para os evangelhos continuou a ser fornecido
pelos vários títulos para Jesus Cristo. A ortodoxia oriental falava dele com o
“rei, legislador e juiz” (Frnck. Pred. Epiph. 2 [1699:40-42]; Zinz. Lond. Pred.
O dogma cristológico e o Jesus histórico
♦
1.4 [Beyreuther 5-1:23-28]; veja vol. 1, p. 188-201), urna variante da tríade de
títulos conhecidos a partir das Institutas de Calvino, mas já presente na Histó-
ria eclesiástica, de Eusébio (Atan. Par. E pit.3.\3 [1806:340-43]; Strz. Man. 2.4
[1828:58]), “profeta, sacerdote e rei”; a fórmula com o uma unidade ou em
uma ou mais de suas partes, a despeito da crítica, desfrutava de ampio suporte
(Calv.Inst. [1559] 2.15 [Barth-Niesel 3:471-81]; E u s .//. e. 1.3.7-9 [GCS9-.32]),
até mesmo dos socinianos (embora eles fossem acusados de usá-la “em um
sentido totalmente distorcido”) (Ern. Opuse. 6 [Fritsch, p. 384-91]). Como essa
tríade, o título “Redentor” com o aquele que foi “o comprador e o preço” e o
“Mediador” com o um objeto de fé mais apropriado que a expressão “Filho
de D eus” (Stod. Sfy. 3 [1687:41-43]; Drnd. Diss. 2.26.2 [1703:193]; Baum.
Pred. 2.2 [Kirchner 2:62-69]; Nss. Dipp. 3 [1701:34]; Frnck. Pred. Epiph. 2
[1699:48-49]) tinha a vantagem de harmonizar sua pessoa e sua obra (Wlch.
Pal. 2.4.50 [1752:239]). Os oponentes racionalistas da cristologia dogmática
(Edw. Reí. Aff. 3.1 [Miller 2:236]) tendiam a falar dele com o o “fundador de
urna nova religião” (Baum. Pred. 2.3 [Kirchner 2:93]; Zinz. Lond. Pred. 3.6
[Beyreuther 5-1:361-62]). O livro Cântico dos cânticos e o Apocalipse, de
João (Sem. Rei. 3 [Schütz, p. 27]), os dois difíceis de interpretar por meio dos
métodos da hermenéutica crítica-histórica, foram uma fonte particularmente
fecunda de títulos para Cristo (Mrck. Cant. pr. [Velzen 2:Blr]; Mrck. Apoc.
pr. 91 [Velzen 8:J4r]); além de rei, sacerdote, pastor e irmão (Zinz. Hom.
24 [Beyreuther 3-1:237]), “a palavra ‘noivo’ é o nome mais doce aplicado
ao nosso Salvador na sagrada Escritura” (Pet. Hch^t. 6.8 [1701:198-99]). O
termo “Salvador \Heiland\” passou a ser tão comum no uso dos pietistas e,
em especial, dos morávios, para quem era “uma teologia completa de Deus,
uma teologia sistemática” (embora na relação orgânica com “a teologia de
Deus Pai”) (Zinz. Gem. 35 [Beyreuther 4-11:110-11]; Zinz. Lond. Pred. 3.4,6.2
[Beyreuther 5-1:390, 5-11:331-32]), que outros pietistas mesmo objetavam o
termo com o um clichê (Beng. Brud. 1.1.14 [1751:12]).
A cristologia, carregando com o fez a tradicional autoridade de um mi-
lênio e m eio de desenvolvimento dogmático ortodoxo, articulada acima de
tudo pelos concilios de Niceia e da Calcedonia (veja vol. 1, p. 211-21, 263-
72), representava o “consenso” de todas as igrejas e teólogos das principais
linhas — anglicanos e ortodoxos orientais, bem com o “o dr. Lutero com
quem as igrejas reformada e católica concordavam” (Zinz. Gem. 3 [Beyreu-
(her 4-1:67]). Os críticos, evangélicos ou racionalistas, viam a terminologia
técnica da cristologia sobre “união hipostática” (Zinz. Hom. 14 [Beyreuther
3-1:136]) e “transmissão de propriedades” ou “pessoas” e “naturezas” como
ISO ♦♦♦ A OBJETIVIDADE DA REVELAÇÃO TRANSCENDENTE
quando este se tornou nosso” era impossível alcançar a salvação (Spen. Bed.
1.1.62 [Canstein 1:315]; Mayr. Red. 13 [1702:747]). A cruz era o trono real
e o alicerce da igreja (Men. Did. 5.17, 1.7 [Blantês, p. 344, 73]), “o alicerce
da nossa justificação” e também “o princípio da nossa santificação” (Ost.
D% serm. 5 [1722:184-85]). Ela tinha de ser defendida contra a acusação de
que a morte de Cristo, uma vez que ele disse que estava entregando sua vida
espontaneamente (Jo 10.18), era suicídio (Drnd. Fid. vind. 1.58 [1709:186]);
o paradoxo era que “o indivíduo impassível sofre, o D eus imortal morre”
(Men. Did. 1.6 [Blantês, p. 65]).
Duas das objeções mais fundamentais contra “a expiação pelos pecados
feita pelo Filho de D eus” eram que “é um sacrifício humano, que a própria
natureza abomina” e que “representa Deus punindo o inocente e absolvendo
o culpado” (ap. Lw. Reas. 1 [Moretón 2:75-80]). A primeira delas era às vezes
elaborada pela acusação, em uma alusão ao fato de Isaque ter sido amarrado
(Gn 22.1-19), de que essa visão da expiação não era nada mais que “uma
confirmação da lei judaica admitindo os sacrifícios humanos” (Ap. Jcksn.
Rem. [1731:22]). O repúdio do “sistema de salvação”, conceito a conceito,
sentença a sentença, com o falso e cheio de contradições” (Reim. Apol. 2.5.3.16
[Alexander 2:516]) também exigia uma nova tradução e reinterpretação do
capítulo 53 de Isaías (Reim. Apol. 1.5.2.7-8 [Alexander 1:742-49]), visto,
segundo a visão da igreja primitiva (Srtz. Man. 1.2 [1828:18-19]), com o afir-
mando de forma mais ampla que qualquer passagem do N ovo Testamento
(veja vol. 1, p. 39-40) que o caráter substitutivo da morte de Cristo, na frase
medieval, viera “não apenas para nós, mas por nossa causa” (Men. Did. 1.3
[Blantês, p. 31]; Bnyn. Lw. Gr. 2 [Sharrock 2:106-9]; veja vol. 3, p. 192-93).
Mas a descrição da morte de Cristo com o “um sacrifício no m onte G ólgota”
que “ele ofereceu a Deus para expiar nossos pecados, libertar-nos da morte
e capacitar-nos a adquirir o direito à vida eterna” (Ost. Arg. ref. Jo 19:17-42
[1720-11:148]), significava que a “necessidade” desse sacrifício não veio de
Deus Pai nem do próprio Cristo, mas da humanidade pecaminosa (Poir. Oec.
div. 3.17 [1705-11:820]), em cujo lugar Cristo oferecera obediência tanto ativa
quanto passiva (Mrck. Comp. 20.17 [Velzen 18:397]; veja vol. 4, p. 227-28).
Essa definição de “Cristo no nosso lugar” tinha de ser “preservada mais que
todas as outras doutrinas” (Frnck. Pass. Joh. 4, 9, 1 [1733:73-74, 148, 18]).
Contudo, é paradoxal que exatamente quando a ênfase nas feridas de Cristo
estava ficando mais explícita (Zinz. Soc. 14 [Beyreuther 1-1:147]), a suposição
natural da concordância cristã universal sobre a expiação sacrificial passasse
ela mesmo a ser questionada (Zinz. Hom. 5 [Beyreuther 3-1:51]).
15 4 A♦ A OBJETIVIDADE DA REVELAÇAO TRANSCENDENTE
(Wsly. Hom. 1.3 \LPT, p. 125]; Bert. Teol. disc. 2.3 [1792-1:80-81]), ambos os
atributos foram descritos com igual clareza na Escritura, e nenhum dos dois
era para ser elevado acima do outro (Dor. Pet. 12-13 [1718:35-36]): “não há
justiça em D eus sem misericórdia nem misericórdia sem justiça” (Lw. Reas.
2 [Moretón 2:98]). A ortodoxia, à objeção que “a justiça e a misericórdia não
podem ser exercidas ao mesmo tempo em uma e mesma instância sobre o
mesmo objeto” (Tin. Cr. 4 [1730:40]; Tnnt. Disc. 1 [1745:29-30]; Wsly. Hom.
1.1 [.LPT\ p. 124]), apresenta a doutrina da satisfação pelo pecado por meio da
“substituição voluntária” da morte de Cristo “ficando no lugar dos pecadores”
(Bnyn. Lw. Gr. 2 [Sharrock 2:108]; Stod. Sfty. 11 [1687:322]) tanto com o o
resultado da justiça de D eus contra o pecado quanto o método pelo qual “a
bondade e a misericórdia de D eus” alcançaram seu fim desejado na salvação
humana (Poir. Teol. cr. 1.1.2 [1690-1:15]; Brnt. A rt. X X X I X 13 [1700:131];
Nss. Dipp. 5 [1701:43]; Terst. A b r .U .l [Becher 2:214-15]).
Essa doutrina da obra de Cristo, pelo menos no Ocidente, ainda que
também em parte no Oriente, representava quase tanto de um fundamento
em com um quanto o dogma da Calcedonia sobre a pessoa de Cristo (Strim.
Un. Ev. 1.2 [1711:4]). N ão obstante, os expositores católicos-romanos tinham
a vantagem, que seu sistematizador Anselmo também tivera, de conseguir
conectar a “satisfação condigna da justiça ultrajada por Cristo” (Fuse. Sac. cr.
[1756:11]; Amrt. Teol. eclec. 8.2.4-5 [1752-2-111:39-44]; veja vol. 3, p. 185; vol.
4, p. 316) com a ideia de satisfação pelo pecado no sacramento da penitência,
com o um “dogma católico confirmado pela perpétua tradição dos pais” (Bert.
Teol. disc. 28.4 [1792-VI: 18-20]; Amrt. Teol. mor. 13.12-13 [1757-11:290-304]).
Os protestantes radicais tinham uma vantagem correspondente em conse-
guir atacar os dois tipos de satisfação pelo pecado com o “engano” (Dipp.
Hrt. 1 [1706:14]; Tin. Cr. 13 [1730:289]). Mas os protestantes evangélicos só
podiam seguir o precedente dos reformadores (Sem. Rei. 22, 23 [Schütz, p.
184,196]) na acusação de que a prática da satisfação penitencial “desacredi-
tara o valor dessa satisfação [pelo pecado]” oferecida por Cristo (Brnt. Rom.
[1688:25]). A insistência deles de que a salvação vinha só pela graça (Bnyn.
Lw. Gr. [Sharrock 2:119]), sem obras, teve seu resultado na doutrina da satis-
fação pelo pecado por intermédio de Cristo com o “o principal fundamento
da doutrina apostólica” (Frnck. Id. 45 [Peschke, p. 197]; veja vol. 4, p. 74-
75, 212, 434-35, 450); e o locus classicus para a doutrina agostiniana da graça,
“isso não depende do desejo ou do esforço humano, mas da misericórdia de
D eus” (Rm 9.16), provava que todos precisavam da “satisfação e sacrifício
de Cristo na cruz” (Zinz. Red. 1, 2 [Beyreuther 1-11:21, 34]; Wsly. Serm. 5.4.7
156 À A OBJETIVIDADE DA REVELAÇÃO TRANSCENDENTE
♦
tradicional revelada seria com a mesma facilidade usada contra a religião natu-
ral e que a expressão “homens naturais” (Lw. Reas. 1 [Moretón 2:66]), no uso
bíblico, não se referia aqueles que não tinham recebido a graça nem o Espírito
Santo (Spen. Gtts. 2 [1680:17]). Talvez Sócrates tenha sido um defensor de
algumas das verdades da religião natural, mas não havia salvação com base
na religião natural (Zinz. Soc. 4 [Beyreuther 1-1:39-40]; Prstly. Soc. 2 [1803:6]).
A revelação — quer vista com o não mais que uma reedição da religião
da natureza (Span. Εν. vind. 2.16 [Marck 3:298-99]) quer com o uma conclusão
dela (Tin. Cr. 12 [1730:199-200]) que seria necessária mesmo se a humanidade
tivesse continuado em estado de perfeita inocência (Lw. Reas. 1 [Moretón 2:60-
61,70]) — precisava, com o acontecera ao longo da história cristã, localizar-se
em sua relação com a razão. A necessidade não era de m odo algum uniforme
de lado a lado das culturas e de lado a lado das igrejas (veja vol. 1, p. 63-64,
350-52; vol. 2, p. 59-60; vol. 3, p. 132-44, 308-20, 337-46; vol. 4, p. 120-22,
125-26,230,258,418-21). Um estudioso observou “a ausência, em meio aos
toscanos, de qualquer da hostilidade declarada entre a ciência e a ortodoxia
que assolava além dos Alpes” porque no pensamento florentino “toda rami-
ficação de aprendizado, em alguma extensão, era uma parte da teologia” (Co-
chrane [1961], p. 103-4); da mesma maneira, um católico-romano, na França,
podia falar de Jesus Cristo com o a “profundidade da riqueza da sabedoria e
do conhecimento” (Rm 11.33; Grig. Mont. Am. sag. 1.12 [Gendrot, p. 99]).
Contudo, o uso da razão era tão fundamental para a ausência de hostilidade
ali quanto o era a hostilidade em outro lugar, porque era fundamental para o
próprio empreendimento teológico. Nenhuma doutrina da teologia, exceto
talvez para a Trindade (Brnt. Art. X X X I X 1 [1700:17]), estava tão comple-
tamente associada com a noção de mistério e as declarações de revelação
quanto a eucarística (Swed. Ver. Chr. 13.699-700 [1771:430-31]); “mistério
[μυστήριον]”, desde os tempos patrísticos, era o termo grego para “sacramen-
to” (Fén. Ep. 28.V.1687 0Gosselin 7:200]). Embora os defensores da presença
real exigissem que “a razão tem de ser mantida cativa aqui” (Neum. Funf.
1, 2, 3 [1726-1:78, 363, 456]), as disputas sobre a presença, que podiam ser
consideradas providenciais a despeito da devastação que provocavam (Zinz.
Zst. 25 [Beyreuther 3-11:196]), provaram quão indispensável era a razão, por
meio do uso de conceitos da lógica com o análise, definição e contradição
(Sem. N . T. Int. 1.3.5.7 [1767:129]), na interpretação da revelação (Wer. Diss.
11 [Ryhinerus 1:200]) ou, no que diz respeito ao assunto, na defesa da reve-
lação contra a razão (Blrt. S. T. Grat.3.2 [Lequette 3:77-80]).
164 Λ A OBJETIVIDADE DA REVELAÇÃO TRANSCENDENTE
♦
“A verdadeira condição da questão”, então, “não [era] se a razão tem de
ser seguida, mas quando é melhor segui-la” (Lw. Reas. 4 [Moretón 2:116];
veja vol. 3, p. 308, 312). A proposição atribuída a Abelardo de que a “fé
está sujeita à razão” (Pnch. Diet. [1736:1]) era herege também em sua versão
do século XVIII (Mos. Tol. 10 [1722:50]). Também era um equívoco tratar
com o um artigo de fé uma conclusão teológica cuja principal premissa veio
da revelação, mas cuja premissa secundária veio da razão (Amrt. Teol. eclec.
4.2.1.2 [1752-1-IV: 14]). Os remonstrantes, que começaram com um protesto
contra as doutrinas calvinistas do pecado e da predestinação (veja vol. 4, p.
297-304), pareciam, para seus oponentes, terem caído no racionalismo com
consequências devastadoras para toda a doutrina cristã (Poir. Fid. rat. 1.11,
1.16 [1708:12-13, 23]). A obra Λ consolação da filosofia, de Boécio, embora
celebrada com o o foi com o uma obra-prima da filosofia cristã (veja vol. 1,
p. 62-64, 350-52; vol. 3, p. 318), poderia agora ser atacada com o um livro
“no qual o Salvador e sua redenção são totalmente esquecidos” (Zinz. Gem.
8 [Beyreuther 4-1:148]). Nas universidades, a lógica e a metafísica eram
preferidas ao catecismo (Frnck. Bcht. [Peschke, p. 99]); a ética filosófica,
à ética cristã (Ost. Eth. prol. 2 [1727:5]); e a helenização do cristianismo à
exposição fiel da “doutrina dos hebreus” contida na Escritura (Budd. Phil,
ehr. 18 [1720:70]; Frnck. Meth. 3.20 [1723:108]). Spener, embora os adeptos
da ortodoxia luterana o atacassem com o racionalista e patrono do misticis-
m o extremo (Deutsch. Put. 1.2.4 [1698:12-13]; Mayr. Mis. 4.6 [1692:45-46]),
dissociou-se de ambos; da mesma maneira; outros teólogos protestantes,
apesar de talvez com menos sucessos (Spen. Bed. 1.1.13 [Canstein 1:95]; Spen.
Beant. 4.13 [1693:107]), tentaram se dissociar das várias filosofias racionalistas
(Wlff. Nat. Gott. 295 [1744-1:294]; Sem. Erkl. 1.4, 2 [1777:82, 147-50]). O
século XVIII, a despeito de sua jactância de ser “um século de iluminismo
[un siècle éclairè]”, foi um tempo de “cegueira do espírito” (Poir. Teol. cr. pr
[1690-I:A3r-A3v]; Poir. Chr. ed. 35 [1694:46]); a despeito de sua exaltação da
razão, o racionalismo era ele mesmo “irracional” (Mid. Wat. [1731:56]); e a
despeito de sua rejeição da autoridade, teve de admitir que “o conhecimento
natural, ou a luz da natureza, é um conhecimento e luz que é tornado natural
por nós por meio da mesma autoridade que torna uma determinada língua,
determinados costumes e modelos de comportamento naturais para nós”
(Poir. Fid. rat. 1.16 [1708:23]).
A igreja ortodoxa, a sua própria maneira, tinha tanto em jogo quanto
o racionalismo tinha (Stod. Gd. Cr. [1714:36-38]) na busca pelo que Kant
denominava de “religião só nos limites da razão” (Knt. Rei. [Cassirer 6:139-
A essência da verdadeira religião 165
353]). Fosse qual fosse sua posição na apologética dos séculos anteriores, o
método descrito por um teólogo ortodoxo oriental com o “a demonstração
silogística” da existência de Deus (Mid. Mir. int. [1749:xcii]; Reim. Apol. int.
[Alexander 1:62]) tornara-se agora, desde João de Damasco e de Tomás
de Aquino (Atan. Par. Epit. 1.1.1 [1806:49-51]), “o grande e sólido argu-
mento sobre o qual repousa a religião” (Wlff. Nat. Gott. 413 [1744-11:4]). O
catolicismo-romano, tradicionalmente, fizera mais da prova racional para sua
doutrina do que o fizera o protestantismo confessional (Brnt. A rt. X X X IX 1
[1700:21]; Bert. Teoldisc. prol. 2 [1792-1:5]), mesmo no auge da era ortodoxa;
o pietismo desconfiava ainda mais de uma “doutrina pura” (Cone. Rei. riv.
5.1.2 [1754-11:155-62]; veja vol. 4, p. 418-21) na qual “a sabedoria do mundo
é introduzida gradualmente na teologia” (Spen. Pr. Des. [Aland, p. 22]; Frnck.
Meth.3.20 [1723:106]). Mas agora havia protestantes que consideravam que
“o principal interesse dos pregadores [é] mostrar a racionalidade ou bom
senso das doutrinas que ensinam” (Tin. Cr. 11 [1730:151]) e que viam esses
pregadores com o cristãos autênticos (Reim. Apol. int. 13 [Alexander 1:63-
64]). D e acordo com a ortodoxia, a religião natural só podia ficar perfeita
“com a adição da revelação” (Jcksn. Rem. [1731:9]), mas o inverso também
era verdade: a consideração da religião natural fora boa para o cristianismo
ortodoxo (Sem. Rei. 35 [Schütz, p. 279]), cuja doutrina foi desenvolvida sobre
a razão e também sobre a revelação de Cristo (Dipp. Ort. 9 [1699:118-24]);
e havia questões na teologia tradicional, com o a predestinação (Lw. Reas. 2
[Moretón 2:92-93]), que alguns (embora nem todos) teólogos interpretavam
com o pertencendo à razão, em vez de à revelação (Brnt. A rt. X X X IX 17
[1700:147]), bem com o outras questões, com o a doutrina dos anjos, que
pertenciam a ambas (Amrt. Teol. eclec.2.\.\ [1752-1-11:1]).
A essência da religião verdadeira, em seu conteúdo, provou com fre-
quência ser de igual duração (veja vol. 1, p. 70-74) que os dois aprnñs que a
doutrina cristã tomava por garantidos desde a igreja primitiva: a definição da
natureza de Deus com o absoluto e a definição da alma humana com o imortal
(Cone. Rei. riv. 5.1.1.8 [1754-11:316]; Mmchi. Orig. ant. 3.2.1 [1749-111:272]);
Tnnt. Serm. 4 [1744:87-106]). A teologia ortodoxa — aplicando o princípio,
formulado por Tomás de Aquino, mas afirmado durante séculos por seus
predecessores no Oriente e no Ocidente, de que a “graça não anula a natureza
(veja vol. 3, p. 338-46), mas a completa” — construiu, com a autoridade da
revelação, seu dogma da Trindade fundamentada no primeiro desses aprioris
e sua doutrina da ressurreição e vida eterna fundamentada no segundo deles.
A justificação bíblica para identificar esses a prioris com o a essência parecia
166 ♦♦♦ A OBJETIVIDADE DA REVELAÇÃO TRANSCENDENTE
ser fornecida pelo versículo: “Sem fé é impossível agradar a Deus, pois quem
dele se aproxima precisa crer que ele existe e que recompensa aqueles que o
buscam” (Hb 11.6) (não só nesta vida, mas sobretudo na vida por vir) (Drnd.
Diss. 1.8.2 [1703:21]; Arb. Inst. 1.20.4 [1765:99]). As duas exigências desse
versículo serviram com o uma questão vital a vários intérpretes desse período.
Para Zinzendorf (Zinz. Soc. 29 [Beyreuther 1-1:271-72]), as duas exigências
forneciam o ponto de partida para considerar as “verdades fundamentais”
da verdadeira religião; para Burnet (Brnt. A rt. X X X IX . 7 [1700:101-2]), “o
fundamento da religião”; e para Eusébio Amort, a prova de que “para os
pagãos, a fé implícita nesses mistérios é suficiente” mesmo sem as doutri-
nas com o a da Trindade, da encarnação e da ressurreição (Amrt. Teol. eclec.
4.2.3.16-17 [1752-1-IV:99]).
N esse período, os defensores da doutrina da igreja percebiam que ela,
pela primeira vez em sua história, enfrentava um questionamento dessas ver-
dades fundamentais de toda a religião e também de seus dogmas específicos.
Ficou evidente para todos que, desde a Reforma (Zinz. Gespr. 6 [Beyreuther
1-111:50-51]), fora perdido o sentimento de reverência e que em seu lugar
vieram “os detestáveis sentimentos de irreligião e descrença que atacam a
própria religião e levam ao ateísmo” (Ost. D%. serm. 12 [1722:415]; Neum.
Hnd. [1700:A3v]). O ateísmo passou a ser um item na agenda teológica. Tal-
vez houvesse uma diferença entre agnosticismo e ateísmo (Mrck. Comp. 1.17
[Velzen 18:8]; Wlch. Pol 2.1 [1752:87-101]), mas não havia nenhuma entre
o escárnio declarado e a subversão sútil (Wlff. Nat. Gott. 427 [1744-11:26]).
Quando seus oponentes, na Antiguidade clássica, idealizaram a tolerância
religiosa (Mos. Vind. disc. 1.6.2 [1722:123]), os teólogos ortodoxos (Byl. Comp.
phil. pr. [1713-1:124]; Gib. Dec. 2 [Bury 1:28-33]) argumentaram que não eram
“aqueles que criam na religião, mas os infiéis e ateus que em todos os países
sempre foram os mais severos perseguidores e mais cruéis opressores de toda
liberdade civil e também religiosa” (Mid. Wat. [1731:54-55]). Era difícil, ou
impossível, confiar nos adeptos do ateísmo (Pnch. Diet. [1736:79]) porque
essa concepção não só era anticristã, mas também absurda (Lmp. Teol. nat.
119-31 [1734:36-42]), rejeitando com o fazia a evidência que, de acordo com
Romanos 1.20, eram “desde a criação [...] vistos claramente” (Drnd. Fid. vind.
1.1 [1709:1-5]; veja vol. 1, p. 38). O sermão do apóstolo Paulo, no Areópago
(At 17.22-31), também continuava a ser uma sinopse conveniente da teolo-
gia natural e um resumo das doutrinas e obrigações; mas sua fórmula quase
de credo (talvez com origem no pensador grego Epimênides) (Amrt. Teol.
eclec. 1.1. pr. [1752-1-1:1]; O st. Arg. ref. At 17 [1720-11:172];Tnnt. Serm. 15,21
A essência da verdadeira religião ♦♦♦ ג67
das pessoas que agora pertenciam à igreja, tinha agora de confrontar novos
dados sobre as nações em que não parecia haver “nenhuma adoração” de
uma divindade (Tnnt. Serm. 4 [1744:101]). A o mesmo tempo, a descoberta
de relatos de um dilúvio “entre todos os povos e autores mais antigos” (Ost.
Arg. ref. Gn 5 [1720-1:5-6]; Pal. Evid. 1.2.1 [Wayland 3:171]; Ost. Arg. ref. Gn
5 [1720-1:5-6]) ajudou a confirmar o relato de Gênesis; e o contínuo apelo
aos padrões paralelos entre Sócrates e Jesus, entre a Quarta bucólica de Virgílio
ou os livros sibilinos e os evangelhos (Tol. Pan. 1.2 [1720:4]; Tnnt. Serm. 20
[1744:389]; Prstly. Soc. [1803:48]) e entre os escritos herméticos da Antiguidade
posterior (Atan. Par. Epit. 3.2 [1806:293-95]; Reim. Apol. 1.5.2.6 [Alexander
1:738-39]) e as Escrituras cristãs foram enriquecidos pela consciência mais
profunda de outros sábios (Dipp. Ort. 6 [1699:89-91]), em especial Confucio,
cujas “máximas claras e simples” (Zinz. Rei. 5, 6 [Beyreuther 6-1:89, 112])
podiam ser usadas “para ilustrar as [máximas] mais obscuras” de Cristo (Tin.
Cr. 13 [1730:342]). D a perspectiva negativa, os paralelos entre as religiões não
cristãs e as práticas cristãs supriam argumentos para as polêmicas contra o
culto dos santos (Mid. Ltr. Rom. [1729:31]). Os deístas, com o Toland, foram
acusados de colocar “as religiões tradicionais em um patamar”, incluindo o
próprio cristianismo (Lw. Reas. 3 [Moretón 2:112]), mas os teólogos da igreja
tentaram esclarecê-los. A taxonomía que enumerava quatro grupos — todos
os de paganismo agrupados e, depois, os três livros de m onoteísm os do ju-
daísmo, cristianismo e islamismo — era representativa desse esforço (Ost.
Cat. [1747:15-16]).
D esses, o islamismo continuou a evocar uma variedade de respostas
dos cristãos. Entre aqueles para quem a queda de Constantinopla, em 1453,
ainda era uma lembrança poderosa (Men. Did. 1.4 [Blantês, p. 44-47]; Coz.
Graec. 5.23.1294 [1719-111:315]), alguns articularam uma escatologia em que
a iminente “queda do maometismo” seria um sinal de que o julgamento final
estava perto (Strz. Man. 5.1 [1828:193-94]). A trégua militar e política entre
a ortodoxia oriental e o islamismo foi uma ocasião para dar ação de graças a
Deus, mas também para expressões de cautela por parte dos cristãos (Fil. SI.
136 [Soc. Fil. 3:132-38]). Alguns polemistas cristãos apontaram para o método
mulçumano de propagação por meio da conquista com o uma demonstração
palpável de sua falsidade (Pal. Evid. 2.9.3 [Wayland 3:331-45]; Cone. Rei. riv.
2.2.4 [1754-1:298]), enquanto outros esperavam que, com a genuína reforma
cristã, “a grande pedra de tropeço seria felizmente tirada do caminho, a saber,
a vida dos cristãos, e os maometanos olhariam para eles com outros olhos”
(Wsly. Serm. 63.21 [Baker 2:495-96]). Ainda outros equiparavam “as principais
170 ♦♦♦ A OBJETIVIDADE DA REVELAÇÃO TRANSCENDENTE
sacerdote e rei (veja p. 148 acima) tinha de ser entendida não só “externa e
umversalmente”, mas acima de tudo “interna e individualmente” (Terst. Abr.
2.3.10-22 [Becher 2:178-84]). Por conseguinte, “ir a Jesus” com o profeta,
com certeza, significava encontrá-lo na palavra da Escritura, mas isso seria
em vão a menos que “o Espírito Santo opere fé em nós (Frnck. Pred. Laer.
[1700:52]) e por meio de seu poder nos traga para a graça de Cristo”, uma
pessoa de cada vez (Zinz. Aug. Conf. 4 [Beyreuther 6-11:102]). A doutrina de
Cristo era a doutrina do novo nascimento. A devoção católica-romana ao
sagrado coração de Jesus (Fuse. Sac. cr. [1756:9]) encontrou sua contraparte
nas admoestações protestantes com o as de Gerhard Tersteegen: “N osso co-
ração inteiro passa a ser o coração de Jesus, de m odo que ele pode imprimir
seu selo nele e dizer: ‘Este é meu coração’ ” (Terst. Bros. 4.6 [Becher 6:241]).
A transposição emocional da doutrina cristã envolvia todos os artigos
de fé na tradição e todas as questões sobre as quais as igrejas e os teólogos
tinham estado em conflito, para cada um dos quais seria possível aplicar o
princípio de que “não queremos entrar em controvérsias; [...] apenas inves-
tiguemos nosso próprio coração, nossa própria consciência” (Terst. Bros.
2.3 [Becher 4:87]). Os sete sacramentos, conforme afirmados pela Igreja
Ortodoxa Oriental (e também pelo catolicismo-romano) (veja vol. 2, p. 309;
vol. 3, p. 258-59), descreviam a peregrinação da alma desde o nascimento
até a morte (Strz. Man. 6.1 [1828:233-34]). A “presença real” de Cristo no
sacramento da eucaristia era uma presença “no corpo e na alma”, unindo-se
à alma do cristão (Arb. Inst. 20.14 [1765:119]; Zinz .Aug. Conf. 18 [Beyreuther
6-11:294]). A diferença entre a doutrina da presença real e o ensinamento de
que “não vem os nada mais [nos elementos] que o pão é o símbolo e o selo do
corpo crucificado de Cristo, que é verdadeiramente apresentado [<ixhibitum] na
santa ceia” (Wer. Diss. 10.1 [Ryhinerus 1:165]) podia, então, ser reinterpretada
para significar que a eucaristia seria benéfica para todos independentemente
das teorias deles sobre a presença — desde que apenas acreditassem de fato
no que confessavam, fosse o que fosse que confessassem (Poir. Oec. div. 4.7
[1705-11:169-70]). E quando uma criança em sua primeira comunhão decía-
rava: “N ão entendo tudo isso, mas me dá um bom sentimento”, isso “não
[era] tão ruim”, uma vez que a “Escritura chama isso de um sentimento que,
com frequência, é tão bom quanto se a pessoa entendesse as palavras” (Zinz.
Gespr. 3 [Beyreuther 1-111:24]).
Conforme esse apelo ao precedente escriturai sugere, havia um caso forte
a ser montado — um forte caso exegético e hermenêutico e também teológico
e psicológico — para um m étodo de estudo da Bíblia que enfatizasse não só
!88 A TEOLOGIA DO CORAÇÃO
a autoridade dela, mas acima de tudo sua aplicação pessoal (Frnck. Pass. Jo. 6
[1733:98]): “A Escritura não interpretada pelos léxicos e dicionários, mas pelas
doutrinas reveladas por Deus e pelo ensinamento interior e unção do Espírito
Santo” (Lw. Dem. Er. [Moreton 5:20]). O elemento afetivo, também nas passa-
gens em que não havia referência explícita a ele, tinha de ser tirado do texto da
Escritura (Frnck. Mand. Scrip. 10 [1706:107]). A palavra de Deus na Bíblia era de
fato uma luz, mas uma luz cuja intenção era que brilhasse “não apenas diante
dos nossos olhos, mas em nosso coração” (Frnck. Pred. Epiph. 2 [1700:11-12]).
Até mesmo os detalhes insignificantes e “externos” da história bíblica tinham
o propósito de beneficiar “nossa alma” (Frnck. Pass.Jo. [1733:126]) e tinham
de ser lidos dessa maneira. O ponto do principal texto-prova sustentando a
inspiração da Escritura (2Tm 3.16) era enfatizar quão “útil” (veja vol. 4, p.
413-18) a Escritura era em sua “autoridade majestosa e imperiosa” a fim de
tranquilizar individualmente o cristão (Stod. SJty. 11 [1687:336-37]; Stod. Com.
10 [1719:47]). As advertências ortodoxas de que “a palavra externa de Deus
também é a voz interna de D eus” (Deutsch. Lut. 1.4.13 [1698:43-44]), de
m odo que as duas não podem ser separadas, atacava o que era considerado
ter passado a ser uma ênfase excessiva no elemento subjetivo na exegese.
Contudo, o mesmo teólogo que advertira contra “a dependência excessiva do
sentimento pessoal na interpretação da Escritura” (Wer. Diss. 19 [Ryhinerus
1:352-53]), não obstante, podia falar sobre “a certeza subjetiva” que tem
de acompanhar “a certeza objetiva” da exegese (Wer. Mise. 23.1 [Ryhinerus
2:331]). “Quem desejar ir adiante na interpretação da Escritura”, advertiu
Bengel, “tem de explorar para ver de onde vem a motivação pessoal para
fazer isso” (Beng. Gnom. pr. 6 [Steudel, p. xix]).
Uma campanha desse tipo para recuperar a centralidade da “prática”
na definição do cristianismo, por sua própria natureza, estava preocupada
com a piedade secular e o exercício da vida cristã, bem com o com as estru-
turas e instituições concretas da igreja. Esse tipo de campanha exigia uma
“ênfase renovada na pregação bíblica e na experiência do arrependimento e
do novo nascimento, o estabelecimento de conventículos para a edificação
e admoestação mútuas dos cristãos “nascidos de novo” e uma reforma do
treinamento pastoral que colocaria menos ênfase na teologia escolástica
polêmica e mais no desenvolvimento de um ministério sensível preocupado
com a vida devocional e moral prática dos paroquianos” (Erb. [1983], p. xiii).
Contudo, essa resolução “evita todas as abstrações quando diz respeito a
assuntos do coração” (Syn. Br. Auf. [1748] [Beyreuther 6-11:12]) e acima de
tudo para se concentrar nos “assuntos puramente internos” (ZÀnz.Aug. Conf.
Deus e a alma
Deus e a alma
N ão foi uma invenção da teologia pietista do século XVIII — antes foi
um dos m étodos padrões da piedade e teologia cristãs em todos os séculos
(Wlff. Nat. Gott. 78 [1744-1:52-53]) — extrair uma correlação entre a obje-
tividade de D eus e a subjetividade do ego. A celebrada fórmula cristológica
da “preexistência, da kenosis e da exaltação” (veja vol. 1, p. 263-72) nas epís-
tolas paulinas foi apresentada com estas palavras: “Seja [essa] a atitude de
vocês” (Fp 2.6-11); e a declaração mais explícita da doutrina da redenção
em outra passagem dos evangelhos sinóticos (veja vol. 1, p. 161-63) — “O
Filho do homem, que não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua
vida em resgate por muitos” — tomou a forma de uma oração subordinada
sustentando a admoestação de Jesus para seus discípulos: “Quem quiser
tornar-se importante entre vocês deverá ser servo” (Mt 20.26-28). Agostinho
forneceu a correlação dessa expressão clássica (veja vol. 1, p. 70) em um de
seus primeiros escritos: “O que você quer saber? Desejo conhecer Deus e a
alma, ou seja, tudo” (Ag. Soliloq. 1.2.7 [PL 32:872]). Esse recurso, nas mãos
de Agostinho e, presumivelmente, também nas do apóstolo Paulo e dos es-
critores dos evangelhos, pressuporia o ensinamento da igreja com o um dado
objetivo e, então, prosseguiría para fundamentar a experiência e a exortação
I9O ♦♦♦ A TEOLOGIA DO CORAÇÃO
subjetivas nisso. Mas agora que a objetividade era ela mesma questionada, a
subjetividade poderla ser chamada a assumir o ônus de verificar o que fora
até aquí capaz de tomar com o garantido.
Alguma combinação das duas metodologias estava em operação na decía-
ração de que “uma reflexão atenta sobre o que percebemos em nós mesmos
nos leva mais adiante do que seja o que for para formar pensamentos justos e
verdadeiros de D eus”, de m odo que “o modo mais intenso de estruturar uma
ideia de D eus é avaliar nossa própria alma” (Brnt .A rt. X X X IX , 1 [1700:41]).
As qualidades da alma, com o a consciência do ego, tinham, portanto, com os
ajustes apropriados de eliminar quaisquer concepções indignas, de ser tam-
bém predicados de Deus, com o os atributos de Deus, com o a onipresença
(Wlff. Nat. Gott. 86, 134, 213 [1744-1:60, 117, 222]), estavam “refletidos no
coração [do cristão]” (Frnck. Gl. 1 [1691:C3r]). A teologia tradicional usa-
va a palavra da sarça ardente para Moisés, “Eu Sou o que Sou” (Ex 3.14),
com o o fundamento para “uma metafísica do Ê xodo” (veja vol. 1, p. 73),
que legitimou a linguagem de ontologia com parte da doutrina cristã; o que
a passagem significava agora era “que D eus sempre quer ser reconhecido e
conhecido de acordo com sua presença na alma” (Zinz. Soc. 6 [Beyreuther
1-1:59]). A obra Suma teológica, de Tomás de Aquino, dedica-se à exposição dos
atributos divinos após demonstrar a existência objetiva de D eus por m eio de
argumentos cosm ológicos de causalidade, movimento e coisas semelhantes
(veja vol. 3, p. 337-346); agora parecia mais convincente começar um resumo
da teologia ao tornar o conhecimento pessoal e a iluminação pessoal os tópi-
cos de um capítulo intitulado “Sobre os meios de conhecer a D eus” (Terst.
Abr. 1.1 [Becher 2:11-25]) e, depois, retomar, por sua vez, as doutrinas dos
atributos divinos e da Trindade (Terst. Abr. 1.2 [Becher 2:25-49]). Era um
“erro” interpretar até mesmo a “religião natural” com o “a obra, ou efeito,
da razão natural” (Terst. Abr. 1.3 [Becher 2:49-58]), em vez do coração; era
tão verdade para a religião natural quanto o era para a religião revelada que
“a razão não é o poder, ou força, da nossa religião porque o que nosso co-
ração é, ou seja, nossa religião” (Lw. Dem. er. [Moreton 5:93-95]) e “muita da
verdadeira religião está nas afeições” (Edw. Rei. Aff. 1 [Miller 2:106]).
D e acordo com a exegese patrística, a intenção da pergunta bíblica: “Pois,
quem dentre os homens conhece as coisas do homem, a não ser o espírito do
homem que nele está?” (lC o 2.10,11), em seu contexto, era expressar uma
analogia psicológica humana para o conhecimento de Deus que foi adquirido
de modo único e, depois, revelado pelo Espírito Santo de D eus (Bas. Spir.
16.40 [AC 17b: 183]; Hil. Trin. 9.69 [CCAL62A:449-50]);agoraessapergunta
Deus e a alma ♦♦♦ 191
mesmo e para si mesmo. Cada vez mais o cenário mais apropriado para essa
edificação parecia não ser a adoração pública, mas a devoção privada. Um
escritor devocional católico-romano (junto com escritores protestantes)
(Spen. Beant. 2.20 [1693:120]; Frnck. Id. 19 [Peschke, p. 178]), sem a intenção
de depreciar a liturgia e os sacramentos da igreja, aconselharia que “a oração é
o canal comum pelo qual Deus comunica suas graças, em particular sua sabe-
doria” (Grig. M ont .Am . sag. 15,184 [Gendrot, p. 193]). D a mesma maneira,
os escritores devocionais protestantes — sem nenhuma intenção de depreciar
a pregação pública ou a admoestação bíblica contra deixar “de reunir-nos
com o igreja, segundo o costume de alguns” (Hb 10.25), que significava que
“ouvir é impor a nós mesmos ainda mais estritamente que ler” (Lschr. Hor.
[1734:26-27]) — ainda assim podia exortar que era por intermédio do estudo
pessoal da Bíblia, obrigação de “todos os adultos” (Beb. GL 1 [1685:23]; Terst.
Abr. 1.1.14 [Becher 2:18-20]), mas também das crianças, que o indivíduo se
torna um “cristão devoto que realmente crê” (Frnck. Unt. 2 [Peschke, p. 217];
Frnck. Id. 5 [Peschke, p. 174]; Zinz. Hom. 15 [Beyreuther 3-1:143]) porque a
leitura trazia para o cristão certas “vantagens para a nutrição e manutenção
da piedade e da devoção, algo que só a leitura pública não podia trazer”
(Ost. Arg. ref. pr. [1720:A4r]; Ost. Eth. 3.3.5 [1727:283-90]). D e acordo com
Francke, “o Espírito Santo tem de fato bom resultado na pregação sobre a
fé”, mas isso sugeria que “o indivíduo começa [por conta própria] a pesquisar
a sagrada Escritura” (Frnck. GL 1 [1691:B2v]).
A Escritura era a base para a meditação (Franck. Meth. 3.10 [1723:73-
76]); da mesma maneira, a formação das afeições por meio da meditação
era a base da exegese sã, também porque para entender um texto era com
frequência necessário entender as afeições dos próprios escritores bíblicos
(Frnck. Maná Scrip. 8, 10 [1706:95, 105]; Frnck. Meth. 3.23 [1723:132]; Ost.
Eth. 3.3.5 [1727:285]), que não foram apenas instrumentos passivos na escrita
do evangelho (Lang. Paul. 2.2.2 [1718:334-35]). Esse método de interpretação,
longe de afastar a autoridade da Escritura (Frnck. Mand. Scrip. 10 [1706:112]),
capacitava o leitor moderno a entendê-lo “com o se Deus estivesse falando
agora mesmo sobre mim e para mim ou sobre a atualidade e para a atualidade”
(Terst. Abr. 1.1.16 [Becher 2:22]). Contudo, o desrespeito com a palavra de
Deus ficara “inacreditavelmente maior do que é possível imaginar” (Baum.
Pred. 2.9 [Kirchner 2:320]), mesmo entre aqueles que frequentavam a igreja.
Talvez a adoração pública, idealmente, tivesse de ser mutuamente apoiadora
com o a igreja e a Escritura o eram (Deutsch. Put. 1.5.17 [1698:54-55]; Beng.
Gnom. pr. 5 [Steudel, p. xix]). Mas era muito fácil supor que um sermão era
I98 ♦♦♦ A TEOLOGIA DO CORAÇÃO
dirigido a outra pessoa, tanto quanto o era descartar o julgamento final com o
um prospecto remoto; por essa razão, a palavra de Deus tocava o indivíduo
com mais eficácia em particular ou em pequenos grupos (Frnck. Bcht. [Pes-
chke, p. 102]), e o prospecto do julgamento divino teve seu maior impacto
com a percepção individual de que “mesmo se o dia do julgamento estiver
distante, ainda morrerei” (Neum. Funf. 1 [17261:4 ;]־Mayr. Ger. [1708:25]; Lw.
Ch. Ser. 3 [Moreton 4:25]). A piedade característica da igreja e, ainda assim,
individualista afirmava: “Som os verdadeiros membros do reino de D eus
quando o reino de Deus está em nós, quando o espírito da religião é o espírito
da nossa vida” (Lc 17.21; Lw. Cr. perf. 9 [Moreton 3:142]). Nessa atmosfera,
um individualismo mais radical que achava a doutrina da igreja irrelevante,
se não antiquada, descartava a piedade característica da igreja com o estranha,
se não com o supersticiosa, e se voltava para a devoção privada e o estudo da
Bíblia com o um substituto, em vez de apenas com o um suplemento.
O elo de ligação entre a alma individual e Deus era a fé, que era “o início
e o efeito da sabedoria em nossa alma” (Grig. Mont. Am. sag. 15.187 [Gen-
drot, p. 195]) — no entanto, não qualquer fé, mas a fé pessoal genuína (Wsly.
Serm. 18.1.2 [Baker 1:418]). Essa fé “não [era] apenas teórica ou especulativa”,
não era a mesma coisa que a “iluminação comum” disponível também para
todos os descrentes (Stod. Sfty. 1 [1687:5]). N em podia, por outro lado, ser
o tipo de fé irracional e anti-intelectual (Poir. Fid. rat. 2.21 [1708:29-32]) que
se expõe à acusação dos detratores que “nada [...] faz as pessoas acreditarem
mais rápido que estar amedrontado” (Reim. Apol. 1.1.2.5 [Alexander 1:91]).
Era inegável que muito do que passava por fé entre os cristãos mais conven-
cionais não era nada mais que “fé histórica” (Stod. Gd. Cr. [1714:26]; Frnck.
Pass. Marc. 7 [1724:194]; veja vol. 4, p. 218-219), a crença em um sentido geral
que algo aconteceu (Wsly. Serm. 43.2.2, 5.4.2 [Baker 2:161, 1:194]), mas não
acreditar “em um sentido mais particular [...] não só que ‘D eus em Cristo
estava reconciliando consigo o mundo’, mas também que Cristo ‘me amou
e se entregou por mini ” (2Co 5.19; G1 2.20; grifo do autor). Essa era uma
“fé viva” porque “o coração [do cristão] vive nessa fé e por intermédio dela
se acha poderosamente atraído para Cristo, ansiando com desejo interior e
apaixonado estar cada vez mais unido a ele” (Frnck. Pass. Marc. 7 [1724:196]);
a fé genuína, por conseguinte, “não [era] uma cadeia de idéias na mente, mas
também uma disposição do coração” (Wsly. Serm. 1.1.4 [Baker 1:120]), que
“não [podia ser] um coração hipócrita, mas um coração sincero” (Frnck. Pred.
Epiph. 3 [1699:15]). Por essa razão, a fé “não [era] construída sobre alicerce
precário”, mas era “confiar em Deus, por intermédio de Jesus Cristo, para
Deus e a alma ♦♦♦ 199
Perfeição evangélica
Seria perigoso para a teologia do coração descrever a relação entre Deus
e a alma com o se a vida interior da alma fosse um fim em si mesmo. Os
agostinianos do século XVIII (Bert. Aug. 3.1 [1747-1:339]) evocaram que
206 Λ A TEOLOGIA DO CORAÇÃO
zendorf de “aquele grande homem mau” (Wsly. Serm. 48.3.2 [Baker 2:249])
e equiparara o perfeccionismo deles com o antinomianismo (Wsly. Serm.
13.1.5 [Baker 1:318-19]). Contudo, Wesley foi ao m esmo tempo o porta-voz
mais eficaz no século XVIII para a definição de “perfeição evangélica”. Ele,
de um lado, afirmou que “um cristão está tão longe de ser perfeito quanto
de não cometer pecado” e que os “cristãos são salvos neste mundo de todo
pecado” (Wsly. Serm. 40.2.20,40.2.28 [Baker 2:116,120]); ele, de outro lado,
advertiu contra “a extrema possibilidade de causar danos dessa opinião
aparentemente inocente de que não há pecado em um cristão” e contra “a
inferência: ‘não sinto nenhum pecado, portanto, não tenho nenhum’ ” (Wsly.
Serm. 43.1.5-6, 43.3.11 [Baker 2:158-59, 166]). Esse tratamento paradoxal
da perfeição tem suas raízes no próprio N ovo Testamento. Uma passagem
prometia que “todo aquele que é nascido de D eus não pratica o pecado,
porque a semente de Deus permanece nele; ele não pode estar no pecado,
porque é nascido de D eus” (ljo 3.9); no entanto, essa noção “não é para ser
entendida com o se aquele que é nascido de D eus estava, por conseguinte,
em estado absoluto de perfeição e, a partir dali, incapaz de cair em qualquer
coisa que fosse pecaminosa” (Lw. Cr. perf. 2 [Moreton 3:27]), uma vez que
“João escreveu sua primeira epístola para os cristãos de sua época” (Edw.
Orig. sn. 1.1.4 [Miller 3:135]) e advertiu que “se afirmarmos que estamos
sem pecado, enganamo-nos a nós m esm os” (ljo 1.8). Outra passagem do
N ovo Testamento — pelo menos quando era interpretada de acordo com a
exegese dela feita pelos reformadores (veja vol. 4, p. 218-20) — descrevia o
cristão com o afligido por “outra lei [...], tornando-me prisioneiro da lei do
pecado” (Rm 7.23), o que significava que “a graça concedida na conversão
é imperfeita” (Stod. Conv. 16 [1719:88]).
Assim, “perfeição”, conforme observado por Wesley, podia significar
várias coisas (Wsly. Serm. 13.5.2 [Baker 1:333]). Embora um estudioso tenha
sugerido que “a doutrina da justificação desenvolvida por Wesley [...] não pode
ser lida com o uma peça refletida e equilibrada de instrução doutrinai, [...] [mas]
muito mais na condição de um diário de sua jornada teológica” (Deschner
[1960], p. 180), seu entendimento básico da perfeição parecia repousar na
distinção entre “aperfeiçoar a perfeição” e a “perfeição aperfeiçoada” (Wsly.
Serm. 40 [Baker 2:99-124]). A perfeição “aperfeiçoada” era um atributo es-
sencial de Deus, que era um “imenso oceano de todas as perfeições” (Wsly.
Re¿, cl. 1.12 [LPT, p. 186]), mas a perfeição, para o cristão, continuava a ser
um objetivo, em última análise reservado para a vida eterna (Beng. Gnomm.
Mt 19:21 [Steudel, p. 118]). “Aperfeiçoar” a perfeição, em contrapartida, era
Perfeição evangélica ♦♦♦ 209
um dom e um processo vivido aqui nesta vida; começava com o ato divino
da justificação pela graça por intermédio da fé, na qual o cristão era “reno-
vado, limpo, purificado e santificado” (Wsly. Serm. 1 3 . 5 . 2 [Baker 1 : 3 3 3 ] ) , mas
“não [...] inteiramente” e por meio do qual o cristão progredia em direção ao
objetivo e continuaria progredindo até o fim de sua vida. “Penso na justifica-
ção”, escreveu Wesley em seu Diário (Wsly. Dia. 1 4 . V . 1 7 6 5 [Jackson 3 : 2 1 2 ] ) ,
“exatamente com o o sr. Calvino pensa. N esse aspecto, não difiro dele em um
fio de cabelo”. A perfeição era o crescimento em direção à maturidade cristã
(Nss. Dipp. 7 [17 0 1 : 4 6 ] ; Ost. Etb. 1. 4 . 4 [17 2 7 : 1 1 6 - 1 7 ] ) . A obra de William Law,
Um tratadoprático sobre aperfeição cristã, que Wesley endossou e continuou a ler
a despeito de suas críticas ao autor (Wsly. Serm. 1 7 . X . 1 7 8 7 [LPT, p. 1 0 6 - 8 ] ) ,
confessava em sua introdução: “Se D eus não perdoasse as fragilidades e as
indecisões, o melhor dos homens não poderla ser recompensado” (Lw. Cr.
Pef. int. [Moreton 3 : 9 ] ) .
A doutrina da regeneração e perfeição, com o resultado da doutrina da
justificação, tiveram uma carreira surpreendentemente irregular na história
cristã, tendo com frequência sido tomadas com o garantidas, em vez de
explícitamente elaboradas em uma exposição teológica satisfatória. Isso,
pelo menos em parte, foi atribuído a uma certa relutância de falar sobre a
santificação por medo de cair na hipocrisia ou, de alguma maneira, de dar a
impressão de ser hipocrisia (Zinz. Lond. Pred. 4.7 [Beyreuther 5-11:55]). Com
certeza, o clássico ideal de “bondade combinado com beleza [καλοκαγαθία]”
podia reivindicar uma continuidade de suporte dos autores cristãos e também
dos autores pagãos (Mrkrd. Off. 19 [1722:192-97]). Contudo, embora fosse
exato recorrer simultaneamente a um consenso sobre a exigência de perfeição
entre “todos os pais, todos os autores ascéticos e todos os contemplativos
aprovados pela igreja” (Fén. Gr. préd. 1.5 [Gosselin 2:173]) e, ainda assim,
concluir que não havia “o mínimo indício da [noção de perfeição imaculada
absoluta] em qualquer escritor antigo ou moderno” (Wsly. Serm. 13.3.9 [Baker
1:324]), também continuava a ser verdade que “muitos teólogos tanto antigos
quanto modernos” permaneciam estranhamente silenciosos a respeito da
doutrina da regeneração (Stod. Api. 1 [1709:34]).
Os reformadores das várias denominações que exigiam melhorias e mu-
danças, com o em períodos anteriores (veja vol. 4, p. 180-82), recorreram a uma
imagem idealizada da moralidade da igreja primitiva (veja p. 66-67 acima), na
qual “só pouquíssimos” não levavam os imperativos morais a sério (Mmchi.
Orig. ant. 3. pr. [1749-111:2]). Um resumo de um dos relativamente poucos
tratamentos positivos da riqueza na igreja primitiva, Quem é 0 homem rico que
210 ♦♦♦ A TEOLOGIA DO CORAÇÃO
e pura e nós, com o filhos de Deus, levamos uma vida santa de acordo com
ela” (Casp. Beyl. 2 [1724:35-36]; Zinz. Red. 5 [Beyreuther 1-11:66]; Zinz. Sieb.
6 [Beyreuther 2-1:55]). Contudo, também na cópia dos evangelhos dos defen-
sores da ortodoxia Jesus disse aos mestres da lei e aos fariseus “ortodoxos” de
sua época: “Se alguém decidir fazer a vontade de Deus, descobrirá se o meu
ensino vem de D eus” (Jo 7.17; Zinz. Soc. 21 [Beyreuther 1-1:211]; Zinz. Off.
red. 26 [Beyreuther 2-IV:298]). U m crítico do protestante ortodoxo (Dipp.
Hrt. 1 [1706:9]), transformando esse dito na epígrafe de um livro e o tema de
outro (Dipp. Orí. [1699]), poderia parafrasear outro dito de Jesus, no julgamento
final: “ ‘Malditos, apartem-se de mim’, vocês ortodoxos bem-intencionados,
mas malfeitores; [...] nunca ordenei que tivessem opiniões certas, mas que
fizessem as obras certas, pois esse é o fundamento para toda verdade e a
confissão desta” (Mt 25.41; Dipp. Hrt. 2 [1706:33]). Isso sugeria que na vida
e nas “obras certas” tinha de haver conformidade, mas que a doutrina e a
confissão da igreja agora se tornara pouco mais que “opiniões”.
D esde os debates da Reforma (veja vol. 4, p. 192-220,243-53) ou talvez
desde as epístolas de Paulo e de Tiago, a relação da vida e da doutrina está
enraizada acima de tudo na distinção e, ainda assim, conexão inseparável entre
as doutrinas da justificação e da santificação. William Law, em sua obra Um
chamado sério à vida devota e santa, afirmou com o fundamental o fato de que
“isso e apenas isso é cristianismo: a santidade universal em todos os aspee-
tos da vida” (Lw. Ch. ser. 10 [Moreton 4:90]). Mas ele não pretendia reduzir
o evangelho a um moralismo ignorando a redenção porque esse aspecto
fundamental era um resultado do fundamental que ele enunciara antes: “O
Filho de D eus nos redimiu para esse fim: que vivamos, por meio de uma
vida de razão e piedade, para a glória de Deus; essa é a única regra e medida
para toda ordem e condição de vida” (Lw. Ch. ser. 4 [Moreton 4:37]). Quando
Cristo disse: “A sua fé a curou!” (Mt 9.22); ele não se referia àquela fé que os
demônios também podiam ter (Tg 2.19), mas ao que Paulo descrevera com o
“a fé que atua pelo amor” (G15.6): os teólogos ortodoxos (Fil. 37. 58 [Soc. Fil.
2:105]), os pais do Concilio de Trento (veja vol. 4, p. 355-56) e John Wesley
(Wsly. Serm. 2.2.6 [Baker 1:139]), todos transformaram esse no texto favorito
para a relação resultante entre a justificação pela fé e a vida santa. Era na
verdade “consenso universal de todos que são ortodoxos” (Lang. Λ nribarb.
[1709-1:454]) (pelo menos de acordo com as definições da Reforma) que a
fé justificadora, embora “a palavra ‘justificar’ não tenha de ser entendida no
sentido moral” (Tnnt. Disc. 11 [1745:17]), ainda assim tinha de ser uma fé
viva, que produzia não só o perdão dos pecados, mas também uma renovação
Perfeição evangélica 21 3
vida cristã (Af. Lig. Gl. Mar. 1.10 [Prato, p. 235-36]). A ortodoxia oriental e o
metodismo (veja vol. 4, p. 96) se juntaram na citação dos pais da igreja pri-
mitiva em apoio “da imitação do Deus que você adora” com o central para a
vida e a adoração cristãs (Mrkrd. Off. 16 [1722:125]; Strz. Man. 5.4 [1828:218];
Wsly. Serm. 29.6 [Baker 1:635]). Por essa razão, Gilbert Tennent pôde falar
para todas as igrejas quando definiu “a imitação de Cristo” com o consistin-
do “das virtudes morais das quais a lei é uma regra, sob a qual Cristo, com o
homem, foi feito e à qual ele se conform ou perfeitamente” (Tnnt. Disc. 4
[1745:199]). William Law interpretou o tema da imitação de Cristo com o a
principal inovação que Cristo introduzira em seus preceitos morais (Lw. Ser.
Cl. 20 [Moreton 4:215]) e estava disposto a identificar a imitação de Cristo
como “o único fim de todos os conselhos, ordens e doutrinas de Cristo” (Lw.
Cr. perf. 13 [Moreton 3:216]).
A subordinação a “todas as doutrinas” — que parecería ter de incluir a
doutrina ortodoxa sobre a pessoa e a obra do próprio Cristo — ao “principal
fundamento da religião” (Lmp. Ghm. 5 [1719-1:171-259]; Frnck. Id. 42 [Pes-
chke, p. 193]), a imitação de Cristo em sua cruz e sofrimento (Zinz. Soc. 28
[Beyreuther 1-1:266]) era uma arma que podia facilmente se voltar contra a
doutrina ortodoxa. Johann Konrad Dippel, sob o pseudônimo “Demócrito
cristão”, também jurou fidelidade ao “exemplo [de Cristo] para imitação”,
uma vez que “a doutrina e as palavras de Cristo são simples e claras, sem
qualquer contradição” (Dipp. Orí. 4 [1699:34-35]). N o entanto, apenas o
que equivalia a ficar ainda mais “simples e claro” um pouco mais adiante no
mesmo tratado, quando ele identificou os ditos hereges do passado, que se
opuseram à doutrina ortodoxa, com o “aquelas pessoas inocentes que eram
com frequência excomungadas pela ‘igreja verdadeira’ ”, embora tenham
sido eles, e não a ortodoxia, “que no m odo de viver se aproximaram mais
das palavras e exemplo de Cristo” (Dipp. Ort. 7 [1699:102]). William Law
mostrou seu conhecimento desse grande perigo quando lembrou a seus lei-
tores: “Poderiamos fazer e sofrer tudo que o próprio Cristo fez ou sofreu,
contudo, se tudo não fosse feito no mesmo espírito e disposição mental de
Cristo, não teríamos nada de seu mérito” (Lw. Cr. perf. 2 [Moreton 3:33]).
Contudo, o “espírito e a disposição mental de Cristo” apresentados nos
evangelhos incluíam, com frequência em uma mistura desconcertante, os dois
elementos que a Reforma, com base nas epístolas paulinas, expôs com o a dis-
tinção entre a lei e o evangelho (veja vol. 4, p. 232-36,277-80). Uma ilustração
impressionante da dificuldade com a distinção foi a declaração mais amada dos
ensinamentos de Cristo no N ovo Testamento, o sermão do monte registrado
216 * A TEOLOGIA DO CORAÇÃO
podiam ser chamadas de boas “com respeito ao seu objeto e seu objetivo
imediato, embora não em relação a seu objetivo supremo” (Bert. A u 2. 3.2
[1747-1:403]).
Os luteranos ortodoxos (e também os jansenistas), alegando estarem
mais próximos de Agostinho que essa posição católica-romana oficial (Drnd.
Fid. vind. 1.25 [1709:81-87]), continuaram a enfatizar “a impossibilidade de
cumprir a lei” (Neum. Marp. 2.5 [1727:150]; Qnl. Clém.IX. 1.1 [1700:16]) e
a absoluta necessidade de preservar a “ordem e distinção” (Schmdt. Bcht.
[1662:5]) apropriadas entre a lei e o evangelho: “A lei não é o evangelho, e o
evangelho não é a lei” (Deutsch. Gnad. [1701:4r]). Esse princípio aplicava-se à
ética e à pregação, “mas acima de tudo e em especial à prática da penitência”
(Schmdt. Bcht. [1662:7]). O pietismo, embora os ataques desses luteranos
ortodoxos (Mayr. Anti-Spen. 5 [1695:32]) o tenham forçado a se defender da
acusação de confundir a lei e o evangelho, expressou seu protesto contra “o
abuso do texto-prova, ‘o fim da Lei é Cristo’ ” (Spen. Beant. 4.14 [1693:208-
9]; Rm 10.4), com o se não houvesse imperativo na doutrina da graça para se
levar uma vida de acordo com a lei de D eus (Frnck. Pred. Trin. 18 [1699:4];
Zeis. Unver. Gew. [1696:19]). N ão era de m odo algum “um paradoxo” falar
sobre “a lei do evangelho” (Stngr. Ges. [1693:9]).
O conceito do N ovo Testamento de “consciência [συνειδησις]” (Jo 8.9;
Beng. Gnom. Jo 8 [Steudel, p. 364-65]) ou, com o denominou um pensador
ortodoxo oriental, “a consciência do indivíduo” (Strz. Man. 1.2 [1828:13]) —
a despeito de sua ausência dos evangelhos, exceto por uma leitura variante
na perícope que era ela mesma suspeita da perspectiva textual — provou ser
um recurso útil para a internalização do imperativo ético com o um elemen-
to integral da “teologia do coração”. Dizia-se, no vocabulário psicológico
técnico da época (Beng. Gnom. lT m 1:5 [Steudel, p. 829]), que o alicerce da
consciência estava no intelecto, enquanto que o do amor estava no coração
(Ag. Conf. 10.27.38 [C O A 27:175]); a consciência, conforme demonstrou o
exemplo de Agostinho, estava sujeita a exame com base no amor (Fén. Let.
div. [Gosselin 1:144]). N ão obstante, a convocação autêntica à conversão e
à transformação moral, por contraste com a “hipocrisia” da conformidade
externa, era dirigido tanto ao “seu coração quanto a sua consciência” (Frnck.
Pred. Epiph. 5 [1700:24-25]; Frnck. Pred. Sexag. [1699:47]). O termo foi usado
de diversas maneiras também pelos escritores bíblicos (Mrck. Comp. 13.13
[Velzen 18:272]). Parecia que a “consciência”, na literatura teológica anterior,
referia-se principalmente a questões de casuísticas, com o no usual título de
livro Sobre casos de consciência [De casibus conscientiaé\ (Pff. Hist., teol. 5.3 [1724-
Perfeição evangélica ♦♦♦ 219
111:353-57]), e o termo, a despeito da crítica do uso (Zinz. Hom. 27 [Beyreuther
3-1:279]), ainda era empregado dessa forma (Drnd. Diss. 2.9 [1703:134-38]),
formando o capítulo inicial de Teologia moral (Af. Lig. Teol. mor. 1 [Gaudé 1:3-
70]); mas agora passara a ser uma “palavra que está na boca de todos” (Wsly.
Serm. 12.3 [Baker 1:301]) por meio do difundido uso da expressão “apelo à
consciência” e, para muitos pensadores (Baum. Pred. 1.12,1.1 [Kirchner 1:427,
27]), substituía o argumento cosm ológico e outras provas tomísticas para a
existência de D eus (Wer. Mise. 15.6 [Ryhinerus 2:269]; Ost. Cat. [1747:14]):
“a lei moral no íntimo do ser” era uma evidência mais decisiva que “o céu
estrelado acima” (Knt. Krit. pr. Vern. 2.con. [Cassirer 5:174]).
Para alguns, na verdade, a voz interior da consciência corria o risco de
suplantar todas as autoridades morais exteriores; “o único tribunal de Deus
foi erigido aqui na terra”, de acordo com Matthew Tindal, “está na própria
consciência de cada hom em ” (Tin. Cr. 9 [1730:106]). Se era incumbência
de “todos investigar o livro de sua própria consciência” (Frnck. Pred. Trin.
2 [1699:53]), qual tinha de ser a relação desse livro da consciência com os
outros livros e as outras autoridades, em especial para a igreja e a lei? Embora
“haja uma autoridade, tanto no poder civil quanto no eclesiástico, para impor
coisas neutras [...] nenhuma autoridade além da de Cristo pode alcançar a
consciência” (Brnt. Rom. [1688:33]), afirmou um teólogo anglicano. A “liber-
dade de consciência” era um direito inviolável do indivíduo na igreja (Zinz.
Gem. 13 [Beyreuther 4-1:219]), uma corte de apelação contra as declarações
de um papado infalível, uma “luz” (Span. Cont. [Marck 3:744]) inextinguível
em face da perseguição pela Igreja ou pelo Estado (Byl. Com.phil. 2.1 [1713-
1:255]). Contudo, quando o conteúdo da consciência foi comparado com o
conteúdo da lei natural (Strz. Man. 3.1 [1828:84]) e sua função foi definida
como a de “determinar, com base na razão, em relação à conformidade ou
oposição dos atos do indivíduo com a lei de D eus” (Amrt. Teol. eclec. 3.2. prol.
[1752-1-111:75]), isso indicava que a consciência, em algum sentido, estava
subordinada à autoridade da lei divina ou até mesmo à lei humana (Ost. Eth.
1.2.2 [1727:52]; Drnd. Diss. 2.1.3 [1703:116]) e que, por conseguinte, uma
consciência falha continuava precisando de instrução (Af. Lig. Teol. mor. 1.1.4
[Gaudé 1:4]). “Seria ridículo”, observou um teólogo, “se um ateu tivesse
de eleger com o sua autoridade uma consciência que o obriga a ensinar um
ateísmo que ele considera verdade. Pois que consciência pode existir onde
Deus não é reconhecido?” (Wer. Mise. 14.1 [Ryhinerus 2:242]).
A consciência, portanto, tinha uma dupla função: com o uma “regra”
para a vida (Ost. Eth. 1.2.1 [1727:43-44]), mas também com o um “julgamen-
220 ♦ ♦% A TEOLOGIA DO CORAÇÃO
com a adoração da igreja (Edw. Brnrd. 7 [Miller 7:333]), mas para identificar
o “espírito” com o o “Espírito Santo” de fato presente na igreja (Strz. Man.
7.1 [1828:297]). Essa presença na igreja — que, sob circunstâncias incomuns,
podia até mesmo tomar a forma de uma “inspiração do Espírito Santo” na
eleição de um papa (Cmrda. Const, ap. 2.13 [1732:147]) — manifestava-se
comumente de maneiras muito mais humildes. Assim, a espiritualidade que
interpretava o propósito da relação entre D eus e a alma com o a aniquilação
do ego podia irromper em uma petição ao “Espírito Destruidor” (Fén. Man.
piét. 5.2 [Gosselin 6:54]) (como uma contraparte do “Espírito Criador” [Anal.
Hymn. 50:193-94], ainda sendo invocado na linguagem dos hinos religiosos
medievais) (Poir. Teol. cr. pr. [1690-I:B5v]).
Por conseguinte, a doutrina do Espírito Santo, em qualquer “transposição
afetiva da doutrina cristã”, estava obrigada a ocupar a posição central. Enquan-
to em Londres, durante o ano de 1752, o autor de duas extensas transposições
da ConfissãoAugsburg nesse estilo transmitido em uma série de quinze sermões
fundamentados na exposição do “terceiro artigo” do Credo dos Apóstolos
no Catecismo menor ào. Lutero (Zinz. Lond. Pred. 1.1-15 [Beyreuther 5-1:3-146])
(o credo fora dividido ali não em doze artigos, um para cada apóstolo, com o
na igreja primitiva [Rufin. Symb. 2 ( CCSL 20:134-35)], mas em três, um para
cada pessoa da Trindade) (Lut. Kl. Kat. 2.5-6 [Bek., p. 511-12]). Era, insistiu
ele em outro lugar, um erro “considerar mais importante o que acontecera no
Pentecoste [...] que o que todo filho de D eus sempre experimenta com o uma
posse certa no seio do Espírito Santo” (Zinz. Zst. 36 [Beyreuther 3-11:292-93]).
Seria possível dizer que a posse desse filho de D eus pelo Espírito Santo era
um dom maior “que a posse do Filho do próprio D eus” (Fén. Man.piét. 5.15
[Gosselin 6:67]). A perda do Espírito Santo e o pecado contra ele — que, de
acordo com os evangelhos (Mt 12.31; Mc 3.29), era o único pecado que não
podia nunca ser perdoado — não foram esvaziados de seu sentido histórico
(Tin. Cr. 7 [1730:73]), mas permaneciam, com o sempre, com o uma grave
ameaça (Stod. Gd. Cr. [1714:14-15]). A “dependência contínua do Espírito
de Deus, recebendo de mom ento a m om ento o que o agrada nos conceder”
era a chave para o uso humano salutar do tempo (Fén. Inst. 1 [Gosselin 6:72]).
Era o uso divino do tempo que fundamentava o uso humano dele. “Como
Deus Pai propôs da eternidade conferir benefícios salvíficos ao eleito no de-
vido tempo, também o Filho de Deus, em consequência disso, comprou-os
por intermédio de seu sangue e obediência; e o Espírito Santo aplica no
devido tempo esses mesmos benefícios aos herdeiros da salvação” (Tnnt.
Disc. 1 [1745:7]). Fica evidente a partir desse esquema trinitário, com o qual
A experiência do Espírito Santo 225
Gilbert Tennent iniciou sua obra Discursos sobre diversos assuntos importantes
— e também a partir de outros tratamentos contemporâneos da doutrina
da Trindade, incluindo suas próprias exposições da controvertida “vírgula
joanina” (Tnnt. Serm. 23 [1744:449-65]) — que nesse período o principal foco
da doutrina do Espírito Santo, com o na verdade da doutrina da Trindade
no todo, estaria na atividade “econômica” do Espírito Santo no tempo e na
história (Zinz. Land. Pred. 5.11 [Beyreuther 5-11:275]), em vez de — com o
estivera nas controvérsias trinitárias do século IV (veja vol. 1, p. 221-34) e,
mais uma vez, no conflito entre o Oriente e o Ocidente a respeito do Filioque
(veja vol. 2, p. 202-16) — principalmente no elo eterno e ontológico entre o
Pai, o Filho e o Espírito Santo.
Essa nova consciência da atividade do Espírito Santo sugeria a crítica de
que, com o uma consequência de um racionalismo e tradicionalismo excessivos
nas discussões da doutrina cristã (Terst. Abr. 2.8.4 [Becher 2:229-30]), “essa
grande verdade evangélica [sobre o testemunho do Espírito Santo] [...] fora
durante muitos anos quase esquecida” até agora ser, por fim, “recuperada” e
“confirmada pela experiência” dessa geração (Wsly. Serm. 11.1.4 [Baker 1:285-
86]). N ão obstante, essa crítica ainda era expressa em uma estrutura trinitária
ortodoxa, estrutura essa que estava preocupada em localizar a doutrina do
Espírito Santo nas “doutrinas santas e peculiares do evangelho” (Wsly. Serm.
30.16 [Baker 1:657]). Por conseguinte, esse método de enfatizar a experiência
do Espírito Santo — para a qual, no catolicismo-romano, Teresa de Ávila,
“santa Teresa de Jesus”, pôde servir com o “aquele celebrado doutor da ver-
dade do Espírito” (Arb. Des. mjst. 3.8 [1764:447]) ■— ainda incluía, também
além do catolicismo-romano, a insistência de que o epíteto “espiritual”,
no uso bíblico, não se referia à relação de pessoas ou coisas com o espírito
humano, mas à relação delas com Deus, o Espírito Santo (Edw. A f. rei. 3.1
[Miller 2:198-99]).
O com ponente polêmico dessa insistência manifestava claramente o
reconhecimento de que uma definição totalmente imánente de “espírito” e,
portanto, um entendimento antropocêntrico de “experiência” e, em última
análise, de “Espírito Santo” podia ameaçar engolfar a experiência do Espí-
rito Santo em uma subjetividade não diferenciada. Como resultado, mesmo
com o lembrete de que a comunhão do Espírito Santo era “interna” para a
experiência humana (Poir. Oec. div. 5.1 [1705-11:331]) e a admoestação de que
a mente e o espírito humanos tinham de estar preparados para essa comuni-
cação (Lw. Cr.petf. 9 [Moreton 3:138]), a prioridade da “fonte de vida e ação
divinas sobrenaturais” tinham de ser reconhecidas (Edw. A f. rei. 3.1 [Miller
226 ♦ ♦♦ ♦ A TEOLOGIA DO CORAÇÃO
da pessoa que a recebera (Amrt. Rev. 1.22 [1750:134]), ela também, por sua
vez, não podia passar a ser um objeto de fé (Amrt. Teol. eclec. 4.2.1.1 [1752-1-
IV: 11]). O protestantismo negava à igreja e a sua tradição qualquer autoridade
compulsória para interpretar a Escritura, enquanto o catolicismo-romano e a
ortodoxia oriental afirmavam precisamente essa autoridade para a tradição;
ainda assim, todos concordavam que qualquer suposta nova revelação tinha
de ser avaliada contra a autoridade da palavra revelada de Deus, que ela não
ousaria contradizer (Mayr. Red. 14 [1702:769]; Amrt. Rev. 2. pr. [1750:149]).
Assim, a questão normativa era inevitável na avaliação não só das supostas
revelações privadas, mas até mesmo da experiência do Espírito Santo em
formas menos dramáticas e menos controversas.
A inevitável questão normativa era: será que os devotos da teologia do
coração “punham suas experiências no lugar de Cristo”? (Edw. Af. rei. 3.2
[Miller 2:251]) Quando Zinzendorf disse: “N ão é necessário discutir se o
ensinamento de Jesus é verdade ou não, pois ele me dá paz e não peço nada
mais” (Zinz. Soc. 14 [Beyreuther 1-1:147]), será que isso provava que ele e
seus seguidores elevaram “a experiência, o afeto e a piedade” acima dos
“princípios” (Tnnt. Nec. 3 [1743:61])? O conhecimento da Escritura por
ela mesma não era suficiente “se o Espírito de D eus não habitar em você”
(Frnck. Pred. Inv. [1699:35]; Beng. Gnom. pr. 4 [Steudel, p. xix]). Era a tarefa
do pregador proclamar “a verdade de Deus com toda fidelidade e clareza”,
mas só fazer isso “quando eu mesmo vier a reconhecer a verdade da palavra
de D eus por meio da graça e iluminação do Espírito Santo e quando tiver
experimentado a utilidade e bênção dela em minha própria alma” (Frnck. Pred.
pr. [1700:B4v]). Foi dito que o testemunho interior do Espírito Santo é um
pré-requisito necessário para a aceitação da “autoridade divina” da Escritura
(Tnnt. Serm. 3 [1744:61-85]), uma vez que esse testemunho podia iluminar e
confirmar a consciência e o coração. D esse modo, o testemunho interior se
tornaria ele m esmo “o critério de verdade” (Beng. Gnom. Rm 9:1 [Steudel, p.
586]). O Espírito Santo ainda opera externamente “por meio da proclamação
da palavra de D eus”, mas “isso acontece principalmente por intermédio dos
movimentos internos do coração” (Baum. Pred. 1.3 [Kirchner 1:83]; Terst.
Bros. 2.5 [Becher 4:181]). O N ovo Testamento fala sobre uma “unção que
procede do Santo” e da “unção que receberam” (ljo 2.20,27); mas, para al-
guns, isso indicava “uma docilidade sem restrição e uma submissão absoluta
em relação à igreja visível” (Fén. Aut. égl. [Gosselin 1:213]), enquanto para
outros, referia-se principalmente a “um ensinamento e unção interiores do
Espírito Santo” (Lw. Dem. er. [Moreton 5:20]).
232 ♦♦♦ A TEOLOGIA DO CORAÇÃO
A frase “a teologia do coração” podia não ser nada mais que uma figura
de linguagem particularmente vivida para a demanda dos “santos [ortodo-
xos] da experiência” (Arb. Des. mjst. 1.7 [1764:53]) e os doutores da igreja
em todas as eras de que uma teologia que permanecesse uma letra morta
fechada em tomos nas prateleiras da biblioteca (Ag. Spin et. lift. 17.30-26.46
[CSEL 60:183-201]), em vez disso deveria ser “escrita não com tinta, mas
com o Espírito do D eus vivo, não em tábuas de pedra, mas em tábuas de
corações humanos” (2Co 3.3). N o entanto, o conceito, uma vez invocado,
não podia continuar a conseguir urna vida e uma identidade suas mesmas,
levando a conclusões teológicas que ultrapassavam — ou de vez em quando
iam contra — a doutrina eclesiástica recebida. John Wesley descreveu com o
“a experiência dos filhos de D eus — a experiência não de dois ou três nem
de alguns poucos, mas de uma grande multidão que nenhum hom em con-
segue contar” serviu “para confirmar essa doutrina escriturai” (Wsly. Serm.
11.3.6 [Baker 1:290]); mas quando ele prosseguiu para acrescentar que “isso
é confirmado pela sua experiência e pela minha”, ele tentava deixar claro
que embora não subestimasse a evidência da tradição, essa evidência fora
“enfraquecida pela extensão de tem po”, pelo contraste com a “evidência
interior” da experiência pessoal, que era “igualmente forte, igualmente nova
ao longo do curso de mil e setecentos anos” porque “ela passa agora, com o
faz desde o inicio, diretamente de D eus para a alma do cristão” (Wsly. Rei.
cl. 3.1 [LPT, p. 191]).
Por essa razão, um tratado do século XVIII pôde iniciar com a definição:
“O estudo da teologia é o cultivo da alma sob a orientação graciosa do Espí-
rito Santo” (Frnck. Meth. 1.1 [1723:1]), enquanto outro pôde encerrar com a
descrição do conflito entre o fascínio da “infidelidade e ateísmo” e o poder
de uma “religião experimental \experientia!\ e poderosa” (Edw. A f. rei. 3.12
[Miller 2:461]). A “filosofia experimental” atual encontrara sua contraparte
em uma teologia genuinamente experimental (Zinz. Soc. 9 [Beyreuther 1-1:98-
100]); pois “independentemente dos livros que os homens lessem, há grande
necessidade de conhecimento experimental em um ministério” (Stod. Gd. Cr.
pr. [1714:.ix]). Só isso era “a religião verdadeira, escriturai e experimental”
(Wsly. Serm. pr. 6 [Baker 1:106]). Os livros, para um número cada vez maior
de pessoas, não eram o lugar para examinar nem o era o recurso da teologia
acadêmica, para o entendimento autêntico da mensagem cristã. Um reforma-
dor da igreja, da educação e da teologia, ao falar para esse número cada vez
maior de pessoas, declarou que estava na hora de mudar: “O m étodo mais
provável para prover a igreja com um ministério fiel, na atual situação das
A experiência do Espírito Santo
♦>
coisas, com as academias públicas, em geral, tão corrompidas e maltratadas,
é incentivar as escolas ou seminários privados de aprendizado, sob o cuidado
de cristãos habilidosos e experientes; nos quais só seriam admitidos quem,
sob exame severo, apresentassem, no julgamento de uma virtude razoável,
as claras evidências da religião experimental” (Tnnt. Dang. [1742:11]).
Esse chamado ainda estava a uma considerável distância — mas, no jul-
gamento de muitos, em uma linha reta — de uma redefinição mais drástica da
própria natureza da doutrina cristã que passaria da hermenêutica “gramatical”
para a “psicológica” (Schl. Herm. 2.1 [Reimer 7:143-44]) e estruturaria o caráter
“experimental” da doutrina constitutiva. Essa redefinição não teria de excluir
outras e mais antigas formas de definir a doutrina com base na autoridade
da Escritura e a tradição em conjunção com o testemunho da razão. Mas
podia tentar pôr a teologia experimental em pé de igualdade com a teologia
bíblica ou com a teologia confessional e, depois, transpor ambas para a nova
chave. Se fosse possível demonstrar, exegética e historicamente, que “todas
as proposições que o sistema de doutrina cristã tem de estabelecer pode ser
considerado ou com o descrições da condição humana, ou com o concepções
dos atributos e m odos de ação divinos, ou ainda com o pronunciamentos em
relação à constituição do mundo” e, além disso, que “todas as três formas
sempre subsistiram lado a lado uma com a outra” (Schl. Chr. gl. 30 [Redeker
1:163-65]) tanto na Escritura quanto na tradição da igreja, o caminho estava
aberto para um método de exame e exposição da doutrina cristã em que o
primeiro deles, “a descrição direta das próprias afeições religiosas” — com o
devido respeito ao segundo e ao terceiro m odos de falar dela — se tornaria
determinante. E, então, “a teologia do coração”, ao pôr em prática “uma
transposição [totalmente] afetiva da doutrina cristã”, recebería verdadeira-
mente o que lhe é devido.
4
A realidade de Deus
O s defensores da fé, “contra o pano de fundo desses escombros de
todas as doutrinas da religião”, concentraram-se na “existência de D eus”
com o “essa grande e sublime verdade” (Lam. Indiff. 5 [Forgues 1:102]) da
qual tudo o mais dependia, com o “o fundamento da religião natural” (Hdge.
Darw. [1874:3]), mas também com o “o mesmo fundamento” para a fé (Jam.
Sac. hist. 3.1 [1802-11:2]); pois “a igreja ortodoxa [do Oriente] começa todo
seu ensinamento sobre D eus no Credo [Niceno] com a palavra: ‘Creio’ ”
(Mak. Prav. bog. 9 [Tichon 1:66]). A religião podia ser definida com o “uma
persuasão íntima e constante da existência de Deus, criador do universo,
legislador e supremo juiz da humanidade” (Tor. Car.lA [1779-1:11]); e mais
uma vez com o “o conhecimento de D eus, da sua vontade e das nossas obri-
gações em relação a ele” (Newm. Grani. 2.10.1 [Ker 1985:251]). N o início
do desenvolvimento teológico protestante do século X IX um importante
tratado apologético, rejeitando a ficção de que o cristão religioso não sabia
nada a não ser a um simulacro de realidade, definia o cristão, ao contrário,
com o uma “realidade que conhece a realidade” (Schl. Rei. [1806] 2 [Punjer,
p. 49]). Um século depois, dois dos resumos do resultado desse desenvolví-
mento (Hrmnn. Wirk. [1914]), um de um protestante liberal e outro de um
católico-romano liberal, foram devotados “à Realidade de Deus, à presença
de D eus em nossa vida, com o no grande mundo de realidades a nossa volta,
de Deus, uma Realidade, a Realidade” (Hug. Real. int. [Gardner, p. 14]). A
questão era: “Será que a fé em D eus ainda faz sentido?” (Sod. 77. 3 [Stolpe, p.
146]). U m apologético católico-romano deu o título “A existência de Deus”
a um dos capítulos mais importantes de sua obra (Lam. Indiff. 14 [Forgues
2:35-70]). “Contemplamos em [Deus] a realidade pura, perfeita e apropriada”
(Clrdge. Log. 2.1.25 [Coburn 13:129]): o infinito pelo o qual o espírito humano
ansiava e aspirava só podia ter sua realidade na realidade de Deus, o ponto
de partida e o ponto de chegada para todo esforço humano (Khns. Dogm.
242 ♦ V 0 S FUNDAM ENTOS d a c o s m o v i s ã o c r is t a
sutis” (Clrdge. Rev. rei 1 [Coburn 1:93]) nem de “aparato científico” (Blms.
Escép. 3 [Casanovas 5:265]) e contra o qual “os argumentos engenhosos
[...] podem nos deixar perplexos, mas nunca convencer” (Clrdge. Rev. rei. 1
[Coburn 1:93]). Ainda assim, continuava a haver “argumentos engenhosos”
suficientes do lado dos oponentes, igualados por uma quantidade não menor
de “argumentos refinados ou sutis” do lado dos defensores. Foi no sécu-
lo X IX que as Palestras Gifford foram instituídas na Escócia protestante
“para ‘promover, avançar, ensinar e difundir o estudo da teologia natural’
no sentido mais amplo do termo, em outras palavras, o conhecim ento de
Deus, o Infinito, o Tudo” (Gffrd. Trst. [Jaki, p. 72-73]). Também no sécu-
lo X IX , mas no catolicismo-romano, a validade racional da teologia natural
na demonstração da existência do próprio Deus, pela primeira vez, passou
a ser o assunto explícito de definição dogmática em um concilio da igreja
(embora ela também estivesse “pressuposta” nas definições anteriores) (Rm
1.19,20) quando o Primeiro Concilio Vaticano, citando o que o protestantis-
mo ortodoxo denomina “locus classicus” da teologia natural (Grh. Loc. 2.4
[Cotta 3:54]), declarou antes de prosseguir para especificar o conteúdo da
revelação divina: “A santa Madre Igreja sustenta e ensina que Deus, o princípio
e o fim de todas as coisas, pode ser com certeza conhecido \cognosci\ pela luz
natural da razão humana a partir das coisas criadas” (CVat. [1869-70] 3.2, 3.4
[Alberigo-Jedin, p. 806, 808]). Em outras palavras, a revelação autoritativa
afirmava que a revelação não era a única maneira de conhecer a realidade de
Deus. Essa noção era dirigida contra os filósofos que, sem negar a existência
de D eus com o tal, negavam que a razão pudesse prová-la (veja p. 176 acima),
e contra os teólogos que, às vezes fundamentados nesses filósofos, atribuíam
à revelação divina apenas a capacidade de guiar a conhecimento válido de
Deus. N esse cenário, as provas tomistas para a existência de Deus com base
no movimento e causa desfrutaram de um novo ressurgimento de interesse e
elaboração com o a pressuposição da teologia doutrinai no catolicismo-romano
(Prn. Prael. 2.3.1 [1877-111:228-45]).
N a teologia protestante, também houve um esforço contínuo de ar-
gumentar em favor da doutrina de “evidência puramente natural” (Krth.
Cons. ref. pr. [1871 :vii]) e também da revelação, de atribuir a fé “a uma causa
original divina porque não era possível encontrar uma causa adequada para
ela” (Chan. Evid. rev. [AUA, p. 226]) em outro lugar, e de afirmar a “racio-
nalidade” das “afeições [humanas] em relação a um Ser invisível” (Wilb. Pr.
vi. 3 [1798:76-88]), mas com frequência com o acréscimo da estipulação de
que “aqui a esperança cristã, não menos que em outros particulares, é en-
246 OS FUNDAMENTOS DACOSMOVISÃO CRISTA
26:1032]), do número de servos que lutaram por Abraão [Gn 14.14]), “315
eram gregos e 3 romanos”. Respondendo às críticas (Camp. Prd. 14.1.1837
[1875:45]), que alegavam que a mensagem cristã, por intermédio da homoousios
e do dogma da Trindade, fora corrompida pela introdução de uma “camada
[estranha] de conceitos metafísicos” derivava da filosofia natural dos gregos
(Rtl. Teol. met. 3 [1887:29]), m esmo seus defensores tiveram de garantir que o
homoousios era “o único exemplo de uma palavra científica sendo introduzida
no Credo daquele dia até hoje” (Newm. Gram. 1.5.3 [Ker 1985:97]), pratica-
mente todo o resto da linguagem do credo é de origem bíblica. Em relação
“à dialética de todo o movimento histórico do dogma” entre as passagens
de distinção e as passagens de identidade (Thom. Chr. 13 [1856-1:82]), o
homoousios vinha claramente ao lado das últimas; portanto, nessa fórmula, “o
padrão do desenvolvimento do dogma da divindade de Cristo alcançou o
ponto alto da direção rumo à qual ele tendera desde o início e além da qual
era impossível ir, a saber, a tendência de identificar o Filho com o Pai tão
completamente quanto possível” (Bau. Chr. 4 [Scholder 3:361]).
Os apoiadores ortodoxos orientais da pura tradição dogmática e credal
do Concilio de Niceia apresentaram o dogma da Trindade com o o princípio
especulativo fundamental do cristianismo (Slv. Bogo. 6 [Radlov 3:76]) e ata-
caram o Ocidente por adulterar o texto do Credo N iceno, em particular ao
inserir a doutrina do Filioque (Mak. Prav. hog. 43 [Tichon 1:284-88]). O teste-
munho patrístico sobre o Filioque, conforme os teólogos ocidentais também
tiveram de reconhecer, era na melhor das hipóteses questionável (Vnzi. Rec.
2.12 [1864-11:167]), embora eles continuassem a defendê-lo contra o Oriente
(Marc. Inst. 17.16 [Tomassini 3:142-49]); os teólogos orientais tentavam às
vezes argumentar, mesmo a partir da linguagem firme do décimo quinto
volume de Sobre a Trindade (Ag. Trin. 15.27.48 [CCSL 50:529-30]), que a per-
cepção de Agostinho da processão do Espírito também era ambígua (Fil. Ent.
[Sondakoff, p. 32-34]). “O Espírito Santo”, insistiam os teólogos orientais,
“procede apenas do Pai” (Jer. Niz. Inst. [1864:146]) ontologicamente e na
eternidade, embora o “envio econôm ico” ou histórico do Espírito fosse de
fato também do Filho (Chom. Crk. 7 [Karsavin, p. 28-29]; Fil. Ent. [Sonda-
koff, p. 27-28]). Entrementes, os protestantes antitradicionais viam o Credo
N iceno com o “o primeiro documento do tipo conservado nas páginas da
história da Antiguidade”; com ele “começara o reinado dos credos” (Camp.
Rce. 6 [Gould, p. 796]). Os protestantes cuja tradição confessional incluía
uma aceitação explícita da autoridade do Credo N iceno e de seu dogma da
Trindade (veja vol. 4, p. 220-22) defenderam esse dogma contra a acusação
O Criador do céu e da terra Λ 259
acordo com a qual o mundo criado era distinto de seu Criador (Lacrd. Conf.
45 [Poussielque 4:255-79]; Drnr. Sjst. 34 [1879-1:459]; Pal. Nat. teol. 23 [Way-
land 4:271]) e “a ação perpétua de Deus nas linhas de causas na natureza”
(Bush. Nat.9 [1858:254]) era distinta da atividade da natureza com o tal, uma
doutrina que distinguía “claramente entre um Deus onipotente na natureza
e um Deus idêntico a ela” (Holb. Evol. Scr. 8 [1892:239]). Dessa distinção
dependiam os fundamentos da visão cristã de mundo com o a distinção entre
a alma e o corpo (Mhlr. Ath. 2 [1827-1:150-51]), a doutrina da encarnação
(seria impossível e também desnecessária se o panteísmo estivesse correto)
(Slv. Bogo. 1 1 /1 2 [Radlov 3:152]; Slv. Duch. osn. 2.1.5 [Radlov 3:334]) e, em
última instância o dogma mesmo da própria criação.
Esse “dogma da criação” era “uma ideia que separa totalmente [os
cristãos] dos idólatras” (Lacrd. Conf. 41 [Poussielque 4:140-41]). A despeito
das objeções tomistas, o esforço de Agostinho para afirmar a autonomia de
Deus ao apresentar uma criação simultânea de todas as coisas em um instante
(veja p. 128 acima), em vez de em seis dias de 24 horas cada um continuava
a encontrar apoio, talvez ainda mais porque durante o século XIX, a ciência
estava substituindo os seis dias do relato de Gênesis por éons (Marc. Inst.
20.1 [Tomassino 3:279-83]); tanto os que ensinavam uma criação instantânea
quanto os que agora ensinavam uma evolução gradual, com efeito, liam os
seis dias de forma alegórica. N a visão de mundo bíblica, “a ideia do Criador”
era uma pressuposição fundamental “para a existência, sim, para a própria
concepção da existência, da própria matéria” (Clrdge. Const. 1.1 [Coburn
10:20]). Embora a doutrina da criação implicasse necessariamente a doutrina
de Deus, e as duas doutrinas fossem corolários inseparáveis, elas não eram
doutrinas idênticas (Hdge. Sist. teol. 3.19.8 [1981-111:322]), com o se a cria-
ção fosse atribuída não “à soberania absoluta”, mas “a uma necessidade da
natureza na manifestação da bondade divina” ([am. Mc. 2 [1787:39]). Essa
insistência na soberania e autonomia de Deus, o Criador, tinha adquirido,
na história da doutrina cristã já durante o período patrístico (veja vol. 1, p.
55-57), a forma da definição de criação “com o criação do nada \creatio ex
nihilo]” (Doll. Gnos. 10 [1890:132-57]), uma ação divina livre que acontecera
sem arquétipo, sem juiz (Camp. Ευ. 3 [Owen, p. 50]; Bau. Chr. 3 [Scholder
3:185-88]) e sem “cooperação entre D eus e uma determinada substância
inferior que é coeterna com D eus” (Lacrd. Conf. 47 [Poussielque 4:314]).
John Toland, que parece ter cunhado o termo “panteísta”, em sua obra
Panteísticon, de 1720, saíra contra a “criação do nada” com o uma teoria que
nem os cabalistas judeus nem os filósofos gregos reconheciam (Tol. Pan.
O Criador do céu e da terra ♦♦♦ 263
1.15 [1720:40]), mas ele sustentava que “não [estava] contradizendo a cos-
mogonia mosaica” quando chamava Deus de “a causa eterna do mundo
eterno” (Tol. Pan. 1.4 [1720:8-9]). N o entanto, essa “cosm ogonia mosaica”,
junto com as outras narrativas bíblicas, descrevendo, com o fazia, a criação
do céu e da terra e sua estrutura contínua agora era caracterizada com o um
mito (veja p. 296-305 abaixo), em vez de um relato científicamente crível
da origem do mundo e da raça humana. Os exegetas ortodoxos orientais,
católicos-romanos e protestantes juntaram-se na defesa da historicidade da
narrativa (ou narrativas) da criação nos primeiros capítulos de Gênesis (Mak.
Prav. bog. 72 [Tichon 1:41η; Ub. Int. 1.1.38.int. [1886-1:672-73]; Hdge. Sist.
teol. 2.7 [1981-11:123-24]); sem esse relato, as doutrinas cristãs abrangendo as
doutrinas dos anjos (Mak. Prav. bog. 52 [Tichon 1:351]) e do pecado original
(Ub. Int. 1.1.38 [1886-1:696]) até a da ascensão de Cristo e de sua volta para
julgar pareciam estar em perigo (Mynst. Praed. 34 [1845-ΙΙ:η).
Outro recurso para enfrentar essa ameaça era abolir, ou pelo menos
obscurecer, a distinção da teologia convencional entre a criação e a preser-
vação. Tradicionalmente, “criação” fora o termo para a instituição original
do universo a partir de nada “no princípio” (Gn 1.1), enquanto “preserva-
ção” ou “providência” era o termo para a atividade contínua do Criador na
manutenção do universo (Trtn. Inst. 6.1.1 [1688-1:539]) desde então: Deus
era o “Criador, Preservador e Ordenador de todas as coisas” (Blms. Rei. 2
[Casanovas 5:7-8]). D e acordo com Basilio de Cesareia (Bas. Spin8.19 [SC
17b:139]), conform e citado pelos teólogos modernos do Oriente, “toda a
natureza criada, tanto esse mundo visível quanto tudo dele que é concebido
na mente, não podem ser mantidos juntos sem o cuidado e a providência de
D eus” (Mak. Prav. bog. 96 [Tichon 1:515]); Deus, com o “o Criador perfeito”
do mundo, era ao mesmo tempo seu “curador perfeito” (Hrth. Thrsk. 2.1
[1895:27-28]). Agora se sugeria que o autêntico “conteúdo da expressão
original” de fé podia “ser desenvolvida de uma das duas doutrinas”, quer
da criação quer da preservação, uma vez que as duas, quando consideradas
em seu pleno sentido, tendiam a tornar a outra “supérflua” (Schl. Chr. gl.
38 [Redeker 1:190-93]). Lutero, em seu Catecismo menor, explicou o primei-
ro artigo do Credo dos Apóstolos, “Creio em D eus Pai, Todo-poderoso,
Criador do céu e da terra” (Symb. Apost. [SchaflF 2:45]), com o sentido de
“Creio que D eus criou a mim e a todas as criaturas” (Lut. Kl. Kat. 2.2 [Bek.,
p. 510]) — não do nada nem no princípio, mas por meio de uma “criação
contínua” que os dogmáticos da igreja preferiram denominar “preservação”.
N ão obstante, embora possa ser útil distinguir entre providência “especial”
26 4 ♦♦♦ OS FUNDAM ENTOS DA COSM OVISÃO CRISTA
A imagem divina
Tanto a criação quanto a providência eram expressões da “econom ia” e
“ordem” divinas, afirmavam os teólogos ortodoxos orientais (Mak. Prav. bog.
120 [Tichon 1:597]), mas isso era expresso acima de tudo por intermédio da
“imagem divina e semelhança no hom em ” (Hrth. Es. 45:18 [1883:418]; Mak.
Prav. bog. 82 [Tichon 1:453-58]). D e acordo com o tratado de Atanásio, Sobre
a encarnação do Verbo (Atan. Ene. 13 [Cross, p. 19-21]), por essa razão, o Logos
na Trindade era identificado “com o a imagem divina de acordo com a qual
o homem foi criado. ‘Então, o que será que D eus tem de fazer?’, pergunta
Atanásio, ‘ou o que tinha de ser feito além da renovação daquele que era a
imagem de D eus para que os homens, por meio disso, pudessem mais uma
vez conseguir conhecê-lo? Mas com o isso aconteceria se não pela presença
da própria imagem de D eus, nosso Salvador Jesus Cristo?’ ” (Mak. Prav. bog.
126 [Tichon 2:22]). Atanásio afirmara em outro lugar que “embora fossemos
criados segundo a imagem de D eus e sejamos chamados imagem e glória de
D eus” (Atan. Mr. 3.10 \PG 26:344]), o verdadeiro sentido e conteúdo desse
título só podia ser aprendido por meio da consideração do Logos com o “a
verdadeira imagem e glória de Deus, que, depois, por nossa causa se tornou
carne para que tivéssemos o dom dessa apelação” (Wlb. Inc. 3 [1849:73]). Os
teólogos do século X IX estavam citando declarações de Atanásio com o essa
para mostrar a conexão estreita entre a doutrina do homem com o criado à
imagem divina e a doutrina do Logos com o a imagem divina segundo a qual
o homem foi criado. João de Damasco enfatizou a “inteligência [το νοερόν]”,
o “livre-arbítrio [αυτεξούσιον]” e a “virtude [αρετή]” (Jo. D. F. 0. 26 [Kotter
2:75-77]) com o os componentes da imagem e suas definições desses três com-
ponentes continuam a ser citados com o doutrina ortodoxa (Jer. Niz. Inst. T
[1864:411]; Hrth. Thrsk. 1.3 [1895:15]); aimagem consistía da razão e espirito
humanos (Blach. Log. 1 [1882:15]). Mas todas essas qualidades encontraram
sua expressão mais plena no Logos com o “a imagem substancial de D eu s”
(Feod. Prav. 3 [1860:72-73]), por intermédio de quem era possível dizer “a
imagem do arquétipo de humanidade \pervoobra%noecelovecestvo[” encontra sua
realidade (Slv. Bogo. 9 [Radlov 3:129]).
A imagem divina ♦♦♦ 265
Essa conexão era cada vez mais importante também por outro motivo:
“ ‘A doutrina da igreja’, de acordo com Epifânio (Slv. Bogo. 10 [Radlov 3:138];
Epif. Her. 70.2.3-4 [G O ’37:234]), ‘acredita que o homem é em geral criado de
acordo com a imagem [divina]; mas não define, quando se trata da imagem,
precisamente em que parte [do homem] esta tem de ser encontrada’ ” (Mak.
Prav. bog. 82 [Tichon 1:454]). Por essa razão, a doutrina da imagem divina,
no sentido estritamente técnico da palavra, não era um dogma definido pela
igreja (Bau. DG . 46 [1858:178-79]). Houvera antecipações da doutrina da
imagem de D eus no pensamento grego (Doll. Heid.jud. 5.1 [1857:287]). Mas
a história da criação registrada no livro de Gênesis deixara sem especificar o
conteúdo da imagem divina (Gn 1.26,27), e assim permaneceu ao longo do
Antigo Testamento, sendo usada, quando usada, na comprovação das ordens
e proibições éticas, em vez de no esclarecimento da doutrina do hom em (Gn
9.6). N o N ovo Testamento, da mesma maneira, esse uso ético do conceito
também era proeminente (lC o 11.7; Tg 3.9), mas a identificação do Logos em
Jesus Cristo com o “a imagem de D eus” (2Co 4.4; Cl 1.15; Hb 1.3) no sentido
original e eterno da palavra, a imagem que existira antes da criação e antes do
tempo (Makr. Herm. Cl 1:15 [1891:2028-29]), no fim, proveu à doutrina da igreja
um conteúdo para a afirmação de que o homem foi criado segundo a imagem
divina. A teoria agostiniana de que a imagem em que o homem foi criado era a
imagem de toda a Trindade e que, por conseguinte, havia “vestígios da Trindade
\vestigia Trinitatis]” na alma humana também encontrou eco na antropologia
ortodoxa oriental (veja vol. 3, p. 50-52). Todavia, com o uma “análise crítica
das diferentes confissões” sobre o pecado original expôs uma “graduação” em
seus ensinamentos (Makr. Anth. 9 [1882:134]; Kierk. Begr.Ang. 1.1 [Drachmann
4:298-99]), assim, da mesma maneira, também era possível discernir uma dife-
rença confessional aqui na continuidade da imagem, diferença essa que fora
desenvolvida na ausência de um dogma explícito da igreja universal sobre a
imagem divina: os teólogos católicos-romanos (e, em algum grau, também
os ortodoxos orientais) (Andrts. Dok. Sjmb. 2.5.1 [1901:136-41]) invocaram
uma distinção entre a imagem divina, que foi mantida mesmo depois do
pecado, e “o estado de natureza pura \pura naturalia]” antes da queda, que
fora perdido (Mhlr. Symb. 2.5 [Geiselmann, p. 57-63]), enquanto os teólogos
protestantes tendiam a “ensinar que a imagem, divina [que consistia de]
santidade e justiça, estava intimamente conectada com a natureza humana
antes da queda”, mas que fora perdida por meio do pecado de Adão e Eva
(Mar. Inst. symb. 21 [1825:34]).
266 OS FUNDAM ENTOS DA COSM OVISÃO CRISTA
Tudo isso assumiu uma importância crítica no século XIX, uma vez que a
doutrina da criação especial do homem trouxe consequências teológicas ainda
mais graves que as da doutrina da criação com o tal, estando estreitamente
conectada não só com a doutrina da inspiração da Escritura (veja p. 305-306
abaixo), com o a criação também estava, mas com as doutrinas do pecado
original e da graça (Ub. Int. 1.1.38 [1886-1:696]), bem com o com a instituição
divina do casamento no jardim do Éden (Blach. Log. 9 [1882:102-3]) — e, é
claro, com a doutrina da encarnação do Logos com o o “hom em universal”
(veja vol. 2, p. 100-14). O homem, conforme ensinavam havia muito tempo os
teólogos cristãos (veja vol. 2, p. 109), era um “microcosmo” porque, de acordo
com o relato do Antigo Testamento (Mak. Prav. bog. 76 [Tichon 1:427]), toda
a obra da criação divina alcançou sua culminação com a criação do homem
segundo a imagem divina no sexto e último dia da criação (Hfmnn. Enc. 2.1.2
[Bestmann, p. 194]). Mas agora “esse relato da origem do hom em ” (Clrk.
Darw. [1873:10]) na imagem e semelhança divinas enfrentava uma alternativa à
visão cristã de mundo em várias “crenças bizarras sobre a origem do homem”
(Tor. Car. 2.2 [1779-11:67]). “Pela palavra ‘imagem’ ”, afirmava a resposta de
um cristão, “entende-se os atributos naturais de Deus, em que o hom em se
assemelha a seu Criador. Pela palavra ‘imagem’ entendia-se a semelhança
com os atributos morais de D eus, em conformidade com a natureza divina”
(Clrk. Darw. [1873:2-4]). Por causa da doutrina da criação na imagem divina
“não há nem pode haver qualquer posição intermediária entre humanidade e
não humanidade” não podia haver um elo perdido (Bush. Nat. 3 [1858:80]).
Quando William Wilberforce, no fim do século XVIII (Wilb. Pr. vi. 5, 4
[1798:252,152]), resumiu a doutrina da criação do homem com o uma criação
em que fom os “criados primeiro na semelhança de D eus e ainda carregamos
em nós alguns tênues traços da nossa elevada origem”, ele dava continuidade
à preocupação daquele século com o sentido da imagem divina (Amrt. Teol.
eclec. 7.16 [1752-2-11:10]; Terst. Abr. 1.8.8-10 [Becher 2:94-95]; Wsly. Serm.
1.int. 1 [Baker 1:117]). A imagem consistia no domínio sobre o resto da criação
(Felb. Hnd. 1 [1799:3]), no corpo humano, mas em mais que o corpo humano
(Marc. Inst. 21.2.3 [Tomassini 3:315]; Drnd. Fid. vind. 2.14 [1709:243-45]), uma
vez que este sugeria a singularidade da alma humana entre todas as criaturas
terrenas e o reflexo da alma da própria Trindade de pessoas na Divindade
(Brnt. A rt. X X X IX .9 [1700:110]), “uma imagem incorruptível do D eus de
glória” e uma imagem de amor divino (Bec. Lóp. Sab.prod. 1 [1752:8]; Men.
Did. 2.3 [Blantês, p. 119]). Dando continuidade a idéias do século XVIII
com o essa, uma declaração representativa do século X IX da imagem divina
A imagem divina ♦♦♦ 267
(Wsly. Serm. 5.1.1 [Baker 1:184]; Kol. Áü/^.2.15 [1844:199]) a descrevia com o
aquela por meio da qual Deus “adornara o homem com o corpo mais ca-
paz de qualquer criatura, favorecendo-o com o raciocínio, o livre-arbítrio, a
consciência e uma alma imortal”. A imagem não consistia exclusivamente de
racionalidade humana ou responsabilidade moral, mas de ambas (Hdge. Sist.
teol. 2.5.2 [1981-11:96-99]; Spen. Bed. 1.1.30 [Canstein 1:193-95]; Slv. Duch. osn.
l.int. [Radlov 3:274]). A negação da liberdade da vontade humana (veja vol.
4, p. 204-209), que a teologia católica-romana continuava a denunciar com o
um dos “erros capitais” de Lutero e Calvino (Blms. Prot. 11, 23 [Casanovas
4:103, 234-36]), equivalia a negar a criação à imagem de D eus (Blms. Rei. 11
[Casanovas 5:16]). Embora Deus governasse sobre o homem com o governava
sobre todas as criaturas, ele, no caso do homem, “criou-o individualmente
seu mesmo, imprimindo nele seu selo, sua imagem” (Fil. SI. 52 [Soc. Fil. 2:69])
que tornou o hom em o rei da criação (Atan. Par. Epit. 2.2.6 [1806:253-54])
e o favoreceu com soberania e liberdade (Slv. Rus. égl. 3.7 [Rouleau, p. 263]).
Como o Criador do céu e da terra, o Criador em cuja imagem a humanidade
foi formada, de acordo com o ensinamento bíblico, era um D eus pessoal, a
imagem divina também tinha de se refletir na personalidade humana (Doll.
Herd. Jud. 10.3.3 [1857:82η).
A partir da versão bíblica de “a descida do hom em ”, que consistia na cria-
ção de Adão e Eva segundo a imagem divina com o os ancestrais em comum
de toda a humanidade e, por conseguinte, na descida de toda a raça humana a
partir deles, seguia-se que a humanidade não teve uma origem múltipla, mas
uma raça (Mnkn. A/.23 [1828:281]), uma vez que Deus, conform e declarou o
apóstolo Paulo, “de um só fez ele todos os povos, para que povoassem toda
a terra” (At 17.26). N essa declaração primitiva, “Adão e Eva eram perfeitos
em corpo e alma” (Mak. Prav. bog. 87 [Tichon 1:478]). A natureza humana,
com o o “templo de D eus”, era “pura [...] e abençoada porque a imagem de
D eus foi implantada nela” (Fil. Sl. 24 [Soc. Fil. 1:17η). As palavras do relato
da criação, “e o hom em se tornou um ser vívente” (Gn 2.7), deixou claro que
o hom em “não só possuía alma, mas tornou-se ela. A alma era seu próprio
ser, seu eu mais verdadeiro, o homem no hom em ” (Clrdge. Ref. 1.9 [Shedd
1:119-20]). Conforme ensinavam as doutrinas agostinianas da natureza e da
graça (veja vol. 1, p. 190-333), Adão e Eva tinham possuído graça divina em
“conjunção [concours] ״com a natureza (Lacrd. Conf. 60 [Poussielque 5:222]).
Todavia, quanto mais extravagantemente os intérpretes da história da criação
retrataram a glória com a qual Adão foi adornado ao receber a imagem de
Deus, “mais inexplicável se tornava o fato de que ele pecou” (Kierk. Begr.
268 Λ OS FUNDAM ENTOS DA COSM OVISÃO CRISTA
♦
Ang. 1.3 [Drachmann 4:307]) e, portanto, mais inacreditável se tornava todo
o relato bíblico, quer da criação quer da queda.
N o entanto, para os porta-vozes da doutrina ortodoxa era óbvio e ne-
cessário “que o relato da provação e queda do homem não era uma alegoria
nem um mito, mas uma história verdadeira” (Hdge. Sist. teol. 2.7 [1981-11:123-
24]). Eles viam a asserção da corrupção humana por meio da queda com o
“eminentemente a base e pedra fundamental do cristianismo” (Wilb. Pr. vi.
2 [1798:21]), pois ela localizava o homem , quer na natureza, quer na história,
quer na graça, entre Deus, o Criador, e Cristo, o Redentor (Krth. Cons. ref. 9
[1871:365-66]). Embora eles se sentissem capazes de apresentar essa percep-
ção da queda e do pecado original (ou “pecado hereditário”, conforme muitas
línguas o chamam) (Mak. Prav. bog.93 [Tichon 1:507-12]), até o ponto que ela
atingia, com o a propriedade comum da tradição cristã doutrinai, oriental e
ocidental, o estudo acadêmico histórico do período estava descobrindo que
a respeito dessa mesma doutrina parecia haver menos concordância na tra-
díção doutrinai da Antiguidade que a respeito de algumas que agora estavam
em debate entre os herdeiros dessa tradição (Newm. Dev. 1. int. 16 [Harrold,
p. 20]). Conforme sustentavam os oponentes de Agostinho (veja vol. 1, p.
323), a explicação dele do pecado original foi uma inovação teológica (Rtl.
Unt. 2.35 [Ruhbach, p. 35]); assim, conforme colocou um historiador grego
ortodoxo, tanto Agostinho quanto Pelágio foram guiados por sua controvérsia
sobre o pecado e a graça à “antítese total e exagero extremo” (Krks. Hist,
ecl. 95 [1897:1:300]). Os pais gregos da igreja, em contraste com Agostinho,
debatiam com o eram “contra o fatalismo da visão de mundo pagã” (Thom.
Chr. 30 [1856:1-375]) e contra o entendimento dualista do pecado original no
gnosticismo (Doll. Gnos. 11 [1890:163-64]), tornaram a defesa do livre-arbítrio
humano uma necessidade e o principal resultado da imagem divina. Quando os
discípulos dos reformadores (Doll. Ref.3 [1846-111:31]) forçaram a exegese de
Agostinho (e de Lutero) das palavras do salmo, “Sei que sou pecador desde
que nasci, sim, desde que me concebeu minha mãe” (SI 51.5), ao extremo de
debater se o pecado original, com o uma consequência da queda, passara a
fazer parte da “essência” da natureza humana ou se era um “acidente” (Doll.
Ref. 3 [1846-111:490]; veja vol. 4, p. 206-209), eles não estavam mais debatendo
um ponto de doutrina bíblica, mas tinham passado para o reino da metafísica
grega (Rtl. Teol. met. 6 [1887:55-65]; Pus. Hist. 1 [1828-1:10-11, 35]).
As implicações da hipótese evolucionária, de muitas maneiras, repre-
sentavam um perigo ainda maior para a doutrina do pecado original do que
representavam para a doutrina da criação na imagem divina. M esmo aqueles
A imagem divina ♦♦♦ 269
que não aceitavam a historicidade literal do relato dos primeiros capítulos de
Gênesis queriam impor a origem comum da raça humana (Holb. Evol. Scr. 8
[1892:253-54]). Embora a declaração de Paulo para os atenienses de que Deus
“de um só [ou seja, de Adão] fez ele todos os povos” (At 17.26) fosse usada
para provar que toda a raça humana descendia de um único par de pais, foi
outra passagem, a declaração de Paulo para os romanos de que “[em Adão]
todos pecaram” (Rm 5.12) que passara a ser, em especial por intermédio
das especulações de Agostinho (veja vol. 1, p. 302-304), o locus classicus para
a transmissão do pecado humano a partir de um único par de pais. Portanto,
as respostas cristãs do século X IX ao evolucionismo, que tendia às vezes
a transformar a autoridade e inspiração da Escritura na principal questão
quando a origem das espécies e até mesmo a descida do hom em estavam em
pauta (veja p. 303-307 abaixo), finalmente localizou a ameaça fundamental
aqui na doutrina da queda e do pecado original. O resumo autoritativo do
século X X dessas respostas do século XIX, a encíclica de Pio XII, Humani
generis (Sobre algumas doutrinas errôneas), de 1950, rejeitou o “poligenismo”,
a sugestão de que “ A dão’ significa algum tipo de multidão dos primeiros
pais”, alicerçando essa rejeição quase só nos fundamentos específicos de
que “é impossível ver com o essa declaração pode ser alinhada com aquelas
das fontes da verdade revelada e os atos do magistério da igreja estabeleceu
sobre o pecado original, que procede de um pecado que foi verdadeiramente
com etido por um único Adão” (Pio XII. Hum. gen. [AAS 42:576]).
Para o “magistério” da Igreja Católica-romana, um dos principais perigos
resultantes de qualquer percepção que parecia negar a doutrina agostiniana
do pecado original era a ameaça que, com isso, toda a estrutura da doutrina
de Maria desenvolvida pela igreja podia ser enfraquecida. Embora a ortodo-
xia oriental e o protestantismo continuassem em sua oposição à concepção
imaculada da virgem Maria (Chom. Crk. 9 [Karsavin, p. 38]; Andrts. Sjmb.
2.6 [Regopoulos, p. 201-2]; Grnvg. Pr. 12.iii.1837 [Thodberg 10:151-56])
fundamentados no fato de que a declaração bíblica “todos pecaram” (Rm
3.23) não conhecia exceção a não ser o próprio Cristo (Krks. Antipap. 2
[1893:43-44]), finalmente, em 1854, pela ação do papa Pio IX, passou a ser
um dogma oficial: “D esde o princípio e antes das eras” D eus elegera a vir-
gem Maria para ser a mãe de Cristo e, por conseguinte, “a mais abençoada
virgem Maria no instante de sua concepção, por meio da graça e privilégio
singulares do D eus Todo-poderoso e em vista dos méritos de Cristo Jesus,
o Salvador da raça humana, foi preservada imune de todas as máculas da
culpa original” (Pio IX. Ineff. \P itIX A cta 1:616]). A doutrina da concepção
270 ♦♦♦ OS FUNDAM ENTOS DA COSM OVISÃO CRISTA
que parecia estar agora em risco. A pergunta familiar nos evangelhos: “O que
vocês pensam a respeito do Cristo?” (Mt 22.42) ainda era, com o o fora na
época, “na verdade, a mais crucial de todas as perguntas” (Kierk. Syg. Dd. 2.2.3
[Drachmann 11:240]). David Friedrich Strauss, indo muito além das sugestões
experimentais de seus predecessores, criticou-os, em especial Schleiermacher,
por não conseguirem lidar com os elementos de “mito” que apareciam não
na periferia, mas no cerne da imagem de Jesus nos evangelhos. Os escritores
do N ovo Testamento, disse Strauss, “narraram a respeito dele principalmente
coisas que são sobrenaturais, mas que podem os aceitar, e também a respeito
dele, apenas o que é natural” (Str. Chr. 3 [Geischer, p. 99-100]). Uma vez que
as passagens “sobrenaturais” eram as mesmas que serviram para o dogma da
igreja com o o alicerce para a cristologia ortodoxa, era inevitável que a con-
centração de estudiosos do N ovo Testamento do século X IX nas questões
históricas e literárias no estudo dos evangelhos levantasse também questões
teológicas e doutrinais bem antes do problema especial do “erro escatoló-
gico” (veja p. 286-87 abaixo) nos ensinamentos de Jesus chamarem atenção.
Independentemente de qual fosse a intenção polêmica original (Bau. Chrpart.
[Scholder 1:37]), a crítica severa do apóstolo Paulo sobre “conhecfer] Cristo
segundo a carne” (2Co 5.16, ARC) aplicava-se a todos que agora “deixam
de lado tanto a divindade de Cristo quanto a verdade de sua expiação de um
só golpe” (Jam. Mc. 3 [1787:80]).
Cristo, ao mesmo tempo, tinha que ser visto com o a revelação não só
de Deus para o homem, mas também do homem para o homem: “Ele diz:
Aqui você vê o que é ser um ser humano’ ” (Kierk. Sjg. Dd. 2.2.3 [Drach-
mann 11:237]). A doutrina ortodoxa da pré-existência, da kenosis e da exal-
tação (veja vol. 1, p. 263-72) continuaram a ser, na maioria das igrejas (Lid.
Div. 6 [1867:472-75]; Jam. Mc. 4 [1787:115-19]), a forma normativa de ler a
cristologia do N ovo Testamento, e a realidade da kenosis exigiu a reafirma-
ção da doutrina conciliar que em Cristo havia não só a vontade divina, mas
também uma vontade humana distinta e autônoma (Slv. Bogo. 1 1 /1 2 [Radlov
3:156]). Mas, em alguns teólogos, a “kenosis”, com o um conceito “da auto-
limitação do divino” (Thom. Chr. 40 [1856-11:141]), era levada a um ponto
que parecia estar atribuindo o sofrimento e a morte de Cristo a sua natureza
divina (Drnr. Pers. Chr. 3.2.C [1845-11:1261-66]), bem com o a sua natureza
humana e, assim, pondo em risco pressuposições dogmáticas consagradas e
consolidadas sobre o poder absoluto e impassibilidade de Deus (veja vol. 1,
p. 71-73). N o conceito paulino de Cristo com o o segundo Adão (Slv. Bogo.
11/1 2 [Radlov 3:151]) parecia haver um paralelismo que tornava possível
A imagem divina
* 275
fazer justiça à “dupla imagem” de Deus no homem, conform e representadas
pelo Paraíso e pela cruz (Men. Did. 1.7 [Blantês, p. 71]); mas as interpretações
desse paralelismo na forma de uma “doutrina que eles correspondem um ao
outro” levou a uma advertência contra uma teoria que “não explica nada de
m odo algum, mas confunde tudo” (Kierk. Begr.Ang. 1.2 [Drachmann 4:305]).
Antes, era necessário começar com Cristo, o Logos, com o a “imagem primeva
do hom em ” e, depois, prosseguir — com o Ireneu e outros pais da igreja,
com o o fez Gregário de Nissa, — para a interpretação de “redenção com o
a renovação [do homem] a essa imagem” (Thom. Chr. 20 [1856-1:186]; Vnzi.
Rec. 1.6 [1864-1:45]). Em uma condição de não caído, a revelação precisaria
transmitir o conhecimento de Deus, mas em uma condição de caído, ela tinha
mais um novo propósito: neutralizar o pecado e garantir a redenção (Dry.
Apol. 1.2.3.18 [1838-1:170-71]).
Essa “intenção de formar a mente humana de novo segundo a imagem
divina” (Clrdge. Ref. 1.20 [Shedd 1:125]) — com o um intervenção de Deus na
vida e na história humanas e, depois, com o uma “obrigação do homem” — era
central para a doutrina e a vida cristãs, conform e demonstrara o desafiador
projeto de Anselmo da “fé em busca de entendimento” (Mhlr. Ges. Schr. 1.3
[1839-1:138]). Embora, em um sentido, fosse possível dizer “que a própria
encarnação já é o estabelecimento {Herstellung^ da comunhão com D eus”, a
encarnação não é o “reestabelecimento [ Wiederherstellung]” dessa comunhão,
que só acontece por intermédio da redenção e da reconciliação (Thom. Chr.
53 [1856-111:52]), com o, mais uma vez, demonstraram as especulações de
Anselmo em Porque Deus se tornou homem (veja vol. 3, p. 170-86). Os expoentes
do “esquema de redenção pela expiação de Cristo” (Wilb. Pr. vi. 2 [1798:46])
desenvolvido por Anselmo o seguiram na apresentação de uma correlação
entre pecado e redenção (Wilb. Pr. vi. 5 [1798:247]). Por conseguinte, con-
forme insistira Anselmo, uma simples “anistia” não era uma forma adequada
para um D eus justo perdoar o pecado (Thom. Chr. 51 [1856-111:22]) porque
Deus não podia contradizer sua própria justiça (Blach. Log. 14 [1882:162]),
que era sua própria natureza; o paganismo já reconhecera a necessidade de
sacrifícios de expiação (Doll. Heid.jud. 7.4 [1857:532]). Era “necessário para
o todo da nossa fé e esperança” distinguir entre a relação que Cristo, com o
Filho de Deus, tinha com o Pai, de acordo com a qual “ele era sempre objeto
do deleite do Pai”, e a relação que ele teve “até que carregou sobre si nossos
pecados”, de acordo com os quais “ele, por nossa causa, era o objeto da ira
do Pai” (Jam. Mc. 1 [1787:13]).
2 74 ♦♦♦♦ OS FUNDAMENTOS DACOSMOVISÃO CRISTA
Assim, Deus ordenou a morte de seu amado Filho (Ces. V. Ges. Cr. 12
[1830:246]). Até mesmo (ou talvez em especial) os teólogos que não queriam
ser identificados com o apoiadores da tradição medieval e de Anselmo ou de
qualquer outra tradição pós-bíblica podiam afirmar: “Que a morte ou sacri-
fício de Cristo é a grande oferta pelo pecado, e a única oferta pelo pecado, é
uma doutrina essencial do protestantismo” (Camp. Prcl. 19.1.1837 [1875:267];
Camp. Syst. 10 [1859:21-30]). Os teólogos católicos-romanos criticaram a
doutrina da justificação desenvolvida pela Reforma com o uma imputação
(veja vol. 4, p. 213-14, 320-21) com base no fato de que ela alterava funda-
mentalmente a doutrina da redenção com o satisfação pelo pecado (Doll. Ref. 3
[1846-111:80]); os teólogos ortodoxos orientais, em sua exposição da “retidão da
fé” ÇDrcús.Arch. 3.2.1.1 [1865:126-41]), criticaram essa doutrina fundamentados
no fato de que ela falhou em distinguir entre “a primeira justificação”, que só
vinha pela fé no mérito de Cristo, e a “justificação” no dia do julgamento, que
seria fundamento nas obras e também na fé, uma vez que a fé sem obras seria
inútil (Makr Herm.Lg 2:14 [1891:2339]; Blach. Log. 2 [1882:22-46]). Contudo,
os teólogos católicos-romanos e ortodoxos orientais, em oposição à rejeição
sociniana da doutrina da satisfação vicária por meio da morte de Cristo (veja
vol. 4, p. 395-97), ainda puderam declarar ser um consenso ecumênico que
“todo o resto do cristianismo”, quer católico-romano, quer ortodoxo oriental
quer protestante, recusou-se a ser ligado com a ideia de que a “redenção”
por meio da morte de Cristo era apenas “metafórica, e não verdadeira nem
real” (Marc. Inst. 25.2 [Tomassini 4:276]; Fil. Ent. [Sondakoff, p. 8]).
N ão obstante, a característica mais impressionante das discussões do
século X IX sobre a redenção por meio da cruz de Cristo era o muitíssimo
defendido sentimento de que “se Cristo simplesmente morrera para contra-
balançar uma contagem de penalidades [...], há muito para indignar a alma,
pelo menos na atitude de Deus, e até mesmo para provocar um arrepio de
repulsa” (Bush. Vic. sac. int. [1866:30]) e de “aversão” (Chan. Calv. [AUA, p.
459]). Alguns chegaram a ponto de acusar que a doutrina ortodoxa da expiação
por meio da morte de Cristo “tira interesse de sua morte, enfraquece nossa
empatia com seus sofrimentos e, de todos os outros, é mais desfavorável a
um amor por Cristo” (Cham. Un. cr. 2 [AUA, p. 375]). Tinha-se o sentimento
de que a concentração dos pais e dos concilios da igreja na Trindade e na
pessoa de Cristo fez com que as doutrinas de soteriologia — exceto por um
ensaio com o o de Anselmo — fossem muitíssimo negligenciadas ao longo
do desenvolvimento da doutrina cristã e que elas agora viessem por conta
própria (Klfth. D G .37 [1839:87]). A despeito da definição convencional de
A imagem divina 275
O progresso do reino
O que Albrecht Ritschl propôs para substituir o esquema de Anselmo
da reconciliação e da justificação, com o essas doutrinas eram ensinadas — e
nessa ordem, com a reconciliação objetiva sendo seguida da justificação sub-
jetiva — também pelos protestantes ortodoxos e pelos católicos-romanos (a
despeito das diferenças entre eles a respeito das doutrinas da justificação pela
fé e da justificação pela fé e obras) (Rti. Recht. 2.1.5 [1882-11:26-34]; Sod. Und.
1 [1933:4]; veja vol. 4, p. 202-20,348-59), foi a recuperação do sentido central
da “proclamação [original] do reino de D eus”, que era “a ideia dominante
de Jesus” nos evangelhos sinóticos, a despeito de sua ausência nas epístolas
do N ovo Testamento (Rti. Recht. 2.4.33 [1882-11:296]): a proclamação não
da justificação nem da reconciliação, em última instância, nem tampouco da
redenção (como todas as três eram entendidas tradicionalmente por todas
as igrejas), mas da regra de Deus. Ritschl, em sua concentração no reino de
Deus e em seu esforço para recuperá-lo com o um tema doutrinai, refletia
uma preocupação que passara a ser geral entre seus contemporâneos, como
uma parte central da atenção deles com “o alicerce da fé em D eus e da fé
em Cristo” sobre o qual o reino de Deus, com o a regra de justiça no espírito
humano e a regra de amor no coração humano, fora alicerçado (Lam. Par. cr.
37 [Porgues 11:142]). Portanto, “todos os mestres da verdade moral”, como
os apóstolos originais, podiam sem presunção se considerar “embaixadores
do maior dos reis” (Clrdge. Ref. 4.1 [Shedd 1:146]). Embora a doutrina do
reino de D eus não fosse um dogma da igreja no sentido exato da palavra,
sua história foi o tópico em um dos primeiros capítulos da primeira “história
do dogma” (Mnschr. DGA.2A [Coelln-Neudecker 1:41-76]). Também viria
a ser uma pressuposição fundamental para a teologia do evangelho social no
final do século X IX e início do X X (veja p. 379 abaixo).
O reino de Deus, nas palavras de Ritschl, era tanto “sobrenatural” quanto
“supramundano” (Rti. Unt. 1.8 [Ruhbach, p. 17]); não obstante, ele existia
“por causa da preservação da verdade na terra” (Lam. Déf. 16 [Forgues 5:166-
67]), sendo obrigado, conforme disse o evangelho, a ser “tomado à força” (Mt
O progresso do reino ♦♦♦ 277
♦
“progresso” (Slv. Soph. 2.1 [Rouleau, p. 54]) podia ser muitíssimo ambíguo:
também havia tido um “progresso do ateísmo”, da anarquia e do secularismo
(Slv. Rust. Égl. int. [Rouleau, p. 146-47]).
Portanto, uma crença no “progresso do reino” e uma conscientização
de que “a verdadeira religião se desenvolve de acordo com o progresso dos
tempos” (Lam. Indiff. 25 [Forgues 3:141]), com o aconteceu nos primordios
do evangelho (Lam. Indiff. 37 [Forgues 4:390]), constituíram uma parte impor-
tante também da resposta teológica para a evolução. Os teólogos filosóficos,
com o James Iverach, em Aberdeen, embora ainda tentassem tornar Cristo
uma exceção para o processo evolucionário, que pretendiam harmonizar a
evolução e a teologia, também recorreram à crença no reino argumentando
que a aceitação da evolução com o um m étodo de trabalho divino significava
que a própria revelação era “uma peça nesse processo de evolução que tem
por fim e propósito o estabelecimento do reino de D eus” (Iv. Chr. evol. 11
[1894:207]). O apogeu e a conclusão de uma série de palestras apologéticas
que Iverach fez pouco antes do fim do século sob o título Teísmo foi uma
declaração da fé de que “esse D eus é representado operando e trabalhando
ao longo das eras a fim de criar o homem e educar o hom em para esse ideal
divino para cada hom em e para todos os homens no reino de D eus” (Iv.
Thsm. 10 [1899:318-19]).
A expressão “reino de D eus”, desde os períodos patrístico e medieval,
fora com frequência equiparado à “igreja”, e ainda era (veja vol. 3, p. 74-75).
O universo era uma monarquia na qual o Todo-poderoso era rei (Lam. Indiff.
17 [Forgues 2:121]); mas “a igreja”, conforme disse Gerson (Gers.Aujer. 8
[Glorieux 3:298]), “foi fundada pelo Cristo sobre uma monarquia acima de
tudo”, a saber, sobre Pedro e seus sucessores (Lam. Rei. 6.1 [Forgues 7:126-
27]), quando ele lhe deu as chaves do reino do céu e todos os “privilégios
e promessas” (Gr. XVI. Tr. disc. pr. 25 [Battaggia, p. 42-44]) que vinham
com estas. A concordância da ortodoxia oriental (Ces. St. ecclA.l [1881:13])
com essa identificação da igreja com o o reino de D eus na terra (Slv. Bogo.
2 [Radlov 3:14-15]) foi acompanhada de uma advertência contra “a falsa
teocracia” e o “clericalismo abstrato” (Slv. Krit.22 [Radlov 2:155-59]), bem
com o pelo lembrete de que as chaves do reino foram subsequentemente
dadas a todos os apóstolos, não apenas a Pedro (Mt 18.18; Fil. 37.77 [Soc. Fil.
2:213]); além disso, o poder e a grandiosidade do reino de Cristo tinham de
ser encontrados não na autoridade mundana da igreja, mas na cruz (Hrth. Es.
9:6 [1883:130]). Quando era perguntado: “O reino do céu existe na terra?”,
a resposta imediata, e não apenas a resposta dos católicos-romanos e dos
O progresso do reino 279
ortodoxos orientais, era: “A igreja de Cristo é a resposta viva a essa pergunta”
(Liv. Div. 3 [1867:178]). Em 1834, um dos Tratadospara os tempos, publicado
pelo M ovimento de Oxford para a renovação da Igreja da Inglaterra, com o
título O reino do céu (Hrsn. Kngdm. [Tr. Tms., p. 49]); de acordo com outro dos
Tratados, lançado quatro anos depois, “a igreja realiza o reino”, embora “em
segredo” (Wms. Res. 6.4 [7r. Tms. 87:93-98]).
As primeiras formas de desconforto com essa identificação simplória
do reino e da igreja, remontando à Reforma e aos movimentos medievais de
reforma posteriores (veja vol. 4, p. 131,142-43,169,238-39), foram intensi-
ficadas com o resultado da exegética histórica e do pensamento teológico do
século XIX. Com o a reconsideração da autenticidade do evangelho de João
estava lançando dúvida na doutrina ortodoxa da Trindade (veja p. 225 acima),
também as questões levantadas a respeito da atribuição tradicional das epís-
tolas pastorais ao apóstolo Paulo (Schl. Tin. N T. 2.1.51 [Reimer 7:172-76])
estavam removendo alguns dos suportes bíblicos para as instituições da igreja
(Bau. Chr. 2 [Scholder 3:121]). Os termos bíblicos com o “casa de D eus” e,
acima de todos, “corpo de Cristo” (Jer. N iz. Inst. [1864:448]) eram metáforas
mais apropriadas para a igreja que “reino” (Thom. Chr. 81 [1856-IV:363-64]).
A equiparação agostiniana de igreja e reino, entre seus outros efeitos, tendia
às vezes a relegar a escatologia a um lugar menor no fim da teologia sistemá-
tica, com grande prejuízo para o entendimento do que o N ovo Testamento
e os primeiros séculos do cristianismo pretendiam com igreja ou reino (Rtl.
Ges.Auf. 5 [1893:158]). Os teólogos ortodoxos orientais e protestantes, com
base nesse fundamento exegético e histórico, atacavam o catolicismo-romano
por usar o reino deste mundo para defender a verdade de D eus (Slv. Bogo.
2 [Radlov 3:14]) ao transformar “a igreja em uma continuação da atividade
real de Cristo” e por declarar que ele abdicara e delegara sua autoridade real
à hierarquia da igreja (Drnt. Syst. 146, 127 [1879-11:878-79, 686]). O ataque
também foi dirigido àqueles irmãos protestantes que, ao assumir as percep-
ções católicas-romanas da igreja e sua unidade, nublavam a distinção entre
as duas tradições (Bau. Episk. [Scholder 1:417]).
Nikolai F. S. Grundtvig, opondo-se simultaneamente ao “erro [ ]/ildfarel-
se]” “papista” e protestante na interpretação do “real reino” de Cristo (Gr-
nvg. Pr. 25.iii.1838 [Thodberg 11:158]), resumiu boa parte do pensamento
contemporâneo quando tom ou o que um teólogo grego ortodoxo também
denominou “a ideia do reino” com o um dos temas de sua própria pregação
e escritos (Hrth. Thrsk. 2.2 [1895:279]). N ão bastava ver Cristo com o profeta,
com o tantos protestantes contemporâneos estavam inclinados a ver, pois fora
280 Λ . OS FUNDAMENTOS DACOSMOVISÃO CRISTA
%
“o genuino poder e soberania reais de Jesus Cristo” (Grnvg. Pr. 17.iii.1833
[Thodberg 6:145]) que o separava dos outros profetas de Israel (Grnvg. Pr.
21.xi.1824 [Thodberg 2:397]; Blach. Log. 31 [1882:374-75]). Ele carregava
um título real, e o dia de sua ascensão ao céu fora “a festa de coroação do
rei Jesus Cristo” (Grnvg. Pr. 31.V.1832 [Thodberg 5:206]). N o entanto, isso
significava, quando a resposta de Jesus a Pilatos ficou clara, que seu reino era
celestial e “não é deste mundo” (Jo 18.36). O reino não era uma estrutura
política, mas um “reino de verdade” (Grnvg. Pr. 25.ÜÍ.1832 [Thodberg 5:106]),
de justiça divina e paz eterna (Grnvg. Chr. snd. [Begtrup 4:578]). Grundtvig,
em sua pregação e ensinamento sobre o reino de D eus (Grnvg. Pr. l.i.1823
[Thodberg 1:98]; Hrth. Es. 52:7 [1883:461]), também expressava a difundida
sensação de que a era de extremo individualismo (veja p. 350 abaixo) cedia
lugar a uma nova e mais profunda consciência da natureza coletiva de toda a
vida humana, portanto, também da vida cristã (Bush. Nat. 1.4 [Weigle, p 74-
75]). A “vinda do reino” tinha de ser percebida não apenas “individualmente”,
mas “universalmente”, à medida que Cristo exercia seu governo sobre as
nações e também sobre as pessoas (Hrth. Thrsk. 2.2 [1895:250-51]): o reino
de Deus estava tanto “em meio a vocês” quanto “entre vocês” (Lc 17.21).
Os sermões com títulos com este teor: “Como é definida a igreja de Cristo?”
(Mynst. Pr. 37 [1845-11:39-50]) e “Como será que devemos trabalhar para a
melhora da igreja?” (Mynst. Pr. 60 [1845-11:336-50]), expressavam tanto uma
determinação quanto uma esperança, “uma esperança muito [encorajadora]
e crescente de que uma geração melhor está vindo” na igreja (Kbl. Esp. 33
[Wilson, p. 62]).
Essa “geração melhor” não era de m odo algum para ser entendida
com o significando um período mais fácil para a igreja. Ela era “a essência da
história da igreja” de que “a igreja, em tempos de paz, pode expandir mais e
edificar com o se estivesse na amplidão, mas em tempos de inquietação ela se
eleva mais em altura” e em profundidade (Clrdge. Ref. 4.23 [Shedd 1:173]);
era isso que estava acontecendo agora. O “poder do cisma”, manifesto, por
exemplo, na Rússia, estava esgotado (Mntl. Lib. égl. [LecofFre 1:397]); e agora
havia disposição para descobrir os recursos em pais da igreja, com o Cipriano,
para uma nova vida e nova união na igreja (veja vol. 1, p. 171-72), bem como
para uma “crença firme” (Mhlr. Pat. 3 [Reithmayr, p. 850]) — que, no século
seguinte, tinha de se tornar uma crença dominante e universal (veja p. 361-72
abaixo) — que um “progresso sucessivo” em direção à unidade autêntica e
católica estava em operação no mundo cristão (Lam. Av. 18.x. 1830 [Forgues
10:151]). Os protestantes continuavam a falar disso com o uma “unidade só
O progresso do reino ♦♦♦ 281
conhecida em sua essência por Deus, tecida por elos invisíveis” (Krth. Rei.
[1877:29]) e para distinguir entre os elementos visíveis e invisíveis na “forma
empírica da igreja” (Thom. Chr. 82 [1856-IV:370-404]). Mas a renovação
litúrgica e a nova atenção à tradição apostólica e católica, também nas igrejas
protestantes, deram a muitos a sensação de terem ultrapassado o impasse
eclesiológico da Reforma. Até mesmo Ritschl, depois de atacar a forma com o
o “reino” e a “igreja” foram relacionados na tradição católica (Rd. Ges. Auf.
5 [1893:158]), conseguiu ainda assim definir o reino de Deus, no capítulo
intitulado “A doutrina do reino de D eus” (Rd. Unt. 1 [Ruhbach, p. 5-33])
que iniciava seu resumo da doutrina cristã, com o “o objetivo universal da
comunidade \Gemeinde\ encontrado por intermédio da revelação de D eus em
Cristo, bem com o seu produto comunal, em que seus membros se unem por
m eio de uma forma mútua prescrita para lidarem uns com os outros” (Rd.
Unt. 1.5 [Ruhbach, p. 15]).
Uma fonte de encorajamento em relação ao “progresso do reino” era a
“impressionante visão do triunfo da religião cristã” por intermédio do número
cada vez maior de conversões em casa e no exterior (Lam. Indiff. 36 [Forgues
4:358]). O “zelo infatigável” dos missionários penetrara em lugares e povos
distintos, abolindo os costumes bárbaros destes, corrigindo os maus hábitos
deles e alcançando “um progresso marcante em direção a uma condição mais
elevada” (Lam. Indiff. 36 [Forgues 4:376]). Apesar de o descobrimento das
terras além-mar tivesse levantado problemas para o entendimento cristão
do conhecimento natural de Deus e da lei natural (veja p. 168 acima), esse
evento também se tornou a ocasião para uma expansão sem precedentes na
iniciativa missionária, que os católicos-romanos, de acordo com uma com-
paração, interpretavam com o a tarefa de trazer não cristãos a uma instituição
salvadora à qual eles podiam ser incorporados, mas os protestantes entendiam
que a tarefa de proclamar a palavra de Jesus que os convertería (Hfmnn. Enc.
2.2.1.1 [Bestmann, p. 264-65]). D e jeito nenhum todos os católicos viam a
tarefa missionária dessa maneira; eles, antes, insistiam que quando “Jesus
enviou os apóstolos para conquistar o mundo, ele fez isso com a cruz”, não
com poder político e militar (Lam. Av. 7.ÍV.1831 [Forgues 10:283]), e lembra-
ram os protestantes quanto levou para os herdeiros da Reforma protestante
redescobrir o imperativo missionário (Blms. Prot. 45 [Casanovas 4:470-73]).
Alguns protestantes, reagindo contra os reconhecidos “excessos e extrava-
gâncias” do movimento de reavivamento (Edw. A l. pens. 4 [Miller 4:410]),
também advertiram que a igreja confiara demais na “conquista”, em vez de
no “crescimento” (Bush. N a t 1.2 [Weigle, p. 46-47]): o objetivo da igreja e
282 OS FUNDAMENTOS DACOSMOVISÃO CRISTA
de sua educação era “que a criança tem de crescer crista e nunca se conhecer
com o outra coisa” (Bush. Nat. 1.1 [Weigle, p. 4]).
“O reino de D eus”, conform e se esforçou Ritschl para explicar, “é intei-
ramente um conceito religioso”, não a importação na religião de um conceito
essencialmente moral. Expressava uma atividade de D eus em direção à hu-
manidade, mas o reino, com o tal, era ao mesmo tempo uma tarefa humana,
uma vez que o governo de Deus se estabeleceu na terra apenas por intermédio
da obediência humana (Rtl. Recht. 3.1.6 [1882-111:29]). Isso o transformava
não só em um conceito religioso, mas também “na ideia fundamental de
ética” (Rd. Unt 1.26-33 [Ruhbach, p. 29-33]). Mas com o o próprio termo
“reino” era antitético ao individualismo pelo qual Ritschl criticara com tanta
veemência as versões pietistas da fé da Reforma (Rd. Piet. 42 [1880-11:548-
49]), uma ética do reino tinha de se dirigir à dimensão coletiva da existência
humana, em especial quando esta estava incorporada no estado e na nação.
Embora a articulação teológica da responsabilidade cristã para a redenção da
sociedade só alcançasse sua formulação mais tarde, com o evangelho social
no protestantismo e com as encíclicas sociais no catolicismo-romano (veja
p. 372-83 abaixo), a atenção do século X IX aos alicerces da visão de mundo
cristã também tinha de lidar com essas preocupações.
Fez isso de várias maneiras, modeladas não só por meio das pressuposi-
ções doutrinais examinadas aqui, mas também por intermédio das estruturas
políticas nas várias nações da cristandade. Assim, a Constituição Dogmática
sobre a Igreja, no Primeiro Concibo Vaticano, de 1869/70 (CVat. [1869-70].4
[Alberigo-Jedin, p. 811-16]), foi formulada no contexto da luta da igreja
contra uma “Itába sem papado” (Dup. Souv. pont. 9 [1860:167-82]) e contra
um secularismo mibtantemente anticlerical em toda a cristandade. Klebe, no
“Sermão de Veredicto”, de 1833, articulou — em um contexto angbcano,
mas em termos cujas impbcações eram muito mais abrangentes — as preo-
cupações rebgiosas fundamentais subjacentes à crise tanto doutrinai quanto
pohtica. Ele fez isso, conform e expbcou em sua sentença inicial, com base
nessa “porção da sagrada Escritura que nos revela a vontade do Soberano
do mundo na relação mais imediata com a conduta civil e nacional da huma-
nidade”; conform e ele expbcou, “voltamo-nos naturalmente para o Antigo
Testamento quando a doutrina púbbca, os erros púbbcos e os perigos púbbcos
estão em questão” (Kbl. Nat. ap. [1833:7]). Tanto os indivíduos quanto as
nações, “tendo aceito D eus por seu rei”, corriam agora o grave perigo de “se
bvrar da contenção” desse reinado (Kbl. Nac. ap. [1833:10-12]).
O progresso do reino ♦♦♦ 283
A ortodoxia russa, em um contexto político drasticamente diferente,
também estava ponderando o sentido do reinado de Cristo para a igreja (Slv.
Rus. égl. 3.11 [Rouleau, p. 289]), junto com o testemunho das tradições bíblica
e patrística para a providência especial de Deus não só para os indivíduos,
mas também os “reinos e nações” (Mak. Prav. bog. 117 [Tichon 1:583-89]),
em especial porque a ordem de Cristo para dar a César o que era de César
(Mt 22.21) fora declarada em uma época em que César permanecia fora do
reino de Deus, enquanto agora César entrara no reino (Slv. Krit. 22 [Radlov
2:158]; Slv. Bogo. 2 [Radlov 3:14]). Essa providência implicava que havia uma
“unção de D eus” específica para o Czar (Fil. Si 44 [50c. Fil. 2:13]), e também
que as palavras de Cristo para Pilatos, “O meu Reino não é deste mundo” (Jo
18.36), ainda pertenciam à igreja em todas as eras (Fil. Sl. 4 \Soc. Fil. 1:24]).
Também para um presbiteriano escocês radical, essas palavras foram “ditas a
respeito de um reino do qual [Pilatos] nunca ouvira falar antes” (McGl. Es. 1.6
[1786:105]). Féücité Robert de Lamennais, um teólogo francês católico-romano
e hom em das letras — esforçando-se para separar a igreja com o um reino
imortal do surgimento e queda de reinos e instituições terrenos (Lam. Av.
10.X.1831 [Forgues 10:382]) — afirmou que o Cristo conquistador, por meio
de sua ressurreição, conquistou “os ministros do príncipe deste mundo”
(Lam. Par. cr. 38 [Forgues 11:147]) e, com o a sabedoria personificada descrita
no livro de Provérbios, declarou: “Por meu intermédio os reis governam”
(Pv 8.15; Lam. Rei. 10 [Forgues 7:300]). Portanto, o papa era de fato “o
soberano pontífice, o vigário de Jesus Cristo na terra”, mas isso indicava “a
separação total da Igreja e do Estado” (Lam .Λ ν. 7.xii.l830 [Forgues 10:197,
199]). N o entanto, nem mesmo isso seria suficiente para satisfazer o papado
que condenava Lamennais (Gr. XVI. Mir. \ASS 4:341 -42]) nem os críticos
do catolicismo-romano que consideravam “o reconhecimento de qualquer
outro cabeça visível da igreja além do nosso senhor soberano o rei [inglês]”
com o desqualificando qualquer um por deter um cargo político (Clrdge.
Const. 1.9, 2 [Coburn 10:81,118]).
N o entanto, qualquer que seja a aplicabilidade das questões políticas ou
eclesiológicas, no N ovo Testamento, a metáfora “reino de D eus” era fun-
damentalmente escatológica em sua significação. Quando “Jesus foi para a
Galileia, proclamando as boas novas de Deus. Ό tempo é chegado’, dizia
ele. Ό Reino de Deus está próximo’ ” (Mc 1.14,15; Jam. Sac. hist.. 2.2 [1802-
1:308-9]), esse evangelho do reino era um conceito derivado de Israel, mas um
conceito que se desvencilhou da ênfase política e cerimonial que possuira (Rd.
Unt. 1.7 [Ruhbach, p. 16]) e a substituira por uma convocação escatológica
284 Λ♦ OS FUNDAMENTOS DACOSMOVISÃO CRISTA
‘sobre’ todos (pois isso ele já está), mas também ‘em ’ todos, que D eus seja
‘tudo em todos’ e que ‘todos sejam um nele’ ” (Slv. Duch. osn. 1.1 [Radlov
3:287]). O reino de Deus, insistiu ele, tinha de ser um reino universal, um
reino em que não só a humanidade, mas o cosm os, alcançaria essa unidade;
“é para esse reino manifesto e universal que oramos” no Pai N o sso (Mt 6.10;
Slv. Bogo. 2 [Radlov 3:15]).
O origenismo, por esses “erros” e também por outras “especulações”
escatológicas precipitadas (Wms. Res. 4.11 [Tr. Tms. 87:32]; Mak. Prav. bog. 66
[Tichon 1:397]), foi condenado, e mais de uma vez, nos primeiros séculos da
igreja (Mhlr. Pat. 3 [Reithmayr, p. 568]). Orígenes, com o uma figura imponen-
te de santidade e erudição (Grnvg. Ref. 3 [Begtrup 5:321]), foi “o primeiro
que sempre juntou as doutrinas cristãs em um tipo de sistema” (Mhlr. Ath.
1 [1827-1:92]). Ele, conform e afirmou em seu livro Sobre osprimeirosprincípios
(veja vol. 1, p. 125-31), estava comprometido com “a preservação da pregação
da igreja transmitida pela tradição \tradita\ por meio da ordem de sucessão
dos apóstolos e preservada até a presente data nas igrejas” (Or. Princ. pr. 2
[G O ’22:8]). N ão obstante, ele reconhecia que, nessa tradição, havia muitos
pontos que ficaram “obscuros” e que “precisavam de explicação” (Pal. Evid.
1.1.9.6 [Wayland 3:136]) e dedicou seus talentos com o estudioso da Bíblia e
pensador especulativo à tarefa de explicá-los (Vnzi. Rec. 2 pr. [1864-II:vi]).
Será que ele ou Gregorio de Nissa pretendiam com “a restauração de todas
as coisas” nada mais que “a restituição de um homem corrupto à incorrup-
tibilidade” por meio da ressurreição de todos (Vnzi. Rec. 1.6 [1864-1:42]) ou
será que ele, conform e debatia a maioria dos estudiosos, anteviu um eventual
fim para a punição para todos, até mesmo para o demônio (Vnzi. Rec. 1.13
[1864-1:113-22])? O dilema de Orígenes continuou a confrontar os exposi-
tores da “tradição apostólica”. D e acordo com um elemento dessa tradição,
a misericórdia de D eus em Cristo era toda inclusiva, prometendo um reino
no qual todos seriam salvos (Lam. Par. cr. 27 [Forgues 11:102]), uma “relação
universal com toda a humanidade” (Thom. Cr. 56 [1856-111:98-99]). Contudo,
essa vontade salvífica de Deus “não [era] incondicionalmente universal”, uma
vez que tornava a salvação condicional a sua aceitação pela fé (Thom. Chr.
67 [1856-111:457]). Além disso, mesmo aqueles que abrigavam pensamentos
e esperanças de universalismo tinham de lidar com as inequívocas “declara-
ções de punição eterna” nos evangelhos, em que Cristo “nunca divulga um
sistema de dúvida ou fragilidade, com o se pudesse haver alguma injustiça ou
severidade excessiva neles” (Bush. Vic. sac. 3.5 [1866:344]).
286 ♦♦♦ OS FUNDAMENTOS DACOSMOVISÃO CRISTA
a ser uma forma de ler os evangelhos. Não seria mais suficiente considerar
o “erro escatológico” dos apóstolos com o uma “objeção” (Pal. Evid. 3.2
[Wayland 3:351-52]) à qual a apologética tinha de responder porque a fonte
do “erro” não era responsabilidade dos apóstolos e sua leitura equivocada
da mensagem de Jesus, mas era a mensagem e as expectativas de ninguém
menos que o próprio Jesus. “Em todo o cristianismo primitivo, incluindo o
ensinamento do apóstolo Paulo, concluiu Weiss, corria “uma combinação
de alegria no presente com uma firme crença no futuro”, no iminente fim
de todas as coisas e na vinda do reino de D eus por meio de uma intervenção
apocalíptica radical (Wss. Ur. 3.15 [Knopf, p. 342]). Pois foi “com base nos
ditos do Senhor”, que não eram de sua própria criação, que a igreja primitiva
esperava que “sua própria geração, ou, pelo menos, alguns dos discípulos
imediatos do Senhor, vivesse para ver o fim” (Wss. Ur. 1.4 [Knopf, p. 97]).
Em resposta a todos esses desafios “aos fundamentos da visão de mundo
cristã” no final do século X IX e início do XX, os autores da obra Osfunda-
mentos no protestantismo evangélico, os autores de Fundações no protestan-
tismo liberal (veja p. 383 abaixo), os porta-vozes para a alternativa ortodoxa
oriental tanto para o protestantismo quanto para o catolicismo-romano, e
os expositores do catolicismo-romano — todos que diferiam muitíssimo em
quase toda a questão da doutrina cristã — todos se juntaram para identificar
a questão perene da autoridade doutrinai com o uma (ou a) questão decisiva.
“A defesa do cristianismo”, declarou um membro do último grupo, “sempre
tem origem em três pontos fundamentais: a incapacidade de raciocínio para
unir os homens na verdade; a necessidade de ensinamento divino com o uma
autoridade para chegar a esse objetivo; e a existência dessa autoridade de
ensino infalível apenas na igreja católica” (Lacrd. Cons. 3 [Poussielque 7:73,
59]). Sobre o locus dessa “autoridade de ensinamento infalível” seria muito
mais controverso entre aqueles que, pelas várias definições, identificavam-se
com o “ortodoxos” na doutrina; mas todos eles concordavam a respeito da
necessidade dessa autoridade para estabelecer a definição da doutrina orto-
doxa: “O objeto formal de fé é a autoridade do D eus que revela” (Marc. Inst.
30.7.1 [Tomassini 6:48-49]).
A definição de doutrina
da qual participava (Clrdge. Inq. esp. [Hart, p. 40-41]). Por essa razão, não
havia contradição, mas uma complementaridade, entre o senso de história
e o entendimento da fé religiosa com o consciência de si mesmo; a “cons-
ciência de si mesmo [samopo^nanie]” podia fazer parte do m étodo teológico
de uma ortodoxia estrita (Jer. Niz. Inst. S [1864:361-62]). O evangelho era
colocado com o história antes de se tornar doutrina; entre as várias maneiras
de conhecer “as vantagens surgindo do m odo histórico de escrever” (Makr.
Log. Kat. 2 [1871:34]; Jam. Sac. hist.. 1.3 [1802-1:226]) e também desvantagens
fora fixado de forma permanente os limites para determinar suas “verdades
doutrinais mais importantes” (Clrdge. Ref. 7.7 [Shedd 1:234-35]). Conforme
observaram dois teólogos de pontos de vista muitíssimo divergentes (Newm.
Dev. int. 5 [Harrold, p. 7]; Newm . Gram. 2.9.3, 2.10.2.9 [Ker 1985:240, 297];
Chan. Fén. [AUA, p. 561]), o mais lamentável era que “o único escritor inglês
com alguma pretensão de ser considerado um historiador eclesiástico seja
o descrente Gibbon”. Embora o Iluminismo tenha usado a crítica histórica
com o uma arma (Krks. Teol. 8 [1898:131]), ele negligenciou de fato a história,
bem com o seus oponentes ortodoxos (Pus. Hist. 2.8 [1828-11:127-28]).
Esses intérpretes da mensagem cristã — mesmo enquanto ecoavam
formulações do princípio de mediação histórica que chegara a eles por meio
da tradição de períodos anteriores da história da igreja (Krks. E k k i Hist. 6
[1897-1:17]; Grnvg. Snd. Chr. [Begtrup 4:447]) — estavam muitíssimo cons-
cientes de sua própria posição especial nessa história e, específicamente, na
história do entendimento dessa história (Sail. Past. 1.2.4.88 [1835-1:191]).
Pelo menos desde a Reforma, havia uma discussão teológica contínua sobre
o cânone bíblico (veja vol. 4, p. 201, 274-75, 331-32, 334-35, 344-45), mas
só agora havia uma sólida crítica histórica do cânone (Hfrnnn. Enc. 2.3.2
[Bestmann, p. 246]). Estreitamente ligado a isso estava o estudo crítico da
“história da hermenêutica bíblica entre os cristãos” com o um preâmbulo para
a exegese (Ub. Int. 2. prol. [1886-111:8-17]). À medida que essas definições
da crença ortodoxa em todas as várias denominações igualavam a fé com o
conhecimento da verdade revelada e a aceitação dela, sobrou pouco espaço
para a história e suas ambiguidades (Rd. Fid. imp. 2.11 [1890:57]). Parecia que
uma “era escolástica”, ao construir seus sistemas teológicos, “tem, todavia,
pouca sensibilidade para a investigação histórica”; na era moderna com o um
resultado disso quando um crítico radical da história empreendeu o exame
da origem e desenvolvimento de instituições, pessoas e idéias estimadas, “o
sistema com eçou a ceder com uma luz deslumbrante e desconcertante porque
insólita” (Pus. Hist. 1 [1828-1:39]). Quando, do mesmo modo, a defesa da
294 ♦♦♦ A DEFINIÇÃO DA DOUTRINA
cristã, com o o judaísmo do qual viera, foi fundada em cima de certos eventos
(Camp. Εν. 14 [Owen, p. 173]) — o êxodo do Egito para o judaísmo; a vida,
morte e ressurreição de Cristo para o cristianismo (Camp. Εν. 15 [Owen, p.
190]) — que professavam ser assuntos de fato histórico: se estes eram ver-
dades com o historia, também o argumento corria a despeito de importantes
objeções (Less. Bew. [Rilla 8:12-14]), o todo do sistema cristão era verdade;
mas se eles não eram historicamente factuais conforme avaliado pelas regras
apropriadas de evidência (fossem quais fossem), as declarações de verdade
do cristianismo perderíam sua credibilidade. A história de Cristo, junto com
a história dos apóstolos e da igreja primitiva (Schl. Chr. gl. 129 [Redeker
2:288-91]), ocupava um lugar especial. Era, em um grau, o primeiro capítulo
de uma série que constituíam a história toda do cristianismo, mas, em outro
grau, desfrutava de uma posição normativa com o o padrão pelo qual todo o
desenvolvimento histórico subsequente da igreja tinha de ser julgado (Hrlss.
Enc. 1.2.9 [1837:29]).
N o entanto, essa simples distinção às vezes provava ser extremamente
complicada. Supunha-se que o estudo crítico-histórico dos evangelhos e o
entendimento doutrinai da pessoa e obra de Cristo pela igreja coincidiam (Rtl.
Unt. 1.25 [Ruhbach, p. 28-29]), mas ficou óbvio do estado da teologia e da
igreja durante o século X IX que eles, com frequência, não coincidiam. Por
exemplo, a mensagem das igrejas continuava pregando e ensinando sobre o
reino de D eus com o se o estudo histórico do N ovo Testamento não estivesse
levantando ao mesmo tempo a questão da “escatologia consistente” da men-
sagem de Jesus nos evangelhos sinóticos (veja p. 286-87 acima). Talvez os
defensores desse estudo essencial argumentassem que ele só podia enriquecer
a fé autêntica por meio de sua investigação histórica sem limite de cada ques-
tão, por mais sagrada que fosse (Hrmnn. N t. [1913:34]). Mas mesmo alguns
que praticavam e inculcavam eles mesmos o método histórico de entender
o cristianismo e que atacavam “a hipótese [...] de que o cristianismo não está
no território da história” (Newm. Dev. 1. int. 2-3 [Harrold, p. 4-5]) resistiram
a qualquer sugestão “de que [o cristianismo] é uma mera religião histórica”;
ao contrário, insistiam eles, “nossa comunhão com ele está no invisível, não
no obsoleto” (Newm. Gram. 2.10.2.10 [Ker 1985:313]). Ou, conforme insistia
outro historiador com um conjunto totalmente diferente de pressuposições
teológicas, a autêntica fé cristã, em última análise, não estava preocupada
com os julgamentos de facticidade histórica, que estavam sempre sujeitos
a revisão com base em mais pesquisa, mas com “os julgamentos de valor”
(Rd. Fid. imp. 2.12 [1890:68]).
O principio da mediação histórica ♦♦♦ 297
Foi assim que os julgamentos do raciocinio histórico vieram a ocupar
boa parte do importante terreno na posição apologética das igrejas em opo-
sição a um ceticismo histórico “que torna o presente mom ento a medida do
passado e do futuro” (Chan. Evid. cr. 2 [AUA, p. 214]). “Se eles podem criti-
car a história”, poderia ser dito em um contra-ataque, “os fatos da história,
com certeza, podem replicar a eles” (Newm. Dev. 1. int. 5 [Harrold, p. 7]).
A argumentação histórica podía tomar a forma de sustentar que a descrição
desfavorável da nação judaica no Antigo Testamento provava que ele não
era a obra de um impostor (Kbl. Oc. 13 [Pusey, p. 437]) e, da mesma maneira,
que a evidente “coincidência involuntária” na relação entre os vários livros
do N o v o Testamento, que pareciam manifestar esse descuido, era de fato
evidência para sua autenticidade (Pal. Hor. Paul. 1 [Wayland, p. 120,115]). Essa
argumentação podía alternadamente defender o uso da alegoria com o um
m étodo para afirmar a historicidade da Escritura, não para negá-la (Vnzi. Rec.
2.28 [1864-11:395]). Urna vez que a legitimidade dos livros bíblicos foi aceita,
a origem divina da fé cristã foi estabelecida (Clrdge. Rev. reí. 4 [Coburn 1:178-
79]). D o mesmo modo, a “autoridade histórica” e a autenticidade histórica
dependiam da legitimidade de um texto, sua credibilidade histórica e seu autor
(Ub. Int. 1.1. int. [1886-1:16-17]); essa “autoridade” não estabelecia a certeza
da fé, que dependia de verificação sobrenatural (Marc. Inst. 7.2.2 [Tomassini
1:381]), mas podia na melhor das hipóteses confirmar sua “probabilidade”.
O que ela fazia, de acordo com alguns, era demonstrar que a definição de
cristianismo característica da igreja nos séculos subsequentes permanecia em
continuidade com os ensinamentos de Cristo e dos apóstolos (Newm. Dev.
1. int. 3 [Harrold, p. 5]). O Espírito Santo fundou a igreja em continuidade
com a carreira histórica de Jesus Cristo com o o Senhor da igreja (Thom. Chr.
64 [1856-111:388]).
Essa continuidade do evangelho e da fé ao longo dos séculos da história
da igreja fazia parte de um plano divino e uma lei da história — não “um
espetáculo morto”, mas “um ser vivo” que avançava do passado para o futuro
(Lacrd. L oi hist. [Poussielque 7:268]). Ao mesmo tempo, o exame atento dessa
história em comparação com o presente revelou uma descontinuidade tão
drástica e fundamental “que ficamos tentados a pensar que fundamentar nossa
conduta agora nos princípios reconhecidos na época não passa de teoria e
inutilidade” (Newm. Prim.prac. [7r. Tms. 6:1]). Assim, claramente a afirmação
de continuidade não dependia de uma série de fenôm enos empíricamente
verificáveis, mas de alguma definição aceita do que pertencia de fato à história
da igreja e o que não pertencia: apenas aqueles genuinamente qualificados
298 ♦ ♦ ♦ A DEFINIÇÃO DA DOUTRINA
com o os “santos pais” da igreja eram também “uma mina eterna” de sabedoria
e conhecimento sobre a verdade divina (Ces. Ep. 2.V.1825 (Manuzzi 2:402]).
A história, para aqueles definidos dessa maneira, servia com o “o comentá-
rio de D eus sobre a palavra de D eus” (Krth. Rei. [1877:5]), que só podia ser
ignorado com grande risco, e os teólogos a quem faltava o conhecimento da
história secular e eclesiástica para ler esse comentário estavam sujeitos a cair
em todos os tipos de erros absurdos (Marc. Inst. 7.2.1 [Tomassini 1:380-81]).
Na execução concreta da tarefa do historiador, essas especulações sobre a
teologia da história (correspondendo às muitas especulações contemporâneas
sobre a filosofia da história, e não infrequentemente dependendo delas), com
frequência, permitem uma definição de teologia histórica modelada pelos
métodos e limitações inerentes a toda historiografia. Tanto a natureza da
designação quanto a posição apologética do historiador eclesiástico exigia
que a metodologia usada pela história da igreja e da doutrina fosse definida
de um m odo que seria reconhecido com o válido por qualquer outro historia-
dor, independentemente do campo ou pressuposição. Finalmente, não havia
isenção das “regras da historiografia em geral, quando aplicadas ao conteúdo
característico da história do dogma” (Klfth. DG . 92 [1839:303]). Embora os
historiados ortodoxos orientais tivessem uma consideração especial pela vida
e carreira de Constantino com o o “objetivo” da história da igreja primitiva
(Krks. E kkl. Hist. 75 [1897-1:236]) e pela igreja bizantina no período de Fócio
(Dmtr. Ort. [1872:1-2]; Krks. Ληίίραρ. 3 [1893:52]); os católicos-romanos,
pelo século XIII, com o a “era dourada”; e os protestantes, pelo século XVI
(Crnly. Int. 1.3.2.14.248 [1885-1:657]), em especial pela vida e ensinamento
de Lutero (veja p. 138-42 acima) — e todos eles pela singularidade do sé-
culo I (veja p. 116-19 acima) — eles todos poderíam afirmar o axioma: “O
verdadeiro historiador da igreja deixa para cada era suas próprias vantagens
peculiares, sem qualquer preocupação” (Schf. Prin.prot. 2.5 [Mere. 1:176]). O
historiador da igreja e da doutrina cristã de qualquer período, com o qualquer
bom historiador, tinha a responsabilidade de começar com as fontes e levar
o leitor de volta às fontes (Klfth. ZX7.106 [1839:363]).
Os historiadores de todas as igrejas, no curso para fazer isso, aprende-
ram com o as questões que pareciam ser puramente históricas passaram a ser
explosivas da perspectiva doutrinai e profundamente desagregadoras. N o
século XVII, “a reunião em M oscou de manuscritos antigos de vários lugares
da Rússia” pode ter parecido para um observador de fora ser um exercício
inofensivo em antiquarianismo e o que a ortodoxia denomina “filologia
eclesiástica” (Oik. Gr. Niss. [1850:xi]), mas um historiador do século XIX
O princípio da mediação histórica
mostrou com o essa se tornou uma ocasião para o cisma, ou “raskol”, russo
(Mak. Rask. 2.1 [1858:161-65]); a história da liturgia era uma parte indispen-
sável da história da igreja (Hrth. Thrsk. 1.2 [1895:10-12]). M esmo enquanto
um historiador católico-romano tentava rejeitar com o calúnia uma acusação
de que a fé católica exigia “uma aprovação das percepções e interpretações
da Escritura que a ciência moderna e a pesquisa histórica desacreditaram
totalmente” (Newm. Insp. 1.1 [Holmes-Murray, p. 101]) e outro declarava
que a rejeição da interpretação sacrificial da missa pelos reformadores pro-
testantes era uma “negação obstinada” dos claros resultados da investigação
histórica honesta (Mhlr. Lehr. 3.71 [1835:432]), o debate sobre a doutrina da
infalibilidade papal (veja p. 310-13 abaixo) estava para envolver ainda outros
nas pesquisas cuja conclusão era que “os adeptos da teoria da infalibilidade da
história da igreja da Antiguidade no primeiro milênio parece ser um enigma
insolúvel” (Doll. Vat. dekr. 1 [Reusch, p. 4]). Essas contradições foram tomadas
pelos protestantes com o prova de que a historiografia honesta confronta ne-
cessariamente os ensinamentos autoritários da “igreja romana” (Hrmnn. N t.
[1913:44]). Os católicos-romanos, por sua vez, esforçavam-se para resgatar e
reabilitar a história de seu domínio pelos “alemães e protestantes” (Mnd. Int.
cath. 2 [Lecoffre 5:40]) e, porque os protestantes negavam tanto a autoridade
da tradição quanto a validade do desenvolvimento doutrinai, insistiam que
“ser profundo na história é deixar de ser um protestante” (Newm. Dev. 1.
int. 5 [Harrold, p. 7]).
O tratamento de vários períodos da história da igreja durante o sécu-
lo X IX manifestou uma combinação inescapável de tendência e objetivi-
dade. Os debates sobre a infalibilidade papal e questões relacionadas a ela
obrigaram os católicos-romanos não só a reexaminar questões históricas em
debate, com o a condenação do papa H onorio I, mas também a explicar em
que sentido seria possível dizer que “só o pontífice romano tem a autoridade
comum para presidir um concilio geral” (Marc. Inst. 4.6.1 [Tomassini 1:175-
77]) e que o papa de Roma era o cabeça da igreja, o que a ortodoxia oriental
negava (Fil. Ent. [Soudakoff, p. 53]), ou a explicar porque a evidência para a
primazia do papa era tão ambígua nos três primeiros séculos da igreja (Mhlr.
Ein. 2.4.71 [1843:247]). D a mesma maneira, o reconhecimento de que a “Re-
forma” não estava confinada ao século XVI, mas era um impulso correndo
por toda a história da igreja que, no fim, ajudaria a estimular o “renascimen-
to de Lutero” (veja p. 354 abaixo) na primeira metade do século X X (Schl.
Chr. st 1.1.B [Reimer 12:178-82]) e, por intermédio disso, contribuiría para
300 ♦♦♦ A DEFINIÇÃO DA DOUTRINA
A inspiração e a infalibilidade
Alexander Campbell, fundador da denominação Discípulos de Cristo
— ao afirmar, durante um debate com um católico-romano, em 1837: “N ós
dois concordamos que a verdadeira razão da infalibilidade é a inspiração”
(Camp. Prcl. 17.1.1837 [1875:168]) — não só descreveu de forma acurada
o fundamento com um entre ele mesmo e seu oponente (que era a base
para suas diferenças fundamentais), mas também expressava o que era uma
convicção quase universal a respeito da relação entre a inspiração e a infa-
libilidade, pelo menos quando ligada à própria Escritura. “As Escrituras”,
declarou outro teólogo protestante do século XIX, “são infalíveis, ou seja,
dadas pela inspiração de D eus” (Hdge. Sist. Teol. int. 6.2 [1981-1:153]). Para
alguns observadores, parecia haver uma analogia estrutural entre as doutrinas
protestantes de “ditado infalível” quando aplicada ao texto da Bíblia e “os
dogmas papistas de infalibilidade” (Clrdge. Inq. esp. 4 [Hart, p. 61]): não o
caráter da infalibilidade, apenas seu locus, estava em debate.
Esse senso de analogia envolvia o reconhecimento de que as descrições
ortodoxas orientais e catóücas-romanas da ligação entre a inspiração e a
infalibilidade, enquanto compartilhavam as crenças dos protestantes sobre
a historicidade das Escrituras com o tal (Sail. Past. 1.3.1.100 [1835-1:233]),
assumiram um trajeto decididamente diferente da relação que apresentavam
entre as Escrituras e a igreja (Mak. Prav. bog. 3 [Tichon 1:20]; Ub. Int. 3.2.10.
int. [1886-111:240]). N esse sentido, a inspiração e a infalibilidade eram “dois
dogmas”, não um (Newm. Insp. 1.8 [Holmes-Murray, p. 106-7]): um deles
pertencia à autoridade da Escritura com o inspirada; e o outro, à interpre-
tação desta por uma igreja infalível. Era necessário, mas não suficiente, de-
clarar que a Escritura era “do com eço ao fim divinamente inspirada”, pois
a aplicação extrema do princípio de julgamento privado a toda a história do
protestantismo compelira o reconhecimento de que a igreja era “a única in-
térprete infalível desse texto inspirado” (Newm. Insp. 1.15 [Holmes-Murray,
p. 111]); infalibilidade, mas não inspiração, era o termo apropriado para isso.
Os protestantes consistentes rejeitavam totalmente a designação de uma
igreja infalível com o a garantia de uma Escritura inspirada (Hdge. Es. Rev. 5
[1857:196]). As duas teorias, pelo menos dessa forma, eram absolutas: não
podia haver “graus” de infalibilidade nem de inerrancia inspirada (Clrdge.
Inq. esp. 2 [Hart, p. 45-46]).
A questão fundamental* com o também o fora na Reforma e no Uuminis-
mo, era a autoridade (Hrth. Thrsk. 2.3 [1895:337]; veja vol. 4, p. 329; p. 123-28
acima). Embora a terminologia também fosse usada pela teologia ortodoxa
304 ♦♦♦ A DEFINIÇÃO DA DOUTRINA
♦
grega (Krks. Teol. 11 [1898:164]), o esforço dos protestantes continentais
para definir um “material principal” (justificação só pela fé) e um “princípio
formal” (a autoridade só da Bíblia) prometia mais do que liberara na tenta-
tiva de esclarecer essa questão fundamental (Rtl. Ges. Auf. 8 [1893:234-47]).
“Estamos”, lamentou Keble, “praticamente sem uma corte de apelação final
nas causas doutrinais” (Kbl. Oc. 6 [Pusey, p. 213-14]). Se a autoridade fosse
definida com o “uma superioridade que produz submissão e veneração” (La-
crd. Conf. 35 [Poussielque 3:349]), a isso tinha que se seguir que a verdadeira
religião seria aquela que se alicerça na maior autoridade visível possível (Lam.
Indiff. 20 [Forgues 2:186-204]). A inspiração e a revelação eram estreitamente
relacionadas, mas não eram idênticas (Clrdge. Inq. esp. 7 [Hart, p. 77]). Para as
religiões-natureza, tudo podia ser uma revelação, e era, ainda acima de tudo,
a ocorrência incomum que se pensava deter autoridade profética especial
(Doll. Heid. jud. 4.1 [1857:184]). A autoridade apostólica, também no N ovo
Testamento, era identificável por seu “imediatismo” e objetividade (Bau.
Chrpart. [Scholder 1:53]). Uma autoridade se autenticava por critério como
a superioridade de conhecimento, de virtude e dos números que podia rei-
vindicar (Lacrd. Conf. 3 [Poussielque 2:51]).
A questão de onde localizar a doutrina da Escritura e sua inspiração na
sequência sistemática das doutrinas cristãs, enquanto aparentemente uma
matéria apenas do próprio método e princípio de organização do teólogo
sistemático (Piep. Chr. dogm. [1917-1:172-228]), com frequência passava a ser
uma forma de lidar com toda a questão da autoridade, em particular quando
a “teologia sistemática” significava “teologia polêmica” (Innok. Bog. 5 [1859-
1:15]). Alguns teólogos na época dos protestantes ortodoxos iniciaram seus
sistemas com a doutrina da Escritura com o a palavra de Deus, enquanto seus
oponentes católicos-romanos vincularam a discussão da Escritura à discussão
da igreja (veja vol. 4, p. 406-21). N o século XIX, essa distinção confessional
também fora velada. Um sistematizador católico-romano afirmou que uma
vez que a teologia lida com assuntos sublimes e divinos, a primeira questão a
ser considerada tinha de ser a autoridade, e ele então prosseguiu diretamente
para a doutrina da Escritura e sua inspiração (Marc. Inst. 1 [Tomassini 1:7]).
Em um m étodo alternado, a Escritura, com o a palavra de Deus, foi agrupa-
da com a igreja e outros “meios de graça”, e um teólogo protestante podia
montar um caso para não incluí-la sob o “prolegóm enos” de dogmática, mas
nos capítulos eclesiológicos posteriores (Thom. Chr 66 [1856-111:446-53]).
Grundtvig, a despeito de sua grande estima pela inspiração bíblica (Grnvg. Snd.
Chr. [Begtrup 4:447]), chegou até m esmo a insistir que era “a palavra oral do
A inspiração e a infalibilidade ♦♦♦ SOS
de ser atribuídos ao próprio Deus e, por essa razão, tinham de ser aceitos
com o histórica e científicamente acurados.
O protestantismo conservador, a ortodoxia oriental e o catolicismo-romano
permanecem em grande medida juntos na defesa da doutrina tradicional da
inspiração bíblica durante o século XIX. O ponto em que eles se dividiram
e todos seguiram caminhos separados foi sobre a questão de se “o dom da
inspiração exige com o seu complemento o dom da infalibilidade” ou não
(Newm. Insp. 1.15 [Holmes-Murray, p. 111]) — referindo-se não à “infalibi-
lidade de Cristo” com o “uma dotação original e necessária de sua natureza
superior”, que era uma implicação necessária do trinitarismo ortodoxo que
todos eles tinham em comum, mas à infalibilidade da igreja (Lid. Div. 8
[1867:680]). A percepção protestante, afirmada de uma forma extrema que
muitos não aceitariam sem qualificação relevante, era essa porque o N ovo
Testamento era “o dom de Cristo e foi escrito sob sua orientação e inspira-
ção”, ele veio a ficar “para nós agora no lugar da presença pessoal do Senhor
e seus apóstolos” (Camp. Syst. 12.2 [1956:34-35]). A doutrina cristã, por con-
traste, era que Deus, em vez de ter “deixado o cristianismo com o um tipo
de literatura sagrada, conforme contido na Bíblia”, tinha “de fato iniciado
uma sociedade” que era sua igreja (Newm. Vise. ig. 1 [7r. Tms. 11:4-5]). Os
mestres ortodoxos orientais continuaram para afirmar a doutrina patrística
de que o Espírito Santo e a igreja com o o reino de Deus eram inseparáveis
(Fim. Stlp. 1st. 6 [1929:136-39]).
A igreja, com o o povo de Deus, foi encarregada da missão de procla-
mar a palavra de D eus (Mynst. Pr. 37 [1845-11:47]), e, por essa razão, não
havia salvação fora dela: em relação aos ensinamentos patrísticos (Cipr. Ep.
73.21 [CSEL 3:795]), uma vez que não havia discordância entre as doutrinas
católica-romana, ortodoxa oriental e protestante (Hrbn. Crk. 8 [1861:310]). A
discórdia veio a respeito da identificação das “credenciais” da “descendência
apostólica” com a qual a igreja fora enviada para o mundo a fim de proclamar
a palavra (Newm. Min. com. \Tr. Tms. 1:2]) e a respeito da promessa correlativa
de que “a igreja visível de Cristo é infalível” (Hno. Teol. 3.2.3.3 [1785-111:316]).
Cristo disse a Pedro: “Mas eu orei por você, para que a sua fé não desfaleça \ut
non defidatfides tua\. E quando você se converter, fortaleça os seus irmãos” (Lc
22.32 [Vulg.]). D e acordo com o ensinamento católico-romano, essa oração
foi cumprida não só na vida de Pedro, com o indivíduo, mas também na sé
de Pedro, cuja fé sempre foi infalível e cuja missão, ao longo da história (veja
vol. 2, p. 168-77), tem sido “confirmar” e restaurar outros que abandonaram
a fé apostólica (Ces. St eccl. 1.8 [1881:101-2]) — incluindo a sé de Constant!-
310 ADEFINIÇÃO DADOUTRINA
(não existindo o “N ovo Testamento” com o tal quando essas passagens fo-
ram escritas) (Fund. 4.2 [1910-IV:59]); por sua vez, o principal suporte para
a doutrina da inspiração divina do N ovo Testamento, e assim para a inspira-
ção da Escritura com o um todo, teve origem na tradição contínua da igreja
(Ub. Int. 1.2.45 [1886-11:71]). Um sumário ponto a ponto do caso em favor
da revelação divina e da doutrina da inspiração levou à afirmação de que “a
informação e o conhecimento sobre todas as revelações genuínas nos são
mediados só por intermédio da tradição”, quer escrita em sagas e escrituras
quer transmitida oralmente com o “tradição viva” (Dry. A pol 1.2.7.49 [1838-
1:381]). D a mesma maneira, os apoiadores da doutrina da infalibilidade papal
tiveram de se defender contra as acusações de negarem a tradição (Gr. XVI.
Tr. pr. [Battaggia, p. xii]); pois era amplamente defendido que “a principal
tarefa do mais alto cargo na igreja é vigiar, orar e lutar a fim de que o ‘fardo
[...] leve’ de Cristo, pela imposição de novos e desnecessários pesos, passe a
ser um jugo pesado” (Mat 11.30; Sail. Mor. 5.2.252 [1817-111:135]).
O princípio da mediação histórica, com o a doutrina da inspiração, tam-
bém levou à questão da continuidade da tradição, ao que podia ser identificado
com o (sinónimamente) “o [elemento] histórico ou o tradicional” (Klfth. DG.
22 [1839:44]; Slv. Krit. 2 [Radlov 2:17]) do dogma cristão. Isso era um ensino
dogmático padrão tanto na ortodoxia oriental quanto no catolicismo-romano
que Deus preservara as tradições por intermédio da continuidade do uso pela
igreja, por meio dos atos dos concilios e dos escritos dos pais da igreja e por
intermédio de sua própria providência (Marc. Inst. 3.4.2 [Tomassini 1:146-47];
Chom. Crk. 5 [Karsavin, p. 24]). Portanto, o critério para o “caráter distintivo”
de verdade podia ser encontrado nas duas qualidades de “universalidade e
perpetuidade” (Lacrd. Cons. 1 [Poussielque 7:41]). Lamennais, depois de relatar
as marcas tradicionais da igreja com o una, católica e apostólica, formulou seu
caso para essas marcas ao detalhar a maioria dos argumentos padrões: “com
base no bom senso e nos textos formais da Escritura, conform e confirmado
mais uma vez por uma tradição unânime, pela autoridade dos concilios, dos
pais e dos escritores eclesiásticos de todas as eras, pelas liturgias e por toda
a história da igreja desde sua origem” (Lam. Indiff. 6 [Forgues 1:147-49]).
Um estudioso protestante, trabalhando a partir de taxonomía similar
de tradições, distinguiu entre tradições rimais, históricas e dogmáticas; no
caso de todas as três, declarou ele, o protestantismo “afirma a necessidade
histórica delas”, mas “as coloca sob” as Escrituras (Schf. Prin.prot. 1.2 [Mere.
1:110]). A última das três, a noção de uma “tradição dogmática formal”, era
a mais problemática para os protestantes; contudo, estava simultaneamente
316 ADEFINIÇÃO DADOUTRINA
contida na Escritura e afirmada nos credos (Grnvg. Chr. Snd. [Begtrup 4:534-
35]; Grnvg. Ref. 3 [Begtrup 5:347]) e, por conseguinte, a tradição dogmática
“não [era] urna parte da palavra divina separada da [palavra] escrita, mas o
conteúdo da própria escritura conforme apreendida e determinada pela igreja
contra as heresias passadas e as novas que estão sempre surgindo”. Essa
tradição, portanto, era “a única fonte da palavra escrita, apenas deixando-se
emanar/correr no fluxo da consciência da igreja” (Schf. Prin.prot. 1.2 [Mere.
1:115-16]). Um teólogo católico-romano, a partir de um entendimento si-
milar da consciência da igreja, argumentou que uma vez que, pelo menos
em um plano, a questão: “O que Cristo está ensinando?” era uma questão
completamente histórica, ela podia ser parafraseada com o seguinte sentido:
“O que sempre foi ensinado na igreja pelos apóstolos?”, que, por sua vez,
equivalia a perguntar: “Qual é o conteúdo da tradição universal e perpétua?”
(Mhlr. Ein. 1.2.10 [1843:29]).
Outro teólogo católico-romano, invocando esse m esm o critério da
“tradição universal e perpétua”, rejeitou a argumentação protestante de que
o cristianismo em sua origem se opusera a essa tradição, pois, ao contrário,
reivindicara uma identidade com ela (Lam. Indiff. 37 [Forgues 4:385-86]); o
protestantismo, na cultura ocidental, era visto com o o com eço da emancipa-
ção da personalidade humana da autoridade da tradição (Slv. Bogo. 2 [Radlov
3:16]). Essa argumentação protestante que — conform e observaram os
críticos ortodoxos e católicos-romanos, podia reivindicar uma tradição sua
mesma remontando aos próprios reformadores (Oik. Gr. Niss. pr. [1850:iii])
— estava se afirmando com novo vigor exatamente com o o argumento do
consenso da tradição também estava sendo formulado com nova força não
só nos sistemas ortodoxos orientais ou romanos-católicos que eram seu ce-
nário familiar, mas também no chamado que emanava de vários protestantes
para um “catolicismo protestante” com o “o verdadeiro ponto de vista, todos
necessários para as necessidades da época” (Schf. Prin. prot. 2.6.83 [Mere.
1:230]; Krth. Cons. ref. pr. [1871 :viii]). Contudo, o escritor dessas mesmas
palavras tentou ao m esm o tempo se desassociar do Movimento de Oxford
na Igreja da Inglaterra (o que ele denominou “puseyismo”) que ele via com o
um sintoma, embora não um remédio, para as doenças do protestantismo,
incluindo sua indiferença com a tradição (Schf. Prin.prot. 2.4 [Merc. 1:157-64]);
no entanto, ele, “com todos seus erros”, incorporava a força motriz de uma
verdade cujos direitos precisavam ser afirmados (Nvn. Sehf. [Mere. 1:35]). O
próprio E. B. Pusey, em seu primeiro livro, publicado em 1828, expressou sua
admiração pela “percepção intuitiva [de Lutero] da natureza do cristianismo”,
O consenso da tradição cristã ♦♦♦ 317
♦
Era possível entender até mesmo um oponente da última estar falando com o
“o órgão da tradição universal” (ap. Lam. Indijf. 4 [Forgues 1:65]). A doutrina
da imortalidade não era peculiar ao cristianismo, mas veio da tradição humana
primitiva, com o também as “idéias de divindade” (Blms. Rei. 6 [Casanovas
5:10]; Camp. Εν. 01 [Owen, p. 138]). Por isso, a história da especulação filoso-
fica entre os antigos gregos manifestava a complexa relação entre “a tradição
primitiva” e “o conhecimento mais elevado” (Doll. Heid.jud. 5.1 [1857:270]).
N o debate sobre o poligenismo, “as tradições das raças” (veja p. 267-69 acima)
podiam ser citadas com o evidência para a origem única e comum de toda
a humanidade (Krth. Cons. ref. 9 [1871:367]), e de forma mais geral para a
exatidão dos relatos históricos no Pentateuco (Ub. Int. 1.1.37 [1886-1:665]).
A própria propensão do povo de Israel para ser “supersticiosamente zeloso
de suas tradições e cerimônias” tornava “moralmente impossíveis” (Clrdge.
Rev. rei. 1 [Coburn 1:118]) as acusações de adulteração no Antigo Testamento.
A partir dessa argumentação era apenas um pequeno passo para montar um
caso do cristianismo com o “a religião universal ou a verdadeira religião” com
base no fato de que apenas ele incorporava “essa regra de verdade infalível”
e, portanto, era “a mesma religião”, fundamentada na “mesma autoridade”
da tradição universal com o religião em geral (Lam. Indijf. 29 [Forgues 4:12]).
N o entanto, esse mesmo método, nas mãos de críticos racionalistas, podia
levar a um relativismo de longo alcance, em particular quando se via a his-
tória da tradição em geral contendo corrupções e falsificações grosseiras;
então era necessário insistir que a tradição bíblica e cristã era a única entre
as tradições porque todas as outras eram “tradições de hom ens” enquanto
só ela era “tradição divina” (Ub. Int. 3.2.19 [1886-111:336]).
Embora o conceito de “tradição divina” não estivesse de m odo algum
confinado à teologia ortodoxa oriental, ele tinha ali um lugar especial, prin-
cipalmente em sua função positiva com o o conteúdo e o tema da doutrina
cristã, mas também com o um instrumento polêmico contra as novidades
doutrinais ou litúrgicas, quer orientais quer ocidentais. A tradição eclesiásti-
ca era a autoridade por meio da qual a igreja derrotara a heresia gnóstica de
tradição secreta (Krks. Dok. 1.2 [1874:57]), e seu “consenso unânime” (Mtz.
Theoph. [1788:2v]) ainda era a base para o entendimento apropriado tanto da
Escritura quanto da doutrina da igreja (Fil. Ent. [Soudakoff, p. 43]). Por isso,
um historiador protestante do dogma, que definiu “tradicionalismo” com o “o
isolamento do elemento histórico no dogma” e sua consequente fossilização
em ortodoxia estéril (Klfth. DG. 59 [1839:170]) e que criticou a preocupação
excessiva dos estudiosos com os primeiros pais gregos em detrimento dos
O consenso da tradição cristã ♦1♦ 319
latinos (Klfth. DG . 34 [1839:79]), foi em frente para caracterizar “a historia
posterior da igteja grega” com o “o exemplo mais evidente de urna vida de
igreja que passa a não ter tradição” também “na área da doutrina” (Klfth.
DG. 85 [1839:283]). Porque “a igreja oriental”, conforme admitiu Schleierma-
cher, “parece-nos quase com o urna grandeza desconhecida, sobre a qual só
agora e, mais urna vez, um pouco de informação mais precisa chega até nós”
(Schl. Gesch. int. [Reimer 11:33]), essa caricatura da ortodoxia oriental, tanto
grega quanto eslava, passou a ser praticamente canônica na historiografia do
protestantismo do século XIX, de acordo com a qual “a igreja oriental, por
intermédio de [Dionisio], o Areopagita, e (João de] Damasco, desligou-se [to-
talmente] do movimento da história do dogma” (Rtl. Ges.Auf. 5 [1893:156]).
Tal caricatura pareceu encontrar comprovação quando a ortodoxia oriental
veio a se envolver em disputas (veja p. 85 acima) sobre questões tais com o se
era necessário usar dois ou três dedos para fazer o sinal da cruz ou se mesmo
a tradução da igreja eslava do Credo Niceno era sacrossanta (Mak. Rask. 1.2,
1.3,1.4 [1858:23-25, 77,105-7]).
N ão obstante, alguns no Ocidente tiveram de reconhecer que o enten-
dimento da ortodoxia oriental da “tradição apostólica \apostolskoe predanie\ ”
(Mak. Prav. bog. 181 [Tichon 2:245]) é muito mais profundo que isso. Assim,
Batista e outros críticos da doutrina e prática batismais no catolicismo-romano
e no protestantismo magisterial encontraram suporte no costume do batismo
por imersão na igreja oriental (a despeito de sua prática de batizar crianças)
(Camp. Rce. 1 [Gould, p. 262-63]). A teologia oriental, com o fizera no Concilio
de Florença no século X V (veja vol. 2, p. 297-99), criticou a doutrina latina
do purgatório por seu uso equivocado da autoridade da tradição patrística
(Mak. Prav. bog. 259 [Tichon 2:611]). Para os polemistas orientais, o exemplo
mais flagrante dessa “corrupção do símbolo de fé” (Innok. Bog. 112-17 [1859-
11:79-118]), em muitos aspectos formando uma categoria por si mesmo (veja
p. 258 acima), continuava a ser o Filioque ocidental. Os estudiosos da patrística
ocidental foram forçados a concluir que a evidência para isso entre os pais
individuais da igreja grega era muitíssimo inconclusiva. Mas mesmo que não
fosse, o que contava com o autoritativo em uma questão com o a doutrina
da Trindade e, portanto, do Filioque não eram as “opiniões pessoais [Θεολο-
γούμενα]” de professores individuais, mas a voz oficial da igreja falando por
intermédio de um concilio ecumênico (Papad. Symb. 3 [1924:26-34]). Os sete
reconhecidos universalmente com o concilios ecumênicos, um a um, foram
revistos em relação a essa questão e nenhum deles podia ser citado como
apoio (Mak. Prav. bog. 44 [Tichon 1:292]).
320 Λ A DEFINIÇÃO DA DOUTRINA
♦
John Henry Newman, embora ainda um anglicano, reconhecendo em seu
próprio tratamento do Filioque que “a doutrina da dupla processão não era
um dogma católico nas primeiras eras”, sustentava ainda assim que “se agora
ele tem de ser recebido, com o certamente deve ser, com o parte do Credo
[Niceno], foi de fato mantido em todos os lugares desde o início e, portanto,
em uma medida, mantido com uma mera impressão religiosa e talvez uma
impressão inconsciente” (Newm. Univ. serm. 14 [1843:324]). Aqui, conforme
já observado, “o historiador existente em Newman admite que a ‘doutrina’
não era um ‘dogma católico’ nas primeiras eras”, mas “o teólogo [...] tem de
argumentar que a igreja sempre ‘mantivera’ a doutrina” (Chadwick [1957], p.
235). N o século XIX, essa tensão entre a “tradição” com o o objeto de pesquisa
do historiador e a “tradição” com o a autoridade para a doutrina do teólogo
(e para a doutrina da igreja) atinge um ponto crucial nas disputas cercando a
definição da doutrina da infalibilidade papal no Primeiro Concilio Vaticano.
Pois a pesquisa histórica demonstrou não só que os papas individuais foram
condenados por falso ensinamento, notavelmente H onorio I, mas também
que a declaração de consenso na tradição para a própria doutrina “repousa
[...] em um total entendimento equivocado da tradição da igreja no primeiro
milênio da igreja e na distorção de sua história” (Doll. Vat. dekr. 10 [Reusch,
p. 75]).
Por essa razão, o cânone de Vicente de Lérins, “o que é crido em todo
lugar, sempre, por todos” (Vine. Ler. Comm. 2.3 [Moxon, p. 10]) — formulado
originalmente em oposição a Agostinho (veja vol. 1, p. 336-42) e que, depois,
foi invocado contra as inovações dos reformadores protestantes, com o a
justificação só pela fé (veja vol. 4, p. 350) — era usado agora em oposição a
outras inovações doutrinais (veja p. 136-37 acima), mesmo quando tal inova-
ção esteve para tomar a forma de dogma oficial da igreja no Primeiro Concilio
Vaticano. Os protestantes e também os católicos-romanos sentiam-se aptos
a citá-lo sem nem mesmo identificá-lo (Clrdge. Inq. esp. 4 [Hart, p. 64]; Doll.
Vat. dekr. 1 [Reusch, p. 1]); os teólogos ortodoxos orientais também invocavam
o cânone (Andrts. Dok. Sym. 2.3.1 [1901:97]). Mas o estudo mais atento do
cânone vicentino revelou um “defeito em sua utilidade” (Newm. Dev. 1. int.
8 [Harrold, p. 11]). O cânone viera a se tornar um nó górdio que a igreja “não
consegue desatar, mas só cortar de m odo violento” (Schf. Prin.prot. 2 [Mere.
1:102]). O cânone vicentino parecia estar criando mais urna vez a quimera do
“consenso unânime” na tradição cristã; do contrário, era necessário entender
que ele não significava nada mais que “o que é crido na maioria dos lugares,
na maioria das épocas e pela maioria dos mestres [autoritativos]” (veja p. 78-
O consenso da tradição crista ♦♦♦ 321
com essa tese de que “desde os primeiros tem pos” existira “um sistema
definido” (Newm. Ser. Pif. 2 [7r. Tms. 85:21]) tanto de fé quanto de adoração
na igreja, estava a surpreendente conclusão da história mais importante da
doutrina cristã escrita durante esse período de que “a natureza excepcional
do cristianismo” se manifestara em uma ausência de ritual de m odo que “a
história do dogma durante os três primeiros séculos não está refletida na
liturgia” (Harn. DG . [1931-1:806-8]).
N ão obstante, em uma época em que o conteúdo doutrinai do púlpito
caiu em desuso, as “grandes verdades” da confissão cristã continuaram a ser
“trazidas a nossa atenção em suas justas atitudes e conexões com tanta assi-
duidade quanto frequentamos o culto da igreja” (Wilb. Pr. vi. 3 [1798:53]): a
“liturgia pública e ritual” e o “conjunto de fórmulas escriturais ou confissão
de fé” sustentavam um ao outro (Wilb. Ep. 1786 [Robert-Samuel 1:16-17]).
A doutrina da assunção de Maria, conforme já demonstrara o exemplo de
Bernardo de Claraval (veja vol. 3, p. 216-18), recebeu sua validação de “tradi-
ção eclesiástica” principalmente da tradição, litúrgica e, só depois, da tradição
doutrinai (Hno. Teol. Ó.2.2.8 [1785-VI:431]). Apenas a partir da prioridade
cronológica da liturgia sobre o dogma formal era possível argumentar em
favor da existência da doutrina da presença real (Newm. Ari. X X X IX . 8 [7r.
Tms. 90:52]) — embora não da doutrina da transubstanciação (Newm. Dev. 1.
int. 19 [Harrold, p. 25]) — nos primeiros séculos da igreja. E foi regressando
à prática litúrgica da doutrina que foi possível lidar com a questão medieval
(veja vol. 3, p. 257-59) ainda não resolvida do silêncio da Escritura sobre a
instituição da maioria dos sete sacramentos por Cristo (Marc. Inst. 34.5.2
[Tomassini 6:356]).
A presença de algumas poucas exceções históricas não podia negar o
consenso de “toda a tradição” (Gr. XVI. Tr. 3.2 [Battaggia, p. 186]). Todavia,
se a tradição sobre o consenso da tradição cristã, de alguma forma, tinha de
resistir ao escrutínio da consciência histórica do século XIX, uma simples
noção sobre o “consenso unânime” ao longo do século teria de se sujeitar
a uma redefinição do consenso da tradição em que sua dimensão temporal
passou a ser um com ponente decisivo. Seria necessário reconhecer que, por
toda sua linguagem sobre o que fora crido em todo lugar em todas as épocas
por todos, “a regra de Vicente não é de caráter matemático nem demons-
trativo, mas moral” — e também histórico (Newm. Proph. Off. 2.6 [ETMed.
1:55-56]; Newm . Dev. int. 8 [Harrold, p. 11]). Assim, foi no século X IX que
houve “uma contribuição decisiva para o problema da relação entre o ma-
gistério e a história na tradição”, na forma de “ideia de desenvolvimento” da
O dogma e seu desenvolvimento ♦♦♦ 32 7
doutrina, e esta, assim, “veio a ser uma dimensão interna para essa tradição”
(Congar [1967], p. 211]).
qualquer fórmula de três ou quatro linhas” (Bush. Vic. sac. 2.4 [1866:211-12])
que tentaria encapsular esse processo: “Quando” — subiu o clamor — “o
dogmatismo teológico entenderá a linguagem da paixão?” (Bush. Vic. sac.
2.4 [1866:229]).
Embora os críticos da história do século XVIII tenham demonstrado
que o termo “dogma”, nem no N ovo Testamento nem no uso subsequente
da igreja, podia ser entendido de forma inequívoca no sentido da confissão
oficialmente legislada e obrigatória da igreja (veja p. 79 acima), foi esse sen-
tido do termo que passou a ser objeto tanto de interesse teológico quanto
histórico no século X IX (veja p. 243 acima). Newman, — em contraste com
Schleiermacher para quem a “piedade”, mas não a “doutrina”, era seu “ventre”
espiritual (Schl. Rei. [1806] 1 [Pünjer, p. 11-12]) — admitiu que “o dogma,
desde a idade de quinze anos, tem sido um princípio fundamental da minha
religião: não conheço nenhuma outra religião, não posso fazer parte de qual-
quer outro tipo de religião”; e Newman declarou que nunca teve nenhuma
séria “tentação de ser menos zeloso com os grandes dogmas da fé” (Newm.
Apol. 2 [Svaglic, p. 54-55]). Além disso, ele sustentou que isso não era uma
idiossincrasia pessoal, pois “os homens querem um sistema dogmático” e o
encontram no cristianismo “desde o início até hoje” (Newm. Ser. Prf. 1 [7r.
Tms. 85:23]). A igreja, na formulação de um dogma, “mais que insiste, ela
obriga” (Newm. Insp. 1.3 [Holmes-Murray, p. 102]), de m odo que “a crença
na teologia dogmática” vinha com o o terceiro item, logo depois da “crença
em D eus” e a “crença na sagrada Trindade” em sua lista de obrigações da
fé cristã e aceitação delas (Newm. Gram. 1.5 [Ker 1985:69-102]). Conforme
ele colocou em uma definição resumida: “Um dogma é uma proposição; ele
representa uma noção ou uma coisa; e acreditar nele equivale a dar a aceita-
ção da mente a ele, enquanto o dogma representa o primeiro ou o outro”.
Por essa razão, “a real aceitação do dogma é um ato de religião; a [aceitação]
teórica dele é um ato de teologia” por meio do qual a “real aceitação” da
fé religiosa tomava forma intelectual (Newm. Gram. 1.5 [Ker 1985:69]). O
termo também não podia ficar confinado ao “julgamento formal” sobre
uma questão de doutrina, pois também havia na tradição patrística “uma
certa interpretação de um texto doutrinai” que era “tão contínua e universal”
quanto para qualificá-lo para a posição “factível ou praticamente” dogmática
(Newm. Insp. 1.17 [Holmes-Murray, p. 113]).
Wilhelm Münscher, na obra reconhecida pelos sucessores na história
do dogma com o “a primeira apresentação completa da nossa disciplina”
(Harn. DG . [1931-1:33-34]), com eçou citando as distinções com o a que fez
O dogma e seu desenvolvimento ♦♦♦ 329
[culpa] atual” (Newm. A rt. X X X IX . int. [7r. Tms. 90:3]). N o entanto, nesse
meio-tempo, ele examinou o papel da tradição nas controvérsias entre o
arianismo e a ortodoxia nicena abraçada por Atanásio (veja p. 324 acima) e
com eçou a ver que os arianos, em alguns pontos inquietantes, pareciam ter o
argumento da antiguidade a seu favor; a aplicação do cânone vicentino não
levava automaticamente à ortodoxia do Concilio de Niceia. N o com eço de
1843, Newman, em um sermão sobre o texto: “Maria, porém, guardava todas
essas coisas e sobre elas refletia em seu coração” (Lc 2.19), estava preparado
para anunciar o que ele estava para chamar no título da versão publicada desse
sermão de “a teoria dos desenvolvimentos na doutrina religiosa” (Newm.
Univ. serm. 14 [1843:311-54]). E em 1845, ele publicou a primeira edição
(revisada em 1878) do “protótipo da ideia do desenvolvimento dos dogmas
cristãos” (Lol. Symb. 2 [1958:17-18]), sua obra Um ensaio sobre 0 desenvolvimento
da doutrina cristã, que “constitui a produção mais importante da perspectiva
teológica de um destacado teólogo da Inglaterra e do catolicismo — salvo,
pelo menos, Leão XIII — a personalidade mais relevante no último século
[XIX]” (Sod. Kat. prot. 1.2 [1910:35]). N o mesmo ano, Philip SchafF pubü-
cou um ensaio apresentado, no ano anterior, com o uma aula inaugural na
Alemanha com o título O princípio do protestantismo conforme relacionado com a
condição atual da Igreja e devotado ao princípio do “desenvolvimento”; seu
colega John Wiliamson N evin traduziu esse ensaio para o inglês e escreveu
uma introdução que passou a ser ela mesma mais uma exposição do que
significava “desenvolvimento”.
Embora essas quatro versões do princípio de desenvolvimento de dou-
trina cheguem a conclusões eclesiológicas diametralmente opostas a esse
princípio — Drey e Newman encontram nele o imperativo para aceitar o
catolicismo-romano, Schaff e Nevin usam-no para justificar um “catolicismo
protestante” (Schf. Prin. prot. 2.6.83 [Mere. 1:230]) na herança da Reforma
com o “genuíno progresso histórico” — todos eles compartilham conside-
rável terreno em comum. Drey via “a lei do temporal”, que pertencia tam-
bém à revelação histórica, no “processo de se tornar, por meio da revelação
progressiva de si mesma ao longo do tempo, e o desenrolar para o exterior
do embrião que estivera oculto” (Dry. Apol. 1.2.3.19 [1838-1:173]). Schaff,
aplicando esse princípio específicamente ao desenvolvimento da doutrina
cristã, citou “a doutrina da Trindade antes da época de Atanásio” com o um
caso histórico particular da regra geral que “é possível a igreja estar de posse
de uma verdade e viver à altura dela antes de essa verdade ser discernida na
consciência da igreja” (Schf. Prin. prot. 2.6.16 [Mere. 1:221]). Para Nevin, o
336 ♦♦♦ A DEFINIÇÃO DA DOUTRINA
ser substituida pela metáfora orgânica e não menos bíblica da “árvore” (Mt
13.31,32) com o urna forma de falar sobre a historia da igreja (Slv. Rus. égl.
2.9 [Rouleau, p. 215]). Alguns estavam preparados para argumentar que o
título “corpo de Cristo”, entre esses termos orgánicos para a igreja, era usado
“não no sentido de urna metáfora, mas de urna fórmula metafísica” (Slv. Bogo.
11 /12 [Radlov 3:159]), pois — embora pudesse parecer herético em ambos
os casos dizer isso (Grnvg. Pr. 13.1.1839 [Thodberg 12:121]) — aigreja, com o
o próprio Cristo, “crescefra] em sabedoria” (Le 2.52). Todavia, a metáfora
orgánica para o desenvolvimento parecia ter com o seu inverso inevitável
o reconhecimento de que os credos podiam não só nascer, mas morrer, e
que crenças antes apreciadas podiam se tornar periféricas ou insignificantes,
embora por hábito ainda continuassem a ser defendidas com o artigos de fé
(Chan. Calv. [AUA, p. 467-68]).
Os conceitos de identidade e continuidade eram uma forma de prote-
ger a ideia de desenvolvimento de doutrina contra a acusação de inovação.
Essa descoberta recente do desenvolvimento (uma vez que o “alarmismo
da novidade”, desde os primeiros séculos da igreja (Eus. H. e. 1.1.1 [GCS
9:6]), era visto com o a marca da heresia) precisava confrontar a questão de
se um desenvolvimento doutrinai tinha de ser definido com o “o substancial
crescimento positivo” de uma doutrina, qualquer que fosse esse desenvolví-
mento doutrinai — “por meio de uma ampliação partindo de seu interior”,
“por meio de um acréscimo externo de nova matéria intelectual”, ou se era
ou não um crescimento que não fosse nada mais que um processo de tornar
explícito o implícito, “uma explicação de uma ideia ou crença já existente,
presumivelmente dando a essa crença maior precisão e exatidão na nossa
própria mente e na dos outros, mas não acrescentando seja o que for a sua
real área” (Lid. Div. 7 [1867:641-42]). Esse m odo de colocar a questão deixou
evidente que além de todas as outras objeções sendo levantadas agora contra
isso, o dogma niceno da Trindade com sua designação do Filho de Deus como
“homoousios com o Pai” manteve-se com o o principal exemplo, pelo menos
na história ortodoxa, de “desenvolvimento de doutrina”, por conseguinte,
talvez também de inovação doutrinai (veja p. 257-58 acima). Para a teologia
protestante, esse desenvolvimento de doutrina também era uma ilustração
mais importante da tensão, herdada dos reformadores e das confissões da
Reforma, entre o princípio teórico da autoridade da Escritura sobre a tradição
e a prática da aceitação cabal de um dogma não afirmado nas ipsissima verba
da Escritura, mas recebido da tradição da igreja (Bau. DG. 103 [1858:306]).
Por isso, os críticos católicos-romanos caracterizavam os unitaristas com o
O dogma e seu desenvolvimento 339
N o início do século XX, cada uma das principais igrejas de uma cris-
tandade dividida foi obrigada, por razões próprias (Schf. Prin.prot. 1.2 [Mere.
1:79]), a lidar mais uma vez com a doutrina da igreja — seu lugar na mente
de Cristo, sua mensagem essencial, sua natureza e identidade, suas marcas
de continuidade, sua autoridade e estrutura, sua resposta a sua dupla missão
de se manter “pura e imaculada” e ainda de ser “o sal da terra” (Tg 1.27;
Mt 5.13) e, acima de tudo, sua unidade autêntica a despeito de suas divisões
históricas e além delas. N o início da terça parte final do século X X , não só
cada uma das igrejas individualmente, mas todas elas juntas (ou pelo menos
em algum sentido juntas) estavam envolvidas em investigar com vigor sem
precedentes a “visão [...] de uma igreja genuinamente católica, leal a toda a
verdade e reunindo em sua comunhão todos ‘que professam e se denominam
cristãos’ ”, contudo, com “uma rica diversidade de vida e devoção” {Doe. cr.
un. 1 [Bell 1:3]).
A ecumenicidade foi o grande e novo fato na história da igreja e, por
isso, também na história da doutrina cristã; e a doutrina da igreja veio a ser,
com o nunca fora antes, a portadora do todo da mensagem cristã para o sécu-
lo X X , bem com o da recapitulação de toda a tradição doutrinai dos séculos
precedentes. Portanto, a eclesiologia do século XX, de um m odo especial, foi
fundamentada em uma constante referência cruzada com o passado cristão
e precisava ser entendida principalmente com essa base; contudo, era uma
doutrina que olhava para o presente e para o futuro não menos que para o
passado.
Para as igrejas das principais correntes do Oriente e do Ocidente no início
do século XX, alguma versão do “critério de continuidade apostólica” (veja
vol. 1, p. 124-35) — formulada de m odo mais sucinto por Ireneu, mas pela
natureza do caso crida, ensinada e confessada com o a doutrina comum da
3 4 4 Φ% A COM UNIDADE ESPIRITUAL DO CORPO DE CRISTO
♦
igreja católica — ainda permanecia com o a pressuposição para a definição de
autoridade na fé e na ordem: as Escrituras apostólicas, a tradição apostólica e
o oficio apostólico. Cada um dos três com ponentes nessa definição — com
considerável exatidão, mas não sem alguma simplificação excessiva — foram
descritos com o tendo se tornado constitutivo para um ou outro dos ramos
da cristandade (Delmp. Oik. 2.3 [1972:89]). Assim, a Reforma protestante,
conforme entendida por amigos e inimigos, elevou a autoridade da Escritura
sobre a da tradição do credo (enquanto mantinha grande parte da última) (veja
vol. 4, p. 268-82; 329-343) e sobre a identificação de “ofício apostólico” (veja
vol. 4, p. 220-22) com o episcopado histórico (insistindo que só a política
estabelecida pela Escritura seria obrigatória para a igreja, embora não con-
cordando precisamente sobre que sistema de política, caso houvesse algum,
satisfaria esse critério) (veja vol. 4, p. 239-40, 384). O catolicismo-romano,
conforme se definira no Concilio de Trento, também professava manter
todos os critérios de continuidade apostólica (veja vol. 4, p. 238-373); mas
mesmo alguns em seu próprio meio acusaram que isso ligava a autoridade da
Escritura (cujos cânones um concilio da igreja católica-romana, pela primeira
vez na história cristã, tom ou para si a tarefa de determinar para toda a cris-
tandade) (veja vol. 4, p. 344-45) e a autoridade da tradição do credo (ao qual
o papa, também em um sentido pela primeira vez, afirmara sua prerrogativa
de “acrescentar” doutrinas ao proclamar o dogma da concepção imaculada
de Maria (veja p. 269-70 acima), prerrogativa essa que fora sistematizada pelo
Primeiro Concilio Vaticano (veja p. 310-13 acima) na formulação do dogma
da infalibilidade papal) à crescente centralização da autoridade na pessoa do
papa. Entrementes, era possível dizer que a ortodoxia oriental histórica de-
finirá a autoridade da tradição, representada (mas de m odo algum exaurida)
(veja vol. 2, p. 41-47) pelas ações dos primeiros sete concilios ecumênicos (veja
vol. 2, p. 47-55), com o a norma para a interpretação ortodoxa da Escritura
e negara a qualquer membro do episcopado, até mesmo àquele que era “o
primeiro em meio aos iguais”, o direito de exercer autoridade à parte dessa
tradição (veja vol. 2, p. 177-90). E era possível considerar que a Reforma
radical solapara, um a um, todos esses três critérios (veja vol. 4, p. 384-402).
N o final do século X IX e início do X X, foi estabelecido, com base nesse
padrão triplo da apostolicidade formulado por Ireneu, uma das mais ampla-
mente discutidas das propostas modernas para a renovação e a reunificação
da igreja: o anglicano Quadrilátero de Lambeth, afirmado pela primeira vez em
1886, tornado oficial pela Conferência de Lambeth de bispos anglicanos,
em 1888, e, depois, incorporado com o a afirmação doutrinai essencial do
A comunidade espiritual do corpo de Cristo ♦♦♦ 345
(Chom. Égl. lat. prot. 6 [1872:389-400]), já usado por Cirilo e Metódio (veja
vol. 2, p. 178), “os apóstolos para os eslavos”, em época tão remota quanto o
século XI — traduzido pela antiga igreja Eslovênia por “católico” no Credo
Niceno; o uso da palavra “sobor” (veja vol. 2, p. 47-55) para os concilios da
igreja, para os quais a ortodoxia oriental designou autoridade na igreja, ajudou
a tornar o termo uma maneira de distinguir a eclesiologia oriental tanto da
“monarquia papal” do catolicismo-romano quanto do “sola Escritura” do
protestantismo (Krtsv. Sob. 3 [1932:41-71]; Lol. Symb. 2 [1958:13]). O termo
“sobornost”, nesse sentido, entrou no vocabulário e no pensamento mun-
dial do Ocidente com o o cristianismo ocidental — quer católico-romano,
quer anglicano, quer protestante — por motivos que estão nas sublevações
culturais e políticas da era moderna, redescobrindo ao longo do século X X
o Oriente cristão, quer eslavo, quer grego, quer do Oriente Próximo {Doe. cr.
un. 1.17-23 [Bell 1:9-10]), no qual boa parte do século X IX foi um período
de intensa renovação eclesiológica.
A renovação da eclesiologia
A doutrina da igreja fora uma parte da confissão cristã desde os primeiros
tempos. O Credo dos Apóstolos continha a cláusula: “na Santa Igreja” (veja
vol. 1, p. 169-71), expandida depois para “na Santa Igreja católica” {Symb.
Apost. [Schaff 2:45]), e a exposição mais antiga desse credo explicava que
acreditar na existência de “uma santa igreja” e ter fé em D eus com o Trindade
eram com ponentes essenciais do que o fiel era obrigado a afirmar (Rufin.
Symb. 37 [CCSL 20:171-72]). Embora a frase não fizesse parte do credo ado-
tado no próprio Concilio de Niceia (veja vol. 1, p. 212), o texto litúrgico e do
credo que veio a ser conhecido com o Credo Niceno, em suas formulações
finais, tanto em grego quanto em latim, incluía “Igreja Una, Santa, Católica
e Apostólica” logo depois da confissão da doutrina do Espírito Santo {Symb.
Nic.-CP [Schaff 2:58-59]); nesse sentido, sempre houve uma eclesiologia, e
todas essas quatro marcas da igreja tinham de servir repetidamente com o
uma forma de dar organização sistemática à doutrina da igreja sobre si mesma
(veja vol. 4, p. 129-189).
N o entanto, a cristologia ocupara a atenção central da igreja e de seus
teólogos no século todo (veja vol. 1, p. 235-82; vol. 2, p. 61-114; vol. 3, p.
145-200; vol. 4, p. 222-25,421-32; p. 146-159, 252-60 acima), mas a eclesio-
logia passara por uma história que seria mais bem descrita com o episódica.
As questões do batismo realizado por hereges e a autoridade dos bispos
transformaram o batismo em uma questão entre Roma e Cartago no sécu-
A renovação da eclesiologia ♦♦♦ 349
lo III (veja vol. 1, p. 171-73), e um conjunto de problemas eclesiológicos
relacionados, mas bem distintos, focou mais uma vez a atenção nesse assunto
no século V (veja vol. 1, p. 311-16) — ambos os quais principalmente no
Ocidente latino. É possível dizer que a eclesiologia, dessa vez na forma de
relativa autoridade patriarcal (Phds. Pent. epil. [1969-11:256]), tem sido um
ponto fundamental de divisão no cisma entre o Ocidente latino e o Oriente
grego (veja vol. 2, p. 177-90). Contudo, foi só nos cismas na igreja ocidental,
no final da Idade Média (veja vol. 4, p. 129-89) e, acima de tudo, na Reforma
protestante (veja vol. 4, p. 329-43), que a igreja com o uma doutrina veio a ser
o assunto de preocupação teológica explícita (veja vol. 4, p. 130-31) e, depois,
de formulação confessional (veja vol. 4, p. 244-45, 283, 359-73, 384-93). O
século XVII, exceto pela repetição das problemáticas da Reforma (veja vol. 4,
p. 406-21), permitiu mais uma vez que esse tópico se tornasse relativamente
periférico, e até mesmo as vigorosas discussões sobre a natureza da igreja
e sua santidade ocasionadas de maneiras variadas, mas relacionadas, pelo
jansenismo, puritanismo e pietismo não foram bem-sucedidas em viabilizar
uma reconsideração fundamental da eclesiologia em toda a cristandade (veja
p. 64-76 acima).
Essa reconsideração só com eçou a ser reconhecida no século XIX. Os
eslavófilo e Soloviev na ortodoxia russa, Mõhler e a escola de Tübingen no
catolicismo-romano alemão, Wilhelm Loehe e a renovação litúrgica no lute-
ranismo alemão, Grundtvig e o movimento da igreja no luteranismo dina-
marquês, Newman e o Movimento de Oxford na Igreja da Inglaterra, Schaff
e a teologia de Mercersburg na igreja reformada dos Estados Unidos — esses
e outros teólogos e movimentos teológicos do século XIX, muitos deles,
embora não todos, influenciados uns pelos outros e também pelas fontes
comuns no ^eitgeist (espírito da época) (Wellek [1963], p. 128-221) literário e
filosófico (ainda identificáveis, a despeito da crítica do termo com o “román ti-
co”) (Lovejoy [1948], p. 228-53) despertaram novo interesse na eclesiologia na
maioria ou em todas as igrejas e persuadiram muitos dos participantes desses
vários movimentos a predizer que os períodos anteriores da história da igreja
encontraram sua vocação teológica característica na doutrina da Trindade ou
na doutrina da justificação, assim, agora tinha de ser a doutrina da igreja que
se tornaria o tema central dessa era (veja p. 340-41 acima). Contudo, coube ao
século X X, muito mais que ao século XIX, cumprir essa predição, conforme
os desenvolvimentos da doutrina que começaram no século XIX — incluindo
o próprio conceito de desenvolvimento da própria doutrina (veja p. 334-39
acima) — finalmente alcançavam agora a maturidade eclesiológica.
350 ♦♦♦ ACOMUNIDADE ESPIRITUAL DOCORPO DE CRISTO
com o uma terceira forma além das antíteses estabelecidas durante a era da
Reforma — parecia apresentar uma percepção da igreja que consagrava suas
tradições com o nem mesmo o catolicismo-romano fazia e que, ainda assim,
não identificava essas tradições com uma instituição autoritária e jurídica
(Flrv. Bib. ch. 6 [Nordland 1:93-103]). Os intérpretes da doutrina ocidental,
quando desafiados por uma eclesiologia assim, foram obrigados a provar suas
próprias formulações históricas e a reexaminar o sentido mais profundo da
igreja em operação ali (Plmr. Russ. Ch. 84 [1882:395-96]).
Esse reexame levou muitos intérpretes da Reforma pertencentes ao
século X X a dar nova ênfase à índole da igreja. Karl Holl, que discordou
de muitas das conclusões de Ernst Troeltsch, argumentou que “o conceito
da igreja com o qual Lutero se opôs à hierarquia romana [...] não nasceu de
qualquer tipo de oposição, mas simplesmente em consequência de suas idéias
religiosas fundamentais” (Hll. Lut. 4 [Ges. Auf. KG. 1:289]). U m importante
intérprete de Calvino o descreveu com o “não [tendo] tolerância por qualquer
tipo solitário de piedade que se desliga desse intercâmbio ativo de valores
espirituais” na igreja (McNeill [1954], p. 214-15), uma vez que, nas próprias
palavras de Calvino, “não há nenhum meio de entrar na vida a menos que
[a igreja] nos conceba em seu ventre e nos dê à luz” (Calv. Inst. [1551] 4.1.4
[Barth-Niesel 5:7]). E a obra Os ensinamentos sociais das igrejas egrupos cristãos, de
Troeltsch, estimulava dar nova atenção ao “imenso número de pequenos gru-
pos” da era da Reforma “cujo principal ideal era a formação de comunidades
religiosas de pessoas Verdadeiramente’ convertidas, com base na membresia
voluntária” (Trlsch. So% 3.4 [Baron 1:811-12]), por isso, para a centraüdade
da eclesiologia também nas doutrinas da Reforma radical.
Esse princípio histórico de que “a regra de oração devia estabelecer a
regra de fé” ia muito além das relações entre o Oriente e o Ocidente em sua
influência sobre a renovação da eclesiologia durante o século XX. Em toda a
cristandade essa foi uma época de dar nova atenção à centraüdade da adoração
tanto na vida quanto na doutrina, levando não só à utüização de “m odos de
adoração” com o a uma ferramenta interpretativa ecumênica (Hll. Wst. 10
[Ges. Auf. KG. 3:220-33]), além da doutrina ou até mesmo no lugar dela, para
o entendimento da singularidade das igrejas individuais e para a descoberta
de caminhos de convergência entre elas (WCC. Wys Worsh. 2 [Edwall, p. 20]),
mas também para a fundamental redefinição da igreja como, em sua essência,
a comunidade de adoração. N o catoücismo-romano do século XX, os pionei-
ros da eclesiologia usaram o precedente da igreja primitiva para documentar
“a harmonia de espírito entre üturgia e canto” e, por conseguinte, “a ação
A renovação da eclesiologia 355
sacrificial comum de sacerdote e pessoas” (Mchl. Lit. 16 [1938:329-30]), e eles
protestaram contra uma definição excessivamente externa da igreja (Adm.
KathAO [1949:206-8]). O Segundo Concilio Vaticano juntou-se a essa nova
e ainda antiga ênfase quando afirmou, em relação à liturgia da igreja, que
“nenhuma outra ação da igreja se equipara a sua afirmação de eficácia nem,
tampouco, se igualara em medida e intensidade à liturgia [cuius efficacitatem
eodem titulo eodemquegradu nulla alia actio ecclesiae adaequat\”·, por essa razão, o
concilio identificou a liturgia com o unicamente “o ápice em direção ao qual a
atividade da igreja é dirigida e, ao mesmo tempo, a fonte da qual flui todo seu
poder” (CVat. [1962-65] 3. Sacr. Cone. 1.7,1.10 [Alberigo-Jedin, p. 822,823]).
Embora essa posição elevada da adoração na definição de eclesiologia
não pretendesse de maneia alguma diminuir o lugar do papado no catolicis-
mo-romano nem da pregação e do evangelismo no protestantismo, com o
formas de identificar a natureza e o propósito da igreja, ela advertiu que as
eclesiologias polêmicas nos guias de símbolos comparativos lançados pelas
diversas denominações eram falhos. “O principal objeto da renovação litúr-
gica da nossa época [tinha] de ser a recuperação da expressão objetiva de fé e
adoração coletivas no culto cujo nom e significava ‘ação de graças’ ”, a euca-
ristia (Brlth. Euch. con. [1930:278]). Todas as igrejas, a partir dessa renovação
litúrgica e da reflexão doutrinai sobre ela, desenvolveram “um senso cada
vez maior de que a adoração não deve ser concebida com o uma reunião de
cristãos individuais piedosos, mas com o um ato coletivo em relação direta
com o Senhor da igreja” (WCC. Wjs. Worsh.2 [Edwall, p. 20]).
Outro indicador para a mudança foi a reinterpretação, nas diversas deno-
minações e confissões e entre elas, da doutrina dos sacramentos, cuja relação
com a doutrina da igreja, desde o início, fora estreita, mas complexa (veja
vol. 1, p. 169-83). A conjunção das duas frases do Credo dos Apóstolos, “na
Santa Igreja católica, na comunhão dos Santos” {Symb. Apost. [Schaff 2:45]),
fornecia com frequência a oportunidade para considerar essa relação (veja vol.
3, p. 219-230). Durante o século XX, quase toda reconsideração da doutrina
sacramental envolveu alguma nova perspectiva sobre seu locus na doutrina da
igreja. Por exemplo, em vista de sua história e do principal (e, às vezes, único)
texto-prova usado para sustentá-la (E f 5.31,32 [Vulg.]; veja vol. 3, p. 260-61;
vol. 4, p. 324, 365, 379), era de esperar que o principal fundamento para a
defesa da tradicional inclusão do matrimônio com o um dos sete sacramentos
se devesse a sua relevância eclesiológica com o uma representação tipológica
da relação entre Cristo e a igreja (Pio XI. Cast. con. \A A S 22:552-54]). Da
mesma maneira, “se alguma coisa é certa da perspectiva histórica” desde a
356 A COM UNIDADE ESPIRITUAL DO CORPO DE CRISTO
igreja primitiva (Hll. Ost. 7 \Ges. Auf. KG. 2:121-22]), conclui um estudioso,
era a centralidade do batismo para as palavras do Credo dos Apóstolos sobre
“o perdão dos pecados” (Symb. Apost. [Schaff 2:45]).
Embora a controvérsia de longo alcance, deflagrada pela pesquisa crítica
de Karl Barth, sobre a legitimidade do batismo infantil com o uma prática
“impossível de resgatar sem artificialidade e argúcia exegéticas e factuais”
lidava necessariamente com as questões que faziam parte da discussão desde
as disputas anabatistas do século XVI (Brth. Tf. 4 [1943:36]; veja vol. 4, p.
388-91), no contexto do reexame do século X X — e, de m odo relevante, da
reinterpretação do século X X dessas disputas do século XVI (Trlsch. So%. 3.4
[Baron 1:797-848]) — estava principalmente a doutrina da igreja. A oposição
à prática tradicional procedia do argumento que repousava na defesa da “exis-
tência da igreja evangélica na cristandade de Constantino [corpus christianumf'
(Brth. Tf. 4 [1943:39]), e, pelo menos em princípio, todos os reformadores
protestantes romperam com esse argumento (veja vol. 4, p. 236-46,324-43).
Os teólogos protestantes criticavam havia muito tempo qualquer entendí-
mento do batismo infantil com o uma ação quase mágica administrada pela
igreja institucional, por meio da qual se supunha que tanto os pais quanto
as crianças, sem aceitar a responsabilidade da membresia da igreja, compar-
tilhavam os meios de graça da igreja (Schl. Chr. gl. 138 [Redeker 2:335-40]).
As respostas para Barth também reconheciam que “se quisermos entender
os textos bíblicos do m odo correto, temos de fazer uma ruptura radical com
o pensamento individualista m oderno” (Jrms. Kndif. [1958:26]). A igreja
era a matriz em que as crianças batizadas tinham de crescer em maturidade
e responsabilidade; os oponentes do batismo infantil foram acusados de
transformar essa responsabilidade em um pré-requisito, em vez de em uma
consequência da ação da igreja.
Contudo, era mais uma vez o que um importante estudo (veja vol. 3,
p. 230-52) denominou de “fé e prática eucarísticas” (Brlth. Euc. [1930]) que
não só carregava a maioria do peso da doutrina sacramental para todos os
outros sacramentos (por mais que fosse dito que muitos outros carregavam
esse peso), mas também esclarecia a discussão da natureza da igreja. Além
das controvérsias entre Roma e Bizâncio sobre o uso do pão sem fermento
(ou “ázimo”) (veja vol. 2, p. 195-99; p. 99-100 acima), boa parte da história da
discussão doutrinária sobre a eucaristia lidava com duas questões, embora rela-
clonadas (veja vol. 1, p. 160-61), referentes à relevância sacrificial e à presença
real (veja vol. 1, p. 179-82), com a doutrina da última tendo pelo menos em
parte vindo da reflexão sobre a primeira durante a Idade Media no Ocidente
A renovação da eclesiologia ♦♦♦ 357
pertencendo a uma classe por si mesma com o o título que “completa o todo
da eclesiologia” (Gbts. E kkl. [1967:123]). O “corpo de Cristo”, durante esses
períodos da história em que a eclesiologia não fora o foco central da atenção
doutrinai, ainda assim, figurara, também por causa de suas associações euca-
rísticas, de modo proeminente no vocabulário teológico (vejavol. 3,p. 109-16,
232-50). Suas afinidades linguísticas e conceituais com o conceito legal de
“corporação” ajudou a lhe dar, mesmo na lei canônica medieval (veja vol. 3,
p. 77-78), uma posição não igualada pelos outros termos. Ela, por sua vez,
para algumas das especulações eclesiológicas mais ambiciosas do século XIX,
assumiu uma existência própria “não [como] uma metáfora, mas [como] uma
fórmula metafísica” (Slv. Bogo. 1 1 /1 2 [Radlov 3:159]). O conceito de “corpo
místico de Cristo [corpus Christi mjsticum]”, a despeito da crítica daqueles para
quem qualquer coisa “mística” parecia carregar conotações perigosas (Brth. K
D. 15.62.2 [1932-IV-l :736]), adquiriu nova proeminência com a promulgação
da encíclica papal Mjstici corporis (Corpo místicá), na qual o termo “místico”
passou a ser um meio tanto para a associação quanto para a distinção da igreja
com o “corpo de Cristo” em relação ao seu corpo “físico”, ou “natural” ou
“eucarístico” (Pio XII. Myst. corp. [A A S 35:221-22]).
A ambiguidade da expressão “corpo de Cristo” com o conotando “corpo
místico” ou “corporação” (ou ambos) sugere a antítese fundamental com a
qual a eclesiologia do século XX, com o a eclesiologia dos séculos preceden-
tes, teve de se reconciliar: o contraste, ou até mesmo a contradição, entre a
igreja com o um artigo de fé nõ Credo dos Apóstolos e no Credo Niceno
e as “feridas no corpo do Cristo místico” (Adm. Kath.X3 [1949:256]) com o
uma instituição empírica, histórica e política enredadas nas concessões de
sua história — a relação, mais uma vez ainda, entre o espírito e a estrutura na
igreja (veja vol. 4, p. 384-93), bem com o entre a unidade da igreja no único
Cristo e suas divisões empíricas.
talvez tão poderosa quanto a autoridade do papa (do qual ser tirada por alguns
polemistas e historiadores orientais era o resultado inevitável) (Krks. E k k l
Hist.. 175a [1897-11:131-32]; Krks. Antipap. 1 [1893:4]). Uma monografia his-
tórica examinou a relação dos “interesses políticos seculares” com “a questão
da fé” no contexto da Confissão deAugsburg (Schbrt. Bek. 8 [1910:238]), e um
estudo norte-americano pioneiro foi devotado ao papel decisivo desempe-
nhado por questões com o a escravidão e a estrutura de classe na história de
com o as igrejas dos Estados Unidos (e, por extrapolação, todas as igrejas ao
longo da histórica cristã) tinham se separado umas das outras, independen-
temente das justificações doutrinais, após o fato consumado, que possam ter
fornecido para a divisão delas (Nieb. Soc. Srcs. [1929]). Esse reconhecimento
dos “fatores não teológicos” na separação das igrejas — vindo com o veio
ao mesmo tempo em que a reconsideração fundamental da missão social da
igreja em relação à ordem secular (veja p. 372-83 abaixo) — parecia ter com o
seu resultado o cultivo de outros fatores não teológicos mais positivos, com o
uma participação na ação social, com o um m eio de superar a separação {Doe.
cr. un. app. 3 [Bell 1:377-79]).
Mas seria uma simplificação exagerada da história — simplificação exa-
gerada essa da qual os líderes ecumênicos foram reiteradamente acusados
por aqueles que viam qualquer cooperação ecumênica com o concessão
doutrinai (Delmp. Oik. 3.2 [1972:159]) — esquecer que houve recursos
teológicos para a unidade da igreja com o houve questões teológicas na
desunião das igrejas, por isso, negligenciar o que podia ser chamado de a
relevância teológica de fatores não teológicos tanto com o uma causa que
tenha ocasionado a separação original quanto com o uma força histórica que
tenha começado a recuperar a unidade perdida (Adm. Un. 2 [1948:37-39]).
Portanto, lado a lado com a consideração da igreja e da doutrina incorporada
na “fé e ordem” o “Concilio Cristão Universal para a Vida e a Obra”, com
sua designação explícitamente prática “para afirmar o papel supranacional
da igreja e expressar seu chamado à reconciliação” (Goodall [1961], p. 58),
modelou às vezes a discussão doutrinai de forma não menos decisiva. O
líder do concilio, da perspectiva doutrinai e também prática, foi Nathan
Sõderblom, que acreditava que a prática — uma vez que “a doutrina divide,
mas o serviço une” {Doe. cr. un. app. 3 [Bell 1:378]) — podia ser a base da
teoria (conforme o epigrama patrístico colocara isso) (Gr. Naz. Or. 4.113
[PG 35:649-52]), e que o imperativo moral de uma participação com um no
ministério de ajuda cristã depois da Primeira Guerra Mundial foi ao mesmo
tempo um recurso teológico para o entendimento do sentido mais profundo
Os recursos teológicos para a unidade ♦♦♦ 363
elaborado com clareza”, ficou claro o bastante para possibilitar “uma solução
baseada nos princípios teológicos em que alguns ocasionais arranjos práticos
pudessem ser substituídos” (Flor. Chr. cult. 9 [Nordland 2:226-27]). D esse
início no plano de “arranjos práticos”, por sua vez, seguir-se-ia a exploração
teológica mais profunda da doutrina da igreja e de sua unidade.
Esses “arranjos práticos”, também para o catolicismo-romano, podiam
se tornar um recurso para definições de igreja e de unidade da igreja que
ultrapassavam a equação simplista da igreja com a instituição eclesiástica da
qual o papa era o cabeça visível. Uma dessas era o batismo. Embora uma
ordenação válida pudesse ser administrada só por um bispo estabelecido na
sucessão apostólica apropriada (embora ele pudesse estar em dissidência com
o bispo de Roma) (Leão XIII. Ap. cur. [ASS 29:198-201]) e uma eucaristia
válida, por sua vez, dependia para sua posição sacramental de uma ordenação
válida do sacerdote ministrante (CLater. [1215]. Const. 1 [Alberigo-Jedin, p.
230]), o batismo — desde as controvérsias do bispo de Roma com Cipriano
no século III (veja vol. 1, p. 171-72) e de Agostinho com os donatistas no
século V (veja vol. 1, p. 311-16) — ficara muito menos confinado. N o Concilio
de Basileia-Ferrara-Florença, com base em especial da doutrina sacramental
de Tomás de Aquino (Tos. Aq. A Γ. 3.67.3-5 [Ed. Leon. 12:82-84]), foi afirmado
oficialmente que embora o batismo devesse comumente ser administrado por
um sacerdote, em uma emergência literalmente qualquer pessoa podia batizar,
contanto que a forma prescrita pela igreja fosse observada e houvesse a intenção
de fazer o que a igreja faz (CFlor. [1438-45]. Deer. arm. [Alberigo-Jedin, p. 543]).
As reafirmações dessa doutrina no século X X e também da doutrina de que
a igreja podia ser definida com o “a sociedade em que os seres humanos, por
intermédio do banho do batismo, entram na vida da graça divina” (Pio XI.
Div. il. mag. \A A S 22:52]), conforme colocou o papa Pio XI, prepararam o
caminho para o Segundo Concilio Vaticano declarar em seu decreto sobre o
ecumenismo que “aqueles que creem em Cristo e receberam de forma apropria-
da o batismo são trazidos em uma certa comunhão, embora imperfeita, com a
igreja católica” e, por essa razão, eram aceitos com o irmãos pela igreja (CVat.
[162-65] 5. Unit, redint. 1.3 [Alberigo-Jedin, p. 910]); essa declaração chegou
quase a reconhecer esses batizados não católicos-romanos com o “membros
da igreja”, mas apontou o sacramento do batismo com o um recurso para
a unidade da igreja mesmo se ambos os sacramentos das ordens sagradas
e o sacramento da eucaristia continuassem a ser obstáculos para a unidade.
A atenção renovada nos principais documentos do século XVI ajudara
a remodelar a maioria do corpo de doutrina cristã nas comunhões anglica-
na, luterana e reformada durante os séculos X IX e X X (veja p. 332 acima),
Os recursos teológicos para a unidade ♦♦♦ 371
mas nenhuma doutrina foi afetada de m odo mais fundamental por isso que
a doutrina da igreja e sua unidade. O principio m etodológico de Newman
para a leitura de Os 39 Artigos e do Livro de oração comum (veja p. 333 acima)
— bem como, por extensão, a Confissão de Augsburg, junto com o Catecismo
de Heidelberg — “no sentido mais católico que eles permitem”, com o urna
“obrigação que devemos tanto à igreja católica quanto a nós mesmos” (Newm.
A rt. X X X IX . con. [Tr. Tms. 90:80]), foi realizado, embora de uma maneira
que ele não pôde antecipar, quando, com o no caso da Confissão de Augsburg,
a asseveração de que “nossas igrejas não discordam da igreja católica em
nenhum artigo de fé” ( Conf.Aug. II.1 [Bek., p. 84]) foi pressionado além “da
ênfase inicial sobre a espiritualidade da igreja” com base no qual “também
sua universalidade, ou catolicidade, tinha de ser encontrada na esfera de
uma espiritualidade não empírica” para uma ênfase na “confissão com um”
empíricamente reconhecível na qual todos os cristãos compartilhavam (Elrt.
Morph. 1.21 [1931-1:242-44]). O editor do século X X do Catecismo de Heidelberg
publicou-o com o parte da ordem total da igreja do Palatinado para fornecer
“uma indicação relevante de que a confissão da igreja não se sustenta por si
mesma, mas está incorporada nas ordenanças que regula a vida de adoração
da comunidade” (Nsl. BekKO. [1938:137]). E um comentarista do século XX,
em seus comentários sobre o título do Livro de oração comum, também enfa-
tizou que ele “afirma que a liturgia do Livro de Oração é a ‘da igreja’ como
um todo, ou seja, a igreja católica universal, contínua no tempo e difundida
por todo o mundo” (Shprd. Comm. pr. [1950:i]).
Como os decretos e confissões doutrinais das várias igrejas podiam ser
aproveitados por sua contribuição para um senso mais profundo da unidade
da igreja, também, da outra direção, a oposição à própria noção dos decretos
e confissões doutrinais — uma oposição que as igrejas confessionais caracte-
rizavam com o “sectária” — foi levantada com a intenção de contribuir para o
mesmo fim. A rejeição do Credo Niceno e do Credo de Atanásio e até mesmo
do Credo dos Apóstolos, por Alexander Campbell (veja p. 330-331 acima),
com o uma força divisória foi uma expressão da convicção de que uma igreja
dividida só podia ser reunificada pela volta a um “cristianismo primitivo”,
anterior ao credo e caracterizada pela liberdade teológica, mas não pelo caos
doutrinai; pela unidade, mas não pela uniformidade. Campbell se esforçou
para evitar não só qualquer credo, mas qualquer rótulo denominacional para
seus seguidores, identificando-os simplesmente com o “discípulos de Cristo”
que “se viam com o um movimento na igreja em busca da unidade da igreja”
e que insistia “que seu objetivo fundamental ainda é o mesmo, a saber, unir
3
72Λ A COM UNIDADE ESPIRITUAL DO CORPO DE CRISTO
♦
os cristãos” (D. H. Yoder ap. Rouse-Neill [1954], p. 240). Esse objetivo tinha
de se tornar decisivo para todas as igrejas.
A redenção da sociedade
O fim do século X IX e o século XX, além de todos os outros motivos
teológicos (e não teológicos) para a renovação da fé e da vida da cristandade
ao buscar com novo vigor a visão de uma igreja reunida, viam nessa visão
a possibilidade de fazer uma contribuição para a construção de uma ordem
social mais humana e moral. Os cristãos, só se conseguissem falar com uma
única voz, podiam esperar fazer essa contribuição. O versículo dos evange-
lhos umversalmente citado com o incorporando, mais que qualquer outro, o
imperativo ecumênico divino {Doe. cr. un. 4 [Bell 1:16]; Sod. Chr.fell. [1923:1];
Slp. Posl. 14.vi.1970 [Choma 9:131]) — a oração de Cristo para seus seguidores
na noite anterior a sua crucificação para “que todos sejam um” — não só
prosseguiu para enunciar uma doutrina que o cristianismo ortodoxo tom ou
com o o fundamento trinitário da unidade da igreja (Ag. Trin. 4.9.12 \CCSL
50:177-78]), “Pai, com o tu estás em mim e eu em ti. Que eles também este-
jam em nós”, mas também concluiu com o objetivo de que números cada
vez maiores de cristãos em todas as igrejas entendessem essa oração com o
a relevância evangélica, a tarefa apologética e o propósito social da igreja
{Found. 7 [1913.355]): “para que o mundo creia que tu me enviaste” (Jo 17.21).
“A influência das doutrinas na sociedade”, conforme denominou um
teólogo espanhol (Blms. Prot. 52 [Casanovas 4:559-79]), e o aprofundamento
do compromisso cristão com a redenção da sociedade já eram observados
no século XIX. O mesmo William Wilberforce — cuja obra Visãoprática dos
sistemas religiososprevalecentes dos cristãos confessos expressou a preocupação dos
cristãos evangélicos a respeito da situação da doutrina e da vida cristãs (veja
p. 236 acima) — assumiu a liderança na campanha contra a escravidão com o
“a maior quantidade de culpa e miséria que já existiu na terra” (Wilb. Ep.
30.1.1807 [Robert-Samuel 2:113]). O mesmo Fiódor D ostoiévski que, com o
pensador e homem de letras russo ortodoxo, expressando o que ele e outros
tomavam com o o sentido permanente da tradição ortodoxa de doutrina e
espiritualidade (veja p. 114-15 acima), também falou sobre um processo his-
tórico por meio do qual “o Estado é transformado na igreja [e] ascenderá e
se tornará uma igreja sobre todo o mundo” (Dost. Ir. Kar. 1.2.5 [Cernecova,
p. 69]). O m esmo papa Leão XIII cuja encíclica ProvidentissimusDeus {Providen-
tíssimo Deus), de 1893 (Leão XIII. Prop. \ASS 26:269-92]), estabeleceu alguns
dos mais importantes fundamentos para o estudo católico-romano moderno
da Bíblia também lançou o Rerum Novarum {Das coisas novas), em 1891 (Leão
A redenção da sociedade ♦ > ^3
Lumen Gentium
Em 3 de julho de 1907, o papa Pio X lançou o decreto Lamentabili {]Lamen-
tável), no qual condenava o esforço de vários teólogos da igreja católica-romana
para se desobrigarem da autoridade de ensinar da igreja (Pio X. Lam. [ASS
40:470-77]); e, em 8 de setembro do mesmo ano, ele, na encíclica Pascendi do-
miniagregis {Do apascentamento do rebanho), estendeu e reforçou essa condenação
enfatizando “a origem do dogma e a própria natureza do dogma” com o “a
principal matéria” (Pio X. Pase. [ASS 40:602]). Em 1910, ele acrescentou a
exigência de um juramento contra esses erros do modernismo para ser feito
por todos os professores de teologia e outros clérigos (Pio X. Sacr. ant. [AAS
2:669-72]). N a ortodoxia oriental, “com exceção de apenas quatro bispos,
todo o episcopado russo, em 1905, exigiu a restauração do patriarcado su-
primido por Pedro, o Grande” (J. Meyendorff ap. Nichols-Stavrou [1978],
p. 177), com o um meio de lidar com a nova situação da igreja ortodoxa na
cultura da Rússia czarista do século XX.
Durante os anos 1909/1910 e seguintes, os protestantes evangélicos dos
Estados Unidos lançaram, em um total de mais de três milhões de copias,
os doze tratados intitulados Osfundamentos, afirmando os “cinco pontos do
fundamentalismo”: a inspiração verbal e inerrancia da Bíblia, a divindade de
Cristo, o nascimento virginal de Cristo, a doutrina substitutiva da expiação
e a ressurreição física e a volta corporal de Cristo. Em 1912, um grupo de
teólogos anglicanos de Oxford lançaram sua “declaração da crença cristã
em termos de pensamento moderno” sob o título Fundamentos, em que ten-
taram, sem abrir mão da essência da tradição cristã, reconciliar as crenças
cristãs históricas com aqueles e outros pontos importantes da doutrina com
a “ciência, filosofia e estudo acadêmico” {Found. ínt. [1913:vii]), em especial
com os resultados da crítica histórica e bíblica.
Essas declarações no com eço do século X X dos porta-vozes cató-
licos-rom anos, ortodoxos orientais, protestantes evangélicos e angli-
canos — com o as palestras do historiador luterano liberal A d olf Harnack
sobre A essência do cristianismo, em 1899/1900 (veja p. 291-92 acima) — todos
pretendiam formular o sentido essencial da tradição cristã em suas relações,
quer positivas quer negativas, com o pensamento contemporâneo. N o en-
tanto, todos eles estavam para ser ofuscados em importância histórica pelo
Segundo Concilio Vaticano da igreja católica-romana convocado pelo papa
João XXIII, que se reuniu do final de 1962 ao final de 1965. A maioria dos
384 ♦♦♦ A COMUNIDADE ESPIRITUAL DO CORPO DE CRISTO
Geral
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deve, junto com o livro correspondente de Georges Florovsky, ser colocado aqui
também, como uma introdução profunda não só à teologia do século XIX, mas
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(Veja “Nordland” na seção “Edições e coleções” p. xlvii acima.)
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400 ♦♦♦ OBRAS SECUNDÁRIAS SELECIONADAS
3· A teologia do coração
Aalen, Leiv. Die Theologie desjungen Zinyendof. Hamburg, 1966.
Obras secundárias selecionadas ♦♦♦ 401
Baker, E. W A Herald of the Evangelical Revival: Λ Critical Inquiry into the Relation of
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Bauch. Hermann. Die Lehre vom Wirken desHeiligen Geistes im Friihptetismus. Hamburg,
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402 ♦♦♦ OBRAS SECUNDÁRIAS SELECIONADAS
Dilthey, Wilhelm. Leben Schleiermachers. Editado por Martin Redeker. 2 vols. Berlin,
1970. Muito mais que apenas uma biografia, essa continua a ser a melhor introdução
ao pensamento de Schleiermacher.
Eucken, Rudolf. Main Currents of Modern Thought: Λ Study of the Spiritual and Intellec-
tualMovements of the Present Day. Traduzido por Meyrick Booth. New York, 1912.
Flückiger, Felix. Philosophie und Theologie bei Schleiermacher. Zurich, 1947.
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Furniss, N. F. The Fundamentalist Controversy, 1918-1931. New Haven, 1954.
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2 vols. Tübingen, 1981.
Kline, George L. Religious andAnti-Religious Thought in Russia. Chicago, 1968.
Korff, Hermann August. GeistderGoetheit: Versuch einerideellen Entwicklungder klassisch
romantischenLiteraturgeschichte. 5 vols. Leipzig, 1923-57. Essa obra imensa, a despeito
de seu subtítulo, não confina suas percepções à história da literatura, mas tem
influência direta na história do pensamento cristão.
Kroner, Richard. Kant’s Weltanschauung. Traduzido por John E. Smith. Chicago, 1956.
Krüger, Hans Joachim. Theologie und Aufkldrung: Untersuchungen ψ ihrer Vermittlung
beimfungen Hegel. Stuttgart, 1966.
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Lotz, David Walter. Ritschl and Luther: A Fresh Perspective onAlbrecht Ritschl’s Theology
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Lütgert, Wilhelm. Die Religion des deutschenIdealismus undihrEnde. 2aed. 2 vols. Gütersloh,
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Mackintosh, Hugh Ross. Types of Modern Theology. New York, 1937.
Merz, John Theodore. A History of European Thought in the Nineteenth Century. 4 vols.
Edinburgh, 1896-1914. Os desenvolvimentos intelectuais do século XIX conforme
vistos da perspectiva da ciência.
404 ♦♦♦ OBRAS SECUNDARIAS SELECIONADAS
5. A definição de doutrina
Barth, J. Robert. Coleridge and Christian Doctrine. Cambridge, Mass., 1969.
Beckmann, Klaus-Martin. Der Begrijfder Haresie bei Schleiermacher. Munich, 1959.
Birkner, Hans Joachim, et al. Das konfessionelle Problem in der evangelischen Theologie des
19. fahrhunderts. Tübingen, 1966.
Bolshakoff, Serge. The Doctrine of the Unity of the Church in the Works of Khomyakov
andMohler. London, 1946.
Bouyer, Louis. The Word, Church, and Sacraments in Protestantism and Catholicism. Tra-
duzido por A. V. Litdedale. New York, 1961.
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Congar, Yves M.-J. Tradition and Traditions: An Historical and a Theological Essay. Tra-
duzido por Michael Naseby e Thomas Rainborough. New York, 1966.
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D ’Arcy, Martin C. The Meaning and the Matter of History. New York, 1959.
Dupré, Louis K. Kierkegaard as Theologian: The Dialectic of Christian Existence. New
York, 1963.
Obras secundárias selecionadas ♦♦♦ 405
W
Fairweather, Eugene R., ed. The Oxford Movement. New York, 1964.
Faut, S. Die Christologie seit Schleiermacher: Ihre Geschichte und ihre Begründung. Tübingen,
1907.
Geiger, Wolfgang. Spekulation und Kritik: Die Geschichtstheologie Ferdinand Christian
Baurs. Munich, 1964.
Geiselmann, Josef Rupert. The Meaning of Tradition. Traduzido por W. J. O ’Hara.
New York, 1966.
— . ed. Johann Adam Mõhler. Symbolik oder Darstellung der dogmatischen Gegensdt^e der
Katholiken undProtestanten nach ihren offentlichenBekenntnisschriften. 2 vols. Darmstadt,
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Hodgson, Peter Crafts. The Formation of Historical Theology: A Study of Ferdinand
Christian Baur. New York, 1966.
Hõk, Gosta. Die elliptische TheologieAlbrecht Ritschls nach Ursprung und innerem Zusam-
menhang. Uppsala,1942.
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und Grundtvig. 3 vols. Munich, 1966-72.
Mackey, J. P. The Modern Theology of Tradition. New York, 1963. Inclui um capítulo
sobre “as duas fontes” (p. 150-69).
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Nichols, James Hastings. Romanticism inAmerican Theology: Nevin and Schaffat Mercers-
burg. Chicago, 1961.
4 0 6 ♦♦♦ OBRAS SECUNDÁRIAS SELECIONADAS
A DOUTRINA CRISTA
E A CULTURA MODERNA
DESDE 1700
Ganhador do Prêmio da Academia Americana de lleligiao de ¡990pela excelência desta obra
Jaroslav Pelikan começou este volume com a crise da ortodoxia que confrontou todas as denominações
cristãs no inicio do século XVIII e continuou ao longo do século XX, abordando a preocupação
particular desse |>eríodo com o ecumenismo. A era moderna na história da doutrina cristã, demonstra
Pelikan, pode ser definida como o período em que, na maior parte da história cristã, as doutrinas
mais assumidas que debatidas foram elas mesmas questionadas: a ideia de revelação, a singularidade
de Cristo, a autoridade da Escritura, a expectativa de vida após a morte e até mesmo a própria
transcendência de Deus.
Ό conhecimento do imenso esforço intelectual investido na construção do edifício da doutrina
crista pelas melhores mentes de cada geração sucessiva é notável, e leitura muitíssimo recomendada
e agradável. E dificilmente existe uni guia mais liicido e genial que esta obra maravilhosa."
— Economist
"Este volume, a triunfante conclusão de toda uma série, deve ser recomendado sem reservas como
a melhor e mais abrangente introdução disponível atualmente sobre o assunto."
. !lister E. McGrath, autor de Teologia sistemática, histórica efilosófica
Shedd Publicações
"A série do professor Pelikan marca um importante ponto de partida, e, além disso, o autor é um
professor extraordinário."
— Marjorie O'Rourke Boyle, Commonweal
"Os livros de Pelikan marcam não só o fim de um esforço acadêmico fascinante, mas também o fim
de uma era. Temos motivo para supor que nada parecido com esta obra será empreendido novamente."
— Harvey Cox, Washington Post Book World
Jaroslav Pelikan ( 1923 - 2006 ), autor de mais de trinta livros, era erudito em História do
Cristianismo e Teologia Cristã. Foi professor de história na Yale University.
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